Paralisia facial periférica traumática bilateral associada ... · O segmento labiríntico do...

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Paralisia facial periférica traumática bilateral associada a paralisia unilateral de nervo abducente: relato de caso Bruno Higa Nakao 1 Jose Santos Cruz de Andrade 2 Andrei Borin 3 Jose Ricardo Gurgel Testa 4 1) Residente do Terceiro Ano de Otorrinolaringologia. Médico Residente em Otorrinolaringologia. 2) Residente do Terceiro Ano em Otorrinolaringologia. 3) Doutor em Otorrinolaringologia pela UNIFESP-EPM. Professor substituto do Departamento de Otorrinolaringologia e Cirurgia de Cabeça e Pescoço da UNIFESP-EPM 4) Doutor em Otorrinolaringologia pela UNIFESP-EPM. Professor Adjunto do Departamento de Otorrinolaringologia e Cirurgia de Cabeça e Pescoço da UNIFESP-EPM Instituição: Universidade Federal de São Paulo UNIFESP-EPM. São Paulo / SP - Brasil. Correspondência: Bruno Higa Nakao - Rua Borges Lagoa, 512, 174c - Vila Clementino - São Paulo / SP - Brasil - CEP: 04038-000 - E-mail: [email protected] Artigo recebido em 31/08/2013; aceito para publicação em 22/11/2017; publicado online em 28/12/2017. Conflito de interesse: não há. Fonte de fomento: não há. Relato de Caso Bilateral traumatic facial paralysis associated a unilateral abducens nerve injury: case report RESUMO Introdução: A paralisia facial periférica traumática (PFPt) está associada a fraturas de osso temporal por acidentes de alta energia com incidência bastante variável (7-50%), porém os casos bilaterais são raros. A associação com disfunção do nervo abudcente torna esta entidade ainda mais incomum. Objetivo: Relatar um caso de PFPt bilateral com paralisia de nervo abducente por traumatismo crânio-encefálico (TCE). Relato de caso: Homem, 37 anos, com TCE grave submetido à drenagem de hematoma extradural esquerdo evoluindo com PFP bilateral de início indefinido. Após 23 dias do pós-operatório, referiu otalgia com otorreia esquerda e diplopia. Realizada exploração de nervo facial esquerdo via transmastoídea com transposição de bigorna após eletromiografia da face (30º dia TCE) apresentar ausência completa de resposta motora esquerda e parcial direita. Consideraçõe finais: Observamos um caso raro que ilustra a complexidade de pacientes com fraturas de base de crânio associados a complicações vascular (hematoma extradural), neural (PFP bilateral com paralisia do abducente) e infecciosa (mastoidite). Descritores: Paralisia Facial; Traumatismo do Nervo Abducente; Traumatismos do Nervo Facial. ABSTRACT Introduction: The traumatic peripheral facial paralysis (PFPt) is associated with fractures of temporal bone by accidents of high- energy impact quite variable (7-50%), but bilateral palsys cases are rare. The association with abducens nerve dysfunction turns this even more unusual entity. Objective: To report a case of bilateral PFPt associated a abducens injury for traumatic skull base. Case Report: Male, 37 years, with several traumatic brain injury (TBI) referred to the extradural hemorrhage drainage bilateral PFP beginning evolving with undefined. After 23 days postoperative, the patient referred otalgia and otorrhea left and diplopia. Held left facial nerve exploration by approach transmastoid with transposition of anvil after facil electromyography (30th day TBI) provide complete absence of left and right partial motor response. Final considerations: we observed a rare case that illustrates the complexity of patients with skull base fractures associated with vascular complications (extradural hematoma), neuronal (bilateral PFP, abducens), and infectious (mastoiditis). Key words: Facial Paralysis; Abducens Nerve Injury; Facial Nerve Injuries. INTRODUÇÃO Paralisia facial periférica (PFP) ocorre em 7% a 10% dos pacientes com fratura de osso temporal. Estas são comumente classificadas em três tipos: longitudinais, transversas e mistas, a depender da localização da linha de fratura em relação ao maior eixo da pirâmide petrosa. As PFP associadas a fraturas de osso temporal são ainda classificadas em imediatas, quando notada na sala de emergência e tardias quando detectada de horas a dias (Hato, 2011). Quando paralisia facial grave ocorre imediatamente após o trauma, a intervenção cirúrgica está quase sempre indicada. Em contraste, quando a paralisia apresenta início tardio e mostra redução de amplitude do potencial menor que 90% na eletroneurografia (ENoG), boa recuperação está prevista mesmo sem intervenção cirúrgica. As indicações cirúrgicas ainda são controversas, principalmente por causa do número limitado de doentes, não permitindo uma avaliação estatística adequada. O tempo de realização da cirurgia também é de difícil padronização e a intervenção cirúrgica de descompressão do nervo facial pode ser eficaz em alguns pacientes mesmo que tardiamente (Rotondo, 2010). O nervo abducente é muito vulnerável a impactos cranioencefálicos, e sua lesão ocorre frequentemente Rev. Bras. Cir. Cabeça Pescoço, v.46, nº 4, p. 263-265, Outubro / Novembro / Dezembro 2017 ––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––– 263

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Paralisia facial periférica traumática bilateral associada a paralisia unilateral de nervo abducente: relato de caso

Bruno Higa Nakao 1 Jose Santos Cruz de Andrade 2

Andrei Borin 3 Jose Ricardo Gurgel Testa 4

1) Residente do Terceiro Ano de Otorrinolaringologia. Médico Residente em Otorrinolaringologia.2) Residente do Terceiro Ano em Otorrinolaringologia.3) Doutor em Otorrinolaringologia pela UNIFESP-EPM. Professor substituto do Departamento de Otorrinolaringologia e Cirurgia de Cabeça e Pescoço da UNIFESP-EPM4) Doutor em Otorrinolaringologia pela UNIFESP-EPM. Professor Adjunto do Departamento de Otorrinolaringologia e Cirurgia de Cabeça e Pescoço da UNIFESP-EPM

Instituição: Universidade Federal de São Paulo UNIFESP-EPM. São Paulo / SP - Brasil.

Correspondência: Bruno Higa Nakao - Rua Borges Lagoa, 512, 174c - Vila Clementino - São Paulo / SP - Brasil - CEP: 04038-000 - E-mail: [email protected] recebido em 31/08/2013; aceito para publicação em 22/11/2017; publicado online em 28/12/2017.Conflito de interesse: não há. Fonte de fomento: não há.

Relato de Caso

Bilateral traumatic facial paralysis associated a unilateral abducens nerve injury: case report

Resumo

Introdução: A paralisia facial periférica traumática (PFPt) está associada a fraturas de osso temporal por acidentes de alta energia com incidência bastante variável (7-50%), porém os casos bilaterais são raros. A associação com disfunção do nervo abudcente torna esta entidade ainda mais incomum. objetivo: Relatar um caso de PFPt bilateral com paralisia de nervo abducente por traumatismo crânio-encefálico (TCE). Relato de caso: Homem, 37 anos, com TCE grave submetido à drenagem de hematoma extradural esquerdo evoluindo com PFP bilateral de início indefinido. Após 23 dias do pós-operatório, referiu otalgia com otorreia esquerda e diplopia. Realizada exploração de nervo facial esquerdo via transmastoídea com transposição de bigorna após eletromiografia da face (30º dia TCE) apresentar ausência completa de resposta motora esquerda e parcial direita. Consideraçõe finais: Observamos um caso raro que ilustra a complexidade de pacientes com fraturas de base de crânio associados a complicações vascular (hematoma extradural), neural (PFP bilateral com paralisia do abducente) e infecciosa (mastoidite).

Descritores: Paralisia Facial; Traumatismo do Nervo Abducente; Traumatismos do Nervo Facial.

AbstRAct

Introduction: The traumatic peripheral facial paralysis (PFPt) is associated with fractures of temporal bone by accidents of high-energy impact quite variable (7-50%), but bilateral palsys cases are rare. The association with abducens nerve dysfunction turns this even more unusual entity. objective: To report a case of bilateral PFPt associated a abducens injury for traumatic skull base. case Report: Male, 37 years, with several traumatic brain injury (TBI) referred to the extradural hemorrhage drainage bilateral PFP beginning evolving with undefined. After 23 days postoperative, the patient referred otalgia and otorrhea left and diplopia. Held left facial nerve exploration by approach transmastoid with transposition of anvil after facil electromyography (30th day TBI) provide complete absence of left and right partial motor response. Final considerations: we observed a rare case that illustrates the complexity of patients with skull base fractures associated with vascular complications (extradural hematoma), neuronal (bilateral PFP, abducens), and infectious (mastoiditis).

Key words: Facial Paralysis; Abducens Nerve Injury; Facial Nerve Injuries.

Código 559

IntRoDução

Paralisia facial periférica (PFP) ocorre em 7% a 10% dos pacientes com fratura de osso temporal. Estas são comumente classificadas em três tipos: longitudinais, transversas e mistas, a depender da localização da linha de fratura em relação ao maior eixo da pirâmide petrosa. As PFP associadas a fraturas de osso temporal são ainda classificadas em imediatas, quando notada na sala de emergência e tardias quando detectada de horas a dias (Hato, 2011).

Quando paralisia facial grave ocorre imediatamente após o trauma, a intervenção cirúrgica está quase

sempre indicada. Em contraste, quando a paralisia apresenta início tardio e mostra redução de amplitude do potencial menor que 90% na eletroneurografia (ENoG), boa recuperação está prevista mesmo sem intervenção cirúrgica. As indicações cirúrgicas ainda são controversas, principalmente por causa do número limitado de doentes, não permitindo uma avaliação estatística adequada. O tempo de realização da cirurgia também é de difícil padronização e a intervenção cirúrgica de descompressão do nervo facial pode ser eficaz em alguns pacientes mesmo que tardiamente (Rotondo, 2010).

O nervo abducente é muito vulnerável a impactos cranioencefálicos, e sua lesão ocorre frequentemente

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por estiramento. A paralisia tem usualmente evolução benigna e resolução espontânea em 2 a 4 meses.

O objetivo desse trabalho é relatar um caso de paralisia facial bilateral traumática por fratura de osso temporal longitudinal a esquerda e transversal a direita, associada a paralisia de nervo abducente a esquerda.

RelAto De cAso

Paciente sexo masculino, 37 anos, com história de paralisia facial bilateral após queda da própria altura e evolução com trauma crânio-encefálico de alta energia um mês antes quando foi submetido a drenagem de hematoma extradural em outro serviço onde ficou internado por 20 dias. Após três dias de alta, deu entrada no pronto-socorro de ORL onde referiu otorreia purulenta não fétida associada à otalgia e hipoacusia em orelha esquerda e queixa de diplopia com paralisia do VI par, pior à esquerda.

Ao exame físico inicial: otoscopia – otorreia purulenta com abaulamento em parede posterior de conduto auditivo externo esquerdo (pólipo); paralisia facial periférica global grau IV (direita) e grau V (esquerda).

À audiometria apresentou perda condutiva leve à esquerda e normal à direita.

À tomografia computadorizada (TC) de ossos temporais demonstrava sinais de fratura transversa e longitudinal do osso temporal bilateralmente em região mastoídea e de gânglio geniculado.

Após nova internação hospitalar, realizou-se eletroneuromiografia que mostrou sinais de desnervação aguda bilateral, pior à esquerda com ausência de recrutamento de unidades motoras e reflexo do piscamento (“blink test”) sem resposta à esquerda.

O paciente então foi submetido a cirurgia de mastoidectomia a esquerda para descompressão de nervo facial após um mês e meio do início do trauma.

DIscussão

Paralisia facial periférica traumática bilateral é uma complicação extremamente rara do trauma craniofacial e é quase sempre secundária a trauma de alta energia a região cefálica e/ou fratura de osso temporal bilateral.

A incidência de lesão ao nervo facial é maior nas fratura transversas em comparação as fraturas longitudinais (40–50% vs. 15–20%) (Borges, 2007)

O segmento labiríntico do nervo facial é a porção mais curta e mais estreita do canal de falópio, onde o nervo facial é mais particularmente vulnerável ao trauma e edema. Nesse segmento, a irrigação é realizada por embebição, por essa ser uma região de transição entre o suprimento do sistema vertebral e o carotídeo.

Devido ao seu longo trajeto intracraniano, o nervo abducente é particularmente susceptível ao trauma. Paralisia unilateral do abducente tem sido descrita como complicação em 1 a 2,7% de todos os traumas cranianos. Em estudos de dissecção cadavérica em

Paralisia facial periférica traumática bilateral associada a paralisia unilateral de nervo abducente: relato de caso. Nakao et al.

Figura 1. TC osso temporal esquerdo com sinal de fratura longitudinal esquerda e fratura transversa direita em região mastoidea (corte axial).

Figura 2. TC osso temporal direito com sinal de fratura longitudinal direita (corte axial).

vítimas de trauma, a maioria das lesões de VI par se localizam na região petroclival, onde o nervo abducente possui 3 angulações: no ponto de entrada na dura-máter, no ápice petroso e no ponto de encontro com a carótida interna. Na ausência de uma fratura na região petrosa, o canal de Dorello é o local mais provável de lesão. Esse espaço triangular, definido pelo ápice petroso, processo clinoide posterior e ligamento petroesfenoidal de Gruber, é particularmente vulnerável a tração/estiramento (Pancko, 2010).

consIDeRAções FInAIs

A paralisia facial periférica traumática é uma entidade relativamente incomum e a bilateralidade é ainda mais rara. A lesão do nervo facial costuma estar presente principalmente nas fraturas transversas e o estiramento do nervo abducente em traumas de alta energia pode estar presente.

Por fim, a definição da conduta cirúrgica depende de exame de imagem para diagnóstico e mapear o foco da

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fratura assim como de eletroneuromiografia, se possível, para prognóstico do nervo facial.

ReFeRêncIA

1. Borges A, Casselman J Imaging the cranial nerves: part I: methodology, infectious and inflammatory, traumatic and congenital lesions. Eur Radiol 17:2112–2125, 2007.2. Pancko FX, Barrios TJ. Post-traumatic bilateral abducens nerve palsy and unilateral facial nerve palsy: a case report. J Oral Maxillofac Surg 68:1694-1697, 2010.

3. Hato N, Nota J, Hakuba N, Gyo K, Yanagihara N. Facial Nerve Decompression Surgery in Patients With Temporal Bone Trauma: Analysis of 66 Cases. J Trauma. 2011 Dec;71(6):1789-92.4. Rotondo M, DÁvanzo R, Natale M, Conforti R, Pascale M, Scuotto A. Post-traumatic peripheral facial nerve palsy: surgical and neuroradiological consideration in five cases of delayed onset. Acta Neurochir (2010) 152:1705–1709.

Paralisia facial periférica traumática bilateral associada a paralisia unilateral de nervo abducente: relato de caso. Nakao et al.

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