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1 PARAENSISMO: Antropologia, identidade cultural e mídia 1 Cleber Mendes do Nascimento 2 RESUMO Estudo antropológico que aborda a posição estratégica do programa Inconcert da TV Cultura do Pará nos movimentos cotidianos do grupo artístico que é escolhido para empreender a essencialização da identidade cultural a ser veiculada em tal mídia pública do Estado - primeiro governo estadual de Simão Jatene-PSDB/PA (2002-2006) - na resignificação do sentimento de pertença, nas formas de reabilitação das identidades paraenses diante de novos caminhos da mídia globalizada na mundialização, de modo a reestruturar um mosaico simbólico que possa ganhar o selo de autêntico produto cultural amazônico-paraense. Através do programa referido, o que se verifica _ nos esquemas de rearranjos identitários midiáticos _ é a interseção entre o global e o local na produção cultural, pois o contraponto da globalização da mídia é o estímulo das produções regionais causando uma polifonia de sentidos em torno da glocalização midiática. Palavras-Chave: Globalização; Glocalização; Identidade; Mídia. O campo está minado de possibilidades de pesquisa. Pesquisamos a música popular de 2003 a 2005, para a composição do trabalho de conclusão de curso intitulado O Popular e o Erudito na Música: um estudo a partir dos discursos e dos gestos visualizados nas técnicas violonísticas 3 . A leitura dos jornais da época, bem como entrevistas realizadas com artistas, produtores, técnicos da Rádio e TV Cultura do Pará e também professores da UEPA, UFPA e Conservatório Carlos Gomes da cidade de Belém do Pará, possibilitou perceber rearranjos representativos e idealizações imagéticas acerca do que deve possuir aura 4 nas reconstruções identitárias auferidas nos programas e 1 Trabalho apresentado no GT Nº 04 - Música, meios, media: convergências e divergências, durante o I CLIC: Culturas, Linguagens e Interfaces Contemporâneas, realizado na Universidade Federal do Pará, de 27 a 30 de setembro de 2011. 2 Bacharel e Licenciado em Ciências Sociais área de concentração em Antropologia - pela Universidade Federal do Pará, 2005. Especialista em Estudos Culturais da Amazônia pelo Núcleo de Meio Ambiente NUMA/UFPA, 2008. E-mail: [email protected] 3 Trabalho de conclusão de curso em Ciências Sociais com área de concentração em Antropologia pela Universidade Federal do Pará; 2005. 4 A palavra aura é utilizada no sentido benjaminiano tão somente para relatar a ação contraditória das mídias referidas de evocar, no paraensismo, através de novas técnicas de comunicação, a tradição, a autenticidade (o hic et nunc) enquanto testemunhos históricos ao passo que os produtos culturais rearranjados pelas mídias são

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PARAENSISMO:

Antropologia, identidade cultural e mídia 1

Cleber Mendes do Nascimento

2

RESUMO

Estudo antropológico que aborda a posição estratégica do programa Inconcert da TV Cultura

do Pará nos movimentos cotidianos do grupo artístico que é escolhido para empreender a

essencialização da identidade cultural a ser veiculada em tal mídia pública do Estado -

primeiro governo estadual de Simão Jatene-PSDB/PA (2002-2006) - na resignificação do

sentimento de pertença, nas formas de reabilitação das identidades paraenses diante de novos

caminhos da mídia globalizada na mundialização, de modo a reestruturar um mosaico

simbólico que possa ganhar o selo de autêntico produto cultural amazônico-paraense. Através

do programa referido, o que se verifica _ nos esquemas de rearranjos identitários midiáticos _

é a interseção entre o global e o local na produção cultural, pois o contraponto da globalização

da mídia é o estímulo das produções regionais causando uma polifonia de sentidos em torno

da glocalização midiática.

Palavras-Chave: Globalização; Glocalização; Identidade; Mídia.

O campo está minado de possibilidades de pesquisa.

Pesquisamos a música popular de 2003 a 2005, para a composição do trabalho de

conclusão de curso intitulado O Popular e o Erudito na Música: um estudo a partir dos

discursos e dos gestos visualizados nas técnicas violonísticas3. A leitura dos jornais da época,

bem como entrevistas realizadas com artistas, produtores, técnicos da Rádio e TV Cultura do

Pará e também professores da UEPA, UFPA e Conservatório Carlos Gomes da cidade de

Belém do Pará, possibilitou perceber rearranjos representativos e idealizações imagéticas

acerca do que deve possuir aura4 nas reconstruções identitárias auferidas nos programas e

1 Trabalho apresentado no GT Nº 04 - Música, meios, media: convergências e divergências, durante o I CLIC:

Culturas, Linguagens e Interfaces Contemporâneas, realizado na Universidade Federal do Pará, de 27 a 30 de

setembro de 2011. 2 Bacharel e Licenciado em Ciências Sociais – área de concentração em Antropologia - pela Universidade

Federal do Pará, 2005. Especialista em Estudos Culturais da Amazônia pelo Núcleo de Meio Ambiente –

NUMA/UFPA, 2008. E-mail: [email protected] 3 Trabalho de conclusão de curso em Ciências Sociais com área de concentração em Antropologia pela

Universidade Federal do Pará; 2005. 4 A palavra aura é utilizada no sentido benjaminiano tão somente para relatar a ação contraditória das mídias

referidas de evocar, no paraensismo, através de novas técnicas de comunicação, a tradição, a autenticidade (o hic

et nunc) enquanto testemunhos históricos ao passo que os produtos culturais rearranjados pelas mídias são

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shows produzidos pela Rádio e TV Cultura do Pará. Tais rearranjos e construções chamavam

a atenção por terem o cenário principal erigido por tais mídias e seguirem uma tendência

global que é a segmentação, a diversidade, o peculiar, nas programações de rádio e Tv, ou

seja, a valorização do local sendo realidade do mercado mundializante5. Outro aspecto que

chamava atenção era que tais rearranjos _ subjetivados _ estavam diretamente entremeados

com a construção da política paraense, através de diversos grupos sociais e, em especial, o

grupo artístico que era, a meu ver, o mais privilegiado e, por isso, assumia uma proximidade,

mesmo que pretensamente apolítica para alguns artistas, com o centro de poder e privilégio.

Essa proximidade se dava de forma mais veemente através de propagandas veiculadas na Tv

Cultura do Pará, na qual músicos influentes promoviam uma espécie de culto às ―benesses

culturais‖ que o referido governo proporcionava aos paraenses.

Por que estudar identidade cultural moldada na mídia?

Diante das observações feitas em campo, durante a pesquisa para o antecitado TCC,

ficam explicitas as possibilidades dos usos políticos das mídias referidas e de diversos grupos

sociais e, em especial, dos usos do grupo artístico que era escolhido para empreender a

essencialização da identidade cultural a ser veiculada nas mídias públicas do Estado do Pará

de modo a reestruturar um mosaico simbólico que pudesse ganhar o selo de autêntico produto

cultural amazônico-paraense e, o que se presume, a possibilidade do uso de um mesmo canal

midiático, por parte de músicos de posições sociais tão distintas, porém tão congruentes nas

aspirações de verem seus esforços artísticos divulgados e transformados em mercadorias

culturais na Rádio e TV Cultura do Pará.

Essa teia de relações de poder ocasiona trocas; liga os valores identitários que se

propagam na mídia referida a características ideológicas de um governo que é o maestro da

reconstrução identitária às quais se alude _ pois é mandatário dos canais midiáticos e das leis

de incentivo _ e consequentemente, a uma tendência de globalização da mídia apontada por

CASTELLS (1999:424), que é a de proporcionar produções locais possibilitadas pelas novas

tecnologias de mídias audiovisuais.

positivamente estandartizados nas transformações sociais constantes. Ver: BENJAMIN, Walter. A obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica. in:____A Idéia do Cinema. Rio de Janeiro: Ed. Civilização Brasileira,

1936. p. 55-95. 5 A palavra mundializante é cunhada pelo antropólogo Renato Ortiz para se referir ao caráter global da economia

e desterritorialização do capital, da cultura e da vida cotidiana. Ver: ORTIZ, Renato. Mundialização e Cultura.

São Paulo: Brasiliense, 1994.

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Tais curiosidades surgidas em campo, associadas à leitura de obras como as de Manuel

Castells (1999), Bourdieu (2002), Martín-Barbero (2001), Cosette Castro (2006), Ortiz (1994)

e Hall (2001), salientam para a necessidade de se conjugar as formas atuantes do que

Bourdieu (2002:120) anuncia como as ―propriedades ditas objetivas‖ _ que são as instituições

consagradas, o Estado, a língua, o sistema econômico _ com que o mesmo autor chama de

―propriedades subjetivas‖, ou melhor, é importante nos estudos das construções das verdades

fabricadas socialmente, clarificações da produção e reprodução das sensibilidades nas

―conjugações mentais‖ que ocasionam sentimento de pertença, de unidade, de identidade

cultural. Tal prenúncio investigativo serve para não incorrer no erro de se fazer uma análise

que se possa confundir com discursos partidários e revolucionários que vêem nas formulações

de identidade formas tão somente impostas pelas instituições dominantes e, sim, percorrer nos

estudos midiático e de identidade, as várias direções de emanação de poder que possibilitem

investigar com mais profundidade as relações de poder que segundo Foucault (1979:237)

estão entranhadas nas redes sociais.

A televisão como texto no contexto etnográfico

Carmem Rial (2004) propõe que o porto seguro para se entender essa teia de relações

que envolve a mídia, e mais especificamente a mídia televisiva, está nas etnografias, pois

como tal autora argumenta (2004: 51-52) ―Só através de etnografias junto a seus produtores,

textos e auditores se pode captar o modo como a televisão se insere no contexto social,

histórico e cultural contemporâneo.‖

É pouco provável que estudos sobre identidade e mídia não sustentem suas análises

em teóricos da tão aclamada pós-modernidade _ que funcionam como naipes instrumentais

em uma orquestra _ como Castells, Hall, Kellner, Harvey e outros, porém, a utilização _ em

um trabalho antropológico _ de teóricos que não são da Antropologia são conjugados a esse

diferencial antropológico nos estudos de mídia que são considerados como etnografias de

tela6. É o ferramental antropológico o regente desse processo investigativo. Tais etnografias

de tela enfatizam a busca minuciosa de contextos nos textos televisivos.

Contemporaneamente os estudos midiáticos correlacionados aos de identidade

possuem elementos polifônicos de análises possíveis na tentativa de uma melhor

contextualização das várias situações comunicacionais. É nesse sentido que abordagens como

6 Carmen Rial chama de etnografia de tela a metodologia que transporta para o estudo do texto da mídia

procedimentos próprios da pesquisa antropológica, como a longa imersão do pesquisador no campo (no caso, em

frente à televisão), a observação sistemática e o seu registro metódico em caderno de campo, etc.

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as análises de discurso e os estudos de recepção nos ajudam a melhor compreender

antropologicamente práticas culturais como as micro-políticas dos grupos sociais envolvidos

nos rearranjos do que chamo de paraensismo7 que são rearranjos identitários verificados na

TV Cultura do Pará, através do Programa Inconcert, e que se situam para além das situações

meramente comunicacionais das audiências ou como nos mostra Rial (2004) a cerca dos

estudos de recepção:

Estudos de recepção adotam, portanto, a premissa semiótica-antropológica

da possibilidade de leituras diversas de uma mensagem, de re-elaborações

motivadas por marcadores culturais, étnicas, de gênero, de geração. A idéia central é de que há uma polissemia possível nas mensagens. (2004: 35-36)

Tais autores não pertencentes à Antropologia e tal teoria (pós-modernidade) ainda

vivenciando dias de juventude teórico-metodológica na passarela da moda acadêmica e

paradigmática, são capturados por pesquisadores ávidos por novidades teóricas como

produtos culturais. Nesse sentido, nos apropriamos, também, dentro de um contexto pós-

moderno, desses teóricos irmanados à etnografia para tentar clarificar os engendramentos

culturais que são as estruturas estruturantes que produzem significados, pois como aduz

Geertz (2008)

Nossa dupla tarefa é descobrir as estruturas conceptuais que informam os

atos dos nossos sujeitos, o "dito" no discurso social, e construir um sistema de análise em cujos termos o que é genérico a essas estruturas, o que

pertence a elas porque são o que são, se destacam contra outros

determinantes do comportamento humano. Em etnografia, o dever da teoria é fornecer um vocabulário no qual possa ser expresso o que o ato simbólico

tem a dizer sobre ele mesmo — isto é, sobre o papel da cultura na vida

humana. (2008:19)

Manuel Castells (1999) propõe que a constituição da identidade é um processo

imbricado de significados culturais que geram sentimento de pertença nos indivíduos e para

os indivíduos. Mesmo quando esses sentimentos de pertença são elaborados por ―instituições

dominantes‖ os mesmos devem ser internalizados e aceitos pelos indivíduos para funcionarem

como um sistema de percepção de unidade no mundo social. Esta informação pode ser

relacionada ao paraensismo.

7 A utilização do termo é bastante freqüente no meio político e parece ter sido cunhado pelo ex-governador do

Pará, Almir Gabriel, afim de enaltecer as qualidades da terra e de seu povo nativo diante da adjetivação negativa

que posiciona o Estado como ―a terra do já teve‖. Para maiores detalhes cf: Pandolfo, Sérgio. As razões do

paraensismo ou parauarismo.Endereço eletrônico http://sergiopandolfo.com/visualizar.php?idt=1751773

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No período proposto a ser pesquisado, o paraensismo se constituiu em um fenômeno

social complexo gerado numa tensão constante e contemporânea onde as instituições, os

sujeitos _ e, portanto as identidades _ não são pensadas de forma estanque como quando na

era do capitalismo industrial e, sim, praticam, nessa nova era, do capitalismo mundializado,

em um ambiente supra globalizante como a mídia, sistemas identitários de resistência8 no

espaço midiático globalizado, pois como afirma CASTELLS (1999:421) ―vivemos em um

ambiente de mídia, e a maior parte de nossos estímulos simbólicos vem dos meios de

comunicação‖.

Historicamente, o conceito de identidade vem sofrendo reavaliações acompanhando as

mudanças sociais e estão intimamente ligadas às formulações de sujeito social e de povo, pois

argumenta HALL (2001:07) ―as velhas identidades, que por tanto tempo estabilizaram o

mundo social, estão em declínio, fazendo surgir novas identidades e fragmentando o

indivíduo moderno, até aqui visto como um sujeito unificado‖. Tais mudanças que se

pretende pesquisar estão ligadas à reestruturação do capitalismo que tem sido chamado pelo

termo ―globalização‖, as quais para além das modificações econômicas desenham novas

idealizações de sujeito, novas formulações identitárias, novas percepções de tempo e espaço.

No Pará, através do programa Inconcert da Tv Cultura do Pará, o que se verifica _ nos

esquemas de rearranjos identitários midiáticos _ é a interseção entre o global e o local na

produção cultural, pois o contraponto da globalização da mídia é o estímulo das produções

regionais causando uma polifonia de sentidos em torno da globalização midiática, que deve

ser mais bem pesquisada. Assim, afirma Maria Celeste Mira9 (1994:134)

Desde o começo do século, a ―indústria de imagens‖ na expressão de Kevin

Robins, criou um espaço de circulação internacional, hoje responsável pela formação de um substrato cultural e comunicacional compreendido por

habitantes do mundo inteiro. Assim, um ponto importante a ser considerado

é o da globalização da mídia.

Em certo sentido, sob certos aspectos, as produções locais não somente são permitidas

como também são estimuladas como resultado da glocalização10

, o qual, não obstante,

8 Esse termo corresponde a uma das três formas e origens de identidade propostas por Manuel Castells.

(1999:24). 9 Citação extraída do artigo ―O Global e o Local: mídia, identidades e usos da cultura. in____ Revista Margem nº

03, Faculdade de Sociologia da PUC. EDUC: São Paulo, 1994. 10 Glocalização é um conceito que, de acordo com Renato Ortiz (1994), nasceu de uma palavra japonesa

aplicada à agricultura e que no jargão empresarial significa ―localização global‖. Isto é, trata-se de uma

perspectiva global adaptada às condições locais, assim como ocorre a globalização do local.

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somente se concretiza mediante aos avanços tecnológicos comunicacionais alcançados há três,

quatro décadas atrás com a TV e, num período anterior, com o rádio.

Com novas tecnologias como o satélite, a internet e a câmera portátil é possível a

produção de programas mais descentrados que viabilizem atingir públicos mais segmentados.

Ao comentar a segmentação dos produtos midiáticos, Mira (1994:135) afirma que ―em todos

os setores, seja o de publicações, de televisão ou de música, diversificam-se os produtos,

buscando-se atingir públicos específicos situados em diferentes faixas etárias, classes sociais,

gêneros, regiões, estilo de vida e mesmo etnias‖.

A TV Cultura do Pará faz parte desse momento de globalização da mídia onde a

segmentação dos produtos midiáticos é a nova ferramenta de sedução _ pois implica interação

_ das audiências interna (Estado do Pará) e externa (restante do Brasil e outros países).

Em um contexto histórico específico, onde a mídia de interesse desse projeto é

pública, as reconstruções identitárias também fazem parte desses produtos segmentados, ao

mesmo tempo em que viabiliza a incorporação do paraensismo como produto cultural no

mundo globalizado. Mira (1994:138) afirma que ―Em vários pontos do globo desenvolve-se

criações locais, que elaboram uma nova síntese popular e pós-moderna: calcadas, muitas

vezes, em culturas de origem tradicional, ou mesmo tribal, mas produzidas segundo os

padrões técnicos e audiovisuais modernos‖.

Outro aspecto a ser colocado à prova pela investigação é a frequente comercialização

de informações sociais (trata-se informação como produto) nos meios midiáticos e instituições

governamentais, como as universidades, que postulam a comunicação pública como salva-

guarda da democracia e espaço autêntico de aparecimento dos excluídos (espaço de

resistência), daqueles que não possuem voz. Podemos notar tal tendência no artigo de Rosaly

de Seixas Brito11

Em segundo lugar, é preciso fortalecer e colocar em prática _ tanto pelo lado

da sociedade quanto dos governos que se propõem a ser democráticos _ a

noção de comunicação pública, uma noção que vem sendo muito trabalhada recentemente. Ela se refere à comunicação possível de ser realizada, de

maneira dialógica e ativa, no espaço público democratizado, com a discussão

de temas de interesse público, o que subtende o envolvimento e a participação ativa da sociedade, do governo, das empresas, do terceiro setor, enfim, dos

principais atores sociais. Este conceito de comunicação pública pressupõe uma

práxis capaz de irrigar permanentemente os canais de participação popular, de

dar vos a quem não tem, de subverter a verticalidade do modelo hegemônico. Claro que isso não vai cair do céu como uma dádiva. Necessariamente envolve

11 Em se tratando de políticas de comunicação para a região amazônica, ver o artigo ―A Contrapelo da Ordem

Globalizante: a comunicação na fronteira amazônica.

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tensões, avanços e recuos e muita pressão social, mas é uma condição

essencial para o fortalecimento da democracia.

Há que se analisar também, nesse momento de mundialização que o paraensismo

enquanto aspecto cultural diferenciado de um povo produz sua contratendência, sua

contradição que é a tentativa de homogeneização, através dos rearranjos auferidos, dos atores

sociais que vivem no Pará, mas que possuem traços culturais distintos por pertencerem a

localidades distintas, pois suas proximidades culturais, não raras vezes, estão ligadas com

outros Estados ocasionando um hibridismo cultural.

Talvez, sob certos aspectos, a contratendência verificada produza significado de

sentimentos de pertença _ mesmo aos que não são nativos _ bastante complexos e por isso

devem ser mais bem estudados, pois como afirma HALL (2001:13)

A identidade plenamente unificada, completa, segura e coerente é uma fantasia. Ao invés disso, na medida em que os sistemas de significação e

representação cultural se multiplicam, somos confrontados por uma

multiplicidade desconcertante e cambiante de identidades possíveis, com cada uma das quais poderíamos nos identificar _ ao menos temporariamente.

É nessa perspectiva que o estudo de identidade atrelado ao estudo midiático, permite

analisar, nas especificidades de rearranjos identitários regionais paraenses, formas de

articulação de diversos grupos sociais, das instituições que se moldam também utilizando

processos tecnológicos de mídias em suas produções de sentidos e significados complexos e

nas elaborações de seus produtos culturais glocalizados.

Formulando tais análises, pretendemos contribuir com um melhor entendimento a

cerca dos papéis da TV pública na formação das identidades e a crescente abertura desse

veículo á grupos sociais diversos.

Considerações finais (inconclusivas)

A pesquisa que se apresenta é de abordagem antropológica. Porém, não visa

unicamente buscar a especialidade de tal disciplina e, sim, a influência de outras disciplinas

com seus diversos pressupostos teóricos, num contexto interdisciplinar para um melhor

entendimento da cultura e das ações comunicativas _ que aqui se prendem às midiáticas _ que

se constituem em matrizes das ações sociais.

Tal trabalho é desenvolvido através de pesquisa bibliográfica, etnográfica e empírica,

pois são de suma importância nas análises dos processos simbólicos que envolvem os

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rearranjos do paraensismo na mídia pesquisada, uma vez que, se entrelaça com aspectos

investigativos de cunho interpretativo, histórico e qualitativo.

Assim, o período proposto, 2002-2006, leva em consideração os momentos iniciais do

governo de Simão Jatene, partindo do convite e nomeação de Ney Messias Júnior à

presidência da FUNTELPA, assim como, a dinamização decorrente de uma nova tendência da

globalização midiática intensificada nesse período na Rádio e TV Cultura do Pará que é a

segmentação, a consagração do local e seus mecanismos na busca de sustentação das

especificidades nesse novo caminho. Dentre eles, destaca-se o Programa Inconcert por ser,

segundo o jornalista e então presidente da FUNTELPA Ney Messias, o primeiro programa

transmitido por rádio, TV e internet do Brasil.

Nesse sentido, procuramos focar, na pesquisa, somente o Programa de Tv Inconcert e

eventuais participações de artistas na grade da Tv Cultura (comerciais, entrevistas etc.)

fomentando tais rearranjos identitários, aos quais chamamos de paraensismo, por

compreender que analisar a Rádio e a TV seria por demais ambicioso para uma pesquisa de

mestrado.

Assim, os rearranjos identitários paraenses, alavancados pela TV Cultura do Pará

atendem a uma necessidade glocalizante midiática e aludem para uma reabilitação identitária

de processo homogênico que se constitui como rico e ao mesmo tempo ignorado, cabendo a

essa mídia levar ao Brasil e ao mundo a beleza e a magnitude do Pará e da Amazônia. Tais

rearranjos culturais e identitários precisam ser estudados nas tramas construídas por entre as

elites, nas configurações tecidas pelo Estado, pelos diversos grupos sociais, seus valores e

seus interesses.

A pesquisa de TCC proporcionou a observação, em campo, de tais fenômenos sociais

e, certamente, foi gratificante como experiência, de tal modo que despertou a ansiedade de

contemplar a temática da identidade cultural moldada na mídia, num recorte temporal

compreendido entre 2002 a 2006. Isso porque, vê-se a possibilidade de ampliação de debates

acerca das construções e reconstruções culturais midiatizadas durante o Governo de Simão

Jatene, por possuírem um caráter de tendência mundializante, pois as potencialidades de usos

midiáticos audiovisuais se configuram como apanágio das formulações simbólicas de boa

parte do globo desde o início do século XX.

REFERÊNCIAS

BOURDIEU, Pierre. O Poder Simbólico. 5ªed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2002.

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