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PARTE II Os pavimentos da villa

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P A R T E I I

Os pavimentos da villa

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1. Metodologia de trabalho

Na medida em que os nossos estudos integram o projecto de elaboração do Corpus de Mosai-

cos Romanos de Portugal, adoptámos praticamente na íntegra a ficha elaborada pela MSP para os

mosaicos da villa de Torre de Palma (CMRP, II, 1). Desta forma, visamos a constituição de um

corpo uniforme de dados, capaz de proporcionar um tratamento mais cómodo e objectivo dos

mesmos. A elaboração de fichas de inventário rigorosas e completas tem sido uma das grandes

preocupações dos investigadores na matéria. Trata-se, efectivamente, do primeiro passo para

futuros estudos estilísticos, técnicos ou de conservação e restauro. A maior parte dos corpora

mais recentes contemplam informações que foram outrora marginalizadas, nomeadamente no

que se refere às características técnicas dos pavimentos7 e estruturas arquitectónicas envolven-

tes, onde faltam contudo informações sobre a técnica de colocação ou a estratégia de execução

do mosaico.

A ficha de inventário que apresentamos pode ser aplicada a qualquer tipo de pavimento

(opus tessellatum, opus sectile, ou outro) com pequenas adaptações na terminologia, esteja ele in

situ ou depositado num museu, esteja ele publicado ou não. Algumas entradas, ainda que

pouco pertinentes neste primeiro estudo, poderão justificar-se no futuro, caso as escavações

prossigam.

Assim, cada ficha apresenta as seguintes entradas:

N.0

A numeração dos mosaicos, em algarismos, inicia-se a partir da entrada na casa, neste caso,

a Este, por compartimento, distinguindo os vários painéis musivos que, nalguns casos, aí

possam existir, com letras (A, B, C,...).

TemaIdentifica-se sumariamente o tipo de decoração musiva.

CompartimentoIdentifica-se o local da casa onde se encontra o mosaico, remetendo para a planta da esta-

ção. Tecem-se ainda alguns comentários em relação à sua funcionalidade, sempre que exis-

tam elementos pertinentes ou, pelo menos, descrevem-se sumariamente as informações

disponíveis quanto à sua caracterização arquitectónica.

Dimensões do compartimentoPor ausência quase total de paredes, é difícil identificar correctamente as dimensões do

compartimento. No mosaico n.0 15A, onde não há mosaico em toda a superfície, é possí-

vel reconstituir aproximadamente as suas dimensões. Todas as dimensões são dadas em

metros, assinalando-se com “ * ” quando incompletas, mormente no caso de comparti-

mentos não exumados em toda a sua área.

Dimensões do mosaicoAs dimensões, em metros, são totais, incluindo orlas de remate à parede. As dimensões

internas serão apresentadas na descrição, entre parênteses, sempre que pertinentes. Quando

há ligação com outro mosaico, a medida é dada até à bordadura, com indicação de que a

medida da faixa de ligação é comum a outro pavimento. Assinalam-se com “ * “ as medidas

incompletas. Quando é possível reconstituir o painel e apresentar as medidas totais, iden-

tifica-se como “reconstituído”.

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PARTE II – OS PAVIMENTOS DA VILLA

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Local de conservaçãoCom excepção do fragmento n.0 15B, todos os mosaicos se encontram in situ. Aqui assi-

nalamos também os fragmentos recolhidos durante as escavações ou trabalhos de limpeza

das lacunas que estejam em depósito nas reservas da Câmara Municipal de Rio Maior

(= CMRM).

Área visível aquando da descobertaNo caso em estudo, dada a simultaneidade dos trabalhos arqueológicos, não se verificaram,

ainda, destruições significativas e irreversíveis, pese embora o estado de degradação das

orlas a que assistimos nos últimos anos.

Área conservadaRelacionado com o item anterior, a sua pertinência reside no facto de podermos aqui ana-

lisar as lacunas verificadas e a percentagem de mosaico conservada e/ou destruída.

Técnica de colocaçãoSempre que possível, realizaram-se sondagens que permitiram descrever as camadas de

argamassas em que assentam os mosaicos. A descrição é feita tendo em conta as instru-

ções de Vitrúvio. A sua pertinência reside sobretudo nas potencialidades que os dados reco-

lhidos podem conter no que diz respeito à identificação de oficinas. De facto, a compara-

ção entre as várias camas, não só em termos de espessura, mas também em termos de cons-

tituição, poderão caracterizar diferentes técnicas de trabalho. Para obter estas informações

é necessário proceder a trabalhos arqueológicos. Poderão aproveitar-se eventuais lacunas

e escavá-las ou ainda, como é o nosso caso, beneficiar da ausência de paredes para realizar

as sondagens junto às bordaduras. Quando nenhuma destas situações existe, só se pode

recorrer ao levantamento do pavimento, tarefa que exige a presença de técnicos especiali-

zados, para além dos avultados custos de trasladação.

MateriaisNão podendo efectuar uma análise petrográfica das tesselas, realizámos uma identificação

a olho nu (cf. apêndice I). A paleta de cores apresenta-se em capítulo próprio.

Densidade das tesselas A unidade de medida seguida é o dm2. Sempre que se verifiquem diferenças no mesmo pai-

nel, serão assinaladas. Por outro lado, acrescentam-se as dimensões médias das tesselas em cm.

Estratégia de execução Por estratégia de execução entende-se a forma como o mosaísta foi realizando o pavi-

mento, destacando-se o local por onde iniciou o seu trabalho e o concluiu. Este último iden-

tifica-se facilmente pela introdução forçada de determinado motivo, frequentemente trun-

cado se a ordinatio do pavimento for deficiente. Contudo, uma análise correcta só poderá

ser feita com pavimentos bem limpos e completamente desobstruídos, o que não é o caso

em todos os mosaicos de Rio Maior. Em virtude deste handicap, nem sempre é possível

tecer comentários válidos neste ponto. Acrescentam-se ainda todas as informações perti-

nentes quanto à compreensão do trabalho do mosaísta.

Restauros antigosAté ao momento, não se registam.

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A VILLA ROMANA DE RIO MAIOR. ESTUDO DE MOSAICOS

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Restauros modernosAfora algumas pequenas consolidações8 que fomos realizando, a fim de retardar o acele-

rado processo de desagregação das argamassas que sustentam as tesselas, acentuado pela

ausência de paredes e pelos afundamentos naturais, os mosaicos de Rio Maior ainda não

foram alvo de intervenção especializada neste domínio.

IlustraçãoAssinala-se toda a ilustração existente de cada um dos mosaicos: fotografias, desenhos e

levantamentos.

BibliografiaTodos os mosaicos são inéditos, afora algumas pequenas notas em jornais locais (vide n. 1).

DescriçãoTodos os termos empregues constam no Décor e/ou no Dicionário, procurando-se um dis-

curso telegráfico para uma leitura mais rigorosa, isenta da subjectividade inerente a pro-

sas eruditas. Toma-se como ponto de observação a entrada do compartimento, descrevendo

o pavimento de cima para baixo, da esquerda para a direita e sempre da periferia para o cen-

tro. Para facilitar a leitura, fracciona-se a descrição nas suas três áreas fundamentais: orla

de remate, bordadura e campo. A orla de remate à parede é, na maior parte das vezes, uma

simples faixa branca cujas medidas são apresentadas entre parênteses. Por se tratarem de

dimensões reduzidas, apresentam-se em cm. Quando não existem muros, aqui na grande

maioria dos casos, as dimensões da orla são incompletas, assinalando-se os casos, excep-

cionais, em que existe. O campo, descrito em primeiro lugar pelo esquema geral e depois

por motivos de enchimento, procura ser pormenorizado. No fim, descrevem-se os motivos

junto à linha de remate da composição. As cores são identificadas entre parênteses rectos,

com “ / ” sempre que no mesmo elemento descrito exista mais do que uma cor (por exem-

plo, no caso de um cordão de trança) e com “ , ” para as combinações (por exemplo, no caso

da trança completas com três cordões).

ComentáriosConstitui a síntese do estudo estilístico. Reúnem-se todos os paralelos conhecidos e criti-

cam-se com vista ao estabelecimento de cronologias. A esta análise acrescem-se todas as

informações pertinentes quanto ao espólio encontrado.

DataçãoEsperávamos evitar em Rio Maior o eterno fantasma da datação com base em critérios uni-

camente estilísticos, pois dispúnhamos de mosaicos in situ com registos arqueológicos

sérios. Na realidade, não aconteceu. O revolvimento dos estratos superiores e a impossi-

bilidade de levantar os pavimentos deitou por terra os dados arqueológicos que aí pudés-

semos obter. Pelas razões apresentadas na Introdução, não se efectuaram sondagens sob

os pavimentos, pelo que a datação com base em critérios arqueológicos está, de momento,

afastada. O valor arqueológico dos materiais encontrado sobre os mesmos é quase nulo.

Aguardando as intervenções adequadas, estabelece-se, por ora, a cronologia dos pavimen-

tos com base em critérios estilísticos.

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PARTE II – OS PAVIMENTOS DA VILLA

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1.1. O levantamento e tratamento gráfico dos pavimentos

Ao folhearmos os vários corpora de mosaicos romanos deparamo-nos inevitavelmente

com o problema da ilustração. As boas fotografias a cores nem sempre se podem obter e,

quando possíveis, são caras e não proporcionam informações métricas. Por outro lado, danifi-

cam-se com o tempo.

A ilustração de pavimentos de mosaico continua hoje a constituir uma grande preocupa-

ção por parte dos investigadores. Nesta matéria, a missão MSP deu um importante passo,

desenvolvendo um novo processo que, também nós, procurámos aplicar (cf. CMRP, II, 1, p. 23-

-25). Todavia, nenhum dos procedimentos conhecidos até ao momento dispensa o registo foto-

gráfico, suporte indispensável para completar a documentação gráfica.

As técnicas de levantamento utilizadas até há poucos anos consistiam essencialmente em

três métodos: levantamento com régua de alidade, através de coordenadas ou ainda de foto-

metria (cf. Adam, 1987, p. 36-37). Estes procedimentos permitiam o desenho da composição nas

suas linhas essenciais, submisso à rectilinearidade do material empregue, sem registo de por-

menores e não dispensavam as fotografias como complemento documental. Exigiam ainda a

presença de um especialista no domínio do desenho. O surgimento de rolos de plástico trans-

parente no mercado e os progressos no domínio das fotocopiadoras e scanners permitiram

uma solução inovadora. De facto, tornou-se possível um levantamento à escala natural, com por-

menores, estendendo tantas tiras de plástico (com largura máxima de 90 cm) quantas as exi-

gidas pela largura do pavimento e desenhando os motivos através de uma vulgar caneta de ace-

tato. Qualquer membro da equipa, sem conhecimentos específicos, pode executar o levanta-

mento. Apenas se exige algum cuidado particular na união das tiras, quando múltiplas, sobre-

pondo-as e assinalando pontos de referência. As tiras são posteriormente reduzidas à escala

desejada. A técnica apresenta alguns inconvenientes que podem, no entanto, ser minimizados.

A exposição do plástico ao calor provoca encolhimento que altera as dimensões, daí o cuidado

que deve prestar-se ao dia escolhido para realizar o trabalho e ao local onde se guardam, caso

não se proceda logo à sua redução gráfica. O excessivo calor emitido pelas fotocopiadoras pode

também provocar algumas distorções que rondam cerca de 1 mm na escala natural e que se

esbatem nas reduções. Outro cuidado a ter reside na qualidade das canetas, devendo imedia-

tamente ser substituídas quando a sua tonalidade enfraquece, sob pena de provocar anomalias

no traçado.

Largamente divulgado entre arqueólogos das mais variadas especialidades, o processo de

levantamento através de suportes plásticos transparentes deve ser adaptado ao objecto levan-

tado, sendo um trabalho particularmente penoso no caso de pavimentos de solo com uma

extensa área. Em Rio Maior, foram necessários cerca de 150 m de plástico para realizar os levan-

tamentos.

É, porém, no tipo de tratamento gráfico que reside a nova técnica preconizada pela mis-

são MSP. Esta consiste em desenhar tessela a tessela todos os motivos, com excepção do fundo

(Fig. 10.1.). Para além do rigor desta técnica, ela obriga a uma repetição do trabalho do mosaísta

e, nessa medida, contribui para compreender as opções, os erros e também as diversas mãos

que trabalharam. A fase posterior à redução em papel consiste num reprodução de cores tão fiel

ao original quanto possível. Para esse efeito, utilizam-se lápis de cor de marca Derwent Studio,

na maior parte dos casos misturados até se obter a cor mais precisa. A constituição mineral des-

tes lápis confere à superfície colorida uma textura semelhante à da pedra. Esta segunda etapa

pode demorar quatro vezes mais tempo do que a anterior. A título de exemplo, citaremos o caso

do nosso mosaico n.0 2B, a concha, cuja primeira fase de levantamento à escala natural obri-

gou a 60 horas de desenho (Fig. 10.1). Não nos foi possível proceder à sua coloração por res-

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A VILLA ROMANA DE RIO MAIOR. ESTUDO DE MOSAICOS

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PARTE II – OS PAVIMENTOS DA VILLA

FIG. 10.2 – Desenho a traço do mosaico n.0 2B.

FIG. 10.1 – Desenho tessela a tessela do mosaico n.0 2B.

0 1 m

0 1 m

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trições de tempo, no entanto, em cálculos superficiais, ela teria levado cerca de 240 horas. É evi-

dente que esta segunda fase não é pertinente para todos os mosaicos, nomeadamente os geo-

métricos onde os motivos e as cores são repetitivos. É essencialmente reservado para painéis

figurativos. Esta técnica procura fundir os vários tipos de tratamento gráfico desenvolvidos até

à data (vide Raynaud, 1987, p. 40-42), inovando nos procedimentos a ter. Recorde-se a técnica

desenvolvida por Richard Prudhomme, desenhador dos vários volumes do Recueil e do Décor.

Tratam-se apenas as tesselas pretas como tais, sendo as restantes realizadas a pontilhado, mais

ou menos denso consoante a intensidade da cor. A visão global do pavimento é obtida com

algum sucesso, no entanto, não há tratamento de cor. As aguarelas foram, pelo contrário, um

excelente processo no registo de cores, contudo o elevado tempo despendido e a necessária pre-

sença de um artista levaram ao abandono da técnica à medida que a fotografia a cores se divul-

gou. Alguns especialistas recorreram ainda ao papel milimétrico para reproduzir graficamente

os mosaicos. O efeito final pouco ou nada tinha a ver com a realidade. A principal dificuldade

da técnica da Missão reside na sua morosidade, como tivemos ocasião de assinalar, mas tam-

bém nas variações ópticas quanto à leitura da cor, tão difícil de afinar quanto mais irregular for

a luminosidade do ambiente envolvente. Porém, nenhum dos outros processos é tão completo

quanto este. No fundo, trata-se de refazer o percurso do mosaísta, compreendendo-se, assim,

todas as suas opções e os seus erros. Para o fundo ou zonas luminosas não desenhadas, é indis-

pensável o registo fotográfico de pormenor.

A condição essencial para se desenvolver este tipo de levantamento é a correcta limpeza

dos mosaicos. Em Rio Maior, são inúmeras as áreas cobertas de concreções que não pudemos

remover por falta de equipamento, de tempo e de vontade por parte dos responsáveis pela esta-

ção em proporcionar condições para que esse trabalho fosse realizado. A concreção impede uma

leitura perfeita das tesselas, condicionando à partida o sucesso deste tipo de levantamento que

exige, por outro lado, muitas horas de desenho ou uma grande equipa, o que também não

houve, pois executámos sozinha todos os levantamentos, com excepção do n.0 2B.

Por estes motivos, optámos portanto por uma técnica menos morosa, menos rigorosa tam-

bém, mas conveniente às nossas condições de trabalho, não lhe retirando valor científico. De

facto, com os mesmos instrumentos de desenho (plástico cristal e canetas indeléveis), dese-

nhámos os contornos dos motivos, previamente humedecidos, obtendo um desenho à escala

natural, mais esquemático. Num levantamento deste tipo é possível colmatar as áreas concre-

cionadas directamente no desenho seguindo as marcas dos contornos perceptíveis. O desenho

a traço contínuo é o mais utilizado entre os investigadores. Apresenta, porém, alguns incon-

venientes a grande escala. Não é possível dotar o levantamento de cor, alguns desenhos, tais

como tesselas irregulares, cruzetas, cabos e outros motivos sobre o vértice, não podem ser dese-

nhados, a irregularidade real do traço desaparece a grandes reduções.

Apesar destas limitações, é o processo mais fácil para quem não dispõe de meios huma-

nos, nem financeiros. Obtém-se um bom desenho de conjunto, à escala, que se completa

necessariamente com os dados técnicos registados na ficha de inventário e com as fotografias.

Ficaram infelizmente por desenhar, mercê do seu estado lamentável de conservação, os mosai-

cos n.0s 9, 7E, 12 e 13. A tabela de cores completa a documentação, pois apenas os filetes pre-

tos se adensam no desenho.

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A VILLA ROMANA DE RIO MAIOR. ESTUDO DE MOSAICOS

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2. Corpus dos mosaicos

N.0 1

TemaA – Composição ortogonal de cruzes de dois fusos entrelaçados (campo)

B – Entrançado (soleira).

CompartimentoCorredor oriental do edifício, ligando o sector sul e o sector norte.

A Sul, é visível a continuação do pavimento em mosaico, do qual se vê apenas uma pelta

delineada a duplo filete preto, com enchimento rosa debruado a preto. O resto do motivo per-

manece, de momento, oculto.

Dimensões do compartimento15,58 * x 3,35 m.

Dimensões do mosaicoA – 15 x 3,35 m.

B – 3,35 x 0,84 * m.

Local de conservaçãoIn situ. Conservam-se pequenos fragmentos de mosaico e tesselas retiradas das lacunas nas

reservas da Câmara Municipal de Rio Maior (=CMRM).

Área visível aquando da descobertaA mesma que actualmente. A Sul e a Norte o pavimento ainda se encontra parcialmente

por exumar.

Área conservadaBastante bem conservado na área actualmente visível, o corredor foi destruído junto às

linhas de parede, aquando da remoção dos muros e, sensivelmente ao centro, apresenta uma

lacuna considerável. Algumas áreas abatidas no centro e a Sul são devidas à queda de materiais

pesados do telhado e das paredes. As lacunas não invalidam, porém, a compreensão da com-

posição.

Técnica de colocaçãoA sondagem realizada entre o painel A e B, a Norte, revela um leito de cal, com cerca de 3 cm,

onde assentam as tesselas, depois, grandes fragmentos de tijoleira dispostos na horizontal for-

mando um nucleus de 3 cm e, finalmente, um rudus de areia e cal com 12 cm.

MateriaisCalcários. Branco marfim para o fundo; preto para as linhas mestras da composição (limi-

tes do campo, desenho dos fusos e cordões da trança); ocre castanho, ocre violeta, vermelho acas-

tanhado e cinzento francês para os motivos de enchimento.

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PARTE II – OS PAVIMENTOS DA VILLA

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Densidade das tesselasA – 41 tesselas por dm2 na orla sudoeste e 75 dm2 no campo e restantes orlas. Tesselas com

2 cm de lado na orla sudoeste e 1 cm no campo e restantes orlas.

B – 82 tesselas por dm2 . Tesselas com 0,6 cm a Oeste e 1 cm nos restantes lados.

Estratégia de execuçãoApesar de coberto a Norte, o facto de encontrarmos os motivos truncados a Sul, leva-nos a

interpretar o sentido a realização do pavimento do corredor de Norte para Sul. A orla de remate

do tapete foi realizada através da colocação de três filetes paralelos à bordadura. A Sudoeste, a

orla apresenta tesselas de grandes dimensões, exceptuando a orla da parede confinante com o

compartimento 8, cujo menor tamanho pode talvez indicar a presença de uma passagem.

No que se refere à organização dos motivos menores que preenchem a composição, não

se observa um ritmo sequencial, tendo sido aleatória a sua escolha. Merece um particular relevo

a flor-de-lis preta que rompe o repertório geométrico do tapete.

Restauros antigosNão existem.

Restauros modernosNão existem.

Ilustração utilizadaRelatório de escavações de 1995 e 1996 com fotografias, cortes estratigráficos e planta.

Levantamento geral à escala 1/1 em plástico cristal. Des 1. Est. I.

BibliografiaInédito.

Descrição

Painel A

Faixa branca (7,5 cm a Sudoeste; 4 cm na soleira n.0 2A; 8 cm junto ao painel B e 5, 5 cm

a Sul).

Filete duplo preto; faixa branca (7 cm); linha em dentes de lobo entre dois filetes duplos

pretos (entre 20 e 23 cm) (cf. Le Décor, est. 10 c) (cada dente tem uma base entre 13 e 16 cm de

largura). No lado oeste, o estado de conservação é razoável, nomeadamente porque a zona em

que este se liga ao mosaico n.0 2A não sofreu a destruição provocada pelo arranque das pedras

da parede, como aconteceu no lado oposto. No canto sudoeste, o dente de lobo foi transformado

numa folha fusiforme. Segue-se: faixa branca (5 cm); trança policroma de três cordões (26 cm)

[cinzento francês, ocre violeta e castanho amarelado/vermelho acastanhado, com uma fiada

branca interna] em fundo preto (cf. Le Décor, est. 72 d); faixa branca (7 cm); filete duplo preto.

Composição ortogonal de onze cruzes de dois fusos entrelaçados (cf. Le Décor, est. 246 b).

As cruzes (1,30 a 1,40 m de comprimento) são desenhadas com trança de dois cordões [ocre cas-

tanho e vermelho acastanhado] em fundo preto (cf. Le Décor, est. 70 j). Quer o centro da cruz,

quer os espaços residuais dos seus braços apresentam motivos variados. O centro da cruz é deco-

rado com um rectângulo de lados ligeiramente convexos, formado por filete simples preto

(28 x 18 cm), preenchido com os seguintes motivos: entrançado policromo; xadrez policromo;

quadrado denteado policromo com cruz preta diagonal e, nos cantos, linhas denteadas justa-

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A VILLA ROMANA DE RIO MAIOR. ESTUDO DE MOSAICOS

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postas; nó de Salomão; quadrado denteado policromo flanqueado por triângulos de lados den-

teados; rectângulo preto de lados denteados policromo.

Os braços são preenchidos por triângulos de lados direitos policromos [combinações varia-

das de preto, cinzento francês, ocre castanho, branco e vermelho acastanhado ou simplesmente

pretos], com uma excepção que leva uma flor-de-lis preta.

Os espaços residuais entre as cruzes formam losangos de lados côncavos e, junto à bor-

dadura, triângulos de lados côncavos. Os primeiros são todos delimitados com filete simples

preto e a maior parte preenchida com losangos policromos embutidos, com rectângulo de

xadrez preto e branco flanqueado por dois triângulos com enchimento cinzento francês e ver-

melho acastanhado, com uma linha de triângulos em dentes de lobo alternadamente erguidos

e invertidos em oposição de cores [branco, vermelho acastanhado e ocre castanho], com losan-

gos formados por quatro paralelogramos adjacentes.

Os triângulos junto à bordadura são todos delimitados a filete preto e tratados em poli-

cromia [ocre castanho, cinzento francês e vermelho acastanhado], com uma excepção que leva

xadrez preto e branco (uma tessela por casa).

As extremidades das cruzes da composição unem-se através de um pequeno rectângulo

amarelo ou vermelho.

Painel B

Trança policroma de oito cordões em fundo preto (cf. Le Décor, est. 73 f) [ocre castanho/ocre

violeta/cinzento claro/cinzento francês/vermelho acastanhado].

ComentáriosA bordadura em dentes de lobo conta-se entre os motivos mais antigos, remontando os pri-

meiros testemunhos aos pavimentos de seixos rolados, como é o caso em Eretria (Grécia) na

segunda metade do século III a.C. (Salzmann, 1982, n.0 154, p. 121-122 ). Daqui, terá passado

para as oficinas itálicas que laboraram em opus tessellatum, mantendo-se no imaginário dos

mosaístas até épocas tardias, sem ter sido, por isso, muito divulgado.

Entre os exemplos mais antigos registam-se em tessellatum num mosaico bicromático da Villa

de Horácio em Sabina, com uma data situada na quarta década a.C. (Blake, 1930, est. 24.2; Stern,

1965, p. 239, fig. 19); em Pompeia, numa moldura de um tapete da Casa del Cinghiale (Blake, 1930,

p. 99, est. 27.2) e noutros pavimentos da mesma cidade no século I, nomeadamente na Casa di Trit-

tolemo, na Domus M. Lucreti e ainda na casa VIII-V, 16 e 18 (Blake, 1930, p. 106-107, est. 39.2). Na

primeira metade do século II, reencontramos esta bordadura em dentes de lobo no longo corre-

dor do vestíbulo de acesso ao jardim da Villa Adriana (De Franceschini, 1991, VE 11, p. 291-292 e

p. 539) e num pavimento de Ravena (Calvani e Maioli, 1995, compartimento 24, p. 83, fig. 69). Na

província africana da Proconsular documenta-se a partir do século II, aquando da introdução da

própria técnica do opus tessellatum, nomeadamente em Utica (CMT, I, 2, n.0 221, p. 74, est. XLI) e

em Sousse (Foucher, 1960, 57.056, p. 26-27). Dispersos pelos vários cantos do Império, torna-se

difícil estabelecer pontos de referência do motivo com vista à definição de percursos estilísticos indi-

vidualizados. De facto, cerca de 200 d.C. encontramo-lo no Mosaico da Medusa de Salsburgo (Jobst,

1982, p. 33-35, est. 11.1 e 11.3); no século III, nos Banhos de Apolónia (Anamali e Adhami, 1974, p.

37); no século IV foi utilizado pela Durnovarian School na abside de Frampton (Smith, 1965, p. 101,

Fig. 6), na villa gaulesa de Bapteste-Moncrabeau (Fages, 1995, sala J, p. 245) e, na mesma altura,

na bordadura do mosaico da abside do compartimento adossado à muralha da Casa de Cantaber

de Conimbriga, de cujo motivo central teremos ocasião de falar nos comentários ao n.0 2B.

No seu largo período de vigência que vai desde o século III a.C. até ao século VI, o motivo

mantém-se imutável nas suas características pictóricas, dificultando o estabelecimento de uma

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PARTE II – OS PAVIMENTOS DA VILLA

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baliza cronológica para o nosso exemplar unicamente com base em paralelos estilísticos. Des-

tacamos o mosaico de Conimbriga pela sua proximidade geográfica e pela cronologia, que se

integra perfeitamente nas balizas estabelecidas para os mosaicos da residência.

A trança de três cordões regista-se desde o século II, na sua versão bicroma, assim como

nos séculos III-IV, nas províncias africanas e na Hispânia (cf. Pinto, 1997, tabela n.0 8, com

numerosos exemplos).

Com uma dispersão geográfica restringida ao Norte de África, Hispania, Itália e Sul da

Gália (Aquitania), não encontrámos paralelos próximos para a composição de cruzes de dois

fusos nas restantes províncias romanas. Os mosaístas do Próximo Oriente adoptaram o

esquema-base da composição em épocas tardias, mormente a partir do século V, simplificando

as molduras e miniaturizando as cruzes de fusos que passaram a preencher espaços secundá-

rios nas grandes basílicas bizantinas.

O exemplo mais antigo da composição que tivemos oportunidade de inventariar está datado,

arqueologicamente, de princípios do século III, e provem do cubiculum XII da Maison des Animaux

Liés de Thuburbo Majus (CMT, II, 1, n.0 80, p. 97-98, est. XXXVIII). Apesar de bastante destruído,

é visível a grande afinidade no tratamento do esquema de base, em trança de dois cordões (ver-

melho e verde), pesem embora os diferentes motivos de enchimento: no centro das cruzes, os flo-

rões inseridos em círculos, nos braços da cruz, as peltas e os florões nos losangos longiformes

entre as cruzes (CMT, II, 1, n.0 80, p. 97-98, est. XXXVIII). O seu carácter marcadamente vege-

talista, ao gosto das oficinas africanas da terceira centúria, é um indício cronológico importante

que lança o nosso pavimento, com tratamento essencialmente geométrico à base de uma gama

variada de pequenos elementos decorativos grosseiros e banais, para uma época mais tardia. A

presença de outra composição em Thuburbo Majus, estilisticamente filiada na mesma escola de

mosaístas (com elegantes florões longiformes nos espaços residuais, tratamento floral no inte-

rior das cruzes e presença de peltas nos seus braços) num compartimento das Termas de Verão,

datado da primeira metade do século IV (CMT, II, 2, n.0 150A, p. 24-26, est. X-XI) favorece não

só a ideia de uma origem africana para o modelo do nosso mosaico, como acentua, pelas suas

características pictóricas, uma datação ligeiramente posterior, ainda durante a quarta centúria. De

facto, este segundo pavimento da Proconsular acusa tendências decorativas próprias da sua

época, nomeadamente ao nível do tratamento do ápice das peltas — em hedera — da sobrecarga

da composição com molduras interiores no centro das cruzes em filetes denticulados e da alter-

nância cromática dos fusos das cruzes. A densidade das tesselas é também elucidativa da quali-

dade de execução: o pavimento da Maison des Animaux Liés consiste num trabalho de fina exe-

cução, com 97 tesselas por dm2, enquanto que o das termas ronda as 71 tesselas por dm2, execução

mais grosseira, ao nível do pavimento de Rio Maior, com 75 tesselas por dm2.

A composição não se conhece na Hispânia antes da primeira metade do século IV. Dois

pavimentos de Rielves (Toledo) testemunham-no: primeiro no compartimentos C das termas e,

depois, no triclinium, envolvendo parcialmente o painel dos guerreiros (Fernández Castro,

1977-1978, p. 225, fig. 20 e p. 225-226, fig. 21, respectivamente). Pela mesma altura, o corredor

Sul do peristilo de La Malena, apresentava a mesma composição em trança com pequenos

triângulos nos braços das cruzes e quadrados no centro (Royo Guillén, 1992, fig. 2). A aproxi-

mação deste último com Rio Maior é óbvia, não só pelo tratamento dado ao esquema, como tam-

bém pela sua aplicação a um espaço arquitectónico similar — um corredor. Finalmente, o

último dos pavimentos com afinidade pertence ao corredor da villa de La Vega e varia apenas

na continuidade dos círculos que dão origem aos fusos, criando uma composição de círculos

secantes, bem definidos, traçados a trança de dois cordões e deixando entrever nos seus espa-

ços residuais flores-de-lis com longo caule (Regueras Grande e Pérez Olmedo, 1997, p. 53-54,

fig. 23). Parece-nos lícito colocar este pavimento em meados do século IV.

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A VILLA ROMANA DE RIO MAIOR. ESTUDO DE MOSAICOS

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Cerca de cem anos separam o modelo africano dos seus congéneres hispânicos. Se os pavi-

mentos de Rielves são os mais próximos geograficamente, temos porém em La Vega e La

Malena uma aplicação da composição em corredores, como é o nosso caso. Todavia, é com cer-

teza a villa de Rielves que nos interessa particularmente pela afinidade estilística com outras

composições (cf. n.0s 3A, 3C, 7A e 15A), num conjunto arquitectónico onde as semelhanças com

Rio Maior são também manifestas. A cronologia proposta para o programa arquitectónico de

Rielves é anterior à que advogamos para a villa de Rio Maior, talvez uma a duas décadas.

É também no decorrer do século IV que a composição, desenhada a trança, chega à Aqui-

tânia e à Península Itálica. Conhecem-se dois pavimentos no Sudoeste da Gália com caracte-

rísticas decorativas muito próximas, possivelmente fruto de trabalho de uma mesma oficina: na

Maison des Mosaïques em Saint Christoly, de época posterior a 330-340 (Balmelle, 1996, p. 194,

fig. 1 e 3) e na villa de Palat Saint-Emilion, realizado já na centúria seguinte (Balmelle, 1980,

p. 84-85, 87, fig. 22-23). O tratamento dos fusos é em tudo igual ao nosso mosaico, divergindo

apenas nos círculos colocados nos pontos de tangência das cruzes que sobrecarregam a com-

posição. Não se ficam por aqui os exemplos nesta região gaulesa, pois ainda se conhecem em

Mouchès (Gers – Lot et Garonne), datado do século IV (Recueil, IV, 2, n.0 334, p. 207-208,

est. CL), em Plassac (Gironde) e Moncrabeau Bapteste (Lot et Garonne) (Recueil, IV, 1, p. 89).

Infelizmente, estes três últimos exemplos apenas se conhecem através de aguarelas cuja aná-

lise estilística e cronológica é, obviamente, insegura. Na Itália, a composição em trança docu-

menta-se no século IV na Villa di Casignana (Faedo, 1994, p. 454, est. XXVII).

O gosto pelo meandro fraccionado e pelas linhas de ressalto para delinear os fusos parece

ter-se implantado também no século IV, com incidência particular na Hispania. Aconteceu em

Navatejera, no oecus da villa onde o pavimento apresenta fusos com linhas de meandro fraccio-

nado com secções abiseladas, denteadas, imbricadas e policromáticas, para além de pequenos

quadrados de lados direitos no centro das cruzes e losangos nos espaços residuais (Torres

Carro, 1990, est. II 1, 2; CME, 10, n.0 17, p. 31-32, fig. 13, est. 30). O pavimento de Camarzana

de Tera, em tudo semelhante, é datado por F. Regueras Grande de meados do século IV à pri-

meira metade do século V (1985, p. 41-42, n.0 4, fig. 4B, est. IIIb; 1991b, p. 169-170, fig. 4).

Encontramos ainda o mesmo tipo de fusos, embora inseridos em duas fiadas de quadrados adja-

centes, numa variante do esquema, em Cuevas de Soria, no compartimento confinante com o

triclinium a Nordeste, na segunda metade da centúria (CME, 6, n.0 58, p. 67-68, fig. 7). É cer-

tamente da mesma época o mosaico lusitano da Tapada do Garriancho. Trata-se de uma linha

de cinco cruzes, em meandro fraccionado com fracções imbricadas, das quais três estão com-

pletas, cuja sumária publicação, com fotografia, se deve a J. M. Bairrão Oleiro (1956, p. 11-12).

Em linhas de ressalto, são os fusos da mesma composição de Almenara de Adaja, com des-

taque para as florzinhas que decoram os espaços residuais entre as cruzes (CME, 11, n.0 13,

p. 28-29, est. 10). Quer os fragmentos de Milla del Río, quer os painéis do Rabaçal, procuram que-

brar a simetria e a monotonia dos pavimentos anteriores, entrelaçando dois fusos com molduras

diferentes. O mosaico do triclinium da villa de Rabaçal é constituído por cinco painéis justapostos

dispostos em U+T. Os dois painéis laterais apresentam doze cruzes de dois fusos desenhadas com

linhas de ressalto e arco-íris (Pessoa, 1995, p. 483, desenho 1b; 1998, fig. 20). Apreende-se logo a

grande preocupação em cobrir espaços vácuos, sobrecarregando a composição com triângulos nos

braços da cruz, quadrílobos no centro das mesmas, volutas e losangos oblongos em filete denti-

culado nos espaços residuais entre as cruzes, produzindo um efeito estético fortemente barroquista.

Os fragmentos de Milla del Río, dispersos pelo Museu de León e pelo Museo Arqueológico Nacio-

nal de Madrid (CME, 9, n.0 24, p. 40-41, est. 21; CME, 10, n.0 9, est. 7 e 27) aproximam-se do Raba-

çal pelo tratamento de um dos fusos em linha de ressalto. Se localizarmos geograficamente este

conjunto de composições desenhadas com meandro fraccionado e linhas de ressalto, individualiza-

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PARTE II – OS PAVIMENTOS DA VILLA

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-se um grupo com afinidades estilísticas na região mais setentrional da província romana da Tar-

raconense: León, Zamora, Valladolid e Soria. Sendo notórias as afinidades estilísticas entre os pavi-

mentos, parece-nos agora essencial recorrer a outras informações técnicas, tais como paleta de

cores, dimensões, técnica de colocação e estratégia de execução, que não dispomos de momento,

para confirmar a presença de um mesma oficina a funcionar nesta região durante a quarta centúria.

Os restantes dois pavimentos são portugueses e encontram-se já fora da área definida para os res-

tantes. Seriam trabalhos do mesmo círculo oficinal? Ainda que existam semelhanças na idealiza-

ção da composição, apresentam elementos secundários que os distanciam. O conjunto de mosai-

cos que definimos pela moldura em trança não se integra geograficamente neste segundo grupo,

registando-se na sua área limítrofe. Ainda assim, não há dúvidas de que coexistiram e podem, even-

tualmente, definir duas correntes ligadas a oficinas diferentes que não quiseram copiar trabalho

alheio, nem intervir nos circuitos laborais regionais.

Por tudo isto, surpreende-nos a existência de um mosaico no Museu Arqueológico de

Istambul do qual se desconhece a proveniência, mas cujas semelhanças com o grupo tarraco-

nense são fortíssimas. O mosaico é datado por J. M. Blázquez Martínez (1989, p. 366-367, est.

89) do século III-IV. Parece-nos demasiado baixa a datação proposta pelo autor, que colocaría-

mos mais além, nunca antes de meados do século IV.

Quanto ao tratamento dado aos losangos (com quatro paralelogramos), documenta-se em

Djebel Oust nos meados do século IV e corresponde a uma fase intermédia da evolução apre-

sentada por M. Fendri, com origem nos finais do século III, em vários locais do Norte de África

(1965, fig. 19). Não parece anterior ao século III a sua presença na Hispania, sendo o mosaico

de El Regadio o exemplar mais antigo (Blázquez Martínez, 1993, p. 235). No século IV são muito

frequentes como é o caso de El Ruedo (Hidalgo Prieto, 1991, n.0 2, p. 330-333, est. IV).

A pequena flor-de-lis preta colocada num dos braços da cruz que se encontra também nos

mosaicos n.0 2A, a preto, 3C e 15A, em policromia, recorda a solução tardia adoptada para o pai-

nel geométrico do mosaico do caçador da villa de El Hinojal, exposto no Museu de Arte Romano

de Mérida (CME, 1, n.0 64, fig. 5). Nos seus espaços residuais, os artesãos colocaram flores-de-

-lis monocromáticas, ora pretas em fundo branco, ora rosa em fundo preto.

Todos os restantes elementos que preenchem espaços residuais (xadrez policromo, quadra-

dos denteados policromos, nós de Salomão, entrançado policromo) são muito frequentes na tra-

dição artística musiva romana, não contrariando a datação proposta (cf. Pinto, 1997, tabela n.0 6).

O motivo escolhido para a soleira é bem conhecido dos artífices musivos ao longo de toda a

época imperial, desde a sua versão em bicromia nas oficinas itálicas: Pompeia (Blake, 1930, p. 108,

est. 26.3, 30.2 e 39.1) e Óstia, na Domus Fulminata, na segunda metade do século I (Becatti, 1961,

n.0 192, p. 105, est. XXXVIII). Praticamente abandonada no século II, a trança de múltiplos cordões

retoma-se em África a partir do século III: Thuburbo Majus, na Maison des Animaux Liés (CMT, II,

1, n.0 81, p. 98-101, est. XXXIX), onde achámos a origem da composição de cruzes de dois fusos.

É, porém, no século IV que aumentam os paralelos hispânicos: Calle Masona e Calle Concor-

dia de Mérida (CME, 1, n.0 43, p. 45-46, est. 77b; Álvarez Martínez, 1990, n.0 7, p. 53-57, est. 24, res-

pectivamente), Arroniz (CME, 7, n.0 2, p. 15-22, est. 3), Navatejera (CME, 10, n.0 17, p. 31-32, est. 30).

Os mais significativos materiais arqueológicos exumados consistem em fragmentos de

estuque pintado e mármore, cavilhas, tesselas de vidro, um numisma de Cláudio II, póstumo,

de cunhagem provincial (268-275) e um ceitil em cobre de Afonso V (século V). Todos eles são

provenientes de camadas de revolvimento.

DataçãoSegunda metade do século IV.

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A VILLA ROMANA DE RIO MAIOR. ESTUDO DE MOSAICOS

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N.0 2

TemaA – Linha de octógonos e quadrados adjacentes (Soleira).

B – Concha policroma (Abside).

CompartimentoAbside aberta sobre o grande corredor oriental.

Dimensões do compartimentoVer dimensões do mosaico.

Dimensões do mosaicoA – 4,05 x 0,54 m.

B – Raio: 2,80 m. Base: 4,20 m.

Local de conservaçãoIn situ. Vários pequenos fragmentos de mosaico retirados da grande lacuna e tesselas sol-

tas conservam-se nas reservas da CMRM.

Área visível aquando da descobertaA mesma que actualmente.

Área conservadaNo momento em que foi trazido à luz, o mosaico estava totalmente coberto de concreções

calcárias. Só foi possível definir a área realmente conservada após demorados trabalhos de lim-

peza manual. Os primeiros trabalhos de limpeza foram realizados nas campanhas de 1995 e, pos-

teriormente, em Agosto de 1998, pela equipa do Gabinete de Arqueologia da Câmara Municipal

e por nós. Trabalho extremamente moroso pela delicadeza que exige, sob pena de danificar os

mosaicos ou alterar as suas cores com aquecimentos excessivos provocados por fricção. O mosaico

apresenta uma série de lacunas, umas menores e outras (duas) de grandes dimensões. Uma das

grandes lacunas abrange uma área com cerca de 1,70 m de largura máxima, situada no centro do

mosaico e atingindo também a soleira. Ainda é possível observar a camada de assentamento do

mosaico nesta área. A segunda grande lacuna, com cerca de 80 cm de largura, realizada aquando

da abertura de uma cova para plantação de árvore, abrange o lado esquerdo do mosaico e prolonga-

se para o mosaico n.0 1. A lacuna é funda e foi objecto de limpeza. Apesar de conservada em

grande parte da sua extensão, a abside foi bastante afectada pela destruição em toda a sua orla,

tendo esta praticamente desaparecido, bem como as paredes do compartimento.

Técnica de colocaçãoAs tesselas assentam numa camada de argamassa branca de cal com aproximadamente 0,1 a

1,2 cm de espessura. Segue-se uma segunda camada de argamassa avermelhada constituída por

areia, cerâmica em pó e em nódulos bem visíveis a olho nu com cerca de 3 cm (nucleus). O corte da

pedra é bastante irregular deixando interstícios com 0,1 cm em média, mas que podem atingir 0,2

cm. Da amostra de tesselas soltas que recolhemos na lacuna, verificamos que a maior parte delas

tem forma paralelepipédica, sendo pouco frequentes as de talhe em bisel. A união entre o painel A

e o B apresenta um assentamento diferente. A camada de cal aumenta até aos 3 cm, seguida de uma

camada de tijoleiras também com 3 cm (nucleus) e uma argamassa de areia e cal com 12 cm (rudus).

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PARTE II – OS PAVIMENTOS DA VILLA

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MateriaisA – Calcários. Branco marfim para o fundo; preto para o traçado da composição e as folhas

lanceoladas dos florões; castanho amarelado, ocre castanho, ocre violeta, vermelho acas-

tanhado e cinzento francês para os florões e triângulos policromáticos.

B – Calcários. Branco marfim para o fundo; preto para o desenho das caneluras; castanho

amarelado, ocre castanho, rosa, ocre rosa claro, ocre rosa escuro, ocre violeta, terracota, cin-

zento metálico.

Densidade das tesselasA – 119 tesselas por dm2.

B – 101 tesselas por dm2 nas caneluras. Tesselas com 1,5 cm nas ondas e 1 cm nas canelu-

ras e caracol.

Estratégia de execuçãoApesar do elevado grau de destruição da orla de remate à parede, é possível compreender

a sua técnica de execução com base nos pequenos pedaços que a ela resistiram. Dada a exposi-

ção do pavimento, a orla foi realizada com filetes que seguem o contorno da abside/concha,

vindo morrer em jeito de botaréu contra a orla do mosaico n.0 1A.

Na soleira, o mosaísta procurou imprimir à sua obra uma certa harmonia e variedade nas

cores, quebrando as repetições monótonas de tonalidades, como aliás foi preocupação noutros

mosaicos da mesma estação. Uma malha de quadrados realizada obliquamente em relação aos

lados maiores proporcionou a esquematização da composição na soleira. A deficiente ordinatio

do espaço disponível provocou um progressivo desajuste métrico da direita para a esquerda

(o último octógono do lado esquerdo perdeu 3 cm na sua largura em relação ao primeiro do lado

direito). O último trapézio, à esquerda, também não pôde ser realizado na íntegra. Por tudo isto,

é fácil concluir um sentido de execução a partir do lado direito. A alternância dos motivos de

enchimento obedece a uma sequência organizada. A mesma preocupação se revela na escolha

da paleta para tratar os florões.

A bordadura em acanto sofreu também graves prejuízos, porém, ainda lhe podemos atri-

buir com alguma precisão o seu ponto de partida, situado no topo da abside, no eixo central da

nervura principal da concha. A partir deste ponto, de ambos os lados, o mosaísta terá desenro-

lado o motivo até à base da concha.

Quanto ao motivo em concha, considera-se de belo efeito cromático, porém com uma exe-

cução bastante grosseira, tendo em conta a dimensão média das tesselas empregues. A obten-

ção da gradação das cores nas caneluras é um aspecto importante do mosaico, dada a sua pecu-

liaridade. De facto, observámos uma série de anomalias muito invulgares, algumas proposita-

das, outras não. Quanto às primeiras, é notória a transição suave de cores nas caneluras, pas-

sando o ocre castanho a vermelho acastanhado, roçando pelo terracota, de tal forma que a

mesma tessela acolhe esta gradação, sem interrupção brusca entre as suas pares. Esta curiosa

obtenção de dégradê, tão natural, suscitou alguma perplexidade. Não é de excluir que o mosaísta

tenha procedido ao aquecimento das tesselas in loco.

Por outro lado, observamos também alterações que não foram propositadas, provocadas por

fonte de calor. Observam-se na segunda onda a contar do lado esquerdo, onde os dégradês ocre

castanho/castanho amarelado se tornam terracota/vermelho acastanhado (no seu enchimento

e na parte superior); na grande vaga central, onde muitas tesselas vermelhas estão escurecidas,

tornando-se castanhas ou mesmo pretas. Muitas tesselas pretas decompuseram-se, tornando-

-se cinzentas.

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A VILLA ROMANA DE RIO MAIOR. ESTUDO DE MOSAICOS

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Restauros antigosNão existem.

Restauros modernosNão existem.

Ilustração utilizadaRelatório de escavações de 1995 com fotografias, cortes estratigráficos e planta. Levanta-

mento realizado tessela a tessela em plástico cristal, à escala 1/1 com apoio de Diane Bédard

(membro da Missão MSP). Fig. 10.1., 10.2. Des. 11.

BibliografiaInédito.

Descrição

Painel A

Orla branca (8 cm), totalmente destruída a Sul e bastante danificada a Norte.

Filete duplo preto.

Linha de seis octógonos irregulares e seis quadrados alternadamente adjacentes, determi-

nando trapézios junto às bordaduras superior e inferior (cf. Le Décor, est. 27 c). A estrutura da com-

posição, formada por octógonos, quadrados e trapézios, é delineada por um duplo filete preto. Em

cada um dos octógonos foi inserido um segundo, simplesmente definido por um filete preto, que

serve simultaneamente de moldura ao florão nele colocado. Dois tipos de florão alternam entre si:

dos três florões de lótus, apenas dois estão totalmente conservados, tendo-se preservado apenas

uma das flores do terceiro. Trata-se de um florão compósito com oito elementos não contíguos, qua-

tro em pétalas lanceoladas pretas e quatro em lótus trífido em redor de um círculo concêntrico (cf.

Le Décor II, est. 268 a). Os lótus são tratados em policromia: vermelho acastanhado, ocre violeta e

ocre castanho ou preto, ocre castanho, castanho amarelado e vermelho acastanhado.

Dois dos restantes três florões estão totalmente perdidos. Resta-nos, felizmente, um exem-

plar. O seu enquadramento é substancialmente diferente do anterior. No interior do octógono

foi inserido um quadrado formado por um filete duplo preto, definindo um espaço interno de

22 x 24 cm onde se centrou o motivo floral. Trata-se de um florão simples de quatro elementos

não contíguos, com pétalas de cinco pontas obtidas através de um contorno cinzento francês sim-

ples com enchimento ocre castanho, pequenas hastes bífidas vermelho acastanhado e centro em

círculo concêntrico policromo (cf. Le Décor II, variante da est. 257c). Nos espaços residuais

foram centrados quatro trapézios delimitados por uma fiada de tesselas pretas e preenchidos a

ocre castanho e vermelho acastanhado em oposição de cores.

Cinco dos seis quadrados que separam os octógonos conservam-se (15 cm de lado), preen-

chidos alternadamente com quadrado denteado policromo com uma cruzinha no centro e roda

denteada preta, com um círculo preto no centro. Nos trapézios laterais, seis em cada lado maior,

foram inseridos outros, delimitados por um filete simples preto e adossados à bordadura para

que esta lhe sirva de base (36 cm). Ainda se conservam completos três trapézios em baixo e um

em cima. Os restantes estão total ou parcialmente destruídos. O interior de trapézio foi deco-

rado com uma folha lanceolada com duas folhas laterais pretas. As folhas estão assentes num

travessão preto com 16 cm de comprimento disposto paralelamente à bordadura e ligado a ela

através de uma tessela preta. Finalmente, os quatro cantos da composição foram também orna-

mentados: no canto superior e inferior direito, com um triângulo de lados denteados policromo

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PARTE II – OS PAVIMENTOS DA VILLA

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(uma cruzinha de quatro tesselas liga o motivo a um dos lados do octógono da composição); no

canto superior e inferior esquerdo com um triângulo policromo denteado dividido ao meio por

uma linha branca (a ligação à bordadura do campo consiste numa tessela preta).

Painel B

Faixa branca (6 cm conservada no topo e na ligação à soleira; 18 cm no canto inferior direito

até ao muro). Um filete denteado oblíquo, visível apenas no canto direito, faz a união à soleira.

Filete duplo preto; folhagem de acanto (33,5 cm de largura e 30 cm de diâmetro médio no

enrolamento) com flores e folhas de hera (cf. Le Décor, variante da est. 64 e). As folhas de acanto

são delineadas a filete preto simples e tratadas a cinzento metálico. Na extremidade do enrola-

mento há folhas de hera debruadas a preto e preenchidas a ocre castanho ou vermelho acasta-

nhado ou debruadas a ocre castanho com enchimento castanho amarelado (conservam-se cinco

exemplos), tendo-se preservado uma florzinha com pétalas vermelhas, intervaladas por quatro

filamentos ocre castanhos. Apesar de muito destruído, pode identificar-se o ponto de arranque

da folhagem, no topo, consistindo num caule cinza/ocre castanho, com uma folha de acanto no

lado direito realizada a castanho amarelado/ocre castanho.

Concha policroma, formada por vinte sete caneluras rematadas com meio disco preto, em

jeito de cortina (cf. Dicionário, p. 31) e separadas por duplo filete preto. Cada canelura é tratada

em gradação de cor de forma a obter o efeito de profundidade do interior do bivalve. Ao realizar

as caneluras, o artista teve em conta a incidência da luz no motivo, quer no ponto de arranque

junto da vaga central, menos luminosa, tornando-se progressivamente mais clara para a peri-

feria, quer em cada fiada da canelura, onde o efeito de sombras é realizado com dégradê de ver-

melho acastanhado, terracota e ocre violeta (junto à vaga central), ocre castanho e castanho ama-

relado (na periferia). Na canelura central, onde incide directamente a luz, os efeitos de sombra

convergem para o centro. A cerca de 90 cm do centro do motivo, pode ver-se uma circunferên-

cia desenhada a filete vermelho acastanhado que corta todas as caneluras, e a 44 cm desta, um

meandro de ressaltos com dentículos nos intervalos (cf. Le Décor, variante da est. 30 c). Junto à

base, convergem para uma grande vaga central enrolada, quatro vagas com pequena ondulação,

assentes num filete duplo preto. A vaga central é desenhada mediante quatro fiadas de tesselas

pretas e preenchida com fiadas brancas, rosa, ocre rosa claro, ocre rosa escuro, ocre violeta, ver-

melho acastanhado, terracota e ocre castanho. As duas pequenas vagas adjacentes (no lado

direito, apenas uma se conservou) foram realizadas a preto na estrutura interna e cobertas com

vermelho acastanhado e ocre violeta, as restantes com ocre castanho e castanho amarelado.

ComentáriosCom um largo período de vigência artística, a composição de octógonos e quadrados adja-

centes é conhecida desde o século I a.C. até ao século IV, com especial incidência nas pro-

víncias africanas e hispânica nos séculos III-IV. O estilo no desenho simples a filete repete-se

no mosaico n.0 15A para o qual remetemos de imediato no que se refere à análise estilística

da composição.

Quanto aos elementos que preenchem a supracitada composição linear, deter-nos-emos

essencialmente no tratamento floral dos octógonos. Por um lado, os florões de lis, presentes tam-

bém nos mosaicos n.os 10 e 15A e, por outro lado, os florões com folhas largas de cinco pontas,

presentes também no mosaico n.0 3C.

A origem da decoração vegetalista nos mosaicos remonta às rosáceas realizadas em com-

posições musivas centradas ou em bandas de soleiras da época helenística (Lancha, 1982b,

p. 245). Os romanos, por sua vez, não deixaram de beber desta fonte, fundindo-a ao gosto que

revelaram pela imitação dos lacunaria nos pavimentos, inserindo o florão numa malha quadri-

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A VILLA ROMANA DE RIO MAIOR. ESTUDO DE MOSAICOS

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cular ou em favo, desde o século I a.C. (Lancha, 1982b, p. 245-246). A partir desta data, os flo-

rões evoluem para formas diversas, cabendo a cada mosaísta dar o volume e o cromatismo capaz

de os fazer rivalizar com a própria natureza. Documentam-se desde cedo na Itália, achando-se

em Pompeia no século I a C.(Blake, 1930, p. 64, est. 15,4 e p. 107, est. 27.4). A Escola de Vienne,

fortemente influenciada pelas suas congéneres transalpinas, tais como Spoleto, Cremona ou

Aquileia (Lancha, 1982b, p. 246) impôs-se neste domínio, privilegiando os esquemas em qua-

drados ou em favos de hexágono para moldurar os seus típicos florões, realizados com quatro

folhas fusiformes e quatro cálices de lis ou lírio: em Sainte Colombe, um bairro meridional da

antiga Saint-Romain-en-Gal, nos hexágonos da composição, em data aproximada de 150-175 d.C.

(Recueil, III, 1, n.0 358, p. 189-190, est. XCIX). Pela mesma altura, noutro ponto da mesma

cidade, surge num quadrado da composição (Recueil, III, 1, n.0 385, p. 249-251, est. CXL-CX-LI)

e, na outra margem, em Vienne, num mosaico conhecido como Diederichs, é num círculo inse-

rido num hexágono que se documenta no desenho que dele resta (Lancha, 1977, p. 61,

fig. 19). A tradição prolonga-se em Saint-Romain-en-Gal pelos princípios do século III, em

composições à base de hexágonos e quadrados (Recueil, III, 1, n.0 407, p. 290-295, est. CLXX-

-CLXXI). Ao círculo estético vienense, pertencem ainda dois pavimentos de Lyon, a romana Lug-

dunum, onde duas composições em meandros ostentam exemplares de florões. O primeiro data

da segunda metade do século II (Recueil, II, 1, n.0 45, p. 42-43, est. XXII-XXV) e o segundo de

princípios da época severiana (Recueil, II, 1, n.0 138-4, p. 107-110, est. LXXVIII).

As cidades alemãs de Treveris e Colónia são também depositárias de importantes parale-

los destes florões, inseridos preferencialmente em esquemas de octógonos e quadrados em

estrela. Assim, documentam-se no sobejamente conhecido Philosophenmosaik de Colónia, em

data exacta pouco consensual entre os investigadores, mas que nos reporta grosso modo a mea-

dos do século III9 (Parlasca, 1959, p. 80, fig. 110, est. 80-82; Lancha, 1977, n.0 115, p. 272-274,

est. CXVI) e, na segunda metade do século IV, em Treveris, num mosaico encontrado na rua

Johann-Philipp (Parlasca, 1959, p. 59, est. 56-1).

As escolas africanas souberam captar, adaptar e inovar uma estética própria e inconfundível,

outros locais, mais ou menos inventivos reproduziram as suas ideias. O florão de lis documenta-

se na África Proconsular (Schmelzeisen, 1992, p. 456, Typ. 6a/7b 8) onde encontramos os melho-

res exemplares, menos frequentes no Oriente. Em Thaenae, N. Jeddi atesta no seu tipo a2 (1990,

est. CV) os vários exemplos conhecidos do século III, inseridos preferencialmente em círculos: na

sala III das Thermes des Mois (Jeddi, 1990, n.0 2, p. 225-242, est. LIVb e na Maison de Dionysos (Jeddi,

1990, n.0 25, p. 179-188, est. XLIV b e d e XLV). O painel geométrico do Triomphe de Neptune de

Constantine, datado de cerca de 315-325, é talvez um dos exemplos mais emblemáticos da aplica-

ção do motivo em octógonos (Baratte, 1978, n.0 6, p. 30-36, fig. 18-22). Pela mesma altura também

se documentam em Cartago, num mosaico sem localização precisa, onde os octógonos de uma

composição de cruzes de scuta levam florões (Ben Osman, 1981, n.0 67, p. 212-214), da mesma

forma que no das estrelas da Maison de la Course de Char (cf. n.0 7C), nos medalhões octogonais,

na segunda metade da centúria (Hanoune, 1969, painel 12, fig. 12). O Décor regista outros exem-

plos muito próximos na mesma cidade (cf. est. 133 e, 207 d e 213 c, revelando a predilecção do

motivo por parte das suas oficinas. Todos estes exemplos africanos constituem elementos refe-

renciais importantes na determinação da origem mais próxima dos nossos florões.

O salão Norte do frigidarium das termas de Aquileia, datado de meados do século IV, tam-

bém documenta o motivo com folhas fusiformes, aplicado aqui em círculos, num painel cuja

influência africana é salientada pela autora do seu estudo (Lopreato, 1994, p. 96, est. XLIX 1).

É bem provável que o pavimento de Negrar, considerado anterior ao século III por E. Guislanzoni

(1962, p. 124, fig. 32), com grandes florões de lis inseridos em octógonos numa composição do

tipo Le Décor est. 180 b e c (cf. n.0 3C), seja um pouco mais tardio, talvez já da quarta centúria.

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PARTE II – OS PAVIMENTOS DA VILLA

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As oficinas que laboraram na Hispânia da quarta centúria reproduziram o modelo africano.

Na villa de El Hinojal, o florão insere-se num octógono ou num quadrado, mas a variante aqui

presente procura uma efeito estético singular que se caracteriza pela subtil presença de um

fundo preto que deixa adivinhar as folhas, sem contudo as desenhar (CME, 1, n.0 62, p. 51, est.

93A e n.0 63, p. 51, fig. 4, est. 93). Em Liedena, achamos outro exemplo em octógonos1o (CME,

7, n.0 26, p. 49-50, est. 30).

L. Correia dedicou a sua dissertação de Mestrado à decoração vegetalista nos mosaicos

romanos em Portugal, tendo classificado no tipo 2 um florão muito próximo do nosso exemplar,

sob a designação de florões com cálices de lótus (Correia, 1985, p. 21). Cita como locais de ocor-

rência: Arnal, Boca do Rio, Conímbriga, Milreu, Faro, Fontão, Pisões e Vila Cardilio (Correia,

1985, p. 29-33, estampas 3, 4 e 5; Wrench, 1996, p. 597). Deste vasto grupo, muito heterogéneo,

destacamos o florão de Pisões (cf. Costa, 1988, fig. 7B), o da Casa da Cruz Suástica de Coním-

briga (cf. Correia, 1985, fig. 8 e fig. 9, levantados à escala) e o de Fontão (cf. Acuña Castroviejo,

1974b, fig. 7) como paralelos mais próximos de Rio Maior. Não há dúvidas quanto ao parentesco

do nosso florão com o de Pisões, inseridos em composições similares. O tipo de folha preta lan-

ceolada e o estilo das pétalas de lis são inquestionavelmente idênticos, encontrando congéne-

res em Mérida e El Pesquero, também em composições de quadrados e octógonos (vide comen-

tários ao n.0 15A). O caso da villa de El Pesquero, datado da segunda metade do século IV, é par-

ticularmente significativo porque associado a uma concha na abside, ainda que a paleta seja

muito mais pobre do que em Rio Maior (Rubio Muñoz, 1988a, p. 194, est. II). Os dois exemplos

de Mérida, obra de uma mesma oficina, datam do século IV (Álvarez Martínez, 1990, n.0 2,

p. 34-37, est. 6-7; n.0 17, p. 98-101, fig. 10, est. 48-50). O exemplo registado em Conímbriga,

datado de finais do século III — princípios do século IV, é formalmente mais complexo, partindo

no entanto de uma base idêntica de quatro fusos e quatro pétalas de lis (cf. Oleiro, 1994b, p. 42;

Wrench, 1996, fig. 9). De resto, trata-se do mesmo tipo de motivo em Fontão, com o mesmo

tratamento dos espaços, ainda que as folhas se apresentem aqui em lança (cf. Acuña Castroviejo,

1974a, p. 30-32, 1974b, p. 204-205). A sua datação poderá eventualmente entrar na quarta cen-

túria, ao contrário do que pensa F. Acuña Castroviejo (cf. 1974a, p. 32).

Os florões aquitanos destacam-se também como um conjunto homogéneo que reflectem

uma tendência para a utilização deste tipo de elemento decorativo como enchimento de com-

posições variadas, onde merece particular realce o octógono ou o quadrado de lados côncavos,

mais raramente o círculo, no século IV (especialmente na sua segunda metade) e no século V.

A estrutura destes florões é bastante semelhante ao grupo a que pertence o nosso exemplar, com

algumas particularidades assinaláveis que lhes conferem originalidade própria, num círculo

regional bastante bem definido como é o aquitano. As folhas são, em geral, contornadas a

branco, com enchimento vermelho ou preto, e a sua forma é mais fusiforme do que lanceolada.

Os cálices dos florões possuem um tratamento cromático que se caracteriza geralmente por um

contorno a preto ou verde e pétalas tratadas a cinzento, vermelho, cinza azulado com a ponta

central amarelo ou vermelho e frequentemente adornadas com estrias pretas de modo a dar

volume ao motivo. Documentam-se em desde meados do século IV em Lescar (Recueil, IV, 1,

n.0 140, p. 145-148, est. LXXIX-LXXX), até finais da centúria em Valentine (Recueil, IV, 1, n.0 58,

p. 67-70, est. XVII-XVIII), Auriébat (Recueil, IV, 1, p. 102, p. 105-107, est. XLIV-XLVI3), Gley-

zia d’Augreilh – Saint Sever (Recueil, IV, 2, n.0 208 C, p. 72-78, est. XXX-XXXII; n.0 209, p. 78-

-81, est. XXXV; n.0 214 A, p. 89, est. XLIV), Auch (Recueil, IV, 2, n.0 357, p. 218, est. CLV; n.0 358

A, p. 219-220, est. CLVI-CLVII; n.0 360, p. 221-222, est. CLVIII-CLIX), Gee-Rivière (Recueil, IV,

2, n.0 258, p. 137-138, est. LXXXV), Cieutat (Recueil, IV, 2, n.0 267, p. 142-144, est. LXXXVII-

-LXXXVIII) e Cadeillan (Recueil, IV, 2, n.0 421, p. 249-252, est. CLXVIII-CLXXXI), em fins do

século IV e princípios do século V em Lescar (Recueil, IV, 1, n.0 134, p. 138-141, est. LXXVI), Séviac

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A VILLA ROMANA DE RIO MAIOR. ESTUDO DE MOSAICOS

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(Recueil, IV, 2, n.0 285 A, p. 153-155, est. XCII-XCIV; n.0 286 C, p. 155-160, est. XCVII-XCIX;

n.0 287 A, p. 160-163, est. XCIII, C-CII; n.0 303 A, p. 184-186, est. CXXXII) e Sorde l’Abbaye

(Recueil, IV, 2, n.0 175 A, p. 37-43, est. VI-VII). No século V, os exemplos são menos numerosos:

quatro mosaicos de Lalonquette (Recueil, IV, 1, n.0 117, p. 122-124, est. LXIII; n.

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estudo tipológico global do motivo dificulta o seu enquadramento num grupo particular ou

numa época, ainda que nos seja permitido aproximar o nosso exemplar do tipo 12Q14 apre-

sentado por Shmelzeisen para a Proconsular (1992, p. 258), P. Aragon-Launet e C. Balmelle

ensaiaram um interessante estudo a nível local, com base nas esplêndidas folhagens de acanto

da villa tardo romana de Séviac (Aragon-Launet e Balmelle, 1987-88). Os exemplares apresen-

tados pelas autoras possuem, porém, dimensões muito superiores às de Rio Maior, modéstia que

se manifesta nos tímidos dentes de serra das folhas, despojados da exuberância dos pavimen-

tos aquitanos de folhas policromas com dentes profundos e agudos (Aragon-Launet e Balmelle,

1987-1988, p. 191-192). Assim sendo, resta-nos, por ora, apontar alguns paralelos próximos que

possam esclarecer a cronologia do nosso pavimento.

No território português apenas se conhece um exemplo próximo, de fraca valia11. Encontrado

em S. Miguel, na Golegã, foi publicado por M. Heleno (1966, p. 250) e dele pouco se sabe, uma

vez que foi praticamente destruído, restando uma fotografia que nos mostra uma folhagem

branca em fundo preto, com folhas agudas ao estilo de Séviac, sem ornamentos nas extremida-

des. M. Heleno não propõe datação. Os exemplos registados em Conímbriga, na Casa dos Repu-

xos, são mais antigos, situando-se entre os finais do século II e o século III (CMRP, I, n.os 3, 9 e

10, est. 66), época de maior esplendor estético patente no realismo imprimido ao tufo de acanto.

Exigindo um bom domínio da arte musiva, as folhagens de acanto reaparecem na época de

Constantino, sucedendo ao grosseiro estilo da Tetrarquia (Kiss, 1973, p. 5912). A realização de

bordaduras de abside em acanto não é inédita, encontrando-se uma excelente execução da

mesma nos princípios do século IV, em Cartago, com aves na extremidade dos enrolamentos,

rodeando um tema central de caça ao javali (Dunbabin, 1978, est. XI 21; Yacoub, 1983, p. 261,

fig. 133) e na Villa de Tabarka, em redor de uma paisagem rural com edifícios, já nos finais da

centúria ou princípios do século V (Dunbabin, 1978, est. XLV, 113). A abside com o busto de

Diana da villa de Bignor, datada de cerca de 300 d.C., é também decorada com folhagens esti-

lizadas, muito pobres no tratamento formal, com folhas de hera e cálices de lótus nos enrola-

mentos (Rainey, 1973, p. 23, est. 10B; Johnson, 1982, p. 35, est. 24). Nestes três exemplos cita-

dos, a folhagem rodeia completamente a abside, envolvendo sempre um painel figurativo.

Quer em aplicações directas de cardium, quer em mosaico parietal figurado, o mundo clás-

sico concebeu a concha como elemento simbólico de lugares aquáticos ou alusivos à deusa

Vénus ou às Ninfas. Segundo M. Eliade, as ostras, as conchas marinhas, o caracol e a pérola são

solidárias tanto das cosmologias aquáticas como do simbolismo sexual, sendo também consi-

deradas emblemas destas forças pela semelhança que apresentam com os órgãos femininos

(apud Servajean, 1989, p. 935). F. Servajean salienta ainda a ligação da concha à lua, através da

mulher, cujos ciclos de fertilidade se associam aos do referido planeta (1989, p. 936). Água-con-

cha-mulher formam uma trilogia alegórica à qual a lua empresta a noção de ciclo e renovação.

A concepção de Afrodite/Vénus como deusa celeste e astral sugere conotações cósmicas parti-

cularmente expressivas quando a concha se realiza nas semi-cúpulas das absides. Será este o

caso de Rio Maior?

Em 1965, D. Joly apresentou ao CMGR, 1, um estudo detalhado acerca de três fontes pom-

peianas em forma de nicho, datadas do período entre 62 e 79 d.C., onde as conchas assumem

um lugar de destaque. Na Casa dell’Orso, no jardim próximo da Grande Palestra, a Oeste do anfi-

teatro e na casa IX-7 que fica atrás do Vicolo di Tesmo. O cardium é aplicado em filas que dese-

nham os contornos da construção e o ambiente aquático é reforçado pela presença do nasci-

mento de Vénus na abóbada (Joly, 1965, Casa dell’Orso, p. 58-61, fig. 1 e casa IX-7, p. 63-69,

fig. 2), conferindo ao local um valor magico-religioso. Para além destes locais, a mesma autora

cita outros exemplos de fontes onde podemos ver o uso do cardium como elemento decorativo

disperso. A Fontana Grande (Joly, 1965, fig. 17, 19 e l), a Fontana Piccola (Joly, 1965, fig. f) e

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A VILLA ROMANA DE RIO MAIOR. ESTUDO DE MOSAICOS

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a fonte do peristilo da Casa degli Scienziati (Joly, 1965, fig. H e k) em Pompeia, ou ainda a da Casa

de Nettuno ed Anfitrite em Herculano (Joly, 1965, fig. 25-26). Acaba por demonstrar a influên-

cia da pintura no mosaico parietal, ainda que a dúvida permaneça quanto à influência nos pavi-

mentos de Pompeia (Joly, 1965, p. 71).

Apropriado pela arquitectura ao longo da História, o motivo abandonou a plasticidade e cro-

matismo do opus musivum para enveredar pela rigidez da pedra e passar a cobrir cabeceiras e

nichos. Do seu significado inicial, pouco terá perdurado ao longo dos tempos, transformando-

-se num mero adorno arquitectónico, mais ou menos estilizado. Seria olhando para as abóba-

das que os mosaístas se inspiraram para realizar pavimentos com o motivo? Por razões econó-

micas, as conchas feitas inicialmente em estuque nas salas termais, nos nichos ou nas êxedras,

passaram a ser pintadas em falso relevo, o que ditou um certo afastamento do seu modelo ori-

ginal. A transferência do motivo para o chão, em espaços semicirculares, naturalmente propí-

cios, poderá corresponder a uma fase seguinte que levou à perda do volume e profundidade que

um espaço côncavo era capaz de lhe proporcionar. Por outro lado, a tradição itálica da aplicação

de cardium em locais emblemáticos transferiu-se para o opus musivum onde surge em compo-

sições variadas, de forma mais ou menos realista consoante a habilidade do artista.

O primeiro obstáculo a ultrapassar neste domínio da investigação, é a identificação correcta

do motivo. De facto, se na maior parte dos casos a concha nos parece de óbvia identificação pelo

naturalismo da sua representação, noutros, pelo contrário, a tarefa é dificultada pela sua geo-

metria que incita a interpretações dúbias. A inexistência de um vocabulário padrão para este tipo

de decoração leva a descrições ambíguas e variadas: concha, leque, demi-dôme, conque ou vene-

ras, são alguns dos exemplos que povoam a literatura especializada portuguesa e estrangeira.

Os contextos em que nos surge são vários. Em contexto funerário13, não lhe será alheio a

ideia de “renascimento” além da morte, propiciada pela energia regeneradora da concha (DACL,

s. v. Coquillages). É o caso de um mosaico sepulcral, proveniente da necrópole de Alfaro, datada

através de um numisma de Constâncio II de 326 a 361 e cujos modelos se situam nas provín-

cias africanas (CME, 9, n.0 12, p. 32, est. 39). A concha, numa versão naturalista em jeito de dos-

sel, foi colocada na cabeceira do mosaico, sobre a cabeça do defunto. Em contextos domésticos,

o motivo traz consigo a ideia de vitalidade e regeneração e nos ambientes aquáticos, com espe-

cial incidência nas termas e fontes, a ligação à força vital da água é ainda mais evidente.

Nos pavimentos de opus tessellatum, os mosaístas romanos aplicaram o motivo de três for-

mas diferentes: como motivo único em espaços semicirculares, como motivo de enchimento em

composições de superfície (nomeadamente as composições de medalhão circular centrado com

semicírculos nos lados e quartos de círculo nos ângulos, vulgarmente conhecido como esquema

“a compasso”, entre outras) e nas representações figuradas da Vénus Marinha.

Pelo seu formato em leque, foi privilegiado para espaços arquitectónicos semicirculares —

as absides. Geograficamente, é nas províncias ocidentais (Norte de África, Hispânia, Gália e Bri-

tânia) que se registam os paralelos deste tipo, desde o século II aos princípios do século V. A tra-

dição das oficinas africanas nos temas marinhos pode constituir um argumento válido para lhes

atribuirmos a “invenção” da concha, naturalista e polícroma, aplicada a espaços semicirculares.

A sua presença noutras gramáticas decorativas, em ângulos de composições centradas ou como ele-

mentos de enchimento, é também extremamente forte no Norte de África. No entanto, é impor-

tante salientar que desde os princípios do século II se conhece também o motivo em Itália, em com-

posições de superfície ditas “a compasso” (Maioli, 1980, p. 466 e 471, fig. 5, 465, fig. 3).

O paralelo estilístico mais próximo do nosso mosaico é oriundo da cidade britânica de

Verulamium. O mosaico do edifício I da Insula II data do século II e nele podemos apreciar uma

concha de vinte e quatro caneluras, engastada num fundo liso, com uma bordadura em motivo

de vagas (Johnson, 1995, p. 17, est. 5). Este mosaico inglês, cuja alusão á água é inelutável, apre-

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PARTE II – OS PAVIMENTOS DA VILLA

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senta uma grande qualidade de execução. As características técnicas observáveis, nomeadamente

a projecção de sombras das caneluras na mesma direcção, a resolução do problema do ponto de

convergência das caneluras através da sua interrupção simultânea alguns centímetros antes da

intersecção e a forma como representou o bordo do bivalve conferem ao pavimento uma indivi-

dualidade própria. Não se conhecem produções contemporâneas com o mesmo cartão. O mosaico

da abside do oecus da villa de Fuente Álamo (Puente Genil-Córdova), cujo painel central apresenta

o triunfo de Baco, apresenta as características estilísticas mais próximas de Verulamium e de Rio

Maior, não só pela bordadura de acanto com flores-de-lis, como também pela concha policroma

de 28 caneluras com uma projecção de luz convergente para o centro (López Palomo, 1985,

n.0 4, p. 112, fig. 3, est. IV). A villa e os seus pavimentos datam da segunda metade do século IV

(López Monteagudo et al., 1988, p. 795). Cerca de duzentos anos separam estes pavimentos. Que

percurso estabelecer para o motivo em questão? Terá o modelo vindo do mesmo local?

Os exemplos coevos de Verulamium incluem-se maioritariamente num grupo com carác-

ter geométrico. É o caso do pavimento do compartimento 56 da ala Norte do Palácio de Fish-

bourne. Tratam-se de dois painéis absidais com raios policromos separados através de um rec-

tângulo onde se vê uma linha de losangos erguidos e adjacentes, servindo de base de apoio a uma

figura muito danificada e causadora das divergências de interpretação que têm rodeado o

mosaico. Seriam duas caudas de peixes afrontados, talvez golfinhos, ladeados por duas conchas,

ou seriam as patas de um pavão cujas asas, abertas, formariam os dois motivos laterais em leque

(Cunliffe, 1971, p. 186-187, est. 55). A dificuldade em aceitar a versão das conchas reside não só

no tratamento dos raios, marcadamente geométricos, sem projecção de sombras nem volume,

ainda que sugerido por duas linhas onduladas que cortam os raios, mas também na ausência

do rebordo do bivalve que encontramos no motivo naturalista. A destruição do topo do mosaico

dificulta uma opção definitiva por uma hipótese ou outra.

Terá sido no decorrer do século II que o motivo chega ao Norte da Hispania, à cidade de Clu-

nia. Na primeira metade da centúria, encontramo-lo nas Termas de los Arcos, constituído por cane-

luras delineadas a filetes brancos que se repetem por pares em preto e terra de siena sobre fundo

amarelo e acabam em semicírculo, com uma águia no ponto de convergência (Palol Salellas, 1994,

Fig. 119; CME, 12, n.0 26, p. 77-78, fig. 23, est. 49) e, por volta de meados da mesma centúria, no

compartimento 9 da casa dita n.0 1 de Taracena — um triclinium absidal —, com um tratamento

policromático das caneluras em vermelho, amarelo, ocre e terra de siena queimada, simplesmente

separadas por filete branco (Palol Salellas, 1994, fig. 56; CME, 12, n.0 7, p. 23 e 45, est. 23 e 25).

No primeiro mosaico citado parece não haver dúvidas quanto à presença de uma concha, ainda

que numa versão muito esquemática, pelo contexto termal em que se encontra. A colocação de

um medalhão com um animal no ponto de convergência não invalida a interpretação, uma vez

que em Littlecote (século IV) encontramos a mesma solução com uma cabeça de leopardo (Smith,

1982, n.0 9, 323-324, est. CCIC e CCX). No segundo mosaico, o elevado grau de destruição torna

impossível uma hipótese fiável. Nem resistiram sequer os quadrados do centro do painel rec-

tangular cuja possível decoração figurativa pudesse iluminar um caminho. A abside sofreu gran-

des danos, conservando-se apenas um quarto da sua superfície, todavia, é possível aproximar as

características estilísticas do exemplo supracitado do Palácio de Fishbourne, nomeadamente no

filete branco que separa as caneluras e no tratamento cromático. O compartimento 44 da casa

n.0 1 da mesma cidade hispânica, possui uma abside preenchida por 19 raios alternando com os

dois tons dominantes do mosaico (Fernández Galiano, 1980, fig. 1, p. 14-16; CME, 9, p. 30-31,

fig. 15, est. 17; CME, 12, n.0 10, p. 62-65, fig. 15, est. 80). A abside é preto e branco, embora tam-

bém se registe o vermelho e o amarelo. A bordadura é uma ramagem com flores. A sua datação

foi estabelecida através de uma moeda de Constantino no rudus de um dos pórticos da galeria

(CME, 9, p. 35). O estilo das conchas que decoram os semicírculos de uma composição centrada

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A VILLA ROMANA DE RIO MAIOR. ESTUDO DE MOSAICOS

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com o tema de Hylas e as Ninfas, exposto no átrio do Museu de Saint Romain en Gal, datado de

175-200 (Recueil, III, 2, n.0 380, p. 241-244, est. CXXXIIe e CIXXXIIIb, é de relacionar com Veru-

lamium pela qualidade e naturalismo da execução.

No século III, o motivo parece desaparecer, conhecendo-se apenas dois exemplos na Gália

Lionesa, ambos conhecidos através de desenhos e pertencentes a compartimentos absidais.

O mosaico de Sennecey-le-Grand, estilisticamente datado da época severiana, apresenta uma

abside com 2, 15 m de base, com uma pequena concha tratada a branco, vermelho, bege, branco

e preto que parece irradiar como um sol através de linhas de dentes de lobo (Recueil, II, 2, n.0 302,

p. 110-112, est. LIX-LX). O segundo exemplo da região, proveniente de Mont-Saint-Jean, apresenta-

se com uma concha em sentido inverso, pois a base do bivalve toca o topo da abside, tratada em

tons azul e cinza, com dois golfinhos encaixados (Recueil, II, 4, n.0 710.2A, p. 101-102, est. XXXIX).

Não estando datado, parece contudo anterior ao incêndio que destruiu a casa em 275.

O motivo ressurge com maior naturalismo durante o século IV. O supracitado mosaico de

Puente Genil oferece-nos um dos melhores paralelos. Com 5 m na base da abside, apresenta um

tratamento ondiforme do rebordo do bivalve muito próximo do de Rio Maior, mas a solução

adoptada para a zona central consiste num vértice simples. Por outro lado, as caneluras não mor-

rem nesse vértice, mas projectam-se ao longo da base da concha. A estas observações de carác-

ter técnico, há que acrescentar a reduzida paleta de cores do mosaico cordovês — vermelho,

branco, preto e sépia (cf. López Palomo, 1985, p. 112), manifestamente mais pobre do que o

nosso mosaico. Não se registam grandes diferenças ao nível da densidade das tesselas, ligeira-

mente mais fina em Puente Genil, com 93 tesselas por dm2 face às 101 de Rio Maior. A projec-

ção das sombras é centrada como em Rio Maior, mas a bordadura de acanto é mais larga e

pujante em Puente Genil. A abside do compartimento n.0 5 da villa de El Pesquero, nas proxi-

midades de Badajoz, coeva de Puente Genil, é outro paralelo muito próximo. O compartimento

onde se encontra apresenta características peculiares de que tivemos já ocasião de falar. O solo

da abside é pavimentado com uma concha de 23 caneluras que irradiam de uma pequena vaga

central ao jeito de Rio Maior (Rubio Muñoz, 1988a, est. II). Porém, os mosaístas de El Pesquero

não recorreram às ondas no rebordo da concha, preferindo uma bordadura em ogivas realizada

com uma paleta muito pobre de três cores (preto, branco e vermelho). A projecção das sombras

é feita num único sentido, da esquerda para a direita. Tal como em Rio Maior, a concha está sepa-

rada do tapete principal através de uma soleira com uma composição linear de losangos tan-

gentes pelos vértices (cf. Rubio Muñoz, 1988a, est. II). As afinidades com Rio Maior registam-

-se noutros pavimentos da casa (cf. n.0 15A).

Outro paralelo hispânico de realce é o mosaico da toilette de Pégaso e as Ninfas, achado em

S. Julián de Valmuza e datado do século IV com base num desenho, sem escala, da Real Acade-

mia de História (CME, 5, n.0 12, p. 19-20, fig. 12). Trata-se de um pavimento rectangular figurado

com duas absides laterais das quais se conserva uma, com um motivo em concha, embora J. M.

Blázquez Martínez se limite a descrevê-lo como motivo radiado (CME, 5, p. 19). Não há referên-

cias à paleta de cores empregue e o autor do seu estudo apenas menciona paralelos estilísticos

para o tema mitológico de indubitável ligação ao mundo aquático. Do ponto de vista técnico, o

mosaico de S. Julián procura o naturalismo não só no rebordo da concha, vista do interior, mas

também no efeito ondulante do bordo exterior.

Data de 36014 o mosaico de Orfeu de Littlecote Park cujas três absides foram ornamenta-

das com conchas (Smith, 1982, n.0 9, p. 323-324, est. CCIC e CCX). A concha central é de maio-

res dimensões, com 14 caneluras, enquanto as laterais apenas possuem 9. Em todas elas o ponto

de convergência é ocultado através de um medalhão com cabeça de leopardo. Segundo Smith

(1982, p. 323-324) trata-se de uma obra da Durnovarian officina (cf. discordância de Johnson,

1994, p. 320). O valor simbólico do motivo neste contexto temático pode ser discutível.

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PARTE II – OS PAVIMENTOS DA VILLA

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Walters (1980, p. 441) contestou a identificação deste motivo como concha, considerando-os

antes raios solares que iluminam a imagem divina de Orfeu e ainda a utilização da abside cen-

tral como local para o stibadium, que vê como local para o mestre-de-cerimónias religiosas.

Porém, a naturalidade da representação do bordo do bivalve e o volume criado pelo jogo da luz,

constituem, na nossa opinião, indícios importantes a favor da presença de conchas, tanto mais

que o meio aquático não é estranho à lenda de Orfeu que acalmou as águas com a doçura e beleza

da sua voz na expedição dos Argonautas e desposou a Ninfa Eurídice, cuja morte tanto sofri-

mento lhe causou.

Em Leicester, numa villa situada fora das muralhas na época romana, hoje Norfolk Street,

preservou-se um pavimento de abside com uma concha flanqueada por dois golfinhos (Rainey,

1973, p. 104). Conhece-se o mesmo tema na abside do compartimento junto à muralha da Casa

de Cantaber de Conímbriga, particularmente importante porque não se trata de um vulgar car-

dium, mas de uma vieira, único exemplar registado por nós no Império. Porquê uma vieira?

Adaptação local ao gosto do proprietário por alguma razão particular? A execução, a preto e

branco, é extremamente grosseira e a sua inserção no espaço disponível é inábil. Apesar destas

diferenças, o simbolismo subjacente às imagens parece enquadra-se perfeitamente no imagi-

nário romano.

Maiores dúvidas suscitam a abside do mosaico de Diana da villa de Prado, datado recen-

temente dos primeiros decénios do século IV (Torres Carro, 1988, n.0 1, p. 178, est. I, 1 e 2; cf.

Wattenberg, 1962, p. 45, cuja datação situou nos finais do século II). É constituída por um semi-

círculo radiado com linhas duplas de tesselas vermelhas, rematadas com um arco de quádruplo

filete vermelho (Wattenberg, 1962, p. 43; CME, 11, n.0 21, p. 48-53, fig. 8, est. 18-19, 37-38).

A interpretação como representação do sol com ligação ao culto mitraico não tem sido contes-

tada. Com efeito, o tratamento cromático difere substancialmente dos motivos considerados

como conchas. Não obstante as dificuldades apresentadas por este mosaico, cujo esquema-

tismo e estilo depurado podem legitimar diversas interpretações, não podemos, de todo, igno-

rar a ligação de Diana ao mundo aquático, pois a deusa consagrou-se à natureza na mitologia

clássica. No caso do mosaico de Diana de Villabermudo, esta associação às águas é reforçada pelo

achado de uma ara votiva às ninfas e de uma fonte nas proximidades (Palol Salellas, 1963, p. 247-

-248 e 250). O estilo geométrico do motivo recorda os seus congéneres do século II. Veja-se, por

exemplo, a concha da Vénus de Cártama (Blázquez Martínez, 1986, fig. 35) cuja interpretação

suscita dúvidas. Ora, contestada esta datação a favor da quarta centúria, torna-se difícil o enqua-

dramento estilístico, pois veremos que a esta época corresponde uma corrente estética de carác-

ter naturalista, com muitos exemplos na Hispânia. Apenas dois casos de motivos radiados data-

dos do século IV, mas associados a painéis geométricos, se apresentam de forma geométrica:

Daragoleja (CME, 4, fig. 9) e Puente de La Olmilla (García Bueno, 1994, fig. 8). A mediocridade

da execução do painel figurativo terá tido as suas repercussões na realização da abside. Por outro

lado, a ideia de fertilidade aportada pela presença das estações personificadas (cf. Torres Carro,

1988, p. 180-181) é o contexto propício à presença de uma concha. A estas ideias poderemos acres-

centar a vontade dos artesãos em provocar deliberadamente a livre interpretação: concha ou sol.

Além da aplicação deste motivo às absides, encontrámos ainda dois pavimentos muito inte-

ressantes, onde os mosaístas realizaram falsas absides no próprio mosaico, desenhando um

semi círculo num dos topos de um rectângulo. Os dois mosaicos apontam novamente para a Bri-

tânia e a Hispânia, apresentando-nos dois motivos raiados adjacentes a um painel geométrico.

O primeiro é proveniente de Nothleigh e seria uma produção da Durnovarian School na primeira

metade do século IV, supostamente aquela que terá realizado o mosaico de Littlecote (Smith,

1965, p. 109). Do desenho apresentado por Smith, ainda que pouco claro, é possível identificar

10 raios e um semicírculo no ponto de convergência das mesmas (1965, fig. 16). O segundo

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A VILLA ROMANA DE RIO MAIOR. ESTUDO DE MOSAICOS

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exemplo provém do triclinium da villa de Daragoleja (CME, 4, n.0 34, p. 43-44, fig. 9). Também

é conhecido através de um desenho onde é evidente a maior complexidade de execução em rela-

ção ao anterior, tendo contudo adoptado a mesma solução decorativa no ponto de convergência

dos raios.

É muito provável que o mosaico descrito por Grenier e que ornamentava uma pequena

abside na ala nordeste da villa de Téting, hoje desaparecido, corresponda a uma concha (Recueil,

I, 2, n.0 225B15, p. 61, est. XXXIV).

É, no entanto, nas províncias africanas que encontramos os melhores exemplos de conchas.

M. Gauckler descreveu desta forma um dos mosaicos das êxedras do frigidarium das grandes ter-

mas de Thaenae, datadas de finais do século II: “motivo geométrico semicircular, em leque, em

volta de um semicírculo de base, ornamentado de ricas volutas” (1910, n.0 18C, p. 11-12). Sem

dispormos de ilustração, é temerário alongar-nos em análises. O contexto termal aponta para a

presença de uma concha, mais ou menos estilizada, como se documenta nos quatro nichos do

frigidarium das termas Memmiens de Bulla Regia, do segundo quartel do século III, dos quais

apenas nos restam dois (Hanoune, 1993, p. 250-254 e 271, fig. 237-245).

Em Timgad, documentam-se vários tipos de aplicação de conchas, mantendo-se contudo

uma certa afinidade estilística entre elas. Em absides, surgem nos contextos termais como é o

caso na Grande Casa a Norte do Capitólio16 e nas Grandes Termas do Norte. No frigidarium da

Grande Casa subsistem dois dos mosaicos que provavelmente ornamentavam os quatro nichos

semicirculares, caracterizados pelo fundo amarelo claro, caneluras pretas e dégradês em ver-

melho, amarelo e cinzento (Germain, 1969, n.0 173, p. 115, est. II e n.0 174, p. 116, est. LVIII).

A autora não propõe datação, reagrupando o conjunto dos pavimentos do edifício em torno do

século III-IV (Germain, 1969, p. 118). O edifício das Grandes Termas do Norte, construído no

século II, também documenta uma abside em concha, no frigidarium, com um desenho muito

esquemático (Germain, 1969, n.0 85, p. 72, est. LXXXV).

O Musée des Antiquités et d’Art Musulman de Argel expõe ao público um pavimento rec-

tangular absidal, proveniente de Mrikeb-Thala (Derder, 1991, n.0 26, p. 25, fig. 12), cuja concha

da abside é muito semelhante à de Djemila no tratamento das “barbas” do bivalve. Com uma

rica paleta de sete cores (amarelo, castanho, vermelho, verde, azul, rosa e laranja), sem contar

o preto e o branco, adivinham-se nove caneluras na fotografia parcial publicada (Derder, 1991,

fig. 12). No mesmo museu, um outro mosaico absidal, proveniente de Batna, ostenta uma con-

cha com 28 caneluras tratadas a vermelho, castanho, amarelo, cinzento, preto e branco (Derder,

1991, n.0 29, p. 25, fig. 14). Infelizmente, não dispomos de ilustração do pavimento que M. Pach-

tere documenta nas termas de Tebessa situadas a 200 m da Porta de Constantino (1911, n.0 5,

p. 3). Trata-se de uma abside com cerca de 1,70 m de raio com um mosaico em “concha rodea-

da por uma trança e uma banda com flores que escapam de uma taça”.

Em Djemila, na Maison de Castorius, o mosaico da êxedra do peristilo, datado de finais do

século IV — princípios do século V, consiste numa concha desenhada com espessos filetes pre-

tos (sete caneluras, sendo a central mais larga) e colorida com uma paleta bastante rica de oito

cores (Blanchard-Lemée, 1975, p. 168-169). Em Sousse, L. Foucher registou a destruição de um

motivo radiado em forma de leque com uma paleta policroma, na abside do pórtico frente à

entrada do oecus de uma casa (1960, n.0 57 109).

O modelo das conchas de Timgad reencontra-se em Jurançon, na Gália, no século IV, em

duas absides laterais de uma piscina, sendo a central decorada com uma divindade e o painel

rectangular com fauna marinha (Recueil, IV, 1, n.0 154, p. 159-162, est. XCIV). Da ilustração em

aguarela que restou, podemos apreciar conchas amarelas com contorno preto, compostas de

caneluras pretas e vermelhas, com três cálices trífidos no topo que a autora do estudo interpreta

como caudas de golfinho tratadas a amarelo e vermelho (Recueil, IV, 1, p. 160).

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PARTE II – OS PAVIMENTOS DA VILLA

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Do vasto conjunto analisado, as conchas em posição de leque invertido predominam nas

absides africanas, associadas a edifícios termais, geralmente frigidaria, ou locais com referên-

cias aquáticas. É o caso de Timgad, Bulla Regia, Sousse ou Djemila. Tratam-se de conchas com

tratamentos de pormenores variados que obedecem sempre à mesma estrutura de base.

O mosaico de Rio Maior, em forma de leque, apresenta uma estrutura frequente nos mosaicos

que representam o nascimento de Vénus, quer africanos, quer hispânicos. Entre os primeiros

contam-se os exemplos de Timgad, no Ilôt 24, datado do século III (Germain, 1969, n.0 8, p. 13,

est. IV), Cartago, na Maison de la Cachette de Statues, datada de fins do século IV-princípios do

século V (Dunbabin, 1978, est. LIX 150), Sétif, no frigidarium das Termas, da segunda metade

do século IV (Mohamedi, 1991, p. 71-77, fig. 16, est. 47 e 49) e Thaenae, no frigidarium das Ter-

mas (Dunbabin, 1978, est. IX, 18). Os exemplos hispânicos de Cártama, do século II e La Quin-

tilla do século IV (Blázquez Martínez, 1986, fig. 35 e 36) apresentam-se sob a mesma forma.

A concha de Cártama é levada ao máximo da sua geometria, corroborando o estilo que encon-

trámos nos exemplares de Clunia no século II. O tratamento naturalista da concha é típico do

século IV, como podemos ainda confirmar na Vénus de Hemsworth, obra da Lindinis Officina

durante a quarta centúria (Johnson, 1982, p. 45, est. 34) com um tratamento muito próximo ao

de Rio Maior.

Em suma, o nosso mosaico enquadra-se num tipo de larga divulgação nas províncias afri-

canas, num estilo artístico naturalista típico do século IV, bem conhecido não só em exempla-

res singulares, como também em associações com a deusa Vénus. Os exemplos registados em

Puente Genil e El Pesquero são referências importantes do ponto de vista do estilo e da crono-

logia que nos proporcionam o enquadramento suficiente para sustentar a datação. Estes três

mosaicos surgem em contextos domésticos, em particular residências rurais, onde a alusão ao

meio aquático não é evidente e, por isso, talvez se lhes deva atribuir um valor simbólico querido

aos terratenentes: vitalidade, regeneração e fertilidade. A localização em compartimentos espe-

cíficos da casa reforça a vontade destes proprietários em exibir aos seus convidados um certo

modus vivendi.

Os relatórios de escavação não registam espólio significativo, à parte os habituais frag-

mentos de estuque e mármore na camada de tufo branco e telhas que cobre o mosaico.

DataçãoSegunda metade do século IV.

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A VILLA ROMANA DE RIO MAIOR. ESTUDO DE MOSAICOS

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N.0 3

TemaA – Composição ortogonal de meandro de suásticas de volta dupla e de quadrados (vestí-

bulo).

B – Grinalda de folhas de loureiro (soleira).

C – Composição ortogonal de octógonos e hexágonos oblongos adjacentes, formando espa-

ços cruciformes decorados com meandros de quatro suásticas e um quadrado no centro

(tapete principal).

D – Composição em xadrez preto e branco (painéis entre muros).

CompartimentoGrande sala aberta para Sul, cujo acesso se fazia provavelmente através de um vestíbulo par-

cialmente escavado. É difícil, de momento, atribuir-lhe uma função específica, uma vez que não

se encontra totalmente escavado. Teria, na época romana, duas paredes, das quais subsiste parte

a Oeste, terminadas com um entalhe em cunha onde colocaram uma coluna em mármore rosa

cuja base se preserva. A parede é em alvenaria de tijoleira regular. É provável que a base de

coluna seja um elemento reaproveitado, uma vez que o mosaico foi colocado sobre o plinto que

ficava totalmente escondido. A Noroeste, o recorte dado ao mosaico denuncia a existência de um

patamar de acesso ao compartimento vizinho, situado a uma cota superior (n.0 4). A Nordeste

existe um escoadouro com rebordo de opus signinum (7 cm de diâmetro) cuja canalização atra-

vessa o mosaico no sentido Este-Oeste. Não é possível definir com rigor a função dos espaços

ocupados pelos painéis D1 e D2, uma vez que a área não se encontra totalmente escavada. Do

painel D2 apenas se recolheram alguns fragmentos de mosaico com decoração semelhante.

Dimensões do Compartimento6,8 x 6,3 m.

Dimensões do mosaicoA – 3,21 x 1,50* m.

B – 3,13 x 0,40 m.

C – 6,60 x 4,08 m (a Oeste – 3,65 m).

D – 1,12* x 1,04 m.

Área total aproximada – 34 m2

Local de conservaçãoIn situ. Tesselas soltas nas reservas da CMRM.

Área visível aquando da descobertaA mesma que actualmente. Devido à estrutura colocada a fim de proteger os mosaicos, não

foi possível proceder à escavação total dos painéis A e D.

Área conservadaAs zonas centrais e orientais do painel A encontram-se bastante destruídas. O mosaico aba-

teu cerca de 25 cm em relação ao painel B, o que provocou deslizamento de argamassas, que se

fenderam, soltando inúmeras tesselas ou alargando consideravelmente os interstícios, como

aliás é visível no levantamento que efectuámos, afectando as medições planimétricas efectua-

das, uma vez que o mosaico não está nivelado. O painel B está ligeiramente destruído na extre-

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PARTE II – OS PAVIMENTOS DA VILLA

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midade este, embora aí se possa ainda ver o filete preto da bordadura. Cerca de 97 % do mosaico

está praticamente intacto. Afora algumas pequenas lacunas, conserva-se praticamente todo o pai-

nel C. Parcialmente escavado, o painel D apenas sofreu um acentuado abatimento a Sul. Do

segundo painel, a Este, não restam senão pequenos fragmentos encontrados nas camadas revol-

vidas sobre o pavimento.

Técnica de colocaçãoA sondagem realizada a Norte do painel C apresenta um leito de cal de cerca de 0,5 cm de

espessura, seguido de uma camada de argamassa de areia, cerâmica moída e cal, com 3 cm, que

corresponde ao nucleus. Com 7 a 8 cm, o rudus é formado por pedras, sobre um statumen de terra,

pedras e tesselas.

Num fragmento do painel D2, as tesselas assentam numa argamassa branca de cal com

cerca de 1,2 cm. O nucleus é formado por uma argamassa de areia de grão grosso, cal e nódulos

de cerâmica visíveis a olho nu, com uma espessura de 4,5 cm.

MateriaisA – Calcários. Branco-marfim para o fundo; preto para o meandro de suástica e a moldura

dos quadrados; ocre castanho, ocre violeta e vermelho acastanhado para os motivos de

enchimento.

B – Calcários. Vermelho acastanhado para o fundo; calcário preto e branco marfim para a

bordadura; ocre castanho e castanho amarelado para as folhas.

C – Calcários. Branco marfim para o fundo; calcário preto para as linhas mestras da com-

posição; ocre violeta, ocre castanho , castanho amarelado, cinzento ou vermelho acasta-

nhado para os motivos de enchimento geométricos e vegetalistas.

D – Calcários. Branco marfim e preto.

Densidade das tesselasA – 37 tesselas por dm2 na orla e 81 por dm2 no campo. Tesselas de 1,5 cm de lado na orla

e 1 cm no campo.

B – 99 tesselas por dm2. Tesselas de 1 cm de lado.

C – 40 tesselas por dm2 na orla e 98 por dm2 no campo. Tesselas com 1,5 m de lado na orla

junto do patamar e 1 cm junto do escoadouro.

D – 34 tesselas por dm2 no campo e orlas. Tesselas com 2 a 2, 5 cm, chegando a atingir os

3 cm na orla oeste.

Estratégia de execuçãoA orla de remate do painel A, bem conservada a Oeste junto ao muro, foi realizada com

duas linhas de tesselas paralelas à bordadura, sendo as restantes colocadas de forma perpendi-

cular. Assim, o mosaísta colmatou a irregularidade na largura da orla, evitando as possíveis

linhas incompletas. Os vestígios de estuque na parede mostram que este revestimento cobria

parcialmente a orla do mosaico. No painel D1 reconhecemos a mesma técnica na execução da

orla. A irregularidade na colocação das tesselas atinge o seu máximo nas últimas linhas. Nas três

orlas do painel C as tesselas estão colocadas paralelamente ao tapete. A estas estratégias dife-

renciadas não estará alheia a maior ou menor exposição de cada um dos painéis.

Uma vez que os quatro painéis terão sido realizados no mesmo momento, o seu sentido

de execução teria que ser concertado de forma a não criar empecilhos aos vários artistas e evi-

tar que se danificasse um trabalho ainda fresco. O sentido de Noroeste para Nordeste parece

apropriar-se à situação (Des. 4). O tapete principal (C) foi composto com base numa grelha orto-

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A VILLA ROMANA DE RIO MAIOR. ESTUDO DE MOSAICOS

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gonal com módulo de cerca de 24 cm, imposta não só pelo patamar das escadas, como também

pelo escoadouro. Estes últimos não cortam em nada a composição, tendo sido adequadamente

inseridos numa orla mais larga. Os pontos de intersecção da grelha correspondem ao centro das

cruzes suásticas, aos centros dos quadrados e dos florões/nós de Salomão. A presença de um

patamar de escadas, zona exposta visualmente, determinou a partir daí um sentido de realiza-

ção da esquerda para a direita. Efectivamente, os motivos estão truncados a Sul e a Oeste, e a

orla de remate reduzida a Este. Simultaneamente, podiam realizar-se os painéis D1 e D2. Foram

artistas menos hábeis que se ocuparam destas zonas. A feitura é muito grosseira, com tesselas

de grandes dimensões, de corte irregular e cuja colocação, pouco cuidada, provocou largos

interstícios. Parece-nos a mesma mão que realizou as orlas dos mosaicos n.0 1 e 15A. A dimen-

são dos quadrados vai reduzindo de Sul para Norte, tendo sido inclusive integrados na borda-

dura junto ao painel C para perfazer a dimensão correcta. Este sentido pode ter sido determi-

nado pela existência de uma parede a Sul que impossibilitava a conclusão do pavimento nesse

lado. Aceitando como certo este sentido, é inegável o contributo que aporta à interpretação de

uma estrutura arquitectónica que desconhecemos por ora.

No painel B, o mosaísta deve ter iniciado o seu trabalho a partir da realização da folha cen-

tral, a que podemos chamar a folha mestra, perfeitamente perpendicular à bordadura e com as

duas extremidades alinhadas. Em seguida, deverá ter procedido à execução das folhas de ambos

os lados para o centro. À esquerda, realizou sete conjuntos de três folhas, com dimensões apro-

ximadas, ao passo que à direita foram oito, sendo as últimas muito menores, por deficiente ordi-

natio. A seguir à soleira, realizou-se o painel A onde os pontos de arranque das duas linhas late-

rais de meandro de suástica são bem visíveis e regulares. Aqui, ao contrário do painel C, parece

existir uma alternância ritmada entre os motivos de enchimento dos quadrados.

Restauros antigosNão existem.

Restauros modernosNão existem.

Ilustração utilizadaRelatório de escavações de 1995 e 1996 com fotografias, cortes estratigráficos e planta.

Levantamento geral à escala 1/1 em plástico cristal, levantamento tessela a tessela do painel B e

de pormenores nos restantes. Des. 2-4. Est. III-IV.

BibliografiaPublicou-se apenas uma foto do painel B no jornal local (Região de Rio Maior, n.0 369,

27/10/95, p. 7). Os restantes são inéditos.

Descrição

Painel A

Junto à parede, a Oeste, faixa branca (14 cm). Destruída a Este e desconhecida a Sul.

Filete duplo preto ligado à bordadura do painel B; triplo filete branco junto à soleira e quá-

druplo nos lados; filete duplo preto a Norte a partir de onde se desenvolvem os meandros de

suástica laterais. A Oeste e Este, linha de meandro de suástica de volta dupla (36 cm de largura),

desenhada a filete duplo preto (cf. Le Décor, est. 35 f). Conservam-se três cruzes suásticas a Oeste

e duas a Este.

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PARTE II – OS PAVIMENTOS DA VILLA

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Composição ortogonal de meandro de suásticas de volta dupla e de quadrados (cf. Le Décor,

est. 190 b). O meandro é desenhado a duplo filete preto e os quadrados (30 cm de lado) são alter-

nadamente preenchidos com entrançado e quadrílobos policromos.

Painel B

Faixa branca de quatro fiadas de tesselas grandes a Oeste e destruída a Este. A união ao pai-

nel C faz-se por meio de três fiadas de tesselas brancas com dimensões idênticas às do tapete.

Filete duplo preto com dentes de serra internos brancos.

Grinalda de loureiro, realizada sobre fundo vermelho acastanhado, com bordo em dentes

de serra, constituída por três folhas grandes e duas pequenas colocadas lateralmente de forma

variável (cf. Le Décor, est. 27 c). As folhas foram colocadas paralelamente, a partir dos lados

menores, para convergirem numa folha colocada perpendicularmente, no centro do mosaico.

As folhas grandes, na sua maioria com contornos ondulantes, apresentam, em média, 24 cm de

comprimento, enquanto as pequenas, muito irregulares, têm em média 6 cm. Cada folha de

louro é ocre castanho, com a extremidade amarela, ao passo que a folha central, fusiforme, pos-

sui três fiadas de tesselas ocre castanho e enchimento castanho amarelado.

Painel C

Faixa branca a Norte (muito destruída) e Oeste (8 cm); a Este, faixa branca (28,5 cm) com

linha de onze florzinhas pretas não contíguas (cf. Le Décor, est. 4 j), equidistantes de 15 cm em

média (exceptuando um caso em que atinge os 28 cm) e florzinha preta no canto junto ao escoa-

douro; a Sul, triplo filete branco.

Apenas a Norte, linha de meandro de dez suásticas de volta dupla (cf. Le Décor, est. 35 f) com

4,10 m x 0,48 m; filete duplo preto que se transforma em filete denticulado a Sul (cf. Le Décor,

est. 2 j) na zona de ligação ao painel B; filete triplo branco; trança de quatro cordões policromos

(22 cm) em fundo preto (cf. Le Décor, est. 73 e); filete triplo branco.

Composição ortogonal de dez octógonos determinando hexágonos irregulares oblongos, for-

mando espaços cruciformes guarnecidos com meandros de quatro suásticas e um quadrado no

centro (cf. Le Décor, est. 180 g). O meandro de suástica, formado por um filete duplo preto, dese-

nha o esquema base e contorna toda a composição, encerrando o campo. O enchimento das figu-

ras geométricas não obedece a nenhum critério específico, variando indiscriminadamente numa

preocupação quase obsessiva pela não repetição das combinações estruturais e cromáticas.

Os dez octógonos apresentam uma bordadura (11 cm), ora em trança de dois cordões em

fundo preto (cf. Le Décor, est. 70 j), ora em cálices policromos alternadamente invertidos, não

adjacentes, com sinusóide e fundo branco (cf. Le Décor, variante da est. 62 c).

No interior dos octógonos foi inserido um quadrado desenhado por um filete duplo preto

(26 cm), com uma excepção que se apresenta em filete simples, com florões idênticos ao do

n.0 2A (florão simples de quatro elementos não contíguos, com pétalas de cinco pontas), com

tratamento cromático diversificado e nós de Salomão num disco preto. Dos cantos dos quadra-

dos de três dos octógonos partem, na diagonal, três tesselas pretas tangentes pela ponta.

Todos os quadrados são flanqueados por trapézios desenhados a filete preto simples com

enchimento ocre castanho e vermelho acastanhado em oposição de cores.

Os hexágonos oblongos, desenhados por um filete simples preto apresentam decoração

variada: xadrez policromo; sequência de trapézios embutidos tratados em policromia; hexágono

com um nó de Salomão no centro em fundo preto, flanqueado por dois pares de paralelogramos

adossados ou não e uma variante, com disco preto, em fundo branco; motivo formado por um

filete preto central no sentido longitudinal, flanqueado por oito triângulos adjacentes de lados

curvos com pequenos filetes pontiagudos vermelho acastanhados nos sete intervalos.

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A VILLA ROMANA DE RIO MAIOR. ESTUDO DE MOSAICOS

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Os quadrados são bastante similares na estrutura, variando nas cores empregues, com uma

excepção: quadrado policromos de lados denteados (cf. Le Décor, est. 5 a) ou d), com cruzeta de

cinco tesselas no centro (cf. Le Décor, est. 4 a) ou com florzinha preta no centro; quadrado de

lados direitos delimitado por um filete simples preto (cf. Le Décor, est. 15 d), preenchido suces-

sivamente com quadrados policromos embutidos; quadrado de lados direitos com uma cruz

grega de braços denteados, no interior, contornados a preto e preenchido em dégradé em opo-

sição de cores, enquanto no centro há uma linha denteada em cruz branca.

O remate da composição a Este consiste em quatro trapézios com três lados em bordadu-

ras em cálices. No interior do primeiro hexágono foi embutido um trapézio delineado por filete

simples preto em três dos lados e adossado à bordadura. Aí foi inserida meia florzinha preta em

fundo branco. O segundo foi preenchido com meia florzinha policroma, tratada a preto, ocre cas-

tanho e vermelho acastanhado, adossada à bordadura do campo através de uma tessela preta.

No interior do terceiro, o mosaísta tentou realizar uma pelta. Contudo, um espaço demasiado

exíguo obrigou-o a reduzir o motivo a dois semicírculos encostados com extremidades cruci-

formes. No interior dos semicírculos, em fundo branco, foram embutidas duas meias luas ver-

melhas. Finalmente, o quarto apresenta meia florzinha policromática unida à bordadura atra-

vés de uma tessela preta. O remate da composição a Este consiste em quatro trapézios rectân-

gulos (afrontados pelos ângulos rectos), que descrevemos de cima para baixo: preenchido com

uma sequência de trapézios policromos embutidos; xadrez policromo; pelta com contorno preto

em fiada dupla, extremidades em cruz e centro preenchido a ocre castanho; sequência de tra-

pézios policromos embutidos.

A Norte, a composição é rematada através de quatro trapézios, tendo os três primeiros, da

esquerda para a direita, uma moldura em cálices policromos alternadamente invertidos, não

adjacentes (cf. Le Décor, variante est. 62 c, em fundo preto para o primeiro e branco para os

seguintes). O quarto tem moldura em trança de dois cordões.

Finalmente, os lados oeste e sul foram rematados com dois e quatro semi-octógonos res-

pectivamente, com idêntico tratamento dos octógonos: moldura em trança ou cálices com flo-

rão ou nó de Salomão, com algumas excepções. No semioctógono a Oeste, o florão apresenta

quatro linhas denteadas pretas em vez dos filamentos. No primeiro semioctógono a Sudoeste,

há um motivo vegetal único no pavimento. Trata-se de um motivo, sem moldura quadrada, cons-

tituído por uma folha central lanceolada preta e duas folhas laterais, com caule preto, depois ver-

melho acastanhado e rematadas a ocre violeta. As três folhas assentam num travessão preto

ligado à linha de contorno do semioctógono através de um triângulo denteado invertido, da

mesma cor, ambos unidos por uma tessela. Os trapézios que flanqueiam o quadrado interno dos

semioctógonos, perpendiculares à bordadura tornam-se trapézios rectângulos.

Painel D

Faixa branca (12 cm a Este e Oeste e 9 cm a Norte). A Norte a ligação ao painel C consiste

num triplo filete branco de tesselas de menores dimensões (1 a 1,5 cm). A Sul não pôde ser deter-

minada.

Filete duplo preto.

Composição em xadrez preto e branco (cf. Le Décor, est. 114 a) com casas bastante irregu-

lares (13 x 14 cm e 12 x 10 cm). O tapete é certamente rectangular uma vez que, estando total-

mente definida a largura, constituída por seis casas (três brancas e três pretas alternadamente),

estão já visíveis de momento oito casas, no sentido longitudinal, prolongando-se o pavimento

sob a banquete.

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PARTE II – OS PAVIMENTOS DA VILLA

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ComentáriosA estrutura geral dos painéis faz lembrar o mosaico n.0 1 de La Sevillana, onde reencon-

tramos uma soleira de folhas de louro como elemento de separação, para além do filete denti-

culado separando os painéis (Aguilar e Guichard, 1993, fig. 46). Na mesma villa, outro elemento

decorativo se aproxima do nosso painel C. Trata-se de uma folha isolada inserida num hexágono

de uma composição de octógonos secantes (Aguilar e Guichard, 1993, fig. 47). Permanece a

dúvida sobre a presença deste motivo de forma isolada.

A composição de meandro de suástica com quadrados, ou com rectângulos como acontece

no mosaico n.0 6, conta-se entre as mais antigas que se conhecem, usado em bordadura ou em

composição de superfície, desde os pavimentos em seixos de Pella, de princípios do século III a.C.

(Lancha, 1977, p. 106). Fazendo parte do repertório dos primeiros artesãos do opus signinum, pas-

sou para o opus tessellatum e acompanhou todo o seu período de esplendor ao sabor das tendências

da moda de cada época e de cada região, sem desvirtuar contudo a sua estrutura original. A suás-

tica é um dos símbolos mais antigos da Humanidade, conhecendo-se desde a Ásia Oriental à Amé-

rica Central, passando pela Mongólia, Índia e Europa do Norte, cujo significado mais lato se

prende com a geração dos ciclos universais e das correntes de energia (Chevalier, 1999, s. v. suás-

tica). Encontramos em Rio Maior várias aplicações do meandro de suástica: em linha (n.0s 3A, 3C,

n.0 7), em superfície (n.0 4) ou combinado com figuras geométricas (n.0s 3A, 3C, 5, 6). São bem

conhecidos os exemplos da época republicana em opus signinum, quer na Itália, quer na zona cos-

teira levantina de Espanha. Sem nos alongarmos, uma vez que excederia o âmbito dos nossos

comentários, citaremos apenas um exemplo em Roma, datado de finais do século II a.C., na Casa

da frente meridional da Domus Augustana (Morricone Matini, 1967, n.0 58, p. 52, est. 19, 1971,

p. 13, est. I), outro em Óstia, também do período republicano (Becatti, 1961, n.os 23-24, p. 19-20,

est. IV; Morricone Matini, 1971, n.0s 42-43, p. 14, est. III) e vários na região do Levante espanhol

no século II a C, como é o caso em Andión (CME, 7, n.0 1, p. 13-15, est. 1 e 217).

De opus tessellatum encontram-se paralelos desde o século III a.C. em Morgantina (Lancha,

1977, p. 106) e, no século I a.C., são inúmeros os exemplos registados em Pompeia, em borda-

dura ou composição de superfície (cf. Blake, 1930, p. 84), assim como em Óstia, já nos meados

do século II, nos Horrea Epagathiana et Epaphroditiana (Becatti, 1961, n.0 18, p. 17-18, est. XIX).

O traçado simples que marca os primeiros modelos vai-se tornando mais complexo, quer no tra-

tamento do meandro da suásticas, que se vê transformado em tranças, quer nos quadrados que

vão também receber motivos ao gosto de cada época, desde os belos florões ao estilo vienense,

aos motivos geométricos mais ou menos simples. Os quadrados, por sua vez, enriquecem-se de

molduras com as mais variadas formas. Segundo J. Lancha terá sido nos pavimentos do Norte

de Itália, do Vale do Pó, que os artesãos das oficinas vienenses se inspiraram para realizar os

seus, divulgando-os por todo o vale do Ródano a partir da segunda metade do século II (Lancha,

1977, p. 108-109). Chegaria à Britânia talvez na mesma centúria, ainda em versão bicroma, como

documenta o mosaico de Silchester datado de 140-160 d.C., obra da Callevan Officina (Johnson,

1982, est. 11, p. 21, 1995, p. 21-22, est. 11).

A partir do século III, o esquema vai desaparecendo dos pavimentos gregos (Waywell, 1979,

p. 310), enquanto se mantém bem presente nas províncias africanas e, inclusive, renasce na Bri-

tânia do século IV pelas mãos da Corinian School, uma das mais famosas oficinas britânicas do

século IV. O mosaico de Chedworth, datado da primeira metade do século IV, ilustra este gosto

especial pelo motivo, aqui combinado com rectângulos e com um quadrado maior no centro

(Smith, 1965, p. 109 e 111, fig. 14; Johnson, 1995, p. 39, est. 30). Todos os pequenos quadrados

e os rectângulos são preenchidos com entrançado e, quando o rectângulo assim o exige, o

meandro de suástica duplica-se para acompanhar o comprimento como acontece noutro pavi-

mento de Rio Maior com o qual não podemos também negar as afinidades estilísticas

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A VILLA ROMANA DE RIO MAIOR. ESTUDO DE MOSAICOS

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(cf. n.0 6). A linha de meandro é também extremamente frequente no século IV: Aldborough,

Bancroft, Cirencester, Rudston e Woodchester (Neal, 1981, n.0 3, p. 38-39; n.0 5B, p. 41-42;

n.0 8, p. 43-44; n.0 27, p. 62-63; n.0 30, p. 65-66; n.0 68, p. 94-95 e n.0 87, p. 115-122).

Numa das alas do peristilo da villa de Puente de la Olmilla encontrámos um paralelo bas-

tante próximo para o nosso pavimento, mais variado nas opções decorativas para os quadrados.

O longo corredor apresenta-nos os motivos típicos da quarta centúria: xadrez, nós de Salomão

inseridos em círculos, nós de colchetes, peltas adossadas, quatro folhas, quadrados sobre o vér-

tice e, elemento comum ao nosso pavimento, entrançado (García Bueno, 1994, n.0 10, p. 102-

-104, fig. 4). Os quadrados são ligeiramente superiores aos nossos (36 cm) mas o meandro na

sua variante de volta dupla é idêntico. O mosaico castelhano está datado de “un momento evo-

lucionado del siglo IV” (sic.) (García Bueno, 1994, p. 104). Mais próximo de nós, regista-se na

Rua Augusta em Lisboa, no frigidarium das termas, variando no enchimento dos quadrados, aqui

com quadrados brancos sobre o vértice e meandro de volta simples (Pinto, 1997, n.0 6B, p. 48).

Acerca da sua datação, vejam-se os comentários ao n.0 8 deste estudo, onde contestamos a cro-

nologia da segunda metade do século III proposta por T. Pinto (1997, p. 51; Caetano, 2001,

p. 79), situando-a antes na segunda metade do século IV. Um dos compartimentos da villa de

Abicada foi também decorado com uma composição musiva semelhante, mas completamente

despojada de decoração, datada do século IV por Blázquez Martínez (1994b, p. 189, fig. 3).

A divulgação do esquema foi acentuada durante a quarta centúria em todas as áreas do

Império, encontrando-se paralelos muito próximos do nosso em zonas tão distantes como a

actual Bulgária. Em Galatin, J. Valeva regista um mosaico onde os quadrados decorados com nós

de Salomão alternam com suásticas num campo envolvido por uma moldura de meandro de

suástica de volta dupla, que a autora data de finais do século III, princípios do século IV (1994,

p. 254, fig. 7). A existência de paralelos estilisticamente tão próximo, porém geograficamente tão

distantes, constituem obstáculos de peso a quem procura elementos de datação, tendo como úni-

cos argumentos os critérios estéticos.

Sobre o entrançado que decora os quadrados, presente noutros mosaicos de Rio Maior

(n.os 6 e 8), remetemos para a tabela de M. Pinto que regista os primeiros exemplos no século II,

a Ocidente, até ao século V (1997, tabela n.0 19).

O quadrílobo foi um pequeno elemento decorativo utilizado para preencher espaços vácuos

nas composições, quadrados ou circulares. Não se documenta antes do século IV, época a par-

tir da qual gozou de uma grande aceitação por parte dos mosaístas hispânicos, com especial des-

taque para a Lusitânia. É o caso de Mérida (CME, 1, n.0 14, p. 33-34, est. 24-25) e nas suas pro-

ximidades, em El Hinojal (CME, 1, n.0 65, p. 52, fig. 11). No território actualmente português,

não se conhece em mosaicos anteriores ao século IV: Odrinhas18, nos quadrados da composi-

ção de quadrados adjacentes, datado da primeira metade do século IV (Pinto, 1997, p. 70, est.

XVII-XX), no quadrados do mosaico de Oeiras (Borges, 1996, p. 60-63, fig. 9-10, est. I-II) e no

triclinium da villa do Rabaçal, decorando o centro das cruzes de dois fusos (Pessoa et al., 1995,

p. 477; Pessoa, 1998, p. 37, fig. 20).

Fora da Lusitânia, documenta-se em Requejo, nos fins do século IV- princípios do século

V (Regueras Grande, 1991b, p. 166-168, figs. 2 e 3), Talavera de la Reina, nos círculos da com-

posição, associado a moldura em onda com dentículo, no século IV (CME, 5, n.0 31, p. 43-46,

fig. 21, est. 35), na sinagoga de Elche, entre os meandros de suástica, durante a segunda metade

da centúria (Palol Salellas, 1967, fig. 73) e em La Malena (Royo Guillén, 1992, fig. 5).

A sua difusão abrange toda a área do Império Romano. Datada de 320 d.C., a aula teodoriana

da Basílica Patriarcal de Aquileia é depositária do motivo nos octógonos de uma composição (San-

soni, 1998, p. 65), assim como Ravena, na mesma centúria (Farioli Campanati, 1975, p. 63,

fig. 21; Calvani e Maioli, 1995, p. 79, est. 64). T. Pinto cita ainda na sua tabela de paralelos dois

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PARTE II – OS PAVIMENTOS DA VILLA

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exemplos de Aphrodisias (Turquia), no século IV, no North Temenos Complex e, no século V, na

House 2 (1997, tabela n.0 10, com bibliografia), provando a sua divulgação nas zonas do Mediter-

râneo Oriental.

Arbusto consagrado a Apolo, o loureiro simbolizava a imortalidade adquirida pela vitória

e, com esse significado, as suas folhas foram arranjadas em grinaldas, formando coroas com as

quais se adornava a cabeça dos heróis, génios e sábios, assegurando-lhes protecção (Chevalier,

1993, s. v. laurel). É ainda ao loureiro que se atribui um poder profilático contra os raios das tro-

voadas. O valor simbólico ou meramente decorativo que assume nos pavimentos musivos, tal

como muitos outros motivos, pode ser amplamente discutido. A divulgação em larga escala de

determinados motivos leva a uma certa banalização do mesmo e à consequente perda dos seus

eventuais atributos mágicos. Em geral, é difícil determinar esse verdadeiro valor, a não ser que

existam indícios irrefutáveis19. Em Rio Maior, não há provas suficientes para afirmar que o seu

emprego teve um carácter mágico. Todavia, não devem ser ignorados dois aspectos fundamen-

tais: o seu emprego restringe-se, até ao momento, a este pavimento e, por outro lado, trata-se

de uma zona de passagem.

Do ponto de vista da sua dispersão geográfica e cronológica, as grinaldas de folhas de lou-

reiro são bastante frequentes nos pavimentos musivos romanos, com especial incidência no

Norte de África, à excepção da Mauritânia Tingitana onde são raras segundo Thouvenot (1965,

p. 270), desde meados do século II até finais do século IV e inclusive século V. O motivo foi bem

aceite pelas oficinas hispânicas, rareando a sua presença nos pavimentos musivos à medida que

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A qualidade de execução destas grinaldas, organizadas em feixe de cinco folhas, distingue-as do

nosso exemplar, contudo, é notória a mesma filiação estética.

Sobejamente conhecidos pela sua superstição, não é estranha esta preocupação dos roma-

nos em proteger o limen da sua residência. Atribuir este significado a todos eles de forma cate-

górica é discutível, mas certamente um grande número deles prognosticam um sentido profi-

lático. Comentámos já a raridade das grinaldas de louro na Mauritânia Tingitana, todavia,

parece ter sido frequente a realização de faixas de “folhas pontiagudas” (sic) nas soleiras com

um significado mágico (Thouvenot, 1965b, p. 270). No caso de Rio Maior, fica-nos a dúvida, pois

o sector Sul ainda carece de escavação a fim de definir correctamente a sua funcionalidade e,

eventualmente, um acesso ao exterior da casa que possa indiciar esta preocupação.

É um facto que usada em soleira, a grinalda de folhas de louro não é tão frequente quanto

o é em bordadura. Os exemplos mais antigos registam-se em Conímbriga, na Casa dos Repu-

xos, onde encontramos duas grinaldas muito simples, cuja interpretação como folhas de louro

é, quanto a nós, insegura, datadas do último quartel do século II ou primeiro do século III, que

se afastam estilisticamente dos exemplares africanos, mas que podem ter sido uma primeira

experiência local na realização deste motivo. Tratam-se de duas estreita faixa de umbral: no oecus

triclinium, com folhas desenhadas a preto e amarelo que arrancam de um círculo com quadrado

curvilíneo ligadas a uma haste central (CMRP, I, n.0 10, p. 110-116, est. 39) e entre o corredor e

o pátio porticado, com folhas amarelas e uma moldura de meandro de suástica (CMRP, I,

n.0 6, p. 94-95, est. 34 e 58.2).

Os quatro exemplos hispânicos que merecem atenção particular pela sua afinidade situam-

se cronologicamente no século IV dispersos pela região da Meseta espanhola. Os dois exemplos

de Rielves21 devem contar-se entre os primeiros trabalhos desta natureza. Encontramo-los em

ambos lados da composição da galeria ocidental do pátio A e na êxedra do compartimento C das

termas (Fernández Castro, 1977/1978, p. 219-220, fig. 8 e p. 224-225, fig. 20, respectivamente;

CME, 5, p. 68, fig. 29 e p. 72, fig. 41, respectivamente). Tratam-se de singelas grinaldas de sen-

tido único, em feixe de cinco folhas. Não há registo do tratamento cromático e M. Fernández Cas-

tro data os pavimentos do quarto ou quinto decénio do século IV (1977-1978, p. 228). Muito pró-

xima do nosso exemplar na disposição das folhas, a soleira de La Sevillana (Badajoz), datada de

finais do século IV, foi realizada num sentido único, com um centro marcado através de um cír-

culo com uma cruz de malta (Aguilar e Guichard, 1993, p. 126-127, fig. 46; Aguilar Saenz, 1994,

n.0 1, p. 286, fig. 4). A soleira do apodyterium da villa de Cuevas de Soria que separa o compar-

timento do vestíbulo (CME, 6, n.0 54, p. 60-63, est. 25) é outro paralelo importante. A descri-

ção feita na referida obra é demasiado parcimoniosa e a ilustração fotográfica que dela apre-

sentam não é esclarecedora. Sabemos que se trata de uma grinalda de cinco folhas com roda de

triângulos no centro e uma espécie de broche lateral (CME, 6, p. 61). A disposição das folhas em

feixe, a sua forma lanceolada e a sobrecarga com elementos geométricos acusam um barro-

quismo que se perdeu em Rio Maior, mas ainda em vigor nos finais do século IV e princípios

do século V, data proposta pelos autores do corpus espanhol (CME, 6, p. 61), na região da

Meseta. Entre finais da quarta centúria e meados da quinta, a villa de Requejo apresentava outro

exemplo de soleira de folhas de loureiro. É a soleira entre o mosaico n.0 5 e o n.0 8 cujo dese-

nho é de difícil interpretação, deixando ver apenas que as folhas convergem para um medalhão

central (Regueras Grande, 1991, p. 166-168, fig. 2). O mosaico de Magagoz poderá eventual-

mente integrar este grupo, ainda que deslocado geograficamente em relação ao conjunto. É pos-

sível que se trate de uma soleira separando a abside do compartimento rectangular, cuja grinalda

apresenta um círculo central para onde convergem dois ramos com folhas em feixe, datado do

século IV (Blázquez Martínez et al., 1993, p. 238-239, fig. 13). Pese embora o número reduzido

de paralelos conhecidos, parecem situar-se numa zona interior bem delimitada — a Meseta —

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PARTE II – OS PAVIMENTOS DA VILLA

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individualizando-se aí uma predilecção por soleiras de loureiro produzidas entre os meados do

século IV e os princípios da centúria seguinte. Não há dados suficientes para falarmos em

grupo oficinal uma vez que as suas características vão divergindo, mas é um facto inabalável que

as villae de Rielves, Cuevas de Sória e La Sevillana são locais de referência para outras compo-

sições de Rio Maior (cf. nomeadamente o painel C deste número ou o mosaico n.0 14).

A ideia não é originária da Península Ibérica, pois encontrámos na Gália um exemplo em

Blanzy-lès-Fismes datado da primeira metade do século IV (Recueil, I, 1, n.0 77b e 77d, p. 50-52,

est. XXIIIa, XXVIc, d, e e f). Trata-se da soleira da abside norte e este do mosaico de Orfeu, carac-

terizada por um feixe de três folhas (verde, vermelho e amarelo) em fundo branco de lados direi-

tos que arranca de um cesto. Não sabemos como terá chegado a esta região tão setentrional, mas

terá sido certamente através de oficinas meridionais, tal como aconteceu na Hispânia cujas gri-

naldas de louro acusam influência directa das províncias norte africanas.

Do ponto de vista da sua forma, a nossa grinalda é muito singela e aproxima-se do exem-

plo de Althiburos na Tunísia, documentado pelo Décor na est. 89 f), sem a fita do exemplar afri-

cano, mas com fundo escuro e, sobretudo, o bordo em dentes de serra.

Algumas particularidades marcam o nosso pavimento e serão objecto de análise. Na bor-

dadura, os dentes de serra destacam-se em branco de um filete preto, engastando-se nos den-

tes de serra do fundo vermelho. Por outro lado, as três folhas habitualmente organizadas em

ramo, ou seja, dispostas a partir de um centro comum, estão colocadas longitudinalmente, de

forma quase paralela, não havendo nenhum outro elemento decorativo. Estas peculiaridades

podem constituir argumentos válidos para aferir a sua cronologia.

A disposição solta das folhas lembra as grinaldas do século II que S. Gozlan apelidou de

aérées (1992, p. 246-247) e o fundo colorido é característico das grinaldas do século III. Docu-

mentam-se bordaduras em dentes de serra desde meados do século II nas províncias norte-afri-

canas. É o caso do mosaico com os bustos das Estações de Acholla com uma grinalda despojada

de ornamentos com folhas amarelas em feixe que se destacam de um fundo vermelho (Yacoub,

1995, p. 116, fig. 48 a) e que pode considerar-se um arquétipo para Rio Maior. L. Foucher docu-

menta dois exemplos de finais do século II numa casa da cidade de Sousse: no primeiro uma

bordadura de um medalhão com um golfinho e um cupido, em feixe de três folhas verdes e bran-

cas em fundo preto (Foucher, 1960, 57 050, p. 24-25, est. XII-XIIIa) e no segundo como bor-

dadura de um painel com dois barcos em feixe de cinco folhas com frutos, desconhecendo-se a

cor (Foucher, 1960, 57 051, p. 25, est. XIIIb). Da mesma época data o pavimento da galeria

n.0 32 das Catacumbas de Hermes. Trata-se aqui de uma bordadura de uma cena de pesca com

peixes, moluscos, barcos e pescadores, com mesmo tipo de bordo, mas ornamentado de más-

caras femininas, flores, frutos e uma pinha (Foucher, 1960, 57 204, p. 91, est. XLVI), abrindo

caminho a uma série individualizada de curta duração que se desenvolve em paralelo com as gri-

naldas simples e que, pelo contrário, nunca deixarão de existir. A sobriedade no tratamento das

grinaldas, sem ornatos, como no nosso caso, verifica-se de facto nos pavimentos do século III,

que apresentam fundos vermelhos em dentes de serra e folhas amarelas em feixe: bordadura do

painel de Hércules aos pés de Onfalo de Thina (Yacoub, 1995, p. 83, fig. 27), o mosaico com os

bustos das nove Musas e o de Diana Caçadora de El Djem (Yacoub, 1995, p. 135, fig. 58 e p. 188,

fig. 97 respectivamente), o mosaico do Poeta com as Musas e as quatro Estações de Sfax (Yacoub,

1995, p. 145, Fig. 66) ou ainda numa casa de Sousse numa bordadura de um mosaico de tricli-

num com animais selvagens (Yacoub, 1995, p. 279, fig. 140) entre outros.

A tradição das grinaldas em dentes de serra mantém-se durante o século IV nas mesmas

províncias africanas, mormente na África Proconsular. Quer na sua primeira metade, na Mai-

son du Char de Vénus de Thuburbo Majus onde as grinaldas rodeiam o medalhão da deusa

(CMT, II, 3, n.0 296, compartimento XVIII, p. 80-82, est. XXI-XXXII e LX, com terminus post

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A VILLA ROMANA DE RIO MAIOR. ESTUDO DE MOSAICOS

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quem de 317 d.C.) e, na mesma época, em Nabeul no compartimento 11 da ala leste da Nymfa-

rum Domus desenhando os medalhões da composição (Darmon, 1980, n.0 28, p. 110-114, est.

LVI-LX e LXXXIII), quer na segunda metade da centúria, novamente em Thuburbo Majus

onde se documentam três mosaicos do sector do Trifolium: na sala XI, desenham a composição

(CMT, II, 3, n.0 278, p. 43-51, est. XX-XXIII e LIX), na sala XIV desenham medalhões (CMT, II,

3, n.0 280A, p. 53-54) e na antecâmara XX (CMT, II, 3, n.0 284, p. 57-58, est. XXVI-LXIII).

Em Puput, na Maison do Viridarium, existem dois mosaicos com grinalda de fundo ver-

melho em dentes de serra, ambos datados da segunda metade do século IV. A primeira, num

mosaico com xenia em composição de quadrados definidos por grinaldas de louro com 3 folhas

ocre/cinza/branco (Ben Abed, 1965, p. 268, est. CLXXIV 1 e 2) e a outra, em bordadura de um

mosaico figurativo com feixes de 5 folhas amarelo/amarelo claro/branco e amarelo/verde/ama-

relo (Ben Abed, 1965, p. 268, est. XXVII 3-4).

Em Cartago predominam também os bordos em dentes de serra desde a segunda metade

do século II, porventura antes mesmo dos citados exemplos de Sousse. A bordadura do oecus de

uma luxuosa casa de Dermech mostra-nos com uma bela grinalda de sete folhas tratadas a ama-

relo claro e escuro, verde jade e verde azeitona em fundo preto, povoada de máscaras báquicas

e flores, ao gosto da época (Ben Osman, 1981, n.0 91, p. 266). Do século III temos os medalhões

do compartimento da Maison d’Ariane com fundo vermelho (Ben Osman, 1981, n.0 40,

p. 107-109). No século IV ainda se assiste à execução de belas grinaldas nas casas de Cartago,

recorrendo à profusão de elementos decorativos tais como fitas, flores, frutos, milho, uvas, num

fundo preto como é o caso da Maison du Paon (Ben Osman, 1981, n.0 98, p. 285-288) mas, à

medida que a centúria avança, como noutros locais, as grinaldas tornam-se menos naturalistas

e exuberantes acusando uma época de menor esplendor artístico que ainda procura contudo

agarrar-se aos modelos tradicionais, mantendo os cânones, mas perdendo a qualidade na exe-

cução. A essa época, finais do século IV, corresponde um mosaico exposto no Museu do Bardo

(Ben Osman, 1981, n.0 18, p. 57-58). A rigidez das folhas colocadas paralelamente marca o

estilo do tardio século IV e dos vindouros, de que é exemplo expressivo a bordadura do mosaico

dos Amours pêcheurs de Cillium (Desparmet, 1994, fragmento b, p. 133, est. VII-1). É nesse estilo

tardio que se enquadra o nosso exemplar de Rio Maior. Timgad documenta dois exemplares coe-

vos: um no Quartier Episcopal Donatiste, no compartimento rectangular no ângulo ocidental do

atrium da grande Igreja, decorando a parede exterior do baptistério, com datação de fins do

século IV — princípios do século V, onde duas grinaldas convergem para um círculo central

(Germain, 1969, n.0 185, p. 123, est. LXI) e outro na Maison d’Optat, uma coroa com bordo liso

em fundo preto no compartimento que se abre sobre o pórtico oeste do pátio, com datação paleo-

cristã confirmada pelas três inscrições nele realizadas (Germain, 1969, n.0 191, p. 126-127, est. LX)

e ainda no Ilôt 24, num compartimento a Nordeste da insula, a bordadura em dentes de serra,

em fundo negro, emoldura o mosaico das pinhas, as folhas são amarelas e verde cinza com extre-

midades brancas e está datado do século V (Germain, 1969, n.0 5, p. 14, est. V).

Pela sua proximidade com as províncias africanas, a Sicília adoptou o seu repertório desde

cedo (cf. Wilson, 1982). Em fins do século III, princípios do séc IV, encontramos grinaldas muito

próximas de Rio Maior em Desenzano, não só pelo seu estilo geométrico, mas também pelo seu

fundo vermelho em dentes de serra e folhas ocres com extremidades brancas (Guilanzoni,

1962, p. 109, est. XIII-XIV). O expoente máximo situa-se na famosa villa de Piazza Armerina,

datada da época constantiniana, menção quase obrigatória em qualquer estudo de pavimentos

musivos (cf. Carandini et al., 1982; Wilson, 1983). As grinaldas de loureiro de bordos em den-

tes de serra, em fundo preto, destacam-se aqui em vários pavimentos servindo de bordaduras:

nos medalhões do mosaico do pórtico quadrangular do lado Oeste (Carandini et al., 1982, p. 134-

-135, fig. 45 a 54, est. VII-XIV, 27-30 e 32-35) e nos da sala absidal do apartamento A (Carandini

71

PARTE II – OS PAVIMENTOS DA VILLA

Page 39: PARTE II Os pavimentos da villa - com o item anterior, a sua pertinência reside no facto de ... como é o nosso caso, beneficiar da ausência de ... (com largura máxima de 90 ...

et al., 1982, p. 239-242, fig. 138, est. XXXV, 72); na moldura do mosaico da sala absidal aberta

sobre o peristilo com tema de Orfeu (Carandini et al., 1982, p. 140, fig. 64 a 68, est. XV, 36);

ou ainda nos medalhões dos octógonos num compartimento de serviço (Carandini et al., 1982,

p. 190-191, fig. 110, est. XXV, 54).

Na Hispânia, além dos exemplares supra mencionados, em soleiras, conhecem-se outros

mosaicos situados cronologicamente na segunda metade do século IV. Novamente em Rielves, as

grinaldas de loureiro são usadas para desenhar composições em quatro pavimentos da casa (Fer-

nández Castro, 1977-1978, p. 223, fig. 17; p. 222, fig. 14; p. 224, fig. 19 e p. 223-224, fig. 18 res-

pectivamente). Da mesma época, datam as grinaldas de bordo em dentes de serra, de cinco folhas,

do mosaico das cráteras da villa de Prado (CME, 11, n.0 22, p. 53-56, est. 20-21 e 39) e do mosaico

do triclinium (ou tablinum) da villa de El Romeral (CME, 8, n.0 7, p. 16-17, est. 4). É provável que

pertença à mesma oficina de El Romeral o fragmento encontrado na estação ferroviária de Lérida

(CME, 8, n.0 16, p. 19-20, est. 6). Os mosaístas que laboraram na villa de Almenara de Adaja tam-

bém revelaram predilecção pelo loureiro, quer em bordaduras, como no mosaico com a toilette de

Pégaso da sala octogonal (CME, 11, n.0 15c, p. 29-34, est. 11-12 e 31-34) e nas absides da aula (CME,

11, n.0 10, p. 26-27, est. 9 e 30), ambas com lados direitos, quer desenhando a composição como

na sala rectangular a Norte da sala da êxedra, com lados em dentes de serra (CME, 11, n.0 6b,

p. 22-23, est. 6-7 e 23). Quanto ao mosaico das quatro Estações encontrado na Bodega de la Com-

pañia de Córdova, actualmente no Museu da cidade, apresenta uma grinalda com folhas paralelas

cuja datação situada por J. M. Blázquez Martínez e J. González na quarta centúria (1972/74, p. 427-

-429) foi contestada por Nicolini que a leva à terceira década do século V (1983, p. 86).

No território actualmente português existem também alguns exemplos heterogéneos deste

motivo com aplicações variadas. Na Casa da Cruz Suástica de Conímbriga, datada de finais do

século III, a grinalda em fundo vermelho, de bordos lisos, define os hexágonos de uma com-

posição ortogonal no compartimento adjacente ao triclinium (Correia, 1985, p. 80, est. 32.1;

Oleiro, 1994b, p. 42). As folhas estão organizadas em feixes triplos e são cinza esverdeado com

extremidade branca. Em Ferragial d’El Rei uma grinalda de folhas de loureiro acompanha um

meandro de suásticas e quadrados que constituem a composição de parte deste mosaico (Oleiro,

1956, p. 12-13; Correia, 1985, p. 81, foto 1-2). As folhas estão organizadas em feixe de cinco dis-

postas quase paralelamente e com pontas brancas. A moldura do medalhão da sala 9 de Pisões,

com um mascarão e tratamento cromático verde, preto e vermelho (Correia, 1985, p. 82, est. 32.2;

Costa, 1988, p. 103, fig. 6) aproxima-se estilisticamente da de Torre de Palma que envolve o qua-

dro de Sileno do grande painel das Musas (CMRP, II, 1, p. 167). É também nesta villa que se

conhece outro exemplo de bordadura de loureiro em fundo preto com dentes de serra e folhas

esverdeadas, com ornatos vegetais e frutas, no quadro central do painel floral com Ariana ador-

mecida, considerado um dos primeiros locais hispânicos de execução deste motivo decorativo,

finais do século III (CMRP, II, 1, p. 224)

Tendo em conta os paralelos, é de crer que a nossa grinalda é única em Portugal no seu

estilo, filiando-se em modelos africanos bem identificados que terão passado para a Hispânia,

a partir de finais do século III, princípios do século IV. Aplicada aqui numa zona particular da

casa, parece tratar-se de uma atitude tipicamente regional, senão influenciadas pelas soleiras da

Mauritânia Tingitana.

Só na segunda metade do século IV, princípios do século V é que o motivo chega à Aqui-

tânia através de uma oficina que realizava as suas grinaldas em fundo preto ou vermelho com

lados direitos e folhas quase paralelas de extremidade brancas, primeiro em Jurançon (Recueil,

IV, 1, n.0 161, p. 166-169, est. XCIX) e nos finais da centúria em Sorde l’Abbaye (Recueil, IV, 2,

n.0 174, p. 34-37, est. II a V e n.0 175A, p. 39), Saint-Sever (Recueil, IV, 2, n.0 221A, p. 102, est. LIX)

e Loupian (Lavagne et al., 1976, p. 220-223, fig. 2).

72

A VILLA ROMANA DE RIO MAIOR. ESTUDO DE MOSAICOS

Page 40: PARTE II Os pavimentos da villa - com o item anterior, a sua pertinência reside no facto de ... como é o nosso caso, beneficiar da ausência de ... (com largura máxima de 90 ...

Comparando com a frequência dos restantes esquemas musivos da residência, esta com-

posição de octógonos e meandro de quatro suásticas é bastante rara. A carência de paralelos exac-

tos dificulta a sua análise estilística e cronológica que procuraremos, por isso, complementar

com o estudo dos variados elementos de enchimento, quer geométricos, quer florais. Foi apli-

cada preferencialmente em composições de tapetes, mas também se conhece em bordadura

(cf. Le Décor, est. 41 c).

Nos vários corpora consultados, encontrámos apenas seis pavimentos similares nas pro-

víncias ocidentais (três no Norte de África, dois na Hispania e um na Itália) seis em regiões mais

orientais ou orientalizadas, dos quais apenas dois serão objecto de análise. A composição é muito

frequente na variante com cruz em vez de suásticas (Le Décor, est. 180b e c, de onde poderá deri-

var, com uma especial divulgação a partir de meados do século IV e século V, quer no Oriente,

quer no Ocidente (cf. Guislanzoni, 1962, p. 123-124; Kiss, 1973, p. 31-32 e 62-63; Lavagne et al.,

1976, p. 228-229; CME, 9, p. 45-47, entre outros).

O exemplo mais antigo que recolhemos na literatura especializada data do século II e foi

encontrado em Cópia, na Domus dietro il teatro (Faedo, 1994, p. 447, est. XXI). Em finais do

século II — princípios do século III regista-se em Mérida, no mosaico de Huerta de Otero, con-

sistindo numa composição centrada, desenhada a filete, com um octógono central ornamentado

com uma cabeça de Górgona, rodeado por meias-escamas, nos quadrados foram colocados pás-

saros e máscaras e, nos hexágonos, pavões (CME, 1, n.0 57, p. 49, fig. 10, est. 88b, 89, 90).

A composição distancia-se da de Rio Maior não só na simplicidade das molduras como na

estrutura centrada que apresenta, reduzida a um grande medalhão octogonal. Um outro pavi-

mento a ter em consideração é dado como desaparecido. Foi encontrado no centro da actual vila

de Dellys na Argélia, no frigidarium das termas e consistia numa composição com um painel cen-

tral com o tema labirinto (Daszewski, 1977, n.0 3, p. 102, est. 19; Laporte, 1988). Daszewski (1977,

p. 102) datou-o de fins do século II, princípios do século III, enquanto Laporte (1988, p. 134) o

colocou nos séculos III-IV. Para L. Faedo, a origem do esquema encontrar-se-ia na Itália com-

provado pelo achado do mosaico de Cópia, contrariando a ideia generalizada de uma origem afri-

cana (1994, p. 448).

O estado fragmentário em que se encontra um dos pavimentos da casa situada no terreno

de Ali Slama Boulah em Thysdrus (Foucher, 1960, p. 18, est. Vb) impede uma afirmação peremp-

tória quanto à similitude da composição. O traçado é muito semelhante ao exemplo emeritense,

sendo provável que se tratasse de um esquema do mesmo tipo, cada octógono é preenchido com

um florão muito complexo de oito folhas fusiformes, enrolamentos e hederae, enquanto os qua-

drados são preenchidos com entrançado e os hexágonos compostos por um quadrado com trama

ladeado por dois triângulos. O pavimento dataria de 220 (Foucher, 1960, p. 22-23).

No finais do século III, a grande sala das termas do centro do Bairro do Fórum de Timgad

recebeu um esquema semelhante ao de Rio Maior, embora mais sobrecarregado com meandro

e restantes figuras geométricas realizados com trança de dois cordões, tratada a vermelho, ama-

relo e verde-cinza (Germain, 1969, n.0 61, p. 55-56, est. XXII-XXIII). O objectivo do mosaísta era

preencher totalmente os espaços mortos da composição para dar maior realce às figuras que

inseriu nos octógonos e nos hexágonos: as Estações personificadas e aves variadas, respectiva-

mente. Os quadrados receberam uma pequena flor.

Próximo dos pavimentos de Copia e Huerta de Otero pela simplicidade das linhas do

esquema, o mosaico da galeria setentrional de Rielves, com pequenos florões inseridos nos ele-

mentos geométricos, está datado de meados do século IV (Fernández Castro, 1977-1978, p. 222,

fig. 15).

Estes constituem os únicos pavimentos que encontrámos nas províncias romanas oci-

dentais e catalogados nos corpora. As afinidades com o nosso mosaico são bastante superficiais.

73

PARTE II – OS PAVIMENTOS DA VILLA

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O desenho do meandro de suástica aproxima-se de Rielves e as molduras dos octógonos lem-

bram, de certa maneira, as de Timgad. Cronologicamente, este grupo não ultrapassa os meados

da quarta centúria. Apesar do elevado grau de destruição, incluiríamos neste grupo um mosaico

do frigidarium das grandes termas de Aquileia onde são ainda bem visíveis os quatro meandros

de suástica em filete duplo preto e o arranque dos hexágonos (Lopreato, 1994, est. L 3). Subsiste

a incerteza quanto à decoração uma vez que o fragmento ilustrado foi alvo de restauros, assim

como em relação à sua extensão — bordadura ou composição de superfície?

O segundo grupo, situado cronologicamente entre a segunda metade do século IV e o século

VI, é essencialmente constituído por paralelos orientais em contextos religiosos. A Kaoussie Church

de Antioquia, datada de 387, foi pavimentada com uma composição traçada a trança e guilhochê,

com motivos de enchimento variados (rosetas, arco-íris, motivos metálicos) e uma inscrição no cen-

tro (Levi, 1947, p. 283-284, fig. 112, est. XCV; Campbell, 1988, n.0 18c, p. 44, est. 131-132).

Os artistas responsáveis pela execução do mosaico de Ge e as Estações da casa de Antio-

quia com o mesmo nome (Levi, 1947, p. 346-347, 476, fig. 139, est. LXXXI), inspiraram-se no

pavimento de Timgad e da Kaoussie Church. Com efeito, a composição é desenhada a trança de

dois cordões, mas com execução diferente do meandro de suástica que arranca da moldura dos

octógonos, ao contrário de Timgad, onde o seu percurso é autónomo dos restantes elementos.

As aves cederam lugar a enchimentos em ziguezagues e arco-íris multicolores, ao gosto orien-

tal. D. Levi data o pavimento entre a morte de Teodósio II e o saque persa de Antioquia, ou seja,

meados do século V (1947, p. 626). O fragmento de mosaico, proveniente de Constantinopla,

apresentado por G. Salies ao CMGR, 4 (1994, est. CIV) parece corresponder a um paralelo

importante. Datado de fins do século IV-princípios do século V, combina trança e cabo no

meandro de suástica, apresentando no seu centro um busto feminino com uma cesta de frutas.

A sua ligação estilística ao círculo artístico sírio é evidenciada pela autora (Salies, 1994, p. 187).

A bordadura em cálices de lótus, dispostos alternadamente ao longo de uma linha sinuosa,

representa um motivo bastante frequente nos mosaicos romanos. Encontramo-la sob diversas

formas (cf. Le Décor, est. 62 a, f e 65 g), quase sempre utilizada como moldura. A origem do

motivo em opus tessellatum encontra-se em Pompeia, num friso com flores de lótus. Segundo

D. Levi (1947, p. 454), deriva da transformação do motivo da fita ondulada, observação esta que

procurou confirmar nos mosaicos de Antioquia. A adição de pequenos elementos tais como

triângulos ou três quadradinhos unidos, aliado ao alargamento da fita central, ditaram a evolu-

ção para a flor de lótus (Levi, 1947, p. 454). Todavia, o motivo em onda manter-se-á até tarde,

não se anulando em favor do outro motivo. A coexistência dos dois motivos comprova-se em

Navatejera (CME, 10, n.0 15, p. 30-31, fig. 11, est. 10, 28, 29). A evolução estilística que sofreu,

desde o século I ao século V, é notória, tendo o motivo perdido volume e naturalismo, para se

tornar, a partir do século IV, não só mais frequente, como também profundamente geométrico.

A sua difusão foi acentuada nas regiões do Mediterrâneo Ocidental, sendo raro encontrá-lo na

Britânia, com excepção de um mosaico com Neptuno e fauna marinha de Rudson, datado de

meados do século IV (Neal, 1981, n.0 67, p. 94).

Da sua fase mais naturalista restam-nos os exemplos mais antigos nas oficinas vienenses

no século II: em Vienne, emoldurando um tapete geométrico na Mosaïque des Capucins (Recueil,

I, 3, p. 102; Lancha, 1977, p. 91-93 e 100, fig. 46) e Ste Colombe desenhando alguns quadrados

da composição na Mosaïque Burrus (Lancha, 1977, p. 96-97 e 100-101, fig. 48-48bis; Lancha, 1990,

p. 31, fig. 7). Cerca de 220 a 230 d.C. encontramos em Treveris, uma bela bordadura de um

mosaico de composição geométrica (Parlasca, 1959, p. 31-32, est. 5) e, na mesma altura, em Lure

(Recueil, I, 3, n.0 371, p. 99-102, est. LXIII-LXVII). Regista-se ainda em Ormes na época severiana

(Recueil, II, 1, n.0 299, p. 104-107, est. LVI-LVII) e em Bergheim, no segundo quartel do século

III (Recueil, I, 3, n.0 472, p. 149-151, est. XCVII-XCVIII).

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A VILLA ROMANA DE RIO MAIOR. ESTUDO DE MOSAICOS

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Os mosaístas que trabalharam na Casa dos Repuxos de Conímbriga conheciam bem as pro-

duções das regiões mais setentrionais do Império, uma vez que adoptaram o motivo em três mol-

duras de medalhões da domus desde o último quartel do século II ao primeiro do século III: no

de Perseu no ângulo sudoeste do peristilo (CMRP, I, n.0 1.1, p. 32-36, est. 3 e 54.1), no do caçador

regressando da caça no ângulo sudeste do mesmo (CMRP, I, n.0 1.5, p. 46-47, est. 10 e 54.1) e no

do cubiculum entre o peristilo e o pátio com fonte (CMRP, I, n.0 4, p. 88-90, est. 31, 32, 57.2 e 68.2).

A partir do século IV, assiste-se à vulgarização do motivo, não só no Norte de África, como

também na Hispânia onde encontraremos os paralelos mais próximos para o nosso pavimento,

utilizados na sua maior parte em bordaduras de grandes tapetes musivos.

Com efeito, em Almenara de Adaja, o motivo foi usado em cinco mosaicos como moldura

de tapete: com sinusóide preta (CME, 11, n.0 5, p. 19-21, est. 4, 5, 26; n.0 6b, p. 22-23, est. 6-7 e

23; n.0 7, p. 23-24, est. 8 e 28), com sinusóide branca (CME, 11, n.0 15b, p. 30, est. 11) ou com um

filete simples preto e branco cortando os cálices no sentido longitudinal (CME, 11, n.0 10, p. 26-

-27, est. 30). Em Navatejera, encontramo-lo na moldura do grande octógono, com sinusóide

preta, pelos meados do século IV (CME, 10, n.0 15, p. 30-31, fig. 11, est. 10, 28 e 29) e ainda na

villa de Prado, na bordadura do mosaico n.0 3 na segunda metade da centúria (Torres Carro,

1988, est. XV-2). Em Rielves, as bordaduras do corredor D, da galeria A e do compartimento G,

descritas como ondas por Fernández Castro com base nos desenhos antigos de Arnal, situados

cronologicamente em meados do século IV, parecem corresponder na realidade, após uma

análise atenta dos referidos desenhos, a linhas de cálices (Fernández Castro, 1977-1978, p. 219,

fig. 6, p. 219-220, fig. 8 e p. 121, fig. 12, respectivamente).

Mas nenhum destes paralelos é tão próximo quanto o mosaico de Cuevas de Soria onde os

octógonos da composição do apodyterium da villa são debruados com linha de cálices e decora-

dos com florões (CME, 6, n.0 54, p. 60-63, est. 25). Outro mosaico muito próximo, datado do

século IV, é o de Mazerolles, na Gália, onde as molduras octogonais são também realizadas com

cálices (Hiernard, 1996, n.0 204, p. 256-257, fig. 183 a e b). A paleta é mais pobre e a execução

mais grosseira do que em Rio Maior.

Entre os vários exemplos africanos, conta-se dois exemplos particularmente próximos em

Cartago. No medalhão central da sala 35 das Termas de Antonino que apresenta uma bordadura

deste tipo com sinusóide branca debruada a preto, datado da Tetrarquia ou Constantino (Picard,

1980a, p. 168, fig. 8) e, na segunda metade do século IV, na bordadura do mosaico das estrelas

da Maison de la Course de Chars, com fundo preto (Hanoune, 1969, fig. 4).

Entre os motivos de enchimento destaca-se o nó de Salomão. A sua inclusão num hexágono,

inserido num hexágono oblongo, não é frequente, ao contrário da versão inserida num quadrado

sobre o vértice, num hexágono oblongo, tão característico das composições de estrelas do século

I (Blake, 1930, p. 112, est. 35.1 e 35.4). U. Sansoni não o regista na sua tabela (cf. 1998, p. 29). É

reconhecido como o elemento decorativo mais frequente nos mosaicos romanos, alargando-se o

seu emprego no tempo e no espaço do Império Romano. O testemunho mais antigo regista-se

na villa de Volusii Saturnini no último ano do século I a.C. — segundo decénio do século I d.C.

Documenta-se nos mosaicos itálicos do século I, nomeadamente em Pompeia, no triclinium da

Casa del Camillo, na Casa del Caccia Nuova, entre outros, ainda que pouco frequente comparando

com épocas posteriores (Blake, 1930, p. 103; Sansoni, 1988, p. 30-31). Na segunda metade do

século I inicia-se a sua difusão, primeiro em Itália e, em finais da centúria-princípios do século

II, nas províncias (Sansoni, 1988, p. 35). Não se registando noutro tipo de artes decorativas,

poderá ter constituído invenção de artistas (Ovadiah, 1980, I.4, p. 152). Perdura até à Idade

Média, época em que se torna símbolo da impenetrabilidade de Deus (Blake, 1930, p. 103).

Seria infindável a lista de mosaicos com nós de Salomão que poderíamos citar, pelo que res-

tringiremos a nossa análise ao motivo inserido num disco preto. Este tipo de nós em discos pre-

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PARTE II – OS PAVIMENTOS DA VILLA

Page 43: PARTE II Os pavimentos da villa - com o item anterior, a sua pertinência reside no facto de ... como é o nosso caso, beneficiar da ausência de ... (com largura máxima de 90 ...

tos, mais raramente em círculos com fundo branco, são menos frequentes, embora se deva dar

particular destaque ao seu emprego em Antioquia, onde se registam a partir do século II. Na Casa

do Aqueduto de Trajano, datada de princípios da centúria, abandonada mais precisamente

aquando do terramoto de 115 e sem sinais de reocupação, existe um fragmento de uma compo-

sição linear de quadrados e rectângulos, destacando-se o nó de Salomão num dos cantos, com a

particularidade de possuir pontos nos intervalos (Levi, 1947, p. 34-35, est. LVa, XCIVa). Em

Seleucia, no mosaico que dá o nome à Casa dos Concurso de Bebidas entre Dionísio e Hércules,

desenvolve-se uma composição geométrica de estrelas de oito losangos com quadrados e losan-

gos nos intervalos, decorados com elementos geométricos e vegetalistas, em volta do tema figu-

rativo. Em quatro dos vinte e quatro quadrados, surgem os nós como motivo decorativo, dentro

de um círculo delineado por dois filetes escuros com um claro de permeio (não é disco preto, mas

uma variante). O mosaico é atribuído ao triclinium e os materiais cerâmicos encontrados sob ele

apontam para cronologias do período severiano (Levi, 1947, p. 156-163, S 18-K, est. XXX-XXXII,

CI b-c e CLV b e ainda p. 396, para a análise da composição). Ainda em Antioquia, na House of

the Buffet Supper-west Complex, novamente uma composição linear de quadrados e rectângulos,

encontramos o emprego de nós nos quadrados, desenhados num disco preto, com cronologia a

apontar para a segunda metade do século III, com base nos materiais cerâmicos recolhidos sob

o mesmo — cerâmica tardia A e lucernas (Levi, 1947, p. 217-219, DH 26/27-o, est. XLVIII,

CVIC, CVII a-b). No triclinium da House of the Boat of Psyques, formado por nove painéis musi-

vos figurativos, destaca-se uma composição de estrelas de oito losangos com quadrados nos

intervalos onde foram inseridos nós em disco preto (painel H) (Levi, 1947, n.0 1, p. 167-169, DH

23/24-M/N, fig. 63, est. CIII e). No vestíbulo da mesma casa, desenvolve-se uma composição simi-

lar em que é possível ver dois quadrados com o mesmo tipo de nó em disco preto (Levi, 1947,

n.0 7, p. 186, DH 23/24-M/N, fig. 63, est. XXXVIII). Os critérios de datação apresentados para os

mosaicos da casa consistem em fragmentos de lucernas helenísticas de tipo VII, datadas do

século II e III, encontradas em camada selada sob o pavimento n.0 8 da casa (Levi, 1947, p. 167).

Em Itálica, conhecemos um exemplar de finais do século II no mosaico dito da Casa da

Condessa de Lebrija, mas do qual se desconhece data e local de achado, ornamentando dois dos

cantos dos quadrado (CME, 2, n.0 15, p. 38, est. 38). Do século posterior é o mosaico de El Rega-

dio com o mesmo motivo (Blázquez Martínez et al., 1993, p. 235).

É, porém, no século IV que encontramos o grande grupo de paralelos africanos e ibéricos.

Em Bulla Regia, na Casa de Hippone (Hanoune, 1980, p. 10, fig. 28 a), em Djemila (Blanchard-

Lemée, 1975, est. XLVI a), El Jem (Foucher, 1960, est. VII d), entre outros. Na Hispania, docu-

menta-se em Portus Illicitanus, no corredor do peristilo e no compartimento de acesso ao mesmo

(Blázquez Martínez et al., 1993, p. 239, fig. 14 e p. 240, fig. 15, respectivamente); em Mérida,

na Calle Legio X, (CME, 1, n.0 11, p. 33, est. 22 e 23 a) e em Puente de la Olmilla, nos comparti-

mentos n.os 1 e 2 (Puig e Montanya, 1975, fig. 2; CME, 5, n.0 23, p. 28-29, fig. 19 e n.0 24, p. 29-

-30, est. 14, 15 e 45, fig. 20). Nos locais supramencionados, o nó de Salomão é colocado num qua-

drado. Regista-se ainda a variante do círculo com fundo branco em Cuevas de Soria, em con-

textos cronológicos da segunda metade do século IV, inícios do século V (CME, 6, n.0 65, p. 72-

-73, fig. 14). Finalmente, na villa de Algoros, trabalharam, na segunda metade do século IV,

mosaístas que revelaram uma predilecção particular pelo motivo, característica essa, aliás, que

serviu de argumento para identificar uma mesma oficina (Mondelo, 1985, p. 140-141). Assim,

podemos vê-lo em seis mosaicos diferentes, usados no enchimento de grandes composições

(hexágonos e pentágonos — Mondelo, 1985, n.0 1, p. 107-111, fig. 1; octógonos e quadrados —

Mondelo, 1985, n.0 5, p. 120-124, fig. 7; n.0 6, p. 125-133, fig. 8 e n.0 7, p. 133-134, fig. 9) ou de

pequenos espaços nas bordaduras (Mondelo, 1985, n.0 7, p. 133-134, fig. 9; n.0 8, p. 134-135,

fig. 10 e n.0 9, p. 135-140, fig. 11). A mesma oficina trabalhou certamente nos pavimentos da Sina-

76

A VILLA ROMANA DE RIO MAIOR. ESTUDO DE MOSAICOS

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goga de Elche onde encontramos a sua presença em três mosaicos, na mesma faixa cronológica

(Palol Salellas, 1967, p. 201-210, fig. 73). As características estilísticas dos nós de Elche diferem

substancialmente das de Rio Maior: na villa valenciana os nós inseridos em octógonos apre-

sentam dimensões superiores e ocupam praticamente todo o espaço disponível ao passo que em

Rio Maior se verifica uma certa miniaturização do motivo embutido num quadrado com fundo

branco, por sua vez, no octógono ou ainda presente num hexágono. Na Basílica de Elche, reen-

contramos o mesmo tipo de nós (Palol Salellas, 1967, fig. 73).

Enquanto elemento decorativo singular, as primeiras representações de peltas remontam

aos primórdios do opus tessellatum, nomeadamente desde o século I. a.C. em Pompeia (Gozlan,

1992, p. 90). Por volta do princípio da centúria seguinte, os mosaístas introduzem-na nos

esquemas compositivos tesselados (cf. comentários aos n.0s 5, 9 e 14).

Quanto ao xadrez policromo, A. Ovadiah documenta-o em Delos e sustenta uma derivação

a partir dos têxteis cujo padrão pretendia imitar (1980, p. 131), enquanto S. Gozlan lhe atribui

uma origem africana (1992, p. 69). A sua ocorrência na Hispânia regista-se sobretudo no

século IV (Pinto, 1997, tabela n.0 11).

Quanto aos motivos, insólitos, que decoram dois dos hexágonos, não lhes encontrámos

paralelos seguros. O seu carácter geométrico dificulta qualquer interpretação. Os florões que

decoram alguns octógonos foram analisados nos comentários ao n.0 2A.

A simplicidade da sua forma geométrica tornou o xadrez do painel D um dos mais fáceis

de realizar nos vários tipos de suportes decorativos, nomeadamente na pintura e na cerâmica

a partir da qual poderá ter sido apropriada pelas restantes artes (Ovadiah, 1980, p. 129-130).

Generalizou-se o seu emprego a todo o tipo de pavimentos: pebble mosaics, opus sectile ou opus

tessellatum.

Terá sido em pavimentos de seixos rolados (pebble mosaics) que se fizeram as primeiras

experiências de aplicação deste motivo a pavimentos no Mediterrâneo Oriental: Palácios de Ars-

lan-Tash e Til-Barsib, datados do século VIII a.C. (Salzmann, 1982, n.0 15, p. 84, est. 1,3; Bláz-

quez Martínez, 1993, p. 455), de Gordión, da segunda metade do século VIII a.C.- século II

(Stern, 1975, est. 1; Salzmann, 1982, n.0 48, p. 93, est. 4). Ao Mediterrâneo Ocidental, nomea-

damente à região de Cástulo, terá chegado a moda através das intensas relações comerciais que

manteve com as zonas mais orientais, nomeadamente as semitas. Assim o prova o pavimento

de La Muela, considerado o mais antigo documento do esquema nesta zona, pois a sua crono-

logia recua ao século VI a.C. (Blázquez Martínez, 1993, p. 453; cf. Fernández Galiano, 1983,

p. 114, fig. 1, cuja proposta cronológica se situa no século VII a.C.22). O local onde se encontrou

o mosaico tem sido interpretado como construção de carácter religioso ou santuário, com cla-

ras afinidades com seus congéneres fenícios e cipriotas, onde também era frequente este tipo

de pavimentos (Blázquez Martínez, 1993, p. 454). Neste contexto, não estará alheio ao simbo-

lismo do xadrez como representação de forças contrárias que se opõem na luta pela vida (Che-

valier, 1993, s. v. damero).

Posteriormente, o esquema passou muito lentamente ao opus tessellatum com a mesma sim-

plicidade decorativa, mantendo-se contudo raro até ao século II, época a partir da qual entra no

repertório geral dos mosaístas romanos (Blake, 1930, p. 187) perdurando, sem grandes mudan-

ças, a não ser um certo crescimento no tamanho das tesselas, até à Idade Média. O esquema foi

aplicado não só a bordaduras, mas também se estendeu em grandes tapetes, quer de comparti-

mentos menores quer, contrariamente ao que se poderia pensar à primeira vista, de grandes em

dimensão e importância. Foi ainda muito bem aceite como micro-composição, quer na versão

bicroma, quer policroma, preenchendo espaços vácuos, mormente em composições geométricas.

O primeiro pavimento em xadrez conhecido em Roma terá sido, segundo Plínio, o do Tem-

plo de Júpiter Capitolino, realizado depois da 3.a Guerra Púnica (Historia Natural, XXXVI, 185,

77

PARTE II – OS PAVIMENTOS DA VILLA

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apud Ovadiah, 1980, n. 16, p. 129). A escolha deste esquema recorda ainda os santuários do

Mediterrâneo Oriental de que falámos a propósito de La Muela. No século II, começam a divul-

gar-se os mosaicos com o esquema em xadrez bicromático, não só no Ocidente, como na região

da Grécia, onde se mantém preso à tradição policroma dos pavimentos de seixos rolados. Encon-

tra-se aí em pequenas áreas como é o caso da villa romana de Corinto (Waywell, 1979, p. 309).

Em Óstia, o esquema é conhecido, pelo menos, desde 130 d.C. na Insula delle Pareti Gialle

(Becatti, 1961, n.0 224, p. 129, est. XXXV). No século III, perdura em duas casas da cidade: na

Domus dei Pesci, num grande pavimento (Becatti, 1961, n.0 335, p.182, est. CIC, CCXXVII) e na

Insula delle Volte Dipinte, num restauro de um pavimento de princípios do século II (Becatti,

1961, n.0 187, p. 102, est. XXXIV). Ainda se conhece na necrópole da Via Ostiense, num túmulo

datado dos Antoninos (Becatti, 1961, n.0 434, p. 233-234, est. IX). No século IV, a cidade teste-

munha ainda a sua aplicação na soleira do tablinum da Domus delle Colonne (Becatti, 1961,

n.0 334, p. 181, est. LVII-LVIII).

Os exemplos do século II comungam de uma influência itálica marcante, nomeadamente

os vários exemplos da actual Suiça, onde perdura até épocas tardias: Zofingen, de 150-175 (Gon-

zenbach, 1961, n.0 144, 238, est. 6), Oberkulm e Windisch, ambos de 150-200 (Gonzenbach,

1961), Munzach e Kloten, ambos de 175-225 (Gonzenbach, 1961, est. 42). Um pouco mais tarde,

cerca de meados do século II, a composição documenta-se na Alemanha, destacando-se os

casos de Emmerting e Tacherting (Parlasca, 1959, p. 107, est. 14.C5 117, est. 14.B3). Na Britânia,

é também durante a segunda centúria que se documentam os primeiros exemplos, como é o caso

na insula 18 – St. George’s Hall — de Colchester (Rainey, 1973, p. 55).

Na Hispânia, a sua divulgação ter-se-á iniciado no século I pela costa mediterrânea, como

documenta um pavimento encontrado na Calle Palas de Cartagena (CME, 4, n.0 68, p. 69, est.

27), acentuando-se naturalmente no século II, nomeadamente em Cartago Nova e Barcelona. Da

Calle Quatro Santos de Cartago Nova, provem o mosaico interpretado por S. Ramallo Asensio

como um painel de um triclinium e datado através de critérios estilísticos por ausência de dados

arqueológicos (1985, n.0 4, p. 40-44 e 176, est. V, fig. 6). O de Barcelona é proveniente da Praça

Regomir e talvez um pouco mais tardio do que o anterior (Barral y Altet, 1978, n.0 5, p. 30-31,

est. V-3). Na segunda metade do século II, é conhecido em Mérida, na Casa Basílica, como motivo

de enchimento num dos quadrados da composição (CME, 1, n.0 44, p. 46, est. 80a) e, em finais

da mesma centúria, está patente na Casa del Mitreo, na bordadura do painel com emblema de

Eros (CME, 1, n.0 24, p. 40, est. 47-48). Por esta altura, chegara já a outros locais da Lusitânia,

nomeadamente a Póvoa de Cós (cf. n.0 9, a propósito do painel das peltas do mesmo mosaico).

A mesma villa, possui outro pavimento com xadrez bicromático, mas de quadrados sobre o vér-

tice (Borges, 1986, n03, p. 16-19, est. V). Datado arqueologicamente do final da época dos Anto-

ninos a princípio dos Severos, o mosaico de Benicató enquadra-se perfeitamente nesta fase

bicroma (Navarro, 1977, p. 155-156 e 158, est. I). A Norte da Hispânia, encontramo-lo já na pri-

meira metade do século III nas termas de Astorga (CME, 10, n.0 1, fig. 2, est. 22).

No século III são raros no Norte de África, conhecendo-se, porém, na Maison du Grand

Oecus em Utica (CMT, I, 2, n.0 148, p. 6-7, est. III). Com excepção do edifício XII.2 — Beeches

Road — de Cirencester, com quadrados vermelhos e branco, a maior parte dos exemplos britâ-

nicos da quarta centúria provém de villae. Foi a província romana onde contabilizámos mais exem-

plos deste esquema (onze no total). Surgem em composição de superfície como em Haceby

(Rainey, 1973, p. 90), Newport, no compartimento IV (Rainey, 1973, p. 122), Bignor, no com-

partimento 55, pertencente às termas (Rainey, 1973, p. 25, est. 13A), Lenthay, no mosaico de

Apolo (Smith, 1969, est. 3.31; Rainey, 1973, p. 107-108), Newton St. Loe no corredor (Rainey, 1973,

p. 122, est. 12B), Nunney num painel diagonal com Orfeu, datado de 350-370 (Rainey, 1973, p. 126-

-127; Smith, 1983, p. 324-326, est. CCXI), mas também em bordaduras como na Norfolk Street de

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A VILLA ROMANA DE RIO MAIOR. ESTUDO DE MOSAICOS

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Leicester23, com tesselas vermelhas (Rainey, 1973, p. 104), Newport, no compartimento I (Rainey,

1973, p. 122), Bignor, no compartimento 56 (Rainey, 1973, p. 25, est. 13A), ou ainda em Pit Meads,

dos princípios do século IV (Smith, 1965, p. 108, fig. 13; Rainey, 1973, p. 128; Smith, 1983, p. 234

e 236, est. CCXI-1) e Rudston (Rainey, 1973, p. 131-132; Neal, 1981, n.0 70, p. 97-98).

Dos poucos exemplos existentes na Hispânia do século IV, destaca-se o mosaico da gale-

ria 76 do lado Sul da villa de Liedena, actualmente no Museu de Navarra, em Pamplona (CME,

7, n.0 31, p. 51-52, est. 32).

Em Treveris, conhecem-se dois exemplos datados da quarta centúria, numa bordadura

(Hoffmann et al., 1999, n.0 14, p. 94, est. 9) e num grande tapete (Parlasca, 1959, p. 50, est. 51.1;

Hoffmann et al., 1999, n.0 110, p. 144, est. 75).

No século IV, continuam raros nas províncias africanas. Na Maison du Bassin Figuré de

Utica (CMT, I, 1, n.0 144, p. 126, est. LVII) há um pavimento datado do século IV e nas Termas

de Inverno em Thuburbo Majus, conhecem-se dois pavimentos datados da primeira metade do

século V: no vestíbulo XXVIII e no compartimento XXXI (CMT, II, 2, n.0 205, p. 77, est. XXXIII

e n.0 208, p. 79-80, est. XXXIV-XXXV, respectivamente). O pavimento do vestíbulo XXVIII apro-

xima-se do de Rio Maior não ao nível da densidade (39 tesselas por dm2 para 34 em Rio Maior),

como também ao nível da dimensão dos quadrados (15 cm para 13/14 em Rio Maior). Porém,

dada a vulgaridade do pavimento e a falta de informações similares para os restantes pavimen-

tos citados, não podemos retirar ilações conclusivas destes dados. A semelhança pode ter sido

fruto de um mero acaso.

Da análise efectuada, não parece haver provas suficientes para tomar como pertinentes as

afirmações de M. C. Fernández Castro (1977-1978, p. 219) e F. Regueras Grande (1991, p. 135)

quanto à predisposição do esquema para ambientes termais. Por coincidência, quer em Rielves,

quer em Asturica Augusta, foi usado nesse tipo de locais, mas só encontrámos em Nyon, Big-

nor e em Thuburbo Majus outros paralelos, com datas muito diversas, o que não é manifesta-

mente prova de nada. A justificação parece prender-se ao facto de se tratar de uma composição

de simples execução, reservada para espaços secundários.

Recolheram-se alguns materiais cerâmicos interessantes na camada de telhas sobre o

mosaico. Segundo o relatório de escavação de 1997, consistiram em fragmentos de terra sigil-

lata tardia estampilhada, terra sigillata hispânica tardia, terra sigillata clara D (Hayes 76, datada

de 425 a 475), uma moeda datada de 379-387 e uma matriz de estampilha em cerâmica. Os res-

tantes materiais consistem em fragmentos de estuque e mármore, vidros esverdeados tardios,

pregos e cavilhas.

DataçãoSegunda metade do século IV.

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PARTE II – OS PAVIMENTOS DA VILLA

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N.0 4

TemaComposição de linhas de meandro de suástica de volta dupla.

CompartimentoCompartimento com funções secundárias evidentes na simplicidade da decoração musiva –

um cubiculum? A Sul, existia certamente uma passagem para o compartimento 3 e, a Oeste, é pro-

vável que tivesse acesso directo ao grande corredor 6. As dúvidas são suscitadas pela total ausên-

cia de estruturas arquitectónicas capazes de identificar com segurança os mencionados acessos.

Dimensões do compartimentoVer dimensões do mosaico.

Dimensões do mosaico4,7 x 2,95 m*.

Local de conservaçãoIn situ.

Área visível aquando da descobertaA mesma que actualmente.

Área conservadaConservam-se cerca de 70 % do mosaico. As orlas de remate e as bordaduras encontram-

se particularmente destruídas. Apresenta ainda uma lacuna circular com cerca de 1 m de diâ-

metro que atingiu apenas a camada de assentamento das tesselas.

Técnica de colocaçãoÉ um trabalho de fina execução comparativamente aos restantes pavimentos da estação. Colo-

car-se-ia ao nível do n.0 9 e do n.0 15A. As tesselas são de pequenas dimensões e os interstícios míni-

mos. Assente em terra preta, uma camada de tufo calcário suporta um nucleus de 2 a 2,5 cm formado

por pequenos nódulos de cal e fragmentos de cerâmica. Um fino leito de cal fixa as tesselas.

MateriaisCalcários. Branco-marfim para o fundo e preto para a composição.

Densidade das tesselas138 tesselas por dm2. Tesselas com 0,7 cm de lado.

Estratégia de execuçãoApesar da simplicidade da composição que ostenta, a sua ordinatio foi cuidada, de tal

forma que se enquadrou perfeitamente no espaço disponível sem recorrer a cortes. A orla de

remate foi realizada em filetes paralelos aos muros nos lados Norte, Sul e Este. A Oeste, as linhas

de tesselas são irregulares e de dimensões ligeiramente superiores. A composição parece ter sido

executada em linhas no sentido do comprimento, iniciando possivelmente a Este.

Restauros antigosNão existem.

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A VILLA ROMANA DE RIO MAIOR. ESTUDO DE MOSAICOS

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Restauros modernosNão existem.

Ilustração utilizadaRelatório de escavações de 1995, com fotografias, cortes estratigráficos e planta. Levanta-

mento geral à escala 1/1 em plástico cristal. Des. 5.

BibliografiaInédito.

DescriçãoFaixa branca (11 cm * a Oeste).

Filete duplo preto; banda de xadrez (19 cm) com casas pretas sobre o vértice (cf. Le Décor,

est. 14 e) e filete preto simples, apenas a Oeste; filete triplo branco; filete preto duplo.

Composição de seis linhas de dez meandros de suástica de volta dupla (cruz com 11 cm) dese-

nhada a filete duplo preto (cf. Le Décor, est. 35 f) na variante composição de superfície). Em cada linha

(29 cm de largura), o meandro desenvolve-se pela esquerda. Em toda a sua volta corre uma pseudo-

bordadura em meandro idêntico, separado da composição central por um filete duplo preto.

ComentáriosQuer a bordadura, quer a composição de superfície, retomam modelos clássicos conheci-

dos desde a origem da técnica do opus tessellatum. A linha de quadrados sobre o vértice docu-

menta-se desde os finais do século II a.C. em Óstia (Becatti, 1961, n.0 22, p. 19, est. IV), tendo

sido especialmente apreciada nas regiões ocidentais ao longo de toda a época romana. Cite-se, a

título de exemplo, dois mosaicos de Vienne, datados de finais do século II (Lancha, 1977, fig.

1-1bis e 2-2bis, 1990a, n.0 53, p. 113-115, fig. VII). Da segunda metade do século IV, há a registar

o caso da soleira da villa de Prado, tratada a vermelho e preto (CME, 11, n.0 23, p. 56-57, fig. 9).

A origem e evolução da composição em meandro de suástica acompanham de perto as suas

variantes em linha ou com quadrados que abordámos a propósito do mosaico n.0 3A. A singe-

leza do tratamento dificulta o estabelecimento de cronologias. Conhecem-se alguns exemplos

em Mérida, nomeadamente na Casa del Mitreo (CME, 1, n.0 19, p. 39, est. 41 e n.0 20, p. 39, est.

42-43), mas são os dois paineis da Ermita de la Piedad, com paralelos muito próximos para outros

mosaicos de Rio Maior (cf. n.0 15A), datados do século IV (Alvarez Martínez, 1990, n.0 1D e F,

p. 27-34, est. 1-6) que servem de referência cronológica. Em finais da centúria, ainda é execu-

tado pelos mosaístas como se comprova no corredor norte do peristilo da Casa de Baco de

Complutum (Fernández-Galiano, 1984b, p. 118-119, fig. 6).

Um dos mosaicos descobertos no Arnal, classificado como composição em palhetão por

M. Borges (1986, p. 29) é, na realidade, uma composição muito idêntica à de Rio Maior (cf. Dou-

guédroit, 1964, p. 469). Não dispomos de elementos suficentes para contrariar a datação pro-

posta pelas autoras citadas, o século II (Borges, 1986, p. 30).

A datação do nosso mosaico baseia-se essencialmente nas propostas feitas para pavimen-

tos coevos da casa que oferecem critérios estilísticos mais seguros. Os paralelos supracitados vêm

dar algum sustento ao enquadramento cronológico proposto.

Afora os fragmentos de estuque e mármore, não se registam materiais significativos.

DataçãoSegunda metade do século IV.

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PARTE II – OS PAVIMENTOS DA VILLA

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N.0 5

TemaComposição ortogonal de octógonos adjacentes, determinando quadrados tratados em

meandro de suásticas.

CompartimentoSala parcialmente escavada, com possível acesso desde o largo corredor ocidental da casa.

Dimensões do compartimentoIndetermináveis.

Dimensões do mosaico2,40 x 2,24 m (área descoberta).

Local de conservaçãoIn situ.

Área visível aquando da descobertaA mesma que actualmente, ou seja, o canto superior direito da sala.

Área conservadaA área a descoberto apresenta um afundamento bastante acentuado em relação às suas mar-

gens e foi danificada por uma abertura circular de cerca de 1,88 m que rasgou o pavimento.

Técnica de colocaçãoAs tesselas assentam num leito de cal quase imperceptível, seguindo-se um nucleus de cerca

de 5 cm, formado por uma argamassa de saibro e areia, sobre um rudus de terra solta com pedrinhas.

MateriaisCalcários. Branco-marfim para o fundo, preto para o traçado da composição e das peltas da

bordadura; ocre castanho, ocre rosa escuro, vermelho acastanhado e cinzento francês para os

enchimentos.

Densidade das tesselas51 tesselas por dm2 na orla e 78 por dm2 no campo e bordaduras. Tesselas com 1,5 cm de

lado na orla e 1 cm no campo e bordaduras.

Estratégia de execuçãoA estratégia de execução da orla obedece ao mesmo princípio de outros pavimentos da casa.

Os três filetes junto à bordadura são colocados paralelamente, enquanto os restantes se distri-

buem perpendicularmente. O nível artístico é suficiente.

Restauros antigosNão existem.

Restauros modernosNão existem.

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A VILLA ROMANA DE RIO MAIOR. ESTUDO DE MOSAICOS

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Desconhecida na Itália durante as três primeiras centúrias da era cristã, é nas províncias

africanas e britânicas que se documentam os exemplos mais antigos, datados do século II, bem

como no Mediterrâneo Oriental, nomeadamente na Grécia e em Antioquia, onde a sua distri-

buição parece ter sido alargada até ao século III, mas não após essa data (Waywell, 1979, p. 308).

Cite-se, a título de exemplo, os Banhos de Argos, da primeira metade do século II ou o odéon

de Herodes Atticus em Atenas, de meados da centúria, entre outros (Waywell, 1979, n.0 3, p. 295,

fig. 4, est. 45 e n.0 8, p. 295, fig. 8, est. 46, respectivamente).

A Ocidente, destacam-se duas correntes estilísticas. Uma delas procura criar um fundo pro-

fusamente decorado, optando por tratar os meandros em tranças, linhas de triângulos ou xadrez,

de onde se destacavam medalhões octogonais, em geral com temática figurativa ou floral num

fundo branco. Este foi também um procedimento usual com composições de meandros de suás-

ticas e quadrados ou rectângulos (cf. n.0 6). São particularmente ilustrativos desta tendência um

mosaico de Orbe, conhecido através de um desenho, onde os octógonos estão decorados com

divindades do zodíaco (Blanchet, 1909, n.0 1382, p. 152) e um mosaico de Caerwent, também

desaparecido, com florões nos octógonos (Rainey, 1973, p. 35; Smith, 1975, p. 286-287).

O mosaico de San Martín de Losa, cujo esquema é desenhado através de xadrez policromo,

recorda o mesmo espírito decorativo numa variante tardia de menor perfeição, datado da

segunda metade do século IV (Abásolo Álvarez, 1983, p. 247-252, fig. 14). Alguns elementos

decorativos que preenchem os octógonos recordam Rio Maior, nomeadamente o quadrado

entrelaçado com coxim.

O grupo onde se enquadra o nosso exemplar caracteriza-se pelo desenho de meandro com

filete duplo preto. Nas províncias africanas individualizámos um subgrupo constituído por três

pavimentos, dois provenientes da actual Líbia e um da Tunísia, onde os octógonos desenhados

pelo meandro deixam entrever círculos com florões simples. Trata-se do painel geométrico do

mosaico do touro da villa de Silin (Blázquez Martínez et al., 1990, fig. 1) e o corredor do pórtico

setentrional da villa de Zliten (Aurigemma, 1926, p. 60, fig. 31 e 32). Em Bulla Regia documenta-

se uma variante deste esquema (Le Décor, est. 167 d).

O painel do peristilo de Lièdena e um mosaico de Brescia podem integrar-se no subgrupo

a que pertence também o nosso exemplar, com molduras octogonais em filetes. O mesmo

motivo decorativo formado por quatro peltas de volutas com uma cruz no centro decora os meda-

lhões de Lièdena (CME, 7, 19E, p. 40, fig. 4, est. 26). Segundo Taracena, data do século IV em

virtude do achado de uma moeda de Constantino no muro e outra do Baixo Império no jardim,

ao passo que M. Mesquiríz, por análise estilística, propõe datação situada entre o século I e II

(CME, 7, p. 28). No mosaico de Brescia, os mosaístas recorrem a nós de Salomão e conjuntos

vegetalistas variados (cf. Le Décor, est. 166 b).

A composição de Abicada, datada do século IV (Blázquez Martínez, 1994b, p. 191, fig. 5),

cabe noutro subgrupo, esteticamente mais depurado, caracterizado pela ausência total de mol-

dura nos espaços octogonais desenhados pelo meandro de suástica.

No que respeita os motivos de enchimento dos octógonos, merece destaque o coxim entre-

laçado com quadrado de cantos rectos. Este documenta-se também como elemento decorativo

de enchimento no mosaico n.0 7A, enquanto no n.0 7C o mesmo coxim vai entrelaçado com um

quadrado de cantos enlaçados. Quer um, quer outro, são desconhecidos antes do século IV.

É possível encontrar os primeiros exemplos no Norte de África, especialmente aplicado à

decoração de espaços octogonais, como acontece em Constantine no tapete geométrico do

triunfo de Neptuno, datado do segundo quartel do século IV (Baratte, 1993, medalhão n.0 28,

p. 325, figs. 2 e 4) e, com toda a probabilidade, no mosaico encontrado no litoral africano, entre

Cherchel e Ténès, numa localidade outrora chamada Francis Garnier, conhecido através de um

desenho que se data do século IV (Marcillet-Jaubert, 1956, p. 340). É já da segunda metade da

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A VILLA ROMANA DE RIO MAIOR. ESTUDO DE MOSAICOS

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centúria o exemplo documentado no mosaico das estrelas (cf. n.0 7C) da Maison de la Course de

Char de Cartago (Hanoune, 1969, medalhão 5, fig. 7). Causa-nos alguma perplexidade a data-

ção proposta por E. Guislanzoni para dois mosaicos da villa de Desenzano onde se encontra este

elemento decorativo dentro de quadrados, que situa em fins do século III, princípios do século

IV (1962, p. 66-69, p. 75-84, fig. 14, est. II-III). Ora, tendo em conta a série de paralelos que

apresentamos, não será atrevimento advogar o princípio da quarta centúria como cronologia,

mais do que a terceira.

Não encontrámos provas da presença deste motivo composto na Hispânia antes da segunda

metade do século IV. É nessa metade da centúria que uma oficina que laborou na região de Elche

o executa nos octógonos da nave central da sinagoga da cidade (Palol Salellas, 1967, p. 203-207,

fig. 73) e na villa de Algorós (Mondelo, 1985, n.0 6, p. 125-133, fig. 8). Divulga-se para Norte da

Hispânia na mesma altura, registando-se na villa de San Martín de Losa (Burgos), nos octógo-

nos do mosaico da habitação C cuja composição é do mesmo tipo (Abásolo Álvarez, 1983, p. 248-

-249, est. VI.1). Conhecidos através de desenhos na posse da Real Academia de la Historia, os dois

mosaicos de Comunión, não datados pelos autores do seu estudo (CME, 5, n.0 3, p. 16, fig. 4, est.

41 e n.0 4, p. 16, fig. 5, est. 42), não devem ser anteriores aos mosaicos supracitados. Corrente

nas oficinas do Oriente, encontramo-lo na Grécia, na Basílica de Ilisso na primeira metade do

século V (Spiro, 1978, p. 295, est. 34), mas também em Antioquia (Levi, 1947, p. 366, est.

CXXVIII).

Para além da sua aplicação aos pavimentos, foi também executado em elementos arqui-

tectónicos como é o caso das placas parietais em mármore da villa de Rabaçal (Pessoa et al., 1995,

p. 487, fig. 11).

O florão assemelha-se aos exemplares analisados aquando do mosaico n.0 2A, que encon-

traremos de novo no n.0 10 e 15A, com a adição inédita de folhinhas pretas que lhe conferem uma

certa individualidade no conjunto dos pavimentos citados. A opção por meios nós de Salomão para

preencher espaços residuais junto à linha de remate da composição, retoma-se no mosaico n.0 7C.

DataçãoFinais do século IV – princípios do século V.

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PARTE II – OS PAVIMENTOS DA VILLA

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N.0 6

TemaComposição linear de meandros de pares de suásticas intercalados por rectângulos e qua-

drados grandes ou quadrados pequenos.

CompartimentoCorredor com orientação Norte/Sul, situado a Oeste da casa.

Dimensões do compartimentoParcialmente escavado. Provavelmente as mesmas que o corredor oriental n.0 1.

Dimensões do mosaicoIndeterminadas por se encontrar parcialmente coberto. Provavelmente as mesmas que

no n.0 1A.

Local de conservaçãoIn situ.

Área visível aquando da descobertaA mesma que actualmente. Grande parte da sua área não pôde ser escavada por constituir

a base de assentamento da estrutura metálica que cobre parte dos pavimentos.

Área conservadaAs áreas escavadas (uma parte a Norte e outra a Sul) estão razoavelmente conservadas,

apresentando apenas algumas lacunas provocada pela queda de materiais de construção do

telhado e paredes.

Técnica de colocaçãoAs tesselas assentam num leito de cal de cerca de 1 cm, seguindo-se um nucleus rosado de

cal, areia e cerâmica moída com cerca de 3,5 cm, colocados sobre um rudus de fragmentos de tijo-

leira e de imbrices com cerca de 8 cm. Uma camada de 10 cm composta por terra e areia serve

de statumen.

MateriaisCalcários. Branco-marfim para o fundo; preto para as linhas da composição; ocre castanho,

ocre violeta, vermelho acastanhado e cinzento francês para o tratamento dos diversos motivos

de enchimento.

Densidade das tesselas154 tesselas por dm2. Tesselas com 0,7 cm de lado.

Estratégia de execuçãoÉ difícil de momento analisar o sentido de execução do pavimento, todavia, a repetição e

a banalidade dos motivos de enchimento fazem do pavimento um trabalho monótono e pouco

original.

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A VILLA ROMANA DE RIO MAIOR. ESTUDO DE MOSAICOS

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Restauros antigosNão existem.

Restauros modernosNão existem.

Ilustração utilizadaRelatório de escavações de 1995, 1996 e 1998 com fotografias, cortes estratigráficos e

planta. Levantamento parcial à escala 1/1 em plástico cristal. Des. 7.

BibliografiaInédito.

DescriçãoOrla de remate totalmente destruída.

Duplo filete preto; triplo filete branco; trança policroma de três cordões (18 cm) em fundo

preto (cf. Le Décor, est. 72 d); quádruplo filete branco; duplo filete preto.

Composição linear de meandros de pares de suásticas de volta dupla erguidos, intercala-

dos por rectângulos erguidos (66 x 31 cm) e quadrados grandes (64 cm) e separados por linhas

de meandros de pares de suásticas de volta dupla deitados com quadrados menores (cf. Le

Décor, variante da est. 193 d).

O meandro de suástica é traçado a filete duplo preto. Os quadrados maiores (63 x 50 m) têm

molduras (11 cm), ora em trança de dois cordões em fundo preto (cf. Le Décor, est. 71 c), ora em

faixa de ressaltos rectangulares (cf. Le Décor, est. 30 b) seguido de triplo filete branco e duplo

filete preto cordões, com quatro tesselas nos cantos externos. À moldura, segue-se uma faixa

branca (3,5 cm) e um quadrado (35,5 cm) com entrançado cujos cantos externos também estão

guarnecido com quatro tesselas. Os rectângulos, desenhados a filete simples preto, são preen-

chidos, ora com doze filetes duplos em ziguezague não contíguos policromos separados por file-

tes duplos em ziguezague brancos, ora com entrançado policromo. Os quadrados menores são

decorados com entrançado policromo e nos cantos externos colocaram quatro tesselas.

ComentáriosA composição que combina meandro de suástica com quadrados, comentada na sua ver-

são simples a propósito do mosaico n.0 3A, surge-nos aqui mais elaborada, conjugando qua-

drados, pequenos e grandes, e rectângulos. As afinidades entre ambos consistem essencialmente

no tipo de tratamento em entrançado dos quadrados menores, no tipo de meandro de volta dupla

e na repetição monótona e pouco original da decoração das figuras geométricas.

O esquema foi particularmente bem recebido entre os mosaístas da conhecida oficina bri-

tânica que exerceu a sua actividade no século IV: a Corinian School. Curiosamente, numa época

em que os grandes terratenentes procuravam vistosos programas decorativos, renasce um

esquema de pendor clássico, sóbrio e até monótono. Saudosismos artísticos? Muitos investiga-

dores na matéria falam de Renascimento artístico no século IV. Será esta uma prova desse

retorno à gloriosa arte clássica? O corredor do edifício XIV2 de Cirencester constitui o paralelo

mais próximo para o nosso pavimento, seguindo-se um grupo de mosaicos provenientes de

Gloucestershire (Neal, 1981, n.0 23, p. 58).

Na Lusitânia, documenta-se um exemplo muito próximo na villa de Abicada, datada do

século IV, onde os rectângulos são também decorados com entrançado (Blázquez Martínez,

1994b, p. 191, fig. 5).

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PARTE II – OS PAVIMENTOS DA VILLA

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Os grandes quadrados com entrançado foram também particularmente apreciados no

Baixo-Império. Citaremos, entre os vários exemplos conhecidos, o peristilo octogonal da villa do

Rabaçal, principal eixo de circulação da residencia, cuja decoração musiva consiste em grandes

quadrados adjacentes com entrançado (Pessoa, 1998, p. 22-23, est. 10-11).

As linhas quebradas policromas são pouco frequentes na Hispânia, registando-se na pri-

meira metade do século V em dois pavimentos da villa de Baños de Valdearados (CME, 12, n.0 2,

p. 16-18, fig. 3, est. 3-4 e 33; n.0 3A, p. 18-19, fig. 4, est. 4) num estilo muito próximo do nosso

mosaico.

DataçãoSegunda metade do século IV.

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A VILLA ROMANA DE RIO MAIOR. ESTUDO DE MOSAICOS

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N.0 7

TemaA – Composição ortogonal de quadrados e hexágonos oblongos (Ala este).

B – Composição ortogonal de cruzes de dois fusos entrelaçados (Ala norte).

C – Composição ortogonal de estrelas formadas a partir de dois quadrados entrelaçados tan-

gentes por um vértice (Ala oeste).

D1 – Linha de três quadrados adjacentes flanqueados por dois rectângulos erguidos, tam-

bém adjacentes, com peltas e quadrílobos inscritos (Soleira da abside no topo da ala norte).

D2 – Concha bicroma (Abside no topo da ala norte).

E – Composição centrada de bandas policromas entrelaçadas (Ala oeste).

F – Composição indeterminada de linhas de ondas denticuladas policromas (Ala sul).

CompartimentoPeristilo.

Dimensões do compartimento15,5 x 9,40 m (tanque de 8,1 x 3,65 m).

Dimensões do mosaicoA – 6,85 x 3,42 * m

B – 11,90 * x 2,90 m

C – 6,65 x 3,03 m

D1 – 2,35 x 0,30 m * (dimensões totais reconstituídas 2,35 x 0,56 m)

D2 – Raio: 1,20 m * (Raio reconstituído – 1,40 m) Base: 2,67 m

E – 3 x 2,6 m

F – 8,20 x 2,70* m

Local de conservaçãoIn situ.

Área visível aquando da descobertaA mesma que actualmente. À excepção de uma grande parte da ala F, todo o peristilo se

encontra descoberto.

Área conservadaO painel A é o mais danificado, apresentando lacunas muito graves que dificultam a lei-

tura da decoração. O estado de degradação em que se encontra limitou as limpezas das concre-

ções que poderiam vir a danificar irremediavelmente o mosaico.

O painel B conserva-se na totalidade, apresentando algumas zonas destruídas pela queda

de materiais de construção do telhado e paredes.

O painel C sofreu um abatimento bastante acentuado em grande parte da sua área, tendo

provocado fissuras no tesselado. No alinhamento da parede do impluvium, o pavimento manteve-

se à cota original devido ao embasamento sólido proporcionado pelos vestígios de um muro ante-

rior. Apresenta uma lacuna considerável a Norte, talvez provocada pela abertura de uma cova

para plantação de árvore.

Da abside (D), conservam-se praticamente todas as caneluras, embora o pavimento apre-

sente bastantes pontos de afundamento. Perdeu-se uma faixa na base, impossibilitando-nos de

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PARTE II – OS PAVIMENTOS DA VILLA

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saber como nasciam as caneluras. A destruição desta zona deve-se ao facto do pavimento ter

mantido a sua cota original nessa área, ao contrário da restante que abateu consideravelmente,

ficando assim à mercê das máquinas agrícolas. A soleira foi, pelo mesmo motivo, destruída na

sua metade superior no sentido longitudinal, todavia, a sua estrutura decorativa permite a fácil

reconstituição, ao contrário da concha.

O painel E parece conservar-se razoavelmente ainda que apresente algumas pequenas

lacunas.

Técnica de colocaçãoA construção do painel B é deficiente, tendo, por isso, sofrido abatimentos acentuados,

nomeadamente a Oeste. Identificaram-se as camadas vitruvianas, pese embora a sua débil

resistência. Assim, sobre o solo virgem (terra acinzentada muito compacta e argilosa) assenta

um statumen (3 a 4 cm) constituído por fragmentos de materiais de construção cerâmicos avul-

sos muito mal compactados. Segue-se uma camada (de cerca de 3 cm) formada por uma arga-

massa grosseira de cal com nódulos cerâmicos que identificamos como rudus e, sobre esta, uma

outra formada por argamassa avermelhada com pequenos nódulos de cal, cerâmica e areia, cor-

respondente ao nucleus (cerca de 2 cm). Finalmente, a camada de assentamento das tesselas,

obtida com uma argamassa fina de cal, muito branca (cerca de 1 cm).

Na sondagem efectuada a Noroeste do painel C, identificaram-se também as camadas

vitruvianas: as camadas assentam em terra amarelada arenosa (12 cm) e terra acinzentada

(15 cm) (statumen); o rudus é constituído por materiais de construção, terra e argamassas (19 cm);

o nucleus formado por uma argamassa alaranjada de cerâmica moída e areia e a camada de assen-

tamento formada por uma argamassa de cal (1 cm).

Uma outra sondagem realizada numa lacuna do painel E aporta-nos informações dife-

rentes. As tesselas assentam sobre 1 cm de cal, seguida por uma argamassa de cal e cerâmica

moída com cerca de 3 cm que corresponde ao nucleus. Fragmentos de tijoleira constituem o

rudus com cerca de 3 cm e, finalmente, um statumen de 12 cm é composto por areia, terra e

pedras.

MateriaisCalcários.

A – Branco-marfim para o fundo; preto para os cordões; castanho amarelado, castanho

amarelado escuro, vermelho alaranjado, cinzento claro e metálico e ocre rosa claro para

os motivos.

B – Branco-marfim para o fundo; preto para as bordaduras e os contornos das cruzes; cin-

zento claro, vermelho acastanhado, ocre castanho para o tratamento das ondas.

C – Branco-marfim para o fundo; preto para o desenho da composição e debruns dos moti-

vos; castanho amarelado, ocre castanho, ocre rosa claro, vermelho acastanhado cinzento

claro e cinzento metálico para o tratamento dos variados motivos.

D1 – preto para as linhas da estrutura da composição (bordadura, peltas e triângulos); ocre cas-

tanho, ocre rosa claro, ocre violeta e vermelho acastanhado para o enchimento dos motivos.

D2 – preto para a estrutura da concha; branco-marfim, cinzento bronze e cinzento metá-

lico para o dégradê das caneluras.

E – Branco-marfim para o fundo; preto para o debrum; castanho amarelado escuro, ocre cas-

tanho, ocre rosa escuro, terracota, cinzento metálico e bronze para o tratamento das bandas.

F – Branco-marfim para o fundo; ocre violeta, rosa, vermelho acastanhado, cinzento claro

e cinzento metálico para o tratamento das ondas.

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A VILLA ROMANA DE RIO MAIOR. ESTUDO DE MOSAICOS

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Densidade das tesselasA – 122 tesselas por dm2

B – 116 tesselas por dm2

C – 110 tesselas por dm2

D – 109 tesselas por dm2

E – 120 tesselas por dm2

F – 116 tesselas por dm2.

Tesselas com 0,9 a 1 cm de lado.

Estratégia de execuçãoA necessidade de organizar os vários operários envolvidos na execução desta vasta área,

composta por cinco painéis, obrigou à racionalização do espaço de trabalho. Assim, parece-nos

verosímil que os vários painéis foram executados separadamente, no sentido dos ponteiros de

um relógio, com excepção da ala oeste, cujo sentido é inverso (Des. 8). Alguns indícios vêm com-

provar este sentido de execução: no painel A, a dimensão mais reduzida dos últimos hexágonos

a Sul (cerca de 60 cm em vez de 71 cm) e no painel F, a correcção da composição a Este e o corte

nos mesmos motivos operado a Oeste.

A orla de remate que corre junto ao muro do impluvium foi realizada através de seis file-

tes brancos paralelos à bordadura, tendo seguido o mesmo procedimento na orla da abside.

Na generalidade, a ordinatio das composições é correcta, tendo sido reduzidos ao máximo

os motivos truncados. A última linha do painel F, a Oeste, junto ao painel E, vem contrariar a

regularidade da execução. O trabalho foi inábil, particularmente grave numa área de grande

exposição visual como é esta. Do ponto de vista da opção decorativa e da sua estratégia de apli-

cação, possuímos três grupos: o painel B, com uma composição simples que vale por si mesma;

os painéis A e C, com estruturas em trança com elementos decorativos secundários variados,

alguns comuns como é o caso dos quadrados entrelaçados com coxim ou o quadrílobo curvo

onde reconhecemos mãos idênticas; os painéis D e E, com composições centradas. Global-

mente, dominam os motivos geométricos ondulados, entrelaçados e cruzados cujo tratamento

cromático relega para plano menor as linhas rectas. É o caso também do painel F cuja compo-

sição não é ainda identificável.

A concha foi executada a partir de um traçado prévio de linhas em raio, a partir de um cen-

tro de que não restam vestígios, que se adivinham do correcto alinhamento das tesselas bran-

cas, ao contrário das restantes, desalinhadas. A partir destas linhas, o artista preenchia as cane-

luras com filetes seguindo a linha de raio. O tratamento denticulado em dégradê cinzento

recorda a linha em onda do painel F. Os quadrílobos curvos dos painéis A e C foram realizados

pela mesma mão, particularmente expressiva nos pequenos quadrados côncavos que inseriu nos

espaços residuais.

Restauros antigosNão existem.

Restauros modernosNão existem.

Ilustração UtilizadaRelatório de escavações de 1998 com fotografias, cortes estratigráficos e planta. Levanta-

mento geral à escala 1/1 em plástico cristal. Des. 8-10. Est. V, VI, VII, VIII.

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PARTE II – OS PAVIMENTOS DA VILLA

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BibliografiaInédito .

DescriçãoFaixa branca (7 a 8,5 cm junto ao tanque, 5 cm junto ao muro oeste).

Duplo filete preto; triplo filete branco; duplo filete preto de onde arrancam os braços de uma

cruz suástica de volta simples traçada a duplo filete preto e tratada em meandro (18 cm de lar-

gura). Esta última é visível em toda a volta do tanque, no exterior dos cinco painéis e ainda na

divisão entre eles, com excepção da união entre o painel B e C.

Painel A

Composição ortogonal de quadrados e hexágonos oblongos (cf. Le Décor, variante da est.

169 a), obtida através de octógonos secantes. Esquema desenhado através de trança de dois cor-

dões em fundo preto (10 cm) (cf. Le Décor, est. 70 j). Os motivos de enchimento dos quadrados

irregulares (42,5 x 38,5 cm, com quadrado menor de 36 x 32 cm) e dos hexágonos oblongos

(70 x 21,5 cm) são heterogéneos, repetindo-se estes últimos nos quatro lados dos quadrado.

Nos quadrados: moldura interna de filete simples preto com quadrílobo de ângulos rectos

com quatro triângulos isósceles acantonados debruados a preto e preenchidos a ocre rosa claro;

quadrílobo curvo castanho amarelado com quadrados de lados côncavos vermelhos alaranjados

nos espaços residuais; coxim entrelaçado com quadrado, desenhados a filete preto e tratados a

ocre rosa claro, cinzento claro e vermelho alaranjado; nós de Salomão com longos colchetes,

entrelaçado com quadrado de cantos enlaçados, mas sem moldura quadrada; onda policroma

com sinusóide preta trancada num quadrado a filete preto e quadrado policromo de lados direi-

tos no centro; meandro fraccionado policromo com fracções imbricadas (cf. Le Décor, est. 32 e)

com rectângulo policromo no interior.

Nos hexágonos oblongos: losango delimitado a filete simples preto e preenchido com qua-

tro fiadas policromas e enchimento ocre rosa claro; bordadura em onda policroma com sinusóide

preta; par de linhas quebradas cruzadas, opostas, em filete policromo determinando losangos

castanho amarelado claro ou quadrados de lados direitos em fundo branco e triângulos brancos

(cf. Le Décor, est. 21 d); quadrílobo oblongo formando um oito; xadrez policromo; motivo ondi-

forme constituído por dois “uu” adossados.

Painel B

A Oeste, linha de quadrados denteados pretos com quatro tesselas de lado, não contíguos,

mas ligados uns aos outros através de um filete vermelho acastanhado simples de três ou qua-

tro tesselas (cf. Le Décor, variante da est. 5 a) inserida num rectângulo desenhado a filete duplo

preto (2,13 x 0,17 m). Nos lados maiores do rectângulo foi adossado um outro filete de T não

contíguos constituídos por quatro tesselas vermelhas (a uma distância irregular de sete a oito

tesselas).

Composição ortogonal de cruzes de dois fusos enlaçados, formando uma dupla composi-

ção de círculos secantes que determinam losangos côncavos (cf. Le Décor, est. 246 b).

Cada fuso (73 cm de comprimento) é definido por um filete preto e constituído por ondas

em oposição de cores com sinusóide preta (cf. Le Décor, est. 60 d). A reconstituição permite afir-

mar que o pavimento possuía 4 x 22 fiadas. Os losangos de lados côncavos que ocupam os inter-

valos são delimitados com um filete simples de tesselas pretas e preenchidos a cinzento claro.

Junto à bordadura, os losangos tornam-se triângulos isósceles de lados côncavos.

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A VILLA ROMANA DE RIO MAIOR. ESTUDO DE MOSAICOS

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Painel C

Composição ortogonal de estrelas de oito pontas formadas por dois quadrados de trança de

dois cordões entrelaçados, tangentes por um vértice, deixando entrever uma composição de octó-

gonos adjacentes (cf. Le Décor, est. 177 e). Os cantos externos das estrelas são decorados com

losangos debruados a preto e tratamento policromático e os intervalos preenchidos por qua-

drados com decoração geométrica.

No interior das estrelas foram desenhados octógonos com quadrados inseridos onde se

alternam quadrílobos e nós formados por quatro colchetes fechados entrelaçados. Os quadra-

dos apresentam um motivo geométrico formado por um quadrado de cantos enlaçados com um

coxim entrelaçado. No centro deste motivo foi realizado um quadradinho de lados côncavos, ver-

melho acastanhado ou castanho amarelado, alternando com um quadrílobo. Um dos quadrílo-

bos destaca-se pela sua execução mais cuidada, apresentando um enchimento ocre castanho nos

espaços residuais angulares. Junto à bordadura, os quadrados tornam-se triângulos isósceles

com meios nós de Salomão de igual tratamento cromático.

Painel D1

Faixa branca (27 cm a Sul e 23 cm a Norte).

Filete duplo preto.

Linha formada por três quadrados flanqueados por dois rectângulos erguidos (cf. Le Décor,

variante da est. 18 d). Cada rectângulo foi preenchido com uma pelta erguida, debruada a duplo

filete preto, com enchimento ocre violeta e duas meias luas com o mesmo tratamento cromá-

tico foram colocadas entre o ápice e as extremidades. Nos cantos livres foram encaixados triân-

gulos debruados a filete preto e preenchidos com tesselas ocre violeta e ocre castanho. No cen-

tro é um triângulo de lados côncavos debruado a filete preto com enchimento vermelho acas-

tanhado e ocre violeta. Os quadrados adjacentes apresentam um quadrado sobre o vértice, dese-

nhado a filete duplo preto, seguido de um segundo, a filete simples preto com um quadrílobo

tratado a vermelho acastanhado e ocre violeta.

Painel D2

Faixa branca (16 cm*) muito destruída, com tesselas de maiores dimensões.

Filete duplo preto.

Motivo em concha com vinte e cinco caneluras conservadas, rematadas com meio disco

preto em jeito de cortina, preenchido a cinzento bronze e cinzento metálico. Cada canelura é for-

mada por fiadas em gradação preto, cinzento bronze, cinzento metálico e branco, do centro para

os lados. Na canelura central, onde incide directamente a luz, as sombras convergem para o cen-

tro. Algumas caneluras da metade esquerda da concha apresentam estrias em filete denticulado

(branco e cinzento bronze).

Painel E

Bordadura em trança a Oeste.

Composição mista, num círculo, de uma estrela de dois quadrados (aqui com cantos em

laço), com entrelaçado de bandas policromas (6,5 cm de largura) debruadas a filete preto com

quatro combinações cromáticas [castanho amarelado escuro/ocre castanho; ocre rosa escuro/ter-

racota; cinzento bronze/cinzento metálico; ocre rosa escuro/cinzento bronze] (cf. Le Décor II,

variante da est. 397d).

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PARTE II – OS PAVIMENTOS DA VILLA

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Painel F

Linhas cruzadas de ondas policromos denticuladas [vermelho acastanhado/ocre

violeta/rosa/branco e cinzento metálico/cinzento claro/branco] com sinusóide preta (cf. Le

Décor, variante da est. 60 d).

ComentáriosA composição do painel A é conhecida em opus tessellatum desde os seus primórdios, em

Pompeia, na Casa de M. Lucretius, na sua versão mais simplificada (Blake, 1930, p. 100, est. 29),

registando-se até épocas tardias, nomeadamente nas províncias africanas, onde encontra grande

aceitação. Ao longo dos séculos, o esquema foi tratado de maneiras diferentes, fazendo-se

acompanhar dos mais variados motivos. É com base nas variantes do seu tratamento que se

podem estabelecer cronologias mais ou menos próximas. A. Ovadiah atribui-lhe uma origem

arquitectónica (1980, p. 137), que não podemos deixar de relacionar com a problemática exposta

a propósito da composição de octógonos e quadrados (cf. n.0 15A). Em 1978, antes da publica-

ção do Décor, Henri Lavagne procurou sistematizar os vários subtipos de esquemas de octógo-

nos secantes num pequeno artigo muito interessante (Lavagne, 1978b). Assim, definiu um tipo

A, quando a largura do quadrado apresenta o dobro da do hexágono; um tipo B, quando a lar-

gura do quadrado é idêntica à do hexágono e um tipo C, quando o lado do hexágono é o dobro

do quadrado central (Lavagne, 1978b, p. 8). A cada um dos tipos definidos atribuiu um sentido

cronológico: o tipo A é relativamente raro e os exemplos situam-se maioritariamente em época

alta, não ultrapassando os meados do século III; o tipo B é muito mais frequente em época tar-

dia, nomeadamente em mosaicos do Próximo Oriente e nos pavimentos de época bizantina e

paleocristã; o tipo C é menos frequente do que o tipo B, atestando-se alguns exemplos no Baixo-

-Império (Lavagne, 1978b, p. 8-9). Pois é neste último tipo que podemos integrar o mosaico de

Rio Maior. Os hexágonos predominam sobre os octógonos.

No seu conjunto, são inéditos na Alemanha, Suiça e Inglaterra, com poucos exemplos docu-

mentados em França (cf. Lancha, 1977, n.0 162, fig. 87), mas são relativamente frequentes em Itá-

lia, a partir do Baixo-Império, tendo tido maior aceitação no Norte de África. Foi especialmente

divulgado na Hispânia, sobretudo em épocas mais tardias, quer em ambientes privados, quer nos

religiosos, como confirmaremos em seguida. A Meseta terá sido uma área de destaque, em pin-

tura e mosaico, aplicando-se posteriormente à arte hispano visigoda e inclusivamente à moçárabe

(Regueras Grande, 1991, p. 176). Cronologicamente, a maior incidência de exemplos situa-se entre

o século II e o século IV, com testemunhos que alcançam o século VI (CMRP, I, p. 90).

É sobretudo a partir do século II que começamos a registar os exemplos mais abundantes.

Entre os primeiros contam-se dois pavimentos provenientes de Óstia: Casa dependente de

Serapeum (Becatti, 1961, n.0 286, p. 149, est. XXXIX) e na Insula delle Pareti Gialle (Becatti, 1961,

n.0 228, p. 124-125, est. XXXIX e LXVII).

Pela mesma época conhecem-se muitos exemplos hispânicos tratados de forma muito

depurada. O mosaico de Póvoa de Cós apresenta o esquema na sua versão mais simples, ocu-

pando um pequeno painel rectangular (Moita, 1951, fig. 1; Borges, 1986, n.0 1, p. 4-12, foto 1-5,

est. I-III). Abordaremos a questão da cronologia do mosaico a propósito de outro painel do

mesmo mosaico (cf. n.0 9), pelo que apenas nos importa reforçar a datação aí proposta, ou seja,

os finais do século II e princípios do século III.

Com um desenho simples, a filete duplo, com quadrados preenchidos a cinzento e hexá-

gonos a amarelo, conhecemos um exemplo proveniente da villa de Bobadilla, datado da primeira

metade do século III (Rodríguez, 1988, n.0 3, p. 160-166, Figs. 3 e 4, est. V). O autor do estudo

cita vários locais na costa mediterrânea como paralelos para Bobadilla: Río Verde, Sabinillas, Las

Torres e Torrox (Rodríguez, 1988, p. 164), mas não os data, nem os comenta estilisticamente.

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A VILLA ROMANA DE RIO MAIOR. ESTUDO DE MOSAICOS

Page 62: PARTE II Os pavimentos da villa - com o item anterior, a sua pertinência reside no facto de ... como é o nosso caso, beneficiar da ausência de ... (com largura máxima de 90 ...

Compete-nos apenas, no contexto em apreço, situar grosso modo o conjunto em fins do século

II e princípios do século III, caracterizando-se pelo seu depuramento estético que contrasta com

os seus congéneres do Baixo Império, quer em versões preto e branco, como é o caso de Tor-

rox, quer em versões timidamente coloridas, como é o exemplo de Sabinillas, já da terceira cen-

túria (Posac e Rodríguez, 1979, p. 131, est. I-1), com paralelo estilístico muito próximo em

Uxama (CME, 6, n.0 52 G, p. 54, fig. 5). Na mesma faixa cronológica, conhecem-se outros pavi-

mentos com o mesmo esquema em San Baudilio de Llobregat, Belbimbre, S. Pedro de Alcán-

tara, Balaguer, Marbella, entre outros (Mondelo, 1984-85, p. 121-125).

A introdução do esquema nas províncias do Norte de África fez-se de forma pouco exube-

rante, essencialmente através de composição de simples traçado a filete direito ou denteado,

documentando-se os exemplos mais antigos na Maison du Triomphe de Neptune de Acholla

(Gozlan, 1992, compartimento XXIII, p. 115-118, est. XXX-XXXI) e no corredor A das termas do

tíase marinho no século II (Picard, 1968, p. 100-103, fig. 2). Num esquema desenhado a filete

foram inseridos nos quadrados motivos geométricos e vegetalistas muito leves e nos hexágonos

foram colocados tirsos, no primeiro, e nós de Salomão, no segundo. Conhecem-se vários exem-

plos em Utica desde a primeira metade do século II, na Casa H, numa versão simples traçada

a filete, com quadrados preenchidos com nós de Salomão (CMT, I, 1, n.0 127, p. 110-111, est.

XLIX), ao longo da segunda e terceira centúria (CMT, I, 1, n.0 45, p. 42-43, est. XVIII; n.0 101,

p. 91-92, est. XLIII e XLIV; CMT, I, 2, n.0 224, p. 75-76, est. XLII), até à segunda metade do

século IV (CMT, I, 1, n.0 88, p. 79-80, est. XXXVIII). Também em Thysdrus se conhece desde

a primeira metade da segunda centúria (Foucher, 1960, p. 36, est. XIV; p. 45, est. XVII; Fou-

cher, 1964, p. 8-9, est. VI) e em Thuburbo Majus, desde a segunda metade do século II e mor-

mente na primeira metade da terceira centúria (CMT, II, 3, n.0 69D, 107A, 171, 135, 137 A e B

217A, 221, 304 e 326A).

É a partir de finais da terceira centúria e princípios da quarta que a composição passa a rea-

lizar-se com trança. O exemplo mais próximo é o mosaico encontrado em 1983 na Calle Con-

cordia, em Mérida, desenhado a trança de dois cordões com enchimentos geométricos ao estilo

dos de Rio Maior (Álvarez Martínez, 1990, n.0 7, p. 53-57, est. 24-25). Datado do século IV, apre-

senta uma paleta de cores bastante reduzida e uma densidade de 97 tesselas por dm2. A gra-

mática decorativa do pavimento emeritense, acerca da qual o autor não tece comentários, carac-

teriza-se por elementos geométricos e vegetalistas variados aplicados indiscriminadamente

num caixilho de filete: os quadrados levam nós de Salomão, florões de pétalas fusiformes, cru-

zes, quadrados de lados côncavos e os hexágonos levam motivos vegetais formados por dois

fusos, enchimento de linhas policromas paralelas, linhas quebradas policromas e secções de cír-

culo adossados. O nosso pavimento distingue-se pela perda dos elementos decorativos vegeta-

listas e pela sobrecarga do esquema com molduras secundárias, quer nos quadrados, quer nos

hexágonos, à base de ondas e meandro fraccionado policromos. Possivelmente, serão indícios

de uma época ligeiramente mais tardia.

Pela mesma altura, um dos quatro painéis do mosaico encontrado no oecus da villa de Casa

de los Guardas em Tarazona de la Mancha apresentava também um traçado a trança de fio

duplo, com uma paleta de seis cores (CME, 8, n.0 42, p. 59-60, fig. 18, est. 42 e 44). Com uma

malha de tranças bastante mais densa do que a nossa, este mosaico caracteriza-se pela total

ausência de motivos de enchimento que deixam apenas entrever pequenos quadrados e hexá-

gonos brancos, o fundo suficiente para salientar a malha. Ao contrário de Rio Maior onde a bor-

dadura em trança do tapete corre separadamente da grelha do campo, em Tarazona ela é parte

integrante, acontecendo o mesmo no citado mosaico de Mérida.

De meados do século IV conhecem-se vários paralelos. Destacamos a villa de Rielves, com

quatro pavimentos contemporâneos onde o mesmo esquema foi tratado de formas diferentes:

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PARTE II – OS PAVIMENTOS DA VILLA

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na galeria ocidental B e no compartimento G, desenhado a filete preto (Fernández Castro,

1977-1978, p. 221-122, fig. 11 e 13); no compartimento F pertencente às termas, desenhado a

trança de dois cordões (Fernández Castro, 1977-1978, p. 221, fig. 12), como em Rio Maior, ou

ainda, desenhado a grinalda de loureiro no compartimento H (Fernández Castro, 1977-1978, p.

222, fig. 14). Os motivos de enchimento são repetidos: flores lanceoladas e nós de Salomão.

A mesma oficina que realizou o pavimento G de Rielves trabalhou da mesma forma em Uxama

onde encontramos um mosaico muito semelhante (CME, 6, n.0 52F, p. 54, fig. 5). Com a mesma

cronologia, encontramos um outro exemplo na villa de Navatejera, singular no seu traçado a tri-

plo filete bícromo (CME, 10, n.0 14, p. 29-30, fig. 10, est. 27).

O mosaico do auriga da villa romana de El Val pode incluir-se neste grupo de paralelos,

ainda que se trate de uma variante da composição na qual o quadrado é transformado num

meandro de suástica, não só pelo tratamento do esquema em trança como pela concepção esté-

tica da decoração dos hexágonos (Rascón et al., 1993, p. 312-314, fig. 4-8; cf. XIV.1 a propósito

da sua larga bordadura de peltas). Os enchimentos são de cariz vegetalista, figurado e geomé-

trico, com um especial destaque para a sua diversidade estrutural. Datado de fins do século III-

princípios do século IV (Rascón et al., 1993, p. 329), encontramos alguns motivos comuns nos

hexágonos, nomeadamente os semicírculos adossados ou a malha de losangos policromos.

O pavimento do compartimento Ia de Santervás del Burgo é também a incluir no grupo de

paralelos hispânicos da composição traçada a trança, tratada aqui com decoração à base de

folhas de hera, lótus e florões (CME, 6, n.0 34, p. 40, est. 13).

O nosso pavimento abandonou os elementos vegetalistas e optou pelos elementos entran-

çados, deixou também os tradicionais nós de Salomão e quadrílobos de traçado redondo para os

apresentar com ângulos rectos.

A variante da composição estruturada à base de filete duplo preto com enchimentos de sim-

ples hexágonos policromos e um caixilho preto quadrado simples com quadradinho de lados

direitos preto no centro é também bastante divulgada no círculo oficinal de Navarra/Castela

Velha, na quarta centúria, nomeadamente num corredor da villa de Villafranca (Mesquíriz, 1971,

n.0 3, p. 182, est. XIV; CME, 7, n.0 51, p. 77-79, fig. 12, est. 49 e 60) e num compartimento da

villa de Los Quintanares, com uma cruzeta nos quadrados (CME, 6, n.0 9, p. 24-25, est. 6). Na

Meseta espanhola individualiza-se outra fórmula estética documentada em dois pavimentos,

constituída por hexágonos desenhados a filete denticulado e quadrados decorados com nós de

Salomão ou elementos florais: La Sevillana (Aguilar Sáenz, 1994, n.0 2, p. 287, fig. 5) e Santer-

vás del Burgo (CME, 6, n.0 39, p. 42, est. 15-16). Há ainda a registar o painel de Liédena (CME,

5, n.0 30, p. 51, fig. 5, est. 32).

Especialmente adoptada para grandes espaços, sejam compartimentos, sejam corredores,

é mais rara encontrá-la em absides como é o caso da villa de Las Tamujas, onde um traçado sim-

ples de triplo filete deixa espaços livres para uma decoração repetida de tabula ansata com cruz

interna (CME, 5, n.0 35, p. 47-50, fig. 24).

Os dois exemplos da composição conhecidos na villa de Pisões parecem corresponder a dis-

tintas fases cronológicas. O painel mais antigo, do pequeno átrio com impluvium, é uma sóbria

composição bícroma, onde os quadrados se evidenciam pelas suas dimensões, decorados com

peltas, quadrados de lados côncavos, nós de Salomão e quatro folhas (Costa, 1988, p. 102,

fig. 4). A datação proposta por M. Costa é adequada às características estilísticas já conhecidas

na Península Ibérica, mormente na área mediterrânea como vimos atrás, ou seja, o século II

(1988, p. 120). O segundo pavimento da casa, tratado em policromia, pertence ao longo corre-

dor com sentido Norte-Sul, em conjunto com um outro painel cujas semelhanças com o nosso

n.0 15A teremos ocasião de esclarecer. Trata-se de um painel de estrutura simples, onde se evi-

denciam os hexágonos pelas suas dimensões, com uma decoração depurada à base de quadra-

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A VILLA ROMANA DE RIO MAIOR. ESTUDO DE MOSAICOS

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dos e hexágonos oblongos policromos denteados (Costa, 1988, painel A, p. 104-105, fig. 7), em

nada próxima do nosso mosaico, mas que documenta a presença do esquema no século IV, con-

trariamente ao que pensa a autora do seu estudo que situa nos princípios do século III (cf. Costa,

1988, p. 121; cf. comentários pertinentes acerca da datação no n.0 15A).

A propósito dos exemplos da Casa dos Repuxos, Bairrão Oleiro citava ainda um outro pavi-

mento com idêntico esquema, em Conímbriga, no triclinium da Casa das Suásticas (CMRP, I,

p. 90). Trata-se, de facto, de um painel geométrico em U, constituído por uma composição dese-

nhada a filete triplo denteado com quadrados desenhados a filete duplo preto com suásticas,

datado de fins do século III — princípios do século IV, data da construção da muralha que obri-

gou ao abandono da domus.

Entre os exemplos mais tardios conta-se certamente o mosaico de Requejo, datado de fins

do século IV a meados do século V (Regueras Grande, 1991b, p. 176, fig. 2).

O mosaico gaulês de Migennes, datado do terceiro quartel do século V (Bassier et al.,

1981, p. 143), constitui um exemplo particularmente interessante da tendência artística que se

acentua a partir da quinta centúria, de cuja fase inicial o nosso pavimento pode ser expressão.

Os pontos comuns situam-se no tratamento decorativo em linhas quebradas cruzadas, nos

losangos inseridos em hexágonos oblongos, nos semicírculos adossados aos hexágonos, assim

como na singularidade dos vários elementos tratados. Evidencia-se uma nítida vontade de que-

brar com a ordem racional herdada dos modelos clássicos. As figuras embutidas perdem a pro-

porção e a correspondência geométrica, as curvas tomam contam dos espaços rectilíneos e

abandonam-se progressivamente os padrões decorativos tradicionais de larga divulgação, subver-

tidos em criações autónomas e originais24. O mosaico de Rio Maior situa-se precisamente nessa

fase de transição. O mosaico de Souzy la Briche obedece à mesma tendência estética de Migen-

nes (Blanchet, 1909, n.0 921, p. 51; Recueil, II, 3, p. 125, est. XCV-XCVII).

Podemos afirmar que se trata de um verdadeiro catálogo de motivos, alguns deles em voga

desde o século IV até à Idade Média, outros criações originais sem paralelos conhecidos.

Com especial expressão artísticas nas regiões do Mediterrâneo oriental, o nó de longos col-

chetes entrelaçado com quadrado de cantos enlaçados é especialmente frequente nos mosaicos

do Oriente (CMG, I, n.0 16, est. 13; Sansoni, 1998, p. 88). Os exemplos de nó de Salomão com

colchetes rectos (cf. Sansoni, 1998, p. 29) são tardios, registando-se sobretudo a partir de finais

do século III, com especial incidência no século IV. Foram um pequeno motivo de enchimento

utilizado para preencher todo o tipo de figuras geométricas (quadrados, octógonos, losangos, cír-

culos,...) mas também para colmatar espaços residuais nas composições, coexistindo com o tra-

dicional nó de Salomão curvo. Quase todos os exemplos hispânicos datam do século IV: Alme-

nara de Adaja, em dois pavimentos, ocupando respectivamente losangos e octógonos (CME, 11,

n.0 12, p. 27-28, lám. 31 e n.0 14, p. 29, lám. 11); em Olivar del Centeno também em dois pavi-

mentos, em octógonos no compartimento I e num quadrado do compartimento II (García-Hoz

et al., 1991, p. 396, fig. 3 e 8; p. 399, fig. 4 respectivamente). Da primeira metade do século IV

pode citar-se um mosaico da villa de Los Castillejos de Magán (Menéndez et al., 1985, p. 206-212,

fig. 4). De meados da centúria data o pavimento do compartimento 10 de La Malena com nós nos

espaços residuais da composição de círculos adjacentes (Royo Guillén, 1992, fig. 5), da sua

segunda metade, o mosaico das cráteras da villa de Prado cuja bordadura possui este tipo de nós

nos círculos (CME, 11, n.0 22, p. 53-56, lám. 20-21 e 39) e nos círculos da bordadura de outro pavi-

mento da mesma villa (Torres Carro, 1988, n.0 4, est. III-1 e X-1).

Os pares de linhas quebradas cruzadas não são inéditas em bordaduras, documentando-

-se em mosaicos de Liédena (CME, 7, n.0 26, p. 49-50, est. 30 e n.0 27, p. 50, est. 31), mas a sua

versão miniaturizada como elemento de enchimento é mais rara, destacando-se a sua presença

num dos hexágonos do supracitado mosaico de Migennes (Bassier et al., 1980, fig. 5).

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PARTE II – OS PAVIMENTOS DA VILLA

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Quanto às ondas policromas que desenham os hexágonos oblongos, tratam-se de uma

miniturização do motivo usado no painel B, cuja análise se segue. Conhecem-se bordaduras de

ondas em quadrados de composições de superfície como aconteceu em Alcázar de San Juan no

século IV (CME, 5, n.0 21, p. 27, fig. 17, est. 13 e 45) ou na villa de Las Tamujas (CME, 5, n.0 33,

p. 47, fig. 22), muito provavelmente pelas mãos dos mesmos artesãos. Aplicada em bordaduras

de círculos, documenta-se em Talavera de la Reina (CME, 5, n.0 31, p. 43-46, fig. 21, est. 35). Pelos

exemplos em apreço, trata-se de uma opção corrente entre os mosaístas do vale do Tejo.

A composição do painel B não é inédita no edifício de Rio Maior (cf. n.0 1A), apresentando-

se porém com algumas variantes no tratamento que poderão ligar-se a um círculo artístico ligei-

ramente mais tardio. As cruzes são de menores dimensões, mais fechadas, formando um ele-

mento que mais se aproxima ao nó de Salomão fuselado. O espaço residual dos braços das cru-

zes desapareceu e o centro reduziu-se. Assistimos, pois, a uma nova concepção estética, mar-

cada ainda pelo tratamento da moldura, aqui em onda. A paleta aclarou-se para tons pastel. Esti-

listicamente, parece enquadrar-se numa corrente em voga no Próximo Oriente em épocas tar-

dias. É muito comum nos pavimentos sírios e palestinos, documentando-se também nos Cár-

patos, na Basílica de Santo Anastácio, e ainda na Grécia (Blázquez Martínez et al., 1995-97,

p. 88). A sua evolução analisou-se a propósito no mosaico n.0 1A, sendo no entanto pertinente

citar o pavimento da villa de Silin, datado dos séculos II-III, pelo pioneirismo do seu estilo.

O esquema enquadra o painel de Licurgo e caracteriza-se por uma composição ortogonal de

pequenos nós de Salomão fuselados totalmente brancos que se destacam num fundo vermelho

(Al Mahjub, 1983, p. 73, est. XXIVa, 1984, p. 302-303, fig. 9). Este pavimento líbio poderá ter

sido um dos primeiros a apresentar a composição. No primeiro quartel do século IV, docu-

mentam-se dois mosaicos expostos no Museu de Damasco e provenientes de Shahba-Philip-

pópolis: mosaico de Euteknia, Dikaiosine e Filosofia e o mosaico de Dionísio (Blázquez Martí-

nez, 1993a, p. 571, 573-574).

Como acontece em tantos outros casos, a origem do motivo em onda e sucessivo desen-

volvimento parecem ainda pouco claros. A hipótese de Ovadiah que a considera derivada dos têx-

teis (1980, B1, p. 109) carece de comprovação séria, ao contrário da derivação das cintas ondu-

ladas dos modelos pictóricos helenísticos, que tem provado ser mais consentânea (Fernández-

-Galiano, 1984, p. 131). O efeito plástico em relevo, obtido através de efeitos cromáticos variados,

ter-se-á mantido nos modelos pictóricos musivos romanos, tendo daí derivado o nosso exemplar,

depurado e sem profundidade. O efeito que produz e a sua ordinatio é indissociável do motivo

linear em cálices alternadamente opostos (cf. n.0 3C).

Assim, numa fase inicial, a adopção do motivo em onda por parte dos mosaístas romanos

itálicos submeteu-se às restrições impostas pela bicromia, convertendo-se num tema pura-

mente geométrico, despido dos belos efeitos ondulantes que a plasticidade pictórica policro-

mática lhe conferia. Conhecem-se exemplares deste tipo em Roma desde os Antoninos, nomea-

damente em Santa Trinitá de Pellegrini (Blake, 1930, p. 170, est. 39.3; Germain, 1971, p. 157-158,

fig. 3; Le Décor, est. 60a) e, no século III, ainda se continuava a executar em bicromia como com-

prova o edifício perto da basílica de Junius Bassus, no Esquilino (Blake, 1936, p. 88, est. 15, 1-4).

A partir do século II, esta versão itálica muito simples expande-se para a Panónia, onde a

conhecemos no Palácio do Governador de Aquincum (Kiss, 1973, fig. 5) e para a Hispânia,

nomeadamente em Mérida, quer na Casa del Mitreo, emoldurando uma malha de hexágonos

(CME, 1, p. 38-39, n.0 18, lám. 40), quer em Huerta de Otero, num dos rectângulos da compo-

sição datada de fins do século II, princípios do século III (CME, 1, p. 49, n.0 57, fig. 10, lám. 88b).

Por esta altura, outras regiões a adoptavam na versão policromática. Um dos primeiros exem-

plos africanos com o motivo, usado em bordadura no medalhão central, com sinusóide branca,

é o um pavimento de Thysdrus, datado da época de Adriano (Poinssot, 1965, p. 228, fig. 24).

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A VILLA ROMANA DE RIO MAIOR. ESTUDO DE MOSAICOS

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No século II-III, executa-se em pavimentos de Cartago (Ben Osman, 1981, n.0 184, p. 421-422).

As oficinas vienenses também foram pioneiras na realização do motivo, em molduras. É o caso

do medalhão com cabeça de Oceano da Rue des Colonnes, datado da segunda metade do século

II (Recueil, III, 2, n.0 277, p. 83-84, est. XXIXb, c e XXX). Pela temática do mosaico, não é de afas-

tar a possibilidade de contactos com as províncias africanas. Em fins do século II, encontramo-

lo no medalhão de Orfeu do Champs de Mars, numa versão cromática mais ousada (Recueil, III,

2, n.0 282, p. 89-93, est. XXXIVa e b – XXXVII). Em fins do século II-princípios do século III e

encontramos em Nea Paphos uma bordadura policromática, simples, no mosaico do Pavão da

Casa de Dionisio (Michaelides, 1992, n.0 9, p. 25-26).

Na Itália mantinha-se ainda o modelo tradicional testemunhado na bordadura da compo-

sição da Domus Fulminata de Óstia, datada da primeira metade da terceira centúria (Becatti,

1961, n.0 205-206, p. 108-109, lám. XXXVII-XXXVIII). Podemos seguir o percurso deste modelo

até época tardia em Mérida. Além dos exemplos supracitados, conhecem-se três mosaicos de pro-

veniências diferentes: do século III, uma bordadura de um painel geométrico, em preto e ver-

melho, depositado na Alcazaba (CME, 1, n.0 8, p. 30, lám. 41); de finais dessa centúria a princí-

pios da seguinte, data o mosaico dos peixes da Casa del Anfiteatro, cujas estrelas de oito pontas

possuem medalhões com moldura a preto e branco em oposição (CME, 1, n.0 31, p. 60-61, est.

57 e 92) e da quarta centúria uma bordadura de um mosaico figurado, proveniente da Avenida

de Extremadura, tratado a cinzento-escuro e branco (Alvarez Martínez, 1990, n.0 16, p. 93-98,

fig. 9, est. 46-47). A diversidade das oficinas que trabalharam em Mérida, locais ou estrangei-

ras, reflectem as mais variadas influências por vezes dificilmente identificáveis. Ao peso da

moda, há que acrescentar o gosto e as possibilidades económicas do encomendante que ditarão

certamente uma tendência estética mais clássica ou mais barroca, no sentido mais genérico dos

termos. Com efeito, o mosaico proveniente da Calle Holguín e exposto no Museo de Arte Romano,

datado de meados do século IV, apresenta características que apontam para a dita tendência bar-

roca, se nos é permitida a expressão neste contexto, de marcada influência africana. Trata-se da

bordadura do painel com uma quadriga, tratada em tons dégradê castanho e verde em oposição,

com uma sinusóide branca, cuja linearidade geométrica procurou ser quebrada através da rea-

lização de dentículos na transição do dégradê e através da introdução de pequenas flores-de-lis

na base das ondas em ambos lados (Álvarez Martínez, 1990, n.0 44, fragmento 1, p. 79-91), con-

trastando com as produções clássicas existentes na cidade. É possível que este mosaico tenha

sido realizado por uma oficina estrangeira, quiçá oriunda das províncias meridionais, uma vez

que este tipo de tratamento aí teve a sua origem. De facto, bastante rara nas regiões setentrio-

nais, a linha de ondas divulgou-se nas províncias africanas e orientais, que enriqueceram o

modelo itálico com tesselas de cores e pequenos elementos geométricos e vegetais.

É deste contexto que deriva o nosso exemplar, de desenho simples e belo efeito cromático.

A partir da primeira metade do século III aumentam os primeiros paralelos africanos.

Aí se inclui a soleira do oecus sobre o pórtico da Maison des Lutteurs de Utica, emoldurando um

painel com um atleta, com uma sinusóide preta (CMT, I, 3, n.0 246, p. 2, est. II), os mosaicos

de Ulisses na Maison de Dionysos et d’Ulysses de Dougga (Poinssot, 1983, p. 46-47; Yacoub, 1993,

p. 183-184, fig. 160-161; Blanchard-Lemée et al., 1995, p. 119, fig. 74; p. 140, fig. 98; p. 244-245,

fig. 185) e o mosaico em T com duas cráteras proveniente de Oudna, também exposto no Museu

do Bardo (Yacoub, 1993, p. 261-262, fig. 191). No limiar da centúria, continua a ser executado

em Cartago (Ben Osman, 1981, n.0 64, p. 209 e n.0 78, p. 232-233).

Os exemplos mais próximos do nosso mosaico situam-se nos fins do século IV, no Norte

de África, com particular destaque para Bulla Regia e Cartago. Os cinco mosaicos conhecidos

em Bulla Regia formam um grupo homogéneo de ondas policromáticas (salienta-se o uso do ver-

melho e amarelo e em menor grau do castanho e verde) com sinusóide branca: na Insula da Casa

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PARTE II – OS PAVIMENTOS DA VILLA

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n.0 1 — Casa Sul, em quatro mosaicos, quer como bordadura do campo, quer como moldura de

elementos geométricos (Hanoune, 1980, n.0 3, p. 9, fig. 17; n.0 11, p. 13, fig. 44; n.0 13, p. 13-14,

fig. 50; n.0 15, p. 10, fig. 24) e painel frente ao triclinium da Casa n.0 3 (Hanoune, 1980, n.0 10,

p. 40, fig. 87-88). Em Cartago, encontra-se num fragmento de mosaico proveniente das Termas

de Antonino e no vestíbulo da Maison d’Ariane, com uma sinusóide preta (Ben Osman, 1981,

n.0 43, p. 114). As oficinas da cidade revelaram uma certa predilecção pela linha de ondas até épo-

cas tardias, pois ainda a encontramos na primeira metade do século V na basílica de Dermech

(CMT, IV, 1, n.0 138, p. 121-122, est. XLVI).

Este tipo de onda adaptou-se não só aos espaços domésticos, mas serviu também de mol-

dura a algumas tampas sepulcrais cristãs africanas. Dois casos são conhecidos em Puput, no epi-

táfio de Donata, numa variante com dentículos horizontais (Le Décor, est. 60 f) e no de Primia-

nus e sua filha Restituta (Ben Khader e Duval, 1997, n.0 5, fig. 5 e n.0 14, fig. 15, respectivamente),

mas não são únicos pois há ainda a registar os epitáfios de Demna e Furno Munus, no Museu

do Bardo, e um exemplo em Lempta (Ben Khader e Duval, 1997, fig. 22c), 25a) e 25d) respecti-

vamente).

São relativamente escassos os exemplos deste motivo no território actualmente português.

As características estilísticas do modelo da villa de Rabaçal são singulares: de um lado e de outro

de uma sinusóide preta, em fundo branco, a onda foi preenchida a metade com cores vivas (ver-

melho, laranja, ocre e amarelo) e no restante espaço foram colocadas duas folhinhas fusiformes

em tons cinza (Pessoa, 1998, lám. 10 e 13). O único paralelo que encontrámos para esta variante

é uma pintura da Aula/Basílica de Tróia, datada de fins do século IV, onde a moldura de uma com-

posição de octógonos e quadrados adjacentes foi realizada de forma semelhante à do Rabaçal,

ainda que mais geométricas (Maciel, 1995, p. 119). Numa das absides da villa de Monte do Meio,

datada do Baixo-Império, A. Viana registou um mosaico com uma bordadura de ondas policro-

mas (Viana, 1954, p. 15-16, est. IV, 35) e num fragmento da villa de S. Pedro de Caldelas podemos

ver uma onda branco/ocre ou branco/verde, com sinusóide preta (Batata, 1997, p. 178).

A sua variante com dentículos, aplicada no painel F, não documentada pelo Décor,

implanta-se fortemente a partir do século IV nas províncias ocidentais, com uma especial inci-

dência na segunda metade na província da Aquitânia. Para Norte, a sua presença é rara, apenas

com um exemplo em Treveris, na primeira metade do século IV (Parlasca, 1959, p. 54, est. 52,

2-3; Hoffmann et al., 1999, n.0 169, p. 174, est. 105) e nenhum na Britânia (cf. Neal, 1981), por

exemplo. A origem remonta a Adriano, como documenta a Maison des Laberii de Oudna (Dun-

babin, 1978, p. 60-61, est. XIX 44), divulgando-se com os Antoninos (cf. Guislanzoni, 1962,

p. 62-65, 91-92, fig. 19). Tendo em conta a evolução geográfica e cronológica apresentada para

a linha de ondas simples, talvez possamos considerá-la derivação, tendo os mosaístas procurado

imprimir um certo efeito de profundidade ao modelo inicial. Esta variante parece implantar-se

mais tardiamente, não anulando o seu modelo, e é também nas províncias africanas que encon-

tramos os melhores exemplos.

Encontra-se nas Termas de Djebel Oust, na bordaduras dos medalhões circulares, atri-

buídos ao primeiro quartel do século IV (Fendri, 1965, p. 163, fig. 5) e na bordadura de octógonos

de lados côncavos, de meados da mesma centúria (Fendri, 1965, fig. 6) e ainda nos semicírcu-

los da linha de remate da composição do corredor 28b, datado do segundo quartel do século IV

(Fendri, 1965, p. 167, fig. 13). A propósito destes pavimentos, o autor procurou estabelecer

uma evolução cronológica do motivo em onda (Fendri, 1965, p. 169, fig. 17). É difícil sustentar

uma evolução tão nítida quanto aquela que ele nos apresenta e que, em suma, parte da linha de

ondas denticuladas para a sua progressiva decomposição, manifestada pelo desaparecimento dos

dentículos e inclusão de cálices. Ora, se esta evolução aconteceu em Djebel Oust, é difícil

transpô-la para outros locais com alguma segurança. Em Rio Maior, coexistem os dois tipos de

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A VILLA ROMANA DE RIO MAIOR. ESTUDO DE MOSAICOS

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tratamento da linha de ondas e a linha de cálices, sendo talvez esta última mais antiga. Merece

ainda destaque a sua presença na Maison de la Chasse, em Utica, na segunda metade do século

IV (CMT, I, 1, n.0 87, p. 78-79, est. XXXI-XXXIV).

Em Cartago, onde vimos a predilecção por linhas de ondas simples, também se executaram

com dentículos na Maison du Triconque, na primeira metade do século V, com sinusóide branca

em fundo preto (CMT, IV, 1, n.0 95, p. 67-68, est. XXXII), assim como na Maison du Péristyle de

Puput (Ben Abed, 1982, p. 61, est. XLII). Tendo em conta as afinidades artísticas entre a Sicília e

o Norte de África (cf. Wilson, 1982), não se estranha a sua presença na villa de Piazza Armerina

durante a época constantiniana (Carandini et al., 1982, n.0 55, p. 191-192, fig. 102, est. XXVI, 55).

As produções aquitanas representam uma referência de realce. São quatro os exemplos na

villa de Saint Sever, em bordadura de campo ou moldura de elementos geométricos (Recueil, IV,

2, n.0 208 c), p. 75-78, lám. XXVI, XXXa, XXXII; n.0 209 a), p. 79-81, p. XXX, XXXI, XXXIII,

XXXIV; n.0 216, p. 92-94 e n.0 218 b, p. 95-97, lám. LI-LIII, este último datado do século V).

Na villa de Géou são dois os exemplos, datados de 350 (Recueil, IV, 2, n.0 245 b, p. 121-122, lám.

LXXII e LXXIII e n.0 247, p. 123-124, p. LXXIV e LXXV). Na villa de Séviac são conhecidos outros

dois mosaicos com ondas (Recueil, IV, 2, n.0 285 a, p. 153-155, lám. XCII — XCIV e n.0 286 c,

p. 157-160, p. XCII a, XCIX e CXXW) e, finalmente, em Gée-Riviêre (Recueil, IV, 2, n.0 260,

p. 139-140, não ilustrado). Datados de meados do século IV, dois painéis do mosaico do frigi-

darium de Aquileia apresentam este tipo de linha de ondas: na moldura do quadro com uma taça

com ramo de palma do painel oeste e na moldura de um quadro com atleta no painel meridio-

nal (Lopreato, 1994, est. XLIV-2, p. 92-93 e est. XLIX-1, p. 96). No mesmo mosaico, no seu pai-

nel setentrional, encontramos outro tipo de onda, mais próxima da fita naturalista (Lopreato,

1994, est. XLVII) que demonstra a coexistência dos vários modelos, contrariando a ideia da evo-

lução para formas simples e sem movimento.

Das várias composições a que as estrelas de dois quadrados entrelaçados podem dar origem

(cf. Le Décor, est. 177 d) a 178 c), cabe-nos comentar um esquema em particular, constituído por

estrelas tangentes por um vértice deixando entrever uma composição de octógonos e quadrados

adjacentes (Le Décor, est. 177 e). Não se trata do esquema de estrelas mais conhecido no vasto

Império Romano, ao contrário do Décor, est. 178 b, com estrelas tangentes por dois vértices, cujos

exemplos são numerosos25, mas de um tipo bem definido e delimitado geográfica e cronologi-

camente. De facto, encontrámos paralelos próximos em círculos regionais bastante restritos da

províncias da África (Cartago, na Proconsular; Icosium/Djemila, na Mauritania Cesariana), na

Sicília (Agrigento/Piazza Armerina) e na Hispania (Saragoça/Rio Maior), não se registando nou-

tras províncias do Império.

A origem da composição remonta ao século I em Aquileia onde estrelas e quadrados são deco-

rados com leves florões (Blake, 1930, p. 134, est. 31), mas é nos século II e III que encontra alguma

adesão por parte das oficinas ocidentais, ainda que se tratem de variantes. Temos em mente o

mosaico com figuras báquicas do Museo Arqueológico Provincial de Sevilha, cuja particularidade

reside no traçado do esquema octogonal, em trança, assim como na sobreposição dos dois qua-

drados que formam a estrela (CME, 2, n.0 3, p. 27-28, est. 11-13). A datação proposta para a segunda

metade do século II, princípios do século III (CME, 2, p. 27-28), antecipa-o ao mosaico dionisíaco

de Colónia, datado de 220 (Parlasca, 1959, p. 78, est. LXVI), com grandes afinidades estilísticas.

Este parece ser o gosto dominante para tratar esta composição nas regiões setentrionais do Impé-

rio, como foi também o caso da Corinian Saltire School que laborou em Londinium e Kenchester

no século IV (Smith, 1984, p. 363, 368-369), bem como a oficina que executou o mosaico das Esta-

ções da villa de Bignor, por volta de 300 (Johnson, 1984, p. 407-408, est. 5-6). Esta variante parti-

cular, não registada no Décor, filia-se directamente na oficina que produziu o mosaico de Colónia.

Porém, é nas oficinas africanas que encontramos o modelo mais próximo para Rio Maior.

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PARTE II – OS PAVIMENTOS DA VILLA

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De Icosium, conhece-se um desenho completo de um mosaico do qual restam apenas frag-

mentos no Musée des Antiquités et d’Art Musulman cujas estrelas estão decoradas com medalhões

de cortina e o interior com quadrado com um pequeno elemento geométrico (Le Glay, 1968,

fig. 30). Datado de finais do século III, princípios do IV (Le Glay, 1968, p. 45), a variante reen-

contra-se na Casa Casa della Gazzela em Agrigento na Sicília (Boeselager, 1983, p. 135-136, est.

XLIV), com os mesmos medalhões em cortina. A composição siciliana individualiza-se, não só

pela sobrecarga de molduras trança nos quadrados, linhas denteadas nos losangos, como pelo

tipo de florões que apresenta. Em princípios do século III, já se conhece em Thuburbo Majus,

na Maison des Palmes, com estrelas de oito losangos em vez dos quadrados sobre o vértice, mas

com grandes semelhanças ao nível da cortina que preenche o interior da estrela (CMT, II, 1,

n.0 95, p. 122, fig. 6, est. XLVI).

Em Piazza Armerina reencontramos o esquema numa composição caracterizada por varia-

dos motivos de enchimento nos medalhões octogonais definidos pelas estrelas (Carandini et al.,

1982, n.0 47, est. XX) cujo modelo próximo de Agrigento não lhe foi alheio. Datado da época

constantiniana, vem reforçar a circunscrição regional onde se movimentou este esquema.

O medalhão circular em onda com um pequeno elemento floral interno não é novidade na época,

pois identificámo-lo em princípios do século III numa estrela de dois quadrados entrelaçados

em Thuburbo Majus, na Maison du Cratère (CMT, II, 1, n.0 53, p. 67-68, est. XXVII).

Com base nalguns dos pequenos motivos de enchimento, tais como a bordadura do pavi-

mento em cálices de lótus, a roda dupla em dentes de serra, o nó de Salomão afuselado, o qua-

drado com coxim entrelaçado e o florão quadrilobado composto, R. Hanoune propõe os meados

do século IV para situar o pavimento da Maison de la Course de Char de Cartago (1969, p. 234).

Poderia ainda ter mencionado o tratamento dos losangos dos espaços residuais formados a par-

tir de quatro paralelogramos que reforçam a cronologia proposta. O carácter vegetalista mais

acentuado liga-o de forma inconfundível às escolas africanas. Em Rio Maior, os florões desa-

parecem para dar lugar a figuras geométricas entrelaçadas, mais tardias, das quais o nó de col-

chetes procura dar uma longínqua reminiscência.

Encontraremos o mesmo tipo de tratamento nos losangos e nos quadrados no mosaico da

basílica Norte de Djemila (Gui et al., 1992, n.0 27-1, p. 94-96, est. LXVII).

Da fusão destas duas correntes artísticas terá nascido o mosaico do Oratório Fondo Cal de

Aquileia, datado do século IV (Brusin e Zovatto, 1957, p. 211-225, fig. 92 e 92a). Por um lado,

apresenta um esquema com quadrados direitos entre as estrelas, ao gosto das oficinas germano-

-britânicas e, por outro lado, acusa tendências meridionais na combinação de quadrados em

trança com quadrados em ondas nas estrelas. Aproxima-se de Rio Maior pelos elementos deco-

rativos de enchimento: o nó de quatro colchetes e os quadrados entrelaçados com coxim. A deco-

ração em linhas quebradas também não é estranha em Rio Maior (cf. n.0 6), nem os florões de

lis (cf. n.0 2A, 10, 15A). A gramática figurativa atesta a função religiosa do espaço. É uma deco-

ração muito semelhante que orna o interior das estrelas do esquema de Artieda de Aragón

(Osset, 1965, p. 99-106, fig. 1-15; Fernández-Galiano, 1987, n.0 20, p. 30-32, est. XI-XII), asso-

ciando afinidades estilísticas com o círculo artístico cartaginês nos medalhões circulares em cabo

e no tratamento dos losangos.

Os três motivos decorativos secundários que preenchem os espaços residuais da compo-

sição — o quadrílobo, o quadrado com coxim entrelaçado e o nó de colchetes entrelaçados —

constituem elementos essenciais susceptíveis de aferir a datação de um esquema com um largo

período de vigência.

Acerca do quadrílobo já tecemos alguns comentários a propósito da sua presença no

mosaico n.0 3A. Recordamos a sua emergência a partir do século IV, com numerosos exemplos

registados na Hispânia. Do ponto de vista estilístico, há diferenças notórias entre estes dois qua-

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A VILLA ROMANA DE RIO MAIOR. ESTUDO DE MOSAICOS

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drílobos de Rio Maior, não só ao nível do tratamento cromático como também na qualidade de

execução, mais desajeitada no mosaico do peristilo. É evidente que estamos perante dois mosaís-

tas diferentes e certamente duas oficinas distintas. Quanto ao coxim entrelaçado com qua-

drado, já tivemos também oportunidade de o analisar a propósito do mosaico n.0 5, na sua

variante com quadrado direito. Aqui, os cantos enlaçados do quadrado fazem recordar os múl-

tiplos exemplos conhecidos nas províncias orientais do Império desde o século IV. É o caso de

Constantinopla onde nos surge num pavimento datado de fins do século IV e princípios do

século V (Salies, 1994, est. CIV).

O nó de colchetes entrelaçados formando uma roseta geométrica, a que os italianos cha-

mam girandola e os franceses noeud d’entrelacs, não se documenta antes do século III na sua

variante com três colchetes entrelaçados: em Sousse, numa soleira da Maison des Masques de

época severiana (Foucher, 1965, p. 11-12, fig. 12), em Saint-Romain-en-Gal na faixa de alonga-

mento do mosaico com Baco, com uma composição em favo de hexágonos, datado do primeiro

quartel do século III (Baratte, 1978, p. 23-24, fig. 12; Recueil, III, 2, n.0 367, p. 204-208, est. CV-

CVII) e num ninfeu em Nora, datado da primeira metade do século III (Angiolillo, 1981, n.0 9,

p. 17-18, est. XXI). Poderíamos ainda integrar neste grupo um mosaico de Thaenae, pertencente

às Thermes des Mois, onde o motivo surge nos círculos da composição (Jeddi, 1990, n.0 2, p. 225-

242, est. LIVb). A sua origem situa-se certamente nesta área ocidental do Império.

É porém na transição para o século IV que surgem os paralelos mais próximos com qua-

tro colchetes. Na villa itálica de Desenzano encontrá-los-emos em três pavimentos — na sala

octogonal A, no painel setentrional da ala oriental do espaço C e na abside oriental do compar-

timento G (Guislanzoni, 1962, p. 53, p. 55-59, fig. 10; p. 66-69, fig. 14, est. II; p. 119-120, est.

XV, respectivamente).

Nas províncias africanas são também muito numerosos os exemplos. Assim, nos princí-

pios da quarta centúria encontramo-los, por exemplo, em Nabeul numa composição em nó de

Hércules da Maison des Nymphes, datado de época posterior a 316/317 (Darmon, 1980, n.0 10,

p. 45-54, est. XIII-XIV1). Em Oudna, na Maison d’Ikarios (também conhecida como dos Laberii),

está inscrito num losango da soleira do compartimento 27 (Ben Mansour, 1996, p. 121).

Na Hispania, os exemplos datam da segunda metade do século IV: na villa de Algorós, no

painel superior esquerdo do seu compartimento F e no seu impluvium (Mondelo, 1985, n.0 6,

p. 125-133, fig. 8 e n.0 9, p. 135-140, fig. 11, respectivamente); em Puente de la Olmilla, nas bor-

daduras compartimentos 1 e 2 (Puig e Montanya, 1975, p. 134-135, fig. 2 e 3, respectivamente;

CME, 5, n.0 23, p. 28-29, est. 19 e n.0 24, p. 29-30, fig. 20, est. 14-15, 45) nos quadrados das com-

posições do corredor n.0 11 e da ala do peristilo n.0 10 (García Bueno, 1994, p. 99-102, fig. 3 e

p. 102-104, fig. 426); nos fragmentos de um mosaico de Los Ciprestes (CME, 4, n.0 85, p. 78-79,

fig. 25, est. 37; Ramallo Asensio, 1985, n.0 108, p. 128-132, est. LXXI27); num fragmento de Cas-

tilleja del Campo (CME, 4, n.0 27, p. 37, fig. 4).

É também conhecido entre as oficinas aquitanas da Antiguidade tardia, podendo citar-se

Valentine em finais do século IV (Recueil, IV, 1, n.0 54, p. 63-66, est. XV), a villa de Saint-Sever,

datada do século V (Recueil, IV, 2, n.0 220C, p. 100-101, est. LVII a LIX) e o mosaico encontrado

na rua Pas-Saint-Georges em Bordéus (Balmelle, 1990, est. 2, 1996, fig. 14a).

O seu uso perdura até épocas bastante tardias, nomeadamente no Norte de África, pois

encontramo-lo nas termas de Djebel Oust no centro de um quadrado em fundo branco, na

segunda metade do século VI (Fendri, 1965, p. 167, est. 14). A sua presença é também conhecida

no painel geométrico do mosaico de Martim Gil (Borges, 1986, vol. I, fig. 7, p. 171, vol. II, est. 11).

A concha que decora a abside colocada no topo da ala norte do peristilo parece-nos uma ten-

tativa, grosseira, de imitar a grande abside (n.0 2B). De facto, tendo perdido todo o seu natura-

lismo, transformou-se num execução profundamente geométrica, com raios sem volume, nem

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PARTE II – OS PAVIMENTOS DA VILLA

Page 71: PARTE II Os pavimentos da villa - com o item anterior, a sua pertinência reside no facto de ... como é o nosso caso, beneficiar da ausência de ... (com largura máxima de 90 ...

cromatismo, aproximando-se de exemplares como o de Timgad, do frigidarium a Norte do Capi-

tólio (Germain, 1969, n.0 173 e 174, p. 115-116, est. II e LVIII) pela fraca execução técnica, com

destaque para a semelhança na realização de caneluras em dentículos.

Quanto ao mosaico da soleira, filia-se num esquema documentado na Itália desde a pri-

meira metade do século II e conhecido também em África durante o século III, aplicados com

as mesmas funções arquitectónicas: em Óstia, na Insule delle Muse, em 130 d.C. (Becatti, 1961,

n.0 255, p. 130, est. XXX) e na Domus Accanto Serapeo, de 127 d.C. (Becatti, 1961, n.0 283, p. 144-

-149, est. CIII-CIV, CCXII-CCXIII); em Utica, na Maison de la Cascade, na última metade do

século II, princípios do século III (CMT, I, 1, n.0 50B, p. 46, est. XXII) e na Maison d’Ulysses, em

meados do século III (CMT, I, 3, n.0 254, p. 5-6, est. III). Conhece-se na terceira centúria em

St.0 André de Almoçageme, numa variante onde o losango é substituído por um quadrado

sobre o vértice, colocada na banda divisória entre os corredores A e B (Pinto, 1997, n.0 19.1,

p. 94-98, est. XXIV).

Os quadrílobos já foram analisados a propósito do mosaico n.0 3A e do painel A deste

número.

O painel E consiste na única composição centrada conhecida até ao momento em Rio

Maior. As suas características estilísticas apontam para uma corrente estética tardia, muito fre-

quente na área oriental do Império, como teremos já ocasião de demonstrar.

Chamando-lhes nodeus gratuits ou knots for nothing, P. Doncel-Voute (1993, p. 218) carac-

teriza na perfeição este estilo decorativo onde se recorre profusamente aos cabos entrelaçados.

As composições centradas constituídas por cabos enlaçados e entrelaçados encontram-se com

muita frequência entre os século V e VII nos edifícios de culto, com especial incidência da região

do Mediterrâneo oriental. Vejam-se, por exemplo, os vários exemplos de composições entrela-

çadas registadas pelo Décor que se referem, na sua maioria, às regiões da Turquia, Israel, Síria,

Líbano e Grécia (cf. Le Décor, est. 148-149; Le Décor II, est. 396-402) ou a basílicas cristãs no caso

do Ocidente (cf. Le Décor, est. 235, 244 d, e, f e 246 f). A Igreja da Virgem de Madaba, na Betâ-

nia, data do século VII, é particularmente interessante pela proximidade estilística com o nosso

exemplar (Doncel-Voute, 1993, p. 215, fig. 8; Sansoni, 1998, p. 87). Do século V-VI datam

outros paralelos próximos, provenientes da Basílica da Madonna del Piano, em Pergola (Sansoni,

1998, p. 77).

Na Hispânia conhecem-se alguns mosaicos interessantes, embora constituam essencial-

mente variantes do nosso exemplar, datados grosso modo entre finais do século IV-princípios do

século V. É o caso do painel de La Malena, datado de época pós-constantiniana (Royo Guillén,

1992, fig. 7). Aqui, uma estrela de dois quadrados entrelaçados desenhados a grinalda de lou-

reiro entrelaça-se, por sua vez, com oito círculos desenhados a trança formando um espaço cen-

tral infelizmente destruído. O recurso aos nós ainda é muito tímido. É provável que estejamos

perante uma “fase de transição”, como aliás parece acontecer num dos mosaicos da villa de Raba-

çal (cf. Pessoa, 1998, fig. 14), marcada pelo recurso a figuras geométricas entrelaçadas cada vez

mais complexas, ainda sem recurso aos nós.

A villa de Los Quintanares, datada do século IV, documenta melhor este estilo decorativo,

particularmente expressivo nas folhagens estilizadas entrelaçadas que decoram os ângulos do

grande medalhão (CME, 6, n.0 29, p. 34-35, est. 9 e 35). São também paralelos gregos e palesti-

nianos que lhe servem de elementos de comparação. No mosaico de San Martín de Losa, datado

de finais do século IV a princípios do século V, a tendência afirma-se sem complexos (Abásolo

Alvarez, 1983, fig. 14). Cordões em trança entrelaçam-se em torno de um quadrado. O mosaico

de Dulcitius de El Ramalete data da mesma época e D. Fernández-Galiano atribui-lhe paralelos

itálicos da segunda metade do século V, nomeadamente no Palácio de Teodorico em Ravena, e

do século VI, na Igreja de St.a Maria delle Grazie em Grado (1984, p. 427). J. Balty situa nos prin-

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A VILLA ROMANA DE RIO MAIOR. ESTUDO DE MOSAICOS

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cípios do século V a afirmação das composições entrelaçadas no Próximo Oriente, citando os

casos de Hama, Misis ou Belém (1995, p. 94-95). Ainda assim, não em todas as regiões pois em

Antioquia, são raras (Balty, 1995 p. 96).

Datados do século V, há ainda a registar o grande medalhão de Baños de Valdearados

(Fernández-Galiano, 1984, p. 423-424; CME, XII, n.0 3, p. 18-19, fig. 3) e o de Almunia de Doña

Godina com modelos nas basílicas gregas e palestinianas (Fernández-Galiano, 1984, p. 424).

A dispersão geográfica dos exemplos citados, ainda que redutora face ao que pode existir

na realidade, parece circunscrever-se a uma área específica. Note-se a ausência de exemplos no

Sul da Lusitânia ou na Costa mediterrânea, áreas tradicionais de penetração das correntes artís-

ticas Norte-africanas, inclusive a arte do opus tessellatum. São, porém, conhecidos nessa área

outros mosaicos cujas influências orientais parecem indiscutíveis. É o caso de um conjunto

significativo de mosaicos da Ilhas Baleares (Blázquez Martínez, 1998, p. 169, fig. 1A, B, C),

assim como os da Basílica de Elche (Blázquez Martínez, 1998, fig. 3).

Em suma, não parece existir um programa decorativo coerente no que se refere às ten-

dências estéticas identificadas. Se, na sua maioria, acusam influências de origem oriental,

especialmente acentuadas no painel E, não podemos ignorar a forte e indiscutível presença de

um cartão africano no painel C. Esta situação não é invulgar, nesta época, nos mosaicos his-

pânicos executados por oficinas locais que recebiam os seus modelos de vários locais do Impé-

rio, adaptando-os, muitas vezes, ao gosto regional. Perante tal amálgama, é difícil individuali-

zar um estilo.

Os dados arqueológicos não são esclarecedores. Alguns fragmentos de estatuária, frisos

decorados, tesselas em vidro, três fragmentos de inscrição do século I (fig. 5) e um fragmento

de prato de terra sigillata tardia regional, constituem os materiais mais significativos encontra-

dos nas camadas revolvidas.

DataçãoFinais do século IV – princípios do século V.

105

PARTE II – OS PAVIMENTOS DA VILLA

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N.0 8

TemaComposição ortogonal de quadrílobo de peltas flanqueando um quadrado e quatro folhas

tangentes.

CompartimentoTrata-se de um compartimento rectangular, escavado a 80%, cujo lado norte ainda se

encontra coberto. Pela sua orientação e localização na planta, confinante com o pórtico do

pequeno peristilo, é quase certo que a entrada se fizesse precisamente por esse lado. A decora-

ção da orla de remate a Oeste pode eventualmente assinalar uma passagem para o comparti-

mento vizinho (n.0 9). A localização do compartimento, a simplicidade da decoração musiva e

a execução pouco cuidada do pavimento apontam para um espaço secundário da residência: um

cubiculum.

Dimensões do compartimentoVer dimensões do mosaico.

Dimensões do mosaico4,35 x 3,20 m* (dimensões máximas conservadas e visíveis).

Local de conservaçãoIn situ.

Área visível aquando da descobertaA mesma que actualmente.

Área conservadaDa área escavada, conservou-se a quase totalidade do pavimento, com excepção das orlas

e das bordaduras, nomeadamente a Sul e Este, quase totalmente perdidas aquando da remo-

ção/destruição das paredes. Todavia, os vestígios deixados são suficientes para permitir a sua

reconstituição. O campo, muito concrecionado, apresenta apenas uma lacuna importante a

Norte, onde é visível a camada alaranjada do nucleus.

Técnica de colocaçãoDa sondagem realizada numa lacuna a Sul, é possível identificar três camadas: um leito de

cal de 2 cm, seguido de um nucleus de 3 cm formado por argamassa de cal, areia e cerâmica moída,

assentes num rudus de 4 cm constituído por fragmentos de tijoleira. Segue-se o solo virgem a ser-

vir de statumen.

MateriaisCalcários. Branco marfim para o fundo; preto para as linhas mestras da composição (bor-

daduras do campo, quadrados, peltas e fusos) e tratamento do entrançado, meias luas e dos qua-

dradinhos denteados; vermelho acastanhado e ocre castanho para enchimentos de peltas e fusos,

tratamento dos quadradinhos e debruns do entrançado; cinzento claro apenas no entrançado.

Densidade das tesselas106 tesselas por dm2. Tesselas de 0,8 cm de lado no campo e orla (excepto orla Sul com 1 cm).

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A VILLA ROMANA DE RIO MAIOR. ESTUDO DE MOSAICOS

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Estratégia de execuçãoO sentido da execução do mosaico é difícil de identificar com rigor, uma vez que não se

encontra totalmente escavado. Podemos contudo sistematizar alguns dados de interesse que aju-

dem a compreender o processo seguido pela equipa de mosaístas. A composição insere-se per-

feitamente numa malha quadriculada cujo módulo é 32 cm aproximadamente, correspondente

à dimensão dos quadrados com entrançado, que se desenvolve de forma paralela em relação às

paredes. Impossibilitado de realizar a composição logo junto à parede, o artista organizou o

espaço das faixas externas da quadrícula, realizando aí orlas de remate e bordaduras em meio

módulo no sentido longitudinal e reservando a outra metade para o motivo na linha de remate

da composição. Assim, pôde centrar o seu tapete. A execução do pavimento deve ter-se iniciado

pelo lado norte onde, provavelmente, se situa uma entrada, logo a zona mais exposta visual-

mente, embora não o possamos confirmar até se escavar essa área. De momento, apenas a

reconstituição do esquema nos indica que não houve cortes nessa área. Tal como a orientação

geral da planta da casa e, em particular, do próprio compartimento, a malha não é perfeitamente

ortogonal, mas ligeiramente oblíqua, acompanhando as linhas de força da estrutura arquitec-

tónica. Quanto à qualidade do trabalho realizado, não pode ser considerado bom, pois é gros-

seiro e apresenta muitas irregularidades: faltam algumas tesselas no centro dos quatro folhas

ou nos cantos dos quadrados e alguns travessões a unir o dorso das peltas, a Oeste, uma das tran-

ças, junto à linha de remate, é mais larga e a linha de quadrados denteados da orla de remate

está completamente desalinhada.

Restauros antigosNão existem.

Restauros modernosNão existem.

Ilustração utilizadaRelatório de escavações de 1995, 1996 com fotografias, cortes estratigráficos e planta.

Levantamento à escala 1/1 em plástico cristal. Des. 11.

BibliografiaInédito.

DescriçãoFaixa branca (15 cm a Oeste, junto ao muro; 8 a 9 cm a Este e Sul, muito destruída) com

linha de quadrados denteados sobre o vértice, pretos e não contíguos (cf. Le Décor, est. 5 a), colo-

cados a distâncias irregulares, variando entre os 16 e 26 cm, apenas na orla oeste. Nos restan-

tes lados, a orla está bastante destruída, ainda que detectável (Sul e Este), ou em área não esca-

vada (a Norte), não sendo possível identificar aí a mesma linha de quadrados denteados.

Filete duplo preto; filete triplo branco; filete duplo preto.

Composição ortogonal de quadrílobo de peltas flanqueando um quadrado, com quatro

folhas tangentes e quadrados denteados policromos nos intervalos (cf. Le Décor, est. 228 c).

Cada quadrado (32 cm), delineado a filete simples preto, é preenchido por entrançado poli-

cromo (cf. Le Décor, est. 140 e), exteriormente definidos por filete preto e internamente por

filete branco. As peltas são delineadas por um filete duplo preto e preenchidas por duas fiadas

de tesselas brancas e centro ora ocre castanho, ora vermelho acastanhado, em oposição. O ápice

e as extremidades ligam-se directamente ao quadrado através de um filete simples preto.

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PARTE II – OS PAVIMENTOS DA VILLA

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Entre o ápice central e as extremidades laterais foram desenhadas meias luas pretas muito

pequenas. A ligação entre os dorsos das peltas é, na maior parte dos caso, feita através de qua-

tro tesselas pretas.

O motivo em quatro folhas é formado por fusos unidos no ponto de tangência através

de uma tessela preta, debruados com duplo filete preto e preenchidos com uma ou duas fia-

das de tesselas brancas e depois enchimento ocre castanho ou vermelho acastanhado em

oposição de cores.

Os espaços residuais entre os fusos levam quadrados policromos denteados com enchi-

mento central preto. Junto à bordadura oeste, os rectângulos da linha de remate do campo são

preenchidos com trança de dois cordões com extremidades unidas e as peltas foram cortadas

a meio, pelo ápice. Nos lados sul e leste, os quatro folhas foram reduzidos a dois fusos e os espa-

ços residuais preenchidos com triângulos policromos denteados em dois lados, adossados à

bordadura.

ComentáriosSob a designação genérica de quadrílobo de peltas cabe qualquer figura geométrica flan-

queada por quatro peltas cuja origem itálica parece ser consensual. A partir daqui difundiu-

-se para a Germania em finais do século I — princípios do século II e, na mesma altura, para

as províncias do Norte de África, em particular a Tripolitania (Stern, 1978, p. 59), onde se conta

o maior número de exemplares. Das várias combinações de quadrilobos de peltas apresentadas

pelo Décor (cf. est. 225-230), possuímos em Rio Maior aquela que, porventura, terá sido a menos

vulgar: a variante com quatro folhas nos espaços residuais. Circunscrita no espaço e no tempo,

encontrámos paralelos para esta variante na zona oriental da Mauritânia Cesariana, na Numí-

dia, na Proconsular, na Hispania, na Itália e na Córsega, entre os século III e VI. O quadrílobo

de peltas é um motivo de criação e de difusão quase exclusivamente ocidental, frequente em

África, Itália e Hispania, ausente a Oriente da Líbia, até ao século IV (cf. Stern, 1978, p. 75 e 80).

Não encontrámos exemplos itálicos deste esquema particular antes do século IV (cf. nomea-

damente Blake, 1930, 1936, 1940; Morricone Matini, 1967b, 1971) localizando-se os exemplos

mais antigos em Sousse nos princípios do século III (Foucher, 1960, n.0 57 088, p. 40-41) com

nós de Salomão nos quadrados. O pavimento do cubiculum 11 da villa de Silin comunga da

mesma corrente artística, porém marcada aqui por uma interessante inversão dos elementos

decorativos: é em redor dos quatro folhas monocromáticas que se organizam as peltas, com ápice

em cruz e são os quadrados, também com nós de Salomão que preenchem os espaços residuais

(Al Mahjub, 1983, p. 73, est. XXVII a).

A partir do século IV, assistiremos à divulgação do motivo nascido do espírito inventivo dos

mosaístas africanos. A composição do pátio da Casa n.0 7 de Bulla Regia (Hanoune, 1980,

BP 4, p. 56-57, fig. 117-118) destaca-se pela sua elegância e é de situar entre os exemplares da

quarta centúria. A bordadura de ondas policromas dos quadrados acusa uma tendência própria

dos ateliers da cidade. O contorno dos quatrofolhas, o tipo de enchimento das peltas e a repeti-

ção dos motivos de enchimento dos quadrados aproximam este pavimento do mosaico das ter-

mas da villa de Sidi Ghrib, situadas nas proximidades de Cartago e datadas de finais do século

IV, onde são nós de Salomão que ocupam o centro dos quadrados (Ennabli, 1986, n.0 68). Em

Cartago, conhecem-se dois exemplos coevos da composição, possivelmente obras de uma

mesma oficina. Um deles, sem localização precisa, de execução mais fina (80 tesselas por dm2),

apresenta motivos de enchimento variados — florão de flor de lótus, linhas quebradas, grande

cruz com labirinto, quadrado sobre o vértice, quatrofolhas, xadrez policromo, chevrons e peque-

nos quadrados (Ben Osman, 1981, n.0 68, p. 215-217), o segundo, menos apurado na técnica

(cerca de 52 tesselas por dm2) foi publicado em 1952 por G.-Ch. Picard e pertencia, na opinião

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A VILLA ROMANA DE RIO MAIOR. ESTUDO DE MOSAICOS

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do autor, a uma schola (Picard, 1952, p. 173, fig. 4). Em 1980, W. Ben Osman integra-o na sua

tese sobre os mosaicos de Cartago (n.0 186, p. 423-424) e, recentemente, o CMT, IV, 1, publica-

-o como pertencente ao que designa por Maison du Triconque (n.0 94, p. 65-67, est. XXXI, fig. 2).

Os motivos de enchimento são do mesmo tipo do mosaico anterior e a datação foi estabelecida

na primeira metade do século V pelos autores do CMT, IV, 1.

É portanto na escola artística da Proconsular que devemos buscar o modelo do esquema

de Rio Maior. Esquema que se aproxima de Sidi Ghrib pela repetição do motivo de enchimento

dos quadrados, aqui em entrançado, como aliás se conhece também numa variante da compo-

sição com círculos de Thaenae datada da segunda metade do século IV (Jeddi, 1990, p. 529-533,

est. XCV; 1992-93, p. 31-33) e se aproxima por outro lado do tipo de fusos e de peltas dos

mosaicos de Cartago. O tipo de decoração geométrica destes últimos situa-o em época poste-

rior ao de Rio Maior. Assim, afigura-se-nos plausível que o nosso mosaico tenha sido realizado

durante a segunda metade do século IV. É ainda ao citado pavimento de Thaenae que podemos

ir buscar influências para as meias luas colocadas entre as extremidades da pelta, para além da

presença dos quadrados denteados policromos que, nos restantes pavimentos, consistiam em

florzinhas.

Em Portugal, conhece-se um paralelo muito próximo do nosso, quer estilística, quer cro-

nologicamente. Trata-se do frigidarium das termas da Rua Augusta de Lisboa (Amaro e Caetano,

1993-1994, p. 289-290, fig. 3-5; Caetano, 2001, n.0 2A, p. 75-78, est. VII e IX) cuja densidade

de tesselas ronda as 93 por dm2, valor muito próximo do nosso, bem como a reduzida paleta de

cores de preto, branco, amarelo e vermelho. Com excepção dos nós de Salomão que preenchem

os quadrados e dos triângulos denteados entre as extremidades das peltas, os restantes elementos

são indiscutivelmente semelhantes. Tendo em conta os pavimentos citados, não podemos admi-

tir a datação proposta por T. Caetano — a segunda metade do século III (2001, p. 79) — pois

este pavimento não pode ser anterior aos meados do século IV. A este conjunto português há

que somar um dos painéis do mosaico de Libreros, com afinidades no tratamento das peltas e

dos quatrofolhas, com nós de Salomão nos quadrados, mas com um elemento adicional — fusos

entre as peltas — (CME, 4, n.0 50, p. 53-56, est. 41) e ainda o pavimento da sinagoga de Elche

com um idêntico tratamento em entrançado nos quadrados, de forma repetida, mas com nós de

Salomão em discos preto em vez de quatro fusos (Palol Salellas, 1967, fig. 73). Aliás, a presença

deste último motivo vem reforçar as nossas conclusões no que refere às várias oficinas que labo-

raram em Rio Maior. Também são notórias as similitudes com um pavimento de Solana de Bar-

ros (Sandoval, 1965, fig. 5, 1968, fig. 7) e Requejo, datado de finais do século IV a meados do

século V (Regueras Grande, 1991, p. 166-167, fig. 2). O mosaico de Rienda deve ser posterior

ao de Rio Maior, tendo em conta o estilo variado da decoração dos quadrados: nós de Salomão,

florões quadrilobados ou quatro quadrados (Moreno, 1965, p. 123, fig. 5 e 6).

Cillium fornece-nos outro exemplo africano importante com variantes decorativas que

reencontramos na Hispânia. Na Maison de l’Oiseau Bleu, os mosaístas procuraram imprimir à

sua obra um colorido arco-íris que compensasse a simplicidade do esquema. É, de facto, um

recurso insistente na variação das combinações cromáticas, quer nas peltas, quer nos fusos, quer

ainda nos elementos geométricos dos quadrados, que se identifica uma oficina: fusos decora-

dos em chevrons, triângulos denteados policromos nos espaços residuais entre as peltas e os qua-

drados, e ainda, entrançado, linhas quebradas ou chevrons nos quadrados (Desparmet, 1994,

compartimento 4, p. 108-110, est. I). A autora não data o pavimento, mas parece-nos enquadrável

na segunda metade do século IV. É nesta corrente artística que se filia o mosaico do pórtico da

villa de Fuente Álamo, parcialmente escavado, que se distingue apenas na colocação de triân-

gulos denteados no ápice das peltas (López Palomo, 1985, p. 108, est. II a). Datado do século IV

(López Palomo, 1985, p. 113), parece-nos lícito colocá-lo na sua segunda metade.

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PARTE II – OS PAVIMENTOS DA VILLA

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A ala ocidental do peristilo da villa de Puente de la Olmilla, de que falámos a propósito das

afinidades com outro pavimento, também do peristilo (cf. n03A) e do nó de Salomão inserido

num disco preto (cf. n03C), foi decorada com uma composição semelhante à de Rio Maior (Gar-

cia Bueno, 1994, n.0 3, p. 104-107, fig. 5). Retomando os mesmos motivos de enchimento dos

quadrados que aplicara na ala setentrional (cf. n.0 3A), o artesão foi mais criativo do que o de Rio

Maior, que se restringiu ao monótono entrançado, embora dispondo de menos recursos cro-

máticos (apenas o branco, preto e vermelho) do que o de Rio Maior cuja paleta incluía os tradi-

cionais preto e branco, o vermelho escuro, o castanho amarelado e o cinzento claro. Aqui reen-

contramos as quatro folhas e as florzinhas nos espaços residuais. Estas últimas parecem ter sido

mais frequentes do que o quadrado denteado do nosso exemplar. Todavia, os espaços entre as

extremidades das peltas, com meias luas em Rio Maior, são ocupados por triângulos denteados,

como em Cillium. Finalmente, não deixa de ser muito interessante a forma como ambos artis-

tas dos mosaicos hispânicos resolveram o problema da deficiente ordinatio: numa das linhas de

remate da composição transformaram os quadrados em rectângulos que preencheram com

trança de dois cordões e cortaram as peltas pelo ápice. Os comentários estilísticos que a autora

faz do mosaico de Puente de Olmilla são dispersos e giram em torno do quadrílobo na sua gene-

ralidade, citando apenas exemplos hispânicos (cf. García Bueno, 1994, p. 106). Com base na sua

análise, data o mosaico de “fecha de elaboración tardía” (sic) (García Bueno, 1994, p. 107). Tendo

em conta as semelhanças com o mosaico de Rio Maior e a evolução que a composição terá sofrido

ao longo do tempo, parece-nos correcto situarmos este pavimento numa época próxima da pro-

posta para Rio Maior. O pavimento da sinagoga de Elche, datado da segunda metade do século

IV, vem reforçar a cronologia proposta, pois os quadrados da composição são decorados da

mesma forma dos de Rio Maior, divergindo apenas nos nós de Salomão que decoram os espa-

ços residuais (Palol Salellas, 1967, p. 203, est. 73).

O mosaico de Comunión, citado por M. Torres Carro e R. Mondelo (1985, p. 114, n. 68)

possui uma estrutura muito próxima da nossa, divergindo unicamente na posição dos qua-

drados que se apresentam aqui de lados côncavos e colocados sobre o vértice, ligando-se ao

ápice das peltas (CME, 5, n.0 7, p. 17, fig. 8). Infelizmente, apenas se conhece um desenho a

preto publicado no supracitado Corpus. Apesar das diferenças, é notória a afinidade. J. M. Bláz-

quez Martínez, autor da ficha do Corpus, não se aventura em datações, nem apresenta sequer

paralelos.

A composição mantém-se viva durante o século V, quer em contextos domésticos, como é

o caso da Mosaïque de L’Âne de Djemila (Blanchard-Lemée, 1975, sala XVI, p. 97-98, est. XXIII-

XXIV, XXa), quer em contextos sagrados como é o caso de S. Maria del Tiglio de Gravedona (Mira-

bella Roberti, 1962, p. 242, fig. 9-10). A composição perde alguma leveza, patente no alargamento

dos fusos e na redução da paleta e abandonam-se os pequenos elementos decorativos entre as

extremidades das peltas. No terceiro quartel do século V, documenta-se numa bordadura de

Córdova (Nicolini, 1983, p. 81, est. I-1 e 2). No século VI, documenta-se na Igreja de S. Vitale em

Ravena (Farioli Campanati, 1975, p. 133, fig. 62).

Do ponto de vista arqueológico, destaca-se o achado da ninfa, do século II-III, de um frag-

mento de dedo pertencente a uma estátua em mármore, de fragmentos de estuque e mármore

e de um fragmento de vidro millefiori, datado da primeira metade do século I. As tesselas em

vidro eram também abundantes na camada de concreção calcária que cobria o mosaico.

DataçãoSegunda metade do século IV.

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A VILLA ROMANA DE RIO MAIOR. ESTUDO DE MOSAICOS

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N.0 9

TemaComposição ortogonal de pares de peltas alternadamente horizontais e verticais.

CompartimentoPela sua localização na planta e pela decoração do mosaico, acreditamos tratar-se de um

cubiculum.

Dimensões do compartimentoIndeterminadas por estar parcialmente coberto.

Dimensões do mosaico4,90 x 2,70 m.

Local de conservaçãoIn situ.

Área visível aquando da descobertaA mesma que actualmente.

Área conservadaEscavado a 2/3, o mosaico está praticamente intacto na área actualmente visível, mas a con-

creção calcária ainda cobre cerca de 90 % do pavimento, dificultando uma observação correcta

das eventuais lacunas.

Técnica de colocaçãoNão foi objecto de sondagem.

MateriaisCalcários. Branco-marfim para o fundo; preto para o contorno das peltas; amarelo acasta-

nhado, ocre violeta, vermelho acastanhado e cinzento francês para o tratamento interno e

externo das peltas e para os quadradinhos denteados.

Densidade das tesselas137 tesselas por dm2 no campo e orlas. Tesselas com cerca de 0,7 a 0,8 cm de lado.

Estratégia de execuçãoApesar de parcialmente visível, parece-nos uma composição bem calculada em função do

espaço disponível, pois em nenhum dos três lados desobstruídos, que não contempla a entrada

pelo lado do peristilo, foi necessário truncar os motivos. É um trabalho de fina execução com-

parando com outros pavimentos da casa. As tesselas apresentam um corte regular apesar da sua

reduzida dimensão e os interstícios são quase imperceptíveis. As características técnicas apro-

ximam este pavimento do n.0 4 e do n.0 15A. A orla de remate foi realizada mediante a coloca-

ção de filetes paralelos, visíveis a Oeste, com tesselas da mesma dimensão. Este cuidado traduz

certamente a exposição a que esta área era sujeita.

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PARTE II – OS PAVIMENTOS DA VILLA

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Restauros antigosNão existem.

Restauros modernosNão existem.

Ilustração utilizadaRelatório de escavações de 1995 e 1996 com fotografias, cortes estratigráficos e planta.

Levantamento tessela a tessela de pormenores. Est. XIV.

BibliografiaInédito.

DescriçãoFaixa branca (10 cm a Leste e Sul).

Filete duplo preto; linha de quadrados pretos denteados sobre o vértice, não contíguos, dis-

tando entre si 12 a 14 cm (cf. Le Décor, est. 5a) a Este e Sul (9 cm); a Norte a faixa é desprovida

de decoração; filete duplo preto; filete triplo branco, filete duplo preto.

Composição ortogonal de peltas alternadamente verticais e horizontais (cf. Le Décor, variante

da est. 222 d) e e). Cada pelta (32,5 cm de envergadura) é delineada por um duplo filete preto e

no interior foi-lhe adossado ao lado maior um triângulo de lados côncavos e base convexa, tratado

em castanho amarelado, vermelho acastanhado e cinzento francês. Entre o ápice e as extremi-

dades foram colocadas duas meias luas com duas a três linhas de tesselas sucessivamente preto,

vermelho acastanhado e castanho amarelado. O ápice é rematado por um triângulo denteado, com

degradê de cores [vermelho acastanhado, castanho amarelado, ocre violeta, branco e novamente

preto]. As peltas estão unidas entre si através de um quadradinho de nove tesselas com uma

branca no centro. Na linha de remate da composição foram colocados entre as extremidades das

peltas triângulos policromos de dois lados denteados.

ComentáriosCombinada de variadas formas (cf. Le Décor est. 222, 223, 224 a, 225 f e g, 226, 227, 228,

229 e 230 b, c e d, num total de 34 exemplos), a composição de peltas deve ser analisada com

base nos seus vários elementos estruturais: o esquema geral da composição, o tratamento deco-

rativo dado ao ápice da pelta e o tratamento cromático do corpo da pelta

A composição que nos importa, consta no Décor com três variantes (est. 222 d, e, f).

Nenhuma delas corresponde exactamente ao pavimento de Rio Maior, distanciando-se essen-

cialmente pelo tratamento formal e cromático da pelta.

Do vasto conjunto de pavimentos que analisaremos, é notória a sua maior frequência em

composições de superfície, em particular nas províncias ocidentais (Hispania, Sul da Gália e Norte

de África) e em bordaduras ou painéis de alongamento de tapetes, com destaque para as regiões

mais setentrionais (Gália, Bélgica, Germânia). Mais raras, são as miniaturizações da composição,

empregues como motivo decorativo de enchimento de espaços quadrados ou rectangulares.

Uma análise ponderada dos seus vários elementos estruturais, aliada a critérios arqueoló-

gicos, sempre que os haja, são suficientes para datar com algumas segurança os pavimentos com

esta composição cujo período de divulgação vai, sensivelmente, do século II ao século V.

Acerca da origem da pelta enquanto elemento decorativo individual, já tecemos os comen-

tários pertinentes no n.0 3C. Terá sido somente por volta dos últimos decénios do século I que

as peltas começaram a ser combinadas a fim de constituírem por elas próprias grandes tapetes

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A VILLA ROMANA DE RIO MAIOR. ESTUDO DE MOSAICOS

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tesselados, como é o caso em Pompeia (Blake, 1930, est. 32.1). Surgem então os primeiros

exemplos, caracterizados por um compasso ritmado de peltas, geralmente pretas, sobriamente

destacadas num fundo branco. Neste primeiro estádio, o ápice da pelta não apresenta decora-

ção. Não sendo, porém, frequente em Itália nesta época (Balil, 1962, p. 55), parece contudo que

é aí que devemos buscar a origem da composição que chegará às oficinas belgas e germânicas28,

em especial a região de Treveris, durante o século II, onde uma longa série de pavimentos atesta

o gosto particular pela composição.

Por volta da mesma época, na área do Mediterrâneo oriental do Império, reencontramos

exemplos bastante precoces, nomeadamente nos Kladeos Baths de Olímpia que apresentava aos

seus visitantes, por volta do ano 100, um grande painel com peltas vermelhas, sem decoração

no ápice, rodeando uma área central de peltas pretas, também elas de simples traçado (Waywell,

1979, n.0 31, p. 299-300, est. 49, fig. 28). A utilização da cor, além do preto e do branco, é pecu-

liar desta zona do Império, imbuída da tradição dos pavimentos helenísticos, não se encontrando

nas províncias ocidentais antes de fins da segunda centúria. Nesta área do Império torna-se par-

ticularmente sensível a distinção entre correntes artísticas ocidentais e orientais que se fundem

com alguma facilidade. A região balcânica é, sem dúvida, o melhor exemplo da História antiga

e contemporânea. À região da actual Bulgária, por exemplo, chegou a tradição itálica do mosaico

bícromo, através de oficinas itálicas ou germano-gaulesas, que terão realizado por volta de

finais do século II ou no reinado de Caracala uma composição de peltas brancas em fundo preto

num corredor das termas de Philoppopolis (Valeva, 1994, p. 251, fig. 4). Na versão inversa, pel-

tas pretas em fundo branco, documentam-se em dois edifícios termais da actual Albânia: no

século II, na grande sala de Butrint (Anamali e Adhami, 1974, p. 18) e, na centúria seguinte, em

Apolónia (Anamali e Adhami, 1974, p. 37).

Entre os exemplos mais antigos da área ocidental, contam-se dois tapetes provenientes de

Este, hoje desaparecidos, datados de princípios do século II (Blake, 1930, p. 102) que atestam o

pioneirismo das oficinas do coração do Império. A data proposta por K. Parlasca para o Procura-

toren Palast de Treveris, os meados do século I (1959, p. 8, 109, est. 15.2), tem sido contestada

por outros autores que a consideram demasiado baixa. V. Gonzenbach julga-a mais recente de

cerca de 50 anos (1961, p. 27, n. 5), data que é consentânea com a proposta mais recente de P.

Hoffmann situada na primeira metade do século II (et al., 1999, n.0 74, p. 124, est. 8 e 40). Esti-

listicamente, a execução é sóbria e sem aparato decorativo. Seguem-se-lhe uma longa série de

pavimentos com as mesmas características, oriundos das oficinas germânicas e belgas durante

a segunda centúria: um mosaico encontrado em 1851, num jardim privado de Bous, hoje per-

dido, com as suas simples peltas, totalmente azuis, em fundo branco creme (Recueil, I, 2, n.0 174,

p. 36-37, est. XIII29). Outro mosaico luxemburguês, proveniente da villa de Echternach, também

perdido, apresenta o mesmo esquema (Recueil, I, 2, n.0 182, p. 40-41, est. XIX). Em Besançon,

são dois os exemplos de referência: o mais antigo, datado da segunda metade do século II, con-

siste numa miniaturização da composição usada como motivo de enchimento de um quadrado

na qual se quebrou ligeiramente a sobriedade, com alternância de peltas vermelhas com as tra-

dicionais pretas (Recueil, I, 3, n.0 296, p. 41-42, est. XI); o mais tardio, de finais do século II —

princípios do século III, é usado simplesmente como larga faixa de alongamento de um painel

geométrico (Recueil, I, 3, n.0 270, p. 31-32, est. V-VII).

Pelos meados da segunda centúria, surgem os primeiros exemplos de peltas com o ápice

decorado com um pequeno motivo em cruz. É o caso de um mosaico de Colónia, com bordadura

de peltas (Parlasca, 1959, p. 70, est. 62), no PriesterSeminar de Treveris (Parlasca, 1959, est. 6;

Hoffmann et al., 1999, n.0 145, p. 160, est. 91) e, nos finais da centúria, o pavimento da villa de

Téting (Moselle) com duas bandas laterais de peltas, já debruadas (Recueil, I, 2, n.0 225A, p. 60-

-62, est. XXXV-XXXVIII). Estes três exemplos constituem uma fase de transição que criará

113

PARTE II – OS PAVIMENTOS DA VILLA

Page 81: PARTE II Os pavimentos da villa - com o item anterior, a sua pertinência reside no facto de ... como é o nosso caso, beneficiar da ausência de ... (com largura máxima de 90 ...

modelos cada vez mais complexos, com decorações variadas no ápice e cromatismo mais rico

no tratamento da pelta. Estas transformações expandir-se-ão ao longo dos séculos III, IV e V.

É por volta de princípios do século II que se individualiza uma segunda corrente situada no

Norte de África. A Maison des Banquettes de Sousse ilustra o exemplo mais antigo, seguido da Mai-

son de Neptune de Acholla (Ennabli, 1975, p. 114, est. XLI, 2; Picard, 1980b, p. 70; Gozlan, 1992,

n.0 19, p. 88-91, est. XXVI, 1) e do vestíbulo da Maison des Muses de Althiburos, de meados a fins

da mesma centúria (Merlin, 1913, p. 43, est. V). Da fase de transição, fins do século II e princí-

pios do século III, deve ser o compartimento V da Maison de Caton em Utica, onde a composição

recebeu no centro um painel quadrado com emblemata de uma Gorgona, cujas peltas, ainda sem

decoração no ápice, são debruadas a preto e preenchidas a amarelo-laranja e verde-azeirona

(CMT, I, 2, n.0 202-A, p. 47-48, est. XXXII e XLIX) e a bordadura de um mosaico de Berenice, na

Cirenaica (Michaelides, 1989, est. V).

A Hispania terá assimilado este esquema aproximadamente na mesma época. De facto,

quer em Itálica, na larga bordadura do famoso mosaico de Baco, datado de finais do século II

(CME, 2, n.0 2, p. 26-27, est. 8-10), quer na villa de la Plaza de Antonio Maura em Barcelona, num

pavimento dos últimos anos do século II – 10 quartel do século III (Balil, 1962, p. 54-56, fig. 5),

encontramos o esquema simples de peltas pretas em fundo branco, desprovidas de decoração

no ápice. Ainda no século II conhece-se em Puig de Cebolla (Balil, 1970, p. 9, est. II, 1) e Utebo,

numa villa (Fernández-Galiano, 1987, n.0 60, p. 39, est. XIV-XV, 2). Da mesma época data o

mosaico dos banhos anexos à Casa del Mitreo de Mérida onde podemos observar novamente a

miniaturização do esquema num dos rectângulos do tapete (CME, 1, n.0 25, p. 40-41, est. 49-52)

e, ainda no século III, é possível encontrar a mesma gramática decorativa na villa de Sabinillas

decorando o compartimento E (Posac e Rodriguez, 1979, p. 134-136, est. II. 2).

No território actualmente português, conhece-se o mesmo esquema num dos painéis do

conhecido mosaico compósito de Póvoa de Cós30, cujo intervalo cronológico M.a Felisbela Bor-

ges, seguindo Irisalva Moita, fez recuar um pouco, até fins do século I, quando muito, século

II (Moita, 1951b, p. 149; Borges, 1986, n.0 1, p. 4-12, foto 1-5, est. I-III). A aceitarmos os finais

do século I, estaríamos a colocar este mosaico à frente dos seus congéneres já citados da Bél-

gica e Germânia, regiões de grande divulgação da composição. Em nosso entender, pelas carac-

terísticas do pavimento e pela análise já feita, talvez os finais do século II seja mais aceitável ou,

quiçá, os princípios da terceira centúria. Esta data não contraria os argumentos apresentados por

I. Moita (1951b, p. 149), baseados em grande parte nas características técnicas do pavimento e

no achado de uma moeda augustana no “entulho” do mosaico cuja circulação e/ou entesoura-

mento pode ter trazido até esta época. Acresce o facto do mosaico retomar motivos das regiões

setentrionais já citadas, nomeadamente os quadrados desenhados por linhas de quadrados

sobre o vértice (cf. Parlasca, 1959, est. 2.2 e 4 de Treveris), a bordadura de espinhas (cf. Parlasca,

1959, est. 6-2 de Bous, est. 15-1, 17 de Treveris, est. 19-1 de Oberweis) ou o xadrez bicromático

que analisaremos a propósito do mosaico n.0 3D. Dada a raridade dos mosaicos desta época no

território actualmente português, concentrados sobretudo nos século III e IV, e acreditando real-

mente que o pavimento ande pelos finais do século II, trata-se de um paralelo duplamente

importante, não só pelo contexto rural em que surge, uma vez que a grande maioria dos exem-

plos hispânicos citados são urbanos (Mérida, Itálica), como também pela demasiadamente

curta distância cronológica dos seus congéneres em regiões tão longínquas, uma vez que os mais

próximos geograficamente lhe são posteriores. A região de Alcobaça estaria mais na moda do

que os grandes centros urbanos citados! Atendendo a estes dados, haverá que rever seriamente

a datação com base em critérios arqueológicos, não fossemos nós aceitar pacificamente esta cro-

nologia que nos suscita dúvidas. Não terá sido por mero acaso que B. Taracena levou a datação

até ao século III (1947, p. 161) e M. Torres Carro a fins do século II, princípios do século III

114

A VILLA ROMANA DE RIO MAIOR. ESTUDO DE MOSAICOS

Page 82: PARTE II Os pavimentos da villa - com o item anterior, a sua pertinência reside no facto de ... como é o nosso caso, beneficiar da ausência de ... (com largura máxima de 90 ...
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extremidades da pelta preenchidos com uma folha de hera ocre que se transforma em meias luas

na linha de remate. A sua presença na villa de Silin constitui um marco importante na difusão

do esquema, situando-se no seu limite oriental, aqui na variante com ápice em cruz (Al Mah-

jub, 1984, p. 73-74).

No Conventus Pacensis, o mais rico em mosaicos romanos do nosso território, conhece-se

outro exemplo da composição. Na villa de Pisões, o grande corredor em “L”, ligando várias salas

do sector meridional da residência, apresenta uma composição de peltas pretas em fundo

branco, com ápice em folha de hera, ora amarela, ora vermelha (Costa, 1988, p. 107, fig. 11).

A data proposta por M. Costa situa-se no século II (1988, p. 120). Porém, tendo em conta os para-

lelos conhecidos e já analisados do referido século, julgamos um pouco antecipada esta datação.

Apesar de permanecer vinculada aos modelos bicromáticos setentrionais da segunda centúria,

não devemos ignorar a presença de decoração no ápice, colorido, que não permite esta data tão

recuada. Cremos que o século III é, de facto, mais apropriado. O pavimento sofreu posteriores

restauros que podemos datar do século IV, como adiante justificaremos.

O mosaico de Solar de los Blanes, Mérida, datado do século III, apresenta já as caracterís-

ticas típicas do século seguinte: as peltas desenhadas a duplo filete, preenchidas a vermelho e

o ápice rematado em triângulo denteado (CME, 1, fragmento 2, p. 27, est. 2).

Em Nea Paphos, o tema, em bordaduras, foi tratado de forma invulgar, distanciando-se dos

modelos até agora analisados. Por altura da dinastia severiana, no mosaico de Hércules e o Leão

de Nemea da Maison d’Orphée (Michaelides, 1992, n.0 4, p. 18) e no mosaico da procissão dio-

nisíaca do triclinium da Maison de Dionysos (Michaelides, 1992, n.0 10, p. 27-29) encontramos

peltas brancas com ápice em cruz com espaços residuais a cinzento e fundo preto. Após o

século III, a composição deixa de ser usada em larga escala na Grécia (Waywell, 1979, p. 306).

O terceiro estádio corresponde ao século IV, durante o qual o esquema se torna bastante

apreciado nas regiões ocidentais. É nesta época que registam mais exemplos. Este elevado

número poderá eventualmente corresponder à verdadeira difusão do motivo ou ser simples-

mente fruto do maior número dos pavimentos conhecidos.

A composição assumiu definitivamente o policromatismo, com peltas delineadas a preto,

geralmente em filete duplo, e enchimentos coloridos, com remates variados, em particular a

folha de hera e o triângulo denteado que J, p. Darmon considera uma hedera geometrizada, com

muitos exemplos do século IV na Alemanha e França (Darmon, 1980, p. 63-65), particular des-

taque ainda para o seu uso em Treveris na mesma centúria (Parlasca, apud Recueil, IV, 1, p. 124)

e na Baixa Aquitânia (Recueil, IV, 1, p. 69).

No Norte de África a composição foi bem aceite, com um especial gosto pelo ápice em folha

de hera. É o caso do fundo do tanque da insula IV do parque das termas de Adriano em Cartago,

numa versão bicromática (Ben Osman, 1981, n.0 139, p. 251). Pelo tipo de ápice e tratamento cro-

mático das peltas da bordadura e dos painéis laterais, o mosaico do frigidarium das termas de Rus-

guniae (Guéry, 1962-1965, sala A, p. 24, Fig. 3, 4 e 13) parece integrar-se nesta corrente em voga

na quarta centúria. É da mesma época a sua aplicação como motivo de enchimento no mosaico

do coro da Basílica de Santa Salsa em Tipasa (Duval, 1975, est. XXXI-2). Muito próximo do nosso

mosaico é o do pátio interno da casa n.0 7 de Bulla Regia que, infelizmente, R. Hanoune não data

(1980, BP1, p. 55, fig. 11-12).

Na Hispania, a composição foi largamente utilizada nas grandes residências rurais do

século IV, com grande gosto particular pelo ápice em triângulo denteado. Assim, podemos

encontrar este tipo de estrutura na villa de Almenara de Adaja, em dois pavimentos, em compo-

sição de superfície (CME, 11, n.0 6a, p. 21-22, est. 6 e n.0 15b, p. 30, est. 11-12). Da segunda metade

do século IV, datam os exemplos de Puente de la Olmilla, quer o tapete contíguo ao das panteras

do compartimento 2 (Puig e Montanya, 1975, p. 40, fig. 3), quer a micro-composição inserida em

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A VILLA ROMANA DE RIO MAIOR. ESTUDO DE MOSAICOS

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dois quadrados do esquema do compartimento 1 (Puig e Montanya, 1975, p. 136, fig. 2) e ainda

um dos quatro painéis laterais do mosaico n.0 6 de Algoros, com peltas pretas (Mondelo, 1985,

p. 125-133, fig. 89). A villa de Rielves é também tributária da composição, numa versão simplifi-

cada decorando o compartimento C (Fernández Castro, 1977-1978, p. 224-225, fig. 20). Na villa

de Cuevas de Soria, já dos finais da centúria, merece um particular destaque o conjunto musivo

constituído pelo corredor com abside, situado entre as habitações do sector noroeste, com uma

orla de peltas (CME, 6, n.0 62, p. 70-71, fig. 11, de finais do século IV-princípios do século V); pelo

pavimento do sector ocidental do corredor sul (CME, 6, n.0 72, p. 78, fig. 21, da segunda metade

do século IV). Com variantes no tratamento do ápice, esta casa do Baixo-Império possui ainda três

pavimentos com a mesma composição: numa bordadura do compartimento do ângulo sudeste

do peristilo, junto ao sector termal, com tesselas no ápice em jeito de florzinha (CME, 6, n.0 55,

p. 63-65, fig. 6, de meados do século IV); no compartimento absidal situado entre os dois corre-

dores do sector nordeste da construção, com remate das peltas em borla31 (CME, 6, n.0 63, p. 71-72,

fig. 12, finais do século IV) e no compartimento da ala oriental, entre o corredor a Sul e o tricli-

nium a Norte (CME, 6, n.0 56, p. 65, não ilustrado). A composição permanece até meados do

século V com as mesmas características como se regista na villa de Requejos numa bordadura

(Regueras Grande, 1991, n.0 1, p. 166-168, fig. 2 e 3).

Na área do território actualmente português, conhece-se uma composição semelhante nas

salas A e D da villa de D. Pedro. O esquema, bicromático, é totalmente despojado de ornamen-

tos (Maia e Maia, 1974, p. 124-125 e 128, fig. 6 e 13). À primeira vista, não hesitaríamos em clas-

sificá-lo estilisticamente como pertencente ao grupo supra analisado do século II, todavia, os

arqueólogos salientam a contemporaneidade dos pavimentos na fase de abandono, ou seja,

século V (Maia e Maia, 1974, p. 124 e 130). A mesma situação acontece na villa do Rabaçal, onde

existe um painel semelhante no vestíbulo a) anexo, aparentemente do século IV (Pessoa, 1998,

est. 51). Em Pisões, o supracitado corredor de peltas sofreu restauros, pouco hábeis (peltas

debruadas a preto em fundo branco ou totalmente pretas, mas com ápice em triângulo denteado

preto), na última fase de ocupação da residência.

A composição perdurou na Hispania até finais do século V, princípios do século VI, sendo

disso testemunha a villa geronesa de Tossa de Mar cujo painel do topo do mosaico de Dominus

Vitalis apresenta um esquema de peltas contornadas a branco em fundo escuro, com ápice em

triângulo (Balil, 1965, n. 8, p. 284-285).

Na mesma centúria, a Gália possuía também bons exemplos desta composição, nomea-

damente com o remate das peltas em triângulo, como é o caso em dois mosaicos da villa de

Montmaurin, datados do segundo quartel do século IV: na bordadura oeste do grande compar-

timento virado para o peristilo (Recueil, IV, 1, n.0 78, p. 84-89, est. XXXII-XXXIX) e na galeria

sul do peristilo com uma composição de peltas rosa ou amarelo, debruadas a preto tratadas com

alternância de cores (Recueil, IV, 1, n.0 80, p. 90-92, est. XLII). Ainda na Aquitânia, deve ser men-

cionado o corredor da villa de Séviac, datado da segunda metade do século IV, com composição

semelhante mas tratamento do ápice em borla (Recueil, IV, 2, n.0 299, p. 180-181, est. CXXVII

e CXXVIII), assim como a villa de Valentine, na bordadura de um mosaico, em fins da quarta

centúria, cuja paleta de cores é empregue quer no enchimento da pelta, quer no seu ápice

(Recueil, IV, 1, n.0 58, p. 67-70, est. XVII-XIX), num fragmento proveniente de Maspie-La Con-

quière (Recueil, IV, 1, n.0 105, p. 109-110, est. XLVII) e num pavimento inédito de Moncaret

(Recueil, IV, 1, p. 69). Na região norte da Gália, conhecem-se dois mosaicos com a mesma com-

posição e peltas em triângulo: em Blanzy-lès-Fismes, numa versão bicromática da primeira

metade do século IV (Recueil, I, 1, n.0 77D, p. 50-52, est. XXXIIIa, XXXVIe e XXVI f) e em Fou-

queure num painel lateral, onde as peltas apresentam um enorme triângulo policromo (e não

“pompom” como afirma a autora) (Nicolini, 1986, p. 39, est. XII, 1-2).

117

PARTE II – OS PAVIMENTOS DA VILLA

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A cidade de Treveris é particularmente fecunda em exemplos desta composição de peltas

com ápice em triângulo durante o século IV, maioritariamente empregues como largas borda-

duras: Hettnerstrasse (Hoffmann et al., 1999, n.0 43, p. 105-106, est. 19), Augustinerhof (Hoff-

mann et al., 1999, n.0 5, p. 87, est. 3, 5 e 6), Simeonstrasse (Hoffmann et al., 1999, n.0 124, p. 150-

-151, est. 79 e 80) e Johannistrasse (Hoffmann et al., 1999, n.0 56, p. 110-112, est. 21 e 22). Em

composição de superfície é menos frequente, mas conhece-se na Karthäuserstrasse (Hoffmann

et al., 1999, n.0 69, est. 39). A característica mais marcante deste significativo conjunto reside

na cor única da pelta contrastante com a policromia do seu ápice.

Na Britânia, o esquema foi particularmente empregue em corredores no século IV (cf.

comentários ao mosaico n.0 14), conhecendo-se também em faixas de alongamento como acon-

tece no mosaico cristão de Frampton, produzido pela Durnovarian Officina em meados do

século IV, na variante com cruz no ápice (Johnson, 1982, p. 44, est. 33).

A composição foi-se tornando secundária, chegando mesmo, em épocas tardias (século V-VI)

a servir de decoração de enchimento, como foi o caso em Vicenza (Stern, 1965, p. 240, fig. 20).

Acerca das meias luas colocadas entre as extremidades das peltas, vejam-se os comentários

ao mosaico n.0 5.

DataçãoSegunda metade do século IV.

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A VILLA ROMANA DE RIO MAIOR. ESTUDO DE MOSAICOS

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N.0 10

TemaComposição ortogonal de octógonos, hexágonos oblongos e quadrados (?).

CompartimentoGrande sala a Noroeste do peristilo. Tratando-se do compartimento com maiores dimen-

sões encontrado até ao momento e tendo em conta a sua localização no topo do peristilo, ainda

que não geometricamente centrado, podemos aventar a hipótese de um triclinium.

Dimensões do compartimentoVer dimensões do mosaico.

Dimensões do mosaico6,4 x 5,50 m (35 m2).

Local de conservaçãoIn situ.

Área visível aquando da descobertaA mesma que actualmente.

Área conservadaCerca de metade do pavimento está completamente perdido, fruto de uma grande lacuna

circular com cerca de 3,5 m de diâmetro situada no centro do compartimento. A área destruída

abrange praticamente toda a composição, tendo-se preservado poucos elementos informativos

acerca dela: as bordaduras, ainda que incompletas e, no canto noroeste, alguns motivos deco-

rativos de remate da composição. A desobstrução da lacuna, ainda por efectuar, poderá trazer

elementos de interesse e possivelmente alguns fragmentos do pavimento. Por outro lado, a aná-

lise da gramática decorativa foi limitada pela concreção calcária que cobre o pavimento e que não

foi atempadamente removida.

Técnica de colocaçãoNão foi objecto de sondagem.

MateriaisCalcários. Branco-marfim para o fundo; preto para o contorno das peltas; castanho ama-

relado, ocre castanho, ocre violeta, cinzento claro e vermelho escuro para decoração secundária.

Densidade das tesselas82 tesselas por dm2. Tesselas com 1,2 cm de lado.

Estratégia de execuçãoOs motivos expostos no ítem área conservada invalidam qualquer tentativa de análise neste

domínio. Apenas podemos aventar a hipótese de uma execução de Sudeste para Noroeste com

base nos motivos truncados a Noroeste e na qualidade de apresentação que se exige no lado da

entrada.

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PARTE II – OS PAVIMENTOS DA VILLA

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Restauros antigosNão existem.

Restauros modernosNão existem.

Ilustração utilizadaRelatório de escavações de 1998 com fotografias, cortes estratigráficos e planta. Levanta-

mento tessela a tessela de pormenores.

BibliografiaInédito.

DescriçãoFaixa branca (10 cm), conservada apenas a Sul.

Filete duplo preto; triplo filete branco; trança múltipla delimitada exteriormente por um filete

simples preto e interiormente por um duplo (60 cm) (cf. Le Décor, est. 73 f); meandro fraccionado

com fracções imbricadas (cf. Le Décor, est. 32 d), excepto a Norte (7,5 cm); duplo filete preto e tri-

plo filete branco.

A composição era certamente à base de octógonos, hexágonos oblongos e quadrados adja-

centes (tavez uma variante da est. 175 d) do Décor), desenhada através de trança de dois cordões

(12 cm de largura), debruada exteriormente por um filete duplo preto e internamente apenas

por um (cf. Le Décor, est. 70 j). O estado de destruição aliado às concreções calcárias que o

cobrem dificultam qualquer tentativa de identificação precisa da composição. Conserva-se um

semi-octógono a noroeste, remate de composição, com uma segunda moldura interna em

filete simples preto, separado da primeira por um filete triplo branco e no interior foi inserido

um florão compósito, seccionado por restrições de espaço, com oito elementos não contíguos,

quatro em pétalas lanceoladas pretas e quatro em lótus trífido em redor de um círculo con-

cêntrico (cf. Le Décor II, est. 268 a). A envergadura do florão é de 74 cm, tomando como pon-

tos de referência as extremidades das folhas lanceoladas. O centro do florão é constituído por

um círculo preto, uma fiada branca e centro ocre violeta. Alguns (todos?) octógonos da com-

posição eram certamente preenchidos com este tipo de florão, uma vez que se conserva no lado

nordeste as extremidades das pétalas num outro octógono. Um dos hexágonos parcialmente

conservado apresenta um motivo longiforme. Alguns (todos?) quadrados da composição eram

ornamentados com quadrado de lados direitos policromos. Junto à bordadura Oeste e Este, a

composição foi rematada com trapézios, dois quais nos restou um com um motivo vegetalista

constituído por uma folha lanceolada preta com duas folhas laterais tombadas e um trapézio

policromo.

ComentáriosApesar do elevado grau de destruição, é ainda possível aproximar este mosaico, quer na sua

composição, quer nos seus motivos particulares, de outros pavimentos da casa. Os octógonos

delimitados a trança de dois cordões encontramo-los no mosaico n.0 3C e no n.0 7A, o florão é

também comum, quer ao pavimento n.0 2A, quer ao n.0 15A, todos eles inseridos em octógonos.

O motivo longiforme, pouco frequente nos mosaicos, aparece também no n.0 7A.

DataçãoFinais do século IV – princípios do século V.

120

A VILLA ROMANA DE RIO MAIOR. ESTUDO DE MOSAICOS

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N.0 11

TemaFragmento com sinusóides cruzadas.

CompartimentoO fragmento deve corresponder a um compartimento a Norte do peristilo de cujo pavi-

mento resta apenas este fragmento. Todas as estruturas arquitectónicas desapareceram (pare-

des e cama de assentamento do pavimento).

Dimensões do compartimentoImpossíveis de definir pelos motivos supramencionados.

Dimensões do mosaico0,61 x 0,22 m.

Local de conservaçãoIn situ.

Área visível aquando da descobertaA mesma que actualmente.

Área conservadaO fragmento encontrado apresenta uma frágil constituição. O leito de cal entre as tesselas

é praticamente inexistente provocando a desagregação do mosaico.

Técnica de colocaçãoAguarda-se a remoção do fragmento.

MateriaisCalcários. Branco-marfim para o fundo; preto para os contornos; castanho amarelado,

amarelo acastanhado escuro, cinzento claro, cinzento metálico e terracota para os motivos de

enchimento.

Densidade das tesselas180 tesselas por dm2. Tesselas com 0,5 cm de lado.

Estratégia de execuçãoImpossível de definir pelos motivos já expostos.

Restauros antigosNão existem.

Restauros modernosNão existem.

121

PARTE II – OS PAVIMENTOS DA VILLA

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Ilustração utilizadaRelatório de escavações de 1999 com fotografias, cortes estratigráficos e planta. Levanta-

mento à escala 1/1 em plástico cristal. Des. 12. Est. IX.

BibliografiaInédito.

DescriçãoSinusóides cruzadas tratadas em linhas de cálices [castanho amarelado, castanho amare-

lado escuro, terracota, cinzento claro e cinzento metálico] alternadamente deitados e erguidos,

com sinusóide branca ou preta, definindo círculos grandes e pequenos. No círculo maior foi

inserido um sexifólio formado por três folhas lanceoladas pretas e três pétalas castanho ama-

relado escuro e terracota. Nos dois círculos menores foram inseridos um quadradinho policromo

e um círculo denticulado preto em fundo branco com disco central preto e terracota.

ComentáriosDevido à exiguidade do fragmento conservado, é difícil inferir se estamos perante uma com-

posição linear do tipo Décor, est. 68, ou uma composição de superfície do tipo Décor, est. 234-236.

Os cálices de lótus, que analisámos a propósito do mosaico n.0 3C, surgem aqui grossei-

ramente executados numa versão de cálices quadrífidos. A paleta cromática e a execução da gra-

dação de cores revelam a presença de outro grupo oficinal.

DataçãoFinais do século IV – princípios do século V (?).

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A VILLA ROMANA DE RIO MAIOR. ESTUDO DE MOSAICOS

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N.0 12

Tema(?)

CompartimentoSala situada a Este do peristilo.

Dimensões do compartimentoIndeterminadas por se encontrar parcialmente coberto a Leste.

Dimensões do mosaico4,5 x 1,3 * m.

Local de conservaçãoIn situ.

Área visível aquando da descobertaA mesma que actualmente.

Área conservadaEscavado talvez a 1/3 da sua extensão real, não é possível observar correctamente o pavi-

mento por se encontrar totalmente coberto com uma espessa camada de concreção calcária que

não foi removida atempadamente.

Técnica de colocaçãoNão foi objecto de sondagem.

Materiais(?)

Densidade das tesselas(?)

Estratégia de execução(?)

Restauros antigos(?)

Restauros modernos(?)

Ilustração utilizadaRelatório de escavações de 1999 com fotografias, cortes estratigráficos e planta.

Bibliografia—

Datação(?)

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PARTE II – OS PAVIMENTOS DA VILLA

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N.0 13

Tema(?)

CompartimentoSala situada a Este do peristilo.

Dimensões do compartimentoA largura é definida pela presença do pavimento (3,7 m no mínimo), ao passo que o com-

primento só poderá ser determinado quando concluída a escavação do pavimento para Este.

Dimensões do mosaico3,7 x 1,9 * m

Local de conservaçãoIn situ.

Área visível aquando da descobertaA mesma que actualmente.

Área conservadaVer comentários ao n.0 12.

Técnica de colocaçãoNão foi objecto de sondagem.

Materiais(?)

Densidade das tesselas(?)

Estratégia de execução(?)

Restauros antigos(?)

Restauros modernos(?)

Ilustração utilizadaRelatório de escavações de 1999 com fotografias, cortes estratigráficos e planta.

Bibliografia—

Datação(?)

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A VILLA ROMANA DE RIO MAIOR. ESTUDO DE MOSAICOS

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N.0 14

TemaComposição ortogonal de pares de peltas alternadamente horizontais e verticais.

CompartimentoEstreito corredor, com sentido Este/Oeste, centrado e perpendicular à orientação geral da casa,

ligando o grande corredor oeste (n.0 6) ao compartimento circular (n.0 15A). Dada a sua estreiteza,

será lícito pensar num corredor com paredes rasgadas por arcadas, não obstante a carência de dados

arqueológicos e/ou arquitectónicos que o confirmem, uma vez que os muros do corredor desapa-

receram, restando apenas um pequeno segmento com 2,5 x 0,54 m e 0,32 m de altura.

Dimensões do compartimentoVer dimensões do mosaico.

Dimensões do mosaico7,19 x 1,50 m*.

Local de conservaçãoIn situ.

Área visível aquando da descobertaA mesma que actualmente.

Área conservadaTapete bastante bem conservado, apresentando apenas as orlas parcialmente danificadas.

Nos topos Leste e Oeste, o pavimento mantem-se à cota original, tendo abatido cerca de 20 cm

em praticamente toda a sua extensão.

Técnica de colocaçãoNão foi objecto de sondagem.

MateriaisCalcários. Branco marfim para o fundo; preto para as bordaduras do campo e as peltas; cas-

tanho amarelado e terracota para enchimento das peltas e meias luas.

Densidade das tesselas31 tesselas por dm2 na orla. Tesselas com 1,5 a 2 cm de lado.

139 tesselas por dm2 no campo. Tesselas com 0,7 cm de lado.

68 tesselas por dm2 na faixa de ligação ao mosaico n.0 15A.

Estratégia de execuçãoAs orlas de remate à parede foram realizadas em fiadas paralelas aos muros, bem como a

ligação ao mosaico n.0 15A, malgrado a irregularidade que apresenta nessa zona. O sentido da exe-

cução vai de Este para Oeste, sendo bem detectáveis as várias mãos que realizaram o mosaico.

A Este, a execução é fina e cuidada, quer no corte das tesselas, quer na simetria da sua colocação.

Esta qualidade vai-se perdendo progressivamente para mãos menos hábeis, recuperando-se nova-

mente na trança do extremo oeste. Verificam-se algumas irregularidades na dimensão dos triân-

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PARTE II – OS PAVIMENTOS DA VILLA

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gulos denteados do ápice da pelta, que se tornam maiores para Oeste, inclusivamente na cor em

dois casos a Leste, já não totalmente pretos, mas combinados com cor terracota. Um dos qua-

dradinhos formado pela união das quatro peltas, a Leste, também não foi executado como os res-

tantes: é preenchido com tesselas de cor terracota. Pesem embora estas pequenas irregularida-

des, detectáveis apenas através de uma atenta observação, a composição foi bem centrada em rela-

ção ao espaço disponível não sendo necessário recorrer ao corte de motivos.

Restauros antigosNão existem.

Restauros modernos Não existem.

Ilustração utilizadaRelatório de escavações de 1995 e 1996, com fotografias, cortes estratigráficos e planta.

Levantamento geral à escala 1/1 em plástico cristal. Levantamento tessela a tessela de porme-

nores. Des. 13. Est. X.

BibliografiaInédito.

DescriçãoFaixa branca (10 cm a Sul, junto ao muro; 20 cm a Norte e de 4,5 a 13 cm a Oeste). A Este, é

possível identificar a argamassa de suporte do pavimento musivo e, pelo menos, três fiadas de tes-

selas brancas, de grandes dimensões, dispostas de forma irregular, com algumas tesselas pretas

que desenhavam certamente uma linha de quadradinhos denteados ou florzinhas pretas. Depois,

no canto noroeste, as tesselas brancas são exactamente da mesma dimensão das do tapete.

Duplo filete preto a Norte, Sul e Este, trança de dois cordões (12,8 m) em fundo preto (cf.

Le Décor, est. 71 c) apenas a Oeste; triplo filete branco; duplo filete preto.

Composição ortogonal de pares tangentes de peltas adossadas, alternadamente horizontais

e verticais (cf. Le Décor, variante da est. 222 d) e e). Cada pelta é desenhada com filete duplo preto

com um ápice em triângulo denticulado preto. O interior de cada pelta foi contornado primeiro

com duas fiadas de tesselas brancas e, depois, preenchido alternadamente com tesselas casta-

nho amarelado ou terracota. Entre o ápice e as extremidades da pelta, foram adossadas, mas não

encostadas, duas meias luas, alternadamente terracota e castanho amarelado, sempre em opo-

sição à cor de enchimento da pelta.

As peltas, com 36 cm de envergadura aproximadamente, estão ligadas, na maior parte, atra-

vés de uma ou duas tesselas pretas, castanho amarelado ou terracota. A união entre as quatro

peltas determina rectângulos irregulares preenchidos com tesselas brancas.

ComentáriosA composição é idêntica à que analisamos no n.0 9, com variantes no tratamento cromá-

tico das peltas, mas semelhante paleta de cores. Tivemos aí oportunidade de abordar com por-

menor a origem e evolução do esquema. Registam-se aqui alguns exemplos da composição apli-

cados em espaços arquitectónicos similares.

Na Britânia, o esquema foi particularmente empregue em corredores no século IV: Ful-

lerton, com peltas pretas e vermelhas e ápice em cruz (Neal, 1981, n.0 46, p. 79), Brancroft, com

peltas sem decoração (Neal, 1981, n.0 5, p. 41-42), Thenford, também sem decoração no ápice

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A VILLA ROMANA DE RIO MAIOR. ESTUDO DE MOSAICOS

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(Neal, 1981, n.0 72, p. 99). Conhecido através de um desenho que não permite identificar a deco-

ração do ápice, o mosaico do corredor de Scampton, obra da Durobrivan Officina, data do terceiro

quartel do século III (Johnson, 1982, p. 49, est. 38).

Na região do Nórico inventariámos um conjunto expressivo de cinco mosaicos com um

esquema de peltas, na variante, mais rara, de ápice em rectângulo, realizados em corredores: em

Munique, na villa de Marzoll (Jobst, 1982, est. 9.2) e na esquina entre a Kaigasse e a Pfeifergasse

(Jobst, 1982, p. 73-74, est. 35.3 e 36.3), na villa Loig (Jobst, 1982, p. 113-115, est. 49.3), em Johan-

nesPlatz 4, em Luxemburgo (Jobst, 1982, est. 49.1) e em Ausschnitt (Jobst, 1982, est. 49.4).

O tratamento das peltas de um mosaico da Basilica Probi de Ravena, datado do século IV,

aproxima-se bastante do nosso mosaico (cf. Sansoni, 1998, p. 75), assim como a bordadura do

painel de Ganimedes na Sollertiana Domus de Thysdrus, não datado (Foucher, 1964, est. XXIV

b; Alexander, 1994, est. CLXIII).

DataçãoSegunda metade do século IV.

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PARTE II – OS PAVIMENTOS DA VILLA

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N.0 15

TemasA – Composição ortogonal de octógonos e quadrados adjacentes.

B –Fragmento com motivo figurado indeterminado.

CompartimentoGrande compartimento circular a Oeste da casa. Afora um pequeno fragmento da parede

a Sudeste (1,80 x 0,70 m), acompanhando a curvatura do mosaico, não existem muitos indí-

cios acerca da sua estrutura arquitectónica. É provável que o corredor fosse porticado, com um

espaço central livre. Não há quaisquer vestígios materiais da existência de fonte ou tanque,

pesem embora, por um lado, a referência no relatório de escavações a um rebaixamento feito

no muro a Sudeste que poderá corresponder a uma canalização e que, com toda a evidência,

para aí se dirigia. As características técnicas do fragmento B, encontrado no centro do com-

partimento, correspondem aos pavimentos de solo (cf. técnica de colocação), pelo que nos

parece legítimo interpretá-lo como vestígio de um medalhão central figurado, destruído volun-

taria ou involuntariamente. A opção por um compartimento fechado e porticado, como

demonstrámos, coaduna-se perfeitamente com uma pavimentação cuidada da zona central.

Tratar-se-ia de um espaço de lazer e convívio. Quiçá não fosse este o local ideal para a ninfa des-

coberta no compartimento 8 e restantes estátuas cujos fragmentos encontramos em vários

locais?

Dimensões do compartimentoDiâmetro máximo: 12 m

Diâmetro do espaço central: 6 m

Dimensões do mosaicoA – Largura da zona de circulação: 3 m. Perímetro: 37 m.

B – 18 x 16 cm.

Local de conservaçãoA – In situ.

B – Nas reservas da CMRM.

Área visível aquando da descobertaA mesma que actualmente.

Área conservadaMalgradamente, sendo o mosaico A o mais belo da estação até ao momento, é também o

mais destruído. Conserva-se cerca de 20 % da sua superfície total com tesselado e cerca de 60 %

com a simples cama de assentamento.

Técnica de colocaçãoDetectaram-se três camadas no corredor: o rudus, formado por pedras, nódulos de cal e

areia; o nucleus, constituído por uma argamassa alaranjada muito fina obtida a partir de cerâ-

mica moída e cal (2,5 cm); finalmente, a argamassa de cal da camada de assentamento (1 cm).

O fragmento B apresenta um nucleus (3 cm), feito com argamassa acastanhada constituída

por areia, nódulos de cal e cerâmica moída (com alguns pedaços bem visíveis a olho nu, atingindo

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A VILLA ROMANA DE RIO MAIOR. ESTUDO DE MOSAICOS

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por vezes 5 cm) e uma camada de assentamento (1 cm) constituída por argamassa de cal, muito

branca. As tesselas apresentam um corte regular e os interstícios são quase imperceptíveis.

MateriaisA – Calcários. Branco-marfim para o fundo; preto para as linhas da composição, folhas e

contorno das peltas; castanho amarelado, ocre violeta, vermelho acastanhado e cinzento

francês para o tratamento dos diversos motivos de enchimento.

B – Calcário. Branco-marfim para o fundo e preto para o contorno do motivo.

Vidro. Azul-turquesa, verde malaquite e cinzento esverdeado para o enchimento do motivo.

Densidade das tesselasA – 169 tesselas por dm2. Tesselas de 0,5 cm de lado no campo e 1,5 a 2 cm na orla.

B – 270 tesselas por dm2 . Tesselas calcárias com 0,5 cm de lado e 0,7 cm nas tesselas

vítreas.

Estratégia de execuçãoA realização da orla de remate é de fraca execução: as tesselas foram muito mal talhadas e

a sua colocação é bastante irregular, com largos interstícios. A linha de florzinhas é também rela-

tivamente inconstante na forma, transformando-se em linha de quadradinhos denteados a

Norte. Foram, todavia, mãos bem mais hábeis que realizaram o campo. As tesselas são bem

talhadas, muito menores, com interstícios ínfimos, merecendo particular destaque o grande flo-

rão junto do acesso ao corredor (n.0 14), motivo de elevada qualidade de execução. Noutros locais

do mosaico, nomeadamente a Sul, notam-se novamente mãos pouco hábeis na realização dos

nós de Salomão e das peltas.

A estratégia de execução é difícil de acompanhar devido ao elevado grau de destruição do

pavimento, contudo, é notória a preocupação de apresentar mosaico de qualidade em zonas mais

visíveis como é o caso da entrada.

Restauros antigoNão existem.

Restauros modernosNão existem.

Ilustração utilizadaRelatório de escavações de 1995 e 1996 com fotografias, cortes estratigráficos e planta.

Levantamento geral à escala 1/1 em plástico cristal e tessela a tessela de pormenores. Des. 13. Est.

XI, XII, XIII.

BibliografiaInédito.

Descrição

Painel A

Faixa branca (9 cm a Sul; 20 cm a Norte; 50 cm a Este junto à parede) com linha de flor-

zinhas pretas em cruz diagonal, não contíguas (cf. Le Décor, est. 4 j) e irregularmente equidis-

tantes de 50 a 56 cm.

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PARTE II – OS PAVIMENTOS DA VILLA

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Filete duplo preto; filete quádruplo branco; filete duplo preto.

Composição ortogonal de octógonos e quadrados adjacentes delineada a duplo filete preto

em fundo branco (cf. Le Décor, variante da est. 164 a). Os octógonos, ligeiramente oblongos a

fim de acompanhar a curva do compartimento/pavimento, são internamente decorados com um

segundo octógono, singelamente definido por um filete preto, com um motivo vegetal ou geo-

métrico. Assim, na primeira linha junto à orla de remate, há octógonos com florões compósi-

tos de oito elementos não contíguos, quatro em pétalas lanceoladas, contornadas a preto com

enchimento cinzento francês muito semelhantes às que descrevemos no n.0 2B e no n.0 10, e

quatro em pétalas de lótus com pontas recurvadas (cf. Le Décor, II, variante da est. 268a). O flo-

rão situado junto do corredor n.0 14 é o único totalmente conservado: quatro folhas lanceoladas

contornadas por um filete duplo preto e preenchidas a cinzento francês, com quatro flores de

lótus policromas (76 cm de envergadura máxima). Do pedúnculo preto emerge um cálice, ora

vermelho acastanhado, ora castanho amarelado, a partir de onde se desenvolvem três pétalas;

as pétalas laterais, inclinadas sobre as folhas lanceoladas, são ocre violeta e a central, revirada,

é castanho amarelado ou vermelho acastanhado/ocre violeta em oposição.

Na segunda linha de octógonos, o motivo é de cariz geométrico e consiste num arranjo de

quatro peltas adossadas com triângulos denteados pretos nas extremidades e no ápice. Nos espa-

ços residuais externos foram colocados triângulos policromos denteados ligados à moldura atra-

vés de uma pequena linha de três a quatro tesselas pretas. No centro do motivo foi inserido um

quadrado de lados côncavos desenhado a filete preto e no seu interior um quadrado denteado com

cruz branca nas diagonais, ora totalmente preto, ora policromo. Embora muito destruídas, é pos-

sível identificar mais uma linha de octógonos com florões e outra linha com peltas adossadas.

Os quadrados entre os octógonos, definidos a filete simples, mostram: florões de quatro

pétalas lanceoladas unidas a um círculo preto com enchimento ocre violeta, uma tessela branca

no centro e quatro pequenos caules castanho amarelado trífidos; quadrados denteados policro-

mos com cruz branca diagonal e nó de Salomão em fundo preto.

Os trapézios, junto à linha externa de remate da composição, apresentam uma flor-de-lis

com uma pétala lanceolada central e duas laterais, assentes num filete triplo preto. Parecem

todas pretas com excepção da que se situa junto ao corredor (n.0 14): folha central debruada a

preto e enchida a cinzento francês, folhas laterais com arranque preto e tratamento vermelho

acastanhado/ocre violeta.

Fragmento B

Num fundo branco destaca-se um motivo em tons de verde e preto: Folhagem?

ComentáriosA composição obtida através de quadrados e octógonos adjacentes conta-se entre os pri-

meiros esquemas usados nos pavimentos de opus tessellatum, sendo também um dos esquemas

mais divulgados. É uma composição que encontramos em todas as regiões do vasto Império

Romano, considerado na sua expansão máxima. Proporcional à sua larga difusão, é a diversidade

de tratamento e a época de utilização. Genericamente, a cronologia da composição vai desde fins

do século I a.C. (Blake, 1930, p. 93, est. 44.3) até ao século IV, com especial incidência, entre os

século III-IV, no Norte de África (Salies, 1974, p. 10, 141-143, fig. 3. 36), mas sobretudo na His-

pânia. Após o desaparecimento do Império Romano do Ocidente, o esquema continuou presente

no repertório dos artistas e, olhando à nossa volta hoje em dia, voltamos a vê-lo nos nossos azu-

lejos ou nos nossos tapetes.

Considerado, sem fundamentos sérios, invenção dos mosaístas por A. Ovadiah (1980,

p. 140) é, porém, globalmente aceite que o esquema lhes foi inspirado dos tectos em caixotões

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A VILLA ROMANA DE RIO MAIOR. ESTUDO DE MOSAICOS

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(cf. Neal, 1981, p. 27; Balil, 1967, p. 125). Todavia, a questão da sua origem exacta, quer crono-

lógica, quer estilística, permanece problemática. Em 1967, A. Balil considerava não existirem

argumentos cronológicos suficientes para estabelecer a prioridade de uma modalidade em rela-

ção à outra (p. 125). Nem o estudo mais recente realizado por Alix Barbet e Anne-Marie Guimier-

-Sorbets parece resolver definitivamente a questão (1984, p. 23-37, est. I-IX). De facto, as auto-

ras apenas registaram um exemplo de caixotões pintados com o referido esquema na abóbada

de Anfuschi de Alexandria, datada, com reservas, do século II a.C. e, por conseguinte, esta rari-

dade até ao período republicano pugnaria assim em favor de uma derivação da pintura, mais do

que da arquitectura, para o opus tessellatum (Barbet e Guimier-Sorbet, 1984, p. 30 e 37). Sinte-

tizado o essencial da questão em torno da origem da composição, que não nos cabe debater no

âmbito científico definido para esta dissertação, interessa-nos integrar o nosso esquema nas

variadas cambiantes da composição ao longo dos tempos, a fim de aferir a sua cronologia.

Do ponto de vista técnico, o esquema foi tratado de duas formas: em composição ortogo-

nal ou diagonal. Ambas coexistiram geográfica e cronologicamente.

O primeiro estádio da composição situa-se entre o século I a.C. e o século I d.C. No século

I a.C., encontramos o primeiro exemplo da composição em Roma pavimentando sobriamente o

Atrium Vestae, com um desenho a filete preto sobre fundo branco, sem qualquer decoração (Blake,

1930, est. 44. 3). Pouco depois, na transição do século I a.C. para o século I d.C., é adoptada em

Pompeia, na Casa di Championnet (Blake, 1930, p. 97-98, est. 24.3) com a mesma sobriedade bicro-

mática, mas também o encontramos em Óstia (Blake, 1930, p. 90, est. 15.1), em Aquileia (Blake,

1930, p. 105-106 e 192, est. 16.3, 21.1, 22.3, 22.3, e 3) e em Este (Blake, 1930, p. 101-102 e p. 109,

est. 20). Nos fins do século I, é também conhecido na Grécia, nomeadamente em Olímpia: no cal-

darium dos Kladeos Baths (Waywell, 1979, n.0 31, p. 300), no corredor dos Kronion Baths (Waywell,

1979, n.0 32, p. 300) e no triclinium do Prytaneion (Waywell, 1979, n.0 33, p. 300), tornando-se bas-

tante comum no século II, última centúria da versão bícroma (Waywell, 1979, p. 307).

Ainda no século I, o esquema chegou à Hispânia, nomeadamente às regiões litorais onde

os contactos comerciais acentuavam o legado cultural clássico. É o caso do pavimento de opus

signinum da Domus da Calle de Lladó de Baetulo, com quadrados nos octógonos, datado do

período julio-claudiano (Balil, 1964, n.0 5, p. 90-91, est. III e IV1 e 2) e o pavimento bicromo de

opus tessellatum de Ampúrias, ligeiramente mais tardio, com octógonos pretos (Dunbabin,

1999, p. 145, fig. 149). Ambos esquemas são tratados com o máximo de sobriedade, servindo

mormente como estrutura arquitectónica de isolamento.

Durante o século II, a expansão do motivo acentuou-se, com especial destaque para os ateliês

de Vienne, fortemente influenciados pelos modelos itálicos. Estes adoptaram a composição nas suas

variantes oblíqua e diagonal e no tratamento em trança de dois cordões ou em filete. Foi também

empregue como micro-composição de enchimento. Os dois mosaicos de Orfeu e o mosaico das

máscaras têm características comuns no tratamento das linhas da composição em trança. O mosaico

de Orfeu, mais antigo, de finais do século II, encontrado no Champs de Marte em Vienne, provém

do frigidarium das termas da casa (Lancha, 1977, p. 162, fig. 83-85; Recueil, III, 2, n.0 282, p. 89-93,

est. XXXIV a, b-XXXVII). O segundo, de princípios do século III, provém de Saint Romain-en-Gal,

na outra margem do rio Ródano e apresenta uma estrutura que evidencia a imagem de Orfeu (Lan-

cha, 1977, p. 162, fig. 79-80). Da mesma época data o mosaico das máscaras de teatro (Lancha,

1990a, n.0 23, p. 51-56). À primeira vista, parece-nos que a opção por este desenho em trança se apli-

cou a mosaicos com figuras, ao contrário dos exemplos conhecidos com filete, cujos motivos de

enchimento são essencialmente florais (Lancha, 1977, p. 162, fig. 81-82, 86 e 86 bis, com 3 exem-

plos). Ainda nos finais do século II, os mosaístas vienenses adaptaram este esquema a espaços redu-

zidos dentro de outras composições (Lancha, 1977, p. 162-163, fig. 8bis e 89; Lancha, 1990a, p. 37-

-38, p. 89-91, fig. 11 e 44 — datam de 170 d.C. e 175-200 d.C. respectivamente).

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PARTE II – OS PAVIMENTOS DA VILLA

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As regiões mais setentrionais do Império desenvolveram o gosto por esquemas desenha-

dos a filete duplo preto, com octógonos preenchidos com florões, nós de Salomão, cálices de

lótus inseridos em molduras quadradas pretas, como é o caso em Soissons (Recueil, I, 1, n.0 64,

p. 45, est. XIX), grandes florões de estilos diferentes em Anthée (Recueil, I, 2, n.0 156, p. 26-28,

est. III-IX), ou pequenas flores e peixes e aves nos quadrados em Oberweis na 1.a metade do

século II (Parlasca, 1959, est. 19-1; Recueil, I, 2, est. E). Estes três pavimentos apresentam como

característica comum a preocupação pela não repetição dos motivos de enchimento, caracterís-

tica que retorna no século IV, mas simultaneamente a procura de uma certa sobriedade de estilo

clássico, contrariamente ao que sucederá em épocas mais tardias, onde a sobrecarga de moti-

vos variados lhe confere um estilo barroco. O mosaico de Oberweis ilustra bem a desproporção

existente entre o espaço disponível nos octógonos e a reduzida dimensão dos florões que os

preenchem, deixando à vista grandes áreas brancas do fundo. Seria esta leveza no tratamento a

prova mais directa da sua derivação da arquitectura? A mesma impressão nos suscita um

mosaico de Óstia, datado da segunda metade do século II, proveniente do Caseggiato del Mitreo

di Lucrezio Menandro (Becatti, 1961, n.0 6, p. 14, est. XXII). Na Villa Adriana de Tibur, são gran-

des florões de estilo severiano que preenchem os octógonos (Gozlan, 1978, p. 75).

Na Hispania, os exemplos de opus tessellatum do século II – princípios do século III são

poucos. Datado da segunda metade do século II, um mosaico do Museo Arqueológico Provincial

de Sevilha, proveniente de Alcolea del Rio, poderá considerar-se um dos primeiros exemplos a

apresentar o esquema: trata-se de uma faixa de alongamento de um painel com estrelas de losan-

gos, com uma linha de quatro octógonos e três quadrados desenhados a filete preto, sem qual-

quer tipo de decoração. Na Casa Basílica de Mérida contamos com outro exemplo. O mosaico

pavimentava o corredor oeste do peristilo, apresentando como principais características um tra-

çado a filete cujos octógonos são preenchidos com quadrados, decorados com nós de salomão,

rosetas e quatro folhas (Álvarez Martínez, 1990, n.0 51, p. 47, est. 82a e 83b). A pobreza da deco-

ração e a rudeza do seu traçado contrastam flagrantemente com o mosaico de Baco de Itálica,

exposto no Museo Arqueológico Provincial de Sevilha e datado da segunda metade do século II —

princípios do século III, cujo traçado a trança de dois cordões enquadra várias figuras báquicas

(CME, 2, n.0 3, p. 27-28, est. 11-13; Blázquez Martínez, 1984, p. 77, fig. 13).

No território actualmente português conhecemos seis exemplos da composição, situados cro-

nologicamente entre princípios do século II e finais do século III, todos eles são provenientes do Con-

ventus Scalabitanus. As suas características estilísticas são bastante singulares e reflectem uma clara

influência estética das províncias setentrionais. O pavimento bicromo de Póvoa de Cós (Moita, 1951b,

p. 147, est. II; Borges, 1986, n.0 2, p. 13-15, est. IV32) cujos octógonos são decorados com um qua-

drado preto no interior, é particularmente interessante pela suave transição desta composição para

um esquema de octógonos decorados com uma cruz grega e espaços residuais realizados a preto.

É bastante óbvio que estamos perante um cubiculum33, com a área do lectus bem demarcada, efeito

engenhosamente conseguido pelo mosaísta sem recorrer a dois painéis diferentes, mas aproveitando

a mesma grelha do desenho usada de formas distintas. O tratamento da composição filia o mosaico

nos seus congéneres itálicos do século I, mas dadas as datações propostas para os pavimentos his-

pânicos, não deve ser anterior ao século II34. Deve tratar-se do exemplo mais antigo de opus tessella-

tum do nosso país conhecido até ao momento. Na Casa dos Repuxos de Conímbriga, Bairrão Oleiro

analisou três pavimentos policromáticos com esta composição que datou do último quartel do

século II, princípios do século III: no oecus-triclinium (CMRP, I, n.0 10, p. 110-116, est. 39-43, 60.2

e 68.5), no corredor entre o peristilo e o pátio sul com a fonte (CMRP, I, n.0 6, p. 94-95, est. 34 e

58.2) e no compartimento virado para o pátio sul, em dois dos painéis que ladeiam o conhecido

mosaico do Sileno (CMRP, I, n.0 8, p. 98-103, est. 36 e 59.2). Todos eles são delineados a filetes

duplos pretos e os motivos de enchimento repetem-se de forma ritmada, sem recurso a molduras

132

A VILLA ROMANA DE RIO MAIOR. ESTUDO DE MOSAICOS

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internas octogonais. O mosaico n.0 8 destaca-se particularmente pela semelhança estrutural com o

nosso pavimento, ainda que os separem 100 a 150 anos. As diferenças entre ambos residem essen-

cialmente nos motivos de enchimento, não invalidando porém uma afinidade estilística flagrante,

marcada pelo recurso aos grandes florões em fundo brancos e a alternância ritmada dos mesmos.

O mosaico da sala J da villa de S. Pedro de Caldelas coloca alguns problemas cronológicos. De facto,

aí encontramos uma composição desenhada a filete duplo com medalhões octogonais delimitados

ora por trança de dois cordões, ora por grega fraccionada, e motivos de enchimento em nós de Salo-

mão ou florzinhas em cruz (Ponte, 1988, p. 129, fig. 89 e 90), estilisticamente enquadrável, grosso

modo, nos séculos II-III. Todavia, esta datação, baseada em critérios artísticos bastante seguros, con-

traria, em parte, a cronologia dos materiais arqueológicos, situados entre meados do século I e o

século II (Ponte, 1988, p. 132). Tendo em conta os exemplos citados atrás, nomeadamente o mosaico

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est. LIII, LIV e LXXXIX; Germain, 1978, p. 105), com seguidores na Hispânia: Cuevas de Soria e

La Sevillana. O apodyterium da villa de Cuevas de Soria (CME, 6, n.0 54, p. 60-63, est. 25). Dentro

dos octógonos, emoldurados alternadamente com cálices trífidos alternadamente invertidos e

ondas policromas, há florões diversos, enquanto nos quadrados foram desenhadas cruzes. Embora

a aproximação ao mosaico n.0 10 seja imposta pelo tipo de esquema adoptado e pelo tipo de flo-

rões, há uma relação estilística evidente com o mosaico n.0 3C no tipo de bordaduras em cálices

de lótus de que tivemos já ocasião de abordar. Sobrecarregado com decoração, quase sem espaços

vazios, este mosaico assume na plenitude a tradição dos mosaicos tardo-imperiais, particularmente

os do século IV (CME, 4, p. 63). Para este pavimento, os autores do Corpus espanhol afirmam que

possui antecedentes em Itália e paralelos no Norte de África, estando dentro da corrente seten-

trional com plena actividade em finais do século IV e princípios do século V, apontando paralelos

de meados do século V até ao século VI (CME, 4, p. 62). Em dois dos mosaicos de La Sevillana, data-

dos da segunda metade do século IV, o estilo é muito próximo, com octógonos desenhados a trança,

linha de ondas policromas e linhas de ressaltos, preenchidos com florões de lis, nós de Salomão e

quadrados (Aguilar e Guichard, 1993, n.0 8, p. 135, est. 54-55, n.0 13, p. 139-141, est. 57-58; Aguilar,

1994, n.0 8, p. 290, fig. 9, n.0 13, p. 294, fig. 13).

É na Hispânia do século IV que florescem os esquemas desenhados a filete duplo preto, a

trança de dois cordões, a linha denteada, grega fraccionada ou bandas em tons dégradê, com

motivos de enchimento florais ou geométricos, florões, florzinhas, nós de salomão, etc. O

mosaico de Rio Maior enquadra-se neste momento de maior esplendor da produção musiva

hispânica. Procura fugir à corrente barroca africana, simplificando as suas molduras ao estilo

mais clássico e apostando na valorização dos elementos florais que preenchem os octógonos.

Em Mérida, Pesquero e Pisões encontramos os paralelos mais próximos do nosso pavi-

mento, de tal forma que se deve ponderar a hipótese da presença de uma mesma oficina. Em

Mérida, existem dois pavimentos: na Ermita de La Piedad (Álvarez Martínez, 1990, n.0 2, p. 34-

-37, est. 6-7) e na Avenida de Extremadura (Álvarez Martínez, 1990, n.0 17, p. 98-101, fig. 10, est.

48-50), os esquemas são desenhados a filete duplo preto, com segunda moldura nos octógonos

realizada a filete preto simples e os elementos de enchimento são de uma semelhança inegável

nos octógonos, com o mesmo tipo de florões, alternando com motivos de quatro peltas adossa-

das com ápice em triângulo e meias luas entre as extremidades, com cruzes denteadas no cen-

tro e pequenas linhas nos cantos do octógono ou florões de quatro folhas lanceoladas pretas e

nos quadrados, nós de Salomão, flores de quatro folhas lanceoladas pretas cruzes, quadrados

entrelaçados com coxim ou rodas denticuladas. Ambos são datados do século IV. Infelizmente,

não sabemos se esta oficina era sediada em Mérida e se terá produzido outros pavimentos na

cidade. Alvarez Martínez não menciona nenhum paralelo emeritense para os florões ou os res-

tantes motivos. Em Pesquero, a composição encontra-se num compartimento absidal com

características peculiares, tratada numa paleta reduzida de quatro cores — vermelho, branco,

preto e amarelo — datada da segunda metade do século IV (Rubio Muñoz, 1988a, p. 194, est.

II). A repetição dos florões de lis e o tratamento dos quadrados são idênticos aos que encontra-

mos no longo corredor da villa de Pisões (Costa, 1988, sala 15, painel B, p. 105, fig. 7). De resto,

os florões são a cópia perfeita dos de Mérida. A datação proposta por M.a Luísa Costa situa-se

nos princípios do século III (1988, p. 121). Se nos reportarmos aos nossos comentários atrás, fei-

tos a propósito do mosaico n.0 8 de Conímbriga, datado de finais do século II – princípios do

século III, compreende-se melhor a proposta cronológica desta autora. Todavia, o tipo de florões

realizados é muito frequente nos mosaicos do século IV, como vimos a propósito do mosaico

n.0 2A e, no nosso pavimento, a presença de peltas com ápice em triângulo vem reforçar a data-

ção mais tardia. A presença desta oficina em Rio Maior mostra o carácter itinerante dos grupos

de mosaístas, assim como as ligações artísticas à zona emeritense, que ultrapassam as frontei-

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A VILLA ROMANA DE RIO MAIOR. ESTUDO DE MOSAICOS

Page 102: PARTE II Os pavimentos da villa - com o item anterior, a sua pertinência reside no facto de ... como é o nosso caso, beneficiar da ausência de ... (com largura máxima de 90 ...

ras administrativas. Ao conjunto deve acrescentar-se um dos mosaicos da colecção Marsilla de

Caravaca, proveniente de uma villa de Campico de los Mayas, do qual se conhece apenas um

fragmento, com execução mais grosseira (cerca de 68 tesselas por dm2) mas com a mesma estru-

tura e o mesmo tipo de florões, datado do século IV (CME, 4, n.0 89, p. 80, lám 43; Ramallo Asen-

sio, 1985, n.0 103.3, p. 113-115, est. LII). Também com um simples traçado a filete, com moldu-

ras internas a filete denteado e fracções imbricadas, o mosaico do apodyterium das termas do

Corso Europa em Milão, datado de Maximiano (Mori, 1990, p. 264-265) se aproxima do nosso

mosaico pelo tipo de florões e pelos nós de Salomão nos quadrados.

Recordando as características do mosaico supracitado de Acholla e tendo em conta um

outro mosaico de Thysdrus de fabrico fino e elevada qualidade artística no seus florões, datado

do século III (Foucher, 1960, p. 20-21, est. VI), parece-nos credível uma ligação directa ao

Norte de África no que se refere à decoração vegetalista, tendo porém bebido de uma fonte

comum situada nas regiões setentrionais do Império, a saber, a Gália e o Norte de Itália. O salão

norte das termas de Aquileia documenta a composição no reinado de Constâncio II, com enchi-

mentos figurativos e geométricos, onde não é alheia a influência artística africana (Lopreato,

1994, p. 93, est. XLV1 e p. 96, est. L1 e 2). O mosaico do corredor Id das termas de Djebel Oust,

datado de finais do século IV (Fendri, 1965, p. 166, fig. 8) revela ainda características clássicas

no desenho da composição em filete preto, mas sugere já tendências tardias não só pelas varia-

das molduras dos medalhões com linhas de meandro fraccionado, ondas, dentes de lobo, trança,

folhas de louro ou denticulado largo, como também pelos motivos de enchimento menores mar-

cadamente geométricos, também eles, muito variados. A forma como se apresenta o octógono

com florão de cálices largos, apenas com fina moldura em filete, num fundo branco, recorda com

bastante proximidade as opções dos mosaístas de Rio Maior.

Com traçado a filete preto são ainda numerosos os exemplos conhecidos na Hispânia. Na

villa de Freiria descobriu-se um pavimento cuja principal característica reside na repetição do

motivo do nó de Salomão em todos os quadrados. O esquema foi publicado numa forma recons-

titutiva (Cardoso e Encarnação, 1988). O mesmo traçado foi usado no corredor da villa de Oli-

var del Centeno, com motivos de enchimento variados — nós de Salomão curvos e rectos, rose-

tas, florões e rodas dentadas (García-Hoz Rosales et al., 1991, p. 396, fig. 3 e 8). Finalmente, os

dois últimos exemplos lusitanos são provenientes de Amendoal: no cubiculum da villa, onde a

zona do lectus está decorada com um esquema cujos octógonos estão decorados com cruzes suás-

ticas e os quadrados preenchidos com tesselas amarelas (Santos, 1971-1972, n.0 3, p. 175, fig. 250)

e no outro exemplo, ainda mais sóbrio, apenas um quadradinho denteado decora o centro dos

octógonos (Santos, 1971-1972, n.0 4, p. 175, fig. 251). A villa parece datar-se de meados ou fins

do século IV (Santos, 1971-1972, p. 176).

Nas restantes províncias hispânicas, destaca-se a villa de Algoros com cinco exemplos deste

esquema, datados da segunda metade do século IV. No compartimento D os octógonos apre-

sentam nós de Salomão num disco preto e flores de oito pétalas, ao passo que nos quadrados há

florzinhas (Mondelo, 1985, n.0 5, p. 120-124, fig. 7); na galeria lateral direita do compartimento

F, a decoração é semelhante, mas enriquecida com entrançado, suástica, seis e quatrofolhas nos

octógonos (Mondelo, 1985, n.0 6, p. 125-133, fig. 8); no compartimento G, os octógonos possuem

estrelas de quatro pontas rodeadas por losango, nós de Salomão em disco preto, quadrado sobre

o vértice com motivo vegetal cruciforme, entrançado ou ainda quadrados concêntricos de vérti-

ces opostos (Mondelo, 1985, n.0 7, p. 133-134, fig. 9); no impluvium, os octógonos possuem suás-

ticas (Mondelo, 1985, n.0 9, p. 135-140, fig. 11) e, finalmente, na soleira da galeria esquerda, com

entrançado e nós de Salomão, numa composição linear (Mondelo, 1985, n.0 6, p. 125-133, fig. 8).

O compartimento de acesso ao peristilo da villa de Santa Pola apresenta molduras octogonais

internas denteadas com florões no centro (Blázquez Martínez et al., 1993, p. 240-241, fig. 15).

135

PARTE II – OS PAVIMENTOS DA VILLA

Page 103: PARTE II Os pavimentos da villa - com o item anterior, a sua pertinência reside no facto de ... como é o nosso caso, beneficiar da ausência de ... (com largura máxima de 90 ...

Da mesma época, datam o mosaico do crismon, da villa de Prado, cujos octógonos apresen-

tam uma segunda moldura nos octógonos, realizada a filete simples, enquanto os quadrados leva-

ram o crismón (Torres Carro, 1988, n.0 3, p. 192-195, fig. 4, est. IV-VI; CME, 11, n.0 23, p. 56-57,

est. 22, fig. 9), assim como dois pavimentos de Rielves, de meados da centúria, um do compar-

timento K — triclinium — e outro do compartimento P, cujas composições apresentam octógo-

nos em filete denticulado (Fernández Castro, 1977-1978, p. 225-226, fig. 21, 220-221, fig. 10, res-

pectivamente). Ainda que o efeito estético seja algo diferente, um dos mosaicos da villa de Villa-

franca, do Baixo-império, manifesta afinidades com o conjunto em análise, destacando-se pelos

dois duplos filetes pretos com filete branco de permeio (CME, 7, n.0 50, p. 75-77, fig. 12, lám. 44-

-48, 58-60). Os medalhões circulares em trança, loureiro, linhas de triângulos ou ondas confe-

rem-lhe também alguma originalidade. Nos quadrados há nós de Salomão como em Rio Maior.

As composições desenhadas a trança de dois cordões são também muito frequentes na His-

pânia. Um dos pavimentos da villa de Quintana del Marco constitui também um paralelo pró-

ximo (CME, 10, n.0 19, p. 33-34, est. 11 e 31). A inserção de florões nos octógonos e as duas mol-

duras internas dos mesmos não só lhe conferem uma certa plasticidade como os aproximam dos

lacunaria. O pavimento está datado do século IV (CME, 10, p. 34). No vestíbulo que dá acesso à

sala octogonal de Almenara de Adaja, os octógonos apresentam uma moldura interna em linhas

de ressalto com enchimento de nós de salomão curvos e rectos, rosetas de folhas de hera,

enquanto os quadrados vão decorados com ampulhetas (CME, 11, n.0 14, p. 29, est. 11). Na Casa

de Baco em Complutum contamos com outro exemplo, datado de finais do século IV (Fernán-

dez-Galiano, 1984, p. 119-133, fig. 7, est. LXX; CME, 9, n.0 4, p. 27-29, fig. 8, lám. 14 e 39). Trata-

-se do Mosaico dos Cupidos, situado no compartimento centrado no eixo do peristilo a Oeste do

corredor — triclinium —, cujos octógonos são preenchidos com quadrados denteados sobre o

vértice inseridos numa moldura quadrada e os quadrados com florões.

Na Lusitânia documenta-se a composição em trança no mosaico de Oeiras, cujos octógo-

nos são decorados com quadrílobos e nós de Salomão, os quadrados com diagonais e os trapé-

zios da linha de remate da composição com quadrílobo e peltas de ápice e extremidades em triân-

gulo (Borges, 1986, n.0 24, p. 91-103, est. XIX-XX e fotos 45 a 48; Gomes et al., 199635).

A divergência cronológica patente nas muitas palavras escritas sobre este mosaico merece alguns

comentários. M. Gomes data-o de finais do século II e princípios do século III (et al., 1996,

p. 404), enquanto M. Borges o coloca no século IV (1986, p. 101). Na nossa opinião, os critérios

apresentados por M. Gomes são insuficientes e os paralelos citados possuem cronologias inse-

guras pois, com excepção da Casa dos Repuxos, quer St.a Vitória do Ameixial, quer Pisões, ainda

suscitam muitas interrogações. Citam ainda como paralelos Campo de Villavidel e o comparti-

mento do Sileno na Casa dos Repuxos (Gomes et al., 1996, p. 388), mencionando adiante o

mosaico de Freiria a propósito do nó de Salomão (Gomes et al., 1996, p. 390), sem mencionar

contudo a semelhança na composição. A preocupação pela não repetição dos motivos e os tipos

usados quer no painel dos octógonos, quer no painel de quadrados e rectângulos adjacentes (nós

de Salomão, quadrílobos, xadrez bicromático, linhas em ziguezague ou losangos com quatro para-

lelogramos) parecem apontar para o Baixo-Império. Por outro lado, a grande maioria dos para-

lelos que abordámos atrás registam-se nesse período. Finalmente, a pelta situada num canto,

preenchendo um octógono truncado no limite da composição, tal como acontece num trapézio

do nosso mosaico n.0 3C, deve considerar-se um elemento essencial de datação pois as extremi-

dades são tratadas em triângulo, característica que vimos atribuir-se com segurança ao século IV.

Assim, a datação proposta por M. Gomes não encontra fundamentos que possam contrariar a de

M. Borges que é, na nossa opinião, a mais correcta. No Museu Nacional de Arqueologia existem

quatro fragmentos de mosaico provenientes de Pedras d’El Rei que corresponderão provavel-

mente ao mesmo pavimento cuja composição, em trança, envolve flores (quadrados) e fauna mari-

136

A VILLA ROMANA DE RIO MAIOR. ESTUDO DE MOSAICOS

Page 104: PARTE II Os pavimentos da villa - com o item anterior, a sua pertinência reside no facto de ... como é o nosso caso, beneficiar da ausência de ... (com largura máxima de 90 ...

nha (nos octógonos) (Machado, 1970, n.0 32, 33, 34, 35, p. 44-47; Santos, 1971-1972, n.0 1, 2, 3, 4,

p. 309-310, fig. 330-333). Não há datação proposta para estes fragmentos.

Para a Meseta Norte, M. Torres Carro não tem dúvidas em apontar o octógono como a figura

geométrica com maior aceitação, quer na versão secante, quer na adjacente (Torres Carro, 1990,

p. 225). A mesma autora cita dois locais dessa região com composição de octógonos e quadrados

adjacentes: as villae de Prado e de Becilla de Valderaduey (Torres Carro, 1990, p. 225, fig. 1,

n.0 3), caracterizando-os como mosaicos com originalidade própria que repete-se no mosaico de

Dueñas e vários outros de Almenara. Destaca-se, ainda no século IV, o mosaico do galeria n.0 76

de Liédena, onde o estilo barroquista e pouco criativo é pautado pela repetição dos motivos flo-

rais em todos os octógonos36 e a reduzida paleta de cores (CME, 7, n.0 26, p. 49-50, est. 30).

Na Gália da quarta centúria também se documenta a composição no seu estilo mais barroco,

com esquema desenhado a trança ou cabo de bordos rectos, grinaldas de louro, molduras inter-

nas e florões: Portes-Lès-Valence (Recueil, III, 1, n.0 196, p. 141-142, est. LIII), Saint-Sever (Recueil,

IV, 2, n.0 220C, p. 100-101, est. LVII a LIX e n.0 221A, p. 102-103, est. LIX, A1,2) e Cieutat (Recueil,

IV, 2, n.0 267, p. 142-144, est. LXXXVII-LXXXVIII) e na Britânia, o tratamento da composição

segue a tradição do século II com desenho a trança, medalhões internos e florões nos octógonos,

como é o caso dos dois mosaicos de Dorchester, sede da Durnovaria Officina: o compartimento

10 do edifício I da Colliton Park e o mosaico com Neptuno da casa situada fora das muralhas, hoje

Fordington High Street (Rainey, 1973, p. 61 e 63). Há ainda a registar o mesmo tipo de composi-

ção em Barton Farm (Smith, 1969, est. 3.12; Johnson, 1995, p. 37-38, est. 26).

A composição mantem-se no imaginário dos artistas orientais até datas bastante tardias,

nomeadamente nas basílicas onde coexistirá com o esquema de octógonos secantes (cf. mosaico

n.0 7A). É disso exemplo a Igreja de Zahrani do Líbano, datada de 535 (Chehab, 1958, p. 96, est.

XLIX-3).

O arranjo de quatro peltas adossadas dentro de octógonos documenta-se também durante

o século IV no Norte de África: na segunda metade num dos medalhões do tapete geométrico

do Triunfo de Neptuno de Constantine (Baratte, 1973, p. 329, fig. 4) e, no final da centúria, no

corredor Ic das termas de Djebel Oust (Fendri, 1965, p. 166, fig. 16.2). Em ambos, as extremi-

dades das peltas terminam em volutas. Na mesma época, documenta-se na bordadura do

Mosaico da Vida de Alexandre da villa de Soueidié de Baalbeck no Líbano (Chehab, 1958, p. 46-

-48, est. XXII). Na transição da centúria decoram os octógonos do batistério de uma basílica de

Cremona (Sansoni, 1998, p. 79).

DataçãoSegunda metade do século IV.

137

PARTE II – OS PAVIMENTOS DA VILLA

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3. Estudo técnico dos mosaicos

Todas as opções tomadas pelos mosaístas na execução dos pavimentos, sejam elas pura-

mente técnicas ou meramente decorativas, devem ser analisadas em função da importância do

compartimento ao qual se destinam. “La casa privata è la scena del teatro dove ciascuno recita

la propia arte (...)” (I. Baldassare, apud Moreno González, 1995, p. 130). Tais palavras são a ilus-

tração clara das preocupações inerentes à decoração, justificando-se um maior cuidado nas

áreas de circulação e compartimentos sociais em detrimento dos espaços domésticos. Esse cui-

dado revela-se em aspectos técnicos, tais como a densidade das tesselas, a sua colocação, a

paleta de cores, a estratégia de execução, nomeadamente no que diz respeito à redução das orlas

de remate à parede, à sua cuidadosa realização junto a soleiras de portas e janelas, assim como

na eleição dos motivos decorativos. É esse conjunto de elementos técnicos e estéticos que ana-

lisaremos nas próximas páginas.

3.1. A construção

Apelativo pelo seu carácter decorativo, o mosaico desempenhou também um importante

papel na construção do edifício, isolando o solo e facilitando a sua manutenção. Considerava-

-se parte integrante da arquitectura.

É, pois, em Vitrúvio (De Architectura, livro VII, cap. I – Revestimentos e solo) e Plínio (His-

tória Natural, Livro XXXVI) que recolhemos as primeiras informações sobre as técnicas e os pre-

ceitos de construção de um mosaico. Vitrúvio recomenda, em primeiro lugar, que a superfície

do solo seja sólida e nivelada a fim de evitar abatimentos37. Em seguida, o terreno devia ser aca-

mado e compactado através de três camadas distintas de argamassas com constituições diver-

sas (Fig. 11): statumen — camada de seixos rolados que deviam ser do tamanho da cova da mão

com cerca de 12 cm; rudus — constituído por 3/4 de areia ou gravilha e 1/4 de cal batida com

maço, geralmente por um escravo, numa camada de 22 cm (cerca de 3/4 do pé romano); nucleus

— constituído por 3/4 de fragmentos de cerâmica e 1/4 de cal, formando uma camada de 11 cm

(seis dedos romanos). Esta última era muito importante porque isolava o pavimento da humi-

dade (Rebetez, 1997, p. 18) Em seguida, procedia-se à colocação das tesselas sobre uma camada

de assentamento de natureza carbónica com cerca de 1,5 cm e, por fim, aplicava-se pó de már-

138

A VILLA ROMANA DE RIO MAIOR. ESTUDO DE MOSAICOS

FIG. 11 – Representação ideal das camadas de assentamento de um pavimento de mosaico. a) tessela; b) camada de

assentamento; c) nucleus; d) rudus; e) statumen; f) solo. (Adaptação de Moreno González, 1994, est. 5.a, p. 142)

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more para conferir solidez às tesselas (Blake, 1930, p. 18). No total, o pavimento devia assentar

num leito de cerca de 45 cm. As argamassas deviam estar medianamente secas e compactadas

antes de se proceder à colocação das tesselas, recomendação que não é feita por Vitrúvio, mas

que o bom senso recomenda a fim de evitar o afundamento das tesselas na argamassa fresca.

Na sua Historia Natural (livro XXXVI, 1867), Plínio aponta as mesmas instruções sugerindo

o uso de uma camada de seixos sob as tábuas, além de sugerir para o rudus, uma mistura com

cerca de uma quarta parte de cerâmica quebrada e para o nucleus, 2/5 de cal (Blake, 1930, p. 18).

Para colocar as tesselas era feito um leito com 95% de cal que se estendia sobre a superfície.

O polimento era realizado com pedras mais duras do que o calcário usado no pavimento, esfre-

gando água com areias cristalinas muito finas (Blake, 1930, p. 209).

Quanto aos instrumentos empregues, não divergiam muito do que hoje são usados pelos

nossos calceteiros. O vectis ligneus, citado por Vitrúvio, ou a fistuca citada por Plínio, corres-

pondem ao maço usado pelos calceteiros para compactar as várias camadas (cf. Moreno Gon-

zález, 1995, p. 117-118). Uma espécie de cilindro deve ter sido usado para ajustar as tesselas. Plí-

nio menciona ainda o uso de pedra de polir — cos (Blake, 1930, p. 18).

Terão os mosaístas de Rio Maior seguido estas recomendações? Foi o que procurámos

indagar.

A recolha destas informações nem sempre é fácil, pois a maior parte dos mosaicos conhe-

cidos foram arrancados da sua cama e depositados em museus, sem quaisquer registos arqueo-

lógicos. No que diz respeito ao mosaicos escavados na actualidade, o procedimento é bem dife-

rente, uma vez que se podem obter esses dados através de pequenas sondagens em locais apro-

priados, como foi o nosso caso. Em Rio Maior dispomos da vantagem da ausência de paredes que

nos permite a realização de cortes junto à orla dos mosaicos e nas suas lacunas, embora, na ver-

dade, a solução ideal e mais rigorosa seja a escavação total da área sob os pavimentos. A obten-

ção destas informações só pode realizar-se mediante trabalhos arqueológicos, nem sempre exe-

quíveis. Sendo um trabalho essencialmente arqueológico, pouco interesse tem suscitado nos

investigadores, cuja formação é maioritariamente no domínio da História da Arte. Em Portugal,

talvez date de 1894 um dos primeiros registos desta natureza. Tratam-se dos registos efectuados

por José Umbelino sobre os fragmentos de mosaicos entrados no Museu de Beja e provenientes

da villa de Monte do Meio. Diz o autor: “o socalco era formado por 3 camadas, a primeira de meta-

des de tijolo assentes em cal, a segunda de pedra britada ligada com cimento e a terceira, em que

assentavam os cubos, só de cimento. O socalco tem altura de 0m,26. (...) O assentamento de cubos

e o preparado do socalco nem sempre era assim como se vê no do Monte do Meio. Assim nos

mosaicos encontrados na Herdade do Montinho e na da Calçada os cubos assentam em cimento,

mas este é lançado sobre tijolo de barro vermelho com 0m,005 de espessura que assenta numa

camada de pedra britada ligada com cal. A última camada de tijolo grosso falta. Como este é

assente também o mosaico encontrado em Beringel” (apud Viana, 1954, p. 14).

Dada a proximidade geográfica dos mosaicos que estudou, as recentes conclusões de M.

Pinto no domínio da análise do assentamento dos mosaicos constituem um passo importante

na investigação, ainda que ficassem aquém das expectativas (1997, p. 130-134). Com efeito, não

nos foi possível retirar elementos pertinentes de comparação com Rio Maior.

Na prática, depreende-se destas descrições que as camadas vitruvianas não se têm encon-

trado na sua plenitude, nem as suas espessuras correspondem às orientações dos autores clás-

sicos. A mesma situação se passa em Rio Maior. Não se verifica uniformidade nas camadas que

sustentam os mosaicos, nem nas suas dimensões, nem na sua composição. Do conjunto de

mosaicos sondados38, apenas o n.0 7E parece possuir statumen, muito débil, formado por areia,

terra e pedras. Os restantes assentam em terra. Quanto ao rudus, ficou muito aquém das dimen-

sões preconizadas por Vitrúvio. Atinge as dimensões máximas no pavimento n.0 1, com 12 cm,

139

PARTE II – OS PAVIMENTOS DA VILLA

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oscilando nos restantes entre os 8 cm e os 3 cm. É geralmente constituído por fragmentos de mate-

riais de construção, em particular, por tijoleiras nos painéis do peristilo e no n.0 6. Nos pavimentos

n.os 2, 3, 4, 5 e 15, trata-se de uma camada de pedras com terra. É apenas no nucleus que se começa

a verificar uma certa homogeneidade, quer nas dimensões — entre os 4 e 2 cm —, quer na sua

composição — cal, areia e cerâmica moída (excepto o n.0 1). A camada de assentamento de cal é

também mais ou menos regular, entre os 3 cm (máximo no n.0 1) e 0,5 cm (mínimo no n.0 3).

De um modo geral, as camadas são pouco resistentes, tendo-se verificado numerosos aba-

timentos nos pavimentos. Não dispomos ainda de explicação para esta heterogeneídade, mesmo

em painéis que parecem ter sido realizados por uma equipa de mosaístas. Foram certamente ope-

rários diferentes que procederam à preparação do solo, orientando possivelmente as suas opções

em função do tempo e dos materiais disponíveis, num local onde existiam estruturas anteriores.

O uso de tijoleiras e imbrices na realização de algumas camadas parece apontar nesse sentido.

3.2. As composições

O esquema da composição era realizado traçando linhas paralelas ou diagonais a partir do

alinhamento das paredes, usando para o efeito cordões, compassos ou réguas, que desenhavam

as formas geométricas de base (quadrados, círculos ou losango). A sinopia era gravada com uma

ponta em metal ou pintada sobre o nucleus. Ainda hoje é possível reconhecer esse traçado nas

lacunas de alguns mosaicos, nomeadamente em Utica ou Acholla (cf. Prudhomme, 1975, p. 339)

ou na casa de M. Fábio Rufo de Pompeia (cf. Moreno González, 1995, p. 114-115, est. Ib).

Os tapetes construídos com base em grelhas de quadrados constituem a maioria dos casos,

sendo também conhecidas grelhas de losangos regulares, obtidas através de uma quadrícula de

linhas oblíquas a 600, para os tapetes com motivos hexagonais e, mais raramente, grelhas de rec-

tângulos (Prudhomme, 1975, p. 340). A quadrícula podia apresentar-se sob duas formas: para-

lela ou oblíqua em relação às paredes. Formas estas que R. Pruhomme definiu como empírica

e metódica respectivamente (1975, fig. 23): a primeira consistindo numa quadrícula realizada

no centro geométrico do compartimento, prolongando-se sob os lados por módulos, e a segunda

consistindo numa malha oblíqua determinada directamente junto das paredes do comparti-

mento. Procuraremos identificar essas malhas nos esquemas de Rio Maior. A qualidade na exe-

cução da grelha é tanto maior quanto menores são os motivos truncados ou a largura das orlas

de remate à parede.

À implantação da grelha não era alheio o sentido de execução a dar posteriormente ao tes-

selado. Assim, os mosaístas procuraram iniciar o seu trabalho nas zonas mais expostas, ou seja,

junto às entradas, progredindo para áreas menos visíveis onde se começam a manifestar os desa-

certos e os necessários cortes nos motivos. Quando se tratavam de vários painéis a executar em

simultâneo por vários artistas, exigia-se coordenação de forma a evitar encontros e impedir que

zonas frescas fossem espezinhadas.

No que se refere à análise das composições de superfície de cariz geométrico, distinguimos

cinco grupos em Rio Maior (Fig. 12)

• À base de octógonos: 2A, 3C, 5, 7A, 7C, 10 e 15A.

• À base de quadrados e/ou rectângulos, tratados ou não em meandro de suástica: 3A, 3D,

6, 7D1 e 8.

• À base de círculos: 1A e 7B.

• À base de peltas: 9 e 14.

• Em leque: 2B e 7D2.

140

A VILLA ROMANA DE RIO MAIOR. ESTUDO DE MOSAICOS

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141

PARTE II – OS PAVIMENTOS DA VILLA

FIG. 12 – Tabela de composições de superfície.

N.0 COMPARTIMENTO / COMPOSIÇÃO LE DÉCOR

CORREDOR ESTE

1A Composição ortogonal de cruzes de dois fusos entrelaçados. 246 b)

1B Entrançado. —

ABSIDE DO CORREDOR ESTE

2A Linha de octógonos e quadrados adjacentes. 27 c)

2B Concha policromática. —

GRANDE SALA SUL

3A Composição ortogonal de meandro de suástica de volta dupla e quadrados. 190 b)

3B Grinalda de folhas de loureiro. 89 f)

3C Composição ortogonal de octógonos e hexágonos oblongos adjacentes, formando 180 g)

espaços cruciformes decorados com meandros de quatro suásticas e um quadrado

no centro.

3D Composição de xadrez preto e branco. 114 b)

CUBICULUM

4 Composição ortogonal de meandro de suástica de volta dupla. Var. de 35 f)

CUBICULUM

5 Composição ortogonal de octógonos adjacentes determinando quadrados tratados 166 b)

em meandro de suásticas.

CORREDOR OESTE

6 Composição ortogonal de meandro de suástica de volta dupla e rectângulos. Var. de 190 b)

PERISTILO

7A Composição ortogonal de quadrados e hexágonos oblongos. Var. de 169 a)

7B Composição ortogonal de cruzes de dois fusos entrelaçados. 246 b))

7C1 Linha de três quadrados adjacentes flanqueados por dois rectângulos erguidos 18 d)

também adjacentes, com peltas e quadríbolos inscritos.

7C2 Concha. —

7D Composição ortogonal de estrelas formadas a partir de dois quadrados 177 e)

entrelaçados tangentes por um vértice.

7E Composição mista com entrançado de bandas policromas II, var. de 397 d)

CUBICULUM

8 Composição ortogonal de quadrílobos de peltas em redor de um quadrado e de 228 c)

quatro folhas tangentes.

CUBICULUM

9 Composição ortogonal de pares de peltas alternadamente horizontais e verticais. Var. de 222 d)

TRICLINIUM

10 Octógonos, quadrados e hexágonos oblongos (?). (?)

CUBICULUM

11 Sinusóides cruzadas (?)

CUBICULUM

12 ? (?)

CUBICULUM

13 ? (?)

CORREDOR

14 Composição ortogonal de pares de peltas alternadamente horizontais e verticais. Var. de 222 d)

COMPARTIMENTO CIRCULAR

15A Composição de octógonos e quadrados adjacentes. Var. de 164 a)

15B Fragmento com motivo figurado (?) —

Var. = variante

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Não restam dúvidas quanto ao predomínio das composições à base de octógonos nos três

sectores da residência, quer de forma bem individualizada (n.os 2A, 3C, 5, 10 e 15A), quer de

forma mais subtil (n.0 7A e 7C). É a situação mais frequente nas villae hispânicas do Baixo-Impé-

rio com pavimentos de mosaicos. Apenas os n.os 2A e 15 A apresentam um esquema idêntico

de octógonos adjacentes, ainda que a grelha usada tenha sido distinta pelas características espe-

cíficas dos locais. A adaptação de uma malha ortogonal a um compartimento circular obrigou

a algumas perícia técnica por parte dos mosaístas, obrigando ao alongamento dos octógonos.

Não estando perante um programa decorativo coerente e homogéneo, é difícil estabelecer para-

lelismos no traçado da sinopia ou da malha mestra. Em todos os esquemas os módulos variam

consideravelmente, procurando adaptar-se ao espaço arquitectónico disponível.

As composições à base de quadrados e/ou rectângulos, tratadas ou não com meandros de

suásticas remontam aos primórdios do opus tessellatum e nunca abandonaram os repertórios

artísticos. Não havendo dois esquemas idênticos na casa, tal como no caso anterior, torna-se difí-

cil estabelecer comparações.

Os dois mosaicos com esquemas à base de círculos desenrolam uma composição idêntica,

em espaços com igual funcionalidade. Tratam-se de esquemas de cruzes de dois fusos aplica-

das em dois corredores da casa. Apesar da proximidade do esquema, transparecem diferenças

notórias que vêm reforçar a ideia de produções independentes. Estas diferenças, ressalvadas nos

comentários críticos do catálogo, foram essencialmente estilísticas, mas técnicas também. Ape-

sar de disporem de espaços arquitectónicos com larguras muito aproximadas (2,05 m no n.0 1A

e 2,14 m em 7B), a estratégia de execução obedeceu a uma sinopia diferente: no n.0 1A, uma linha

de círculos com cerca de 2,05 m de diâmetro entrelaçados e semi círculos laterais foram sufi-

cientes para desenhar duas fiadas de cruzes de fusos completas; no n.0 7B, o pictor parietarius

desenhou três círculos com cerca de 1,02 m de diâmetro e semi círculos laterais a fim de reali-

zar quatro fiadas de cruzes de fusos. O resultado final foi um esquema mais apertado em 7B,

com fusos muito fechados, não deixando espaço para decoração suplementar, em forma de col-

chetes afuselados, contrariamente ao 1A, com muitos espaços residuais.

Os mosaicos n.os 9 e 14 apresentam também uma composição comum à base de peltas.

A pelta é, aliás, um dos motivos individuais mais repetidos em Rio Maior. Nos dois pavimen-

tos em apreço, as peltas apresentam afinidades na estratégia de execução: inserem-se com

alguma perfeição num semicírculo de 1800, alinhando-se rigorosamente o ápice aos 900, ainda

que o diâmetro apresente uma diferença de cerca de 2 cm (12, 3 cm nos n.os 9 e 14; 2 cm no

n.0 14). É provável que estas ligeiras diferenças se devam apenas à necessidade de adaptação ao

espaço disponível, tendo a grelha sido realizadas pela mesma mão. O tratamento posteriormente

dado às peltas foi ligeiramente diferente no que se refere apenas às opções cromáticas, pois

ambas possuem ápice em triângulo e meias luas colocadas entre as extremidades.

Os dois motivos em leque, tratados em concha (n.os 2B e 7 D2), apresentam diferenças subs-

tanciais que nos permitem afirmar que se tratam de dois trabalhos independentes. Em primeiro

lugar, a paleta de cores, muito pobre no n.0 7D2, contrariamente ao n.0 2B. Esta reflecte-se tam-

bém na técnica de obter o dégradê de cores das caneluras. Se, no n.0 2B, o artista usou de forma

exímia a tonalidade da pedra para salientar zonas sombrias e zonas de luz, no n.0 7D2, foi recor-

rendo ao denticulado que ele imprimiu algum volume ao motivo. Em segundo lugar, é notório

o maior naturalismo do n.0 2B que contrasta com a rigidez e o geometrismo do traçado do n.0 7D2.

As composições lineares foram usadas em Rio Maior para moldurar os tapetes musivos e

decorar soleiras (Fig. 13). Alguns dos motivos dessas composições lineares foram de divulgação

tão alargada no espaço/tempo e de mudanças formais imperceptíveis, que dificultam a identi-

ficação de particularismos capazes de levar à identificação de grupos oficinais. Os mosaístas que

trabalharam em Rio Maior foram pouco imaginativos, recorreram ao repertório mais tradicio-

142

A VILLA ROMANA DE RIO MAIOR. ESTUDO DE MOSAICOS

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nal, de cariz geométrico, com excepção da folhagem de acanto, também ela de longa vigência

nas artes decorativas do mundo antigo.

A trança conta-se entre esses motivos tradicionais (cf. Blake, 1930, p. 196). Os ateliês que

trabalharam em Rio Maior obedeceram ao critério tradicional, aplicando tranças de três, quatro

ou mais cordões nas bordaduras dos tapetes e as de dois cordões para as molduras das figuras

geométricas internas: as cruzes no n.0 1A, os octógonos no n.0 3C e 10, os quadrados no n.06,

os octógonos secantes no n.0 7A e as estrelas no n.0 7C. Na ausência de outros indícios, foi ana-

lisando as opções cromáticas que inferimos alguns dados pertinentes quanto aos hábitos dos

seus autores. Com efeito, destaca-se um grupo de três pavimentos (n.os 1A, 3C e 6) com igual

paleta de cores nas tranças: nas de dois cordões, o ocre castanho com o vermelho acastanhado

e, nas mais largas, a mesma paleta acrescida de ocre violeta e cinzento francês. Com excepção

dos n.os 3C e 1A, cada cordão é individualmente tratado com uma cor, com a excepção óbvia do

preto e branco, sempre presente. O outro grupo é formado pelos painéis do peristilo, nomea-

damente os n.os 7A e 7C. O colorido foi mais acentuado, combinando duas a três cores em cada

cordão e alternando a paleta no correr da própria trança (n.0 7C, nas estrelas). Esta oficina

introduziu o ocre rosa claro, o cinza claro e metálico e o castanho amarelado que conferem mais

luminosidade ao motivo. A paleta do n.0 10 apresenta-se muito mais reduzida, pois apenas três

cores servem de base a uma trança múltipla. A soleira n.0 1B é particular pela sua condição, mas

obedece às características do sector Sul: uma cor/um cordão, com a mesma paleta.

Outro dos motivos lineares largamente empregues em Rio Maior foi o meandro de suás-

tica, quer na variante de volta simples, quer na de volta dupla. Todos os meandros são dese-

nhados a filete duplo preto, evidenciando-se novamente no sector Sul a insistência numa ten-

dência decorativa particular. Com efeito, o meandro duplo é usado como alongamento no

mosaico n.0 3C, nas bordaduras laterais no mosaico n.0 3A e em composição de superfície no

n.0 4 ou combinada com figuras geométricas tais como os rectângulos e quadrados (n.os 3A e 6)

ou octógonos (n.os 3C e 5). O meandro do peristilo apresenta características técnicas próprias que

o distinguem do grupo anterior. Por um lado, circunda totalmente o tanque, emoldurando

também exteriormente os tapetes e separando os vários painéis. Por outro lado, os braços da cruz

fundem-se com os filetes pretos que lhe serve de moldura.

As restantes composições lineares são aplicadas apenas uma vez, pelo que não permitem

análises pertinentes. Registam-se bordaduras geométricas em dentes de lobo, dentes de serra,

meandro fraccionado com fracções imbricadas, guilhoché e vegetalistas em acanto na grande

abside, não esquecendo a composição linear em folhas de loureiro da soleira n.0 3B.

O recurso a bordaduras duplas não é frequente, registando-se apenas nos n.os 1A, 5 e 10,

certamente por necessidades de ajustamento geométrico da composição ao espaço disponível.

Em relação aos motivos singulares que povoam as composições, remetemos para a Fig. 14

e para os respectivos comentários nas fichas do corpus.

Consideradas um elemento secundário na construção do mosaico, tem sido negado às orlas

de remate à parede um lugar próprio nos estudos versando sobre mosaicos. Do ponto de vista

estético, não merecem grandes comentários, porém, o mesmo não poderá dizer-se da sua ver-

tente técnica. Realizada geralmente com tesselas de maiores dimensões, por economia de

tempo, a sua função reside simplesmente no colmatar dos espaços residuais criados junto à

parede, depois de ter sido centrado o tapete. Efectivamente, não existia sintonia entre a estru-

tura arquitectónica do edifício e a sua pavimentação, quando musiva, ou seja, ambas eram pro-

jectadas separadamente, levando esta última a obedecer às restrições métricas da primeira. A lar-

gura da orla podia variar bastante consoante os lados, como veremos em Rio Maior. A perícia e

arte do mosaísta consistiam, pois, em encaixar uma composição geométrica sem cortes, num

espaço já dimensionado, reduzindo ao máximo estas faixas. Esta perícia evidenciava-se sobre-

143

PARTE II – OS PAVIMENTOS DA VILLA

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tudo nos mosaicos geométricos, onde os cálculos matemáticos e a geometria eram essenciais,

ao contrário dos motivos figurados inseridos numa estrutura simples, mais fáceis de enquadrar.

Apesar de se considerar secundária, aliás muitas vezes escondida por mobiliário, não dei-

xou por isso de merecer algum cuidado particular, quando a largura o permitia ou a exposição

ao olhar o exigia, decorando-se com pequenos motivos tais como os quadradinhos denteados,

as florzinhas simples ou em cruz, quase sempre realizadas em preto sobre fundo branco. Era

certamente por este trabalho que começavam os aprendizes de mosaísta. Em Rio Maior, a

observação cuidada da execução das orlas de remate à parede revelou-se extremamente útil na

identificação, ainda que dúbia, de zonas de passagem, na ausência de estruturas arquitectónicas.

Dessa observação, há a reter alguns aspectos fundamentais: a decoração, a variação na dimen-

são das tesselas e a qualidade da sua colocação. Assim, destacam-se alguns locais de passagem:

n.0 1A (para o n.0 8), n.0 8 (para o n.0 9) e n.0 9 (para o n.0 4). A decoração da orla este do pai-

nel n.0 3C e da orla do n.0 15A prende-se com a sua excessiva largura (28,5 cm no mínimo no

n.0 3C e 50 cm no n.0 15A) e não com a presença de passagens. Eram naturalmente zonas de

maior exposição visual.

Na maior parte dos pavimentos, a orla encontra-se destruída devido à remoção das pare-

des, limitando as nossas observações. De facto, é plausível que existissem outras orlas decora-

das, algumas até nos poderiam levar a identificar a presença de janelas. Todas as orlas encon-

tradas até ao momento foram realizadas com tesselas brancas de maiores dimensões compa-

rando com as dos tapetes.

É notória a reduzida faixa branca que liga alguns pavimentos quando a sua execução é feita

por uma só equipa. Veja-se, nomeadamente, o caso das soleiras n.os 1B, 2A e 3B, e ainda a liga-

ção sul do n.0 1A. Nestes casos, a união é feita mediante a colocação de três a quatro filetes bran-

cos. Pelas suas características geométricas, compreende-se a irregularidade da ligação entre o

n.0 14 e o n.0 15A (de 4,5 a 13 cm).

144

A VILLA ROMANA DE RIO MAIOR. ESTUDO DE MOSAICOS

MOTIVO LE DÉCOR MOSAICO

Cálices de lótus alternadamente invertidos 62 c) 3 C, 11

Dentes de lobo 10 c) 1A

Dentes de serra — 3B

Faixa de ressaltos rectangulares 30 b) 6

Filete simples 1 a) Todos

Filete duplo 1 i) Todos

Filete denticulado 2 j) 3 C

Filete em ziguezague Var. in 199 b) 6

Folhagem de acanto Var. de 64 e) 2B

Guilhoché 74 f) 5

Meandro fraccionado com fracções imbricadas 32 d) e 32 c) 7A, 10

Meandro de suástica de volta simples var. de 35 d) 7

Meandro de suástica de volta dupla 35 f) 3A, 3C, 4, 6

Onda policromática var. de 60 d) 7A, 7B, 7C

Pares de linhas quebradas cruzadas opostas 21 d) 7A

Quadrados sobre o vértice 14 e) 4

Quadrados denteados sobre o vértice — 7B

Trança de dois cordões 70 j) e 71 c) 1A, 3C, 6, 7A, 7D, 10, 14

Trança de três cordões 72 d) 1A, 6

Trança de quatro cordões — 3C

Trança múltipla 73 f) 10

FIG. 13 – Tabela de composições lineares.

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Em geral, as larguras das orlas são muito variáveis, inclusive de lado para lado, regis-

tando-se casos de 4,5 cm até 14 cm, sem decoração. Nos casos em que se estucavam posterior-

mente as paredes, as orlas visíveis eram reduzidas, pois as camadas de preparo das paredes

sobrepunham-se ao tesselado. Ainda podemos observar um exemplo dessa situação na orla oci-

dental do n.0 3A.

Quanto à estratégia de execução das orlas, podemos identificar duas técnicas: em fiadas

paralelas à bordadura do tapete ou fiadas perpendiculares. A primeira exigia maior perícia uma

vez que a largura do espaço devia ser constante, sob pena de faltar espaço para terminar fiadas.

Era reservado para zonas de grande exposição visual: n.os 1A, 2, 3C, 4 (Norte, Sul, Este), n.0 7

(junto ao tanque e na abside), n.os 9 e 14. A segunda técnica documentada em Rio Maior con-

sistiu na combinação de fiadas paralelas e perpendiculares. Assim, o operário realizava duas a

três fiadas paralelas à bordadura, colmatando o espaço restante com fiadas perpendiculares.

Dependendo da simetria das tesselas, o efeito era mais ou menos conseguido. Respondia-se,

desta forma, aos problemas colocados pela irregularidade das orlas a pavimentar. Atendendo a

que parte destas tesselas era coberta pelo estuque da parede, o operário descurava as últimas

linhas (n.os 3A, 3B, 5 e 15A).

145

PARTE II – OS PAVIMENTOS DA VILLA

FIG. 14 – Tabela de motivos singulares.

MOTIVO LE DÉCOR MOSAICO

Geométricos

Coxim entrelaçado com quadrado — 5, 7A, 7D

Cruz grega denteada — 3 C

Entrançado polícromo In 19 1A, 3A, 6, 8

Florzinha — 3C, 15A

Nó de Salomão curvo In 59 e) e 115 d) e e) 1A, 3C, 5, 15 A

Nó de Salomão recto In 125 c) 7A

Nó de Salomão entrelaçado com quadrado Var. in 41 a) 7A

Nó de quatro colchetes Var. in 245 e) 7D

Pelta simples — 7C1, 8

Pelta com extremidades em cruz Var. in 57 f) 3C

Pelta com ápice em triângulo denteado Var. in 58 a) 9, 14, 15A

Quadrado denteado 5 a) ou d) 3C, 7A, 8, 9, 11, 14, 15A

Quadrado denteado com cruz — 1A, 2A, 15A

Quadrado direito 15 d) 3C, 10

Quadrílobo — 3A, 7A, 7D

Quadrílobo recto — 7A

Roda denticulada — 2A, 11

Triângulo denteado — 2A, 15A

Triângulo direito — 1A

Xadrez polícromo Var. 8 b) 1A, 3C

Vegetalistas

Flor de lis II, 268 a) 1A, 2A, 3C, 10, 15A

Florão de lis e folhas lanceoladas II, 268 a) 2A, 5, 10, 15A

Florão de pétalas de cinco pontas e filamentos II, 257 c) 2A, 3C

Florão de quatro folhas lanceoladas e filamentos nos intervalos — 15A

Folha de hera In 83 b) 2B

Quatro folhas In 237 b) 8

Seis folhas — 11

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146

A VILLA ROMANA DE RIO MAIOR. ESTUDO DE MOSAICOS

FIG. 15 – Densidade do tesselado (por ordem do Corpus).

N.0 Densidade em dm2 Dimensão das tesselas(no tapete) em cm (no tapete)

1A 75 1

1B 82 1

2A 119 0,8

2B 101 1 a 1,5

3A 81 1

3B 99 1

3C 98 1

3D 34 2 a 2,5

4 138 0,7

5 78 1

6 154 0,7

7A 122 0,8

7B 116 1

7C 110 1

7D 109 1

7E 120 1

8 106 0,8

9 137 0,7

10 82 0,7

11 180 0,5

12 — —

13 — —

14 139 0,7

15 169 0,5

N.0 Densidade em dm2 Tipo de compartimento

11 180 indeterminado

15A 169 corredor circular

6 154 corredor

14 139 corredor

4 138 cubiculum

9 137 cubiculum

7A 122 peristilo

7E 120 peristilo

2A 119 ábside

7B 116 peristilo

7C 110 abside do peristilo

7D 109 peristilo

8 106 cubiculum

2B 101 peristilo

3B 99 soleira

3C 98 grande sala sul

10 82 triclinium

1B 82 soleira

3A 81 indeterminado

5 78 indeterminado

1A 75 corredor

3D 34 nicho

FIG. 16 – Densidade do tesselado (por ordem decrescente).

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Finalmente, a análise da densidade do tesselado pode trazer informações muito interes-

santes (Figs. 15-16). Registámos várias densidades nos tapetes principais que podem ser usadas

para determinar compartimentos mais ou menos importantes ou oficinas diferentes.

3.3. A paleta dos mosaístas

Ausente na quase totalidade dos corpora e outras obras sobre mosaico romano, o estudo da

paleta de cores reveste-se do maior interesse na determinação de tendências cromáticas nos

vários centros produtores. A cor, por sua vez, é indissociável do material que a constitui. É no

domínio da petrografia que os progressos têm sido mais acentuados. O seu interesse, não

sendo unicamente artístico/técnico, é também económico, uma vez que se procuram identifi-

car os locais de origem dos materiais e os circuitos económicos inerentes.

Em 1983, Janine Lancha lançou-se num aturado estudo da paleta de cores do Mosaico Cos-

mológico de Mérida cujos resultados constituem um marco importante neste domínio e um modelo

a seguir (1983, p. 37-41). S. Gozlan desenvolveu outro importante estudo em Acholla (1992, p. 267-

-271). Recentemente, o CMRP, II, 1, dedicado à villa de Torre de Palma, procura dar continuidade a

um aspecto importante do estudo técnico dos pavimentos, aliando a análise petrográfica à análise

cromática de um conjunto de painéis muito heterogéneo, com variadas paletas de cores (p. 281-298).

Em Rio Maior, a situação é de análise bastante simplificada uma vez que o material é idêntico em

todos os mosaicos, facto que nem sempre acontece, mas que aqui permite uma visão de conjunto

homogéneo, ainda que as produções não sejam, a priori, obra de uma mesma oficina.

Destacam-se, em Rio Maior, dois grupo de materiais/cores: os calcários e os vidros. Os pri-

meiros presentes nos pavimentos in situ e os segundos recolhidos à superfície um pouco por toda

a área da estação. Ao estudo científico da cor, erguem-se alguns obstáculos aos quais qualquer inves-

tigador deve prestar a devida atenção, ponderando sempre o seu peso nas ilações finais. Em pri-

meiro lugar, o problema da subjectividade da leitura óptica inerente à natureza humana. É um com-

bate difícil de vencer enquanto carecermos de um código adequado aos materiais que constituem

os mosaicos. Os códigos vulgarmente usados na cerâmica (Cailleux e Munsell) são redutores por

não possuírem os verdes, os azuis ou os rosas. A opção pelos lápis de cores Derwent, ou outro tipo

como os Caran d’Ache apresenta a vantagem de poderem ser combinados de forma a obter a mis-

tura exacta da cor, numa tonalidade pétrea que a aproxima da realidade (Fig. 17).

A iluminação do local constitui outro factor a ter em conta na leitura da cor. Como factor exó-

geno ao investigador, são as próprias alterações sofridas pelo mineral. Com efeito, os calcários que

compõem os nossos mosaicos alteram facilmente com a humidade ou as variações de temperatura.

A divulgação científica é o último obstáculo deste processo. As reproduções tipográficas alteram

os padrões cromáticos das ilustrações, deitando a perder horas de trabalho na afinação de cores.

Colmatar estas deficiências constitui uma meta importante da investigação actual. Assim,

atendendo às limitações das reproduções feitas a partir do material original, apresentamos as

combinações cromáticas utilizadas para obter a paleta (Fig. 17). Ainda aqui, a intensidade impri-

mida ao lápis pode levar a variações, porém, menos graves em relação a outros procedimentos.

Os mosaístas que trabalharam em Rio Maior dispunham de uma paleta variada de cores

que procuram combinar de forma homogénea (Fig. 18). Todos os fundos dos esquemas são

brancos, numa tonalidade marfim, enquanto as composições são todas traçadas a filetes pre-

tos. As restantes cores, caracterizadas por ocres castanhos e rosas, vermelhos e cinzentos, são

reservadas para os vários motivos de enchimento e para as tranças das bordaduras e estru-

turas. Nos pavimentos in situ não há registo de tesselas de vidro que encontraremos, no

entanto, espalhadas à superfície, um pouco por toda a área da estação (Fig. 19).

147

PARTE II – OS PAVIMENTOS DA VILLA

Page 115: PARTE II Os pavimentos da villa - com o item anterior, a sua pertinência reside no facto de ... como é o nosso caso, beneficiar da ausência de ... (com largura máxima de 90 ...

148

A VILLA ROMANA DE RIO MAIOR. ESTUDO DE MOSAICOS

FIG. 17 – Paleta de cores (DW = Derwent).

Page 116: PARTE II Os pavimentos da villa - com o item anterior, a sua pertinência reside no facto de ... como é o nosso caso, beneficiar da ausência de ... (com largura máxima de 90 ...

149

PARTE II – OS PAVIMENTOS DA VILLA

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Os calcários locais foram suficientes para fornecer esta variada gama (Apêndice I). Geral-

mente, é às pedreiras locais que os mosaístas recorrem para obter os materiais necessários ao seu

trabalho. A região da Serra de Aire e Candeeiros, ainda hoje conhecida pela sua excelente rocha,

foi explorada na época romana sabendo-se que, por exemplo, Conimbriga recebeu calcários do

maciço de Porto de Mós (Alarcão, 1988a, p. 136) e que, na freguesia das Lapas (Torres Novas), exis-

tiu uma pedreira que forneceu matéria prima às villae de Silvã e Cardílio (Real, 1997, p. 79).

Não há registo de outros materiais tais como a cerâmica39 ou o mármore, frequentes em

pavimentos musivos, como é aliás o caso em Conimbriga e em Vila cardílio. As cores azul e verde

estão também ausentes nos mosaicos in situ encontrados até à data. É provável que nem sequer

venham a ser usadas noutros pavimentos por exumar, dada a sua inexistência na região.

Na generalidade dos pavimentos, a diversidade de cores vai desde duas cores, nos n.os 3D

e 4, ao máximo de treze cores, no n.0 2B, tendo a grande maioria dos mosaicos uma paleta de

cinco a seis cores. Se prestarmos atenção aos compartimentos onde a paleta é mais variada, pode-

remos chegar a conclusões muito interessantes que vêm confirmar os nossos comentários em

relação à funcionalidade dos mesmos. Assim, a grande abside (n.0 2B) com uma concha de treze

cores confirma a sua importância e reforça a ideia de um acesso com vista directamente sobre

ela. Trata-se, indubitavelmente, do mosaico mais trabalhado do ponto de vista técnico. Em

seguida, o painel de bandas entrançadas (n.0 7E) da ala ocidental do peristilo, com dez cores, tam-

bém se destaca do conjunto pelas suas características estilísticas que tivemos ocasião de anali-

sar. Finalmente, com uma paleta de oito cores, temos o mosaico n.0 7A e, com sete cores, os pavi-

mentos dos compartimentos mais expostos e frequentados: o corredor da entrada (n.0 1A), o

grande compartimento a Sul (n.0 3C), o triclinium (n.0 10). Quanto aos restantes, a sua paleta

mais reduzida indica possivelmente um papel secundário.

150

A VILLA ROMANA DE RIO MAIOR. ESTUDO DE MOSAICOS

FIG. 18 – Tabela de cores.

N.0 Branco Preto Castanho Castanho Ocre Rosa Ocre Ocre Ocre Cinza Cinza Cinza Cinzento Vermelho Terracota Vermelho Total

amarelado amarelado castanho rosa rosa violeta bronze claro francês metálico alaranjado acastanhado

claro escuro

1A • • • • • 51B • • • • • • • 7

2Ar • • • • • • • 72B • • • • • • • • • • • • • 133A • • • • • 53B • • • • • 53C • • • • • • • 73D • • 24 • • 25 • • • • • • 66 • • • • • • 6

7A • • • • • • • • 87B • • • • • • • 77C • • • • • • 67D1 • • • • • • 67D2 • • • • 47E • • • • • • • • • 108 • • • • • 59 • • • • • • 610 • • • • • • • 711 • • • • • • • 712 — — — — — — — — — — — — — — — — —13 — — — — — — — — — — — — — — — — —14 • • • • 415 • • • • • • 6

Total 23 23 10 3 15 2 3 3 13 2 9 8 5 1 3 17

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Resta-nos ainda mencionar o fragmento n.0 15B, não incluído na tabela por não se encon-

trar in situ. Apresenta uma paleta de cinco cores, três delas em tesselas vítreas. É o único frag-

mento com utilização de vidro. O fundo é branco e os contornos do motivo são traçados a preto.

Quanto à frequência da cor no conjunto dos pavimentos, os dados apresentados são rela-

tivos porque, a rigor, deveríamos contabilizar tessela a tessela. Servem, porém, como visão glo-

bal aceitável tendo em conta o excessivo preciosismo de uma contagem tão pormenorizada.

Assim, como é corrente, preto e branco estão presentes em todos os pavimentos, depois salien-

tam-se o ocre castanho, vermelho acastanhado, ocre violeta e castanho amarelado.

A associação de cores mais frequente, mormente nos motivos em trança, consiste no cas-

tanho amarelado ou, em opção, ocre castanho, com o vermelho acastanhado. Nos mosaicos n.os

1, 3, 6, 8 e 9 o ritmo de cores é análogo, contrariamente aos painéis do peristilo onde se assiste

a uma explosão de cores, mais exuberantes pelas combinações realizadas. Os rosas e os casta-

nhos amarelados combinam-se com cinzentos e terracotas, acentuando-se o recurso à gradação

de cores. As alas B e F caracterizam-se pelas suas cores mais suaves, em tons pastel.

Um outro aspecto interessante do estudo técnico refere-se ao talhe e às dimensões das tes-

selas. Não possuímos muitas informações nas fontes antigas neste domínio, mas um relevo pro-

veniente da necrópole de Isola Sacra em Porto (no Museo degli Scavi di Óstia) poderá constituir

uma das poucas provas iconográficas conhecidas, ilustrando o trabalho de talhe da pedra, even-

tualmente com vista à obtenção de tesselas (Moreno González, 1995, p. 115, est. 4A). O talhe das

tesselas reflecte a perícia dos artistas que executaram os pavimentos, sendo obviamente mais

esmerado o trabalho, quanto menor for o tamanho da tessela. Os mosaicos com uma execução

técnica mais cuidada são os n.os 4 e 9 e algumas áreas do n.0 15A, contrastando com a zona do

peristilo cuja densidade do tesselado é homogénea (entre os 122 e 109 tesselas por dm2).

Quanto ao uso de tesselas de vidro, não sabemos de onde provêm uma vez que se reco-

lheram à superfície do terreno e nos vários estratos (Fig. 19). Aliás, algumas encontravam-se pre-

sas na concreção calcária que cobria os pavimentos (n.os 8 e 9). Permanece a dúvida sobre a sua

aplicação: pavimentos destruídos ou mosaicos parietais? Apenas no fragmento n.0 15B, de pavi-

mento, se encontram aplicadas. Não quer isto dizer que todas tenham tido o mesmo fim, pois,

apenas se identificaram três cores nesse fragmento.

Contabilizámos mais de três dezenas de cores distintas, número invulgar para contextos

similares:

• Incolor translúcido

• Branco opaco

• Branco levemente cinza

• Verde -água

• Verde-opala

• Verde-jade

• Verde-esmeralda escuro

• Verde amarelado

• Verde-tília

• Verde-malaquite

• Verde-veronese

• Verde-turquesa

• Verde inglês escuro

• Verde-tropa claro

• Verde-azeitona

• Azul ultramarino

• Azul-turquesa

151

PARTE II – OS PAVIMENTOS DA VILLA

• Azul-safira translúcido

• Azul-céu translúcido

• Azul-ceú opaco

• Azul-real

• Azul-marinho

• Azul-pálido

• Azul-cinza

• Jade escuro

• Cinzento claro

• Cinzento-aço

• Cinzento prateado

• Bistre opaco

• Bistre translúcido

• Antracite

• Carmim

• Açafrão

• Castanho

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3.4. Os mosaístas

Sabemos hoje em dia que as oficinas eram itinerantes e os operários organizados segundo

uma hierarquia de funções40:

Não entraremos na polémica discussão das oficinas41, no sentido estrito do termo, pois a

divulgação do opus tessellatum levou a uma certa estereotipia dos esquemas decorativos e, por

isso, apenas nos limitaremos a distinguir grupos diferentes que trabalharam em Rio Maior com

base no repertório estilístico.

Os indícios da presença de mais de um grupo de artesãos em Rio Maior são inúmeros e já

tivemos ocasião de abordar alguns deles a propósito das bordaduras em trança e em meandro

152

A VILLA ROMANA DE RIO MAIOR. ESTUDO DE MOSAICOS

FIG. 19 – Tesselas de vidro recolhidas à superfície.

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de suástica. Com efeito, podemos individualizar dois a três grupos que poderão corresponder

a oficinas diferentes.

Num primeiro grupo, incluímos grande parte do sector sul, a saber, os mosaicos n.0s 1, 2, 3

e 6, assim como o n.0 8, no sector norte. Os elementos que dão sustento à nossa leitura são de ordem

variada. Em primeiro lugar, as características técnicas e estilísticas dos pavimentos: a paleta de cores,

nomeadamente a insistência na combinação cromática do ocre castanho com o vermelho acasta-

nhado nas tranças e entrançados (n.os 1, 3, 6, 8), particularismos que não se identificam nos restantes

pavimentos; a presença das pequenas flores-de-lis pretas (n.os 1A, 2A) ou policromáticas (n.0 3C);

os florões radiais (n.os 2A, 3C); os quadrados com enchimento em entrançado (n.os 1A, 3A, 6 e 8).

Em segundo lugar, razões de ordem estética/cronológica, pois formam um grande conjunto com

grandes ligações artísticas às províncias norte africanas (Proconsular, Numídia,...) onde encontrá-

mos a origem da maioria dos esquemas decorativos, preenchidos com motivos menores que cor-

respondem, grosso modo, ao século IV. Ainda assim, há que dar um destaque particular ao painel

n.0 3C cuja qualidade de execução e variedade decorativa se superioriza em relação aos restantes

mosaicos incluídos neste grupo, pautados por um padrão decorativo monótono e sem imaginação.

O mesmo artista que produziu os melhores motivos do painel n.0 3C esteve também envolvido na

realização da soleira n.0 2A e, quiçá, na concha da abside, n.0 2B.

O segundo grupo que se destaca pela qualidade técnica da execução inclui os mosaicos

n.os 4, 9, 14 e 15A. O principal indício que nos levou a esta associação reside na densidade de tes-

selas por dm2. De facto, oscilando entre as 169 e as 137 tesselas por dm2, constituem os melho-

res pavimentos da residência. A filiação estética de onde provêm e a cronologia são as mesmas

do grupo anterior, por isso, acreditamos que tivessem trabalhado simultaneamente, em diferentes

espaços da residência. Não se trata de um facto inusitado pois já M. Torres comentava esta forma

de trabalhar nas residências da Meseta Norte da Hispânia (1990, p. 233-234). É compreensível que

oficinas pequenas ou médias não possuíssem meios humanos suficientes para cumprir prazos

de execução, que se pretendem curtos em espaços domésticos, tendo o proprietário, por isso,

recorrido a duas oficinas ou contratados separadamente os artesãos. Assim, talvez se justifique

melhor a presença de elementos decorativos da mesma índole com execuções de qualidades dife-

rentes. Falamos dos florões de lis, presentes em ambos grupos, mas com maior apuro técnico no

mosaico n.0 15A. Neste grupo, há ainda a destacar a predilecção pelo emprego das peltas, quer em

superfície total (n.os 9 e 14), quer em espaços secundários (n.0 15A). As singelas bordaduras

podem ainda constituir outro indício importante. Tratam-se de filetes pretos duplos que contor-

nam as composições em todos os mosaicos deste grupo. A trança do n.0 14 não é aqui utilizada

como moldura, mas serve antes de alongamento do painel. A paleta é outro elemento comum,

apresentando uma gama reduzida de cores: duas (n.0 4), quatro (n.0 14) e seis (n.os 9 e 15A).

No terceiro grupo integramos toda a área do peristilo (n.0 7) e, com reservas, o triclinium (n.0 10).

Apesar da sua localização arquitectónica mais afastada, o mosaico n.0 5 comunga de muitas caracte-

rísticas deste grupo, podendo eventualmente ser aqui adscrito por fazer parte de outra área da resi-

dência ainda desconhecida. Estilisticamente filiados em correntes artísticas ligeiramente mais tardias

do que as anteriores (fins do século IV-princípios do século V), parece bastante plausível que esta área

tenha sido objecto de remodelações. Encontramos afinidades no desenho da trança (n.0 7A, 7C

e 10) e nos motivos de enchimento, que acusam tendências percursoras da arte alto-medieval.

Restam-nos ainda o n.0 11, cuja reduzida dimensão dificulta uma análise pertinente, os

n.os 12 e 13, dos quais desconhecemos em absoluto a sua decoração musiva e o n.0 15B, produ-

zido por outros artesãos, cujas características técnicas são evidentes (vide respectiva ficha).

Em suma, estamos perante um conjunto de mosaicos heterogéneos do ponto de vista da

gramática decorativa, fruto de uma encomenda que nos parece pouco coerente. Não se trata de

uma produção com grande qualidade técnica, nem muito original no programa decorativo.

153

PARTE II – OS PAVIMENTOS DA VILLA

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NOTAS

1 Os trabalhos foram dados a conhecer à população local em pequenas notícias: (5/09/1995) Boletim Informativo da Associação Cultura

Jovem. Rio Maior. 1. 1.a série. 3; Boletim Informativo da Associação Cultura Jovem. Rio Maior. 1. 1.a série. (3/10/1995) Boletim Informativo

da Associação Cultura Jovem. Rio Maior. 1. 1.a série. 6; (12/10/1995) Tribuna. Rio Maior. Ano 2. 69, p. 12; Costa, I. (27/10/95) –

A villa romana de Rio Maior, a descoberta do desconhecido. Região de Rio Maior. Rio Maior. Ano 8. 369, p. 7.

2 Por ausência total de espólio, não foi possível datar as duas inumações encontradas a cerca de 80 cm da superfície, a Nordeste das estru-

turas principais.

3 Villae de Cardilio, de Milreu, S. Cucufate (Alarcão, 1988b, p. 112, 116 e 118) para citar alguns exemplos da Lusitânia.

4 Seguindo o sentido dos ponteiros do relógio, a partir de Norte: 1-plinto embutido, diâmetro de 34 cm; 2- plinto de 49 x 47 cm, diâme-

tro indeterminável; 3- inexistente; 4- plinto de 46 cm de lado; diâmetro de 49 cm; plinto embutido, diâmetro de 36 cm; 6- plinto embu-

tido, diâmetro de 40 cm; 7-plinto embutido, diâmetro de 31 cm; 8- plinto embutido, diâmetro de 34 cm.

5 O autor não faz referência alguma às influências africanas, destacando particularmente a ligação do proprietário ao Oriente, patente

não só no espólio encontrado, como também nas opções decorativas dos pavimentos e plano/formas construtivas, uma vez que asso-

cia Materno ao grupo familiar de Teodósio (p. 265).

6 Diz Abel Viana que o mosaico da abside a) “era vasto e rico, com cubozinhos de pedra preta, branca, vermelha e amarela, a comporem

vários ornatos geométricos. A parte central fora ocupada por qualquer figuração que nos parece ter sido propositadamente destruída,

visto terem arrancado somente as tesselas do emblema (...). Ficou apenas a moldura de tranças compostas por cubos com as cores atrás

mencionadas e ainda com outras, vidradas ou pintadas de verde claro, azul cobalto e cor de laranja.” (sic) (1959, p. 42). Ao autor não

foi indiferente à destruição estratégica do pavimento que poderá atribuir-se efectivamente, como ele pensa, à rejeição do paganismo

(Viana, 1959, p. 42). No nucleus do mosaico encontraram uma moeda de Honório (Viana, 1954, p. 14). A ser verdade, poderíamos tirar

algumas ilações cronológicas e enquadrar estas opções arquitectónicas no Baixo Império, como em Rio Maior.

7 No primeiro Colóquio sobre Mosaico Antigo (CMGR, 1), realizado em Paris em 1963, M. Fendri destacou três critérios de datação rela-

tiva, para além do estudo estilístico dos motivos: estudo das argamassas, exame das tesselas e evolução das cores (Fendri, 1965, p. 160).

Ainda que estes dados sejam circunscritos a uma determinada estação arqueológica, a sua relativa contribuição, como fez questão de

salientar H. Stern no fim da comunicação de Fendri (1965, p. 172), é um passo considerável na identificação de oficinas e na conse-

quente elaboração de um repertório particular, quiçá presente noutros locais.

8 Devemos os ensinamentos na matéria à Dr.a A. Alarcão e aos técnicos de restauro do Museu Monográfico de Conímbriga que gentil-

mente nos receberam.

9 K. Parlasca propõe o terceiro quartel quartel do século III, com base num numisma de Heleno e, recentemente, J. Lancha, baseando-

se em critérios estilísticos e técnicos situa-o em 250 (1997, p. 274).

10 Na descrição apresentada no CME, 7, a composição é erradamente classificada como sendo à base de hexágonos (p. 49). Incorrecção

categoricamente demonstrada na est. 30 que apresentam no mesmo Corpus.11 São conhecidos outros tipos de folhagens, nomeadamente hera, no Arnal (Douguédroit, 1964, n0 4, p. 462), Abicada, Cerro da Vila,

Milreu, Pisões, D. Pedro e Muge (Borges, 1986, p. 69-70, est. 24).

12 O autor apresenta uma série de mosaicos com folhagens de acanto em época tardia (p. 58-62).

13 A presença de conchas em contextos funerários remonta à Préhistória, nomeadamente no Egipto (Servajean, 1989).

14 Data comprovada arqueologicamente através de materiais numismáticos (Walters, 1980, p. 433; Smith, 1982, p. 326; Johnson, 1994,

p. 320)

15 É possível que tenha havido um engano uma vez o fragmento de mosaico n0 225C correspondia certamente a uma abside e o motivo

parece ser uma concha (est. XXXVI).

16 Segundo S. Germain, este edifício não devia ter sido privado tendo em conta não só a distribuição da decoração musiva, típica de locais

públicos ou semi-públicos, como as termas por exemplo, como também a temática marinha expressa através do flumen vamaccura, o

cortejo marinho ou o deus Flumen (1969, p. 118).

17 Menciona uma longa lista de pavimentos de signinum itálicos e hispânicos (p. 14). Cf. ainda Lancha, 1977, p. 107, para os exemplos hele-

nísticos e itálicos.

18 Citado por vários autores desde a notícia do seu achado em 1958 por F. de Almeida, foi em 1997 que M.a Teresa Valente Pinto o inte-

grou no seu Corpus dos mosaicos olisiponenses com uma descrição pormenorizada, com correcções de leitura, historial e principais

referências bibliográficas (Pinto, 1997, n.0 12, p. 65-70).

19 É o caso das tampas sepulcrais cristãs de mosaico onde a grinalda de loureiro é realizada com fins mágico-religiosos (Gauckler, 1910,

n.0 22, 14 e n.0 308, p. 104).

20 Vide Gozlan, 1990, p. 1010-1017.

21 Conhecem-se seis mosaicos com grinalda de loureiro, dos quais se citam agora duas soleiras.

22 K. Dunbabin nega a ligação deste pavimento com o mundo grego (1999, p. 144).

23 Villa situada fora das muralhas da cidade na época romana.

24 A propósito destes comentários, não podemos deixar de nos pronunciar acerca do bem conhecido mosaico de Orfeu, dito de Martim

Gil, encontrado nos arredores de Leiria, cujo primeiro estudo, em 1951, devemos a Irisalva Nóbrega Moita. Ora, o painel geométrico

que envolve o tema figurado apresenta características estilísticas muito próximas do mosaico de Migennes, mormente no que se refe-

re à gramática decorativa que preenche os espaços geométricos da composição e que I. Moita situa cronologicamente nos fins do sécu-

lo III ou século IV (1951a, p. 141). O segundo estudo monográfico do pavimento foi realizado por M.a Felisbela Borges que corrobora a

154

A VILLA ROMANA DE RIO MAIOR. ESTUDO DE MOSAICOS

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sua antecessora nas linhas essenciais, inclusive na cronologia, mas apresenta um bom conjunto de documentação gráfica com grande

utilidade (1986, vol. I, p. 171-174; vol. II, est. 7 — 26). Decorrido meio século sobre o estudo de I. Moita, parece-nos urgente uma nova

reapreciação à luz dos conhecimentos actuais. É claro que a cronologia será a rever, uma vez que se nos afigura demasiado precoce.

Tendo em conta as observações feitas, julgamos que este pavimento não pode ser anterior ao mosaico de Rio Maior, pelo que uma data-

ção posterior, talvez até próxima do mosaico de Migennes, não seja absurda. Aguardamos outra oportunidade para podermos confir-

mar as nossas suspeitas com base em critérios precisos.

25 Cf. CMRP, II, 1, n0 10, p. 236-243.

26 Ver comentários à composição a propósito do mosaico 3A.

27 Das informações acerca do paradeiro destes fragmentos, deduzimos que se encontram no Museo Jeronimo de Molina de Jumilla mas

também no Museo Arqueológico Provincial de Múrcia. Ora, a descrição apresentada no n0 85 corresponde a um desenho que reconstitui

todo o mosaico a partir de fragmentos do Museu de Múrcia (CME, 4, fig. 25) e esquece os fragmentos do Museu de Jumilla cujas fotos,

no entanto, publica (CME, 4, est. 37). Comparando ambas ilustrações, parece claro que não correspondem exactamente ao mesmo

mosaico. A roseta não está presente no desenho, mas existe nas fotos. Ou se tratam de dois painéis diferentes, ainda que provenientes

da mesma estação ou a reconstituição do pavimento está errada. De qualquer forma, não há referências algumas ao motivo que nos

cumpre aqui analisar.

28 No corpus germânico registámos dezassete exemplos da composição (Parlasca, 1959, est. 3.2, 6.1, 6.3, 8.1, 14.B1, 15.2, 19.3, 29.6, 34.2,

51.3, 57.3, 57.4, 80.1, 58.1, 84.2 e 92.2).

29 Segundo K. Parlasca, o mosaico seria mais tardio: 230-240 (1959, p. 38, est. 6.3).

30 Achado em 1903, é Irisalva Moita que realiza o primeiro estudo aprofundado do mosaico, identificando-o como pavimento de implu-

vium do átrio da habitação com base não só nos motivo decorativos, mas também no desgaste que apresenta e na canalização que lhe

passa por baixo (1951b, p. 148). Todavia, a estrutura desenhada pelos vários painéis em U parece apontar, na nossa opinião, para um

pavimento de triclinium. M.a Felisbela Borges analisou-o na sua tese de Mestrado, pouco acrescentando ao trabalho anterior (Borges,

1986) e, por fim, M. Torres Carro veio contribuir para a aferição de cronologias e identificação da figura mitológica do pavimento atra-

vés de um pequeno artigo (Torres Carro, 1989).

31 A borla é um triângulo isósceles rectângulo com hipotenusa denteada (Dicionário, p. 14) muito próximo do triângulo denteado.

32 São muito escassas as informações disponíveis acerca deste pavimento, existindo apenas uma fotografia publicada (cf. Moita, 1951b,

p. 147).

33 F. Borges identificou o pavimento como pertencente ao triclinium (1986, p. 140), não parecendo muito razoável pelo que atrás dissemos.

34 Os nossos comentários a propósito da cronologia de outro mosaico de Póvo de Cós (cf. n0 14), mais conhecido, devem ser tidos em

conta na análise deste pavimento.

35 O artigo apresenta uma boa descrição, aliás, já feita por M. Borges em 1986, juntamente com uma reconstituição gráfica de grande

interesse, uma vez que apenas se conhecia parcelarmente este mosaico, não obstante a notícia do seu achado datar de 1903.

36 Na descrição apresentada pelo CME, 7, a composição é erradamente referenciada como sendo à base de hexágonos (p. 49). A est. 30

comprova categoricamente esta incorrecção.

37 Para pisos superiores recomenda a colocação de forra de aesculus , alertando todavia para as deficiências deste tipo de carvalho perante

a humidade (I, 2, 2), ainda que sirva por ser mais barato.

38 Excluem-se os pavimentos n.0s 9 a 14, por limitações no tempo disponível.

39 O amarelo, o rosa, o ocre e certas tonalidades de cinzento difíceis de conseguir a partir de matérias primas naturais podiam obter-se

mediante distintos processos de cozedura, igualmente a partir do barro (Moreno González, 1995, p. 116).

40 Sobre a composição das oficinas e o estatuto sócio-económico dos artesãos vide Moreno González, 1995, p. 126-129.

41 Sobre o assunto vide Lancha, 1984 e Lancha, 1990b.

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PARTE II – OS PAVIMENTOS DA VILLA