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Parcerias EstratgicasNmero 26 junho 2008 Braslia, DF

ISSN 1413-9375

Parc. Estrat. | Braslia, DF | n. 26 | p. 1-332 | jun. 2008

PARCERIAS ESTRATGICAS NMERO 26 JUNHO 2008Publicao semestral do Centro de Gesto e Estudos Estratgicos (CGEE)

CONSELHO EDITORIAL Adriano Batista Dias Bertha Koiffmann Becker Eduardo Baumgratz Viotti Evando Mirra de Paula e Silva Gilda Massari Lauro Morhy Lucia Carvalho Pinto de Melo Ricardo Bielschowsky Ronaldo Mota Sardenberg EDITORA Tatiana de Carvalho Pires CAPA Felipe Lopes da Cruz

Endereo para correspondncia:

Centro de Gesto e Estudos Estratgicos (CGEE) SCN Quadra 2 Bloco A Edifcio Corporate Financial Center salas 1102/1103 70712-900 Braslia, DF Tel: (xx61) 3424.9600 / 3424.9666 Fax: (xx61) 3424.9671 e-mail: [email protected] URL: http://www.cgee.org.brDistribuio gratuita

Parcerias Estratgicas / Centro de Gesto e Estudos Estratgicos. - Vol. 1, n. 1 (maio 1996)- v. 1, n. 5 (set. 1998); n. 6 (mar. 1999)-. Braslia : Centro de Gesto e Estudos Estratgicos : Ministrio da Cincia e Tecnologia, 1996-1998; 1999v.; 25 cm. Semestral. n. 26 (jun. 2008) ISSN 1413-9375 1. Poltica e governo Brasil 2. Inovao tecnolgica I. Centro de Gesto e Estudos Estratgicos. II. Ministrio da Cincia e Tecnologia. CDU 323.6(81)(05)

ESTA EDIO DA REVISTA PARCERIAS ESTRATGICAS CORRESPONDE A UMA DAS METAS DO CONTRATO DE GESTO CGEE/MCT/2008.Os artigos publicados nesta edio so de exclusiva responsabilidade de seus autores.

PARCERIAS ESTRATGICASNmero 26 junho/2008 ISSN 1413-9375

SumrioApresentao Lucia Carvalho Pinto de Melo ............................................................................................... 5 Polticas de cincia, tecnologia e inovao Por que fazer pesquisa bsica em bioenergia? Cylon Gonalves da Silva ....................................................................................................... 7 A nova convergncia da cincia e da tecnologia Esper Abro Cavalheiro ...................................................................................................... 23 Patentes e biotecnologia aceleram o crescimento da agricultura brasileira Roberto Castelo Branco, Adriana Vieira ............................................................................ 33 Cincia, tecnologia e desenvolvimento redes e inovao social Mara Baumgarten ............................................................................................................ 101 Funes pblicas de instituies pblicas de pesquisa: a possibilidade de antecipar mudanas e influenciar mercados Marcos Paulo Fuck, Maria Beatriz Machado Bonacelli .................................................... 125 Avaliao e indicadores de C,T&I Produo de conhecimento e crescimento da firma no Brasil Joo Alberto De Negri, Luiz Esteves, Fernando Freitas ................................................... 151 Propriedade intelectual e inovao: uma anlise de dez instituies brasileiras Anselmo Takaki, Hlio Camargo, Ricardo Mendes, Ricardo Sennes ................................ 179 Parcerias para inovao: o desafio do plstico biodegradvel estudo de caso La Velho, Paulo Velho .................................................................................................... 225

Desenvolvimento regional A emergncia de um sistema de inovao no Estado do Amazonas: fortalecimento pela governana Guajarino Arajo Filho, Niomar Lins Pimenta, Dimas Jos Lasmar .............................. 261 Policntrico e planejamento territorial de longo prazo Constantino Cronemberger Mendes ..................................................................................... 283 Memria O fundo de desenvolvimento tcnico-cientfico (Funtec) do BNDE: a criao e os anos 1960 Amilcar Figueira Ferrari .................................................................................................. 299 Resenha Um depoimento para a histria: Renato Archer Ronaldo Conde Aguiar ...................................................................................................... 323

Apresentao

O Centro de Gesto e Estudos Estratgicos (CGEE) recebeu nota dez na avaliao feita pelo Ministrio da Cincia e Tecnologia (MCT) de suas atividades no ano de 2007. Isso mostra que a organizao, em seus quase sete anos de existncia, mantm o desafio de buscar a excelncia e o aprimoramento de suas atividades, mesmo diante de uma agenda diversificada e complexa. O Centro procura implementar de forma gil e organizada a agenda de mltiplos temas e demonstra o cumprimento rigoroso de todas as metas acordadas no Contrato de Gesto com o MCT. No mbito do Plano de Ao de Cincia e Tecnologia, por exemplo, o CGEE prev a participao em 19 das suas 21 linhas de ao, contribuindo com 34 estudos. Alm disso, o Centro refora a cada ano suas parcerias com rgos pblicos e privados, em projetos que depois se traduzem em polticas pblicas relevantes para o desenvolvimento da sociedade brasileira. Entre as metas destacadas para 2008, a disseminao de informaes em C,T&I tem um papel significativo. Essa ao compreende, entre outras atividades, duas edies da revista Parcerias Estratgicas; a publicao de cinco estudos em distintas reas que contribuam para subsidiar as polticas pblicas; edies do boletim mensal Notcias.CGEE em formato digital e impresso; e a reformulao da pgina web, para melhor atender ao pblico-alvo do Centro. nesse contexto, de ampla difuso do conhecimento produzido, que esperamos colaborar com os artigos publicados nesta edio da Parcerias. No nmero 26 vocs podem conferir trabalhos nas reas de polticas, avaliao e indicadores e desenvolvimento regional em cincia,

Apresentao

tecnologia e inovao. A excelente qualidade dos artigos traz a marca da experincia de grupos brasileiros que trabalham em pesquisas de relevncia para o pas. Tambm preparamos outras opes de leitura como um captulo do livro em memria do cientista Jos Pelcio Ferreira, e a resenha de dois livros publicados em homenagem a Renato Archer, primeiro ministro da Cincia e Tecnologia do Brasil. Como sempre, contamos com o apoio de profissionais do CGEE para a produo da revista, e no podamos deixar de agradecer a atuao dos pareceristas convidados a avaliar os textos submetidos ao grupo editorial.

LUCIA CARVALHO PINTO DE MELO Presidenta Centro de Gesto e Estudos Estratgicos (CGEE)

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Por que fazer pesquisa bsica em bioenergia?Cylon Gonalves da Silva

H uma expresso que se popularizou nas discusses sobre energia que diz que A Idade da Pedra acabou, mas no foi por falta de pedras. Do mesmo modo, pode-se dizer que a era dos combustveis fsseis acabar logo, e no ser por falta de combustveis fsseis. Ao contrrio, podemos contar com muitos futuros anncios da descoberta de novas reservas de petrleo e gs mundo afora. Este no o problema, muito menos a soluo. A era dos combustveis fsseis acabar por uma de duas razes alternativas: (1) ou a civilizao industrial controla a quantidade de gases de efeito estufa na atmosfera ou (2) a quantidade destes gases na atmosfera acaba com a civilizao industrial. As afirmaes do pargrafo anterior podem parecer radicais. Infelizmente, no o so. As evidncias de que importantes mudanas climticas so conseqncia direta da queima de combustveis fsseis so hoje macias. Isto no quer dizer que saibamos, ou que poderemos um dia prever com preciso, para onde elas se encaminham. Como todas as coisas importantes na vida, h um grande grau de incerteza inerente nas predies sobre as conseqncias futuras do aumento da concentrao de gases de efeito estufa na atmosfera. Os cenrios vo de pequenas alteraes at grandes catstrofes, com a maior probabilidade para um aumento da temperatura mdia global de 2 a 4,5 graus centgrados at o final deste sculo. Dentro deste panorama de incertezas, h duas certezas: a primeira de que, mesmo o cenrio mais provvel trar impactos econmicos e sociais significativos, e a segunda que a probabilidade de eventos catastrficos no nula. Portanto, qualquer sociedade minimamente inteligente deve se preparar para eles. E, como se sabe, a questo energtica a questo central a ser resolvida.

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Combustveis fsseis uma forma de bioenergia. Eles representam a energia solar armazenada em ligaes qumicas por plantas que existiram h centenas de milhes de anos. A queima destes combustveis reintroduz na atmosfera o dixido de carbono que estas plantas capturaram, porm em um ritmo muito acima daquele que a biosfera, a atmosfera e os oceanos podem recicl-lo. A soluo do problema da energia para a civilizao industrial reside na descoberta de novas tecnologias capazes de transformar a energia solar em energia qumica de forma econmica, ambientalmente aceitvel, com estabilidade de suprimento e em grande escala. O mundo hoje consome cerca de 14 teraWatts (quatorze trilhes de Watts), com a expectativa de que este nmero dobre at meados do sculo 21. A energia solar incidente sobre a Terra de 120.000 teraWatts, ou seja, mais do que suficiente para suprir nossas necessidades. Mas, no temos a tecnologia para transform-la em energia qumica, por que no temos a cincia. Duas perguntas: (1) ser verdade que no temos a cincia? e (2) por que energia qumica? Vamos comear pela segunda questo. Sabemos converter energia solar em energia eltrica, por meio de clulas fotovoltaicas. Lembremos, entretanto das quatro condies desejadas: economia, ambiente, estabilidade de suprimento e escala. A energia fotovoltaica ainda no atende a esta combinao de condies. Ela no economicamente competitiva (mas poder vir a s-lo), os processos de produo em grande escala impactam o meio ambiente, o suprimento dependente da existncia de luz solar, e no tem escala. A potncia de pico de gerao fotovoltaica instalada no mundo da ordem de 7 gigaWatts (sete bilhes de Watts), com cerca de 2 GW sendo instalados a cada ano. Neste ritmo, seriam necessrios 500 anos para atingir a potncia de 1 teraWatt. Mesmo com as perspectivas mais entusiastas de crescimento da produo, ainda se est a dcadas de um patamar significativo de energia eltrica fotovoltaica. O mais importante a questo de estabilidade do suprimento. Eletricidade apenas um vetor de energia no uma fonte primria. As flutuaes na fonte primria (luz solar) levam a flutuaes no suprimento. Portanto, para estabilizar o suprimento preciso armazenar a energia eltrica. A melhor maneira de armazenar energia em ligaes qumicas, algo que a Natureza descobriu h muito tempo. Em primeiro lugar, o pequeno volume ocupado por uma ligao qumica (um trilho de trilho de ligaes por centmetro cbico) e a proximidade dos eltrons

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na ligao implicam que, por este meio, possvel atingir grandes densidades energticas, por volume ou por massa. Em segundo lugar, a rapidez com que estas ligaes podem ser feitas e desfeitas (fraes de trilionsimos de segundo) significa que se pode atingir altas potncias (energia por unidade de tempo) como, por exemplo, para acelerar uma massa de duas toneladas de zero a 100 km/h em poucos segundos, sob forma de um automvel. Por estas e muitas outras razes que no cabe aqui mencionar, a energia qumica imbatvel como forma de armazenamento da energia solar. No , assim, por acaso, que este o Santo Graal do problema da energia. At o melhor uso da energia fotovoltaica passa, em algum momento, por armazen-la quimicamente. Biocombustveis so uma forma de atingir este Santo Graal, mas que no atende, de forma generalizada, s quatro condies j colocadas: economia, ambiente, estabilidade de suprimento e escala. H uma tendncia muito natural de imaginar que o problema de biocombustveis se resume a, de uma lado, uma questo agrcola e, de outro, a uma questo tecnolgica e de engenharia. Isto , a uma questo de produo da biomassa necessria como matria prima e de projeto e construo das necessrias plantas de processamento desta matria-prima. Portanto, um assunto para as escolas e centros de pesquisa de agronomia e de engenharia. Seria bom se assim fosse. Mas, o fato que no temos a cincia necessria para que a questo possa ser to simplesmente tratada. O que nos faz retornar primeira das perguntas (ser verdade que no temos a cincia?). A converso de energia solar em energia qumica pode ser feita, em princpio por diversas rotas. A rota escolhida pela Natureza a da fotossntese, converso fotobioqumica, por meio da qual a energia solar empregada para converter dixido de carbono e gua em hidrocarbonetos e oxignio, por meio de complexas molculas orgnicas catalisadoras desta reao, que envolve inmeros passos intermedirios. a fotossntese que produz a matria-prima dos biocombustveis e que produziu a matria-prima dos combustveis fsseis. Rotas termoqumicas podem ser empregadas, usando-se a energia solar para produzir elevadas temperaturas e vaporizar a gua para produzir hidrognio. Rotas eletroqumicas tambm existem ou podem ser imaginadas, nas quais a energia solar primeiramente convertida em eletricidade e esta empregada para decompor a gua em hidrognio e oxignio. Todas elas, direta ou indiretamente, usam a energia solar paraPARCERIAS ESTRATGICAS BRASLIA,DFN.26

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quebrar e reformar ligaes qumicas. Isto significa, em geral, transportar eltrons e prtons (ons de hidrognio) no interior e entre molculas. Como ressaltado pelo Prof. Dan Nocera do MIT, nestas reaes, eltrons so objetos que obedecem mecnica quntica, enquanto que prtons se comportam como partculas clssicas, devido grande diferena de massa entre estas partculas Mas, no h transporte de eltrons sem o correspondente transporte dos prtons. Os seus deslocamentos, nos processos de transformao da energia solar em energia qumica, so correlacionados. Ento, tem-se, de sada, um problema quntico/clssico a ser resolvido. Mesmo para a reao mais simples desejada (na presena de um catalisador adequado): 2H2O + luz O2 + 2 H2 (separados espacialmente) no existe a cincia necessria para atender aos quatro requisitos bsicos j enumerados - economia, ambiente, estabilidade de suprimento e escala. preciso criar novos catalisadores bons e baratos. Ou seja, preciso entender como promover a reao qumica colocada acima, na qual duas molculas de gua tm suas ligaes qumicas quebradas e recompostas, enquanto quatro eltrons e quatro prtons so relocados de dois oxignios para gerar trs novas molculas. A soluo desta equao to simples em aparncia a soluo do problema de energia do mundo. Da mesma forma, a reao de fotossntese: 6 CO2 + 6 H2O + luz C6H12O6 + 6 O2 permanece repleta de mistrios. Na ponta da gerao da matria prima para os biocombustveis, os catalisadores biolgicos que reformam as ligaes qumicas do dixido de carbono e da gua, e que movimentam eltrons e prtons com grande eficincia dentro da clula vegetal ainda no so compreendidos adequadamente. No outro extremo da cadeia de produo, na ponta da converso da biomassa em combustveis, os catalisadores capazes de decompor o material lignocelulsico em seus acares elementares e aqueles capazes de transform-los em etanol (ou butanol) ainda so basicamente os mesmos empregados h milnios. A Natureza nos oferece, nos biocombustveis, a prova de princpio de que possvel transformar energia solar em energia qumica e aproveitar esta como fonte primria de energia em uma variedade de processos orgnicos e inorgnicos. Aqui cabe uma analogia com outra10 PARCERIAS ESTRATGICAS BRASLIA,DFN.26

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prova de princpio da Natureza. O homem aprendeu que o mais pesado do que o ar pode voar observando a prova de princpio que so os pssaros. Mas, seus avies no batem asas e tm, ao contrrio dos pssaros, um leme vertical na cauda. Ser possvel produzir catalisadores para alguma reao semelhante a de fotossntese acima que no sejam biolgicos? Ou seja, ser possvel produzir, com grande eficincia, combustveis sem seguir a rota de produo de biomassa? Teoricamente, a resposta sim. Na pratica, no temos a cincia que revolucionaria a produo de combustveis diretamente a partir da energia solar. So estes desafios que explicam os enormes investimentos que esto sendo feitos em novos centros de pesquisa nos Estados Unidos, Europa e Japo e que o Brasil no pode deixar de encarar seriamente. No curto prazo, fora de dvida, o problema de biocombustveis passa pela agricultura e pela engenharia convencional. Mas, no mdio e longo prazo, o problema da energia, que muito maior do que o de biocombustveis, passa pela cincia bsica. A proposta do Centro de pesquisa do Ministrio da Cincia e Tecnologia (MCT) contempla a variedade de questes envolvidas na produo de biocombustveis, mas traz a elas o foco da pesquisa bsica, de longo prazo. No se trata de equacionar a produo de biomassa nos prximos anos, nem tampouco de resolver os problemas de produo de biocombustveis no mesmo horizonte temporal. Uma das importantes funes do Centro dar visibilidade aos desafios da pesquisa nesta rea, atraindo os melhores talentos para uma questo que vital, no apenas para a economia do Pais, mas para a sobrevivncia da civilizao industrial. Uma outra ser a sua capacidade de organizar a pesquisa fundamental em energia no Brasil, por meio de mecanismos inovadores de articulao e fomento, alguns dos quais tero de ser especificamente criados. Tratase de criar uma comunidade de pesquisadores, dentro de fora do Centro, treinados em uma multiplicidade de disciplinas, sobretudo jovens no incio de suas carreiras, para se debruar sobre os desafios da questo energtica, do ponto de vista da pesquisa bsica. O Centro ser, tambm, um ponto focal importante para a cooperao internacional, como interlocutor dos novos Centros similares que esto surgindo no mundo e como centro de treinamento de pesquisadores de paises em desenvolvimento, afirmando a liderana intelectual do Brasil na pesquisa fundamental na rea de biocombustveis.PARCERIAS ESTRATGICAS BRASLIA,DFN.26

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APNDICE

A EVOLUO RECENTE DOS ESFOROS INTERNACIONAIS DE PESQUISA EMBIOCOMBUSTVEIS

Neste Apndice, sintetizam-se as propostas recentes, de vrios pases, para novos centros de pesquisa em biocombustveis. Propositadamente, deixam-se de lado um grande nmero de organizaes importantes, algumas com dcadas de existncia e com contribuies significativas para o setor, como o Laboratrio Nacional de Energias Renovveis dos Estados Unidos, por que a nfase do documento no esforo adicional, em termos de novas organizaes e estruturas de financiamento, que se pretende fazer nos prximos cinco a dez anos para acelerar a produo de biocombustveis. Naturalmente, as organizaes tradicionais destes pases tambm esto sendo mobilizadas, mas o que as polticas de vrios pases mostram que elas no so consideradas suficientes para as dimenses dos desafios colocados pelos biocombustveis. Os EUA chamam a ateno pela magnitude dos investimentos US$ 350 milhes em cinco anos, para trs novos centros. A China, por outro lado, parece ainda no ter reagido altura, mas isto tambm pode ser pela falta de informaes atualizadas nas fontes consultadas. A Unio Europia sempre mais lenta do que os Estados Unidos, mas o Stimo Programa Quadro prev investimentos substanciais em fontes de energia limpa. O Japo investe em biocombustveis, mas as limitaes de seu territrio fazem com que ele continuar a ser um importador de energia. PANORAMA INTERNACIONAL

AMRICA DO NORTEEstados Unidos Pases do mundo todo, representados pelos seus governos, universidades e empresas, esto investindo significativamente em pesquisa e inovao em biocombustveis. Seria impossvel, neste documento, fazer uma reviso exaustiva de todas as atividades de pesquisa, desenvolvimento e inovao em bioenergia, com financiamento pblico ou privado, dos EUA. Basta citar, por exemplo, a existncia do Laboratrio Nacional de

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Energias Renovveis, que h bastante tempo vem fazendo pesquisa na rea e que mereceria um captulo parte. Por esta razo, focam-se aqui apenas iniciativas recentes envolvendo a criao de novas organizaes ou mecanismos de financiamento. O Departamento de Energia dos Estados Unidos anunciou, em 2006, investimentos iniciais da ordem de US$ 350 milhes para trs novos centros de pesquisa em bioenergia, sendo um deles no Lawrence Berkeley National Laboratory (LBL), na Califrnia. Este Laboratrio muito interessante porque, guardadas as devidas diferenas de escala, ele possui um conjunto de laboratrios (fonte de luz sincrotron, microscopia eletrnica e biologia molecular) comparvel queles disponveis no Laboratrio Nacional de Luz Sncrotron do MCT em Campinas. O Projeto Helios tem como objetivo central desenvolver tecnologias para armazenar a energia solar sob a forma de combustveis renovveis para transporte. Seus pesquisadores trabalham no Instituto de Biocincias da Energia (EBI), no Centro de Pesquisas em Energia Solar Helios, e no Instituto Colaborativo de Bioenergia (Joint Bioenergy InstituteJBEI). Para se ter uma idia do financiamento destas organizaes, o EBI receber US$ 500 milhes da British Petroleum (BP) em 10 anos e o JBEI receber US$ 125 milhes do Departamento de Energia dos EUA nos prximos cinco anos. Assim apenas essas duas instituies de pesquisa em bioenergia situadas na regio da Universidade da Califrnia em Berkeley, recebero mais de US$ 50 milhes de dlares por ano nos prximos cinco anos. Vale ressaltar que o EBI compartilhado entre a UC Berkeley e a Universidade de Illinois, portanto nem todos os US$ 500 milhes de dlares do financiamento da BP iro para a Universidade da Califrnia. O Instituto de Biocincias da Energia (BEI) tem cinco reas principais de atividade: 1) Desenvolvimento de matria-prima. Os grupos focam sua ateno no desenvolvimento de plantas no comestveis que possam ser usadas como matria-prima para biocombustveis, com alta eficincia energtica de converso. Uma das vantagens do Brasil, neste caso, que j possui a cana-de-acar, ainda que muito desenvolvimento precise ser feito na questo de variedades adaptadas s diferentes regies do pas. Sabe-se quePARCERIAS ESTRATGICAS BRASLIA,DFN.26

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o custo da matria-prima cana-de-acar representa cerca de 70% dos custos do etanol biocombustvel brasileiro, o mais barato do mundo. Poder-se-ia dizer que este nmero mostra a eficincia dos processos industriais e a ineficincia dos processos agrcolas, e que ele indica a necessidade urgente de otimiz-los, inclusive com melhor aproveitamento do bagao e palha, o que implica o desenvolvimento de novos processos industriais. Portanto, eficincias industrial e agrcola esto intimamente correlacionadas e seu aumento depende de um esforo intenso de pesquisa e incorporao de novas tecnologias. 2) Despolimerizao da biomassa. A pesquisa destes grupos est ligada a um passo essencial na produo de etanol celulsico: a decomposio da celulose e hemicelulose nos acares simples (monmeros). Isto , a possibilidade de incorporar novas matrias primas agrcolas como base dos biocombustveis. No caso brasileiro, em primeiro lugar, isto significa um melhor aproveitamente da cana-de-acar, mas no exclui, obviamente, outros insumos. 3) Produo de biocombustveis. O foco da pesquisa destes grupos est em aumentar a eficincia da fermentao, visando atingir maiores concentraes de etanol no liquor fermentado. bom manter em mente, entretanto, que a rota biolgica no a nica possvel para converso de biomassa em biocombustveis. H pouca pesquisa sendo feita no Brasil sobre essas outras rotas. 4) Bioprocessamento de combustveis fsseis. O objetivo da pesquisa desses grupos encontrar maneiras biolgicas de explorar petrleo e carvo, usando microorganismos para facilitar a extrao de combustveis fsseis do solo. H um esforo distinto, mas aparentemente no no BEI, de usar microorganismos que se alimentam diretamente de combustveis fsseis para produzir hidrognio gasoso. A idia deste processo seria a de injetar colnias destes microorganismos nos reservatrios de petrleo e extrair no hidrocarbonetos, mas H2. Uma soluo deste tipo permitiria o aproveitamento de vastas reservas de combustveis fsseis com zero de emisso de carbono.

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5) Dimenses ambiental, social e econmica. O BEI tem a clara percepo de que o desafio dos biocombustveis no apenas tcnico-cientfico, mas envolve aspectos de meio ambiente, sociais e econmicos fundamentais que precisam ser estudados, no contexto das novas tecnologias. No adianta desenvolver, no laboratrio, uma tima tecnologia que se revela, na prtica nociva em um ou mais desses aspectos. Por isso, no h como deixar de lado estes aspectos na pesquisa sobre biocombustveis. O Instituto Colaborativo de Bioenergia (JBEI) tem foco em trs reas principais: produo de matria-prima, despolimerizao e sntese de biocombustveis. Como se v, h vrias reas de superposio com o BEI, mas, dada a complexidade dos temas a ser tratados, isto no surpreendente. Isto uma tendncia do sistema norteamericano, de estimular a competio entre organizaes, como forma de garantir a qualidade dos resultados. O que nos parece, freqentemente, como desnecessria duplicao , de fato, uma estratgia inteligente de forar as organizaes a desempenharem melhor, por que sabem que esto competindo entre si por recursos para pesquisa. O Centro de Cincia da Bioenergia dos Grandes Lagos (GLBRC), coordenado pela Universidade de Wisconsin-Madison, receber US$ 125 milhes do Departamento de Energia (nos prximos cinco anos) mais US$ 100 milhes (!) da universidade para um prdio que abrigar o Centro e US$ 4 milhes para a contratao de novos professores. Fala-se, assim, de um investimento prximo a um quarto de bilho de dlares neste Centro, que ter os seguintes objetivos de pesquisa: 1) Caractersticas da biomassa de plantas; 2) Procedimentos para processar a biomassa de plantas; 3) Processos biolgicos e qumicos para converter biomassa em produtos de energia; 4) Sustentabilidade econmica e ambiental da cadeia biomassabiocombustvel. interessante notar que este Centro, como o BEI considera a pesquisa de sustentabilidade como parte integrante de sua misso institucional.PARCERIAS ESTRATGICAS BRASLIA,DFN.26

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Finalmente, o terceiro centro patrocinado pelo Departamento de Energia, o Centro de Cincias da Bioenergia (BESC) coordenado pelo Laboratrio Nacional de Oak Ridge receber, alem dos recursos do DOE (US$ 125 milhes), um adicional de US$ 71 milhes de recursos estaduais e US$ 5 milhes do setor privado. Suas pesquisas tero trs objetivos: 1) Formao e modificao da biomassa, a fim de compreender a gentica e bioqumica da biossntese da parede da clula vegetal, com o objetivo de modificar as plantas e tornar o material celulsico mais facilmente acessvel aos processos de despolimerizao. 2) Deconstruo e converso da biomassa, a fim de entender os processos enzimticos e microorgansmicos de decomposio do material lignocelulsico, com o objetivo de desenvolver biocatalisadores mais eificientes. 3) Caracterizao e modelagem, a fim de desenvolver um sistema de alto rendimento (high-throughput) de pr-tratamento e caracterizao para entender os processos bsicos de resistncia da planta despolimerizao do material lignocelulsico. Essas tcnicas experimentais sero combinadas com mtodos de imageamento e modelagem e simulao computacional. Canad O governo canadense no ano de 2007, atribuiu o valor de $2,4 bilhes em seu oramento para iniciativas relacionadas a energias mais limpas, energias renovveis, eficincia energtica e ao desenvolvimento de novas tecnologias. $1.5 bilhes para iniciativas em relao a fontes de energias renovveis (ecoENERGY) para aumentar a participao das energias renovveis na matriz energtica do pas. Espera-se com essa medida produzir 4.000 megawatts de eletricidade renovvel (ex: elica, biomassa, PCHs, fotovoltaica, geotrmica, mars e ondas). $300 milhes para eficincia ecoENERGY. Iniciativas para promover o uso de energia mais racional, incluindo o retrofit de sistemas existentes para incentivar melhorias na eficincia energtica em casas, pequenos edifcios e indstrias.

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$230 milhes para tecnologias ecoENERGY. Iniciativa tecnolgica para cincia e tecnologia aplicada energia para financiar a pesquisa, o desenvolvimento e a demonstrao de tecnologias para energias limpas. $339 milhes para o desenvolvimento e implementao de uma nova agenda regulatria para um ar mais limpo no pas. Considera-se a produo de combustveis renovveis no pas uma nova oportunidade de mercado para os fazendeiros e comunidades rurais, razo pelo qual o governo incluiu $365 milhes em seu oramento para o ano de 2006 para estimular seu desenvolvimento. Para que as medidas regulatrias propostas sejam alcanadas, mais de 2 bilhes de litros de combustveis renovveis sero necessrios. Para atingimento das metas propostas, o governo canadense destinou $2 bilhes para financiar esta produo, incluindo $1,5 bilho como incentivo de operao e $500 milhes para o desenvolvimento e pesquisa para tornar possvel a produo de biocombustveis de segunda gerao em larga escala num perodo de sete anos. sia Os grandes geradores e consumidores de energia na sia ou so pases plenamente desenvolvidos (Japo, Coria do Sul) ou so pases em desenvolvimento com grandes populaes (China, ndia). Em alguns anos, a China dominar o cenrio, tanto por sua grande populao como por seu ritmo acelerado de crescimento econmico. medida que o centro de gravidade industrial do mundo se desloca para a sia, as opes energticas deste continente pesaro cada vez por seus impactos globais no clima. H uma percepo clara de que a participao das energias de fontes renovveis nas matrizes energticas nacionais, com baixas emisses de gases de efeito estufa, devem crescer substancialmente no decorrer deste sculo. Como no se espera uma diminuio significativa no crescimento do uso do transporte individual, o consumo de combustveis lquidos dever continuar, tambm, a crescer, apesar de que motores eltricos como alternativas de propulso comeam a ser explorados (com seus problemas especficos). Apesar da meta governamental chinesa, para 2020, de 13 bilhes de litros de etanol e 2,3 bilhes de litros de biodiesel, tanto o Instituto Chins de Pesquisa em Energia quanto a Associao Chinesa

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de Indstrias de Energias Renovveis prevem produes muito maiores, com nmeros variando entre 19 a 60 bilhes de litros de biocombustveis, sendo a maior parte de etanol. interessante contrastar os casos da China e do Japo, que representam duas situaes, por assim dizer, extremas. A China, a de um grande pas populoso em rpido desenvolvimento, com abundante suprimento de carvo, com potencial agrcola e com a necessidade de reduzir a pobreza rural, mas ainda sem domnio tcnico-cientfico comparvel ao de sua produo industrial. O Japo, um pequeno velho pas altamente industrializado, sem fontes prprias de combustveis fsseis significativas, pequeno potencial agrcola, mas com grande domnio cientfico-tecnolgico, compatvel com seu desenvolvimento industrial. Todos os outros pases da sia, de uma forma ou outra, se situam entre estes dois extremos. China O futuro do clima global pode muito bem depender, em grande medida, da capacidade da China em levar o mundo para uma era de energia renovvel, assim como os Estados Unidos, h mais ou menos um sculo, levou o mundo para uma era do petrleo. C. Flavin, Presidente, Worldwatch Institute1. Descontadas as hiprboles caractersticas das declaraes ocidentais sobre a China, no se pode deixar de reconhecer que o uso intensivo do carvo para alimentar de energia o crescimento econmico da China e ndia, com suas imensas populaes, representar, no sculo 21, uma das maiores influncias antropognicas sobre a concentrao de gases de efeito estufa na atmosfera. Portanto, as fontes de energia escolhidas pela sia e, em especial na sia, pela China e ndia concernem a humanidade como um todo. A China lanou o seu programa de bioetanol em 2000, motivada por trs objetivos: 1) escassez de combustveis para transporte; 2) poluio; e, 3) desenvolvimento rural. Atualmente, mais de 80% do etanol chins provm de amido (milho, mandioca, arroz), 10% de acar, 6% de resduos da indstria de papel e o restante por processamento qumico de etileno. O Plano Nacional de Energias Renovveis prev, para 2020, a produo de 11 milhes de toneladas de biocombustveis. Entretanto,1

Worldwatch special report, Powering Chinas Development (2007).

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a previso de um consumo de 228 milhes de toneladas no mesmo ano. Assim, mesmo com uma mistura relativamente modesta de 10% (em peso) de biocombustveis, haver um dficit de mais de 10 milhes de toneladas de biocombustveis na China dentro de uma dcada. Dada a alta participao de matria-prima que poderia ser usada para alimentos na produo atual de bioetanol chins, o governo prev investimentos na pesquisa e desenvolvimento para uso de outros tipos de biomassa e do etanol celulsico. H estimativas de que metade dos resduos agrcolas (total: 300 350 Mton) e florestais (total: 100 150 Mton) anuais da China seriam suficientes para produzir 90 bilhes de litros de etanol celulsico. O consumo de gasolina chins em 2006, para comparao, foi de 70 bilhes de litros. Entretanto, a China ainda depende quase que completamente de tecnologia e equipamentos desenvolvidos em outros pases. H propostas para a criao de uma organizao similar ao National Renewable Energies Laboratory dos Estados Unidos para acelerar o desenvolvimento cientfico, tecnolgico e industrial de fontes renovveis de energia na China. Com certeza, uma vez tomada esta deciso, a China progredir rapidamente, pois no lhe faltam recursos humanos ou financeiros. Japo A situao do Japo profundamente diferente daquela da China. A produo atual de biocombustveis no Japo insignificante: 30 mil litros de etanol por ano (equivalente ao consumo anual de 10 a 20 automveis no Brasil) e entre 4 a 5 milhes de litros de biodiesel. O Ministrio da Agricultura, Florestas e Pesca estima que, em 2030, o Japo possa atingir 6 bilhes de litros anuais, desde que a tecnologia do etanol celulsico cumpra com suas promessas2. Destaca-se a existncia desde janeiro de 2007, de uma planta de produo de etanol celulsico sediada em Sakai City, Osaka Prefecture, com capacidade anual de 1,4 milhes de litros de propriedade da Taisei Corporation, Marubeni Corporation e mais trs empresas. Em 2008, planeja-se ampliar a produo desta para 4 milhes de litros.

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USDA GAIN Report JA6024, 26/5/2006.

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O etanol produzido a partir de resduos de madeira da construo civil usando tecnologia da Celunol, cujo elemento chave consiste da bactria E.coli, desenvolvida por meio de engenharia gentica para fermentar tanto C6 (hexoses) quanto C5 (pentoses) presentes na biomassa celulsica. A instalao da planta para produo de etanol celulsico reflete o anncio feito pelo governo japons de elevar o percentual de 3% de etanol adicionado gasolina para 10% at o ano de 2030. Quanto aos investimentos realizados pelo pas com foco na importao de etanol para suprir a demanda interna estimada entre 1,8 a 6 bilhes de litros anuais, destaca-se o acordo firmado entre o Japo e o Brasil avaliado em $ 8 bilhes, mais especificamente entre a Petrleo Brasileiro S/A (Petrobrs) e a Japans Mitsui & Co. Ltda. O pas praticamente dependente em sua totalidade da importao de petrleo. Quanto aos biocombustveis, produziu, em 2006, somente 30 mil litros de bioetanol em plantas subsidiadas pelo governo, porm possui como meta a produo de 50 milhes de litros de bioetanol para os anos de 2011/12. Alm dos investimentos para a produo de etanol, um estudo realizado pelo Institute of Energy Economics no Japo demonstrou que as empresas de petrleo teriam de gastar aproximadamente 300 bilhes yen ($2,54 bilhes) para assegurar que os postos de gasolina, tanques e terminais existentes estejam aptos a comercializar e a estocar o E3. Embora o Japo tenha mostrado interesse em adquirir etanol do Brasil h uma divergncia poltica interna entre dois ministrios que podem frustrar as expectativas em relao importao de etanol a longo prazo. O Ministrio do Comrcio, responsvel pela poltica energtica no pas, iniciou em abril do presente ano um programa piloto de dois anos para o ETBE adicionado gasolina e o Ministrio do Meio Ambiente, um programa teste com durao de cinco anos para venda, em breve, de E3 em Osaka. Austrlia A Austrlia, representada pelo governo, pretende investir cerca de US$ 382 milhes em energia limpa e mais cerca de US$ 1 bilho com fundos provenientes do setor privado. O pas um dos maiores emissores de gases de efeito estufa per capita e s muito recentemente aderiu ao Protocolo de Kyoto. Ele possui grandes reservas de carvo, mas pouca

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gua para agricultura, o que explica a nfase em combustveis fsseis e o desenvolvimento limitado de biocombustveis. Por outro lado, com imenso territrio desrtico, de alta insolao, o potencial de aproveitamento de energia solar trmica ou fotovoltaica imenso e provavelmente nesta direo que o pas tender a se encaminhar. Entretanto, o pas um produtor de cana-de-acar e possui grande competncia tcnico-cientfica. A pesquisa australiana pode ser de interesse do Brasil. Unio Europia O governo britnico fundou um instituto de pesquisa em energia renovvel com oramento da ordem de US$ 2 bilhes, com capital de fundos privados e pblicos. A British Petroleum destinou US$ 500 milhes para financiar pesquisas em biocombustveis em universidades norte-americanas e britnicas. frica frica do Sul Estima-se que a frica do Sul, potencial ator para a produo de etanol, poderia obter receitas da ordem de $ 872 milhes em 2010, e mais de um bilho em 2013. Entretanto, o atraso no desenvolvimento de uma estratgia nacional para os biocombustveis tem parado o planejamento e investimentos do setor privado na expanso da produo domstica. O governo da frica do Sul planeja conceder iseno tributria para o etanol e co-produtos produzidos a partir de cana-de-acar e beterraba. Da mesma forma, pretende-se conceder iseno de 50% sobre o biodiesel produzido de canola, soja e girassol. Importante ressaltar que o governo da frica do Sul tem limitado a utilizao do milho como principal insumo para a produo de bioetanol no pas. Tal fato se deve elevao dos preos dos gros observados durante o ltimo binio; assim sendo, o milho no faz parte dos planos de expanso da produo de biocombustveis no pas. Este fato tambm influenciou a proposta anunciada de reduzir o percentual de adio de biocombustveis de 4,5% para 2% para o ano de 2013. Contudo, a empresa Sterling Waterford Holdings Ltda, uma acionista da Ethanol Africa, planeja investir $ 7 bilhes na construoPARCERIAS ESTRATGICAS BRASLIA,DFN.26

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de oito plantas de produo de etanol a partir do milho, no pas, nos prximos anos.Resumo O autor argumenta sobre a criao de um centro de pesquisa no Ministrio da Cincia e Tecnologia, que ter como funes: as pesquisas na rea de biocombustveis, organizao da pesquisa fundamental em energia no Brasil, criao de comunidade de pesquisadores, centro de treinamento de pesquisadores de pases em desenvolvimento, e a cooperao internacional com outros centros similares que esto surgindo no mundo. Apresenta, em seguida, a proposta de pases como os Estados Unidos, Japo, Canad, Austrlia, frica do Sul, China para a criao de novos centros de pesquisa em biocombustveis. Palavras-chave Bioenergia. Biocombustvel. Etanol. Centros de pesquisa. Experincia internacional. Cincia e tecnologia. Abstract The author discusses the creation of a research center linked to the Ministry of Science and Technology, with these functions: research on biofuels, organization of fundamental research on energy in Brazil, consolidation of a researchers community, training of researchers from developing countries and international cooperation with emerging similar centers. The author presents proposals from the United States, Japan, Canada, Australia, South Africa and China to create new research centers in biofuels. Keywords Bioenergy. Biofuel. Ethanol. International experience. Science and technology. O Autor CYLON GONALVES DA SILVA fsico, professor emrito da Unicamp, esteve durante 15 anos (1986-2001) na direo do Laboratrio Nacional de Luz Sncrotron (LNLS). Foi, at recentemente, conselheiro da Associao Brasileira de Tecnologia de Luz Sncrotron (ABTLuS), Organizao Social criada para operar o Laboratrio Nacional de Luz Sncrotron (LNLS). Foi Secretrio de Polticas e Programas de Pesquisa e Desenvolvimento do Ministrio da Cincia e Tecnologia (MCT). E-mail: [email protected]

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A nova convergncia da cincia e da tecnologia*1Esper Abro CavalheiroIf the Cognitive Scientists can think it, the Nano people can build it, the Bio people can implement it, and the IT people can monitor and control it (Wallace citado por Roco e Bainbridge, 2002) A declarao quase potica acima foi feita por um dos participantes do simpsio intitulado Converging Technologies for Improving Human Performance, realizado em 2001, financiado pela National Science Foundation dos Estados Unidos da Amrica e organizado por Mihail C. Roco e William S. Bainbridge. A Convergncia Tecnolgica, tal como tratada nesse simpsio, refere-se combinao sinrgica de quatro grandes reas do conhecimento: a Nanotecnologia, a Biotecnologia, as Tecnologias da Informao e da Comunicao e as Cincias Cognitivas (Neurocincia), campos que vm se desenvolvendo com grande velocidade nas ltimas dcadas. Ao propor a possibilidade dessa Convergncia como uma realidade para o futuro prximo, os participantes desse encontro apontam para o fato de que cada uma dessas tecnologias, individualmente, j capaz de introduzir modificaes significativas na sociedade e no ambiente e que a combinao das quatro reas poder, portanto, trazer modificaes muito mais expressivas. Com foco no que seus participantes chamaram de novo renascimento da cincia e da tecnologia, o simpsio americano abordou vrias possibilidades para a aplicao da Convergncia, desde as tecnologias para o prolongamento da vida at aquelas dirigidas para o aprimoramento de funes mentais, incluindo o aumento da velocidade do aprendizado e da memorizao.

* Artigo publicado na revista Novos Estudos, do Centro Brasileiro de Anlise e Planejamento (Cebrap), vol. 78, 2007. 1 Este texto resultado de reflexes ocorridas no Centro de Gesto e Estudos Estratgicos (CGEE) como subsidio para seu estudo na rea da Convergncia Tecnolgica.

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A partir desse simpsio e do documento ali originado (Roco e Bainbridge, 2002) e que serviram, em boa medida, para determinar a presena da nova Convergncia nas pesquisas j em andamento e abrir o espectro de indagaes sobre suas possveis aplicaes futuras, vrias outras reunies cientficas se seguiram, principalmente na Europa, na tentativa de garantir espao adequado para a cincia e a tecnologia desenvolvidas do outro lado do Atlntico. Assim, em 2004, foi divulgado o documento resultante das discusses ocorridas no seio da Comunidade Europia em torno da nova Convergncia. Esse documento, que teve alguns ttulos intermedirios (Converging Technologies: Shaping the Future of European Societies ou Converging Technologies for a Diverse Europe ou ainda Converging Technologies for the European Knowledge Society CTEKS), evidencia a preocupao daquela Comunidade em no se envolver profundamente com os aspectos da Convergncia relacionados ao aprimoramento das funes humanas e, ao mesmo tempo, ressalta a presena mais marcante de valores humansticos e sociais na sociedade europia.

Assim, algumas definies ou significados foram atribudos a essa nova Convergncia Tecnolgica e algumas delas podem ser teis para compreender as diferentes abordagens que aliceram as vrias discusses que tm ocorrido em torno da mesma: Convergncia Tecnolgica compreende a combinao sinrgica de quatro grandes domnios da cincia e da tecnologia (NBIC

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nano-bio-info-cogno) que esto se desenvolvendo de forma muito rpida (National Science Foundation, Estados Unidos da Amrica, 2002). Convergncia se refere s mltiplas formas nas quais as nanotecnologias se combinaro, no futuro, com outras tecnologias e que refletiro sua genuna natureza interdisciplinar (The Royal Society & The Royal Academy of Engineering, Inglaterra, 2004). Convergncia Tecnolgica representa o conjunto de conhecimentos e tecnologias que se associam na busca de um objetivo comum. Essa abordagem foca a necessidade do estabelecimento de agendas ou metas comuns para a convergncia (High Level Expert Group, Comunidade Europia, 2004). O termo Tecnologias Convergentes se refere ao estudo interdisciplinar das interaes entre sistemas vivos e sistemas artificiais para o desenho de novos dispositivos que permitam expandir ou melhorar as capacidades cognitivas e comunicativas, a sade e a capacidade fsica das pessoas e, em geral, produzir um maior bem estar social (Consejo Superior de Investigaciones Cientficas, Espanha, 2005). Convergncia Tecnolgica um rtulo atual que aponta para a emergente interao entre reas de pesquisa e de desenvolvimento tecnolgico anteriormente separadas. Tal mudana resulta em novas possibilidades tecnolgicas do ponto de vista qualitativo com impactos potencialmente revolucionrios (Study Centre for Technology Trends, Holanda, 2006). Independentemente do significado atribudo Convergncia Tecnolgica, pode-se considerar a nanotecnologia como aquela cuja contribuio permite e facilita a interao entre os organismos vivos e os dispositivos desenhados pelo ser humano. Os efeitos dessa interao podem se manifestar tanto em nvel macroscpico (indivduos, sensores, sistemas de informao) como na escala nanomtrica (material gentico, nanotubos). Assim, os dois elementos-chave da Convergncia so a nooPARCERIAS ESTRATGICAS BRASLIA,DFN.26

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de interao e o desenho de dispositivos que atuam na interface entre organismos vivos e componentes do processo de informao. Nesse contexto, o termo Convergncia se refere s tendncias ou expectativas de sinergia no desenvolvimento dessas quatro reas tecnolgicas com o objetivo de refor-las e de, ao combin-las, criar novos campos de aplicao Desde sua concepo inicial, a Convergncia Tecnolgica evoluiu, principalmente no meio cientfico norte-americano, de uma tendncia para um movimento que procura acelerar a unificao das cincias com o objetivo de dar aos seres humanos uma vasta gama de poderosas opes tecnolgicas na medida em que ela no consiste apenas no mero agrupamento de reas com maior desenvolvimento no ambiente de cincia, tecnologia e inovao atual, mas na formao de um conjunto de teorias e de dispositivos completamente integrados. Entretanto, preocupaes relacionadas aplicao militar da tecnologia NBIC passaram, mais recentemente, a assumir papel significativo nas discusses internas daquele pas e revelaram importantes contornos ticos da questo. A seguir, esto colocadas algumas das possveis aplicaes prticas da nova Convergncia na perspectiva daquilo que vem sendo amplamente discutido nos ambientes internacionais: Melhoria da sade e da capacidade fsica humana: nanobioprocessadores para a pesquisa e o desenvolvimento de novas estratgias teraputicas, incluindo aquelas resultantes da bioinformtica, da genmica e da protemica; implantes de base nanotecnolgica e biossistemas regenerativos para substituir rgos humanos ou para monitorao do bem-estar fisiolgico; dispositivos em escala nanomtrica para a interveno mdica, plataformas multimodais para aumentar a capacidade sensorial, principalmente para os indivduos com dficits visuais e auditivos; interfaces crebro-crebro ou crebro-mquina; ambientes virtuais para o treinamento e a execuo de tarefas independentemente da escala fsica em que esto sendo realizados. Melhoria das relaes societais e de grupos sociais: remoo das barreiras de comunicao determinadas por incapacidade fsica, pela diferena de lnguas, pela distncia geogrfica e pelos26 PARCERIAS ESTRATGICAS BRASLIA,DFN.26

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diferentes nveis de conhecimento levando, assim, a um aumento na efetividade e na eficincia da cooperao entre ambientes educacionais, corporativos, de governo, e outros. Outras reas de aplicao incluem o aumento da produtividade e da criatividade, a engenharia cognitiva e desenvolvimentos relacionados a uma sociedade interconectada. Segurana nacional: devido s alteraes radicais na natureza dos conflitos humanos ocorridos recentemente, os servios de defesa nacionais podem ser fortalecidos a partir da Convergncia nas reas de antecipao de ameaas, na construo de veculos de combate teleguiados, na educao e no treinamento para a guerra, na elaborao de respostas adequadas s ameaas qumicas, biolgicas e fsicas; no desenvolvimento de novos sistemas de combate, no tratamento no-medicamentoso para aumentar o desempenho humano e nas aplicaes de interfaces entre os seres humanos e instrumentos ou dispositivos. Unificao da cincia e da educao: os desafios apresentados pelas novas tecnologias demandam transformaes radicais nos ambientes educacionais, desde o nvel elementar at a formao de ps-graduados. A convergncia de disciplinas previamente isoladas no pode ocorrer sem a emergncia de novos tipos de indivduos capazes de compreender, em profundidade, esses mltiplos campos e que possam, de forma inteligente, trabalhar para a sua integrao. Novos currculos e novas formas de instituies educacionais so necessrios. Expanso da cognio e da comunicao humana: deve-se atribuir alta prioridade aos esforos multidisciplinares que levam compreenso da estrutura, das funes, e do aprimoramento potencial da mente humana. Alm disso, deve-se priorizar o desenvolvimento de dispositivos para a interface sensorial pessoal, o enriquecimento das comunidades atravs de tecnologias humanizadas, aprender a aprender e aperfeioar instrumentos que facilitem a criatividade. Desta forma, sugere-se s agncias governamentais e ao setor privado que assumam como objetivo explorar o potencial da nova Convergncia Tecnolgica no aprimoramento do desempenho humanoPARCERIAS ESTRATGICAS BRASLIA,DFN.26

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e, em conseqncia, as alteraes revolucionrias que sua aplicao poder ter sobre a economia e a sociedade. Nesse aspecto, a nova Convergncia uma oportunidade mpar colocada na fronteira do conhecimento que ser desenvolvida no ambiente de cincia e tecnologia no decorrer das prximas dcadas e que permite antever inmeras novas conquistas para a humanidade. nesse aspecto que a Convergncia Tecnolgica tem sido identificada como o verdadeiro motor das iniciativas recentes de inovao, pois embora ela no se constitua em um verdadeiro programa de financiamento para a cincia e a tecnologia, essa nova Convergncia tem norteado grandes programas nacionais, tais como a Iniciativa Nacional de Inovao do governo americano, aqueles direcionados nanomedicina e nanobiotecnologia da Comunidade Europia e, mais recentemente, o programa de financiamento voltado para as interaes entre a rea da sade e as tecnologias de comunicao e informao proposto pelo governo canadense. Por outro lado, e como j observado antes a respeito da presena mais marcante de valores humansticos e sociais na sociedade europia, vrios estudos foram e continuam a ser realizados, principalmente em pases europeus, sobre os aspectos ticos, legais e sociais da Convergncia Tecnolgica (relatrio SIG-II). Especificamente nesse relatrio, nota-se uma preocupao particular com o fato de que a nova Convergncia no considera apenas os aspectos heursticos da nanocincia, mas oferece um conceito tecnolgico do humano e da natureza e que implica na quebra das fronteiras entre o humano, a natureza e os artefatos tecnolgicos e pressupe o ideal do aprimoramento, e este aprimoramento do ser humano e da natureza um grande desafio para a sociedade contempornea. Entre as questes morais e ticas relacionadas aplicao da nova Convergncia Tecnolgica, destacam-se as preocupaes quanto s relaes entre o humano e a natureza, entre o corpo e a mente e o esprito; existncia e o carter do livre arbtrio e seu impacto sobre os conceitos de responsabilidade moral e legal e delegao dessas mesmas responsabilidades a artefatos tecnolgicos; ao relacionamento entre entidades vivas e no-vivas; manipulao do cdigo gentico e suas conseqncias, entre outras. Tal como apontou Stehr, faz-se necessria a reflexo sobre as conseqncias da proliferao de novos conhecimentos cientficos e28 PARCERIAS ESTRATGICAS BRASLIA,DFN.26

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tecnolgicos para a sociedade contempornea e sobre a possibilidade de controlar o uso e o consumo desses novos conhecimentos. O argumento central desse autor baseia-se na necessidade de um novo campo de atividade poltica em sociedades modernas e democrticas que objetivem regular o desenvolvimento e o uso do avano recente da cincia e da tecnologia. Para ele, o uso instantneo e irrestrito do novo conhecimento no mais possvel se que j o foi em funo de seus possveis efeitos sobre a vida. Entretanto, o prprio Stehr se questiona sobre o que, como e quem pode estar envolvido nessa regulamentao. Outras vises dentro da agenda da Convergncia Tecnolgica tm proposto o uso do princpio da pr-ao em substituio ao princpio da precauo que, atualmente, tem sido invocado na regulao da cincia e da tecnologia. O princpio da pr-ao baseia-se na necessidade de que os benefcios alcanados devem ultrapassar os possveis danos resultantes do uso da nova Convergncia. Neste princpio estariam includas as leis de responsabilidade limitada para a aplicao das novas tecnologias e a liberalizao das condies que permitem aos indivduos se apresentarem voluntariamente para tratamentos inovadores. Entretanto, uma das melhores possibilidades para o tratamento adequado do assunto seria, como j anunciado nos documentos europeus, a ocorrncia de uma Convergncia mais ampla, na qual as cincia naturais integradas com as cincias humanas e sociais, pudessem trabalhar as relaes ticas e legais da Convergncia desde os estgios mais iniciais de sua elaborao como programa de cincia, tecnologia e inovao. Tal como apontou Gordijn (2006), caso as perspectivas futuras de aplicao da nova Convergncia Tecnolgica no aprimoramento humano se concretizem, estaremos realmente entrando em uma nova era que testemunhar o uso generali-

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zado da Convergncia na transformao de nossa biologia com o propsito de aumentar o nosso desempenho. Especialmente neste caso, com lembra esta autora, a reflexo tica no dever esperar at que as pesquisas estejam completas e que seus efeitos sejam descobertos na prtica. Em paralelo a essas discusses, outro importante segmento das sociedades desenvolvidas comea a se preparar para essa nova onda que ocorre no ambiente de cincia, tecnologia e inovao e que est relacionado aos novos produtos oriundos da Convergncia Tecnolgica e seus mercados, seu papel no crescimento econmico tanto nos pases com maior tradio no uso do conhecimento como base da economia bem como naqueles considerados emergentes neste aspecto; ao redirecionamento das indstrias j existentes; ao surgimento de novas modalidades de empresas, etc. As novas tecnologias acabam sempre por induzir uma mais vigorosa competitividade entre as empresas, como tem sido observado no recente campo da convergncia digital, com o rpido crescimento de produtos e servios dela resultantes. Embora isto no seja novo, o fenmeno mais recente indica o quanto as novas tecnologias so capazes de romper com os limites tradicionais das indstrias ao promoverem uma realocao dramtica de segmentos do mercado e ao fazerem com que empresas que anteriormente atendiam a segmentos diferenciados passem a competir pelos mesmos consumidores. Pode-se, portanto, imaginar qual o impacto que a nova Convergncia poder ter nos novos mercados atravs de produtos e servios no s direcionados para a soluo de questes que afligem a humanidade, mas, principalmente, daqueles que serviro para o aprimoramento de suas funes cognitivas. As perspectivas abertas pela Convergncia Tecnolgica so imensas. No so menores os temores que ela inspira para os mais pessimistas. Seus desafios parecem atrair, atualmente, os melhores crebros do mundo e mobilizar paixes intensas assim como extensos interesses. Estaremos diante de uma ferramenta capaz de tornar o mundo melhor e mais humano ou essa ser a verso hi-tech que ecoa a tentao bblica do sereis como deuses? Os programas e projetos da nova Convergncia Tecnolgica e suas aplicaes conseguiro que os esforos titnicos de equipes de cientistas consigam, finalmente, por em mos humanas o fogo dos deuses para fazer que o progresso tecnolgico seja sinnimo de vidas mais felizes, trazendo assim para a histria o mito de Prometeu sem o castigo das correntes ou correremos o risco de repetir a30 PARCERIAS ESTRATGICAS BRASLIA,DFN.26

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saga trgica do Dr. Victor Frankenstein criado por Mary Shelley que, bom lembrar, escolheu para subttulo de seu livro o moderno Prometeu? O certo que a Convergncia Tecnolgica abre possibilidades e encerra dilemas ticos importantes demais para que seu monoplio pertena a quem quer que seja, inclusive a cientistas. Deve, portanto, interessar, implicar e mobilizar a todos. Porque, para alm de ser um tema de interesse para a cincia de ponta, certamente pressupe dimenses de uma nova cidadania planetria.REFERNCIAS BAINBRIDGE, William S.; ROCO, Mihail C. (Ed.). Managing nano-bio-infocogno innovations: converging technologies in society. Dordrecht: Springer, 2006. BERNOLD, Thomas (Org.). Converging technologies for a diverse Europe. Bruxelas: European Commission report. 2004. BIBEL, W. (Org.). Converging technologies and the natural, social and cultural world. Bruxelas: European Commission HLEG Foresighting the New Technology Wave, 2004. Special interest group-report. CONSEJO SUPERIOR DE INVESTIGACIONES CIENTFICAS. El desafo de la convergncia de las nuevas tecnologas (Nano-Bio-Info-Cogno). Barcelona, 2005. DOORN, Maurits (Ed.). Converging technologies: innovation patterns and impacts on society. [S.l.: s.n.], 2006. The Netherlands Study Centre for Technology Trends report. NORDMANN, Alfred (Org.). Converging technologies: shaping the future of European societies. Bruxelas: European Commission HLEG Foresighting the New Technology Wave, 2004. RINGLAND, Gill (Org.). Economic effect of converging technologies. Bruxelas: European Commission HLEG Foresighting the New Technology Wave, 2004. Special interest group III-report. ROCO, Mihail C.; BAINBRIDGE, William S. (Ed.). Converging technologies for improving human performance: nanotechnology, biotechnology, information technology and cognitive sciences. Arlington: [s.n.], 2002. NSF/DOCsponsored report. SHELLEY, Mary. Frankenstein. Oxford: [s.n.], 2001. STATMAN, J. (Org.). Ethical, legal and societal aspects of the converging technologies (NBIC). Bruxelas: European Commission HLEG Foresighting the New Technology Wave, 2004. Special interest group II-report.

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STEHR, Nico. Knowledge politics: governing the consequences of science and technology. Boulder: Paradigm Publishers, 2005. THE ROYAL SOCIETY; THE ROYAL ACADEMY OF ENGINEERING. Nanoscience and nanotechnologies: opportunities and uncertainties. Londres, 2004.

Resumo A ao sinrgica de quatro campos cientficos e tecnolgicos, os quais apresentam crescimento acelerado nas ltimas dcadas, isto , a nanotecnologia, a biotecnologia, as tecnologias de comunicao e informao e as cincias cognitivas (neurocincia), tem sido intitulada de Convergncia Tecnolgica. Este artigo faz uma reviso das principais discusses que vm ocorrendo no seio da comunidade cientfica internacional sobre o desenvolvimento dessa nova Convergncia e assinala para a necessidade de uma abordagem mais ampla, para alm daquela restrita ao ambiente das cincias naturais, com a incluso das cincias humanas e sociais e outros fundamentais atores da sociedade contempornea. Palavras-chave Convergncia tecnolgica. Nanotecnologia. Biotecnologia. Tecnologias da informao e da comunicao. Neurocincias. Abstract The synergistic combination of four major fields of science and technology which are progressing at a rapid rate, i.e., nanotechnology, biotechnology, information and communication technologies, and cognitive science including neurosciences, is known as Convergent Technologies. This paper reviews the recent impact of this Convergence on S&T&I environments and points out to the need of amplifying the discussions to include humanities and social sciences and other important actors of contemporary societies. Keywords Converging Technologies. Nanotechnology. Biotechnology. Information and Communication Technologies. Neurosciences. O Autor ESPER ABRO CAVALHEIRO assessor da Presidncia do Centro de Gesto e Estudos Estratgicos (CGEE) e professor titular de Neurologia Experimental da Universidade Federal de So Paulo (Unifesp). E-mail: [email protected]

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Patentes e biotecnologia aceleram o crescimento da agricultura brasileiraRoberto Castelo Branco Adriana Vieira

1. INTRODUOA economia brasileira nas ltimas dcadas passou por transformaes que apontam na integrao crescente de sua atividade produtiva e de seus mercados aos mercados internacionais. Tal tendncia demanda crescente articulao intra e entre setores na busca por ganhos de competitividade sistmica. O agronegcio brasileiro vem apresentando resultados significativos na contribuio ao saldo da balana comercial que dependem, de forma crescente, de que um amplo conjunto de instituies funcione de maneira adequada e articulada. Tendo registrado crescimento por sete anos consecutivos, o saldo da balana comercial do agronegcio brasileiro atingiu a marca histrica de US$ 49,7 bilhes em 2007, segundo dados do Ministrio da Agricultura e Pecuria (Mapa) anunciados em janeiro de 2008. No perodo de 2000 a 2007 o resultado da balana comercial subiu 235,8%. Somente as exportaes acumulam alta de 183%, fechando em US$ 58,4 bilhes em 2007. Os produtos que apresentaram maior crescimento no perodo foram carnes (464,2%) e soja (171,3%) 1. A agricultura brasileira obteve padres de excelncia e competitividade que foram se impondo a partir do processo de internacionalizao do agronegcio. A situao atual tributria do que ocorreu na dcada de 1970, quando necessitou da implementao de polticas pblicas ativas para a viabilizao do salto tecnolgico centrado no melhoramento gentico e na intensificao do uso de insumos1

Disponvel em:. Acesso em: 15/01/2008.

Roberto Castelo Branco & Adriana Vieira

modernos: polticas de crdito rural; de assistncia tcnica pblica, de pesquisa e desenvolvimento apropriados agricultura tropical e polticas de implantao de indstrias de insumos bsicos (fertilizantes, corretivos, defensivos agrcolas, etc.). Segundo Salles Filho e Bonacelli (2003) 2, todo o chamado pacote tecnolgico da agricultura produtivista, desenvolvido e ofertado no mundo desde os anos 1960, tem a tecnologia biolgica como ponto de convergncia e referncia e a semente como o principal veculo do pacote tecnolgico da agricultura. O mercado mundial requer avidamente mais inovaes o que resulta em demanda crescente de investimentos em pesquisa. Por essa razo, alm do investimento pblico, a pesquisa ir exigir o aporte de financiamentos privados e isto dever ser mais acentuado no setor da biotecnologia. Tanto na agricultura como na agroindstria, a adoo da nova base tecnolgica caracterizada pela introduo da biotecnologia moderna em programas de melhoramento gentico, num primeiro momento foi desenvolvida com o objetivo de reduzir os custos de produo e de ampliar ganhos mediante o desenvolvimento de variedades vegetais resistentes a pragas ou tolerantes a pesticidas. Num segundo momento as pesquisas avanaram no sentido de aumentar o valor nutricional dos alimentos, enriquecendo-os com vitaminas ou programando-os para uma determinada funo em relao sade humana. A terceira fase objetiva desenvolver pesquisas para criao de produtos agrcolas que combatam doenas infecciosas, atravs de plantas que produziro alimentos-vacina, munidas de antgenos capazes de combater doenas, aumentando a relao entre alimentao e sade (KUNISAWA, 2004). Neste novo cenrio, a propriedade intelectual assume papel cada vez mais importante nas sociedades contemporneas, cujo desenvolvimento est associado ao progresso tecnolgico e capacidade criadora e empreendedora dos indivduos e das empresas. Ao longo do sculo 20, as mudanas no cenrio poltico regional e mundial, as novas tecnologias, em especial as biotecnolgicas, e a abertura e maior integrao das economias mundiais provocaram uma verdadeira2

Disponvel em: Acesso em: 09/01/2008.

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revoluo nas legislaes de propriedade intelectual. A propriedade intelectual era tradicionalmente associada produo e criao de obras artsticas, estendendo-se para contemplar o conjunto de atividades fruto da criatividade e do engenho humano. No Brasil, a promulgao da Lei de Propriedade Intelectual de maio de 1996 iniciou uma nova etapa de valorizao da inovao, provocando um aprendizado contnuo para um pas que dedicava pouca ateno para a proteo, apesar de ser um dos onze pases fundadores da Conveno de Paris em 1883. Na rea agrcola foram realizadas diversas pesquisas de melhoramento gentico de plantas visando obteno de atributos favorveis s necessidades de diferentes segmentos da cadeia agroalimentar: sementes resistentes a pragas ou a defensivos qumicos; sementes com resistncia a pragas e doenas; produtos com resistncia ao transporte e estocagem (maior durabilidade no mercado) e produtos com atributos nutricionais (alimentos saudveis) e produtos com maior qualidade (aparncia, cor, sabor, tamanho). A aplicao da moderna biotecnologia vem se mostrando essencial para assegurar a competitividade do Brasil nos mercados do agronegcio. A proteo da propriedade intelectual, tanto dos ativos biotecnolgicos como do seu usufruto, essencial para estimular investimentos e promover a inovao tecnolgica. A complexidade do sistema de proteo a ativos intangveis, objeto da Propriedade Intelectual, se reflete nas nuanas das legislaes nacionais e das regras internacionais. Tambm dela derivam as exigncias e custos envolvidos na busca da proteo e o debate sobre a assimetria da capacidade de inovao entre pases desenvolvidos e os demais. No Brasil esse debate resultou no estabelecimento de um arcabouo legal estimulador para o desenvolvimento da inovao de base biotecnolgica. Este trabalho, estruturado em sete sees, busca identificar a contribuio das patentes e da proteo da inovao biotecnolgica no crescimento econmico do Brasil nos ltimos anos, atravs da anlise do extraordinrio desenvolvimento da produo agrcola do pas. Aps a introduo, na segunda seo apresenta-se a produo de alimentos no Brasil: importador na dcada de 1960 e atualmente segundo maior exportador mundial; a terceira seo discorre sobre a acelerao da produo agrcola e o aumento das exportaes; a quarta seo introduz

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a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuria - Embrapa: a) sua criao e o foco no desenvolvimento de tecnologia em agricultura tropical, b) investindo na gerao e na proteo do conhecimento; a quinta seo discorre sobre o desafio do Cerrado; na sexta seo apresentam-se aspectos relevantes da propriedade intelectual: a) novas tendncias na agricultura confirmam o papel fundamental da propriedade intelectual; b) a proteo da biotecnologia no Brasil; c) patentes e registro de cultivares protegem a inovao da Embrapa em biotecnologia; d) o licenciamento de patentes e a proteo da inovao nas parcerias com empresas privadas nacionais e multinacionais; e) incubao de empresas; f) oramento de P&D da Embrapa e a importncia dos royalties. O trabalho se encerra com as consideraes finais.

2. PRODUO DE ALIMENTOS NO BRASIL: IMPORTADOR NA DCADA DE 1960E ATUALMENTE SEGUNDO MAIOR EXPORTADOR MUNDIAL

Aps a Segunda Guerra Mundial a natureza da atividade agrcola brasileira mudou consideravelmente. Entretanto, o germe dessa mudana j estava presente desde a dcada de 1930, atravs de polticas pblicas que estimulavam o crescimento econmico, principalmente do setor industrial. Conforme salienta Baer (2002), o principal fator de crescimento da produo de alimentos pode ser atribudo criao de uma massa trabalhadora urbana de classe mdia que precisava de quantidades cada vez maiores de alimentos. Nesse perodo de intenso desenvolvimento industrial as condies internas de comrcio foram desfavorveis ao setor agrcola. Isto sustentou a contnua formao e crescimento de capital dentro do complexo urbano-industrial e a agricultura permaneceu indiferente s oportunidades que se apresentavam. Embora ocasionalmente houvesse escassez de alimentos, o governo as resolvia por meio de importao ao invs de estimular o aumento da produo. Na dcada de 1960 a agricultura brasileira muda seu papel na economia nacional. As taxas de crescimento econmico comeam a declinar, evidenciando que a industrializao, por si s, no continuaria a ser um mecanismo eficiente de crescimento e desenvolvimento econmico. Tem incio uma lenta, mas constante, abertura da economia brasileira. H um aumento nas exportaes de produtos provenientes da agricultura (BAER, 2002).

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A determinao dos governos militares de tornar o Brasil uma potncia emergente e a disponibilidade externa de capital aceleraram e diversificaram o crescimento do pas entre 1968 e 1974, a chamada poca do milagre econmico. Na dcada de 1970 o PIB cresceu mais de 10% ao ano, ultrapassando em 1973 a marca de 14% no auge do perodo. Mesmo a exposio a choques externos no diminuiu esse crescimento. Nas crises mundiais do petrleo (1973 e 1979) as taxas de crescimento do PIB brasileiro permaneceram superiores s taxas mundiais. A alta internacional dos juros, aliada crise do petrleo, desacelerou a expanso industrial a partir de 1980. Nas duas ltimas dcadas do sculo passado a economia apresentou um padro irregular de crescimento. Neste perodo, o PIB e o PIB per capita apresentaram quedas significativas. A dcada de 80 foi dominada pelo endividamento externo e por uma acelerao das taxas de inflao. Uma das conseqncias desta Dcada Perdida foi a perda das fontes de financiamento do desenvolvimento e uma inflao cronicamente elevada. A crise de 1981/ 1984 foi a mais severa, com queda de 12% do PIB per capita, enquanto a de 1988/1994 a mais prolongada. A evoluo dos setores agrcola, industrial e de servios no PIB do Brasil, no decorrer do sculo 20, apresenta uma queda na participao da Agricultura (Grfico 1), de 45% em 1900 para cerca de 10% nas ltimas

Grfico 1. Participao (%) dos setores agrcolas, industriais e de servios no Produto Interno Bruto brasileiro.sFonte: elaborao prpria a partir de dados do Ipea (2005)

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dcadas. Inicialmente, esse queda foi compensada pela expanso da Indstria, que passou de 12% no incio do sculo at alcanar mais de 30% em meados da dcada de 1970. O setor de servios responde pelo restante, com ganhos de participao constantes ao longo do tempo, refletindo uma tendncia clssica do desenvolvimento mundial. J a indstria de transformao, setor lder at 1975, teve sua participao diminuda depois de 1985, caindo de 31,6% para 20,3% em 1995. Os setores que mais perderam participao na segunda metade do sculo foram agropecuria, comrcio e aluguis. Para dinamizar o setor agrcola foram institudas polticas de fomento que teve sua expanso a partir da criao do Sistema Nacional de Crdito Rural (SNCR) em 1965. O crdito subsidiado, com taxas de juros negativas, atingiu em muitos casos valores prximos a 40% ao ano. Isto desencadeou uma excessiva demanda por crdito, concomitantemente com uma abundante oferta de dinheiro. O valor total dos emprstimos alcanou, algumas vezes, cifras prximas do valor do produto interno da agricultura (FIGUEIREDO, 2003). frente desse novo movimento estava a cultura da soja na regio sul do pas, com aumento mdio da produo anual de 37,6% no perodo de 1966 a 1977. O Brasil tornou-se o terceiro maior produtor mundial e o segundo maior exportador de gro, farelo e leo de soja em meados da dcada de 1970. O sucesso que se manteve e a competitividade da soja brasileira decorrem, antes de tudo, de pesquisas e tecnologias inovadoras que adaptaram-na ao clima tropical. A biotecnologia iniciava sua grande vocao agrcola e os germoplasmas com perodo juvenil possibilitaram o cultivo de espcie originria de altas latitudes em regies equatoriais, com o uso apropriado de insumos, mecanizao, semeadura direta e, principalmente, a tcnica de construo do solo dos cerrados. Apesar do contnuo crescimento da soja nos anos 70, foi depois de meados da dcada de 90 que a produo de soja consolidou sua posio de destaque na economia brasileira (Grfico 2). O caso da soja representativo da evoluo da produtividade do setor agrcola (Grfico 3). Essa cultura, alm de consolidar a expanso da fronteira agrcola, apresentou considervel evoluo tecnolgica, ditada pelos requisitos da indstria processadora, consolidando tambm

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Grfico 2. Srie histrica rea plantada (hectares) nas regies brasileiras, perodo de 1961 a 2004.Fonte: Formulao prpria a partir dos dados da FAO

Grfico 3. Srie histrica de produtividade (quilos / toneladas-1) dos produtos agrcolas brasileiros, perodo de 1961 a 2004.Fonte: Formulao prpria a partir dos dados da FAO

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o conceito de agronegcio3. H que se considerar a importncia da indstria processadora oligopolisada, calcada na concentrao de capital e escala de produo, que determinou a padronizao da produo, a exemplo dos requisitos quanto ao teor de impurezas e de gua na massa dos gros. Essas exigncias e a governana da indstria processadora no sistema produtivo provocaram no s a incorporao de tecnologia, mas tambm a integrao dos agentes do sistema e a conseqente consolidao do conceito de agronegcio. Esse movimento da soja repercutiu inicialmente nos sistemas de carnes avcolas e sunas e, recentemente, bovinas, o que acarretou a sistematizao da produo de milho e sorgo na dcada de 1990. J na triticultura as polticas agrcolas das dcadas de 1980 e 1990 prejudicaram o agricultor brasileiro uma vez que beneficiavam a importao do trigo argentino. Houve uma reduo dos preos do produto e a formao de cartis pelos moinhos fez os preos ainda mais reduzidos. Para essa cultura, ainda nos dias atuais, h a necessidade de polticas mais estimulantes para que o agricultor possa optar pelo seu plantio. Na dcada de 1990 observa-se ainda o fortalecimento dos sistemas de produo da fruticultura e viticultura, notadamente na regio do semirido, e da cotonicultura, entre outros exemplos. A anlise dos gastos pblicos mostra que a dcada de 1980 foi caracterizada por uma proporo relativamente elevada do gasto pblico em agricultura em relao aos dispndios totais da Unio (Grfico 4). Essa relao situou-se em torno de 6,64% no perodo 1980 a 1988. No perodo de 1990 a 2001, o gasto pblico em agricultura caiu para 2,17% do gasto total do governo federal. Mais ainda, nos anos 2000 e 2001 essa relao situou-se por volta de apenas 1%. H, portanto, uma reduo drstica e significativa entre os anos da dcada de 1980 e os ltimos anos. Tal diminuio se torna ainda maior quando computados os pagamentos de compromissos tais como os do Programa de Apoio ao Setor Sucro3

O conceito de agronegcio foi proposto por Goldberg (1970). Ele deriva do sistema de planejamento adotado nas economias socialistas, notadamente a matriz Insumo e Produto, e prope a anlise do setor considerando suas ligaes com os setores industrial e de servios nas atividades precedentes e posteriores produo agrcola propriamente dita.

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Alcooleiro (Proasal), Conta Trigo, Estoques Reguladores e Poltica de Garantia de Preos Mnimos aos gastos do Oramento Fiscal. Esses foram computados no Oramento Monetrio at 1987 e transferidos para o Oramento Fiscal a partir de janeiro de 1988. Em alguns anos, os recursos do Oramento Monetrio alocados na agricultura chegaram a ser substancialmente superiores queles alocados por meio do Oramento Fiscal (GASQUES & VILLA VERDE, 1988). A comparao das taxas anuais de crescimento da despesa global do governo, do Produto Interno Bruto (PIB) e dos dispndios em agricultura mostra que as despesas globais cresceram a taxas muito superiores s do PIB e s dos dispndios do setor agrcola. No perodo 1980-2001, as taxas mdias de crescimento, calculadas a partir das informaes contidas na Tabela 1 e Tabela 3 foram as seguintes: despesa global da Unio ............ 11,25% a.a. Produto Interno Bruto (PIB ....... 2,37% a.a. gastos no setor agrcola ............... 2,42% a.a.

Grfico 4. Proporo dispndios gasto pblico em agricultura x dispndio total da Unio (1980 2001).Fonte: elaborao prpria a partir dados GASQUES & VILLA VERDE, 1988

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3. A ACELERAO DA PRODUO AGRCOLA E O AUMENTO DAS EXPORTAESAs polticas de crdito agrcola do perodo 1980-2001 resultaram em aumentos considerveis de produtividade do capital, da mo-de-obra e da terra, destacando-se, por sua vez, os ganhos cada vez mais significativos obtidos em conseqncia dos avanos nas atividades de pesquisa e desenvolvimento na dcada de 1990. A abertura comercial e os investimentos do agronegcio brasileiro em pesquisas agrcolas por melhores qualidades de sementes e novas tecnologias de produo, realizadas principalmente pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuria (Embrapa), Instituto Agronmico de Campinas (IAC), Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq/USP), Empresa de Pesquisa Agropecuria de Minas Gerais (Epamig) e Instituto Agronmico do Paran (Iapar) resultaram na disponibilidade de insumos agrcolas modernos. Estes resultados, juntamente com as polticas de crdito, a crescente integrao do setor agropecurio com a indstria, a consolidao do agronegcio brasileiro e a poltica cambial, impulsionaram o setor para crescer e desenvolver-se no mercado externo. De acordo com o ranking global de exportaes da FAO, o Brasil ocupa o 3 lugar dentre os principais exportadores agrcolas mundiais, atrs somente dos Estados Unidos e da Unio Europia. No perodo de 1990 e 2003 a taxa mdia de crescimento das exportaes agrcolas do Brasil foi 6,3%, o que o elevou terceira posio deste prestigioso ranking. Os EUA, na primeira posio, registraram um crescimento mdio de 2%, a Unio Europia -15, segunda colocada, obteve uma expanso de 2,7%, a China, de 4,4%, a Austrlia, de 2,6%, o Canad, de 4,9%, a Argentina, de 5,3% (JANK, NASSAR & TACHINARDI, 2006)4. Na verdade a terceira posio representa o segundo lugar em virtude dos dados da Unio Europia corresponder ao consolidado de seus pases membros. esta conquista que fortalece a capacidade negociadora do Brasil na Rodada de Doha da OMC, liderando a criao do G-20 juntamente com a ndia.

4

Disponvel em: http://www.granos.agr.br/stored/1202821722_85335.pdf. Acesso em: 20/ 12/2007.

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Todavia, foi nos ltimos seis anos que ocorreu uma forte acelerao das exportaes do agronegcio brasileiro. Em 2006 as exportaes atingiram a cifra de US$ 49,4 bilhes, partindo de uma base de US$ 20,6 bilhes em 2000. Isto representa um acumulado de 140% e um crescimento anual sem precedentes de 15,7%. J em 2007, no primeiro semestre, as exportaes cresceram 25% comparadas com o mesmo perodo de 2006. Mantido esse ritmo de crescimento no segundo semestre, as exportaes de 2007 devero atingir a cifra de US$ 60 bilhes (LOPES et al, 2007) (Grfico 5). Em 2007 o superavit comercial do agronegcio brasileiro correspondeu a 124% do saldo final da balana comercial brasileira. A agricultura tambm responsvel por 33% do Produto Interno Bruto (PIB), por 42% das exportaes totais e por 37% dos empregos gerados, segundo dados do Ministrio da Agricultura, Pecuria e Abastecimento (Mapa). essa magnitude, aliada grande diversidade da sua produo (Grfico 6), que consolida a posio do Brasil dentre os maiores produtores agrcolas do mundo. Dados da Conab e do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica (IBGE) estimam uma colheita de 134,8 milhes de toneladas para safra agrcola brasileira de 20075. Mesmo com a projetada reduo de 0,5% em relao safra anterior, a soja mantm a liderana entre os gros com 58,1 milhes toneladas. Outra cultura que se destaca a do milho primeira safra, que deve ficar em 37,3 milhes toneladas, ou 2% superior ao ano de 2006. O caroo de algodo alcanou desempenho satisfatrio, com 2,5 milhes toneladas, acrscimo de 3,9%. J o feijo primeira safra apresenta queda de 2,4% e deve ficar em 1,5 milhes de toneladas devido s baixas precipitaes pluviomtricas, seguidas de estiagens prolongadas e baixas temperaturas nos estados produtores, na poca do plantio (agosto e setembro)6.

5 6

Disponvel em: http://www.conab.gov.br/conabweb/. Acesso em: 20/12/2007. Idem.

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Grfico 5. Balana Comercial do Agronegcio Brasileiro (1990-2006)Fonte: Secex e FAO / Icone / Mapa

Alm de liderar diversos produtos, o Brasil tem posio privilegiada na produo de alguns outros itens, notadamente na produo de carne de frango7, de bovino e de suno (Grfico 7). No setor de carne bovina, computada as recentes aquisies no exterior, os frigorficos brasileiros alcanaram o equivalente a 51% das exportaes mundiais de carne que no ano de 2006 somaram 7,1 milhes de toneladas. As vendas externas a partir do Brasil que devem fechar em 2,5 milhes de toneladas em 2007 , representam cerca de 35% do mercado mundial. No perodo de 2000 a 2006, os setores da pauta de exportaes brasileiras que mais cresceram foram os setores de carnes (23,2%), sucroalcooleiro (22,7%), soja (17,7%) e produtos florestais (12%). Esses setores foram responsveis por 75% do incremento das exportaes do agronegcio brasileiro. Outros setores que tambm contriburamA avicultura brasileira tem uma excelente posio no cenrio internacional. Segundo o United States Departament of Agriculture (USDA) o Brasil o produtor que possui o menor custo mundial de produo. Alm do aumento significativo do consumo interno, a produo nacional atende o mercado externo com grande dinamismo e qualidade, sendo o maior exportador de carne de frango do mundo (LIMA, VIEIRA JR & BELIK, 2006).7

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significativamente foram caf (5,5%), couros (4,6%), fumo (3,2%), cereais (2,3%), fibras e produtos txteis (1,9%), sucos de frutas (1,7%) e frutas (1,2%) (LOPES et al, 2007), conforme Tabela 1.

Grfico 6. Evoluo da produo agrcola brasileira, perodo 1990/2005Fonte: Elaborao prpria a partir de dados do Mapa

Grfico 7. Evoluo da produo de carne frango, bovino e suno no Brasil perodo 1990/2005.Fonte: Elaborao prpria a partir de dados do Mapa

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Tabela 1. Exportao do Agronegcio por setores perodo 2000-2006EXPORTAES (US$ MILHES) PRODUTOS Complexo Soja Carnes Produtos Florestais Complexo Sucro-alcooleiro Couro, produtos de couro e peleteria Caf Fumo Suco de Fruta Fibra e produtos txteis Frutas (nozes e castanhas) Cereais, farinhas e preparaes Demais produtos origem vegetal Pescados Cacau e seus produtos Demais produtos de origem animal Produtos alimentcios diversos Bebidas Ch mate e especiarias Lcteos Produtos oleaginosos (exceto soja) Animais vivos Raes para animais Produtos horticulas, leguminosas, razes e tubrculos Plantas vivas e produtos de fruticultura Produtos apcolas Total 2000 4.194 1.957 4.419 1.234 2.155 1.794 841 1.090 842 386 64 238 239 163 143 2002 6.006 3.195 4.270 2.263 2.328 1.385 1.008 1.096 858 383 322 353 343 207 150 2004 10.041 6.266 6.691 3.138 2.882 2.058 1.426 1.141 1.440 615 911 424 427 320 220 2006 9.308 8.641 7.881 7.772 3.471 3.364 1.752 1.570 1.389 733 722 562 368 362 315 VARIAO (2000/2006) 121,9 341,5 78,3 529,8 61,0 88,5 108,2 44,0 64,9 89,7 1.023,7 136,1 53,9 122,0 121,0 2000 20,37 21,46 21,46 5,99 10,47 8,66 4,09 5,29 4,09 1,88 0,31 1,16 1,16 0,79 0,69 PARTICIPAO (%) 2002 24,19 17,20 17,20 9,11 9,38 5,58 4,06 4,41 3,45 1,54 1,30 1,42 1,38 0,83 0,60 2004 25,75 17,16 17,16 8,05 7,39 5,58 3,66 2,93 3,69 1,58 2,33 1,09 1,09 0,82 0,56 2006 18,83 15,95 15,95 15,72 7,02 5,28 3,54 3,18 2,81 1,48 1,46 1,14 0,74 0,73 0,64

141 364 119 16 60 6 61

158 131 130 42 63 5 35

281 169 133 114 114 19 50

298 205 171 169 98 89 73

111,6 -43,5 44,3 985,2 62,1 1.473,9 20,1

0,68 1,77 0,58 0,08 0,29 0,03 0,30

0,64 0,53 0,52 0,17 0,25 0,02 0,14

0,72 0,43 0,34 0,29 0,29 0,05 0,13

0,60 0,42 0,35 0,34 0,20 0,18 0,15

53

52

50

53

0,3

0,26

0,21

0,13

0,11

12 9 20.592

15 29 24.826

24 50 30.003

30 28 49.424

149,4 211,4 140,0

0,06 0,01 100%

0,06 0,12 100%

0,06 0,13 100%

0,06 0,06 100%

Fonte: Agrostat Brasil a partir dos dados Secex/MDIC /LOPES et al, 2007

A despeito do considervel peso destes produtos na produo agrcola nacional, deve-se observar que as produes de algodo, banana, melo e uva tm aumentado significativamente. (Grfico 8). Esses resultados indicam que essas culturas tm futuro promissor na agricultura nacional e, portanto, merecem ateno especial dos programas de P&D das empresas pblicas e privadas. No obstante essa nfase, de modo algum se sugere arrefecer os esforos de P&D em outras culturas46 PARCERIAS ESTRATGICAS BRASLIA,DFN.26

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igualmente importantes, como arroz, cana-de-acar, caf, feijo, laranja, milho e soja. So tambm promissoras as culturas de girassol, mamona e de pinho manso8.

Grfico 8. Evoluo histrica da produtividade dos produtos agrcolas brasileiros. Perodo de 1990/2005.Fonte: Elaborao prpria a partir de dados do Mapa

Com esta elevada gama de produtos competitivos, o agronegcio brasileiro cada vez mais importante para a economia do pas. Alm de gerar empregos, desenvolver novas tecnologias de produo, gerar capital excedente, produzir alimentos e contribuir para o equilbrio do meio ambiente, o setor tem sido de primordial importncia para o equilbrio externo das contas brasileiras, ou seja, a insero do agronegcio brasileiro no comrcio internacional no tem apenas favorecido os produtores nacionais. A conquista de novos mercados e a busca contnua8 Segundo noticia do jornal Gazeta Mercantil de 11/12/2007, o pinho manso a nica matriaprima com viabilidade econmica para produo de biodiesel no Brasil. Neste sentido, foi firmada uma pareceria para desenvolvimento de um projeto suo-brasileiro entre o Instituto Volta ao Campo (IVC), uma instituio sem fins lucrativos que tem como objetivo promover a assistncia para a agricultura familiar e assessorar empreendedores que desejam investir no mercado de biodiesel, e a sua Global Agricultural Resources (GAR). Esta parceria tem como meta produzir pinho manso em 50 mil hectares dentro de cinco anos no Estado de Minas Gerais.

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