Parecer sobre o Feriado de 19 de Dezembro
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PARECER - FERIADO ESTADUAL - 19 DE DEZEMBRO
EMENTA: 19 DE DEZEMBRO - FERIADO ESTADUAL -
REPERCUSSÕES HISTÓRICO-JURÍDICAS. Hipótese de incidência
de feriado estadual, partindo-se de premissas e repercussões histórico-
jurídicas no direito de repouso remunerado dos empregados.
SUMÁRIO: I - DA CONSULTA. II - DA IMPORTÂNCIA
HISTÓRICO-POLÍTICA DA EMANCIPAÇÃO DO ESTADO DO
PARANÁ. III - DOS ASPECTOS JURÍDICOS DO FERIADO
ESTADUAL. IV - CONCLUSÃO
I - DA CONSULTA
Consulta-nos a NOVA CENTRAL SINDICAL DE
TRABALHADORES/PR, sobre as repercussões histórico-político-jurídicas do feriado
de 19 dezembro no âmbito das relações de trabalho, conquanto tratar-se de data
comemorativa à "Emancipação Política do Paraná". Diante da consulta passamos à
análise dos elementos constitutivos do direito em questão:
II - DA IMPORTÂNCIA HISTÓRICO-POLÍTICA DA
EMANCIPAÇÃO DO ESTADO DO PARANÁ1
A Emancipação Política da Província do Paraná, ocorrida em 1853, é
o evento, por óbvio, mais importante para a região, questioná-lo seria como levantar
objeções ao dia 7 de setembro como feriado nacional.
Os principais historiadores do Estado conferem importância ímpar ao
evento, como David Carneiro em "História do período provincial do Paraná2" e
Romário Martins que em sua "História do Paraná"3 (livro que, de acordo com o
professor Brasil Pinheiro Machado teria inaugurado a história local) destaca que a luta
pela emancipação começou em 1811 em representação feita a D. João VI pela Câmara
de Paranaguá e se arrastou até a metade do século, sendo a última Província a ser criada
pelo Império do Brasil, em muito para conter o ímpeto separatista do sul.
1 Luiz Fernando Lopes Pereira - tópico sob sua responsabilidade técnica. Doutor em História Social pela
USP, professor de História do Direito da Universidade Federal do Paraná e membro do Instituto Histórico e Geográfico do Paraná.
2 Carneiro, Davi. História do período provincial do Paraná. Curitiba: Banestado, 1994.
3 Martins, Romario. História do Paraná. São Paulo: Editora Rumo, 1939. 2aed.
2
O Paraná demonstraria politicamente uma posição de apoio e suporte
aos projetos nacionais. A partir dele a região passa a ter não apenas um governo próprio
(agora independente da Província de São Paulo, da qual era historicamente a quinta
comarca), mas também uma imprensa diária (O Jornal 19 de dezembro), um Arquivo
Público (construído pelo primeiro presidente da Província para guarda da memória do
Estado), um Instituto Histórico, em pouco tempo uma Universidade.
Mesmo a identidade local passa a ser construída, para consolidar o que
foi emancipado; faz parte desse empenho o movimento paranista, liderado por Romário
Martins, no início do século XX, que tratou mesmo dos símbolos oficiais (bandeira,
brasão) e extra- oficiais (pinha, pinheiro e pinhão, estilizados por Lange de Morretes,
João Turin e João Ghelfi)4. É fato, que tal identidade carece ainda de solidez, pois é
prejudicada pela falta de momentos, como o 19 de dezembro, para pensarmos e
comemorarmos nossa comunhão como paranaenses.
A emancipação e a instalação da Província com a chegada de
importante liderança do Brasil Imperial, Zacarias de Góis e Vasconcelos, momento
histórico é retratado mesmo pelos maiores pintores do Estado, como no quadro abaixo
que retrata a chegada de Zacarias (autoria de Arthur Nísio)
A instalação da Província é retratada pelo artista, Theodoro de Bona:
4 Pereira, Luiz Fernando Lopes. O espetáculo dos maquinismos modernos: Curitiba na virada no século
XIX ao XX. São Paulo: Blucher, 2009.
3
O fato é vinculado classicamente à vontade do Império em manter um
apoio ao sul do país e proporcionou à região o desenvolvimento almejado. A cidade de
Curitiba torna-se, inclusive, a mais importante do Estado depois da emancipação,
experimentando uma modernização que inseriu a capital da nova província nos padrões
europeus de sociabilidade, sendo a segunda do país no fim do século XIX a receber a
visita do Cinematógrafo dos Irmãos Lumières.
Outro importante historiador, Rocha Pombo, nos lega em seu livro5 -
"O Paraná no centenário" um elogio a emancipação analisando os benefícios trazidos
por ela para todos os campos: artes, indústrias, lavoura, imigração, etc. Em 1953, a
comemoração do centenário foi em grande festa, com exposições e com a produção de
obras referentes à data (quadros, livros, etc.).
As datas comemorativas têm a finalidade de exaltar momentos
importantes para uma comunidade, dessa forma, para a comunidade paranaense, a data
de 19 de dezembro, constitui-se no primeiro e principal evento histórico relevante
constitutivo do Estado do Paraná.
III - DOS ASPECTOS JURÍDICOS DO FERIADO ESTADUAL
No ordem jurídica brasileira, o reconhecimento do repouso
remunerado ocorreu, primeiramente, na Constituição de 1946, tornando ônus
empresarial, o pagamento pelo dia de descanso. A previsão constitucional foi
regulamentada pela Lei 605/49, tendo sido mantida na Constituição de 1967. Durante a
ditadura militar operou-se alteração na CLT (art. 70), acrescentando vedação ao
trabalho nos dias de descanso (Decreto-Lei 229/67). Na Organização Internacional do
Trabalho/OIT, apenas em 1957, é que se definiu diretiva internacional para o
reconhecimento da remuneração dos trabalhadores em dias de descanso, preconizava e
endereçava aos trabalhadores dos setores de comércio e escritório.
5 Rocha Pombo, José Francisco. O Paraná no centenário. Curitiba
4
Cabe, inicialmente, discorrer que de forma mais recente, os feriados,
assim considerados, como espécie do gênero repouso semanal remunerado, foram
erigidos à categoria de direito sociais fundamentais, nos termos do art. 7.º, inciso XV,
da Constituição Federal. O feriado pode ser definido como o período de ausência de
trabalho por vinte e quatro horas, com direito à remuneração.
Para Mauricio Godinho Delgado6, os feriados diferenciam-se do
descanso semanal remunerado porque são: " lapsos temporais não rotineiros,
verificados apenas em função da ocorrência de datas festivas legalmente tipificadas."
Em verdade, como dito anteriormente, o direito ao repouso
remunerado nos feriados é assegurada pela Lei 605/1949 (art. 8.º.) tal previsão, somou-
se ao disposto no art. 70 da CLT, o qual também veda o trabalho em feriados.
Assim, do ponto de vista legal, a regra é pela impossibilidade de
trabalho em feriados, nos termos do art. 1.º da Lei 605/1949, porém, efetivamente,
conforme o art. 8.º do mesmo diploma legal, “é vedado o trabalho em dias feriados,
civis e religiosos, garantida, entretanto, aos empregados a remuneração respectiva”.
Saliente-se, quando da edição da Lei 9093/95, operou-se, alteração no
corpo do art. 11 da Lei 605/49. À Lei 9093/95, agregou-se definição ampliativa, do rol
de feriados civis no inc. II, do art. 1o. da referida Lei, também: "II - a data magna do
Estado fixada em lei estadual.".
Para isso, a Lei Estadual no. 4.658 de 1.962, publicada no Diário
Oficial de 21 de dezembro de 1962, definiu: "Art. 1°. Fica consagrada a data de 19 de
Dezembro como feriado estadual.", dessa maneira, a iniciativa estatal tem guarida na
doutrina de Godinho Delgado: " No direito brasileiro, há previsão de um feriado
estadual: trata-se da data magna do respectivo Estado federado, assim declarada pela
lei regional7(...)".
Inobstante os usos e costumes empresariais de nosso estado, mesmo
assim, os empregadores que exigem prestação de trabalho no dia 19 de dezembro de
cada ano, sem, por outro lado, obter qualquer autorização prévia da autoridade
administrativa (MTE), nem muito menos ofertar, faculdade da folga compensatória aos
trabalhadores, certamente estão em dívida com a classe trabalhadora paranaense.
Nesse caso, a conduta patronal referida, de toda forma, submete-se à
incidência da Súmula 146 do Tribunal Superior do Trabalho, in verbis:
Trabalho em domingos e feriados, não compensado. (Incorporada a
Orientação Jurisprudencial nº 93 da SBDI-1) O trabalho prestado
em domingos e feriados, não compensado, deve ser pago em
dobro, sem prejuízo da remuneração relativa ao repouso semanal.
(Redação determinada na Resolução TST/TP nº 121, DJU 21.11.2003)
6 Delgado, Mauricio Godinho. Curso de Direito do Trabalho. São Paulo: Ltr, 2009, 8a. ed..p.869
7 op. cit., p. 880
5
Assim sendo, quando exigido trabalho destinado ao descanso
remunerado, no caso, o dia reservado ao feriado estadual - 19 de dezembro - o labor
executado deve ser remunerado em dobro.
Melhor definindo a questão dos costumes e sua íntima correlação ao
quadro de institucionalidade normativa, para tanto, nunca é demais os ensinamentos de
Alexandre Agra Belmonte8:
"O costume contra legem é inadmissível, até porque, muitas vezes,
por meio da lei busca o legislador reprimir comportamentos que,
embora observados com certa frequência, não deseja ele a respectiva
subsistência."
Portanto, o feriado estadual de 19 de dezembro, do ponto de vista
histórico-político, além do aspecto jurídico, constitui-se em data comemorativa, por
conseguinte, a data mais relevante (magna) na história política do estado do Paraná,
tanto é verdade, que a própria Justiça do Trabalho (TRT 9. região) suspende suas
atividades na referida data9.
Nesse sentido, até a Superintendência Regional do Trabalho do Estado
Paraná, organismo vinculado ao Ministério do Trabalho e Emprego, pela sua gerência
regional de Cascavel, órgão responsável pela fiscalização da aplicação da legislação do
trabalho, ratificou posicionamento acerca do feriado estadual:
" Os feriados nacionais, estaduais e municipais são disciplinados pelo
diploma legal 9093/95, com isso está fixada a data de 19 de dezembro
como feriado estadual no Paraná segundo a lei estadual 4658/62."
Na mesma esteira, a gerência regional de Foz do Iguaçu:
" No caso de o empregador, inclusive o doméstico, exigir trabalho no
feriado estadual de 19 de dezembro, este dia deverá ser remunerado
em dobro, ou concedido folga compensatória em outro dia da
semana."
No âmbito judicial, a inércia patronal foi discutida pelo Sindicato dos
Empregados no Comércio de Pato Branco, o qual obteve, na Justiça do Trabalho da 9a.
região (TRT 00902-2014-125-09-00-5), decisão favorável, sob a relatoria do
desembargador Arnor Lima Neto, com o seguinte provimento:
"Cumpre observar que, em se tratando de matéria trabalhista, aplica-se o
princípio do in dubio pro operario, segundo o qual, havendo dúvida quanto à
interpretação da norma, dentre as interpretações legais viáveis, deve-se optar
por aquela mais benéfica ao trabalhador.
8 Belmonte, Alexandre Agra. Instituições Civis no Direito do Trabalho: curso de direito civil aplicado ao
Direito do Trabalho. Rio de Janeiro: Renovar, 2009, p. 48
9 http://www.trt9.jus.br/internet_base/calendariocon.do?evento=F9-Pesquisar&fwPlc=s
6
Dessa forma, não há dúvida de que a interpretação mais favorável não é
considerar o dia 19 de dezembro como ponto facultativo, mas sim como
feriado.10
"
Ainda, mesmo sob eventual discussão de que a Lei 9093/95 poderia,
supostamente, ofender a autonomia da União em legislar matéria de índole trabalhista,
nossa corte superior trabalhista, já enfrentou o tema:
AGRAVO DE INSTRUMENTO - RECURSO DE REVISTA -
COMPETÊNCIA DO MUNICÍPIO - CRIAÇÃO DE FERIADO -DIA DA
CONSCIÊNCIA NEGRA- CONSTITUCIONALIDADE. A Lei Municipal
nº 14.485/07 não ofende o art. 22, I, da Constituição da República, na
medida em que trata de matéria de interesse local, criação do feriado -dia da
consciência negra-, estando em harmonia com o art. 30, I, da Constituição.
Tampouco há falar em violação à Lei Federal nº 9.093/95, uma vez que
não se pode definir o feriado -dia da consciência negra- como de caráter
exclusivamente civil, despido de aspectos religiosos, conforme relatado
pelo Eg. TRT, na medida em o feriado revela parte da história do povo
do município que homenageia o personagem Zumbi dos Palmares, líder
escravo e símbolo da resistência negra contra a escravidão. Precedentes.
Agravo de Instrumento a que se nega provimento. (AIRR - 15-
60.2011.5.02.0047, Rel. Des. Conv. João Pedro Silvestrin, 8ª Turma, DEJT
de 12/9/2014)
Igualmente, assim se manifestou a nossa Suprema Corte, em voto do
Ministro Marco Aurélio, a respeito de feriado da consciência negra, no caso, instituído
por norma municipal, Recurso Extraordinário nº 251.470-5-Rio de Janeiro, :
A atividade em tal campo faz-se à luz da autonomia municipal consagrada
no artigo 30, inciso I, nela contido. Compete aos municípios legislar sobre
assuntos de interesse local. Ora, na espécie dos autos, os representantes do
povo do município do Estado do Rio de Janeiro concluíram no sentido da
homenagem a Zumbi e o fizeram a partir da atuação cívica revelada pelo
personagem que acabou por integrar a História no panteão que a Pátria deve
cultuar. Conforme os registros históricos, Zumbi dos Palmares, líder escravo
alagoano (1655 a 1695), último chefe do Quilombo dos Palmares, é um
símbolo da resistência negra contra a escravidão. Traído por um
companheiro - paixão condenável que acompanha a humanidade -, foi vítima
de emboscada em 20 de novembro de 1695, tendo o corpo mutilado e a
cabeça exposta em praça pública na cidade de Recife. O que cumpre
perquirir é se a atuação municipal fez-se à margem da Carta do Estado e aí a
resposta é desenganadamente negativa. Atuou o Município em via na qual
surge a autonomia maior norteada por conceitos ligados à conveniência e à
oportunidade. (...) O Município do Rio de Janeiro legislou sobre assunto que
pode ser tido como de interesse local, muito embora não se mostre peculiar,
específico, exclusivo ao campo de atuação. Esse predicado é dispensável,
porquanto não há autonomia entre a noção de interesses locais e interesses
gerais.
10
consultado em 29 de novembro de 2014. <file:///C:/Users/Sandro/Downloads/acordao-902-2014-125%20(1).pdf. >
7
Nunca é demais relembrar a Lei de Introdução ao Código Civil/LICC,
sobretudo no seu Art. 5º, indica vetor orientativo ao magistrado, pois, quando da
aplicação da lei, sempre, visará o atingimento das finalidades sociais e o bem comum,
sendo que no caso dos direitos sociais, o art. 8o. da CLT, equaliza e adapta o processo
hermenêutico ao contexto juslaboral.
Dessa maneira, o descanso remunerado derivado de feriado estadual -
sob o prisma hermenêutico juslaboral, tem os seguintes elementos característicos: a)
gramatical/literal - inexiste dúvida quanto ao conteúdo da norma; b) histórico - o
legislador fixou, de forma iniludível, data comemorativa da emancipação política; c)
lógico - o texto normativo tem sua vigência indelével (art. 5o., parág. 1o. da CF); d)
sistemático - a lei estadual fixou direito reconhecido e ratificado, posteriormente, por lei
federal, portanto, tornando-se direito adquirido incorporado ao patrimônio jurídico dos
trabalhadores (art. 5o., XXXVI da CF c/c parág. 2o. do art. 6o. da LICC); e)
teleológico: a criação de conquista social deve ser interpretada como fator de promoção
de justiça social e de melhoria da condição social dos trabalhadores11
.
Em suma, tratando-se de direitos sociais, estes requerem e invocam a
aplicação dos critérios principiológicos e hermenêuticos da ciência juslaboral
materializados pela proteção do trabalhador e da aplicação da norma mais favorável,
somando-se às diretrizes de ordem constitucional proibitivas do retrocesso social (art.
7º, caput), promotoras da dignidade da pessoa humana e do valor social do trabalho (art.
1º, III e IV), conferindo eficácia horizontal e máxima efetividade aos direitos
fundamentais.
IV - CONCLUSÃO
Diante do exposto, respondendo a presente consulta, pode-se concluir,
indubitavelmente, fundamentado pelas razões de ordem histórica, social e política,
devidamente amparadas pela melhor hermenêutica jurídica, de que a data de 19 de
dezembro, embora reconhecida, originariamente, como feriado por Lei Estadual no.
4.658 de 1.962, encontra-se rerratificado por Lei Federal posterior - 9093/95,
incorporando-se ao patrimônio jurídico da classe trabalhadora paranaense.
De tal sorte, a Lei estadual possui plena eficácia e vigência, portanto,
produzindo repercussões na esfera das relações de trabalho, independentemente da sua
inobservância e/ou seu descumprimento.
Noutra senda, a sonegação de suspensão do contrato durante feriado
estadual previsto em lei, viola o sagrado direito de descanso da classe trabalhadora
paranaense, em desrespeito aos princípios constitucionais da dignidade da pessoa
humana (art. 1º, III, da CF), do valor social do trabalho (art. 1º, IV, da CF) e do não
retrocesso social (art. 7º, caput, da CF).
11
Lima, Francisco Meton Marques de. Elementos de Direito do Trabalho e Processo Trabalhista.13a. Ed.
São Paulo: Ltr, 2010. p.57-59.
8
É o parecer, SMJ.
Curitiba, 01 de dezembro de 2014.
SANDRO LUNARD NICOLADELI
OAB/PR 22372
professor de Direito do Trabalho da Universidade Federal do Paraná
ANDRÉ FRANCO DE OLIVEIRA PASSOS
OAB/PR 27535
presidente da Comissão de Direito Sindical da OAB/PR
LUIZ FERNANDO LOPES PEREIRA
OAB/PR 19878
professor de História do Direito da Universidade Federal do Paraná