Parque dos Poetas, Oeiras

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Parque dos Poetas em Oeiras

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Parque dos Poetas em Oeiras

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O Parque dos Poetas, em Oeiras, presta uma justa e bonita homenagem aos poetas portugueses. Nesta primeira fase, estão ali expostas 20 esculturas de poetas do Séc. XX: Teixeira de Pascoaes, Florbela Espanca, José Gomes Ferreira, Miguel Torga, Sophia de Mello Breyner, Natália Correia, Eugénio de Andrade, Fernando Pessoa, Mário de Sá Carneiro, Alexandre O`Neill, Camilo Pessanha, José Régio, Vitorino Nemésio, Jorge de Sena, Carlos Oliveira, Manuel Alegre, David Mourão Ferreira, António Gedeão, Ruy Belo e António Ramos Rosa.

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Digam que foi mentira

Digam que foi mentira, que não sou (ninguém, que atravesso apenas ruas da cidade (abandonada fechada como boca onde não encontro (nada: não encontro respostas para tudo o que (pergunto nem na verdade pergunto coisas por aí além Eu não vivi ali em tempo algum.

Ruy Belo (1933-1978)

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A uma oliveira

Muito antes de Os Lusíadas diz-se que (já aqui estavas.Pré-camoniana,sazão a sazão,foste varejada séculos a fio.

O pinho viajou.tu ficaste.

Ao som bárbaro de um rádio de pilhas,desdobram toalhasna tua sombra rala.

Alexandre O'Neill (1924-1986)

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Um gesto

Um gesto sem paisagemsem horizonte ou casasem o outronão chega a ser um gestoserá talvez um esgarum grito que sufocatal como um rio se perdesem as suas margens.

António Ramos Rosa(1924-

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Poema XIdo livro Guardador de Rebanhos, de Alberto Caeiro

Aquela senhora tem um pianoQue é agradável mas não é o (correr dos rios Nem o murmúrio que as árvores fazem…

Para que é preciso ter um piano?O melhor é ter ouvidosE amar a Natureza.

Fernando Pessoa(1888-1935)

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Descida aos infernos

1DesçoPelo cascalho interno da terra,Onde o esqueleto da vidaSe petrifica protestando.Como um rio ao contrário, de águas povoadasPor alucinações mortas boiando levadasPara a alma da terra,Procuro os úberes do fogo.…

Carlos Oliveira(1921-1981)

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Este é o tempo

Este é o tempoDa selva mais obscuraAté o ar azul se tornou gradesE a luz do sol se tornou impuraEsta é a noiteDensa de chacaisPesada de amarguraEste é o tempo em que os homens renunciam.

Sophia de Mello Breyner Andresen(1919-2004)

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Não hei-de morrer sem saberqual a cor da liberdade

Qual a cor da liberdade?É verde, verde e vermelha.

Quase, quase cinquenta anosreinaram neste país,e conta de tantos danos,de tantos crimes e enganos,chegava até à raiz.

Saem tanques para a rua,sai o povo logo atrás:estala enfim, altiva e nua,com força que não recua,a verdade mais veraz.

Qual a cor da liberdade?É verde, verde e vermelha.

Jorge de Sena(1919-1978)

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Quase

Um pouco mais de sol – eu era brasa,Um pouco mais de azul – eu era além.Para atingir, faltou-me um golpe de asa…Se ao menos eu permanecesse aquém…

Num ímpeto difuso de quebranto,Tudo encetei e nada possuí…Hoje, de mim, só resta o desencantoDas coisas que beijei mas não vivi…

Um pouco mais de sol — e fora brasa,Um pouco mais de azul — e fora além.Para atingir faltou-me um golpe de asa…Se ao menos eu permanecesse aquém…

Mário de Sá-Carneiro (1890-1910)

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Elegia do Amor

Lembras-te, meu amor,Das tardes outonais,Em que íamos os dois,Sozinhos, passear,Para fora do povoAlegre e dos casais,Onde só Deus pudesseOuvir-nos conversar?Tu levavas, na mão,Um lírio enamorado,E davas-me o teu braço;

E a lua, para nós,Os braços estendeu.Uniu-nos num abraço,Espiritual, profundo;E levou-nos assim,Com ela, até ao céu...Mas, ai, tu não voltasteE eu regressei ao mundo. (...)

Teixeira de Pascoaes(1877-1952)

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Ser poeta

Ser poeta é ser mais alto, é ser maiorDo que os homens! Morder como quem beija!É ser mendigo e dar como quem sejaRei do Reino de Áquem e de Além Dor!

É ter de mil desejos o esplendorE não saber sequer que se deseja! É ter cá dentro um astro que flameja,É ter garras e asas de condor!

É ter fome, é ter sede de Infinito!Por elmo, as manhãs de oiro e de cetim...É condensar o mundo num só grito!

E é amar-te, assim, perdidamente...É seres alma, e sangue, e vida em mimE dizê-lo cantando a toda a gente!

Florbela Espanca(1894-1930)

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Vai-te, Poesia!

Deixa-me ver a vidaexacta e intolerávelneste planeta feito de carne humana (a choraronde um anjo me arrasta todas as noites (para casa pelos cabeloscom bandeiras de lume nos olhos,para fabricar sonhoscarregados de dinamite de lágrimas.

Vai-te, Poesia!

Não quero cantar.Quero gritar!

José Gomes Ferreira(1900-1985)

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Nomeio o Mundo

Com medo de o perder nomeio o mundo,Seus quantos e qualidades, seus objectos,E assim durmo sonoro no profundoPoço de astros anónimos e quietos. Nomeei as coisas e fiquei contente:Prendi a frase ao texto do universo.Quem escuta ao meu peito ainda lá sente,Em cada pausa e pulsação, um verso.

Vitorino Nemésio (1901-1978)

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Interrogação

Não sei se isto é amor. Procuro o teu olhar,Se alguma dor me fere, em busca de um abrigo;E apesar disso, crê! nunca pensei num larOnde fosses feliz, e eu feliz contigo.

Por ti nunca chorei nenhum ideal desfeito.E nunca te escrevi nenhuns versos românticos.Nem depois de acordar te procurei no leitoComo a esposa sensual do Cântico dos Cânticos.

Eu não sei se é amor. Será talvez começo...Eu não sei que mudança a minha alma pressente...Amor não sei se o é, mas sei que te estremeço,Que adoecia talvez de te saber doente.

Camilo Pessanha(1867-1926)

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Cântico Negro

“Vem por aqui" - dizem-me alguns com os (olhos docesEstendendo-me os braços, e segurosDe que seria bom que eu os ouvisseQuando me dizem: "vem por aqui!"Eu olho-os com olhos lassos,(Há, nos meus olhos, ironias e cansaços)E cruzo os braços,E nunca vou por ali...

Ah, que ninguém me dê piedosas intenções!Ninguém me peça definições!Ninguém me diga: "vem por aqui"!A minha vida é um vendaval que se soltou.É uma onda que se alevantou.É um átomo a mais que se animou...Não sei por onde vou,Não sei para onde vou- Sei que não vou por aí!

José Régio(1901-1969)

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O Retrato

O meu perfil é duro como o perfil do mundo.Quem adivinha nele a graça da poesia?Pedra talhada a pico e sofrimento,É um muro hostil à volta do pomar.Lá dentro há frutos, há frescura, há quantoFaz um poema doce e desejado:Mas quem passa na ruaNem sequer sonha que do outro ladoA paisagem da vida continua.

Miguel Torga (1907-1995)

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URGENTEMENTE

É urgente o amor.É urgente um barco no mar.É urgente destruir certas palavras,Ódio, solidão e crueldade,Alguns lamentos,Muitas espadas.É urgente inventar a alegria,Multiplicar as searas,É urgente descobrir rosas e riosE manhãs claras.Cai o silêncio nos ombros e a luzImpura, até doer.É urgente o amor, é urgentePermanecer.

Eugénio de Andrade(1923-2005)

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A Defesa do Poeta

Senhores jurados sou um poeta um multipétalo uivo um defeito e ando com uma camisa de vento ao contrário do esqueleto

Senhores juízes que não molhais a pena na tinta da natureza não apedrejeis meu pássaro sem que ele cante minha defesa

Sou uma impudência a mesa posta de um verso onde o possa escrever ó subalimentados do sonho ! a poesia é para comer.

Natália Correia (1923-1993)

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Trova do Vento que Passa

Pergunto ao vento que passanotícias do meu paíse o vento cala a desgraçao vento nada me diz.

Mas há sempre uma candeiadentro da própria desgraçahá sempre alguém que semeiacanções no vento que passa.

Mesmo na noite mais tristeem tempo de servidãohá sempre alguém que resistehá sempre alguém que diz não.

Manuel Alegre(1936-

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Abandono

Por teu livre pensamentoForam-te longe encerrarTão longe que o meu lamentoNão te consegue alcançarE apenas ouves o ventoE apenas ouves o marLevaram-te a meio da noiteA treva tudo cobriaFoi de noite numa noiteDe todas a mais sombriaFoi de noite, foi de noiteE nunca mais se fez dia.

Ai! Dessa noite o venenoPersiste em me envenenarOiço apenas o silêncioQue ficou em teu lugarE ao menos ouves o ventoE ao menos ouves o mar.

David Mourão-Ferreira(1927-1996)

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Poema da Malta das Naus

Lancei ao mar um madeiro,espetei-lhe um pau e um lençol.Com palpite marinheiromedi a altura do sol. Deu-me o vento de feição,levou-me ao cabo do mundo.Pelote de vagabundo,rebotalho de gibão.

O meu sabor é diferente.Provo-me e saibo-me a sal.Não se nasce impunementenas praias de Portugal.

António Gedeão(1906-1997)

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Título: Parque dos Poetas em Oeiras

Formatação: [email protected]

Música: Ernesto Cortazar, a chasing of the winds

Ano: 2011

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