Parte 3 - Relações Econômicas: Comércio e Empresas

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O engenho dos erasmos ou dos esquetes em São Vicentee d d y S t o l s e S i l v i o C o r d e i r o

Um dos primeiros engenhos de açúcar no Brasil, o engenho do governador em São Vicente, é também o mais antigo

investimento de mercadores flamengos no Novo Mundo (Stols e Cordeiro). Construído nos anos de 1530 pelo donatário da capi-tania, Martim afonso de Sousa, contava entre seus sócios Johan Van Hilst, aliás João Veniste, nativo de Hasselt, que representa-va em lisboa os interesses de seu tio, erasmo Schetz. este, de origem alemã, mas nativo de Maastricht e casado com uma rica herdeira de antuérpia, Ida van rechtergem, controlava na re-gião de aachen a exploração de calamina e cobre e a produção de bacias e manilhas de latão, em parte destinadas ao comércio português na África ocidental.

assim, granjeava longa experiência comercial em Portugal, on-de tratava também especiarias, açúcar, trigo, tapeçarias ou mesmo cerveja. gozava da confiança de Dom Manuel e de Dom João III, provavelmente para empréstimos de dinheiro. regressando a Flan-dres, desenvolveu, sem abandonar o comércio, sua atividade ban-cária na praça de antuérpia, prestando serviços financeiros tanto ao humanista erasmo de roterdã como ao imperador Carlos V. Bem relacionado no meio mercantil e intelectual desta metrópo-le cosmopolita, transformou a casa de seu sogro, Huis van Aken, numa das melhores residências de antuérpia, onde recebeu, em 1549, Carlos V e seu filho, Felipe II. Para assegurar o enobreci-mento de sua estirpe, erasmo adquiriu em 1545 a senhoria e o castelo de grobbendonk. Seus filhos continuaram nesta senda senhorial, se bem que os descendentes de gaspar, casado com Catarina van Ursel, adotaram este nome e conhecem-se ainda hoje como duque e condes d’Ursel.

a compra por erasmo, nestes anos de 1540, das outras partes do engenho em São Vicente podia corresponder ao anseio de in-serir-se socialmente entre os outros grandes banqueiros, Fugger e Welser, que também lançaram empresas coloniais na américa. Tinha sobretudo a ver com a fulgurante expansão do negócio açucareiro, do qual antuérpia, com grandes refinarias e nume-rosos confeiteiros, projetava-se como o maior centro da europa setentrional. Se na entrada do rio escalda a tabela do pedágio de Iersekeroord mencionou o açúcar ‘Bresilli’ já em 1519, três anos

depois da introdução de seu plantio no Brasil por Dom Manuel, sua produção provinha, na época, principalmente da Madeira e das Canárias, onde outros mercadores flamengos tinham insta-lado engenhos.

No intuito de ampliar o abastecimento com a produção brasi-leira e preocupado em rentabilizar sua nova propriedade, erasmo enviou um servidor flamengo de sua filial de lisboa a São Vicente para fiscalizar a gestão do feitor Pedro rouzée. Pode ter sido um outro sobrinho seu, Sydrach Schetz, filho bastardo do irmão cô-nego em Maastricht, Willem Schetz, que no seu testamento de 1527 lhe confiou sua tutoria e uma pensão. O mesmo Sydrach esquete apareceu, em 1557, na Inquisição de lisboa como capi-tão do navio São Jorge, vindo do Brasil e acusado de luteranismo.

O relatório deste agente, escrito em flamengo e enviado de São Vicente em 13 de maio de 1548 – um dos mais antigos deste tipo no novo mundo –, prefigura um raro exemplo de auditoria moderna e surpreende por sua fria capacidade de análise capita-lista. encontra o engenho como uma pequena fortaleza, elevada e munida com baluartes para sua defesa contra os índios ou ou-tros invasores. Consta de uma casa grande, bem construída, espa-çosa, com senzala e ferraria e mais duas casas cobertas de telhas. apenas a roda d’água do engenho precisa de consertos e deveria ser remontada para cima, a fim de evitar as inundações da ma-ré. Produz 900 arrobas de açúcar, mas apenas 400 exportam-se a Portugal, porque, por falta de moeda circulante, os serviços e as mercadorias pagam-se com açúcar. O próprio agente deve no pagamento de suas mercadorias contentar-se com uma letra de câmbio sobre antonio Becudo em lisboa. Outro problema sério numa terra de muitos degredados e malandros é a ausência de um aparato judiciário eficiente.

Para aumentar a produção, julga indispensável recuperar as terras cedidas ou ocupadas pelos moradores e comprar novas ro-ças. rouzée já conseguiu incorporar 32 tarefas a mais. Com mais cana própria, dispensar-se-ia de moer aquela dos moradores a custo maior. Para alcançar esta autarquia e ao mesmo tempo suprimir os salários da mão de obra livre, dispõe-se de uma numerosa escra-varia, se bem que destes 130 escravos da terra, somente a metade

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trabalha, o resto sendo velhos ou crianças. O relator aprecia muito mais os oficiais africanos, sete ou oito escravos negros da guiné: o mestre de açúcar, que fornece um produto de excelente qualidade e vale bem o salário de trinta mil réis, que na Madeira pagaria-se para um semelhante; e mais um purgador e dois caldeireiros, que também dispensam as quatro arrobas de açúcar, pagas normal-mente por mês a cada oficial livre. a compra de mais escravos para fazer carvão e cinzas e plantar mantimentos economizaria o dinheiro gasto nas compras aos moradores. aconselha por fim de reforçar sua dieta de produtos da terra, como a ‘panqueca de mandioca’, que vale cem réis e alimenta uma pessoa por três ou quatro dias, com carne, bacalhau ou outros peixes salgados e quei-jos flamengos e holandeses.

Desconhece-se a sequência dada às suas propostas, mas quan-do erasmo faleceu pouco depois, em 1550, seus filhos e herdeiros – gaspar, Baltasar, Melchior e Conrart – formaram uma compa-nhia, que devia também gerenciar o engenho. este, no período conturbado das investidas francesas nas costas brasileiras, tornou-se um ponto de encontro e refúgio, conhecido como engenho de São Jorge dos erasmos ou dos esquetes. Por lá deviam ecoar as controvérsias religiosas entre protestantes e católicos como tam-bém a curiosidade humanística pela natureza e pela cultura dos índios. Dois soldados alemães, que passaram pelo engenho, vie-ram na sua volta por antuérpia contar aos Schetz suas aventuras, Ulrich Schmidl em 1554 e Hans Staden em 1555.

O livro deste último sobre sua catividade entre os canibais foi traduzido para o flamengo e publicado, em 1558, em antuér-pia por Christophe Plantin, que lançou simultâneamente uma edição barata do livro de andré Thevet sobre as singularidades brasileiras. este interesse podia relacionar-se com a propriedade brasileira dos irmãos Schetz. estes, muito envolvidos na vida fi-nanceira, política e cultural de sua cidade e dos Países Baixos,

sofreram pouco depois dramáticas perdas de vida, de fortuna e de prestígio durante a tormentosa guerra civil subsequente à re-volta contra Felipe II. Nem por isso deixaram seu engenho num abandono completo e enviaram para lá, por várias vezes, navios com abastecimentos e novos empregados, como Jean-Baptiste Maglio, Paulo Wernaerts, um jovem cunhado de Van Hilst, e geronimo Maya.

em 1565, Conrart Schetz e seu parente Jehan Vlemincx in-vestiram pouco mais de 1.300 libras em mercadorias, equipamen-tos, ferros e até canhões, despachados num navio português. em 1579, o navio Licorno levou seis fardos pelo valor de mais de mil florins (laga). Seu conteúdo reflete o cotidiano no engenho, que misturava uma vida senhorial escravocrata com requinte burguês flamengo. Trazia, ao lado de quatro dúzias de camisas e outras tan-tas de pratos de madeira destinados aos escravos, também tecidos mais finos, lençóis de cama, guardanapos, utensílios de cozinha, panelas para peixe, pratos de estanho, canecas para vinho e até uma batedeira de manteiga. Se vinham caldeirões, tachos de ferro e de cobre e material de ferraria, não faltavam uma escrivaninha, papel e pena, e para o auxiliar Paulo Wernaerts um clavicórdio. Tocava-se música renascentista no engenho dos erasmos! Seguia também uma quantidade surpreendente de pinturas e imagens, uma parte talvez para ornar a capela do engenho, mas sobretu-do destinadas à catequese dos índios pelos jesuítas. estes padres, inclusive o famoso anchieta, mantinham contatos com gaspar Schetz, que em antuérpia lhes tinha vendido a Huis van Aken. Vigiavam particularmente o comportamento moral do feitor e de seus auxiliares em São Vicente.

estes subalternos apropriaram-se provavelmente de uma boa parte dos bens e o rendimento do engenho entrou em crise, ain-da mais durante as incursões em Santos de piratas ingleses e ho-landeses no final do século. Mesmo assim, os netos de erasmo,

Um dos primeiros engenhos de açúcar no Brasil, o Engenho do Governador em São Vicente, de 1530, é também o mais antigo investimento de mercadores flamengos no Novo Mundo.

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já completamente integrados na vida nobiliária e militar, não es-queceram seus direitos sobre suas posses brasileiras. Desde 1603 tentaram enviar, sempre por intermédio dos jesuítas, um procu-rador para investigar estas malversações. Finalmente, em 1612, o mercador flamengo Manuel van Dale conseguiu chegar até lá e lavrou em Santos, junto com os jesuítas, um protesto para obstruir a venda, pelo provedor de ausentes, dos bens dos Schetz, dos es-cravos e equipamentos de cobre. De pouco adiantou porque, em 1615, na sua volta ao mundo, o pirata Joris Van Spilbergen – por sinal um antuerpiense passado para o lado dos rebeldes holandeses – passou por São Vicente e, não obtendo ajuda nem abastecimen-to entre os habitantes, mandou por vingança incendiar o enge-nho dos seus conterrâneos. Se este desapareceu do horizonte dos Schetz, continuou a produzir açúcar, beneficiado em marmeladas e outras conservas apreciadas na economia regional.

Finalmente, o terreno com as ruínas do engenho, localizado no atual município de Santos e tombado pelo patrimônio históri-co, foi doado em 1958 à Universidade de São Paulo (USP). esta o valorizou desde 2005 com pesquisas arqueólogicas e projetos educacionais e construiu ao lado um centro de estudos com bi-blioteca e auditório. Do lado belga ou flamengo não percebeu-se ainda o significado e o potencial comemorativo deste monu-mento como elo tanto econômico como cultural entre Flandres, Portugal e o Brasil.

Se os investimentos brasileiros dos Schetz resultaram onerosos pela distância e pelo controle difícil e lhes renderam finalmente poucos lucros, foram ao mesmo tempo estimulantes e corretivos para o desenvolvimento da produção açucareira no Brasil e para a sua concentração nas capitanias do Nordeste, mais próximas da europa. lá, em Pernambuco ou na Bahia, outros mercadores se-guiram o exemplo dos Schetz e construíram engenhos, como os lins e os Hoelscher, alemães conectados com antuérpia. Mais jovens flamengos ousaram aventurar-se na compra de açúcares nas costas brasileiras e um deles, gaspar de Mere, ergueu até seu próprio engenho no Cabo de Santo agostinho, perto de recife. Sobretudo os cristãos novos portugueses, católicos ou judaizantes,

souberam aproveitar a dinâmica e ganhar um notável predomínio desta rota açucareira. No mercado de antuérpia o produto brasilei-ro aumentou sua cota de aproximadamente 15% por volta de 1570 para mais de 85% no último decênio do século XVI. Sua nova abundância abriu o consumo do açúcar, antes reservado à medi-cina e à aristocracia, a uma clientela mais larga, mesmo popular e infantil. Nas pinturas dos Breughel até o camponês rendeiro é presenteado por seu patrão com um pão de açúcar.

Com a reconquista católica de antuérpia, em 1585, e o subse-quente bloqueio do rio escalda pelos holandeses, antuérpia viu partir muitos refinadores para amsterdã e teve que lhe ceder sua supremacia. Mesmo assim, recebia através de lisboa suficientes caixas de açúcar brasileiro – em média duas mil no período de 1609-1621 – para manter uma requintada cultura da doçaria. O que antuérpia perdia em quantidade compensou em boa parte pela qualidade de seu açúcar mais fino e pela diversidade de seus confeitos, um luxo representado e celebrado nas naturezas mortas de Osias Beert, Clara Peeters e outros pintores deste estilo antuer-piense, como o alemão georg Flegel.

Silvo Luiz Cordeiro, arquiteto pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAU-USP), Doutor em Arqueologia pelo Museu de Arqueologia e Etnologia da USP (MAE-USP) e documentarista, desenvolve projetos relacionados ao patri-mônio histórico e arqueológico, como um filme sobre o Engenho dos Erasmos; em 2011 criou a Mostra Audiovisual Internacional em Arqueologia (MAIA).

referências Carl laga. ‘O engenho dos erasmos em São Vicente; resultado de pesquisas em arquivos

belgas’. Estudos Históricos, Marília, n. 1, 1963, p. 13-43. eddy Stols. ‘Um dos primei-ros documentos sobre o engenho dos Schetz em São Vicente’. Revista de História, São Paulo, n. 76, 1968, p. 407-419. eddy Stols. ‘The expansion of the Sugar Market in Western europe’. ed. Stuart B. Schwartz, Tropical Babylons, Sugar and the Making of the Atlantic World, 1450-1680, University of North Carolina Press, 2004, p. 237-288. Daniel Strum. O Comércio do Açúcar. Brasil, Portugal e Países Baixos (1595-1630). rio de Janeiro, 2012.

a Companhia de Ostende e os portos brasileiros e d d y S t o l s

Novas perspectivas de contatos marítimos com o Brasil apa-receram quando os Países Baixos meridionais passaram, em

1713, do domínio espanhol para o austríaco sob o Imperador Carlos VI, um soberano benevolente. Já que o rio escalda e o porto de antuérpia continuaram bloqueados pelos holandeses, os negociantes flamengos lançaram-se logo no comércio asiático a partir do porto de Ostende e armaram seus primeiros navios para Mocha, na arábia, Surate, Malabar e Bengala, na Índia, e Cantão, na China.

Seus bons lucros com produtos em voga, como o chá, leva-ram, no final de 1722, à fundação, com patente do imperador, da Compagnie Générale Impériale et Royale des Indes, mais conhe-cida como Companhia de Ostende. Sua concorrência ameaçou o quase monopólio das poderosas Companhias das Índias orientais existentes, principalmente a holandesa e a inglesa. estas hostili-zaram os navios de Ostende, que na rota do regresso fizeram es-cala na colônia do Cabo ou na ilha de Santa Helena à procura de assistência e refrescos.

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em situação de desespero, um primeiro navio de Ostende, o Sint-Mathieu, entrou em 1716 no recife e obteve limões e água para salvar os tripulantes doentes. em dezembro de 1720, o Con-cordia conseguiu no rio de Janeiro pagar os alimentos frescos com a venda de seis escravos. entretanto, quatro oficiais foram presos nas ruas da cidade sob suspeita de comércio ilícito e somente sol-tos por intermédio do bispo. O navio seguiu para o recife, onde vendeu tecidos indianos. Um outro navio de Ostende ancorou na Bahia em 1721.

Com estes precedentes, os diretores da Companhia imagina-ram uma nova rota e logística marítima para recorrer sistema-ticamente aos portos brasileiros. Os capitães deviam valer-se de um passaporte do imperador e do parentesco deste com o rei de Portugal. Poderiam vender uma parte de suas mercadorias para pagar o abastecimento e oferecer presentes de seda, porcelanas ou tecidos de até o valor de 800 a 1.000 pistolas. Provavelmente especulavam com mais negócios por lá, pelo menos com a paco-

tilha dos marinheiros, ou até com contrabando de ouro nas costas brasileiras. além disso, a Companhia enviaria navios menores de aviso rumo a Ostende, recife e Bahia, levando material náutico de substituição, como âncoras, e notícias sobre a situação militar na europa e a melhor rota para escapar dos inimigos. Pelo menos uma dezena de navios de Ostende entraram assim nos portos do rio de Janeiro, da Bahia e do recife.

No entanto, apesar das negociações entabuladas com a Corte de lisboa, não foram recebidos pelas autoridades portuguesas co-mo esperavam. Particularmente o vice-rei na Bahia mostrava-se muito rigoroso. em maio de 1727, com a chegada de quatro na-vios, limitou sua permanência, colocou soldados a bordo e confi-nou os quatro capitães e seus sobrecargos numa casa com guardas. Interditou sob pena de morte qualquer comércio e encarregou seus fiscais da Fazenda do abastecimento. O preço muito alto deste podia encobrir alguma corrupção. Um quinto navio chegou em julho no recife, onde os alimentos frescos eram mais baratos e um

Esboço de Fernando de Noronha por Henri Carlos Gheyselinck realizado para a Compagnie Générale Impériale et Royale des Indes, mais conhecida como Companhia de Ostende, 1728.

Dois navios, o Marquis de Prié e o Concordia, visitaram, em 4 de maio de 1728, o arquipélago de Fernando de Noronha e examinaram seu potencial como escala para a Companhia.

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agente pretendia, mediante uma gratificação, garantir no futuro uma recepção mais benevolente.

Procurando uma alternativa, a Companhia cogitou criar um posto em Fernando de Noronha. Dois navios, o Marquis de Prié e o Concordia, visitaram, em 4 de maio de 1728, o arquipéla-go e examinaram seu potencial como escala estratégica para a Companhia. Num levantamento geográfico, Cortmemoriael van ‘t Eylant Fernando de Noronha, com esboços e uma aquarela por Henri Carlos gheyselinck, constataram que, apesar dos abrolhos e corais, era possível ancorar sem danos. encontraram boa água, beldroegas, cabritos, pombas, vacas selvagens e muito bom peixe. em três noites capturaram 14 tartarugas de 500 a 600 libras. em

Aquarela de Fernando de Noronha por Henri Carlos Gheyselinck, 1728.

terra, seus doentes de escorbuto sararam em dois dias. Sabiam do malogro holandês em estabelecer-se por lá por causa dos ratos, mas achavam possível tentar de novo. Bastava introduzir gatos para comer os ratos e plantar.

Não consta que os navios de Ostende voltaram, uma vez que, por pressão dos holandeses e ingleses, a Companhia foi interditada em 1731 e finalmente liquidada em 1734.

referências arquivo Municipal de antuérpia, Fundo gIC, #5.704, 5.929 e 5.931; Biblioteca real, Bru-

xelas, Manuscritos, II-161, Jornal do Concordia; Biblioteca Universidade de gand, Fundo Hye-Hoys, Manuscrito 1837. eddy Stols. ‘a Companhia de Ostende e os Portos Brasileiros’. Estudos Históricos, Marília, n. 5, 1966, p. 83-95.

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Quando nos anos de 1723 e 1724 foram extraídos os primei-ros diamantes no rio Jequitinhonha, na região do Serro em

Minas gerais, antuérpia já tinha uma longa tradição de comércio e lapidação de diamantes. as pedras brutas eram importadas prin-cipalmente da Índia pela Carreira portuguesa e por intermédio de mercadores flamengos ativos em lisboa nos séculos XVI e XVII. Desde 1582 uma guilda reunia e regulamentava os mestres lapi-dários e polidores, que cravejavam as pedras em alfaias litúrgicas para o culto católico e em joias para a nobreza e a rica burguesia. Boa parte destinava-se à venda em Paris e na corte francesa, mas também em Viena, Milão, Constantinopla e Moscou, ou até nas cortes da própria Índia.

rapidamente, a abundância dos diamantes brasileiros provo-cou uma queda de preços e o pânico entre os negociantes em londres, amsterdam e antuérpia. Para melhor controlar o mer-cado, a Coroa portuguesa decidiu, em 1753, aplicar ao comércio diamantário na europa um sistema semelhante ao monopólio já operativo na mineração desde 1739. entre os interessados nesta exclusividade se apresentou um rico mercador de antuérpia, Ja-mes Dormer, de origem inglesa, mas casado na burguesia local. ele tinha boas conexões com uma firma anglo-judaica de lon-dres, Francis e Joseph Salvador, muito importante no mundo dos diamantes e em contato com os governantes portugueses. Juntos fizeram uma proposta para comprar a cada ano 25.000 a 30.000 quilates de diamantes brasileiros, por um período de três anos. Não se concretizou. ao passo que os Salvador sofreram grandes perdas no terremoto de lisboa em 1755, o Marquês de Pombal deu preferência aos mercadores holandeses, que fortaleceram o predomínio de amsterdã no comércio diamantário.

Não obstante, antuérpia continuou a receber indiretamente muitas pedras brasileiras e sua guilda viu subir o número de apren-dizes em até quase 80 por ano por volta de 1765. Como amster-dã se reservava as pedras melhores e enviava as pequenas ou de baixa qualidade para antuérpia, seus lapidários se especializavam particularmente na talha de roosjes ou diamante-rosa para joias mais baratas. entre as mais correntes figuravam os ‘hertekens’ ou corações, que os filhos ofereciam à sua mãe no dia da assunção da Virgem, em 15 de agosto, costume consagrado posteriormen-te e comemorado até hoje como o dia das mães em antuérpia.

Durante o século XIX, antuérpia conseguiu revigorar seu setor diamantário. Dependia agora menos de amsterdã e, uma vez que

no Brasil a lavra de pedras se liberou do monopólio, importava di-retamente ou por intermédio de comerciantes franceses. Se a par-tir de 1867 começaram a predominar as pedras da África do Sul, os diamantes brasileiros continuaram chegando, principalmente dos novos centros de extração, como lençóis, na Chapada Dia-mantina. Capital belga foi investido na formação de companhias francesas, como a Boa Vista. ainda em 1923 uma parada festiva da antuérpia diamantária celebrava com um carro alegórico sua gratidão a essa riqueza brasileira.

a dianteira de antuérpia se devia sobretudo ao desenvolvimen-to industrial da lapidação. Já em 1842 Jean-Jacques Bovie insta-lou no seu ateliê uma primeira máquina a vapor, que funcionaria quase exclusivamente com pedras brasileiras. Com o tempo essa indústria diamantária exportava também instrumentos e know-how para o Brasil. Discos utilizados para lapidar pedras preciosas no final do século XIX vieram da companhia g. J. de Winter & Fi-lho, de antuérpia. Numa visita a lençóis, em 1920, o jornalista belga S. Hartveld notou que as máquinas de lapidação eram de origem antuerpiana.

entrementes, desde o final do século XIX o potencial indus-trial e comercial de antuérpia se beneficiou bastante com a che-gada de judeus fugitivos dos pogroms na europa oriental e melhor conectados internacionalmente, particularmente com amsterdã e Paris. empresários judeus deste circuito fugiram no contexto da Segunda guerra Mundial para o Brasil, alguns com vistos do embaixador brasileiro em Vichy, Souza Dantas, e operaram uma nova transferência tecnológica. Significativa desta interação e da modernização da joalharia no Brasil foi a atribuição, em 2003, de um Antwerp Diamond Award a um bracelete da designer brasileira gláucia Silveira.

Tijl Vanneste, historiador especializado em história global e em his-tória da América do Sul nos séculos XVII-XIX, trabalha atualmente na Universidade de Exeter e tem afiliações com a Universidade Paris-VII e a Universidade Nova de Lisboa.

Bibliografia sobre os diamantesS. Hartveld. Schetsen uit Brazilië, antuérpia, 1921; Iris Kockelbergh, eddy Vleeschdrager

e Jan Walgrave (eds). The Brilliant Story of Antwerp Diamonds, antuérpia, 1992; Tijl Vanneste. Global Trade and Commercial Networks: Eighteenth-Century Diamond Merchants, londres, 2011; Nicolaas Verschuur. Brieven uit Brazilië, 1897-1902. ams-terdam, 1989.

antuérpia e os diamantes do BrasilT i j l Va n n e s t e

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a toda vela para o Brasil, impressões do passado marítimo oitocentistaJ a n Po s s e m i e r s

‘Antuérpia deve o Escalda a Deus e todo o resto ao Escalda’ é voz corrente nesta cidade à margem do rio escalda. es-

te ficou durante mais de dois séculos fechado à navegação, mas depois de sua reabertura em 1795 o porto recuperou seu caráter internacional. Uma vez que o Brasil, por decreto de 28 de janei-ro de 1808, admitiu navios estrangeiros, não demorou muito o interesse de antuérpia por este país. No final dos anos de 1820, quando a Bélgica constituía ainda junto com a Holanda o reino Unido dos Países Baixos, antuérpia já recebia uns 15 navios do Brasil. O armador-negociante adriaan Saportas era, ao lado de outros, um ativo importador de produtos brasileiros, como café, açúcar e couros. Figurava também como diretor da Société d’Ar-mement d’Anvers pour le Brésil, que procurou organizar um ser-viço regular entre antuérpia e o rio de Janeiro.

a revolução de 1830

Depois da revolução belga de 1830, dezenas de mercado-res-armadores migraram para roterdã ou amsterdã, já que a bandeira belga não era bem-vinda nas colônias holandesas. en-tretanto, antuérpia conseguiu restabelecer rapidamente os con-tatos com a américa latina. Melhor ainda: os portos latino-a-mericanos tornaram-se o principal destino dos veleiros belgas de longo curso.

O primeiro navio de bandeira belga a chegar ao porto do rio de Janeiro em 2 de janeiro de 1832 foi o brigue antuerpiense La Paix do armador Joseph Muskeyn. Parece que custou ao capitão J. roose sete dias de negociações antes que as autoridades – por in-tervenção do cônsul da França – reconhecessem o tricolor belga e

A barca de três mastros ‘Dyle’ da Société Maritime Belge, que no 14 de julho de 1846 deixou Antuérpia para o Rio de Janeiro com 162 emigrantes a bordo.

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lhe dessem as boas-vindas com sete tiros de canhão. O Paix entrou no rio num momento pouco propício porque uma revolta contra Pedro I perturbava o comércio. em 12 de agosto o brigue estava de volta a antuérpia, carregado com, entre outros, 340 sacos de café para a firma J. l. lemmé. em 1836 chegaram 22 navios do Brasil ao porto do escalda, em 1845, 59, e em 1848 já eram 70. Os navios estrangeiros procedentes do Brasil em antuérpia ultra-passavam quase sempre em número os belgas, ainda mais porque a marinha mercante belga continuou de tamanho muito modesto.

a viagem de antuérpia ao rio levava em média 50 dias. a volta à europa durava pouco mais, cerca de 60 dias, já que os veleiros precisavam procurar no Oceano atlântico setentrional os ventos do ocidente. as tempestades e as bravuras do capitão e de seus marinheiros fizeram entrar a viagem ao rio no imaginário popu-lar no romance In ‘t schipperskwartier: tafereelen uit het Vlaams-che volksleven, de Domien Sleeckx (1861). existia aliás no bairro portuário um café rio.

armadores, navios e cargas

Nos anos de 1840 e 1850 a Société Maritime Belge de Bruxelas era a principal companhia marítima belga na rota do Brasil. a em-presa possuía entre 1837 e 1856 um total de 13 veleiros. em 1841 ela fechou com o governo belga, que queria apoiar a marinha mer-cante e incentivar a exportação de produtos belgas, um contrato de exploração de uma linha direta e regular para o rio de Janeiro, inicialmente continuada até Valparaiso. em 1842 já se organiza-ram cinco partidas. Seguiram outros destinos ultramarinos, entre os quais Bahia, Pernambuco e rio grande do Sul. Nestas linhas publicava-se para cada saída uma adjudicação. a Comissão para a navegação a vela avaliava os candidatos e designava, depois de um exame técnico dos navios, o preferido. Por princípio somente acei-tavam-se veleiros de primeira classe, ataviados de cobre e sob ban-deira belga. Cada travessia era subsidiada pelo governo da Bélgica.

Por mais importantes que fossem as linhas de veleiros previs-tas pelo governo, a maior parte das partidas para o Brasil fazia-se

por iniciativa dos próprios negociantes-armadores antuerpienses. alguns eram muito interessados e ativos na rota do Brasil, outros, apenas esporadicamente. a barca Marie Key, de propriedade do armador antuerpiense Jean Key, fez entre 1839 e 1862 um total de 35 viagens, das quais nada menos que 21 para o rio de Janeiro (12 vezes em direitura desde antuérpia e nove vezes de um outro porto: Cardiff, Cádiz, lisboa ou Setúbal).

Outros navios de Key frequentavam menos o Brasil: a barca Jean Key fez entre 1829 e 1855 um total de 39 viagens, das quais somente três para o rio de Janeiro. Muito ativo na rota do Brasil foi também egide Van regemortel, proprietário entre 1830 e 1866 de uma dezena de veleiros. Sua escuna Octavie partiu, entre 1847 e 1867, 11 vezes para o rio, uma vez para a Bahia e 17 vezes pa-ra o Maranhão e o Pará. ladislas Paridant, casado com uma filha do importante armador Cateaux-Wattel e que negociava no rio de Janeiro, expôs suas ideias a este respeito no livro Des lignes de navigation entre l’Europe et le Brésil (liège, 1855).

Na ida para o Brasil os veleiros antuerpienses carregavam geral-mente sal, carvão ou mercadorias isoladas. Na falta de uma carga lucrativa navegavam com lastro. Na volta traziam café, açúcar e couros, que tinham mercado garantido na europa. Também era o caso para navios dos quais o primeiro destino era a costa leste dos estados Unidos, mas que, na volta à europa, procuravam boas cargas em portos latino-americanos: café brasileiro, açúcar cubano ou produtos do rio de la Plata. egide Van regemortel trazia do Maranhão e do Pará para antuérpia couros, algodão e borracha, sob o nome de ‘gom-elastic’, além de arroz, cacau, café, bálsamo de copaíba, tabaco e salsaparrilha.

emigrantes

Um tráfico bem particular envolvia os emigrantes. Muitos mi-lhares de europeus se dirigiram por meados do século XIX a partir de antuérpia para a américa do Sul. assim, o Phénomène, uma galera de egide Van regemortel, partiu em agosto de 1846 com 253 emigrantes para o rio de Janeiro. Na sua esteira seguiu em

Alexandre Baguet e Urbain Flebus

O antuerpiense Alexandre Baguet (1817-1897) viajou em 1842 para o Rio de Janeiro onde ficaria uns dez anos. Em 1845 começou uma jornada audaciosa pelo Rio Grande do Sul e Paraguai. De regresso a Antuérpia, Baguet fez fortuna como negociante. Em abril de 1874 foi nomeado vi-ce-cônsul do Brasil. No mesmo ano publicou seu relato da viagem, Rio-Grande-do-Sul et le Paraguay. Souvenirs de voyage. Baguet escreveu mais dezenas de artigos sobre o Brasil na revista da Société Royale de Géographie d’Anvers. Milton Costa traduziu e editou sua Viagem ao Rio Grande do Sul, Santa Cruz do Sul, 1997. • Urbain Flebus (1839-1853) era um sobrinho de Alexandre Baguet e pertencia a uma família antuerpiense de bo-as posses. Mesmo assim, com apenas 12 anos de idade, Flebus fez em 1851 sua primeira viagem marítima à América do Norte e à Ásia. Em 8 de setembro de 1852 partiu de novo, esta vez como novice na barca Indépendance, com destino ao Rio de Janeiro, onde chegou em 6 de novembro. Carregado com 3.200 sacos de café a Indépendance iniciou em 29 de novembro a viagem de volta, mas deixando Urbain Flebus muito doente no Rio. Faleceu lá, talvez de febre amarela, em 9 de janeiro de 1853, com seus 14 anos ainda não cumpridos. • A Indépendance era propriedade da Société Maritime Belge. Entre 1839 e 1856 a barca fez 19 viagens para o Brasil. Em julho de 1856 o navio sofreu avarias entre a Bahia e o Rio de la Plata. Regressada à Bahia a Indépendance foi declarada imprópria em 16 de agosto de 1856 e vendida.

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novembro a Marie Key com 118 emigrantes. No mesmo ano, sete navios belgas levaram 768 emigrantes para o rio. Um navio saiu para Santa Catarina, onde uma empresa belga procurava realizar um projeto de colonização. ainda em 1846 partiram oito navios estrangeiros com 878 emigrantes de antuérpia para o rio e mais um, com 95 para o rio grande.

Da vela ao vapor

a partir dos anos de 1860 diminuiu muito rapidamente o nú-mero de veleiros belgas. O governo aboliu os subsídios e os arma-dores familiarizados com os veleiros sofriam a concorrência brutal dos vapores bem maiores e mais rápidos. a exportação de produtos agrícolas sul-americanos para antuérpia fazia-se, cada vez mais, com linhas de vapores do exterior, que empalmavam as melhores cargas. O capitão Charles Boone, da companhia antuérpiense de veleiros De Decker – Cassiers, informou mais de uma vez ao seu armador que nos grandes portos sul-americanos estavam anco-rados dezenas de veleiros à espera, sem resultado, de uma carga lucrativa. em 1874 De Decker – Cassiers o considerou o assunto resolvido. O armador Claeys escutou a mesma história de seu ca-pitão Thomas Zellien. este relatou, numa carta do rio grande do Sul em 31 de março de 1870, que havia 195 veleiros à espera.

Somente alguns poucos negociantes-armadores antuerpienses conseguiram adquirir seus próprios vapores. Daniel Steinmann fi-gurou primeiro como carregador e agente marítimo, mas dispunha desde os anos de 1860 de seus próprios veleiros e vapores. Sob a bandeira da White Cross Line navegavam sobretudo para a américa do Norte, mas esporadicamente destinavam-se também ao Brasil e ao rio de la Plata. a companhia T. C. Engels & Co., fundada em 1859, comprou tanto veleiros, entre os quais alguns navios de ferro para o transporte dos nitratos chilenos, como também vapores. O SS de Ruyter (2.500 toneladas) partiu em 23 de dezembro de 1871

numa viagem, passando por le Havre, para Bahia, Santos, rio de Janeiro e o rio de la Plata. em 25 de abril de 1872 o steamer vol-tou no seu porto de registro, carregado em Santos com 265 sacas de algodão para a firma Bunge. Também os vapores da companhia antuerpiana John P. Best & Co. destinavam-se excepcionalmente à américa do Sul. Foi o caso do SS Ferdinand Van der Taelen em ja-neiro de 1875 saindo de antuérpia para o Brasil e o rio de la Plata.

Os meios comerciais de antuérpia pouco se importavam com o declínio da marinha mercante belga. acreditavam tranquila-mente que o princípio ‘Trade Follows the Flag’ não se aplicava ao seu porto tão bem situado e de fácil acesso. algumas tentativas para estabelecer linhas belgas de vapores para a américa do Sul fracassaram. assim foi fundada, em 1855, por iniciativa da compa-nhia de veleiros Spilliaerdt-Caymax, uma Société Belge de Bateaux à Vapeur entre la Belgique et l’Amérique du Sud. a Société Générale de Belgique e o Banque de Rothschild de Paris interessaram-se pelo negócio e o governo belga prometeu um subsídio. encomendaram quatro vapores metálicos na Holanda. Um destes, o Rio de Janei-ro (1857), tinha capacidade de carga de quase 600 toneladas para carvão e de quase 500 toneladas para mercadorias. além disso, tinha espaço para 220 passageiros, dos quais 40 em primeira clas-se, com cabines com água corrente e banheiros, e uma magnífica cabine para senhoras com piano e canapés. No entanto, por causa de vários problemas financeiros e de organização, a companhia foi dissolvida no final de 1858. O Rio de Janeiro nunca navegou sob bandeira belga e foi vendido no exterior.

Por falta de iniciativas belgas o governo decidiu conceder sub-sídios para atrair companhias estrangeiras a antuérpia. assim, o Ministro de Obras Públicas, auguste Beernaert, concluiu em 1876 um contrato com a companhia britânica Lamport & Holt sobre uma linha subsidiada para o Brasil e o rio de la Plata. Como a companhia tinha que incorporar navios sob bandeira belga, orga-nizou-se uma Société Anonyme de Navigation Royale Belge-Sud-

A marinha belga

Já que os armadores antuerpienses lidavam com uma contínua falta de tripulantes, nos anos de 1830 e 1840 colocavam-se oficiais e marujos da marinha nacional à disposição da marinha mercante. O governo pagava o ordenado e fornecia os víveres. Assim, partiu o brigue Caroline (capi-tão Petit) em 24 de junho de 1835 com uma tripulação militar para o Rio. Voltou em janeiro de 1836 a Antuérpia carregado de café para os im-portadores Lemmé e Nottebohm. Parece que trazia também uma rica coleção de plantas brasileiras e um casal de pássaros exóticos para o Rei Leopoldo I. • A própria marinha belga chegou a frequentar os portos brasileiros. O brigue de guerra Duc de Brabant passou em 1847 pelas costas latino-americanas e visitou Santa Catarina e o Rio. No dia 6 de abril de 1855, o brigue ancorou de novo na baía de Santa Catarina, onde os belgas quiseram visitar seus compatriotas que residiam por lá. No Rio, o Estado Maior do Duc foi recebido pelo hospitaleiro cônsul-geral belga, Edouard Pecher, e sua esposa, outra filha do armador Cateaux-Wattel. Tenente-do-mar, Émile Sinkel (1823-1876), descreveu em sua Vie de marin, 1872-74, como o grupo passou um domingo paradisíaco na Ilha de Paquetá, na baía de Guanabara, junto com as famílias dos negociantes alemães, italia-nos e belgas. O comandante do Duc de Brabant, o primeiro oficial e o próprio Sinkel foram também recebidos pelo casal imperial. Em 1º de maio continuaram a viagem à Bahia. • Quem de nós não ouviu falar do Rio? Desde que estou no mar, este nome martelava constantemente minhas orelhas, acompanhado de exclamações da maior admiração. É o mais belo porto do mundo, dizem os marinheiros; é a baía mais magnífica, é o nec plus ultra da natureza, dizem os viajantes. Portanto eu estava prevenido e minha curiosidade em alerta. Num semelhante estado de espírito, geralmente ressente-se decepções. Aqui nada disso. (Émile Sinkel)

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-Américaine. a linha começou em 1878, com oito vapores sob ban-deira belga e introduziu depois ainda outras unidades, porém sob bandeira britânica. Os subsídios para a Lamport & Holt revelaram-se uma sangria para o tesouro. Provocaram a resistência do partido liberal e foram também bastante criticados nos círculos mercantis de antuérpia. O contrato terminou em 1908. Na medida em que o número de linhas de vapores em antuérpia aumentou, os sub-sídios tornaram-se desnecessários.

Sem exagero deve-se constatar que antuérpia tornou-se nos últimos decênios do século XIX um porto mundial sem frota pró-pria. Nos portos brasileiros quase não se viu mais o tricolor belga. Mesmo assim, antuérpia e Brasil ficavam conectados mais que nunca graças à rede mundial de linhas de vapores britânicas e alemãs. estes embarcavam produtos industriais belgas e sobretudo os emigrantes da europa central e oriental, mas interessavam-se também aos candidatos belgas. estes eram recrutados com uma propaganda pouco escrupulosa, denunciada pelo escritor georges eekhoud em seu romance La Nouvelle Carthage, 1893, que trazia uma descrição naturalista do mundo de negócios antuerpiense.

Neste fervor náutico pelo Brasil, o governo municipal de an-tuérpia decidiu, em 1874, dar o nome de Braziliëstraat – rua

do Brasil – a uma nova artéria aberta no velho bairro portuário, conhecido como Het Eilandje. este nome de rua ainda existe e forma um conjunto latino-americano com a Limastraat, a Monte-videostraat e a mais afastada Mexicostraat. Novas iniciativas belgas exitosas na navegação a vapor avançaram até o século XX, mas isto já é uma outra história.

Com meus agradecimentos particulares ao senhor Luc Van Coolput, membro da Real Academia Belga da Marinha e autor de diversas pu-blicações sobre a marinha mercante, que gentilmente colocou muitos dados à minha disposição.

Jan Possemiers, historiador, com tese de licenciatura sobre o bairro ecléctico de Zurenborg em Antuérpia, premiada e publicada pela Real Academia Flamenga da Bélgica, publicou também vários trabalhos sobre a atividade marítima de Antuérpia.

referências a. De Burbure de Wesembeek. Une anthologie de la marine belge. antwerpen,1963; gus-

taaf asaert e. a. Antwerp: a port for all easons. antwerpen, 1986; J. Vrelust (edit.) An-twerpen Wereldhaven. Over handel en scheepvaart. antwerpen, 2012.

Um traficante de escravos na BahiaC h r i s D e l a r i v i è r e

Dezembro de 1851. O rei Kosoko, soberano de lagos, já era há tempo uma espinha no olho dos britânicos que controlo-

vam a baía do Benin. lagos virou o principal pivô do trato dos es-cravos na África e o rei recusou teimosamente em ceder às exigên-cias dos britânicos de terminar com o tráfico de escravos. Quando, além do mais, o rei Kosoko rejeitou a amizade da rainha da Ingla-terra, os britânicos decidiram parar as negociações diplomáticas e passar para o método duro.

Um dia depois do Natal a royal Navy começou o ataque a la-gos. Os navios do West Africa Squadron entraram na desembocadura do rio e dirigiram-se para o centro da cidade. ao fogo cerrado dos sitiados, responderam com salvas dos canhões Howitzer. rapida-mente uma parte da cidade pegou fogo. Desembarcando com suas tropas auxiliares africanas, os soldados britânicos encontraram forte resistência. Mesmo assim, os guerreiros do rei Kosoko não rechaça-ram as tropas da royal Navy. O rei fugiu e dos três mil defensores da cidade algumas centenas perderam a vida. Os britânicos contaram somente uma dezena de vítimas. a queda de lagos acabou assim com o último grande empório de escravos da África ocidental. Nos dias seguintes os conquistadores acharam no palácio do rei um ma-ço de cartas. Tratava-se da correspondência entre o rei Kosoko e seus parceiros de negócios no Brasil. Várias cartas eram provenientes de Gantois & Marback, uma firma comercial com sede em Salva-dor, Bahia, e fundada por edouard gantois, originário de gand.

as cartas

as cartas de edouard gantois ao rei Kosoko constituem do-cumentação singular sobre o estilo mercantil do tráfico de es-cravos. em termos práticos e frios descrevem a mercadoria for-necida. em nenhuma parte aparece a palavra ‘escravo’ e se fala antes de ‘sacas’ ou ‘pacotes’. Oferecem um balanço detalhado da ‘mercadoria’, levando em conta os preços de compra e venda, os gastos médicos e os alimentos, os prêmios de seguro, as comissões e a ‘mercadoria’ avariada. a correspondência prova também que edouard gantois tinha relações comerciais seguidas com o rei Kosoko. assim informou o monarca sobre os avanços na cons-trução de um veleiro de dois mastros destinado ao transporte dos escravos do rei africano.

a última carta de edouard gantois data de 1850, em pleno declínio do tráfico de escravos. Sob o impulso da grã-Bretanha, combatia-se com mais rigor os traficantes e também no Brasil cessou a tolerância de longa data. em suas cartas ao rei Kosoko transpareciam as crescentes dificuldades e as queixas sobre a de-feituosa qualidade da mercadoria. Muitos escravos eram velhos ou doentes demais e alcançavam preços baixos. além disso, o risco do embargo dos navios aumentava. Numa carta de outubro de 1849, gantois alertou o rei Kosoko a respeito dessas dificuldades e insistiu para pressionar alguns de seus devedores. Um tal de Pe-

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dro Marques devia ainda fornecer cinco ‘sacas’. ajau d’acambi e agenia estavam ainda em falta na sua conta de três e dez ‘sacas’. Pelo visto edouard gantois não era homem de sentimentos, mas de trato frio e funcional.

Traficante de escravos e homem de negócios

Subsistem poucos dados biográficos sobre o traficante belga. apesar de sua posição proeminente no meio dos negociantes de Salvador, edouard gantois continua uma figura algo obscura. Nascido no final do século XVIII, emigrou para o Brasil onde es-tabeleceu uma firma comercial em Salvador. lá ficou ativo entre 1830 e 1850 principalmente no tráfico de escravos, comércio ile-gal mas lucrativo com agência na rua d’alfandega, na parte baixa da cidade. gantois era visivelmente um peixe graúdo no tráfico. Junto com seus parceiros, como o francês guilhaume Pailhet e o britânico Henry Marbach, dirigia uma empresa próspera, com vários navios. Nesse período de 20 anos fizeram pelo menos 36 transportes clandestinos, dos quais somente quatro foram intercep-tados. Os barcos partiam de Salvador com tabaco, têxteis, açúcar, cachaça, armas e pólvora, que trocavam na África ocidental por escravos. Sua firma era lucrativa.

entretanto, o Brasil, seguindo a grã-Bretanha e outros países, proclamou em 1831 a ilegalidade do tráfico escravista. Se a escra-vidão continuou existindo, o comércio transatlântico de escravos ficou proibido, mas a lei continuou letra morta. as fazendas e as minas estavam tão dependentes da mão de obra escrava que as au-toridades fechavam os olhos, ainda mais mediante propinas. até 1850 a introdução de escravos continuou sem maiores problemas e oferecia excelentes lucros a gantois e seus colegas.

em 1845 o cônsul francês, Mauboussin, considerou a chegada de 5.542 escravos como a principal atividade comercial em Salva-dor. Dava bons lucros, já que, segundo o britânico lord John Hay, comprava-se um escravo por 10 dólares e vendia-se por 500 dólares no Brasil. em seu informe consular, Mauboussin relacionava a companhia belgo-francesa Gantois & Pailhet entre os traficantes estrangeiros, que, aliás, desprezava como contrabandistas de hu-manos. Seus principais portos eram lagos, na Nigéria, e Ouidah, no Benin, onde tinham seus agentes e depósitos.

Os navios de gantois

Uma ida e volta no trato dos viventes entre o Brasil e a África ocidental tomava de três a quatro meses, dependendo das escalas escolhidas e das eventuais paradas. estima-se que, de 1800 até 1860, foram traficados de 2 a 2,5 milhões de escravos africanos para o Brasil. a mortalidade nos tumbeiros era alta e em média de 10% a 20% não chegava ao fim da travessia. Mesmo assim era um negócio lucrativo que atraía muitos comerciantes estrangeiros. alguns combinavam com a venda de ferramentas e armas, ainda mais que lá serviam para a caça e a prisão dos escravos. O gandense edouard gantois era um deles e associou-se com outros traficantes, como o francês guilhaume Pailhet e o britânico Henry Marbach,

para comprar e armar navios negreiros. Sobre os transportes por conta de gantois encontram-se ainda alguns dados nos arquivos.

em 1836, o negreiro Atalaya realizou o Middle Passage em 128 dias. No golfo de Benin carregou 284 escravos, dos quais 270 desembarcaram em la Havana. Uma segunda viagem no mesmo ano teve menos êxito, e uma carga de 121 escravos foi intercep-tada pela marinha britânica na baía de Biafra. O ano de 1836 foi turbulento para a firma gantois, pois tinha também o Esperança na rota. Uma primeira viagem começou na Nigéria com 352 “pe-ças” e terminou na Bahia com 325 sobreviventes. Um segundo transporte com 477 “peças” foi confiscado. Oito anos mais tarde edouard gantois continuava ativo no tráfico. em abril de 1844 partiu a escuna A Felicidade, sob o comando do capitão J. J. da Silva. Dos 589 escravos embarcados na África, depois de 73 dias de viagem para chegar à Bahia, apenas 530 resistiram. No mes-mo ano a guarda costeira brasileira interceptou outro navio de gantois. O bergantim A Fortuna tinha carregado em lagos 630 escravos, dos quais 610 continuavam vivos. em 1846 o iate Maria partiu de lagos com 178 africanos para a Bahia e chegou com 160 sobreviventes, que foram vendidos.

Por volta de 1850 os negócios começaram a declinar. as autori-dades brasileiras agiam com mais severidade e a West-Africa Squa-dron da marinha britânica patrulhava mais intensivamente a costa da África ocidental para interceptar os navios negreiros. a queda de lagos foi um golpe definitivo para o tráfico. em seu relatório de 24 de março de 1851, g. Jackson, Her Majesty’s Commissioner, em luanda, informou a apreensão, pelo West-Africa Squadron, de 54 navios, de março de 1850 a 1851, o que levou à libertação de um total de 4.841 escravos. em decorrência, constatou-se a venda mais difícil de escravos e a falência dos traficantes.

O Terreiro do gantois

edouard gantois deve ter ficado muito preocupado com a notícia sobre a queda de lagos. Pouco antes havia construído um navio para o rei Kosoko e agora não podia mais recuperar seu dinheiro gasto. Sem futuro para o tráfico, gantois procurou ou-tras atividades comerciais. Isto transparece no relatório de viagem do Imperador Pedro II pelo Norte do Brasil em 1859. aí gantois figurou como proprietário de uma fábrica de tabaco. Nove anos depois da abolição do tráfico reconverteu-se em industrial. além disso, investiu seus lucros do tráfico na compra de terras, que o transformaram em latifundiário. Num destes terrenos formou-se por meados do século XIX uma sociedade de candomblé, fundada por mulheres Yoruba, que tinham chegado como escravas.

Foi o começo do Terreiro do gantois, um dos templos mais antigos do culto sincretista afro-brasileiro, situado no atual distrito Federação, onde se localiza o campus da Universidade Federal de Salvador. entre os frequentadores do terreiro encontra-se gente de todas as classes sociais, das favelas aos condomínios ou aos meios artísticos. a cantora Maria Bethania celebrou numa de suas can-ções ‘minha mãe Menininha...’, a famosa mãe-de-santo Menininha do gantois, que ganhou prestígio nacional. Parece um destino irô-

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nico que precisamente nas terras de um traficante floresceu uma das mais respeitadas comunidades do candomblé afro-brasileiro.

em Salvador não se encontram mais rastros de edouard gan-tois. Mas, sim de seus parceiros, o comerciante britânico Henry Marback (Marbach), originário de liverpool, que se tornou, na segunda metade do século XIX, um dos homens mais ricos da Bahia. Com sua fortuna, ganha parcialmente no tráfico, comprou no bairro do Bonfim uma casa grande com vista para a Bahia de Todos os Santos. O Solar Marback ainda encontra-se lá, perto da igreja do Senhor do Bonfim, que protagoniza a maior festa religio-sa de Salvador, a lavagem do Bonfim, na qual atuam tanto padres católicos como mães-de-santo do candomblé.

Chris Delarivière é jornalista independente em Gand, autor de re-portagens sobre a cultura e música popular brasileira, traduziu para o flamengo a História da Província de Santa Cruz, de Pêro de Maga-lhães Gandavo, descendente de um flamengo de Gand.

Bibliografia sobre gantoisPierre Victor Mauboussin. rapport sur la traite de noirs à Bahia en 1846, Ministére des

affaires etrangères, Correspondance Consulaire et Commerciale, Consulat de Bahia Vol. 5;Transatlantic Slave Trade Database, <http://www.slavevoyages.org> ; accounts & Papers: 48 volumes (47 – Part I); Consuls; Slave Trade (Session 1852-1853), Vol. CIII-Part I; Pierre Verger.Flux et reflux de la traite des négres. Paris, 1968; Pedro Vas-concelos. Salvador: transformações e permanências (1549-1999). Ilhéus, 2002.

Esse fuzil de caça de 2 tiros corresponde ao modelo conhecido como “brasileiro”, que era especialmente fabricado em Liège, na segunda metade do século XIX, para exportação. Tais armas se caracterizavam por seu modo de carragamento pela boca, pelo seu mecanismo de disparo à percussão e pela escultura da coronha. Se trata de um modelo de luxo, ricamente esculpido, gravado e incrustrado de ouro. A tampa da caixa de munição, situada na coronha, leva o brasão do antigo império do Brasil. Um agradecimento a Claude Gaier, especialista do comércio de armas e ex-diretor do antigo Museu de Armas de Liège, pelas fotografias.

Os belgas se situaram no século XIX entre os maiores consumidores de café, com até 7 quilos por pessoa. Se o primeiro café brasileiro teria chegado ao porto de Antuérpia via Lisboa já por volta de 1807, somente a partir de meados do século importaram-se grandes quantidades. Entretanto, se vendia no varejo como café de Java, de maior reputação. A origem brasileira começou a valorizar-se depois que, nas Exposições de Antuérpia, em 1885, e de Bruxelas, em 1910, milhares de visitantes puderam prová-lo gratuitamente nos pavilhões do Brasil. Ganhou fama com a qualidade “Santos”, nome que um negociante belga incorporou em 1910 na sua “compagnie brésilienne” de torrefação. Esta fornecia os “Santos Palace”, salões de café, criados em Bruxelas e em cidades praieiras como La Panne.

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A Bélgica se envolveu muito cedo na construção da infraestrutura ferroviária do Brasil com a vinda do capitão Henri Vlemincx, que recebeu licença do exército belga para dirigir de 1859 a 1865 o Serviço de Tráfego da Estrada de Ferro Dom Pedro II. Esta permissão deveria contribuir para levar encomendas de material ferroviário para as metalúrgicas belgas. Estas, como as fábricas de Thy-le-Château, Cockerill, Ougrée, Marcinelle e Couillet, forneceram algumas locomotivas, mas principalmente vagões de carga e trilhos para diversas estradas brasileiras como a Leopoldina, a Sorocabana, a Central da Bahia e a Central de Pernambuco. O equipamento mais vultoso veio dos Ateliers franco-belges de la Dyle et Bacalan em Lovaina, que construiu o vagão do Imperador, conservado no Museu do Trem do Rio de Janeiro. Esta empresa franco-belga participou no capital da Compagnie Générale des Chemins de fer brésiliens, que começou a partir de 1879 a realizar a concessão da linha Curitiba-Paranaguá e abriu uma filial em Curitiba. Em 1888 se mostrou em Lovaina uma exposição de fotografias dos viadutos instalados no Brasil, mas o Álbum feito para esta ocasião ainda não foi encontrado ou se perdeu. Nesta onda, financistas belgas, principalmente Franz Philippson, cujo nome se deu a uma colônia judaica da Jewish Relief Association no Rio Grande do Sul, mobilizaram capitais belgas para a construção e exploração de concessões de ferrovias entre São Paulo e o Rio Grande do Sul e organizaram em 1891 a Compagnie des Chemins de Fer Sud-Ouest Brésiliens e em 1898 a Compagnie Auxiliaire des Chemins de Fer au Brésil. Seu capital atingiu perto de 75 milhões de francos belgas para construir e gestionar uma rede de quase 2.500 km. O material foi fornecido pelas fábricas de Braine-le-Comte. Seu diretor, o engenheiro Gustave Vauthier, que teve sua primeira experiência na construção da estrada de ferro Matadi-Léopoldville, no Congo, construiu a Estação e a Vila Belga de Santa Maria. Os belgas se interessaram desde 1904 pela organização da estrada de ferro Noroeste e forneceram material ferroviário ainda na década de 1920.

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(Acima, à esquerda) – Inauguração do São Carlos Electric Tramway, em frente à estação ferroviária da cidade em 27 de dezembro de 1914.

(Acima, à direita) Projeto dos bondes encomendados pela South Brazilian Railways a Les Ateliers Metallurgiques de Nivelles, Bélgica, e que começaram a funcionar em Curitiba, Paraná, em janeiro de 1913.

(À esquerda) – Bondes comprados em 1925 pela CFLPA dos Ateliers de Construction Energie Marcinelle, Bélgica, e instalados em Porto Alegre; notar a circulação à esquerda, no estilo inglês.

Pavilhão Belga na Exposição do Rio de Janeiro em 1922-23. O governo belga, diante da custosa reconstrução do país devastado pela Primeira Guerra Mundial, hesitou em participar da Exposição Internacional do Centenário da Independência no Rio de Janeiro em 1922. Entretanto, foi pressionado pelo Rei Alberto, que, depois de sua visita ao Brasil, queria restabelecer e desenvolver as relações econômicas entre os países. Assim confiou a organização da participação belga ao conde Adrien van der Burch, especialista em matéria de exposições internacionais. Na Avenida das Nações, o arquiteto Arthur Verhelle construiu um pavilhão em estilo neorrenacentista, o Resurgam, prevalecente em muitas reconstruções nas cidades belgas. Foi um dos poucos a ficar prontos na inauguração de 7 de setembro. Seu interior mostrava uma exposição de arte belga. Na Praça Mauá havia mais: uma construção metálica, instalada pelo arquiteto Francisco de Paula Ramos de Azevedo, muito ligado aos interesses belgas. Numa superfície de 7.000 m2 nada menos que 417 expositores belgas apresentavam seus produtos para o mercado brasileiro. O número de visitantes e as vendas, no entanto, ficaram abaixo do esperado.

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O Copacabana (um cargueiro mixto com BRT – toneladas brutas registradas – de 7.334 e uma Loa – longitude – de 140,15 m) foi lançado festivamente em 19 de outubro de 1937 nos estaleiros Cockerill, de Antuérpia (Hoboken), e entrou em serviço em 1938. O navio, bastante luxuoso e mobiliado em art déco, dispunha de amplas e modernas instalações para transporte de carnes e frutas (nas imagens, rótulos de laranjas brasileiras). Havia também acomodação para cerca de 140 passageiros, dos quais 20 em primeira classe. Naquele mesmo ano a CMB (Compagnie Maritime Belge) armou ainda dois navios idênticos: o Piriapolis e o Mar del Plata. Os três navios frequentaram os portos de Pernambuco, Rio de Janeiro, Santos, Montevideu e Buenos Aires. O Copacabana serviu sob a bandeira da CMB até 1958 e foi também utilizado na rota do Congo. Suas câmaras frigoríficas permitiam o transporte de frutas, principalmente de laranjas brasileiras que a empresa Louis Van Parijs de Antuérpia distribuía no mercado belga. Substituíam a importação das laranjas espanholas, afetada pela guerra civil na Espanha. Louis Van Parijs foi um dos primeiros a adquirir terras em São Paulo para desenvolver suas próprias plantações de laranja. No pós-guerra suas laranjas, com a marca LVP, dominaram durante muitos anos o consumo belga.

O sistema de estacas de concreto armado moldadas e cravadas no solo para sustentar grandes construções foi aperfeiçoado por um engenheiro de Liège, Edgard Frankignoul e patenteado como ‘estaca Franki’. Para operar na construção pesada pelo mundo inteiro, fundou em 1911 sua Compagnie Internationale des Pieux Armés Frankignoul. Em 1935 abriu uma filial brasileira no Rio de Janeiro, que interveio na construção de grandes prédios, como a Estação Dom Pedro II e Ministério da Educação e Saúde, e de obras como o túnel 9 de Julho, em São Paulo. A seguir operou no Brasil inteiro e teve participação importante em obras em Brasília. Desde 1938 contou com a colaboração de engenheiros brasileiros e em janeiro de 1940 se transformou em empresa brasileira, Estacas Franki, com capital de um milhão de cruzeiros. Criou em 1942 seu próprio Laboratório de Mecânica dos Solos. Dessa forma, constituiu um caso exemplar de empresa estrangeira rapidamente integrada na tecnologia e na economia nacional.

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Detentora de uma das maiores reservas de manganês e minério de ferro do mundo e de um Produto Interno Bruto em que

a indústria, liderada pela mineração, até mesmo supera o tradi-cionalíssimo setor pecuário, a cidade sul-matogrossense Corumbá viu a primeira exploração sistemática de seus recursos minerais nascer entre 1907 e 1918 pela atividade da belga Compagnie de l’Urucum, nas montanhas de mesmo nome.

Foram décadas de profundas transformações para Corumbá. Privilegiada por sua condição geográfica de articulação entre o interior do continente e as capitais platinas e da zona franca para o comércio internacional, a cidade viu explodir o número de habi-tantes e a atividade de casas comerciais, bancos e consulados, ma-nifestos na arquitetura de seu porto e numa diversidade linguística que, segundo os relatos, fazia com que o português fosse apenas uma de suas línguas e a libra a moeda corrente.

Paralelamente, no restante da fronteira matogrossense com a Bolívia desenvolvia-se uma intensa atuação de empresas belgas

proprietárias de imensas áreas nos dois países, sob retaguarda di-plomática do governo belga na busca por administração territorial autônoma e nos moldes de sua experiência colonialista no Congo africano. Foi nesse cenário que operou a Compagnie de l’Urucum. entretanto, sua história é hoje pouco conhecida, assim como a existência de alguma relação com as demais empresas belgas do período. Sabe-se que a Compagnie contou com mão de obra vinda do Uruguai e da Bolívia para a abertura de minas nas cotas supe-riores do maciço do Urucum e, com o fim da I guerra Mundial, o minério produzido não foi exportado, a despeito da conclusão de uma via férrea entre as lavras e o rio Paraguai e de alguma relação firmada com os proprietários da antiga Fazenda Urucum (em cuja área localizavam-se as lavras), que atuava simultanea-mente como entreposto fornecedor de gêneros alimentícios, hos-pital militar e hospedagem.

é possível, contudo, estabelecer algumas inferências, resultan-tes do cruzamento entre as informações já conhecidas. Por exem-

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a Urucum dos belgasFa b i o g u i m a r ã e s r o l i m

A primeira exploração sistemática de recursos minerais em Corumba se deu entre 1907 e 1918 pela atividade da Compagnie de l’Urucum.

A Compagnie contou com mão de obra vinda do Uruguai e da Bolívia para a abertura de minas nas cotas superiores do maciço do Urucum.

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plo, o geólogo Miguel arrojado lisboa, que passou pela região no final de 1907 com a Comissão Schnoor, para o estabelecimento do traçado da estrada de Ferro Noroeste do Brasil-eFNOB, faz referência a um certo engenheiro “residente”, Delhaye, o qual in-formou ter trabalhado na medição da altitude máxima do maciço (1.077 metros) “a partir da fazenda Urucum”. Seria este Delhaye o geólogo belga Fernard Delhaye (1880-1946), que mais tarde viria a ser o descobridor da delhayelita na região de Kivu, Zaire (ex-Congo Belga)? Permite essa suposição a reunião de elementos comuns como o sobrenome, o período cronológico, a profissão e a localização da descoberta que lhe eternizou o nome – o Congo –, remetendo ao contexto colonialista belga na África e ao que se intentava nas fronteiras do Mato grosso.

Casos mais concretos são representados por seções de trilhos encontrados na área da antiga Fazenda Urucum, reforçando as informações sobre a conexão portuária; por edificações ainda exis-tentes na fazenda, entre as quais ao menos duas são identificadas por antigas fotos e cartões postais como sendo da Compagnie – es-taria aqui a razão de ser do termo “residente” adotado por arrojado lisboa ao se referir ao engenheiro Delhaye? e, por último, mas não menos importante, a popular “mina dos belgas”, em área atu-almente sob concessão da Urucum Mineração-Vale do rio Doce.

as atividades da Compagnie findaram-se em 1918 e a Fazenda Urucum entrou em abandono após 1960, até ser desapropriada em 1984. Seus remanescentes localizam-se em área adquirida pela Vale do rio Doce em 2007 com o intuito de ampliar sua estocagem. a ação do Instituto do Patrimônio Histórico e artís-tico Nacional/Iphan, no entanto, possibilitou a preservação da área e a condução de um projeto para um parque histórico-ar-queológico no local. a “mina dos belgas”, por sua vez, é um dos

Chalet construído na Fazenda Urucum.

geossítios de interesse histórico e mineralógico componentes do geopark estadual Bodoquena-Pantanal, candidato ao reconhe-cimento mundial pelo Global Geoparks Network/ggN, sob os auspícios da Unesco. Felizmente, um cenário propício para o maior conhecimento deste passado, nem tão remoto, e que per-manece vivo na economia e na paisagem corumbaenses, apto a emergir novamente à superfície da memória.

Fabio Guimarães Rolim é arquiteto e urbanista, coordenador-geral de Patrimônio Natural do Iphan.

a Companhia de estradas de Ferro Noroeste do Brasil e suas conexões belgas (1904-1918)

Pa u l o r o b e r t o C i m ó Q u e i r o z

a ferrovia historicamente conhecida como Noroeste do Brasil (NOB), existente ainda hoje, liga Bauru (SP) a Corumbá

(MS, fronteira com a Bolívia), com um ramal de Campo grande (MS) a Ponta-Porã (MS, fronteira com o Paraguai) – traçado que indica seu sentido essencialmente político-estratégico.

a história da construção da NOB é extremamente movimen-tada. Suas origens remontam à traumática experiência da guerra com o Paraguai (1864-1870), quando o Sul do então estado de Mato grosso (que constitui o atual Mato grosso do Sul) foi ocu-pado pelas forças paraguaias.

O início de sua construção, em 1905, deu-se pelo “aproveita-mento” de uma antiga concessão, efetuada pelo governo federal em 1890, referente a uma ferrovia que deveria ligar Uberaba (Mg)

a Coxim (MT) – traçado que foi alterado para Bauru-Cuiabá (capi-tal do então MT) e concedido à Companhia de Estradas de Ferro Noroeste do Brasil (Cia. eFNOB), fundada em 1904.

em 1908, com a construção em andamento, novas mudanças: o ponto final foi alterado de Cuiabá para Corumbá e a ferrovia foi dividida em dois segmentos: a E. F. Bauru-Itapura e a E. F. Itapu-ra-Corumbá (sendo Itapura uma localidade no extremo Oeste do estado de São Paulo, às margens do rio Tietê). a concessão da Cia. eFNOB foi mantida apenas para a Bauru-Itapura, enquanto a Itapura-Corumbá foi declarada propriedade da União.

em 1914 foi dado por concluído o trecho entre Bauru e as margens do rio Paraguai, em Porto esperança. Pouco depois, a União encampou a Bauru-Itapura, e de sua fusão com a Itapura-

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-Corumbá resultou, em 1918, a NOB, agora inteiramente estatal. a extensão até Corumbá e o ramal de Ponta-Porã foram construí-dos entre 1938 e 1953.

No Oeste do estado de São Paulo, a construção enfrentou forte resistência dos antigos habitantes desse território, isto é, os indígenas kaingang, o que gerou sangrentos confrontos. além dis-so, muitas vidas de operários e engenheiros foram ceifadas pela malária que grassava no vale do rio Tietê.

a Cia. eFNOB foi constituída no rio de Janeiro, em junho de 1904, como uma empresa brasileira, com capital de 10 mil con-tos de réis, e, dentre seus nove acionistas, apenas um trazia um nome estrangeiro: Victor Folletête, citado como “incorporador”. Mas a presença de capitais e interesses belgas fica especialmente evidenciada por quatro circunstâncias:

1) as conexões belgas do fundador e principal dirigente da Cia., engenheiro João Teixeira Soares, cujo elevado prestígio pro-fissional derivava, em grande parte, de sua atuação como chefe da construção da célebre ferrovia de Curitiba a Paranaguá, no início da década de 1880, a serviço da empreiteira belga Société Anonyme

des Travaux Dyle et Bacalan. Nos anos seguintes, Teixeira Soares havia prosseguido em suas estreitas relações com empresas bel-gas, como a Compagnie des Chemins de Fer Sud-Ouest Brésilien e a Compagnie Auxiliaire des Chemins de Fer au Brésil, ambas integrantes de um grupo pertencente à Compagnie Générale des Chemins de Fer Secondaires, sediado em Bruxelas.

2) O fato de a construção ter sido empreitada à empresa Com-pagnie Générale de Chemins de Fer et de Travaux Publics, fundada em Bruxelas, em 1902, inicialmente com vistas a assumir a “em-preitada da construção e superestrutura da linha” da estrada de ferro de Vitória (es) a Diamantina (mg). Vale notar que o vice-presiden-te da NOB, João T. Soares, era também diretor da Cia. Vitória- -Minas; louis Malchain, que foi diretor da NOB, era um dos prin-cipais acionistas da Compagnie Générale, enquanto ernest Poizat (membro do Conselho Fiscal da NOB) aparece como pequeno acionista e membro do Conselho Fiscal da mesma Compagnie.

3) O fato de muitos cidadãos belgas terem certamente se tor-nado obrigacionistas (debenturistas) da Cia. eFNOB, pois a maior parte do capital empregado na construção foi levantado na euro-pa, e Bruxelas (ao lado de Paris, amsterdã e, possivelmente, an-tuérpia) esteve sempre entre os locais onde foram negociadas as debêntures emitidas pela companhia.

4) O fato de grande parte do material rodante da ferrovia ser de origem belga. em 1907, as seis locomotivas de que dispunha a empresa eram belgas, provenientes dos Ateliers de la Meuse; dentre os 15 veículos, 12 provinham igualmente da Bélgica (no-ve vagões para mercadorias e três vagões de lastro). Nos anos seguintes, a procedência belga se mantém muito forte no con-cernente aos veículos, embora ceda terreno no que se refere a locomotivas. assim, em 1911, todos os 178 veículos da ferrovia (carros de passageiros, mistos, vagões para bagagens, animais, mercadorias etc.) têm como procedência a Bélgica; já, contu-do, no que concerne às 14 locomotivas, apenas quatro (do tipo Mogul) eram belgas, sendo as demais importadas dos eUa. esse quadro parece, enfim, claramente consolidado em 1916, último ano para o qual disponho de dados (referentes, no caso, apenas à Bauru-Itapura). De um total de 127 veículos, nada menos que 81 eram belgas; dentre os demais, havia cinco dos estados Uni-dos (carros para passageiros), e os restantes 41 eram brasileiros. Já com relação às locomotivas, de um total de 20, apenas cinco eram belgas: das demais, 12 eram Baldwin e três inglesas (Sharp Stewart). Tal tendência confirma, portanto, para a NOB, a ob-servação de Stols, que, referindo-se às ferrovias belgas no rio grande do Sul, entre fins do século XIX e início do XX, assinala que “le matériel roulant provient de plus en plus des États-Unis ou d’ateliers brésiliens” (Stols, 2001, p. 132).

Mais difícil é a identificação de possíveis personagens belgas na Cia. eFNOB. é certo que na primeira diretoria, eleita em 1904, aparecem vários nomes estrangeiros: Henri lartigue, “ad-ministrador da Sociedade de estradas de Ferro argelianas”, como presidente; Victor Folletête, como “administrador delegado”, e, como diretores, gusty Joris, louis Malchain (“administrador da Ouro Preto Gold Mine”) e george Moreau, “engenheiro de mi-

Vagão e interior do carro de 1ª classe da Nord Ouest Brazilian Railway, a ferrovia conhecida como Noroeste do Brasil (NOB), que liga Bauru (SP) a Corumbá (MS).

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nas”. Não me foi possível, até o momento, identificar claramente a nacionalidade de nenhum desses personagens, nem de outros que, ao longo dos anos seguintes, aparecem como dirigentes ou acionistas da Cia., como gaston Hamelin, Jean Jourdan, Parmen-tier, J. Bartholomé, george Prévault, Charles rau, léon Maître e Hubert laroze. Contudo, levando em conta os resultados que ob-tive em buscas pela internet, inclino-me a dizer que se tratava, na maioria, de cidadãos franceses – o que contribuiria para confirmar a observação de Fernando de azevedo, segundo a qual a Cia. eF-NOB foi formada por “capitais mistos, brasileiro e franco-belga”.

Paulo Roberto Cimó Queiroz, Doutor em História pela Universida-de de São Paulo, com estágio de pós-doutoramento na Universidade Federal Fluminense. É Professor Associado da Universidade Federal da Grande Dourados (Mato Grosso do Sul) como docente e orienta-dor nos cursos de graduação e pós-graduação em História (Mestrado e Doutorado).

referênciasatas de assembleias e relatórios da diretoria da empresa, publicados no Diário Oficial da

União, disponíveis em: <www.jusbrasil.com.br>; aZeVeDO, Fernando de. Um trem

corre para o Oeste: estudo sobre a Noroeste e seu papel no sistema de viação nacio-nal. 2. ed. São Paulo: Melhoramentos [s.d.]. 222 p.; CaSTrO, Maria Inês Malta. O preço do progresso: a construção da estrada de Ferro Noroeste do Brasil (1905-1914). Campinas, 1993. 293 f. Dissertação (Mestrado em História) – IFCH/Unicamp; DIaS, José roberto de Souza. Caminhos de ferro do Rio Grande do Sul: uma contribuição ao estudo da formação histórica do sistema de transportes ferroviários no Brasil meridio-nal. São Paulo: ed. rios, 1986; eNg. João Teixeira Soares. Engenharia, São Paulo: Instituto de engenharia, v. 7, n. 74, p. 53-54, out. 1948; legislação federal brasilei-ra (leis e decretos), disponível em: <www.camara.gov.br> e <www.senado.gov.br>; QUeIrOZ, Paulo r. Cimó. As curvas do trem e os meandros do poder: o nascimento da estrada de Ferro Noroeste do Brasil (1904-1908). Campo grande: ed. UFMS, 1997. 163 p.; QUeIrOZ, Paulo r. Cimó. Uma ferrovia entre dois mundos: a e. F. Noroeste do Brasil na primeira metade do século 20. Bauru: edusc; Campo grande: ed. UFMS, 2004; relaTÓrIO da diretoria da Companhia e. F. Noroeste do Brazil apresentado à assembleia-geral ordinária realizada em 11 de junho de 1906. rio de Janeiro: Typ. de Heitor ribeiro & C., 1906; relaTÓrIO da diretoria da Companhia e. F. Noroeste do Brasil apresentado à assembleia-geral ordinária realizada em 14 de agosto de 1907. rio de Janeiro: Typ. do “Jornal do Commercio”, de rodrigues & C., 1907; relaTÓrIO da diretoria da Companhia de estradas de Ferro Noroeste do Brazil apresentado à assembleia-geral ordinária realizada em 16 de outubro de 1911. rio de Janeiro: Typ. leuzinger, 1911; relaTÓrIO da diretoria [da Companhia de estradas de Ferro Noroeste do Brasil referente ao ano de 1916]. São Paulo: estab. graphico “Universal”, 1917, 119 p.; STOlS, eddy. Présences belges et luxembour-geoises dans la modernisation et l’industrialisation du Brésil (1830-1940). In: De PrINS, Bart; STOlS, eddy; VerBerCKMOeS, Johan (ed.). Brasil: cultures and economies of four continents – cultures et economies de quatre continents. leuven: Uitjeverij acco, 2001, p. 121-164; TelleS, Pedro Carlos da Silva. História da enge-nharia ferroviária no Brasil. rio de Janeiro: ed. Notícia & Cia., 2011.

Um lugar belga em Pernambuco: a cidade industrial da Société Cotonnière Belge-Brésilienne S.a.

J e a n S u e t t i n n i

a sociedade anônima Société Cotonnière Belge-Brésilienne S.A. (SCBB) foi fundada na cidade de anvers (antuérpia), no nor-

te da Bélgica, em 23 de fevereiro de 1907, pelo Groupe LADM em acordo firmado com as empresas Fry Miers & Co., Nathan & Co. e com o consorciado delas no Brasil, o industrial pernambucano João de Hollanda Vasconcellos.

O Groupe LADM era composto por industriais e financistas das cidades de liège, anvers, Deurne e Malines (Mechelen), que eram proprietários de fábricas do setor têxtil na Bélgica, além de serem acionistas de indústrias localizadas em outros países do No-roeste europeu e na rússia (Société Cotonnière Belge-Brésilienne, 1907, p. 3-11).

a sociedade anônima SCBB foi criada para estabelecer uma cidade industrial com fábrica especializada em tecidos de algo-dão localizada no estado de Pernambuco, no Nordeste do Brasil, especificamente na área circunvizinha da metrópole de recife que, em função do porto, constituía a quinta localidade mais industrializada do país, possuindo atrativos ambientais, infraes-truturais e econômicos para o investimento do capital industrial europeu. esse empreendimento desenvolveu-se durante o pro-cesso de urbanização industrial europeia que ocorreu em outros continentes.

a sociedade anônima SCBB instituiu o Conselho de Anvers co-mo responsável para gerir a construção da cidade industrial belga em Pernambuco e a administração efetiva do empreendimento, representando todos os acionistas na estrutura jurídico-societária estabelecida. O Conselho de Anvers nomeou o brasileiro João de Hollanda Vasconcellos como procurador da sociedade anônima SCBB no Brasil para implantar jurídico-administrativamente a fábrica têxtil belga, atendendo as exigências dos ministérios no rio de Janeiro (capital da república na época) e agilizando a im-plantação da cidade industrial em Pernambuco.

em 29 de novembro de 1907, a sociedade anônima SCBB comprou o engenho de açúcar São Sebastião localizado no vale do rio Jaboatão, na região fisiográfica de mata atlântica, a 28 km da cidade do recife, e, assim, foi iniciada a construção da cidade industrial belga. a propriedade adquirida, originada do sistema de plantation da cana-de-açúcar, era servida por eficiente sistema viário com a intersecção da rodovia Estrada Real com a estrada de ferro da Great Western of Brazil Railway Company Limited (que possuía uma estação ferroviária). essas vias ligavam o porto do recife até o extremo oeste de Pernambuco, atravessando extensa zona rural (Suettinni, 2011, p. 59-64).

Os engenheiros-arquitetos belgas Fernand Selvais e Pieter

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gruschke foram os responsáveis pelo projeto urbanístico da ci-dade industrial da SCBB, com a colaboração administrativa do superintendente da sociedade anônima no Brasil, o industrial Wi-lhelm Bauer, natural da cidade de Malines, que foi nomeado pelo Conselho de Anvers. a edificação da cidade belga em um antigo engenho de açúcar norteou uma nova lógica socioespacial para a localidade, instituindo assim o efetivo aproveitamento da mão de obra campesina, ora ociosa (por conta da falência da agroindústria do açúcar), que foi especializada para ocupar as funções de oleiro, pedreiro e posteriormente de operário (Bauer, 1915, p. 5, 18-32).

a implantação da cidade industrial da SCBB foi delineada aproveitando-se a espacialidade do engenho São Sebastião quanto à infraestrutura de vias (a Estrada Real e a Ferrovia Recife-Vitória de Santo Antão), os recursos naturais (o rio Jaboatão, as matas nativas e o solo) e a situação locacional caracterizada por uma topografia de colinas. Na estrutura espacial do engenho eviden-ciou-se um processo de desmanche com o plantio de 2 milhões de mudas de eucalipto (nas áreas de cana-de-açúcar), a reutilização dos edifícios singulares (casa-grande, capela, senzala, conjunto do cemitério e outros prédios rurais) e o aproveitamento do traçado viário com as novas edificações localizadas às margens da Estrada Real formando alamedas (apresentando paisagismo arbóreo de flamboyants e castanholas). assim, o traçado ortogonal do lugar belga, com tendência à espontaneidade da topografia íngreme, foi delineado por um cinturão verde circundante, com a primei-ra secção de floresta de eucaliptos e a segunda de mata atlântica, demarcando o fim do perímetro urbano em meio a um território entremeado de engenhos de açúcar, canaviais e extensas áreas de vegetação nativa (Suettinni, op. cit., p. 66-72, 74-77).

O projeto urbanístico foi efetivado no platô a partir da centra-lidade do edifício da fábrica têxtil e localizado estrategicamente próximo à estação ferroviária. Nessa área central foram dispostos os prédios de apoio técnico, a termoelétrica, as lojas de comércio e serviços, a praça da feira, as 12 vilas operárias, o conjunto de chalés de diretores e técnicos, uma Villa Belge como casa da superinten-dência, as duas escolas, o posto de saúde, o campo de futebol, a pista de patinação e outros edifícios e logradouros públicos (com-pondo as alamedas ou formando arruamentos paralelos). a fábrica têxtil era circundada por um anel de trilhos que, através de um ramal, estava ligado à estação ferroviária para facilitar a logística da cadeia produtiva (Selvais, 1921, p. 19-78).

a primeira fase do projeto da Cidade Industrial da SCBB deu- -se entre 1910 e 1915, com a inauguração e o funcionamento efeti-vo da fábrica têxtil, que abrigou mais de 3.000 operários, oriundos da área de entorno de recife, e de várias localidades do Nordeste do Brasil, como também 123 executivos e técnicos belgas imigra-ram com suas famílias para residir no “lugar Belga” em Pernam-buco. Nessa fase, o advento da I guerra Mundial na europa im-pediu que o projeto urbanístico final fosse concluído em prol do efetivo funcionamento da fábrica têxtil da SCBB no Brasil (Jean, op. cit., p. 35-40).

entre 1920 e 1933 deu-se a expansão do projeto da cidade industrial da SCBB, pois, devido à crescente demanda de operá-rios, uma quantidade significativa de intervenções urbanísticas foi acrescida à tessitura urbana em benefício da funcionalidade da fá-brica têxtil e da reprodução socioespacial. Para isso, uma missão de engenheiros e arquitetos belgas, sob a direção de Pieter gruschke, planejou o crescimento urbano da localidade. Foram construídas 36 vilas residenciais que triplicaram a oferta de moradia na cidade industrial, com destaque para a Villa Saint-Nicolas-Waes, com 17 casas em estilo “la Maison Flamande”, em bloco de fileira e com fachadas em tijolos aparentes. assim foi expandida a composição das alamedas e dos arruamentos paralelos a partir da linearidade da rodovia (gruschke, 1948, p. 29, 55-73).

Outros edifícios singulares e equipamentos coletivos foram construídos, sendo as principais obras o Mercado Central (1922), a Praça das Bandeiras (1923) com morfologia em uma cruz cel-ta, apresentando projeto paisagístico arbóreo de fícus e pinheiros, e a Igreja Matriz de Nossa Senhora da Conceição (1930) com a fachada inspirada na L’église Notre-Dame-de-l’Immaculée-Concep-tion de liège. Quanto à infraestrutura, as principais obras foram a ampliação do anel ferroviário interno da fábrica têxtil, o calçamen-to em paralelepípedo de alamedas e ruas e a implantação da rede elétrica e do sistema de esgoto que beneficiou todos os operários do lugar belga (Suettinni, op. cit., p. 85, 88-94).

Desse modo, com a finalização do projeto urbanístico, a cida-de industrial da SCBB aumentou a autossuficiência econômico- -espacial e, paralelamente, passou a ser denominada e reconhecida por belgas e brasileiros como Nouvelle-Anvers.

Com o passar dos anos, foi acrescida à tessitura da cidade in-dustrial belga a construção de outras vilas operárias, equipamentos coletivos e edifícios singulares, com a manutenção efetiva que a sociedade anônima realizava no ambiente construído, como no serviço de recolhimento de lixo realizado pela intendência da ci-dade industrial.

Com a II guerra Mundial (1939-1945), a sociedade anônima SCBB perdeu os seus contatos com anvers, mas manteve-se como empresa estrangeira no Brasil com os produtos da fábrica têxtil sen-do exportados para os estados Unidos e o Canadá, como também atendendo ao mercado interno. e em 1950 a sociedade anônima conseguiu concluir a edificação e instalação da indústria subsidi-ária da fábrica têxtil, a Tissage Wallonie-Flandre Et Cie. (Société Cotonnière Belge-Brésilienne, 1966, p. 18, 43-67).

Por conseguinte, a situação do pós-guerra na europa, mesmo com a salvaguarda do Plano Marshall, e a crise da safra de algo-dão no Nordeste brasileiro, que afetou o setor da indústria têxtil, afora o incentivo para que a industrialização local fosse centrali-zada no Sudeste do país, fez com que a sociedade anônima SCBB encerrasse as atividades no Brasil em 1966 e, assim, repassasse as ações dela para um grupo local, com participação acionária de dois executivos da SCBB apenas, denominado Brasil-Belgo Union.

Jean Suettinni é Mestre em Projeto da Cidade e da Arquitetura pelo Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Urbano (MDU) Implantação da cidade industrial da SCBB.

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2013, ano em que comemora seu 150º aniversário de funda-ção e a apenas três para celebrar os 75 anos de chegada ao

Brasil, o grupo químico internacional belga, denominado Solvay S.a., reitera sua estratégia de crescimento fortemente baseada nos pilares da sustentabilidade. a empresa encontra-se engaja-da para enfrentar de forma inovadora, e baseada na excelência operacional, os desafios do presente e aqueles que terão de ser superados no futuro.

essa linha-mestra de atuação tem origem nos ideais que nor-tearam a vida pessoal e profissional de ernest Solvay, que, em conjunto com seu irmão alfred, fundou a Solvay & Cie em 1863. ernest sempre pautou suas atividades em conformidade com a filosofia social progressista. exemplos desta forma de pensar e agir permearam seus passos, inclusive como empregador. antes mesmo de ser obrigado por lei, estabeleceu para seus funcioná-rios um sistema de seguro social, implementou plano de apo-sentadoria em 1878, jornada de 8 horas em 1897 e férias pagas em 1913. Tudo isso no auge do segundo período da revolução Industrial, quando as condições de trabalho eram insalubres e submetiam os empregados às piores situações já experimentadas desde a escravidão.

ernest não se restringiu aos muros de seus empreendimentos. Dedicou olhar especial à sociedade, e fundou várias bases científi-cas, filantrópicas e de caridade, incluindo o Instituto de Fisiologia (1895) e de Sociologia (1901), bem como a prestigiada escola de Comércio Solvay (1903). a Biblioteca Solvay e o edifício que a abriga também foram obras financiadas por ernest Solvay e doada à comunidade. O prédio foi originalmente construído para o Insti-tuto de Sociologia da Universidade livre de Bruxelas.

a paixão primordial pela ciência impulsionou ernest a expres-sá-la de forma ampla em 1911, ao agregar em Bruxelas a maioria dos mundialmente famosos físicos e químicos da época. entre os participantes, Marie Curie, albert einstein, Max Planck, ernest rutherford, Henri Poincaré e Maurice de Broglie.

Foi a partir desse encontro que nasceu o Conselho Internacio-nal de Física e Química da Solvay, que ainda se mantém atuante.

Também conhecido por Instituto de Física e Química Solvay, esta entidade possui como atividade central a organização das reuniões do Conselho e a concessão de apoio às pesquisas realizadas pelos cientistas filiados.

em 1940, a ocupação da Bélgica pelas tropas alemãs durante a Segunda guerra Mundial foi definitiva para que a Solvay decidis-se estabelecer no Brasil os mesmos ideais que já a conduziam em solos da europa, no leste europeu. além de um complexo indus-trial, a Solvay contribuiu também para criar no país uma comuni-dade de trabalho, prosperidade, solidariedade e respeito mútuos.

e foi por intermédio desta linha de atuação cidadã que no século passado, entre as décadas de 1930 e 1940, a empreende-dora família contrapôs-se aos contextos de depressão financeira e bélica, que dominavam inúmeros países e dizimavam incontáveis empresas e seres humanos, e seguiu em frente com os ideais de seu patriarca ernest Solvay. Sem render-se aos obstáculos históricos, optou por utilizar as temáticas de expansão e hegemonia geográ-fica de forma positiva e com vistas ao progresso da humanidade.

a primeira empresa do grupo Solvay em solo brasileiro foi a Indústrias Químicas eletro Cloro, que, apesar de legalmente cons-tituída em 1941, viu-se obrigada a protelar a construção da fábrica, e da vila para seus operários, devido às dificuldades causadas pela guerra para o envio de recursos.

O local escolhido para a instalação do complexo industrial foi o quilômetro 38 da Ferrovia Santos-Jundiaí, no município de Santo andré, região metropolitana de São Paulo. ali, a Solvay se-meou tecnologia, aprendeu a ser brasileira e abriu as portas para sua atuação na américa do Sul.

Cercada pela Mata atlântica em terreno de 7 milhões de me-tros quadrados, cortada pelo rio grande, pela estrada de ferro e estrategicamente próxima ao Porto de Santos, da estrada Cami-nho do Mar e da Via anchieta – que à época se encontrava em construção –, a Solvay ergueu a Indústrias Químicas eletro Cloro S.a. e a Vila elclor.

Pelo litoral paulista a empresa recebia as matérias-primas sal e energia elétrica para o processo de eletrólise. a eletricidade era

do Departamento de Arquitetura e Urbanismo (Deau) da Universi-dade Federal de Pernambuco (UFPE); Urbanista e historiador (B.Sc.) pela UFPE; presidente-fundador do Instituto de Estudos Históricos Belgo-Brasileiros; organizador/pesquisador e detentor dos Direitos Do-cumentais do Acervo da SCBB/Groupe LADM no Brasil e na Amé-rica Latina.

referênciasSOCIéTé COTONNIÈre Belge-BréSIlIeNNe. Statut général. laDM / S.C.B.B.:

anvers, 1907.

BaUer, Wilhelm. rapport au Conseil d’anvers (1907-1917). S.C.B.B.: Pernambouc (Brésil), 1917.

SelVaIS, Fernand. rapport au Conseil général du S. C. B. B. (1907-1920). laDM / S.C.B.B.: Pernambouc (Brésil), 1921.

gruschke, Peter. rapport au Conseil d’anvers (1920-1948) ). laDM / S.C.B.B.: Pernam-bouc (Brésil), 1949.

SOCIéTé COTONNIÈre Belge-BréSIlIeNNe. rapport de Monsieur Charles De Vocht au conseil général du S. C. B. B. laDM / S.C.B.B.: anvers, 1966.

SUeTTINNI, Jean. Um lugar Belga em Pernambuco: o Núcleo Fabril da Société Coton-nière Belge-Brésilienne S.A. (1907 – 1966). Tese de Mestrado apresentada ao Progra-ma de Pós-graduação em Desenvolvimento Urbano (MDU) do Departamento de arquitetura e Urbanismo (Deau) da Universidade Federal de Pernambuco (UFPe), sob a orientação da PhD. Dra. lúcia leitão. recife: MDU/DeaU/UFPe, 2011.

a Solvay chega ao Brasil e abre as portas para a américa do Sul

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fornecida pela light & Power através da usina de Cubatão. e as-sim garantia-se a produção de cloro e soda cáustica.

em 1945, a Solvay lançou a pedra fundamental da fábrica e na sequência iniciou a terraplenagem. O período coincidiu com a desativação de vários canteiros de obras de outro grande empre-endimento na mesma região, a construção da rodovia anchieta, que liga a capital paulista a Santos.

Os trabalhadores aos poucos foram migrando para a constru-ção da Indústrias Químicas eletro Cloro. e os bons ventos sopra-ram a favor da Solvay, pois essa mão de obra estava habituada ao clima úmido e a então hostil região da Mata atlântica.

a inauguração foi em 16 de julho de 1946, um dia com cli-ma bastante comum ao local: nublado. a produção inicial era de cerca de 1 tonelada de cloro por dia. e, não demorou muito para que a empresa belga começasse a confiar a brasileiros natos postos de comando dentro da organização. O primeiro a assumir como chefe de produção foi o engenheiro leonel luciano, formado pelo Instituto Mackenzie de São Paulo. Ingressou na eletro Clo-ro em 1956 e lá permaneceu até 1991. Durante esse período, fez especialização no exterior e se destacou em sua área de atuação.

a partir do start-up da eletro Cloro, gradativamente a Solvay passou a desbravar outras fronteiras territoriais e de atuação in-dustrial dentro do Brasil. adquiriu o controle acionário da enisa (empresa Salineira e de Navegação Igoronhon S.a.), localizada em um complexo de ilhas (Caieira, garça, Beirada Funda, enfor-cado, Igoronhon e Carrapato) no estado do Maranhão. em Minas gerais, comprou a CBCC (Companhia Brasileira de Carbureto de Cálcio), situada no município de Santos Dumont.

Outra empresa agregada foi a Malharia Industrial do Nor-deste, no Distrito Industrial de Paulista, cidade a 20 km de re-cife, Pernambuco. Também fez parte das aquisições a Plavinil, no bairro de Santo amaro, em São Paulo, capital. a Peróxidos do Brasil integrou-se ao rol de negócios no qual a Solvay passou a atuar; e neste caso com o caráter de joint venture, com a bra-sileira Produtos Químicos Makay. Já o início das atividades no setor veterinário se deu com a aquisição da Salsbury laboratórios ltda., em Campinas, no estado de São Paulo, cidade dotada de

renomadas universidades e importante polo de pesquisa e ino-vação no Brasil.

esta preocupação de se estabelecer próxima ao setor acadê-mico para a promoção da cultura do saber sempre permeou as re-lações da Solvay com a comunidade. No Brasil não foi diferente. e a educação merece um capítulo à parte dentro da história do grupo no País.

Desde sua fundação, a Solvay aporta capital expressivo para o desenvolvimento de seus empregados e da comunidade em ge-ral. Faz parte da política de relações Humanas (rH) do grupo o financiamento parcial de estudos que visem o aprimoramento profissional dos empregados.

localmente, o primeiro grande projeto educacional nasceu junto com a Vila elclor, por intermédio do estabelecimento legal de uma escola de ensino fundamental para os filhos dos funcioná-rios, cujas vagas remanescentes eram disputadas pela comunidade, devido ao reconhecimento da qualidade do ensino.

ano após ano, a disputa por uma das bolsas de estudo destinada a estagiários de diferentes campos de atuação científica é acirrada. Por meio dos estágios, a empresa permite que jovens testem na prática supervisionada os ensinamentos teóricos de cursos técni-cos e superiores, oferecendo-lhes o primeiro contato real com o mundo industrial e corporativo. em 2013, as bolsas de estágio, formalmente estabelecidas com instituições de ensinos superior e técnico, atenderam a 250 jovens estudantes brasileiros.

Mundialmente, todas as empresas Solvay também são orien-tadas a analisar as solicitações de apoios ou patrocínios primei-ramente pelo ângulo educacional do projeto, de acordo com o tripé social do Desenvolvimento Sustentável. esta regra é válida inclusive para os programas sociais próprios, desenvolvidos com as comunidades vizinhas às fábricas. esta determinação segue em li-nha com uma das paixões expressas por ernest Solvay, que ansiava pela disseminação do conhecimento e de sua disponibilidade no apoio às pesquisas em todos os campos da ciência.

Cerimônia na Solvay Indupa em 1948 com a presença do prefeito de Santo André, Antonio Flaquer, e comitiva.

Vista parcial da Solvay Indupa em Santo André. Ao fundo, instalações fabris, 1947.

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Justamente essa ampla visão voltada à aquisição de conheci-mento e de constante aprimoramento de suas competências so-ciais e fabris levou a Solvay a ousar na diversificação de portfólio e de atuação industrial na década de 1980. Já no limiar de 1990, resolveu rebatizar a eletro Cloro como parte de sua estratégia de reconhecimento à boa acolhida em solo brasileiro. a empresa passou a denominar-se Solvay do Brasil S.A.

a Solvay S.A., na Bélgica, realizou vários ajustes e reorientação de atuação nos anos 1990. essas alterações atingiram os negócios locais. Foi a partir do know-how adquirido na fábrica de Santo andré que o grupo resolveu explorar os mercados da américa do Sul por intermédio da aquisição, em 1996, de 51% das ações da Indupa S.A.I.C., na argentina, pioneira no setor petroquímico da-quele país. No mesmo ano, ainda em terras argentinas, foi criada a Solvay Automotive Argentina.

Os anos 2000 também foram bastante férteis para a Solvay. Marca sua entrada local no segmento de saúde humana com a compra dos laboratórios Sintofarma, em Taboão da Serra, São

Paulo, que passou a se chamar Solvay Farma. Nessa mesma déca-da, o grupo Solvay forma, no município de Osasco, região me-tropolitana de São Paulo, a Dacarto Benvic, no sistema de joint venture (50%-50%) com a Dacarto S.A. Indústrias de Plásticos, para atuar no segmento de compostos de PVC.

Desde o início de operação da antiga Eletro Cloro, em 1946, o Brasil sempre esteve no foco das estratégias de crescimento da Sol-vay. esse ponto de vista se fortaleceu em 2011, quando adquiriu 100% da francesa Rhodia. localmente, foram agregados ao grupo cinco unidades industriais e um centro de Pesquisa e Desenvolvi-mento, situados no estado de São Paulo. Também se integraram à carteira da Solvay no País os negócios de aroma performance, fibras industriais e têxteis, energia renovável, plásticos de engenha-ria, poliamida e intermediários, sílica, solventes e a área que atua nos mercados de produtos de alto desempenho para uma ampla variedade de indústrias, incluindo as de cosméticos, produtos de limpeza, agroquímicos e óleo, assim como para aplicações indus-triais. O grupo Solvay emprega hoje cerca de 3.000 funcionários.

Vista aérea da planta industrial da Solvay Indupa de Santo André.

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Junto com o legado da francesa rhodia no Brasil, a Solvay recebeu ainda o Instituto de mesmo nome, entidade sem fins lu-crativos que atua em projetos sociais ligados à educação comple-mentar, atendendo adolescentes e jovens de baixa renda, de 12 a 24 anos, nas comunidades onde a empresa tem atuação industrial e ou comercial. em reconhecimento à força da marca localmente, o Brasil foi o único país que manteve o nome rhodia após recente alinhamento mundial de branding, que incluiu a reestruturação da logomarca do grupo.

as sinergias entre os dois legados são maiores do que as dife-renças, o que facilita a condução dos negócios em nível mundial. O futuro do grupo Solvay no Brasil também já está traçado e ali-

nhado à estratégia global, dentro do programa denominado Solvay Way, fortemente ancorado no incentivo à inovação para o forneci-mento de produtos que atendam aos desafios do desenvolvimento sustentável. esse programa começou a ser implantado em 2013 em todas as empresas do grupo, e esta abordagem já integra os planos estratégicos de cada um dos negócios.

Dessa forma, a Solvay segue rumo aos próximos 150 anos cien-te de seu papel como empregador responsável e uma empresa com atuação cidadã, que enxerga em cada um de seus stakeholders a possibilidade de juntos continuarem a construção de um mundo mais igualitário e melhor para todos. assim como em 1863 já pen-sava e agia ernest Solvay.

Tractebel energia

O compromisso com a busca do desenvolvimento sustentável acompanha a Tractebel energia desde sua criação, em 1998,

data do início de suas atividades no Brasil sob controle da Tracte-bel, com sede na Bélgica. acreditando no potencial de crescimen-to do Brasil, o grupo gDF SUeZ, atual controlador da empresa, trouxe sua experiência adquirida em mais de um século de atuação no desenvolvimento de soluções sustentáveis e inovadoras para os setores de água, energia e gestão de resíduos.

Com sede em Florianópolis, Santa Catarina, a Tractebel ener-gia é a maior geradora privada de energia do Brasil. empregan-do diretamente pouco mais de mil pessoas, está presente em 12 estados, nas cinco regiões do País, onde opera 22 usinas, entre hidrelétricas, termelétricas e complementares (eólicas, a biomas-sa e pequenas centrais hidrelétricas). Juntos, em 2012 esses em-preendimentos somavam 8.630 MW de capacidade instalada, o equivalente a cerca de 7% do total de energia consumida no Brasil.

Desta capacidade instalada, aproximadamente 80% é prove-niente de fontes renováveis: água, vento e biomassa. e praticamen-te todo o seu parque gerador tem sua gestão certificada segundo as normas NBr ISO 9001 (Qualidade), NBr ISO 14001 (Meio ambiente) e OHSaS 18001 (Saúde e Segurança do Trabalho).

Isso confirma o compromisso da Tractebel energia de atuar de forma sustentável, equilibrando crescimento econômico com conservação ambiental e avanços sociais. essa premissa reflete os valores que a empresa compartilha com o seu controlador, o grupo gDF SUeZ, com sede na França, e maior produtor independente de energia do mundo, presente em 100 países.

alinhada às políticas do grupo gDF SUeZ, a Tractebel ener-gia faz do respeito ao meio ambiente um valor fundamental à conduta dos negócios. assim, a gestão ambiental realizada pela Companhia, tanto nos empreendimentos em operação quanto na-queles em fase de implantação, tem como base a identificação, a

Geração de energia de biomassa; a Tractebel Energia é a maior geradora privada de energia do Brasil, está presente em 12 Estados e opera 22 usinas, entre hidrelétricas, termelétricas e complementares.

Geração de energia eólica; em 2012 as usinas da Tractebel somavam 8.630 MW de capacidade instalada, o equivalente a cerca de 7% do total de energia consumida no Brasil.

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prevenção e a mitigação de possíveis impactos causados ao meio ambiente em função de suas atividades. Para isso, a Tractebel de-senvolve uma série de programas e projetos focados na melhoria ambiental das regiões onde está inserida, o que inclui a prote-ção de nascentes, a conservação da flora e da fauna, a educação ambiental, o investimento em fontes renováveis e o combate ao aquecimento global, entre outras ações.

Parceria com a comunidade

Por meio de parcerias com agentes locais, a Companhia bus-ca colaborar de forma decisiva com o desenvolvimento humano das comunidades situadas no entorno de seus empreendimentos, engajando-se em ações voltadas à qualidade de vida, à valorização cultural e à conquista da cidadania.

exemplo disso são os centros de cultura, uma das ações sociais patrocinadas pela Companhia nos últimos anos. Implantados em cidades de pequeno porte, esses centros têm como objetivo criar um importante vínculo entre as memórias étnicas e culturais da comunidade local e a construção de um futuro no qual as pesso-as tenham mais oportunidades de preservar suas tradições e de conquistar cidadania por meio do acesso à cultura e à educação.

O primeiro projeto nesse sentido foi inaugurado em 2011, no município de entre rios do Sul, no rio grande do Sul, com pou-co mais de 3 mil habitantes e localizado na área de influência da Usina Hidrelétrica Passo Fundo. Desde que começou a funcionar, este Centro já recebeu cerca de 20 mil visitantes, tanto para assistir a espetáculos e exposições quanto para participar de cursos e ofici-

nas. a infraestrutura oferecida à comunidade conta com anfiteatro para 150 pessoas, salas para oficinas de inclusão digital, cursos de capacitação, biblioteca, museu e espaço para exposições. assim, propicia o intercâmbio de companhias de dança, teatro, música e outras manifestações artístico-culturais de diversas regiões do Brasil.

Também participa do desenvolvimento cultural das comuni-dades com o apoio a projetos de inciativas locais, contemplando manifestações tais como cinema, música, teatro, dança e litera-tura. além disso, apoia ações voltadas à inclusão social, geração de emprego e renda, educação, promoção da saúde e erradica-ção da miséria.

Criação de valor

a postura empresarial diferenciada em relação à sustentabi-lidade, somada a boas práticas de governança corporativa, con-ferem credibilidade e solidez à Tractebel energia no mercado. a Companhia faz parte do Novo Mercado e integra o Índice de Sustentabilidade empresarial (ISe) da BM&F Bovespa desde 2005 – ano de criação do ISe. Na última década, a Tractebel energia vem alcançando ótimos resultados, e suas ações regis-traram valorização ascendente. Uma prova de que a opção pela sustentabilidade garante o bom desempenho econômico-finan-ceiro de uma organização.

e assim, aliando os valores trazidos da França e da Bélgica por seus controladores ao potencial local e à cultura brasileira, a Tractebel energia mantém seu compromisso com a construção de um Brasil cada vez melhor.

Geração de energia por hidrelétricas; a Tractebel Energia foi criada em 1998 sob controle da Tractebel, com sede na Bélgica.

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DeMe: uma empresa de engenharia marinha com 150 anos de experiência mundial

localizado na baía de Sepetiba, no rio de Janeiro (2008-2009); a dragagem para o aprofundamento da seção 5 do canal de acesso do porto de Itaguaí, incluindo o aprofundamento do acesso ao porto da ThyssenKrupp CSA (2010-2011); a dragagem de manu-tenção no terminal de Ponta da Madeira para a Vale, em São luiz (Ma) (2010), e os trabalhos de dragagem de capital no porto de Tubarão para a Vale (2011). Pequenos trabalhos de dragagem de manutenção foram executados nos últimos anos nos portos do rio de Janeiro, de Imbituba, Santos e São Francisco do Sul. Como resultado da descoberta de grandes campos de petróleo, o governo brasileiro e o setor privado estão investindo enormes quantias em infraestrutura e nos portos. Isto leva a muitos projetos e diversas oportunidades para os próximos anos.

Drenagem de aprofundamento da seção 5 do canal de acesso ao porto de Itaguaí, Baía de Sepetiba, Rio de Janeiro.

a DeMe (Dredging, environmental & Marine engineering) foi estabelecida como uma sociedade de participação em

abril de 1991, mas suas raízes remontam ao século 19. as origens da DeMe estão embutidas na Flandres, que tem uma longa com-petência de engenharia hidráulica na construção de diques, na lu-ta contra as inundações, no aprofundamento do acesso marítimo e na construção de portos.

a DeMe foi criada como sociedade de participação de duas empreiteiras de dragagem belgas: Dredging International e Bag-gerwerken Decloedt. Dois grupos industriais e financeiros atual-mente controlam o capital de participação: Ackermans & van Haaren, um grupo de investimento industrial baseado em an-tuérpia e cotado na bolsa; e a CFe, uma empreiteira civil cota-da na bolsa, controlada pelo grupo francês Vinci. a experiência da DeMe no Brasil remonta ao início do século 20, quando a Ackermans estava envolvida nos trabalhos de extensão no porto do rio grande do Sul, em 1908. Mais recentemente, o grupo está ativamente presente no mercado brasileiro desde 2006, mo-mento em que o mercado de dragagem foi aberto novamente para empresas estrangeiras. O grupo DeMe criou uma compa-nhia brasileira local em 2006, a Dragabras Serviços de Dragagem Ltda., para todas as suas atividades no Brasil.

a DeMe esteve envolvida em diferentes projetos de grande escala de dragagem no Brasil, tanto para clientes públicos como para privados: realizou trabalhos de dragagem e de aterro hidráu-lico para a construção da Usina Siderúrgica da Thyssen Krupp CSA, na baía de Sepetiba, no rio de Janeiro (2006-2008); a dra-gagem de aprofundamento do canal de acesso ao porto de Itaguaí,

grupo Jan De Nul

Pessoas e embarcações, essa é a força motriz do grupo belga Jan De Nul. graças à dedicação de nossos funcionários e de nossa

frota ultramoderna, o Grupo Jan De Nul se mantém no topo da indústria de dragagem mundial.

além da dragagem de manutenção e de aprofundamento, o grupo possui um departamento de construção civil e uma divisão de meio ambiente que dão suporte e possibilitam a ampla gama de serviços do grupo. esses são os três pilares que nos permitem realizar projetos em ampla escala, atendendo as expectativas de nossos clientes. Sejam esses projetos a Palm Island, em Dubai, o novo conjunto de eclusas no Panamá, a manutenção de rios na argentina, novos complexos portuários na austrália, a maior fábri-

ca de tratamento de esgoto da europa ou a instalação de pedras a 2.000 metros de profundidade.

Desde a abertura do mercado de dragagem no Brasil, em 2007, a Jan De Nul do Brasil Dragagem Ltda. – empresa 100% controla-da pelo Grupo Jan De Nul – tomou a frente do mercado. Planos de investimento sem precedentes vêm sendo elaborados, tanto no setor público quanto no setor privado.

Obras de aprofundamento: Barra do riacho (Portocel/Pe-trobras – 2007), rio grande (SeP/SUPrg – 2009/2012), Salva-dor/aratu (SeP/Dias Branco – 2010), Itaguaí (llX/Odebrecht – 2011/2012), Itajaí (SeP – 2011), Vitória (Vale – 2012) e Paraguaçu (eeP – 2012/2013);

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Katoen Natie: Mais de 15 anos de prestação de serviços logísticos no Brasil

Obras de aterro: açu (llX – 2011) e Itaguaí (Odebrecht – 2011/2012);

Dragagem de Manutenção: rio grande (SUPrg – 2012), São luís (Vale – 2012/2015);

aprofundamento e Serviços ambientais: Santos (embraport – 2012/2013).

O Grupo Jan De Nul continua fortalecendo sua atuação no Brasil, trazendo equipamentos de última geração e treinando fun-cionários brasileiros para que atinjam alto nível de qualificação. assim sendo, o Grupo Jan De Nul continua evoluindo com o Bra-sil, criando o mundo do amanhã.

Draga de sucção autotransportadora Cristobal Colon, que, com seus 46.000m³, é a maior draga do mundo, adentrando o porto do Rio de Janeiro, 2011.

Katoen Natie foi fundada em 1854 em antuérpia por quatro companheiros de trabalho. Sua primeira atividade consistia

no recebimento do algodão. Cada navio descarregado no porto por seu capitão e tripulação era assistido por estivadores recru-tados localmente. Quando o guindaste colocava as mercadorias no cais, estas eram recebidas pelos associados. estes trabalhavam

por comissão para os compradores de mercadorias. a Katoen Na-tie (associação algodoeira), em seus primórdios, trabalhava para o setor de processamento de algodão e recebia os fardos, além de manejar a armazenagem, pesagem, amostragem e distribuição. ela rapidamente diversificou seu produto e começou a receber outras mercadorias: juta, café, ferro, aço, frutas, tomates etc.

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Nos anos que se seguiram à Segunda guerra Mundial, a orga-nização deu início a novas atividades: armazenagem em seus pró-prios depósitos, transporte, expedição, declaração aduaneira. Nos anos 90, os serviços especializados para o setor automobilístico, químico e petroquímico e de grande distribuição foram agregados.

em 1995, a Katoen Natie investiu pela primeira vez no exte-rior, abrindo uma filial em Sarralbe (França). Depois disso, as ati-vidades se expandiram para todas as partes do mundo. atualmente, a Katoen Natie é uma empresa de porto mundial com operações em 27 países distribuídos por europa, Oriente Médio, américa do Norte, américa do Sul, Ásia e África. Consiste de 400 unidades operacionais, com 150 terminais e plataformas de logística, com mais de 10.000 pessoas.

a Katoen Natie atua no mundo inteiro. é uma empresa priva-da e não está listada no mercado de ações, de forma que as deci-sões são tomadas como parte de uma visão de longo prazo. Opera terminais portuários, centros de distribuição e operações on-site (in house). O grupo também fornece todos os tipos de serviços semi-industriais, projeta, desenvolve e administra plataformas de logística e cadeias de fornecimento completas.

em 1997 a Katoen Natie começou operações no Brasil a con-vite de um de seus clientes mundiais da indústria petroquímica. Um primeiro projeto de engenharia, inclusive de silos, linha de embalagem e armazém, foi realizado em Santo andré, ao lado de

São Paulo. em seguida, outros projetos de engenharia e operações in house foram executados para clientes petroquímicos brasileiros.

O grande crescimento no Brasil foi alcançado com a compra de um prestador de serviços logísticos brasileiro, JOB, com sede em Camaçari, Salvador (Ba). a primeira sede da Katoen Natie estava por consequência na Bahia. Katoen Natie cresceu para ser o líder do mercado de serviços logísticos para a indústria petro-química no Brasil com atividades desde o rio grande do Sul até alagoas, passando por Paraná, São Paulo, rio do Janeiro e Bahia.

a Katoen Natie já desenvolveu dois centros próprios de distri-buição multimodais no Brasil: um em Paulínia, região de Campi-nas (SP) e um em araucária, região de Curitiba (Pr). O primeiro foi construído em 2001 e Paulínia foi escolhida como localização por ser o ponto de interconexão das maiores empresas concessio-nárias ferroviárias, oferecendo as duas bitolas aplicadas no Brasil. esta plataforma logística de mais de 50.000 m² de armazéns e mais de 70 ha de terrenos funciona como Centro de Distribuição por clientes brasileiros e internacionais do ramo automotivo, in-dustrial, de bens de consumo e petroquímico.

Finalmente, a sede da Katoen Natie do Brasil foi transferida para Paulínia,de onde controla mais de 20 operações empregan-do mais de 850 pessoas. Com essa estrutura a Katoen Natie está preparada para oferecer uma solução logística para a economia brasileira numa fase de forte crescimento.

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Candidata à primeira empresa brasileira atuando na europa ocidental pode ser a Compagnie Brésilienne des Tramways,

fundada no rio de Janeiro com um capital de 1.200 contos de réis, ou seja, algo mais que três milhões de francos belgas, quantia de dinheiro mais do que respeitável (Cosaert e Delmelle). represen-tada em Bruxelas por dois homens de negócios belgas ativos no rio de Janeiro, ladislas Paridant e louis laureys, ela comprou em 1874 dos irmãos Becquet duas linhas de bondes existentes com tração hipomóvel e em dificuldades por causa do alto custo dos cavalos. Uma servia a Rue de la Loi, uma nova artéria ao lado do Parlamento belga, e a outra, a Tour du Boulevard, e ligava as duas estações do Norte e do Midi correndo parcialmente pela avenida circular. Na parte inclinada deste trajeto precisava-se de quatro cavalos, o que encarecia muito o preço da passagem.

Sua frota consistia em 30 carros fechados, pintados de ver-melho. a Brésilienne foi a primeira a introduzir, nos dias de bom tempo, carros abertos com bancos transversais, e chegou a ter dez desse tipo. Os cinco últimos a entrar em serviço levavam uma cor marrom, que lhes mereceu na boca do povo, o apelido de tram chocolat. este conservou-se por muito tempo, mesmo depois que a Brésilienne, em dificuldades financeiras, foi absorvida em 1879 pelos Tramways Bruxellois.

e m p r e s a s b r a s i l e i r a s n a b é l g i c a

a Compagnie Brésilienne des Tramwayse d d y S t o l s

Um carro aberto, com cortinas para proteger da chuva ou do sol, de 16 lugares, da ‘Compagnie brésilienne des tramways’ ou ‘Brésilienne’, fundada no Rio de Janeiro e que passou a operar em Bruxelas em 1874.

referênciaé. Cosaert e Joseph Delmelle. Histoire des transports publics à Bruxelles. Bruxelas, 1976,

t. 1, p. 83-140.

O Panorama da Baía e da Cidade do rio de Janeiroe d d y S t o l s

Uma das primeiras empresas publicitárias foi a sociedade co-manditária ‘Meirelles & Langerock’, que os pintores Vítor

Meirelles e Henri langerock, um paisagista belga ativo no Brasil desde 1885, registraram no rio de Janeiro em 25 de junho de 1886 com capital de 150 contos de réis e duração de seis anos (Mello Junior e Coelho). Devia realizar um Panorama da Baía e Cidade do Rio de Janeiro para explorá-lo comercialmente em exposições

nas grandes cidades europeias, onde este tipo de espetáculo pago se popularizou como diversão pública. enquadrava-se bem dentro da ofensiva de propaganda que o Brasil deslanchou nesses anos na europa com publicações subsidiadas e participações nas gran-des exposições. Mais de 30 proeminentes brasileiros subscreveram cotas tanto para apoiar a promoção de sua pátria quanto na expec-tativa de bons lucros.

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as dificuldades técnicas para trabalhar com uma tela de várias dezenas de metros de comprimento obrigaram Meirelles e lan-gerock a programar a realização do Panorama, a partir de estudos pintados no rio de Janeiro, num grande espaço na europa. Como londres não tinha naquele momento uma rotunda disponível, decidiu-se por um ateliê em Ostende. Na escolha desta cidade belga influíram, além dos vínculos pessoais de langerock, vários motivos. Suas confortáveis instalações balneárias podiam facilitar uma estada longa dos dois pintores por mais de um ano. Por es-trada de ferro, tinha proximidade com Bruxelas, onde existia uma rotunda num boulevard da cidade. a Bélgica parecia uma boa al-ternativa para a Inglaterra em vista dos crescentes interesses eco-nômicos brasileiros naquele país. O Brasil tinha participado com algum êxito da exposição Universal de antuérpia em 1885 e era representado naquela época por um dinâmico e bem relacionado diplomata, conde de Villeneuve.

em 4 de abril de 1888 abriu-se sua primeira exibição em Bru-xelas na presença da rainha belga Marie-Henriette. Um folheto de 14 páginas, Panorama de la ville de Rio de Janeiro exhibé en Europe et à Bruxelles pour la première fois, impresso em Bruxelas, identificava o espetáculo em todos seus pormenores. Insistia muito na modernidade desta grande cidade e ousava comparações com a europa, sem dúvida para impressionar e tranquilizar os investi-dores e acionistas europeus e os eventuais candidatos a emigração entre os artesãos e operários. Indicava assim a fumaça das quatro chaminés da fábrica de gás, que acabava de ser adquirida em 1886 por capitais belgas e que assegurava agora a iluminação noturna de toda a cidade. esta, com 400.000 almas, ou 800.000 com os subúrbios incluídos, tinha um intenso tráfico de vapores a cada 15 minutos para Niterói, um serviço abundante de bondes com mais de 100.000 passageiros por dia, grandes reservatórios de água, ou seja, setores que podiam suscitar investimentos belgas.

Seu status de capital econômica se evidenciava ainda nos gran-des edifícios da alfândega e dos Correios, na Bolsa em constru-ção e nos bairros de Tijuca, com as residências dos homens de negócios estrangeiros, e de Santa Teresa, acessível com um tren-zinho em plano inclinado. a abertura recente da rua Senador Dantas, onde se podia ver a carroça do Imperador e os planos para arrasar os morros de Santo antônio, do Castelo e do Senado, anunciavam um urbanismo ambicioso e as obras de saneamento. Destacavam-se as diversões públicas e a vida cultural: a praia de Icaraí, que oferecia banhos de mar tão bons como em Ostende ou Blankenberghe; os belos jardins com cascadas de São Cristovão; o Passeio Público, onde se davam concertos nas noites de bom tempo; a biblioteca do gabinete Português de leitura, em estilo manuelino, e o Teatro São Pedro, onde atuara recentemente Sa-rah Bernhardt. a subida por trem em 40 minutos ao Corcovado, muito procurado pelos turistas estrangeiros, já superava a mais famosa de righi, na Suíça.

Durante seis meses o Panorama atraiu cerca de 50.000 visitan-tes, em parte escolares com tarifa reduzida. Pode ter melhorado a imagem do Brasil e influído em diversas novas iniciativas belgas neste país nos anos seguintes. Deve também ter rendido um bom

dinheiro, o que provocou uma briga judicial entre os dois artistas. langerock queria receber mais do que o estipulado. Já no folheto assinado por Meirelles, foi inserida, certamente a pedido do belga, uma nota esclarecendo que era obra de dois artistas e que ele tinha pintado a parte oriental. langerock saiu da sociedade, ao passo que Meirelles levou a obra a Paris para instalá-la numa avenida perto da exposição Universal de 1889. Se ganhou lá boas aprecia-ções e uma medalha de ouro, pelo excesso de outros espetáculos e panoramas, não recebeu visitantes suficientes e os resultados financeiros não corresponderam às expectativas.

em falta de outras oportunidades na europa, Meirelles trans-feriu a obra para o rio de Janeiro. Numa rotunda construída no largo do Paço Imperial, futura Praça XV, o Panorama foi inaugu-rado em 3 de janeiro de 1891 e ficou aberto pelo menos por dois anos, se bem que num período muito conturbado. a tentativa de Meirelles para incluí-lo na exposição Colombiana de Chicago em 1892 malogrou. Como previsto no ato de fundação, a empresa foi dissolvida em 1893 com pagamento de dividendos aos sócios. a rotunda parece ter acolhido depois outras telas panorâmicas de Meirelles até que, em 1898, a prefeitura, que não devia apreciar muito este pintor do antigo regime imperial, mandou demolí-la. a tela do Panorama do rio de Janeiro, de boa qualidade artística segundo os críticos da época, foi doada por Meirelles ao governo em 1902, mas, abandonada na Quinta da Boa Vista, desgastou-se por completo. Somente os seis estudos preparatórios ficaram preservados no Museu Nacional de Belas artes no rio de Janeiro.

Quase um século mais tarde apareceram novas empresas bra-sileiras na Bélgica. Pouco depois da chamativa Brasil export em Bruxelas, em novembro de 1973, a rio Doce Internacional, sub-sidiária da Cia. Vale do rio Doce, abriu em 1974 um escritório em Bruxelas, dirigido por eliezer Batista até sua volta, em 1979, à presidência da sede no Brasil. O Banco do Brasil abriu uma agência em Bruxelas em 1992. Se ambas empresas já deixaram a Bélgica, entrementes chegaram novas. em 1992 a Weg, fabri-cante de motores e sistemas industriais elétricos, de Jaraguá do Sul, SC, estabeleceu-se em Nivelles. a Citrovita da Votorantim abriu, em 1993, em antuérpia um terminal para a distribuição de suco de laranja, ampliado em 2008 para armazenar também outros produtos do grupo, celulose e metais. Sobretudo o porto de gand viu crescer a presença brasileira para a distribuição de minérios e produtos do agronegócio. Depois da Citrosuco da Fis-cher, a louis Dreyfus abriu seu próprio terminal para o suco de laranja em 2000. em 2011 veio a Cia. Brasileira de logística, de Curitiba, que armazena biodiesel, e em 2013 a JBS para a distri-buição de carne. a Duratex instalou um centro de distribuição em Mechelen (Malines) em 2005.

Bibliografia sobre o Panorama do rio de JaneiroPanorama de la ville de Rio de Janeiro exhibé en Europe et à Bruxelles pour la première

fois, Bruxelas, 1888; Mário César Coelho, Os panoramas perdidos de Victor Meirelles, Tese de doutorado em história UFSC, Florianópolis, 2007; Donato Mello Junior. O Panorama da Baía e Cidade do Rio de Janeiro, de Vítor Meireles de Lima. Mensário do arquivo Nacional, XIII, 10, 1982, p. 336-346.

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p a r t e 3 – r e l a ç õ e s e c o n ô m i c a s : c o m é r c i o e e m p r e s a s

a Citrosuco instalou-se na Bélgica em 1980, no porto de gand, quando contratou os serviços da Citrus Coolstore NV para o

serviço de armazenamento e distribuição na europa do suco con-centrado e congelado de laranja.

a escolha recaiu sobre gand devido à sua localização estra-tégica em relação aos mercados europeus e também porque, já em 1980, era considerado o porto “brasileiro” mais importante na Bélgica. Naquela época, gand movimentava cerca de 3 milhões de toneladas de mercadorias originárias do Brasil, principalmente grãos, soja, minério de ferro, produtos metálicos, celulose e sucos de fruta. Para grande parte desses produtos, o porto de gand ainda funciona como centro de distribuição para toda a europa e mes-mo para o Oriente Médio. esse é o caso, por exemplo, do suco de laranja da Citrosuco.

Para atender o contrato firmado com a Citrosuco, a Citrus Coolstore NV construiu um armazém frigorífico com capacidade para 21 mil toneladas de suco a granel e 40 mil tambores. O frigo-rífico ficou pronto em novembro de 1982 e com ele a Citrosuco assegurou então plena capacidade para garantir o abastecimento de suco de laranja aos mercados europeus.

estava pronto, assim, o sistema que permitiu à Citrosuco o transporte a granel de suco concentrado congelado desde as suas fábricas no Brasil até a europa. Na viagem inaugural, o navio “Ouro do Brasil” saiu de Santos no dia 17 de novembro de 1982 com 9 mil toneladas de suco de laranja concentrado congelado.

Por outro lado, a Citrovita – até então uma empresa do grupo Votorantim e concorrente da Citrosuco – instalou-se também na região de Flandres na Bélgica em 1993, mais precisamente na ci-dade de antuérpia, considerado o segundo maior porto da europa.

Na ocasião, a Citrovita operava juntamente com outras em-presas do grupo Votorantim, entre elas a Votorantim Celulose e Papel (VCP). a escolha por antuérpia levou em conta o fato de que a região de Flandres era considerada o coração da europa, e oferecia às empresas toda a infraestrutura, seja rodoviária, fer-roviária ou marítima, interligando os grandes centros europeus.

O terminal da Citrovita em antuérpia possui capacidade para armazenar 33.200 toneladas de suco, em tanques totalmente au-

tomatizados. O cais possui cerca de 200 metros de comprimento, oferecendo total estrutura para o carregamento e descarregamento dos navios dedicados ao transporte de suco de laranja.

em 2010, a Citrosuco, empresa do grupo Fischer, e a Citro-vita, empresa do grupo Votorantim, anunciaram sua fusão e a formação de uma joint venture 50/50 de seus negócios, tanto no Brasil como no exterior.

em maio de 2011, a fusão Citrosuco/Citrovita foi aprovada pe-la Comissão europeia e, em dezembro de 2011, teve a aprovação do Cade, órgão brasileiro regulador.

a partir de 2012, as duas empresas passaram a operar conjun-tamente, coordenando as atividades de produção, logística terres-tre, terminais, logística marítima e comercialização do suco de laranja no exterior.

Surge, assim, uma nova empresa, que manteve o nome Citro-suco, com uma nova marca e posicionamento. a nova Citrosuco está presente na Bélgica em seus dois principais portos, gand e antuérpia, com dois terminais e cerca de 60 funcionários.

Citrosuco: presente na Bélgica desde 1980

O navio ‘Sol do Brasil’ da Citrosuco fornece regularmente suco de laranja à Bélgica, 2012.