Parte Teórica Jean Piaget
-
Upload
gpec-educacao-a-distancia -
Category
Documents
-
view
225 -
download
3
description
Transcript of Parte Teórica Jean Piaget
Parte Teórica – Jean Piaget Curso: Construção da Linguagem e Arteterapia Módulo 1 – Texto Base GPEC – Educação a Distância Autora e Professora: Sonia Branco
Epistemologia de Piaget
Porque rever os conteúdos da teoria de Piaget?
Precisamos levar em conta que este curso se destina a todos os profissionais de
diversos lugares e com acesso a conteúdos curriculares, nem sempre, ricos em
informação. Por isso, acredito que devemos relembrar o que aprendemos para
poder seguir adiante nas novas aquisições, até para que possamos discutir sua
validade no momento em que vivemos profissionalmente, e tecer uma relação
crítica com os novos conteúdos.
Desta forma, rever um pouco da teoria Piagetiana, nunca é demais,
principalmente se levarmos em conta que, nossos alunos, nem sempre estarão
no eixo RioxSão Paulo, tão rico em ofertas de cursos e grupos de discussão.
Alguns estarão em lugares ditos inóspitos, distantes e sem acesso àquilo que
temos com tanta normalidade.
Bom estudo.
Período Pré-Operatório
Todo educador que se proponha a utilizar como base educacional as teoria
piagetiana deve dar liberdade às crianças para que elas organizem suas
atividades, suas investigações e pesquisas sociais partindo do objetivo
proposto.
Contudo, no ensino tradicional, no qual o professor explica, repete, questiona e
responde às perguntas das crianças, o melhor caminho é procurar adaptar o
material didático de acordo com o perfil do aluno. Por isso a importância de
conhecer e compreender a criança, sua atividade, seu desenvolvimento.
Para Piaget, a cognição é um processo sequencial que respeita etapas que são
caracterizadas por diferentes estruturas mentais. Em cada etapa a criança
possui uma estrutura mental que a leva a compreender e resolver os
problemas.
Cada estrutura cognitiva tem o seu certo para se desenvolver. A interação
adequada com o ambiente fará com que esta estrutura surja amadurecida, de
maneira a poder ser utilizada em toda a sua plenitude.
Este desenvolvimento sequencial obedece uma ordem determinada, mas sem
deixar de considerar a idade cronológica pessoal. Assim, duas crianças de 6
anos podem encontrar-se em níveis diferentes de desenvolvimento: pré-
conceitual ou operacional concreto.
A criança na fase pré-conceitual necessita de estímulos através de jogos e
atividades que a levem à próxima fase - o desenvolvimento conceitual – (pode-
se utilizar areia, água em recipientes diferentes, por exemplo) – e necessitará
de maior atenção desenvolver as funções da fala. A criança operacional
concreta já será capaz de internalizar ações e necessitará desenvolver a prática
no uso dos conceitos que já domina.
A falta de compreensão do desenvolvimento da criança pode levar a falhas,
com propostas de resoluções de conflitos inadequados para a capacidade
cognitiva daquela fase na qual a criança esteja (não de sua idade).
Entre 2 e 7 anos, acontece e a preparação e organização das
operações concretas.
Entre 2 e 4 anos aparece a função simbólica e se inicia a
interiorização dos esquemas de ação e representação. O raciocínio é
feito do particular para o particular, como por exemplo, (por exemplo,
tudo recebe o mesmo nome, ou seja, tudo que serve para beber é
copo/caneca, etc, pois ainda não há uma diferenciação dos conceitos e
das propriedades).
Entre 4 e 5 anos e meio, aparecem as organizações representativas,
a partir das configurações estáticas (coleções figurais), seja sobre
assimilação à própria ação. Aqui aparecem os „porquês‟. É um período
intuitivo e o raciocínio é dominado pela intuição. É um raciocínio ainda
pré-lógico e fundamenta-se na percepção. O pensamento intuitivo não
compreende a reversibilidade e a conservação.
Entre 5 anos e 6 meses e 7 anos é a fase intermediária entre a não-
conservação e a conservação. É o início das ligações entre estados e
transformações, (podemos chama-la de forma semi-reversível). A criança
já consegue acompanhar o movimento de se transformar uma bola de
massa em uma salsicha e admitir que é possível voltá-la a forma
anterior.
Características do Pensamento Pré-Operacional
Egocentrismo: o pensamento da criança neste período é
caracterizado como egocêntrico, ou seja, a criança não consegue assumir
o papel ou o ponto de vista do outro. Neste período o egocentrismo
apresenta algumas características: o animismo, o artificialismo e o
finalismo. O animismo é a tendência de atribuir vida a todos os seres. O
artificialismo é atribuir ao homem a criação de todas as coisas. No
finalismo a criança considera que tudo tem uma finalidade, que é servi-
la; o acaso não é considerado. Como no egocentrismo a criança não se
coloca no ponto de vista do outro não sente a necessidade de justificar
seu raciocínio. Também é incapaz de reconstruir uma cadeia de
raciocínios que acaba de seguir para resolver um problema.
Incapacidade de Descentração: Tende a centrar a atenção em um
aspecto mais saliente do objeto de seu raciocínio, em detrimento dos
demais aspectos.
Estados X Transformações: A criança concentra sua atenção nos
aspectos ou configurações de um objeto, mais do que nas
transformações através dos quais um estado se transforma em outro
(transformação da bola em salsicha). A representação é estática, incapaz
de representações mentais com rapidez e flexibilidade, não pode
entender as transformações.
Ação: O pensamento neste período desenvolve-se a partir de
imagens concretas e estáticas da realidade e não com sinais abstratos.
Irreversibilidade: O pensamento pré-operacional é lento e concreto.
Não consegue percorrer uma trajetória de raciocínios, de transformações
e logo fazer o caminho inverso, retornando ao ponto de partida, não é,
portanto, reversível.
O Desenvolvimento na Teoria Piagetiana
A preocupação central de Jean Piaget foi responder à questão de como se
constrói o conhecimento. Voltou-se ao estudo da gênese do conhecimento, com
o intuito de compreender como um conhecimento mais elementar progride até
o pensamento mais abstrato e elaborado. A epistemologia genética procura
mostrar, com o apoio da experimentação, os processos fundamentais da
formação do conhecimento na criança. Piaget considera que não é possível
compreender a conduta do adulto sem a perspectiva evolutiva. Sob essa
perspectiva, apresenta comparações detalhadas entre os estados de
desenvolvimento sucessivos.
Foi a partir dos estudos em biologia que despertou seu interesse pelo
desenvolvimento do pensamento, levando a analogias entre a biologia e a
inteligência. Para Piaget (1987), a inteligência é uma forma de adaptação. É
uma contínua construção, criando formas cada vez mais complexas e buscando
uma equilibração progressiva entre o organismo e o meio. A inteligência possui
estruturas variáveis e funções invariáveis, estas últimas possibilitando descrever
o mecanismo de funcionamento do pensamento em termos biológicos. As
funções invariáveis são chamadas por ele de invariantes funcionais da
inteligência: funcionais, porque estão envolvidas no funcionamento da
inteligência e invariantes, porque qualquer que seja o momento evolutivo,
sempre haverá assimilação do meio às atividades do sujeito e acomodação
destas atividades às características impostas pelo objeto. As funções invariantes
básicas são a organização e a adaptação, esta última, com seus dois
componentes inter-relacionados – assimilação e acomodação. “O organismo
adapta-se construindo materialmente novas formas para inseri-las nas do
universo, ao passo que a inteligência prolonga tal criação construindo,
mentalmente, as estruturas suscetíveis de aplicarem-se ao meio” (Piaget, 1987,
p.15-16).
Piaget deixa claro que se refere à adaptação no sentido de processo, distinta da
adaptação-estado. Acompanhando o processo, percebe-se que é o “organismo
que se transforma em função do meio, e essa variação tem por efeito um
7
incremento do intercâmbio entre o meio e aquele, favorável à sua conservação,
isto é, à conservação do organismo” (op.cit., p.16).
Toda vez que há uma incorporação de dados a esquemas já construídos ocorre
a assimilação. Para assimilar um novo significado aos esquemas anteriores é
necessário acomodar o próprio esquema para permitir a incorporação deste
novo significado. Nisto constitui-se a acomodação, na modificação dos
esquemas para poder assimilar as várias situações que se apresentam. Para a
adaptação ser considerada realizada, é necessário que atinja um equilíbrio
entre a acomodação e a assimilação. Não existe assimilação sem acomodação e
vice-versa, e, já que o meio desencadeia ajustamentos ativos, também não
existe adaptação sem organização complementar dos dados incorporados pelo
sujeito.
A concepção de Piaget sobre inteligência remete a uma abordagem onde o
desenvolvimento do pensamento é um processo de autêntica construção. No
desenvolvimento das estruturas da inteligência, Piaget identificou quatro
estágios que marcam essa evolução (sensório-motor, pré-operatório, operatório
concreto, e operatório formal).
Em todos os estágios, a construção da inteligência se dá pela atividade e essa
construção é entendida em termos de significação. A inteligência constrói
significações, dá significado ao mundo. A significação é dada na interação do
sujeito com o meio (físico, social e simbólico) quando coloca em ação seu
sistema de significações. Por essa ação, o sujeito transforma o meio e através
das transformações que efetua, transforma-se a si mesmo, ou seja, há um
contínuo processo de construção, auto-regulação e auto-equilibração. No
desenvolvimento das estruturas de conhecimento, a criança passa de um nível
de interação sensório-motora para um nível de representações operatórias. O
nível de interação sensório-motora é marcado pelos limites da percepção e pela
ação imediata, ou seja, a ação ocorre na presença do objeto. “Para Piaget,
conhecer não é simplesmente contemplar, imaginar ou representar o objeto;
conhecer exige uma ação sobre o objeto para transformá-lo e para descobrir as
leis que regem suas transformações” (Ramozzi-Chiarottino, 1984,p.47).
8
Essa ação, Piaget (1987) define por um construtor que chama de esquema, o
que é generalizável em uma dada ação, ou seja, o significado colocado pelo
sujeito no objeto através da ação, sendo que todo esquema tende a assimilar o
objeto. Um esquema se caracteriza por coordenar as relações entre ações que
comportam propriedades comuns. Flavell (1988) considera que a noção de
esquema apresenta muitos matizes e está fortemente ligada à concepção total
de desenvolvimento cognitivo de Piaget. “Chamamos „esquemas‟ de uma ação a
estrutura geral dessa ação, se conservando durante suas repetições, se
consolidando pelo exercício e se aplicando a situações que variam em função
das modificações do meio” (Piaget, 1983b, p.243).
Com o desenvolvimento, as ações tornam-se cada vez mais interiorizadas. A
interiorização, que começa a aparecer no sexto estágio do sensório-motor, vai
progredindo tornando as ações cognitivas cada vez mais reversíveis,
esquemáticas e abstratas, transformando-se assim em operações internas.
Piaget (1983b p. 247) considera a reversibilidade no sentido matemático, isto é,
“um grupo comporta, com efeito, composições diretas, inversas (retornos),
idênticas e associativas (desvios)”. “Com efeito, de um ponto de vista
psicológico, uma operação é uma ação que foi interiorizada e que se tornou
reversível através de sua coordenação com outras ações interiorizadas dentro
de um todo estruturado que obedece a certas leis de totalidade” (Piaget em
Flavell,1988 p.82).
A constituição da função simbólica, que possibilita diferenciar o significante do
significado, permite o reforçamento da interiorização das ações. A partir dessa
diferenciação, o sujeito pode trazer à lembrança, através dos significantes, os
significados afastados no tempo e/ou espaço. É essa característica que
diferencia os índices ou sinais sensório-motores dos signos verbais, símbolos
lúdicos, mímicos ou imaginados. Piaget (1973a) considera que a transição entre
o sensório-motor e as condutas simbólicas ou representativas é assegurada
pela imitação “cujos prolongamentos diferidos e cuja interiorização garantem a
sua diferenciação dos significantes e significados” (p.69). Essa interiorização
supõe uma reconstrução no plano do pensamento, a representação (lato
sensu). Com o avanço provocado pela representação, surge a capacidade do
9
sujeito de evocar o ausente e realizar operações a nível mental, isto é,
reversíveis. Sendo o pensamento reversível, possui a possibilidade de ser
antecipador e retroativo. A reversibilidade e a interiorização são características
da operação. A reversibilidade pode distinguir-se de duas formas: inversão
(negação) e reciprocidade. No nível do pensamento concreto a reciprocidade
envolve as relações, enquanto a negação é executada nas operações
classificatórias.
A representação (stricto sensu) possui dois aspectos distintos, o figurativo e o
operativo, que são definidos por Piaget (1983b). O aspecto figurativo “é tudo o
que se dirige às configurações como tais, em oposição às transformações.
Guiado pela percepção e sustentado pela imagem mental, o aspecto figurativo
da representação desempenha um papel preponderante (...) no pensamento
“pré-operatório” da criança de 2 a 7 anos”. Enquanto a compreensão do mundo
baseia-se principalmente na percepção, revela-se o pensamento figurativo. Este
apóia-se sobre o pensamento estático e o configura do real. O aspecto
operativo “é relativo às transformações e se dirige assim a tudo o que modifica
o objeto, a partir da ação até as operações. Dolle (1994) diz que a abstração
empírica (e pseudo-empírica) revela os processos figurativos do conhecimento,
enquanto a reflexiva ou reflexionante, revela os aspectos operativos.
Na obra “A Formação do Símbolo na Criança”, Piaget (1987a) desenvolve seu
pensamento, considerando que as formas de pensamento representativo
(imitação, jogo, representação cognitiva) são solidárias e que a representação
evolui em função do equilíbrio crescente entre a assimilação e a acomodação. É
devido à reversibilidade do equilíbrio dinâmico da assimilação e acomodação
generalizadas que é possível chegar-se ao pensamento operatório.
Segundo Dolle (1994), podemos considerar a ação e a percepção como um
primeiro nível no desenvolvimento das estruturas, onde há uma simples
memória de reconhecimento e as ações exercidas sobre o real são irreversíveis.
O segundo nível consiste nas imagens das operações, dando origem a uma
memória de evocação, enquanto a operação mental supera as ações físicas,
sendo reversível. Chamamos operações às ações interiorizadas (ou
interiorizáveis), reversíveis (no sentido de poderem se desenrolar nos dois
10
sentidos e consequentemente de comportarem a possibilidade de uma ação
inversa que anula o resultado da primeira), e se coordenando em estruturas,
ditas operatórias, que apresentam leis de composição caracterizando a
estrutura e, sua totalidade, como sistema. Esses dois aspectos se referem à
maneira do sujeito de apreender o real.
Para Piaget, o indivíduo e o meio não são considerados separadamente, mas
como um conjunto numa relação dialética. O desenvolvimento do pensamento
supõe trocas interindividuais a respeito dos objetos representados. A relação
sujeito e sociedade, para Piaget, é uma relação dialética, onde não existem
fronteiras que demarcam o social e o individual. O processo de diferenciação do
ponto de vista do sujeito resulta das trocas estabelecidas com o meio físico e
social.
A partir da teoria piagetiana, entendemos o processo de desenvolvimento
cognitivo como uma evolução individual e social, esta se realizando
conjuntamente por coordenações intraindividuais e interindividuais. Nas
coordenações intraindividuais as coordenações inferenciais são realizadas entre
os sistemas do sujeito ou entre um dos subsistemas e o seu sistema total de
significação. Nas coordenações interindividuais, as coordenações inferenciais
dependem das trocas e regulações recíprocas entre sistemas de significações
de sujeitos diferentes (Fagundes, 1994).
Por que o sujeito procura, num dado momento da sua evolução mental,
representar-se as (sic) relações espaciais, em vez de agir simplesmente sobre
elas? Evidentemente, é para comunicar a outrem ou para obter de outrem
alguma informação sobre a realidade que se relaciona com o espaço. Fora
dessa relação social não descortinamos razão alguma para que a representação
pura suceda à ação (Piaget, 1970, p.342).
Para Piaget, os progressos da inteligência representativa não se devem apenas
à linguagem, mas, acima de tudo, à função semiótica como um todo, pois é ela
que diferencia o pensamento da ação e conduz à representação.
Mas sendo o desenvolvimento da imitação solidário do progresso das condutas
inteligentes, em seu todo, vê-se, pois, que é legítimo considerar a linguagem
como desempenhando um papel central na formação do pensamento mas tão-
11
só na medida em que ela constitui uma das manifestações da função simbólica,
sendo o desenvolvimento desta, por seu turno, dominado pela inteligência em
seu funcionamento total ( Piaget, op.cit., p. 70).
A linguagem é considerada por Piaget (1973a, p.66) como “condição necessária
à realização de operações lógico-matemáticas sem que isso seja uma condição
suficiente para a formação das mesmas”. Para Piaget, anteriormente às
operações formuladas pela linguagem, existe uma espécie de lógica das
coordenações de ações que comporta as relações de ordem e as ligações de
concatenação (relações parte com o todo). Considera que o pensamento não
seja resultado de uma simples relação causal da linguagem. Porém, reconhece
que a formação do pensamento, como “representação” conceptual, na criança,
é correlativa à aquisição da linguagem. Tanto o pensamento como a linguagem
participam de um processo mais geral que consiste na composição da função
simbólica.
Piaget (1989), analisando frases de crianças, faz uma classificação das funções
da linguagem infantil, dividindo-a em egocêntrica e socializada. Na linguagem
egocêntrica, a criança não procura colocar-se sob o ponto de vista do
interlocutor, falando somente sobre si mesma. Já na linguagem socializada, a
criança troca realmente pensamentos com o outro, há troca e discussão.
Se a criança se coloca no ponto de vista do interlocutor, se esse interlocutor
não pode ser indiferentemente substituído pelo primeiro que aparecer, há
informação adaptada; se, pelo contrário, a criança somente fala de si, sem se
preocupar com o ponto de vista do interlocutor, sem nem mesmo se certificar
de que este último a escuta e compreende, há monólogo coletivo (Piaget,1989,
p.7).
A partir do que ocorre com a linguagem – esta podendo ser egocêntrica ou
socializada – Piaget propõe que existem, também, um pensamento egocêntrico
e uma inteligência comunicativa, possuindo duas maneiras distintas de
raciocinar, ou seja, duas lógicas diferentes. A lógica egocêntrica e a
comunicável têm modos completamente distintos de funcionamento, e a partir
disto é que Piaget (op.cit., p.34) explicita as divergências dessas duas lógicas.
12
A lógica egocêntrica e a comunicável, segundo o autor, diferem mais no seu
funcionamento do que em seu resultado final. A lógica egocêntrica é mais
intuitiva, sincrética, seus raciocínios não são explícitos. Já a lógica comunicativa
é muito mais dedutiva e procura tornar explícitas as ligações entre as
proposições, os pois, os se então, etc.. Por ser intuitiva, a lógica egocêntrica
insiste pouco na demonstração, ao passo que a comunicativa insiste na prova e
organiza toda a exposição tendo em vista a prova, o ato de convencer o outro.
Os julgamentos de valor pessoal, enfim, influem muito mais no pensamento
egocêntrico do que no pensamento comunicável.
Piaget deixa claro que o egocentrismo verbal – ou linguagem egocêntrica – não
pode ser considerado como medida precisa do egocentrismo intelectual, sendo
apenas uma indicação das atitudes sociais e epistêmicas em nível mais
profundo.
Equilibração das Estruturas Cognitivas
Piaget explica o desenvolvimento e a formação do conhecimento a partir de um
processo central de equilibração, que considera como sendo o problema central
do desenvolvimento. O equilíbrio cognitivo é entendido por Piaget como distinto
de um equilíbrio mecânico (que se conserva sem modificação) ou de um
equilíbrio termodinâmico (estado de repouso após a destruição das estruturas).
O equilíbrio cognitivo é dinâmico, as trocas são capazes de “construir e manter
uma ordem funcional e estrutural num sistema aberto” (Prigogine em Piaget,
1976, p.12). O equilíbrio cognitivo supõe constantes trocas com o meio, porém
preservando o sistema.
Os componentes de todo equilíbrio cognitivo são os processos fundamentais da
assimilação e da acomodação. A teoria da equilibração possui dois postulados
considerados básicos para sua elaboração: o primeiro consiste em afirmar que a
atividade do sujeito é motor da pesquisa, o qual, pelo seu esquema de
assimilação, busca incorporar elementos exteriores e compatíveis; o segundo é
que o esquema de assimilação precisa se acomodar aos elementos que
assimila, ou seja, modificar-se em função de suas particularidades, porém sem
13
perder sua continuidade. A partir desse segundo postulado, fica clara a
necessidade de um equilíbrio entre a assimilação e a acomodação.
Na teoria da equilibração, a fonte de progresso no desenvolvimento está nos
desequilíbrios, já que estes impelem o sujeito a ultrapassar seu estado atual e
procurar avanços e novas direções. Quando esses elementos novos fazem com
que as próximas assimilações sejam diferentes das anteriores, levam a
equilibrações majorantes, onde o novo equilíbrio é superior ao anterior.
Considerado do ponto de vista da equilibração, os desequilíbrios constituem-se
fonte de desenvolvimento, pois são impulsionadores de novas equilibrações
majorantes. Sob essa perspectiva, é indispensável, para o desenvolvimento,
este ciclo dialético de desequilíbrios e equilibrações progressivas. O movimento
progressivo das equilibrações é explicado, por Piaget, pelos conceitos de
perturbação, regulação e compensação.
São estes desequilíbrios que constituem o móvel da pesquisa, pois sem eles o
conhecimento permaneceria estático (...) os desequilíbrios não representam
senão um papel de desencadeamento, pois que sua fecundidade se mede pela
possibilidade de superá-los (...). É evidente que a fonte real do progresso deve
ser procurada na reequilibração, (...) no sentido não de um retorno à forma
anterior de equilíbrio, cuja insuficiência é responsável pelo conflito ao qual esta
equilibração provisória chegou, mas de um melhoramento desta forma
precedente (Piaget, 1976, p. 19).
Quando o meio resiste à atividade do sujeito, sendo um obstáculo à
assimilação, ocorre a perturbação. As perturbações podem, ou não, levar a
regulações e estas, por sua vez, podem, ou não, ser compensatórias. As
perturbações são apresentadas por Piaget (op.cit. p. 25), como distintas em
duas classes. A primeira refere-se às que se opõem às acomodações, sendo “a
causa de fracassos e erros, na medida em que o sujeito se torna consciente
disso. As regulações que lhe são correspondentes comportam feedbacks
negativos. Os feedbacks negativos consistem em correções supressivas,
afastando o obstáculo ou modificando seus esquemas”. A Segunda consiste em
lacunas, “que deixam as necessidades insatisfeitas e se traduzem pela
insuficiente alimentação de um esquema”. Nem sempre a lacuna se constitui
14
numa perturbação, só o é enquanto a perturbação é relativa a um esquema de
assimilação já ativado. A lacuna é considerada perturbação, quando se “trata da
ausência do objeto ou das condições de uma situação que seriam necessárias
para concluir uma ação, ou uma carência de um conhecimento que seria
indispensável para resolver um problema”. O feedback positivo é o que
corresponde às lacunas, consistindo em reforços e sendo estranho a qualquer
negação.
A reação do sujeito às perturbações dá-se mediante regulações. A regulação
não ocorre quando a perturbação leva à repetição da ação, sem nenhuma
mudança, e o sujeito, mesmo assim, espera ser bem sucedido na sua ação. Se
não há regulações, tampouco há reequilibração. Para se produzir uma
compensação é necessário que a perturbação (obstáculo ou lacuna) leve a
regulações. Da mesma forma que nem toda perturbação conduz à regulação,
assim também, nem toda regulação conduz à compensação. O processo interno
de regulações e compensações se dá através dos mecanismos internos de
assimilação e acomodação. “A intervenção de elementos perturbadores e as
acomodações resultantes das compensações engendram conhecimentos novos,
de tal sorte que a reequilibração se torna indissociável de construções, estando
estas, além disso, configuradas pelo poder antecipador que resulta, cedo ou
tarde, das retroações” (Piaget 1976 p.34).
No momento em que surge um fato novo que provoca a perturbação, três tipos
de condutas são observadas, estas se manifestando constantemente desde o
sensório-motor até o pensamento operatório-formal. A reequilibração, e grau
de equilíbrio que se produz, depende da conduta que é adotada na busca de
compensação.
A conduta inicial é chamada de Alfa (a) e a reação frente a uma perturbação
consiste na neutralização da perturbação, negligenciando-a ou afastando-a As
reações de tipo a são parcialmente compensadoras, sendo que o equilíbrio
resultante é instável. Caracteriza-se pela ausência das retroações e
antecipações que seriam necessárias para integrar as perturbações exteriores.
Esta reação parte de estruturas restritas e fracas, não chegando assim a
integrações novas ou compensações.
15
A conduta Beta (b) é a reação seguinte e leva em conta a perturbação,
procurando um „deslocamento de equilíbrio‟ do sistema inicial. Consiste em
integrar no sistema o elemento perturbador surgido do exterior. A
compensação não mais procura anular a perturbação, ou rejeitar o elemento
novo, para que ele não intervenha no interior do conjunto já estruturado, mas
em modificar o sistema por “deslocamento de equilíbrio” até tornar assimilável
o fato inesperado. O elemento perturbador incorpora-se à estrutura organizada,
as novidades que ele provoca na estrutura asseguram a compensação, embora
esta ainda seja parcial. A incorporação desse novo elemento modifica o próprio
esquema de assimilação para acomodá-lo ao objeto e seguir sua orientação. A
conduta b faz com que ocorra um deslocamento de equilíbrio, mas com
minimização das perdas (conservar o que é possível do esquema de
assimilação) e máximo de ganhos (integrar a perturbação a título de variação
nova, interiorizada no esquema). As estratégias dessa conduta consistem em
incorporar as perturbações por um processo retroativo e antecipador,
produzindo variações internas no sistema.
Por fim, a conduta Gama (g) “onde não há fatores perturbadores, pois o
sistema é ao mesmo tempo móvel e fechado e os dados exteriores não mais
constituem fontes de contradições” ( Piaget, 1976, p. 71.). Essa conduta
consiste em antecipar as variações possíveis, as quais sendo previsíveis e
dedutíveis, perdem a característica de perturbação e vêm integrar-se às
transformações virtuais do sistema. Essas condutas generalizam as
antecipações e retroações sob a forma de composições operatórias diretas e
inversas, e o que, nos outros níveis, era perturbação é inteiramente assimilado
como transformações internas do sistema.
Essas condutas manifestam um progresso sistemático que, de forma geral,
esclarece o progresso da equilibração dos sistemas cognitivos. A cada nível, a
equilibração assenta-se sobre a compensação, que se caracteriza por graus
distintos de equilíbrio, sendo, na primeira reação, o equilíbrio muito instável e
de campo restrito, na Segunda, os deslocamentos de equilíbrio apresentando-se
de múltiplas formas, e na terceira reação, o equilíbrio sendo móvel, porém
estável.
16
No momento em que esse processo dialético de reconstruções (por
equilibração) não mais envolve somente os objetos como tais, ou seja, as
trocas do organismo com o meio, mas envolve conceitos, representações
imaginéticas, ocorre a abstração reflexiva (Ramozzi-Chiarotino, 1988), ou
reflexionante (cf. Becker 1993).
Seja no processo de equilibração, ou de abstração reflexiva são os
desequilíbrios que desencadeiam o processo, e a possibilidade de superá-los é
que determina a fecundidade destes.
A conversão das negações práticas em negações conceituais é a expressão de
um processo de construção ligado de perto ao jogo das regulações e do qual
ele se constitui um assunto inseparável: é a abstração reflexiva (Piaget, 1976,
p. 38).
Piaget afirma que a abstração reflexiva interfere continuamente na formação
das regulações de regulações. O processo de abstração reflexiva sustenta-se
por dois momentos, inseparáveis: o reflexionamento, que Piaget denomina
réfléchissement, ou seja, a projeção num nível superior do que é retirado do
plano inferior; e a reflexão (réflexion) “como ato mental de reconstrução e
reorganização no patamar superior do que foi transferido do inferior” (Piaget,
1977, p.303). A reconstrução no patamar superior é um estabelecimento de
relações entre as representações, ou novas formas, e aquelas que já existiam
com certa organização, ou seja, é um ato mental de reconstrução.
Podemos compreender que a evolução, em termos de reconstrução, é um
ininterrupto processo em espiral, onde o reflexionamento dos conteúdos supõe
a intervenção da forma, de uma estrutura (reflexão), e esses conteúdos,
quando transferidos a outro plano, exigem a construção de novas formas.