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Parte um Ele chegou às 16:47 no café, sentou-se a mesa mais distante na calçada ao lado de um hidrante, acendeu um cigarro, cruzou as pernas, abriu seu caderno e começou a escrever. Um garçom aproximou-se, pediu um chá, após sete minutos foi servido. Enquanto escrevia freneticamente, olhava para o movimento da cidade, a vida das pessoas passava diante dos seus olhos. Pressa é o que temos hoje. Para ir aonde? Todos chegarão a casa para fartar- se de comida e conectar-se aos seus avatares. O tempo estava quase perfeito. Nublado, cinza, a sua cor preferida. A chuva estava por perto, o vento dizia isso, não dizia apenas isso, trazia notícias ao dramaturgo. Uma página de um jornal chegou arrastada pelo vento, grudou em sua perna. O dramaturgo deixou de lado o caderno e a caneta, inclinou-se para o lado e pegou o papel, estava escrito: Shakespeare chegou à cidade! E o artigo começava: Quem será essa pessoa desconhecida? Será um homem, uma mulher, um adolescente superdotado? Tudo que se sabe dessa misteriosa pessoa são seus heterônimos, doze no total. O que antes se pensava ser uma explosão de autores teatrais, na verdade, são peças ligadas a única autoria, explicou o psicólogo e crítico teatral, Steve Collins, que assistiu a todas as peças, incrédulo que seriam autores diferentes. Ele nos disse, em um artigo anterior, que “todas mantém a mesma característica central, os versos perfeitos. Os versos que não são “copiados” das grandes obras de Shakespeare, como muitos autores fazem, os seus versos são como parte de Shakespeare, é como se o próprio admirável dramaturgo voltasse dos mortos e

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Parte um

Ele chegou às 16:47 no café, sentou-se a mesa mais distante na calçada ao lado de um hidrante, acendeu um cigarro, cruzou as pernas, abriu seu caderno e começou a escrever. Um garçom aproximou-se, pediu um chá, após sete minutos foi servido.Enquanto escrevia freneticamente, olhava para o movimento da cidade, a vida das pessoas passava diante dos seus olhos. Pressa é o que temos hoje. Para ir aonde? Todos chegarão a casa para fartar-se de comida e conectar-se aos seus avatares. O tempo estava quase perfeito. Nublado, cinza, a sua cor preferida. A chuva estava por perto, o vento dizia isso, não dizia apenas isso, trazia notícias ao dramaturgo. Uma página de um jornal chegou arrastada pelo vento, grudou em sua perna. O dramaturgo deixou de lado o caderno e a caneta, inclinou-se para o lado e pegou o papel, estava escrito: Shakespeare chegou à cidade! E o artigo começava: Quem será essa pessoa desconhecida? Será um homem, uma mulher, um adolescente superdotado? Tudo que se sabe dessa misteriosa pessoa são seus heterônimos, doze no total. O que antes se pensava ser uma explosão de autores teatrais, na verdade, são peças ligadas a única autoria, explicou o psicólogo e crítico teatral, Steve Collins, que assistiu a todas as peças, incrédulo que seriam autores diferentes. Ele nos disse, em um artigo anterior, que “todas mantém a mesma característica central, os versos perfeitos. Os versos que não são “copiados” das grandes obras de Shakespeare, como muitos autores fazem, os seus versos são como parte de Shakespeare, é como se o próprio admirável dramaturgo voltasse dos mortos e continuasse o seu esplendido trabalho”. Mais abaixo: “Aqui nós temos os doze heterônimos conhecidos até agora”. Uma lista descrevia os autores.“- Dave Roger, um cronista anônimo do tabloide New City, apaixonado pela obra de Shakespeare, escrevia secretamente peças teatrais durante seu

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tempo livre, até que resolveu apresenta-las ao renomado diretor Sir Hugh Laws.- Louis Brønsted, um violinista que vive nas ruas. Quando tinha cinco anos a sua mãe faleceu com câncer de pulmão, o pai foi assassinado no dia do seu aniversário de dezessete anos, devia dinheiro aos traficantes de armas. Toda a fortuna herdada foi tomada de si pelo tio, irmão do pai, que continuou o trabalho criminoso do pai, e expulsou o sobrinho no dia seguinte. Louis saiu de casa com um violino stradivarius, um livro dado pelo seu avô materno, contendo todas as peças, poemas e sonetos de Shakespeare, algumas partituras e uma mochila com algumas roupas. - Rose, uma mulher de beleza imensurável, bela. Casada com ator voluntário que atende orfanatos e asilos. Eles têm um filho, Vincent, educado pelo próprio pai, porque o casal não acredita o sistema de ensino atual da nossa sociedade seja capaz de satisfazer o aprendizado de uma criança em crescimento.- Paul Willians, um professor de história de uma escola pública. Em suas aulas comparece caracterizado como a personagem principal do tópico a ser ensinado. Seus famosos personagens mais famosos são George Washington e Hitler.- Richard Quin, um pintor profissional de retratos à óleo. Nunca cobra um preço fixo, sempre deixa o cliente escolher o preço que desejar após o termino da obra, a primeira vez que o próprio modelo pode ver o resultado do artista. Richard é muito requisitado pela alta sociedade, mas nunca recusa um cliente, não se importando com o dinheiro, até mesmo aceitou o pedido de um mendigo que pode apenas lhe pagar dez centavos. - Brandon Jew, um farmacêutico que trabalha em uma grande indústria como um pesquisador chefe, porém as sextas feiras para ele são consideradas o dia de Shakespeare, onde se reúne com outras pessoas que vivem anonimamente ensaiando peças e recitando sonetos entre os próprios membros. - Mr. Lawrencer, um aposentado, veterano da segunda guerra mundial, 92 anos, vive em uma casa de repouso. A casa de repouso Saint Mary é uma

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casa onde os moradores são incentivados as artes, como o teatro e a música e Martin Lawrencer decidiu escrever um musical sobre a sua vida.- Andrew, um chofer que trabalha para um pai solteiro e seu filho. O pai, é um ator de teatro e o filho, passa a maior parte de seu tempo com o chofer, já que os seus avós morreram de um acidente na estrada. Enquanto fora da escola, Andrew e o garoto passeiam pela cidade e passam quase todos os fins de semana na fazenda do pai, lá os dois fingem ser grandes autores.- Carl Phenix, conhecido como Robin Hood, ele roubava bancos e distribuía o dinheiro para os mendigos da cidade, ele foi capturado tentando implantar uma bomba no Wall Street, o símbolo do capitalismo para ele. -Thomas Hunfield, um policial investigador que foi trabalhar disfarçado como um ator, durante a gravação de algumas cenas, ele notou o movimento estranho de alguns cameramen, depois de uma leve perseguição, ele anunciou durante a coletiva da impressa sobre o crime que abandonaria a carreira policial porque tinha se apaixonado pela arte de atuar.- Jack Brown, aos dezoito anos foi chamado para o serviço militar obrigatório, após três meses de treinamento foi enviado para algum país no oriente médio. Apesar de serem considerados inimigos pelo estado, ele não conseguia matar ninguém. Os outros soldados faziam de tudo para ajuda-lo; o psiquiatra do acampamento pediu que ele achasse um meio de fuga enquanto não mandavam um avião para retirar a tropa anterior em que ele iria voltar. O único meio que ele achou foi o teatro, desde esse momento, o acampamento à noite se tornava mais alegre, quando todos se reuniam para assistir algumas peças de Shakespeare, Jack organizava todas as audições e ensaios.- James, cursou a escola de medicina e após termina-la entrou para uma escola de teatro, por causa disso foi expulso de casa. Passou a viver nas ruas. Foi descoberto acidentalmente por um diretor de cinema que cortava o caminho pela praça

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porque estava atrasado para um compromisso. Lá, ele achou James recitando Hamlet.”Atrás, a classificação de algumas peças. Starlight, a mais recente peça tinha dez de dez estrelas. A única peça a receber tantas estrelas quanto esta foi há quatro anos. A summer night, Bloody Hell, The French and the Spanish, as primeiras peças que apareceram no teatro receberam oito estrelas e meia. Hogg, The Beggar Princess e Queen Elizabeth, as peças mais populares receberam nove estrelas. O garçom notou que a xícara do seu freguês ficou vazia, aproximou e perguntou se o homem gostaria de mais chá e algum acompanhamento. Enquanto esperava pela resposta observava o pedaço de jornal. O homem ainda não tinha notado a sua presença, ele pegou a caneta ao lado do caderno e riscou todos os números “doze” que apareciam no artigo. Substitui o número doze pelo número catorze ao lado e disse para si mesmo:- Eles contaram errado, são catorze, não doze.Deixou a caneta ao lado do caderno e olhou assustado para a sua esquerda, ao seu lado o garçom esperava ainda pela resposta.- Sim? – o homem perguntou olhando para o garçom. - O senhor deseja mais uma xícara de chá e talvez um acompanhamento?- Ah, sim. E uma torta de maçã, por favor. O homem colocou o jornal embaixo do porta guardanapo. O chá foi servido na mesma xícara e uma fatia da torta foi colocada ao lado da mesma. Ele terminou o chá e a torta, ao sair disse alto:- O dinheiro está na mesa, fique com o troco.E saiu andando com o caderno dentro do sobretudo, junto com a caneta. Para onde se dirigia? Não sabia. Apenas queria andar. Ao mesmo tempo o garçom limpava a mesa e pegava o dinheiro. Levou a louça para a cozinha e voltou para jogar o jornal no lixo. Ele pegou o papel na mão e olhou os números riscados. E pensou no que o homem que estava sentado a mesa tinha dito sem querer. Como ele saberia? Será que ele era um crítico ou o homem de doze faces? Não era algo

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para se pensar no serviço, guardou o jornal no bolso da calça e continuou o seu trabalho. 19:18Martin chegou ao apartamento que alugava. Por que aquele homem também conhecia os catorze heterônimos? Será ele, aquele que ele procurava e sonhava? Uma alma solitária?Ele chegou ao ponto de táxi às 19:49.- Leve-me à mansão no topo da montanha.- Sim, senhor – depois de alguns segundos ele retornou a falar – Desculpe-me, mas é o senhor que mora lá em cima?- Sim. – ele respondeu. Olhava pela janela. O que será que se passava pela sua cabeça?20:27, ele atravessou o portão principal e entrou pelos fundos, pela porta da cozinha, a porta da frente estava emperrada. Foi direto para o banheiro no quarto. Depois de tomar um banho e se aliviar deitou-se direto na cama sem colocar alguma peça de roupa.04:00O alarme começou a tocar. Ele se levantou, colocou uma calça e desceu as escadas. Saiu pela porta dos fundos e foi pegar as duas garrafas de leite que o esperavam na outra porta; voltou para cozinha e preparou uma salada de frutas. Quando terminou o café da manhã, subiu de volta ao quarto e procurou pelo caderno, recolheu toda a roupa suja e levou para a lavanderia. O sol ainda não tinha chegado. As estrelas ainda estavam se preparando para ir embora. Foi para a biblioteca deitar-se no divã e esperar pelo amanhecer. Ao lado, no chão, havia uma garrafa de vinho pela metade, ele a terminou.06:14Ele deixou a biblioteca e foi para o quarto se arrumar. O quarto era composto por uma cama de casal, uma mesa para o notebook, um closet, um banheiro e uma varanda com vista para o bosque. Sentado na cama, ele pegou o celular e ligou.- Diretor Julius?- Sim, eu reconheço esse sotaque, você escreveu mais alguma peça?- Sim. Irei te mandar uma cópia por correio.

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- Só isso? Não quer traze-la pessoalmente dessa vez?Ele desligou o celular e acendeu um cigarro. Ligou o notebook, digitou toda a peça que estava no caderno e imprimiu. Chamou um táxi pelo telefone e foi para o correio da cidade. E agora? O que fazer? Ao invés de voltar para a mansão resolveu andar mais um pouco pela cidade. Parou em uma banca e comprou o jornal do dia. Achou um banco próximo do lago, dentro da praça, para se sentar e procurar algo interessante para ler. Nos classificados havia uma mensagem que lhe fez pensar um pouco.“M. F. e W. são os que ninguém percebeu, certo? Agora são 14.” Risadas. Quem poderia ter escrito isso? Ele se lembrou. O garçom que o atendeu. Ou será que o jornal caiu em outras mãos? Mesmo assim, o principal suspeito era o garçom. Qual era o nome dele? Ele não sabia, talvez esteja escrito no uniforme dele. Ele iria voltar lá no fim da tarde, novamente. Por enquanto, iria fazer algumas compras. Direcionou-se para o supermercado mais próximo. Comprou tudo o que precisava, pegou um táxi e voltou para a mansão.Guardou as compras. Estava se sentido inspirado e com disposição, mas não havia muitas atividades para fazer, principalmente alguém que não trabalhava, vivia no meio do nada e recebia todo o dinheiro por locações de propriedades no exterior, herdadas da família. Por que trabalhar? Ele não se sentia motivado para trabalhar. Por que vender-se para alguém, um chefe que não é interessado em você, apenas no que você tem a oferecê-lo. E hobbies? Ele já tinha um. Escrever. Não aceitava nenhuma quantia de dinheiro que elas lhe rendiam. Além disso, o anonimato era a melhor parte. Queria saber se alguém fosse capaz de descobri-lo. Até agora não houve muitos avanços. A não ser aquela linha escrita em uma seção de classificados. Estava curioso sobre essa pessoa. Também gostaria de descobrir quem estava por trás disso. Seria uma ocupação fascinante. Por que não?

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Esses pensamentos vinham à cabeça ao mesmo tempo em que andava pelo bosque atrás da casa. Chegou até um rio onde uma ponte de madeira estava quebrada e abandonada. Ninguém andava por aquela região já que era sua propriedade particular. Após a ponte havia uma raridade das árvores e o fim da montanha acabava em um penhasco. O penhasco descia até um rio maior, além deste, uma grande floresta sem fim, até o horizonte, onde se perdia na visão do homem.Ele atravessou a ponte, pulando pelas pedras e se apoiando em alguns restos de corrimão. O rio era pequeno, três metros de largura. Não havia proteção no penhasco, então ele sentava no gramado e deixava as pernas bambeando contra o vento que passava forte por lá. Às vezes ficava deitado. Não tinha medo. Era incrível ter aquela paisagem nos fundos de sua mansão. Não era qualquer um que podia ter esse privilégio.Podia ficar horas lá, apenas encarando a natureza.Era próximo do almoço. Não queria descer até a cidade. Levaria muito tempo para o táxi descer e subir. Assim, voltou para a mansão e preparou o almoço. Comeu e lavou a louça. Pegou uma garrafa de vinho e foi para a biblioteca.Colocou para tocar La Traviata. A biblioteca consistia em um pequeno quarto com prateleiras em todas as paredes, do chão ao teto, cobertas de livros, ao centro um divã azul marinho. Nele, um livro que estava lendo, O Poderoso Chefão, odiava o livro, porque o lembrava de seu bisavô italiano, ao mesmo tempo gostava de lê-lo. Porém, agora, não era isso que procurava ler. Não iria satisfazê-lo. Precisa de mais. Mais o quê? Não sabia. Olhava todos os livros que tinha em sua posse. O retrato de Dorian Gray estava em suas mãos. Será que ele tinha um admirador? Devolveu a obra para o lugar em que estava. Dor, era isso que precisava. Gostava de sentir o sofrimento das personagens, ser parte delas, interagir como elas, sofrer junto. Romeu e Julieta ou The Sorrows of Young Werther ? Talvez ambos.

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Eram 17:05 quando voltou a si. Chamou o táxi. Enquanto o veículo não chegava, tomou um banho e vestiu o melhor terno que tinha. 18:35Sentou a mesma mesa de antes. E acenou para garçom que o atendeu no dia anterior, este imediatamente foi ao seu encontro. Antes que ele chegasse frente a frente, examinou a camisa e viu o nome Martin escrito. - Martin, o mesmo de ontem. Você se lembra?- Chá e torta de maçã?- Sim.E o garçom se retirou para preparar o pedido dele. Enquanto isso, ele pegou um pedaço de papel do bolso da calça e um lápis. Escreveu o seguinte bilhete:“Amanhã. 20:00. Motel mil e uma noites (fica na saída para a estrada que leva à montanha). Não se preocupe, não ficaremos lá”Quando o garçom voltava com o seu pedido, ele levantou, fingindo que falava ao celular, e esbarrou em Martin. Colocou o bilhete dentro do avental e saiu falando:- Acabei de receber uma ligação de emergência, preciso sair.Ao deixar o estabelecimento, seguiu direto para um restaurante do outro lado da cidade para jantar. Quando terminou de jantar voltou para a mansão. Amanhã seria um dia muito interessante, era melhor passar a noite descansando.No dia seguinte, o alarme tocou no mesmo horário. Ele seguiu a mesma rotina até chegar ao penhasco. Lá, ele retirou do bolso do paletó um caderno novo e uma caneta e começou a escrever. Dessa vez não era uma peça, era uma carta. Depois de terminar a carta voltou para almoçar em casa. Passou o restante da tarde pensando. Tomou um banho e desceu para a cidade. Ficou em frente ao motel esperando por Martin, este chegou três minutos depois do combinando.- Olá – Martin percebeu que estava sendo observado dos pés às cabeças – Você leu a minha mensagem. É você, então? Estou muito entusiasmado! – Sua fala

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começou a aumentar de tom, o outro colocou a mão em sua boca.- Fique quieto! Martin, você é imprensa? Investigador? Parente distante? Ou algum tipo de fanático? FALE! Não grite! – ele aliviou um pouco a mão.- Acho... acho... que com as opções que você me deu, eu me encaixo em algum tipo de fanático.Ele retirou a mão da boca do outro e disse:- Siga-me. Mas antes... – virou-se – você contou para alguém sobre o nosso encontro?- Não.Eles continuaram a andar. Ele seguia na frente, com Martin atrás. Depois de andarem um pouco, Martin perguntou:- Estamos subindo a montanha? Você mora lá em cima? Hummm... qual o seu nome?- Sim. Sim. Não.- Por que não vamos de carro? Ou outro veículo?- Tenho epilepsia, não posso dirigir.- É frequente? - Eu tomo remédios, mas se eu parar de toma-los é quase que instantâneo. Ao chegarem ao topo, o rapaz viu a mansão que o aguardava, estava boquiaberto. Eles entraram pelos fundos, a porta da frente ainda estava emperrada. Quando entraram, ele ofereceu vinho e queijo para Martin. Sentaram na sala principal, onde tinha dois sofás, além de uma pequena mesa central de madeira e uma lareira, acima desta uma tela à óleo de um homem apoiada em uma bengala e uma perna de pau, vestia um terno preto. O ambiente era iluminado por um lustre e grandes janelas que, à noite, mostravam as maravilhas do céu, as estrelas e a grande lua daquela semana. Martin olhava para a pintura, ele percebeu isso e comentou sobre o homem no quadro.- Ele foi meu tataravô pela parte de meu pai. Um pirata que vivia de contrabando até que um dia lhe veio uma proposta de se tornar um mercenário do rei, o dinheiro sempre vinha primeiro para ele, não importava quem estava em seu caminho. A proposta era, em troca de dinheiro, ele deveria entregar seus amigos e abandonar a vida de pirata.

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No mesmo dia, ele entregou uma lista com o nome dos seus amigos e inimigos e todas as localizações em que se encontravam, além de ilhas desconhecidas, onde apenas piratas habitavam. Foi nomeado comandante de um navio da marinha real e aos poucos foi abandonando o posto ao perceber que a vida como político lhe daria mais dinheiro e menos perigo de vida. E foi mais ou menos assim que a minha família enriqueceu. Mas, algo que ninguém gosta de contar é que ele continuou com o comércio ilícito, dessa vez eram charutos e whisky. Agora, vamos falar de você, Martin, que tipo de fanático você se encaixa? Fale-me sobre sua vida e você ganhará passe livre para me perguntar sobre a minha. Martin colocou a taça na mesa e começou a falar:- Eu... fiz um pouco de jornalismo...- Sabia! - Não! – protestando com um gesto – não sou desse tipo, eu parei há muito tempo. Eu larguei do jornalismo depois que meus pais morreram em um acidente de trânsito, eu sozinho, não tinha como pagar pela minha vida de universitário. Comecei a trabalhar de entregador de jornal, o salário era horrível. Então, mudei de cidade, morei alguns meses em um motel e trabalhava como ajudante de cozinha, lavando a louça e varrendo o chão depois que os clientes iam embora. Aos poucos, comecei a substituir os garçons que faltavam de vez em quando até que peguei uma vaga só minha. Saí do motel e aluguei um pequeno apartamento e mudei para um restaurante maior e depois vim trabalhar naquele café lanchonete. Sou o sócio daquele lugar. - Agora vem a melhor parte, pule para o capítulo onde você se interliga comigo.- Bem, eu nunca fui o tipo de pessoa que vai ao teatro assistir peças, sou mais do tipo ir ao cinema e comer pipoca. Quando eu vi você na mesa, não sabia quem era. Só depois que peguei aquele recorte de jornal e pesquisei na internet tudo o que consegui. Passei uma noite em claro procurando suas peças, lendo-as e tentando ver o que os

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outros não viam, até que eu achei os dois heterônimos que faltavam.- Eu não acredito em você. Martin, o que esconde de mim? Acha que acredito que um cara qualquer consegue fazer os que os maiores críticos não conseguiram? Só lhe digo uma coisa: é impossível! Nenhum deles conseguiu, por que você? Diga-me, quanto tempo levou para ensaiar essa mentira? Eu te ofereço o que há de melhor nessa casa, e você acha que vou engolir esse seu papinho de órfão que sofreu na vida e de repente descobriu minha verdadeira identidade depois de uma simples pesquisa na internet? Conte-me a verdade ou dê o fora da minha propriedade!Martin respirou fundo. E começou novamente:- Desculpe-me por ser um péssimo ator. Eu acreditei que se eu chegasse dizendo que assisti a todas as suas peças mais de uma vez, você me trataria apenas como um fanático qualquer e nunca mais falaria comigo. Tentei parecer que não entendia muito do seu trabalho, mas isso não deu certo já que descobrir quem está por trás dos palcos, neste caso, requer reconhecer todos os mínimos detalhes dos seus versos. - Isso esclarece um pouco as coisas. Apenas não entendo por que me procurar? Sei que todos tem a curiosidade de saber quem sou eu e isso é normal. E você foi lá, fez sua grande pesquisa e me achou, por quê? - Não sei se estou preparado para te contar isso. Guardei esse segredo desde a primeira vez que entrei no teatro porque encontrei o ingresso jogado em um lixo perto de onde moro. Não, melhor começar de outra forma. Eu tinha sete anos quando meu avô faleceu. Depois de algumas semanas meus pais foram a casa dele limpar o lugar para ser posto a venda; eu fui junto com eles. Enquanto eles limpavam, eu brincava e explorava o lugar; deparei-me com uma porta de madeira bem bonita, não me lembro dos detalhes direitos, no entanto tenho certeza que era uma árvore incrustada com algum tipo de pedra preciosa. Quando entrei, vi muitos livros por todos os lugares, abria todos que podia, achei um livro bem grosso na mesa onde

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provavelmente meu vô costumava ficar lendo, estava de costas para a porta e, de repente, ouvi um estalar do piso de madeira, fiquei assustado e coloquei o livro no meu casaco. Era meu pai me chamando para ir embora. Ao chegar a casa, corri para o meu quarto e escondi o livro atrás do armário. No dia seguinte peguei o livro. Mal sabia ler. Quando o abri, eu li: William Shakespeare – Complete Works. Não sabia quem ele era e mal entendia o que estava escrito, mas eu o adorava. O meu segredo. Eu crescia e citava os seus trabalhos, as pessoas ficavam admiradas, não sabia por que, eu apenas continuava. Aos doze anos descobri quem eu citava, com catorze eu me surpreendi com que ele foi; aos dezesseis me considerava seu aprendiz e quando cheguei aos meus dezoito anos já era seu amante. Nessa mesma idade, eu perambulava uma noite pela rua, sonhando e pensando se alguém como eu estaria também solitário pelo mundo. Nesse momento, eu vi um mendigo revirando uma lata de lixo e jogando tudo o que não prestava no chão, eu estava passando pelo seu lado quando um monte de papéis foi jogado sobre os meus pés, no mesmo minuto olhei para baixo e vi um ingresso para uma peça que estreava naquela mesma noite. Fui assisti-la, já que precisava pensar e estava nem aí para o teatro, queria um lugar para sentar e sonhar sem que as pessoas me interrompam. Porém, fiquei estupefato durante todos os minutos que se passaram lá dentro. Entrei sem esperar nada e saí desesperado, procurando por alguém que não conhecia, perguntei a todos se conheciam o autor ou autora, me disseram ser um tal de Richard Quin, procurei por ele durante a semana, e descobri ser apenas um heterônimo, assim que assisti a próxima peça. Ninguém fez essa conexão, exceto eu. Eu, que senti o mesmo aperto no coração ao entrar novamente no teatro, pois eu sei todos os versos de Shakespeare, sinto a alegria, o prazer, o medo, a raiva, o sofrimento, a dor, a inveja; sou todos os personagens em um. Esse autor, eu o amo, pensava comigo. Quem é ele? Foram dez anos assim. A cada nova estreia, eu estava lá, procurando-o pela

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multidão, então me veio a cabeça que isso não devia fazer parte dele. Os meus sentimentos por esse autor cresciam, comecei a tentar fazer uma ligação com os nomes, e tentar entender quem eram aqueles que ele escolhia para representa-lo. Não via nada, me achava incompetente. Finalmente, eu parei de ir atrás. Vou ser uma alma solitária até o fim, e aprender a amar a mim mesmo. Até que resolvi mudar para essa cidade, apagar memórias antigas e criar novas lembranças. E, em um dia qualquer, eu te vejo. Passei mais uma noite em claro sonhando sobre como você era. Fui trabalhar sem esperanças e no próximo dia estou frente a frente com você. Posso saber seu nome?- Martin, você me ama? Digo, verdadeiramente? Como é amar? - Dói. Eu sinto dor. Aqui – ele tocou o peito.- Descreva-a- É um dor que sinto fisicamente e quando vem, sinto-a se espalhando, a partir desse ponto para todos os lugares do meu corpo. Então, aquele desespero de não poder tocá-lo. E a dor piora. E começo a me despedaçar, estilhaçado como vidro e os mesmos me cortam, são cortes profundo, sem sangue. As lágrimas caem de vez em quando, essa é a pior parte. Elas são como espinho. – Martin tremia e parecia estar respirando mais rápido – E me sinto sufocado.- E agora que me conheceu? - Confuso. Aquela tempestade de sentimos se acalmou.Ele olhava para Martin. Aquele homem sentado à sua frente, tão frágil e contraído. Era muito atraente, não podia recusar isso. No entanto, primeiro era necessário cumprir a sua promessa. Deitou-se no sofá e abriu uma garrafa de vinho só para ti. E deu outro para Martin, bebiam direto do gargalo. 22:43- Como prometido, Martin, pode me perguntar o que quiser.- Qual o seu nome? Você esquivou-se dessa questão desde a primeira vez que a fiz.

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- Pule para a próxima. Talvez, se eu perceber que se comportou durante a noite... talvez, não sei.- Tudo bem. Tantas perguntas que quero fazer... Primeiro, por que se esconder?- Eu não me escondo. Estou aqui na sua frente, poderia ser qualquer um sentado nesse sofá, tomando vinho comigo. Na verdade, estava curioso, queria saber se alguém seria capaz de me descobrir. A resposta está na minha frente. Não seria nada interessante me apresentar na frente de todos quem sou eu. Não seria divertido, se é que você me entende. Eu não me escondo. Apenas não saio por ai dizendo o que faço. Além disso, quero viver com silêncio. Próxima!- Os nomes tem algum significado?- Você disse que não os conectava a nada. Está certo. Não significam nada para mim. - Humm... eu ainda não entendo como consegue escrever desse jeito. Esses versos, essas palavras, esses sentimentos, como eles surgem? – Martin se sentou e olhava atentamente nos olhos do seu amante. - Não tenho a mínima ideia. A inspiração vem e escrevo. Claro que sempre fui leitor dos clássicos, e Shakespeare principalmente, desde pequeno ia às peças. Eu sinto um desejo incontrolável de escrever. É mais que um desejo, é uma explosão de energia que emana de repente do meu corpo, por causa disso sempre ando com um caderno em branco, nunca sei quando será a próxima vez. Quando começo a rabiscar as primeiras palavras, não consigo parar. Fico até três dias acordado até terminar. Depois, o vazio me encobre e não consigo pensar mais em nada. E fico esperando sem saber se a próxima inspiração chegará ou não. Até esse momento vir, tento viver minha vida calmamente. Porém, isso me corrói por dentro. Sinto que perco meus poderes, desculpe-me pela palavra, me sinto fraco e perdido. - E agora que me encontrou?- Psicologia reversa? – risos – Uma energia que não tem começo corre pelas minhas veias. Martin, você gosta de dançar?- Ah... – essa pergunta o deixou surpreso.

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- Isso é um sim ou não? Sabe valsar?- Sim, acho que sim. Nunca valsei antes. - Espere aqui – ele saiu correndo para a biblioteca buscar o gramofone e um disco de valsas. Entrou na sala e posicionou o objeto na mesa – fique em pé, irei te ensinar a valsar, a mais bela das danças. – ele puxou Martin pela mão e o levou até um espaço grande abaixo das janelas. A sala era o cômodo mais espaçoso da casa. O casal estava frente a frente – Segure no meu ombro – colocando a mão de Martin nele – Você fará o papel da mulher, assim posso te guiar já que nunca valsou antes. Não seja tímido! – A valsa já estava tocando. Ele tentava ajustar a dança ao ritmo, Martin estava muito lento ainda. – Vamos; um, dois, três, quatro, quase lá. Ei, cuidado com o meu pé. – Após alguns erros e acertos, eles bailavam esplendidamente. – Martin, o que você acha, não é belo? A mais bela das danças. Você percebe essa vibração ao dançar? Essa vibração que vem de dentro e te persegue?Martin nada respondia, estava perdido no brilho do homem sem nome. Eles dançaram o resto da madrugada, todos os discos de valsas que estavam disponíveis. Perto das cinco horas, tocava a valsa d’A Bela Adormecida. - Essa música é perfeita para terminar nosso baile, não acha Martin? Cansado?- Sim...Os cincos minutos mais longos para Martin. A música terminou e ambos se jogaram no chão. Respiravam com dificuldade. - Já volto, preciso tomar meu remédio.No banheiro, ele trancou a porta. Apoiou-se na pia e olhou para o espelho. Estava um pouco descabelado. Penteou o cabelo e o amarrou novamente. Lavou o rosto e tomou o remédio. Na sala, Martin ainda estava deitado no chão, ele o puxou pelo braço.- Venha, quero te mostrar algo. Ele levava Martin até onde ninguém nunca teve a chance de ir, apenas ele. Atravessaram a cozinha e saíram para o bosque, com dificuldade passaram pela ponte quebrada e chegaram ao fim. A vista

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perto do penhasco era magnifica. O dia estava amanhecendo e os primeiros raios de sol iriam começar a aparecer. Seria uma manhã espetacular. Martin estava perplexo, que vista maravilhosa, ele nunca tinha presenciado a natureza nesse nível de beleza. O rio que corria logo abaixo, e a natureza, triunfante e gritante. Ao seu lado, ele segurava sua mão e apoiava a cabeça em seu ombro. De dentro do bolso da camisa, ele pegou uma faixa vermelha e vendou os olhos de Martin.- Acalme-se, quero fazer uma última surpreso. Você se fez merecedor do meu segredo. Confia em mim, Martin? - Depois dessa noite, posso correr o risco de dizer sim. Não tenho mais ninguém nesse fim de mundo. - Bom. Fique parado, é perigoso se mover. Ele andou calmamente para o bosque em direção a uma das árvores, ao lado de uma delas, escondido pela grama alta, um machado de dois gumes, o cabo de madeira era longo, uma árvore podia ser facilmente derrubada com ele. Caminho em direção à Martin, atrás dele sussurrou:- Fique parado.Ergueu o machado até a altura dos ombros com as duas mãos e com toda a força que tinha arrancou a cabeça do outro. Sangue espirrou para todos os lados, tinha sangue nas suas roupas e no rosto. A grama em volta foi pintada de vermelho. A cabeça saiu rolando por alguns metros e parou. Ele ajoelhou-se ao lado do corpo sem vida. Respirava com um pouco de dificuldade, deitou o machado ao seu lado. O sol ergueu-se do horizonte, um amanhecer vermelho. - Essa sensação viva dentro de mim, flui em minhas veias. Não estou mais vazio. Obrigado, Martin, querido – levantou-se – Hora de limpar a bagunça. No mesmo lugar em que o machado foi deixado, um regador de plantas e uma pá o esperavam. Ele pegou a cabeça e a trouxe perto do corpo. Um buraco bem fundo foi cavado, no mesmo lugar onde o sangue cobria a maior parte da grama. Ele jogou o corpo com a cabeça. Arrancou toda a sua roupa e a arremessou no túmulo, a pá também. Com as próprias

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mãos tampou tudo. A terra cobria o seu corpo inteiro. Com o regador de plantas molhou todos os vestígios de sangue na grama por onde a cabeça rolou. Estava com fome, já era hora de comer alguma coisa para o café da manhã. Ele pegou o regador e regressou para sua residência. O regador foi deixado em uma casinha onde ficavam guardadas todas as ferramentas da casa. Subiu a escada para o andar de cima, seus passos deixavam as marcas de terra pelos degraus. Foi direto ao banheiro, abriu o chuveiro e entrou em baixo da água. Toda a sujeira escorria para o ralo. Barro misturado com sangue. Meia hora mais tarde, ainda no banho, ele ouviu um barulho como se alguém batesse em madeira, o som estava um pouco abafado, e longe. O que será isso? Desligou o chuveiro e saiu do banheiro, parado no corredor e pingado ouviu o mesmo som. Então, uma voz de um homem nos seus cinquenta anos falou:- Tem alguém ai? O seu táxi já está aqui! EI!- Táxi? Eu não chamei nenhum táxi. Vestiu-se rapidamente e foi atrás do homem que esmurrava sua porta. - Bom dia, senhor. Eu não chamei nenhum táxi, deve ser um engano.- Engano? A única casa sobre a montanha depois da cidade é essa. Não há como haver um engano. - Mas... – Martin, quando ele fez isso? – Mil desculpas pelo incomodo. Aqui – retirou umas notas de dinheiro da calça e as entregou ao taxista – Pelo transtorno causado – O taxista aceito o dinheiro de bom grado, pegou o taxi e foi embora. - Merda, merda, merda! Maldito! Mantenha a calma e pense. Tenho que checar meu telefone, Martin pode tê-lo usado no momento em que o deixei sozinho. Quando dançamos, seus bolsos estavam vazios, chequei quatro vezes, se ele trouxe um celular deve estar na sala ainda. Na sala não tinha telefone, este ficava na sala pequena, anterior à sala maior. Nenhuma ligação foi feita naquela noite com o aparelho. Próximo passo, procurar pelo celular, olhou todos os

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cantos e acho o objeto perdido no chão no mesmo lugar em que dançou com Martin, o piso era escuro e o maldito celular preto, com descuido era possível não percebê-lo. Desbloqueou o aparelho e olhou a última ligação, 05:12, duração de quarenta e sete segundos, ele estava no banheiro. Café da manhã: frutas e suco de laranja. O celular de Martin estava no bolso da calça. Que vontade de escrever! Dois dias depois: ele continuava a frequentar o café onde Martin trabalhava, descartou o celular do rapaz em um lixo público em uma de suas caminhadas pela cidade. O gerente do estabelecimento nunca localizou Martin. Chamou a polícia. 09:00 – Quinta-feira - Departamento da polícia. David subia pelo elevador. A porta abriu. - Bom dia!- Bom dia, detetive David.O chefe da polícia estava apoiado do batente da porta. - David, na minha sala agora.David obedeceu à ordem do chefe.- Sente-se, por favor. - Sim, senhor. Algum caso interessante para hoje?- Não, talvez. Dê uma olhada no apartamento desse homem e converse com conhecidos – e entregou uma ficha com os dados do mesmo – ele foi dado como desaparecido pelo gerente do café em que trabalhava. Não responde nenhuma ligação e não aparece ao trabalho há dois dias. O que acha?- Solteiro, vinte e oito anos, sem pais, sem amigos. Executado por dívidas de comércio ilícito ou consumo do mesmo. Mudou de cidade. Suicídio. Overdose. Lugar errado, hora errado, talvez assassinado.- Mesmo assim, quero um relatório completo. - Chefe, é perda de tempo.- David, faça o seu trabalho, quero esse relatório no fim da tarde. Melhor não perder tempo, não acha?O policial bufou e saiu.

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- Clark, venha, a gente tem serviço! Clark? – olhou procurando pelo parceiro nas mesas – Onde está Clark? – Perguntou para os outros policiais.- Ligou e disse que está com cólica renal. Não vêm hoje. – respondeu alguém.- Obrigado – e se retirou.Apartamento de MartinDavid teve que arrombar a porta para entrar. O lugar estava limpo, não havia sinal de arrombamento além do seu. A sala estava em ordem. Sem vestígios de sangue, aparentemente. Nada fora do lugar. A cozinha tinha louça a ser lavada. O banheiro estava como qualquer banheiro. O quarto. O guarda roupa estava intacto. Isso significa que ele não se mudou. Ele checou todos os lugares onde um jovem podia esconder drogas, o apartamento inteiro, nada. Sobrou um último lugar, o notebook. Levantou a tela. Senha. Não acredito! Olhou por cima da mesa em busca de um papel com uma senha de um notebook mesmo sabendo ser improvável. Na estante de livros, nada de interessante para ser usado como senha, são todos do mesmo autor. Mesmo autor, pera aí, pode ser que funcione. Perfeito. Nada de interessante, nem mesmo uma pasta com pornô, que tipo de homem ele era? Histórico da internet: sites de teatro, fóruns sobre teatro, nenhuma rede social, nada. Nenhuma pasta oculta. Nada? Um jovem solitário. Suicídio é o mais provável, só preciso encontrar o corpo. Estranho, não houve nenhuma nota ou bilhete deixado. Também, deixar para quem?Os vizinhos o consideravam como um homem normal. Não causava distúrbios na vizinhança, trabalhava e quase não saia do apartamento. Falou com o gerente e os garçons, Martin não era muito falante, ninguém sabia sobre sua vida. Que garoto maçante. Pediu licença para olhar a filmagem da câmera de vigilância nos últimos dias em que trabalhou, o gerente o convidou para ir aos fundos, onde ficava uma sala com um computador. David pediu para ficar sozinho. Procurou por domingo, o último dia em que ele foi trabalhar teve uma rotina normal, nada incomum. Sábado. Rotina normal até que um homem alto esbarra nele e sai rapidamente. Os olhos

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treinados de David depois de passar anos assistindo vídeos de vigilância veem o homem ao celular colocando alguma coisa dentro do avental do garçom. Deu zoom. A imagem piorava. Pelo menos achou um suspeito. Chamou pelo gerente, este não soube identifica-lo, entretanto disse que o suspeito de David vinha todos os dias no fim da tarde tomar chá. Ninguém o conhecia também. Se ele vinha todos os dias, era provável que não faltasse hoje. O relatório terá que esperar mais alguns dias. David já estava com fome. Parou em um fast food qualquer, pediu alguns hambúrgueres e foi relatar ao chefe o progresso do caso. - Vai esperar por ele no café?- Sim. - Não perca muito seu tempo se perceber que ele não tem nada a ver com o caso.David acenou com a cabeça e saiu. Passou o resto do tempo conversando com seus colegas e ligou para Clark perguntando se tinha melhorado. Respondeu-lhe que precisaria passar por uma cirurgia de remoção de pedras no rim. David lhe desejou uma boa cirurgia, e pediu que melhorasse logo. Por enquanto teria que continuar sem parceiro. Eram cinco da tarde, foi esperar pelo seu suspeito no café.Ele se aproximava do café quando viu um homem estranho lendo um jornal. Na mesa tinha um bolo comido pela metade. Seus instintos já lhe diziam, ele era um detetive. Nunca frequentou o lugar. O investigador olhou para cima, observava a rua. Estava na esquina, fora do seu campo de visão, atrás da banca. Só havia uma explicação, a gravação das câmeras mostrava o seu encontro com Martin, um simples esbarrão, o ângulo deve ter mostrado o bilhete introduzido no avental. Não deve haver nenhuma acusação oficial, ainda estão procurando por suspeitos. Tive o privilégio de ser o primeiro da lista. Tempo de mudar e respirar ares novos. Rapidamente percorreu o caminho que tinha feito e por sorte, o taxista ainda estava lá, chamou-o e subiu para a mansão. Tinha que ser ágil. Recolheu todos os documentos, fez uma mala e entrou no táxi.

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- Por acaso o senhor conhece algum imobiliária aqui nessa cidade? – perguntou ao taxista.- Conheço uma próxima ao banco, não sei se é boa.- Pode ser, leve-me para lá. Uma hora depois. Uma moça fechava a porta à chave do estabelecimento, ele saiu correndo do veículo.- Por favor, espere! Teria cinco minutos?- Senhor, volte amanhã, estamos fechando.- Quero colocar minha mansão à venda, aquela no topo da montanha.- Desculpe-me. Não posso atendê-lo agora.- Será breve, estou de viagem, meu pai está passando mal em um hospital no exterior, não poderei morar aqui, terei que permanecer ao lado dele a partir de hoje. - Claro – disse a mulher sem jeito – Prazer, meu nome é Sabrinna. Sinto muito pelo seu pai. Por favor, entre – ela abria a porta novamente. - Espere por mim – disse ao táxi.Em dez minutos tudo ficou resolvido. Ele deixou o número de seu agente caso alguém se interessasse pelo imóvel. Chorou um pouco e entregou um cartão para Sabrinna antes de sair. Nele estava escrito “dono da mansão” e um número de telefone. Nem precisou dizer seu nome. Ordenou ao taxista dirigir até o aeroporto. Pagou pela viagem toda e saiu do carro. No balcão de atendimento pediu uma passagem de classe executiva para uma cidade estrangeira. O voo partiria em quarenta minutos.