Paradiplomacia em Movimento

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perspectivas em homenagem aos 20 anos de atuação da Rede Mercocidades. Organização de Joséli Fiorin Gomes e Rodrigo de Souza Corradi.

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Paradiplomacia em movimento: perspectivas em homenagem

aos 20 anos de atuação da Rede Mercocidades

Joséli Fiorin Gomes

Rodrigo de Souza Corradi

(Orgs.)

Porto Alegre, 2015

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ReitorTelmo Rudi Frantz

Pró-Reitora de EnsinoLaura Coradini Frantz

Pró-Reitora de Pesquisa, Pós-Graduação e ExtensãoMárcia Santana Fernandes

Coordenadora do Curso de Relações InternacionaisDenise de Oliveira De Rocchi

Entidade MantenedoraSociedade de Educação Ritter dos Reis Ltda.

Praça XV de Novembro, 66 conj. 802Fone/fax: (51) 3228.2200

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www.uniritter.edu.br

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Paradiplomacia em movimento: perspectivas em homenagem

aos 20 anos de atuação da Rede Mercocidades

Joséli Fiorin Gomes

Rodrigo de Souza Corradi

(Orgs.)

Porto Alegre, 2015

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Editor Chefe da Editora UniRitterMarcelo Spalding

Conselho Editorial

Anna Paula Canez, Cláudia de Souza Libânio, Gladimir de Campos Grigoletti, Hericka Zogbi Jorge Dias, Isabel Cristina Siqueira da Silva, Josué Emílio Möller,

Júlio César Caetano da Silva, Marc Antoni Deitos, Maria Luíza de Souza Moreira, Regina da Costa da Silveira

Conselho CientíficoProf. Dr. Beatriz Daut Fischer (Unisinos), Prof. Dr. Bernardo Subercaseaux (Universidad de Chile), Prof. Dr. Diego Rafael Canabarro (UFRGS), Prof. Dr. Elias Torres Feijó (Universidade de Santiago

de Compostela), Prof. Dr. Gilberto Ferreira da Silva (Unilasalle), Prof. Dr. Günther Richter Mros (Universidade Católica de Brasília), Prof. Dr. Jaqueline Moll (MEC), Prof. Dr. Júlio Van der Linden (UFRGS), Prof. Dr. Lucas Kerr de Oliveira (Universidade Federal da Integração, Latino-

Americana), Prof. Dr. Marizilda Menezes (UNESP Bauru), Prof. Dr. Taisy Weber (UFRGS)

Revisão LinguísticaMaria Teresa Nunes Cordeiro do Valle

Projeto GráficoCláudia Silveira Rodrigues

Arte da Capa e Editoração EletrônicaAlex Barreto

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

P222 Paradiplomacia em movimento: perspectivas em homenagem aos 20 anos de atuação da Rede Mercocidades / Joséli Fiorin Gomes, Rodrigo de Souza Corradi (Org.) – Porto Alegre: Editora UniRitter, 2015.

156 p. ; 16x23cm.

ISBN: 978-85-5572-000-0

1. Cooperação Econômica Internacional. 2. Mercocidades. I. Gomes, Rodrigo de Souza II. Corradi, Rodrigo de Souza III. Título.

CDU 339.92

Biblioteca Dr. Romeu Ritter dos Reis

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SumárioApresentação ................................................................................................... 7

Prefácio ...........................................................................................................13Cezar Busatto

Seção 1 – A paradiplomacia na integração regional ......................17

2. Políticas de inserção internacional das cidades: o caso de São Paulo e a Rede Mercocidades (2001-2004) ...........................................37 Maurício Loboda Fronzaglia

3. A Rede Mercocidades na integração regional

de interação com a UNASUL .......................................................................57

Seção 2 – Cidadania Regional1. O Conceito de Cidadania no MERCOSUL .....................................................75

2. A construção de uma cidadania regional sul-americana

entre a Rede Mercocidades e o Instituto de Políticas Públicas em Direitos Humanos do MERCOSUL. ...............................................................89 Marrielle Maia

Seção 3 – Integração Fronteiriça ........................................107

Bruno Sadeck

2. Mercocidades e integração regional .........................................................123 Isabel Clemente Batalla, Maria Izabel Mallmann

Seção 4 – O papel contemporâneo da paradiplomacia nas Relações Internacionais

...........................................................................137

.................................................145 Rodrigo de Souza Corradi

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ApresentaçãoPresentación

O mundo atual caracteriza-se pela alta conectividade, a qual promove interações constantes e até certa sobreposição entre diversos âmbitos anteriormente bem delimitados da atuação humana. Trata-se de um cenário que não é novo, mas resultante de fenômenos e processos os quais se desenrolaram ao longo do século XX, moldando estas primeiras décadas do

cenas é, com isso, sentida e experimentada cotidianamente. E isto toma forma concreta na vida que segue, incessantemente, nas cidades.

As cidades tornaram-se, nos últimos anos, os locais de maior concentração populacional do planeta. E, nesse sentido, passaram a ter de abordar situações e problemas decorrentes desta crescente urbanização da vida humana. Para

cada dia mais, atores essenciais nas relações internacionais. Esta sua atuação

paradiplomacia, cunhado para explicar e analisar a atuação internacional das entidades subnacionais.

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Nesse viés, a inserção internacional das cidades, seu envolvimento nas relações internacionais, assume um papel de extrema relevância para a concretização das medidas adotadas no seio dos processos de integração regional. A integração regional objetiva fortalecer os países nela envolvidos mediante cooperação econômica, política, social e cultural, ao promover o desenvolvimento e a melhoria da qualidade de vida das populações que neles

importância para os Estados da região, já que apresentam, de modo geral,

de esforços para o estreitamento de laços, não só econômico-políticos, mas de diversas naturezas, estratégia adequada para a superação dos obstáculos comuns e para a concretização e incremento dos potenciais interligados. Parece ser este o caso do MERCOSUL, processo de integração entre Brasil, Argentina, Paraguai, Uruguai e Venezuela, além da Bolívia, Estado em adesão, e Estados observadores (Chile, Colômbia, Peru, Equador, Guiana e Suriname), apesar de desencontros, crises e problemas.

Para que as decisões tomadas no âmbito do MERCOSUL pudessem

locais, criou-se, em 1995, a Rede MERCOCIDADES. Formada por cidades da Argentina, Brasil, Paraguai, Uruguai, Venezuela, Chile, Bolívia, Colômbia e Peru, visa a proporcionar a sua inserção no processo de integração regional do MERCOSUL. Nesse sentido, proporciona, pela atuação em rede, com unidades temáticas, ações, programas e projetos de municipalidades os quais

em prol do desenvolvimento e melhoria das condições de vida das populações das cidades participantes.

Desse modo, a inserção das cidades sul-americanas na Rede tem

reconhecidos e tomados em consideração para o aprimoramento da integração regional. Portanto, a criação e o desenvolvimento da Rede trouxeram discussões importantes para o aprofundamento da inserção internacional das cidades, o que permite aproximar a ideia de integração regional dos cidadãos que nelas vivem, mediante resultados cada vez mais concretos e visíveis na melhoria de seus cotidianos.

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dos municípios como entes relevantes nesta área e, ao mesmo tempo, envolveu

sobre este seu papel. Por conseguinte, estes 20 anos de atuação da Rede merecem ser homenageados pelo seu impacto para a internacionalização dos municípios sócios e pelo papel que adquiriu para o avanço da integração regional sul-americana. Nesse sentido, mostra-se relevante analisar, sob

o cenário internacional, especialmente no âmbito da integração regional. Com

paradiplomacia na integração regional; 2) Cidadania Regional; 3) Integração Fronteiriça; 4) O papel contemporâneo da paradiplomacia nas relações

integração regional, passando pela sua contribuição relevante em dois temas nos quais estes fenômenos encontram conexão, a cidadania regional e a integração

atuação internacional das cidades, tendo em vista que a Rede tem expandido seu alcance, deixando de ser apenas instrumento de participação dos municípios junto ao MERCOSUL para tornar-se plataforma de cooperação internacional descentralizada e Sul-Sul.

Com isso, a primeira seção da obra dedica-se ao exame da interação entre paradiplomacia e integração regional. Parte-se, nesse sentido, do estudo de Marcela Garcia Fonseca, o qual aborda a manifestação da paradiplomacia na integração europeia e mercosulina, mediante a compreensão do inovador conceito de integração subnacional. Em seguida, passa-se ao artigo de Maurício Loboda Fronzaglia que analisa a participação de São Paulo, maior cidade brasileira, no início dos anos 2000, junto a redes internacionais de cidades, com especial atenção à sua atuação, neste período, no âmbito da Rede Mercocidades. Esta seção encerra-se com o artigo, em co-autoria, de Joséli Fiorin Gomes, Larissa Roxanne Baum, Ana Carolina Zucheto e Gabriela Kilpp, no qual se abordam as relações da Rede Mercocidades com o MERCOSUL, analisando os espaços nos quais estas se materializam, e a possibilidade de, por este bloco regional ter relações de complementaridade com outro processo de integração sul-americano, a UNASUL, expandir a atuação da Rede também a esta.

Em face do panorama geral sobre paradiplomacia e integração, traçado

a atuação da Rede Mercocidades tem auxiliado a alterar os contornos da

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questões principais. A primeira delas é a cidadania regional. A busca por participação dos governos locais no processo de integração do MERCOSUL

dos países que o promovem. E isto passa, necessariamente, pela participação desses cidadãos, os quais veem suas vidas atingidas pela integração no cotidiano vivenciado nas cidades. Daí a relevância de a tomada de decisões neste bloco incluir os aportes dos governos locais, mais próximos da cidadania, para melhor ouvir e atender às suas demandas.

Nesse sentido, a segunda seção da obra versa sobre a temática da cidadania regional. Parte-se, com isso, do estudo, em co-autoria, de Gilberto Marcos Antonio Rodrigues e José Blanes Sala, o qual objetiva analisar criticamente o conceito de cidadania regional e seu desenvolvimento no MERCOSUL,

disso, passa-se, em seguida, ao artigo de Marrielle Maia, o qual visa a apresentar

humanos e a contribuição das cidades da rede nesse processo, mediante exame

Políticas Públicas em Direitos Humanos do MERCOSUL.Tendo em vista isto, esta cidadania regional, no caso de cidades inseridas

em países envolvidos em processos de integração regional, somente pode ser

devem-se oportunizar ações de aproximação das cidades fronteiriças e vizinhas, colocando-as como caminhos para a livre circulação de pessoas, bens, serviços e capitais nos Estados participantes destes processos. Com isso, é possível

regional tem sido de extrema importância, qual seja, a integração fronteiriça. A esta temática dedica-se a terceira seção da obra.

Nesta seção, parte-se do artigo de Bruno Sadeck, que visa a apresentar o tema da fronteira nas relações internacionais destacando seu papel nas atividades da Rede Mercocidades e para as ações que o Brasil vem realizando para integrar sua região fronteiriça. Em seguida, passa-se ao estudo, em co-autoria, de Isabel Clemente Batalla e Maria Izabel Mallmann, no qual se analisam as iniciativas

como, a um só tempo, causa e produto da transformação da integração regional de um processo centrado em intercâmbios comerciais a um processo mais

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internacional das cidades para a seara mais ampla das relações internacionais. Com isso, fecha-se a obra com a quarta seção, a qual se destina a abordar o papel atual das cidades nesta seara. Nesta última seção, parte-se do estudo de Cristine Koehler Zanella, pelo qual se examina a conversão das cidades, no cenário contemporâneo, em núcleos dinâmicos das economias nacionais e em atores

o artigo de Rodrigo Corradi de Souza, o qual, mediante estudo de caso da cooperação entre o Município de Porto Alegre e o Estado de Moçambique, analisam-se as relações fundamentais entre cooperação descentralizada e cooperação Sul-Sul, demonstrando como governos locais são também agentes desta última forma de colaboração internacional.

Com todas as perspectivas expostas nesta obra sobre a atuação internacional de cidades e seu impacto para a integração regional e ao cenário mais amplo das relações internacionais, espera-se honrar e prestar homenagem ao excepcional trabalho que tem sido desempenhado, desde 1995, pelas cidades sul-americanas, representadas por seus incansáveis e dedicados agentes e parceiros, via Rede Mercocidades.

Porto Alegre, fevereiro de 2015.

JOSÉLI FIORIN GOMES

Professora do UniRitter

RODRIGO DE SOUZA CORRADI

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Prefácio

Integração é, acima de tudo, um processo contínuo e compartilhado que nos leva a um objetivo comum do qual temos o benefício de fazermos parte. Não

feito, ao longo de mais de vinte anos, na construção de uma sociedade sul-americana mais unida, próspera e igualitária.

A Rede Mercocidades é uma parte desse processo de integração, que une, há 19 anos, municípios dos mais diferentes rincões da América do Sul para

cidadão e a cidadania como foco central.A cidade de Porto Alegre, fundadora da Mercocidades, participa dessa

Executiva da rede, cargo máximo de responsabilidade e representação da entidade.

Em nossa última gestão, período 2013-2014, a Prefeitura teve a feli- cidade de contar com o auxílio da UniRitter, que, como nossa parceira ins- titucional, auxiliou na construção de nosso planejamento estratégico e fez o

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É com esse espírito de cooperação que surge este livro. Por meio do

aportes que nos ajudam a entender a realidade da integração regional de nosso

suscita.

como a Secretaria Executiva da Mercocidades nesta gestão 2013-2014 devem ser compartilhadas não somente dentro da administração pública, mas

parceiros não somente elevou nossos debates, materiais e tomadas de decisão,

contribuir na aproximação dos cidadãos e objetivos dos que vivem em nossa América do Sul.

Que a presente obra possa ser testemunho dessa caminhada.

CEZAR BUSATTO S

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Seção 1 A paradiplomacia

na integração regional

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A integração subnacional na União Europeia e no

MercosulLa integración subnacional

en la Unión Europea y en Mercosur

Laureate. E-mail: < .

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18 A integração subnacional na União Europeia e no Mercosul

RESUMO

O presente artigo propõe a compreensão de um conceito novo, advindo do fenômeno de internacionalização dos entes subnacionais, qual seja, o de integração subnacional. Admitindo-se que a cooperação internacional descentralizada é, como regra, livre, autônoma e extrarregional, o que seria, então, a integração subnacional? Os exemplos mais institucionalizados são a União Europeia e o MERCOSUL, que possuem órgãosos entes subnacionais em seus processos decisórios. Neste artigo são abordadas

no MERCOSUL. Palavras-chave: Cooperação internacional descentralizada. Integração subnacional. União Europeia. MERCOSUL.

RESUMEN

En el presente artículo es posible comprender un nuevo concepto, propio del fenómeno de la internacionalización de los entes subnacionales, cual sea, el de la integración subnacional. ¿Si la cooperación internacional descentralizada en general es libre, autónoma y extra-regional, que sería, entonces, la integración subnacional? Los ejemplos más institucionalizados vienen de la Unión Europea y del Mercosur, que ya poseen órganos propios, incluyendo a los entes subnacionales en su sistema decisorio. Con este artículo las posibilidades y las

Mercosur. Palabras clave: Cooperación internacional descentralizada. Integración subnacional. Unión Europea. Mercosur.

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19Marcela Garcia Fonseca

Introdução

O fenômeno da globalização não exclui a regionalização, ao contrário, compreende-a da mesma forma que os processos de integração regional

escopo que o fenômeno de internacionalização dos entes subnacionais, também chamado de cooperação internacional descentralizada ou paradiplomacia, acomoda-se no seio dos processos de integração regional.

Com autonomia própria, os entes subnacionais praticam a cooperação em diversos níveis locais, regionais e internacionais. Supõe-se, portanto, que a cooperação internacional descentralizada ajudaria a reforçar a integração regional e, ao mesmo tempo, a integração poderia contribuir para a legitimação do processo de cooperação descentralizada. Deste novo intercâmbio advém a expressão “integração subnacional”. Trata-se do exercício da cooperação internacional descentralizada intrarregional, concebida para reforçar os laços da integração, como uma locomotiva de aprofundamento da integração regional desde o local e, ainda, presumidamente, uma forma de atrair a participação cidadã aos temas de interesse do bloco regional.

democrático por falta de reconhecimento de seus próprios cidadãos sobre

de interesse e participação, há que se aprofundar um veículo mais acessível aos cidadãos, há que se utilizar o caminho de maior aderência aos cidadãos. Os governos locais, através de sua atuação internacional nos processos de integração regional, podem desempenhar esse papel agregador como descomplicadores, como veículos seguros para chegar-se a alguma sorte de diálogo e de participação

aqueles que estão imediatamente vinculados a seus cidadãos.Ao que tudo indica, no sistema europeu e mercosulino trata-se de um jogo

em que todos ganham (win-win) subnacionais porque se desenvolvem localmente e o processo de integração porque a cooperação descentralizada ocorreu em seu seio, desenvolvendo a região. Ao mesmo tempo, os entes subnacionais, além de cooperar intrarre- gionalmente, seguem com outros tipos de cooperação paralelamente.

Tal institucionalização no seio das Organizações Internacionais de pelo local de

atuação, para considerar a cooperação internacional descentralizada como

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20 A integração subnacional na União Europeia e no Mercosul

intrarregional, ou seja, ocorrendo entre entes subnacionais da uma mesma região; extrarregional, ou seja, fora do escopo regional; ou inter-regional, ou seja, entre duas regiões distintas (FONSECA e VENTURA, 2012a, p. 42).

às limitações próprias da autonomia dos entes subnacionais e da institucio- nalização regional que a abrigue e estimule. Pode-se chegar a pensar que a autonomia limita a participação dos entes subnacionais em âmbito intrarre- gional, mas, ao contrário, será a própria autonomia que servirá de guia a tal atuação. No entanto, a cooperação internacional descentralizada intrarregional não é a regra. A regra de cooperação descentralizada é a cooperação livre e puramente autônoma, qual seja, a cooperação internacional descentralizada extrarregional.

A cooperação internacional descentralizada é um fenômeno autônomo por

ou geopolíticas. Deste modo, a cooperação internacional descentralizada extrarregional, ou seja, aquela que se dá entre entes subnacionais de regiões distintas e por motivos esparsos, ocorre fora dos processos de integração regional e segue uma autonomia própria.

elaboração da política externa comum ou regional sobre temas eminentemente

institucional da União Europeia. No MERCOSUL também se criou uma estrutura que ainda funciona timidamente. Trata-se do Foro Consultivo de Municípios, Estados Federados, Províncias e Departamentos do MERCOSUL.

Como visto, os entes subnacionais podem cooperar seguindo a lógica dos processos de integração regional ao qual pertencem, ou perscrutando outras lógicas, como a da cooperação Sul-Sul e Norte-Sul. Tal ideário encontra

a cooperação internacional não é concebida como uma relação vetorial

diferentes âmbitos das Relações Internacionais em que o desenvolvimento econômico local se insira, contribuindo para a promoção da inclusão social, do crescimento econômico e da segurança das comunidades. Trata-se, em outras palavras, de uma cooperação entre entidades homólogas, coorde- nadas por instituições subnacionais ainda com diferentes níveis de maturi-

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21Marcela Garcia Fonseca

dade, que perseguem também resultados comuns (RHI-SAUSI e CONTATO, 2008, p. 40).

Preceitua-se que não haja qualquer incompatibilidade entre o fenômeno da descentralização estatal e o da integração regional. A cooperação interna- cional descentralizada intrarregional se estabelece entre atores subnacionais de uma região ou de um processo de integração regional, envolvendo, portanto, entes subnacionais comuns. Assim, essa cooperação intrarregional segue a lógica da aproximação concernente aos processos de integração regional, tendendo a amparar seus processos de cooperação em vários níveis, sejam

Para trazer dois exemplos da cooperação intrarregional, elenca-se tanto a União Europeia quanto o MERCOSUL, Organizações Internacionais de integração regional que estão dotadas de mecanismos que visam a participa- ção dos entes subnacionais em suas estruturas institucionais. Ambas as Organizações estimulam a aproximação dos entes subnacionais quando permitem algum tipo de participação em seu processo decisório. A lógica

aprofundamento da integração regional. Os processos de integração regional incorporam paulatinamente a di-

1

MERCOSUL que se dota de uma Reunião Especializada de Municípios e

Estados Federados, Províncias e Departamentos do MERCOSUL, em 2004. Percebe-se uma grande diferença entre a concepção das ações autônomas

europeias e as mercosulinas. As europeias contam com institutos efetivos de

entretanto, notam-se lacunas na contribuição efetiva do Foro Consultivo de Municípios, Estados Federados, Províncias e Departamentos.

Geradas a partir dos processos de integração regional, as Redes de Cida- des e Regiões ganham um papel de destaque na articulação política existente em prol de uma voz no sistema decisório das Organizações de integração.

1 O Tratado de Maastricht cria a União Europeia, contudo, a esta será conferida personalidade jurídica de direito internacional explícita, apenas com o Tratado de Lisboa, que entrou em vigor em 1º de dezembro de 2009.

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22 A integração subnacional na União Europeia e no Mercosul

No MERCOSUL, a criação da Rede Mercocidades2 é emblemática nesse sentido. Na União Europeia, a Rede Eurocities3 também exerce uma função catalizadora.

Finalmente, a cooperação internacional subnacional inter-regional trata da cooperação entre dois processos distintos de integração regional, como a que se estabeleceu entre os entes subnacionais da União Europeia e do MERCOSUL no marco de ambos os processos de integração, como o Programa URB-AL4.

Nesse diapasão, aduz-se que quanto maior o grau de institucionalização e reconhecimento dos atores internacionais no que tange à autonomia da cooperação internacional descentralizada, maiores serão os resultados efetivos para que se garanta o desenvolvimento local e o fortalecimento regional. E, ainda, para que se garanta, progressivamente, a participação no processo de

e localmente. Antes de ingressar-se na análise da atuação dos entes subnacionais no

MERCOSUL, à título de comparação, realizou-se uma breve análise acerca da institucionalização da participação dos entes subnacionais na União Europeia.

A institucionalização da integração subnacional na União Europeia

Tendo a proximidade e a solidariedade como axiomas fundamentais para o fortalecimento democrático na União Europeia, o objetivo do bloco é o de assegurar aos seus cidadãos instrumentos possíveis para que se sintam representados no sistema decisório do bloco. Nesse sentido, além do sistema de representação direta do Parlamento Europeu, deve-se considerar a parti- cipação dos entes subnacionais europeus nas políticas regionais.

O espírito integracionista conferido a todas as instituições europeias está

expor os pontos de vista regionais e locais acerca da legislação da União, o que faz emitindo “Ditames” sobre as propostas da Comissão. Assim, a Comissão,

2 A origem da rede remonta a 1995 quando os prefeitos de Assunção, Buenos Aires, La Plata, Rosário, Córdoba, Rio de Janeiro, Brasília, Curitiba, Florianópolis, Porto Alegre, Salvador e Montevidéu se reuniram para a 1ª

3

4

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23Marcela Garcia Fonseca

decisões que ganhem repercussão local e regional em matérias de emprego, meio ambiente, educação ou saúde pública.

década de oitenta se produz na maioria dos Estados-membros da Comunidade

que afetam cada vez mais os entes regionais e locais (SANCHO, 2003, p. 23).Em 1975, foram criados os Fundos Europeus para o Desenvolvimento

Regional que estabeleceram uma pressão política importante no sentido de diminuir as desigualdades entre regiões menos favorecidas. Representavam uma ajuda aos orçamentos centrais de alguns Estados-membros, e não às regiões, porque a esta altura ainda não estavam institucionalizadas. Em 1988, são reformados tendo em vista fomentar o desenvolvimento e a redução de desigualdades entre regiões e grupos sociais, como ajuda não reembolsável. A institucionalidade europeia proporcionou quatro tipos de fundos estruturais

a) O Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional (FEDER) que contribui essencialmente para ajudar as regiões menos desenvolvidas,

intervém essencialmente no âmbito da estratégia europeia para o emprego; c) O Fundo Europeu de Orientação e Garantia Agrícola (FEOGA) que contribui para o desenvolvimento e o ajuste estrutural

estruturas de produção, de transformação e de comercialização dos produtos agrícolas e indígenas e; d) O Instrumento Financeiro de Orientação à Pesca (IFOP) que apoia as evoluções estruturais do setor de pesca.

Atualmente,

I) INTERREG III, cujo objetivo é estimular a cooperação transfronteiriça, transnacional e inter-regional; II) LEADER+, que

desenvolvimento de novas práticas de luta contra a discriminação e

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24 A integração subnacional na União Europeia e no Mercosul

desigualdades de qualquer natureza no acesso ao mercado de traba- lho e; IV) URBAN II, que favorece a revitalização econômica e social das cidades e dos subúrbios em crise.

Quando as regiões seguem as políticas de cooperação estipuladas pelo bloco europeu, em nível de cooperação transfronteiriça, transnacional e interregional, suas ações podem fortalecer a integração regional, tanto pela diversidade de ações e objetivos, quanto pela diversidade de atores que atuam como novos interlocutores da cooperação internacional.

A propósito, em 2008, a Comissão Europeia emitiu um “Comunicado da

Local Authorities: actors for development” (COMISSÃO EUROPEIA, 2008) é muito inte- ressante porque reconhece os entes subnacionais como atores das Relações Internacionais, conceitua os atores subnacionais na União Europeia e destaca a cooperação descentralizada como um motor para o desenvolvimento.

de 1992, foi possível dada a redação do segundo parágrafo do artigo 5º do mesmo tratado, que enuncia o princípio da subsidiariedade. Tal princípio implica

a base institucional dos Estados federais. Ao mesmo tempo, o princípio da subsidiariedade visa a garantir um determinado grau de autonomia a uma autoridade subordinada, em face de uma instância superior, ou a um poder local face ao poder central.

peia. Os artigos 263 e 265 são os responsáveis por esclarecer sua capacidade consultiva, sua legitimidade representativa, a visão comum do aspecto deci- sório – em consonância com a política decisória supranacional europeia no

de seus 353 membros procedentes dos 28 países que integram hoje a União

regiões, sobre o futuro do bloco como um todo. Desta forma, observa-se a

subnacionais, no momento em que o tema é a elaboração da política externa europeia em matéria de cooperação transfronteiriça. Daí nasce a “Europa das

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25Marcela Garcia Fonseca

Regiões”, termo largamente utilizado depois da adoção do Ato Único Eu- ropeu, em 1986.

Política de Coesão Territorial; (2) Política Econômica e Social; (3) Educação, Juventude, Cultura e Pesquisa; (4) Meio Ambiente, Mudança Climática e Energia; (5) Cidadania; Governança, Assuntos Institucionais e Exteriores e (6) Recursos Naturais. Decidindo sempre em Assembleia, por maioria, o

se manifesta por Relatórios ou Informes. Por exemplo, participou da Confe-

“When cities breathe, people progress: the future we Europe’s Cities and sub-national level wants” (COMITÊ DAS REGIÕES, 2012).

a política externa europeia através de seus pareceres consultivos sobre os temas que sejam pertinentes no âmbito da legislação comunitária. Isto se deve ao Tratado de Lisboa que obriga a Comissão Europeia a consultar os entes

autoridades locais e regionais, encontra-se profundamente implicado neste processo. Quando faz propostas legislativas em algum dos numerosos âm- bitos políticos que afetam diretamente aos entes regionais e locais, a Comissão

públicas europeias. Ainda pode desenvolver-se mais, principalmente com as Resoluções e interpondo Recursos ante o Tribunal de Justiça da União Europeia. Sua atuação pode traduzir-se como um olhar local sobre a política comunitária.

Regiões propõe a governança multinível

ação coordenada da União, dos Estados-membros e dos entes regionais e locais, baseada na associação e destinada a elaborar e aplicar as políticas da União Europeia. A mesma induz à responsabilidade compartilhada dos diversos níveis de poder em questão e se baseia em todas as fontes de legitimidade

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26 A integração subnacional na União Europeia e no Mercosul

democrática e na representatividade dos diversos agentes implicados (grifou-se).

Seguramente a responsabilidade compartilhada é uma forma sensata de garantir não somente a participação, mas também o compromisso dos entes subnacionais em prol do desenvolvimento local e regional5.

observar o papel desempenhado pela Rede Eurocities que corre por fora da estrutura institucional da União Europeia. A Rede pioneira, fundada em 1986

Lyon, Milão e Rotterdam, proporciona a cooperação entre cidades, regiões,

de Trabalhos sobre temáticas variadas. Já em relação à política externa europeia,

países que recém aderiram ao último alargamento europeu e, sob esta lógica, a inclusão, como membros associados, de cidades de países vizinhos, como exemplo Istambul.

O papel da Rede Eurocities foi muito importante no processo de descentralização do poder e para o destaque da atuação dos entes subnacionais em território europeu.

A institucionalização da integração subnacional no MERCOSUL

No âmbito do MERCOSUL, ao longo dos seus 24 anos de processo de integração, foram criados órgãos dedicados à integração desde dentro, isto é, uma integração centrífuga, movida por uma relativa participação dos entes subnacionais no processo decisório do bloco.

No caso do MERCOSUL é forçoso reconhecer, primeiramente, o papel que a Rede Mercocidades exerceu e exerce ainda hoje, completando 20 anos de atuação neste ano de 2015, em relação à aproximação entre os entes subnacionais de todo o continente sul-americano e o próprio MERCOSUL. Isso porque a rede reúne hoje 286 governos locais, provenientes de todos os

5 Uma mudança na regra do Direito Internacional nesse sentido vem ao encontro não somente dos desejos de mais autonomia dos entes subnacionais no cenário internacional, como também da adequação deste Direito a uma nova realidade criada pelo fenômeno da globalização, qual seja, a internacionalização dos entes subnacionais, a cooperação internacional descentralizada, a integração regional e subnacional.

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27Marcela Garcia Fonseca

Estados-membros do MERCOSUL e, ademais, da Bolívia, Chile, Colômbia e Peru, contabilizando cerca de 114 milhões de cidadãos.

Trata-se de uma rede independente de cidades criada em março de 19956,

um catalizador, isto é, promove o contato e a troca de informações entre as cidades da região com o objetivo de dar-lhes uma oportunidade de intercâmbio e de exercício da cooperação internacional descentralizada intrarregional.

para os entes subnacionais consagrando um espaço privilegiado de interlocução cidadã. Entre as funções mais importantes da Rede está a de favorecer a participação das cidades na estrutura do MERCOSUL, a difusão de uma cultura democrática a nível regional e nacional e o estabelecimento de uma relação mais

Foi graças à atuação engajada e persistente da Rede Mercocidades que se criou um órgão permanente na estrutura institucional do MERCOSUL. Assim, o Grupo Mercado Comum (GMC)7, criou, em 2000, a Reunião

Mercocidades impulsionou as cidades membros de seu próprio Conselho Diretivo e as que coordenassem unidades temáticas a integrar as seções nacionais da REMI. Somente o Uruguai conferiu um sistema de eleições anuais e autônomas de representantes municipais que participam da REMI. Os outros países não adotaram este sistema porque não existe esta autonomia no processo decisório dos respectivos representantes nacionais em foro regional, ocorrendo a intervenção direta dos poderes federais. No Brasil, os representantes são indicados pela Casa Civil. Na Argentina e no Paraguai são indicados por seus Ministros do Interior.

Rede, que observa o processo de integração dos países do MERCOSUL como um processo que deve ir mais além das iniciativas de seus governos centrais, porque são os Municípios que possuem o nível mais descentralizado e estão em

“o Mercosul mais perto do cidadão”.

6 Os prefeitos de Assunção, Buenos Aires, La Plata, Rosário, Córdoba, Rio de Janeiro, Brasília, Curitiba, Florianópolis, Porto Alegre, Salvador e Montevidéu assinaram a Ata de Fundação da Rede Mercocidades, na

Integração”.7

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28 A integração subnacional na União Europeia e no Mercosul

Diante dos esforços da Rede, atuante na estrutura da REMI, foi criado um novo órgão, que a substituiu. Trata-se do Foro Consultivo de Municípios, Estados Federados, Províncias e Departamentos do MERCOSUL8 (FCCR),

municipais, estaduais, provinciais e departamentais dos Estados parte do bloco. Trata-se do espaço institucional de participação dos entes subnacionais na estrutura orgânica formal do MERCOSUL, cujos objetivos entram na esfera

bloco.

Hoje, como a Rede Mercocidades alcançou a possibilidade de participação com direito a voz nas reuniões do FCCR, ela ainda tem a missão de representar todas as cidades-membro da Rede diante do Foro, diante do próprio MERCOSUL.

O FCCR atua sob o marco de quatro eixos de trabalho, listados no Plano de Ação 2014-20169 Cidadania Regional, Integração Produtiva, Inte- gração Fronteiriça e Fortalecimento Institucional.

formal da Venezuela no MERCOSUL10, houve uma alteração estrutural nos

11 ou

(10 prefeitos e 10 governadores por país), atuantes sob a orientação de um coordenador nacional por país.

negociações e reuniões plenárias, cujos resultados são levados tanto ao GMC

como por um prefeito ou governador às Cúpulas semestrais de Chefes de Estado do MERCOSUL. As reuniões do Conselho Mercado Comum (CMC)

8

9 Os Documentos mais recentes sobre o FCCR disponíveis para consulta no site do Mercosul datam de outubro de 2014. Trata-se da XLII Reunião ordinária de coordenadores do Foro Consultivo de Municípios, Estados

10

à Venezuela a condição de Estado Parte.11 Capítulo da Argentina, Capítulo do Brasil, Capítulo do Paraguai, Capítulo do Uruguai e Capítulo da Venezuela.

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29Marcela Garcia Fonseca

são as mais importantes porque t m um caráter político mais expressivo12 e porque é a oportunidade para que o Foro emane uma Recomendação formal ao bloco. Todavia, até o presente momento, o Foro vem manifestando suas opiniões somente por meio de Declarações e não utilizou ainda o máximo de

de decisões, que requer o consenso com a presença de todos os participantes,

pode extrair do conteúdo do Projeto de Reforma do Regulamento Interno do FCCR, em seu artigo 13º, o consenso segue sendo a opção cogitada.

O fato de os órgãos decisórios do MERCOSUL não serem obrigados a adotar as propostas do FCCR, sejam elas Declarações ou Recomendações,

órgão, o que chega a inibir a participação de algumas cidades e governos de Estado. Alguma forma de intervenção dos entes subnacionais que seja mais efetiva no processo de tomada de decisões do bloco poderia contribuir ao aperfeiçoamento das normas do MERCOSUL, ao permitir a intervenção de diversos atores e o

norma tenha ampla e profunda efetividade, contribuindo para a consolidação do processo de integração, é preciso que seja capaz de incorporar as expectativas da sociedade no âmbito da qual será aplicada (VENTURA e PEROTTI, 2004, p. 74).

do FCCR na política externa do MERCOSUL, porque ainda não se constata,

comum. Ao mesmo tempo, pode-se inferir que se trata de uma participação dos entes subnacionais dos países do MERCOSUL na construção de suas políticas externas, no que concerne ao tema da integração regional.

As perspectivas para que esta participação adquira maior relevância no cenário regional é o aprofundamento de programas proporcionados pela Rede Mercocidades e pelo FCCR, que inclua uma aprendizagem sobre todo o alcance da projeção internacional intrarregional dos entes subnacionais.

12 As informações detalhadas obtidas sobre o Foro Consultivo de Municípios, Estados Federados, Províncias e Departamentos do Mercosul são fruto de uma entrevista enviada via e-mail e realizada via telefone ao então

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30 A integração subnacional na União Europeia e no Mercosul

A conscientização dos administradores locais é imprescindível para que o desinteresse e o desconhecimento não sejam obstáculos desta integração subnacional.

decisões no âmbito do MERCOSUL, instaurando-se o embrião de uma nova legitimidade de âmbito regional. Trata-se de uma legitimidade de extrema relevância interna para o Brasil, por exemplo, que ainda não tem uma nor-

compatibilidade entre a internacionalização dos entes subnacionais e o pro- cesso de integração regional, senão ao contrário, todo movimento externo dos entes subnacionais fortalece a integração, principalmente quando ocorre entre atores do mesmo processo integracionista ou quando os projetos envolvem toda uma região, por exemplo. Neste mesmo sentido, percebe-se que a internacionalização dos entes subnacionais gera o desenvolvimento local e regional, fortalecendo, ainda que indiretamente, os próprios Estados.

a posição de seus respectivos governos centrais nas mesas de negociação do

e com profundidade. Trata-se do chamado lobby exercido por prefeitos e governadores que desejam que projetos estruturais de desenvolvimento sejam construídos em seus territórios, por exemplo. Esse lobby subnacional também

No caso do Brasil, os lobbiessistema de tomada de decisões sobre a política externa brasileira, quanto na formulação da opinião do Brasil nos processos de integração regional dos quais participa, como no MERCOSUL. Como agente econômico de re- levância, a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (FIESP), por meio de seu Departamento de Relações Internacionais e Comércio Exterior e de seu Conselho de Comércio Exterior, observa toda a dinâmica do MERCOSUL com o objetivo de efetuar um acompanhamento das nego- ciações que possam vir a afetar a indústria brasileira. A natureza de sua

social das reuniões do MERCOSUL foi objeto de estudos que indicam a incerteza a respeito de quais são as entidades não governamentais convidadas para as reuniões dos foros de negociação (CAETANO, VAZQUEZ e VENTURA, 2008). O convite depende de cada delegação nacional. Sabe-

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31Marcela Garcia Fonseca

se que a FIESP é frequentemente convidada para as reuniões, em princípio sem direito à voz e seguramente sem direito a voto13. Por tudo isto, pode-se assegurar que, apesar de não ter participação direta no processo decisório sobre as políticas industriais do MERCOSUL, é certo que a FIESP atua através de lobbies

União Europeia e no MERCOSUL

Não se pode tratar o tema da institucionalização dos entes subnacio- nais brasileiros sem mencionar a relevância jurídica, política e institucional dos sistemas de integração regional dos quais o país é parte. Atualmente, o MERCOSUL é o caso mais relevante que se apresenta. Além do MERCOSUL, há que se pensar nas novas formas de institucionalização também da União das Nações Sul-Americanas (UNASUL).

A ideia de integração subnacional como uma integração concebida no âmbito dos processos de integração regional, como expressão política coordenada em

como uma estratégia de aprofundamento da integração para as Organizações de integração no futuro próximo.

A partir de uma análise da União Europeia e do MERCOSUL, pode-se concluir que a relação existe e que, quanto mais aprofundado o nível de institucionalização das Organizações Internacionais de Integração na esfera subnacional, maior é a capacidade de coordenação entre a cooperação descentralizada e a integração regional para uma integração subnacional exitosa. Em outras palavras, ambos os processos t m o potencial de aprofundamento da integração subnacional, que é, ademais do nível institucional propriamente dito, um desenvolvimento na esfera política, porque é concebido no âmbito dos projetos mais amplos de aprofundamento da integração regional por si mesma.

Ainda que a União Europeia esteja mais institucionalizada, organizada e avançada em termos de participação dos entes subnacionais em suas

13

internacionalmente, praticando a diplomacia empresarial. Neste sentido, organiza missões empresariais para a Argentina, recebe embaixadores e declara que pretende apaziguar os ânimos do governo de Cristina Kirchner,

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32 A integração subnacional na União Europeia e no Mercosul

o desenvolvimento ocorra intrarregionalmente não existe. Não há estímulo específico para tanto. Não se trata de uma política específica de integração subnacional.

O que se extrai das instituições que se apresentam nas estruturas dos processos de integração é que estão trabalhando para incluir os entes subnacionais em seus processos decisórios. Trata-se de um fenômeno cons- tante e que tende a expandir-se e a aprofundar-se, como a participação em decisões que digam respeito às regiões, na União Europeia, por exemplo. O

talvez ou simplesmente mais institucionalizada ou mesmo imbuída de mais força política.

No MERCOSUL, a rede de cidades criada fora dos limites da institucionalidade do bloco, a Rede Mercocidades, exerceu um papel crucial para a institucionalização da cooperação subnacional na estrutura orgânica do MERCOSUL. Assim, a criação do Foro Consultivo de Municípios, Estados Federados, Províncias e Departamentos é o resultado dos esforços da própria Rede Mercocidades para institucionalizar o direito à participação dos entes subnacionais do MERCOSUL nos temas de integração regional.

Ainda que o Foro seja um processo incipiente, com muito a desenvolver, já garante aos entes subnacionais o direito a uma voz comum, através de Recomendações não vinculantes, que, apesar de não terem tanto valor em termos decisórios, representam não somente uma conquista política da Rede Mercocidades para os entes subnacionais, mas também um mecanismo de comunicação na estrutura institucional mercosulina.

Desta análise se conclui que o Foro Consultivo ainda não exerceu a possibilidade de emanar Recomendações. Ainda que seja mais jovem que o

algum protagonismo no processo. Diante desse contexto, no MERCOSUL a relação direta dos entes

subnacionais no processo decisório ainda é mais rarefeita porque aqui não existe, todavia, um projeto de integração mais aprofundado, com órgãos supranacionais. De todas as formas, deve-se esclarecer que o objetivo dos entes subnacionais nos processos de integração regional como o MERCOSUL, do ponto de vista de seus entes subnacionais, é a possibilidade de participação em decisões que tenham relação com seus Municípios, Estados federados, Províncias ou Departamentos. Nesse sentido, também é possível questionar

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33Marcela Garcia Fonseca

se, com a criação da UNASUL, uma Organização de caráter político mais amplo e integracionista, não seria hora de pensar se o MERCOSUL é uma Organização de integração ou se é comerciais.

das Regiões na União Europeia no exercício desta relação entre descen- tralização e integração são, sobretudo, fundamentais para conferir legiti- midade jurídica, institucional e política aos processos de descentralização nos Estados-parte dos blocos, garantindo a estabilidade da atuação subnacional interna e internacionalmente. Portanto, a institucionalização contribui formal, jurídica e politicamente para a legitimação do processo de descentralização dos Estados.

Essa institucionalização para a integração subnacional se revela como

MERCOSUL, principalmente. Enquanto o Parlamento do MERCOSUL não inicia seus trabalhos efetivos para com a população mercosulina, o FCCR e a Rede Mercocidades estabeleceram um espaço inequívoco, em paralelo, no qual a voz de prefeitos(as) e governadores(as), representantes legítimos dos mesmos cidadãos do MERCOSUL, é ouvida.

Referências

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34 A integração subnacional na União Europeia e no Mercosul

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35Marcela Garcia Fonseca

2 fevereiro 2012.

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Políticas de inserção internacional das cidades: o caso de São Paulo e a Rede Mercocidades (2001-2004)

Las políticas de inserción internacional de las ciudades: el caso de São Paulo y la Red

Mercociudades (2001-2004)

Maurício Loboda Fronzaglia

Política do IFCH-UNICAMP. Professor da Universidade Presbiteriana Mackenzie. Pesquisador no Núcleo de Pesquisa sobre Qualidade de Vida/NPQV e no Núcleo de Análise da Economia

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38 Políticas de inserção internacional das cidades

RESUMO

O artigo tem como objetivo apresentar o estudo da inserção internacional das cidades utilizando-se do estudo de caso de São Paulo no período correspondente ao mandato da prefeita Marta Suplicy, de 2001 a 2004, e concentrando-se na participação do município nas redes internacionais de

em um capítulo de minha dissertação de mestrado na qual foram estudadas e mapeadas as várias formas de políticas públicas de inserção internacional, entre elas, a participação nas redes internacionais de cidades. Destacam-se os aspectos inovadores que caracterizam as redes e as possiblidades que se colocavam no cenário político do início dos anos 2000. Palavras-chave: Cidades; Inserção internacional; São Paulo; Rede Mercocidades.

RESUMEN

El artículo tiene como objetivo el estudio de la inserción internacional de las ciudades mediante el estudio de caso de São Paulo, en el período en que gobernó la alcaldesa Marta Suplicy, de 2001 a 2004, y centrándose en la participación del municipio en las redes internacionales de ciudades y más

formas de las políticas públicas de inserción internacional, entre ellos, la participación en redes internacionales de ciudades. Destacamos los aspectos innovadores que caracterizan a las redes y las posibilidades que se colocaron en la década de 2000 a partir de la escena política.Palabras clave: Ciudades; Inserción internacional; São Paulo; Red de Mercociudades.

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39Maurício Loboda Fronzaglia

Introdução

Estadual de Campinas sob a orientação do professor Shiguenoli Miyamoto. Foi um dos primeiros trabalhos sobre um tema que, naquele dado momento,

muitos núcleos e centros de pesquisa. Uma nova realidade política envolvendo a participação das cidades e demais unidades subnacionais se construía

novos contornos políticos e sociológicos para a ação das cidades, reordenando o papel do Estado, revalorizando o poder local, tecendo e indicando novos caminhos para o desenvolvimento da democracia e da cidadania para além das fronteiras nacionais.

Tal foi o contexto em que foi elaborada minha dissertação de mestrado tendo como estudo de caso a inserção internacional da cidade de São Paulo através do estudo da atuação da Secretaria Municipal de Relações Interna- cionais. E, nesse entrelaçar da construção de nova dinâmica politica dos poderes locais, as redes internacionais de cidades apresentaram (e apresentam) um papel de singular importância, especialmente dentro do meu objeto de estudo, a Rede Mercocidades.

O texto aqui apresentado tem como base um dos capítulos da dissertação, aquele que se concentra na participação da cidade de São Paulo nas redes internacionais de cidades. Não é um texto que se estende até o tempo presente.

participação de São Paulo (e de tantos outros municípios) na Rede Merco- cidades naquele período de 2001 a 2004. Sua importância está no fato de demonstrar as possibilidades que outrora se insinuavam e as que estavam abertas e compará-las com os rumos e caminhos tomados desde então. Sua

surge a Secretaria Municipal de Relações Internacionais de São Paulo e quais eram seus objetivos e mostra uma tipologia das políticas públicas de inserção

analise-se a participação da cidade nas redes internacionais, apresentando

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40 Políticas de inserção internacional das cidades

Rede Mercocidades no período proposto. A terceira seção traz uma análise do papel das redes na dinâmica política que entrelaça atores e cenários locais, nacionais e globais. Finalmente são expostas as conclusões.

A inserção internacional da cidade de São Paulo

A participação de São Paulo na Rede Mercocidades só pode ser com- preendida no contexto político amplo que marcou o início do governo do Partido dos Trabalhadores no município com a eleição de Marta Suplicy. No ano de 20011, a cidade de São Paulo passou a ter uma Secretaria de

com uma secretaria própria. Anteriormente, a última política semelhante havia sido desenvolvida pela prefeita Luíza Erundina, também do Partido dos Trabalhadores, com a criação de uma coordenadoria de relações interna- cionais. Nos dois mandatos posteriores, qualquer atividade nesta área resu- miu-se a atividades protocolares a cargo de cerimonial da Prefeitura Municipal de São Paulo.

A Secretaria Municipal de Relações Internacionais (SMRI) foi criada com os objetivos de inserção internacional de São Paulo estabelecendo contatos com organizações internacionais, com redes internacionais de cidades, e estimulação de relações bilaterais com outras cidades e outros Estados. Para ocupar o cargo de Secretário, foi escolhido o professor do Instituto de Economia da Unicamp Jorge Eduardo Levi Mattoso que exerceu o cargo até

Federal, sendo substituído por Kjeld Jakobsen. Segundo o primeiro ocupante

internacionais da prefeitura de São Paulo e os acordos de cooperação, parcerias e projetos internacionais” Em segundo lugar, a secretaria assumiria “papel de

a secretaria seria “responsável pelas relações institucionais com embaixa- das, consulados e representações internacionais” (MATTOSO, 2002, p. 117).

Secretaria Municipal de Relações Internacionais. O primeiro eixo seria a participação nas redes internacionais de cidades como a Rede Mercocidades,

1 Lei 13.165 de 05 de junho de 2001.

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41Maurício Loboda Fronzaglia

a então FMCU – Federação Mundial das Cidades Unidas, e a UCCI – União das Cidades Capitais Ibero-americanas. O segundo eixo de atuação seria o estabelecimento de contatos e projetos de cooperação com as organizações

dial, Banco Interamericano de Desenvolvimento, Organização Mundial de Saúde, Organização Internacional do Trabalho, UNESCO, Habitat-ONU, entre outras. O terceiro eixo seria o desenvolvimento de intercâmbio de po- líticas públicas e acordos de cooperação entre a capital paulista e outras ci- dades. O quarto eixo de atuação seria voltado para o esforço de captação e estímulo de investimentos de empresas multinacionais e ampliar os projetos de parceria entre as empresas e a Prefeitura. O quinto e último eixo de atuação constitui-se de um conjunto de iniciativas visando à divulgação internacional

desenvolvidos pela Prefeitura Municipal de São Paulo.Esses eixos foram traçados no início de atuação da SMRI. Inexistindo

um referencial anterior que pautasse e orientação dessa política pública ( JOBERT e MULLER, 1987), as ações do poder local constituíram uma

desenvolvida ao longo do período estudado. Novas ações foram implemen- tadas, houve redirecionamentos e mudanças que se construíram como resulta- dos da dinâmica própria de ação da SMRI. Apoiado no estudo do desenvolvi-

de atuação distintos quando da elaboração da minha dissertação de mestrado.

Tipologia das Políticas Públicas de Inserção Internacional da cidade de São Paulo.

Através da pesquisa de campo que ocupou quase todo o período de elaboração da dissertação de Mestrado, foi possível reorganizar os eixos de atuação da SMRI e suas ações públicas para a inserção internacional da cidade2

2 A colaboração com a Secretaria Municipal de Relações Internacionais foi favorecida pela minha participação como pesquisador voluntário do Projeto “Políticas Públicas Locais e Inserção Internacional” arquitetado e desenvolvido pelo CAENI – Centro de Estudos das Negociações Internacionais, atualmente ligado ao

FAPESP em um primeiro momento, e posteriormente desenvolveu-se com o auxílio do CNPq.

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42 Políticas de inserção internacional das cidades

modos de atuação internacional da cidade de São Paulo, suas possibilida- des de ação, suas limitações, e suas motivações dentro de um contexto internacional caracterizado pela globalização, pela urbanização, descentra- lização, pelos processos de integração regional, que passavam por um momento

do Estado. A partir deste recorte temático foram pesquisados inúmeros documentos da SMRI, entre eles os informes internos dos coordenadores, do próprio Secretário e do Chefe de Gabinete, além das notícias vinculadas no siteobjetos de observação e estudo os principais projetos de ação internacional desenvolvidos pela Secretaria ao longo destes quatro anos. Os sites das redes internacionais de cidades e poderes locais constituíram também uma fonte importante de pesquisa, com suas notícias e textos sobre o assunto.

quanto às

para mapear a atuação de São Paulo através da SMRI, órgão responsável por conduzir suas políticas de inserção internacional. Os Eixos de políticas pú-

vidades que visam à participação e interação da cidade como ator paradi- plomático das relações internacionais3. Desta forma, estão incluídas nesta

atores das relações internacionais, sejam eles Estados, unidades subnacionais, organismos multilaterais e atores internacionais não estatais.

disponíveis na literatura (BACHE, MITCHELL, 1999; DEHOUSSE, 1991; ALDECOA, F. and KEATING, M., 2000; RODRIGUES, 2004) sobre o tema e os diálogos frequentes e entrevistas feitas com os membros da Secre- taria de Relações Internacionais, durante o período de pesquisa, foram

1) Cooperação Internacional.2) Participação em Eventos Internacionais.

3

subnacionais – de maneira isolada ou conjunta – conforme seu grau de autonomia e que visam sua inserção

central” (FRONZAGLIA, 2005, p.50).

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43Maurício Loboda Fronzaglia

3) Realização e Organização de Eventos Internacionais.

4) Visitas Recebidas.

5) Relação com Comunidades de Origem Estrangeira.

7) Participação em Redes Internacionais de Cidades.

Ressalta-se que nem todas as formas de inserção receberam a mesma atenção e tampouco tiveram a mesma relevância para a cidade de São Paulo. No decorrer da pesquisa, tornou-se claro que a principal atenção estava voltada para a cooperação internacional descentralizada, porque envolvia uma ampla gama de parceiros em potencial, e poderia também concretizar a oportu-

essenciais para a Prefeitura de São Paulo. Tal foi a importância desta política

sob responsabilidade de uma única coordenadoria; pelo contrário, cada

internacional com certas regiões do globo, tendo inclusive a participação direta do Secretário de Relações internacionais e do Chefe de Gabinete em vários contatos e ações dentro deste campo. Destaca-se ainda que o maior projeto de cooperação internacional desenvolvido pela Prefeitura durante este período, o Programa Urb-AL (Rede de Cooperação entre cidades da Europa e América Latina dividida em Redes Temáticas, sendo que, durante o período estudado, São Paulo presidiu a Rede 10 de combate à pobreza urbana) que teve criada

Europeia. A participação nas redes internacionais de cidades e autoridades locais

foi também objeto prioritário das políticas públicas de inserção. Essas redes internacionais t m o objetivo de reunir as cidades para atuação conjunta em diversos temas relevantes das relações internacionais. Há tanto redes especícomo o ICLEI (Governos Locais pela Sustentabilidade – América Latina e

como a CGLU – Cidades e Governos Locais Unidos, que t m a representação assegurada de cidades de todos os continentes e procura atuar de maneira mais ativa junto a Organização das Nações Unidas e suas ag ncias voltadas para o desenvolvimento urbano. Destacou-se, ainda, a participação na Rede Mercocidades, que atua no âmbito da integração regional, seguindo o exemplo

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44 Políticas de inserção internacional das cidades

bem sucedido da Eurocidades, que teve papel importante para a inclusão das cidades e governos locais na estrutura política e administrativa da União Europeia. Foram enquadradas em um segundo plano as demais políticas de inserção internacional implementadas naquele período.

As Redes Internacionais

O conceito de organização em rede tem sido vastamente utilizado para descrever a dinâmica de funcionamento de uma série de organizações sociais. A ideia de articulação horizontal sem uma relação rígida de hierarquia torna-se responsável por uma das principais contribuições da s ações das redes de cidades, fazendo com que busquem u m a gestão pública mais

ações públicas que resultam dessa relação.

Atualmente o termo “rede” tem sido constantemente utilizado para se referir a formas empresas, instituições, e cidades, como também para a divulgação e divisão de

poderia ser considerado como característica recente nas formas de organi- zação social. Contudo, a história ocidental está repleta de exemplos de formas de organização muito similares ao que hoje se chama de “rede”.

Segundo o sociólogo

taforicamente, à imagem de entidades, indivíduos e ideias que estão conectados entre si. A segunda maneira de utilizar esse termo refere-se à

alcançar determinados objetivos comuns. Finalmente, o terceiro uso do termo diz respeito quase que exclusivamente às redes sociais, considerando-as “não apenas como metáfora da estruturação das entidades na sociedade, mas também como método para a descrição e a análise dos padrões de relação

no âmbito da sociologia relacional4. De acordo com essa corrente, em uma

4

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45Maurício Loboda Fronzaglia

análise social não é possível compreender os fenômenos sociais pela obser- vação de dados de grupos sociais isoladamente. É necessário ter em conta os dados referentes às suas relações. Desta forma, a sociologia relacional concentra-se nos dados que envolvem os vínculos e conexões que relacionam os agentes entre si, e tais dados não podem ser reduzidos às “propriedades dos agentes individuais”.

A análise feita por Marques (2000) mostra-se relevante porque expõe

adequando-se, então, para os estudos das origens e do funcionamento das

como uma forma de organização de entidades, instituições, grupos sociais ou indivíduos que se relacionam entre si segundo uma articulação baseada no princípio da horizontalidade – sem um comando central – buscando alcançar, de forma conjunta, objetivos comuns por eles determinados.

As redes internacionais de cidades

As redes internacionais de cidades constituem-se como um meio para realizar a inserção internacional dos governos locais, para o incremento da cooperação internacional descentralizada – cooperação entre cidades – assim

para a discussão e divulgação dos problemas enfrentados pelos governos locais, considerando-se que neles se expressam os problemas globais. Em

âmbito

assim uma participação mais ativa nos rumos da integração, expandindo-a para além das atividades comerciais.

A organização das cidades em redes internacionais tem maior visibili- dade a partir da década de oitenta com a criação da Metropolis – associação

se nos anos noventa com a criação da Rede Eurocidades e com a criação da

recentes em São Paulo e o debate das cidades globais. Novos Estudos CEBRAP, n° 55, 2000; SCOTT, J. Social

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46 Políticas de inserção internacional das cidades

rede Mercocidades. Frise-se, contudo, que algumas associações interna- cionais de cidade e autoridades locais foram fundadas antes desse período, como a IULA – International Union of Local Authorities que surgida em 1913, e a FMCU – Federação Mundial das Cidades Unidas, fundada no início da década de cinquenta na França. Em 2004, essas duas organi-

à CGLU – Cidades e Governos Locais Unidos.

Redes Internacionais de Cidades com a Participação de São Paulo.

O início da participação internacional da capital paulista através das redes iniciou-se no governo Marta Suplicy, sendo que não há registro de participações anteriores. A decisão por uma política de inserção internacional cabe à administração local, e tal decisão não havia sido tomada pelos governos municipais anteriores, exceção feita à Assessoria de Relações Internacionais existente durante o governo Luiza Erundina, no período de 1989 a 1992. Mas durante esse período, ainda não havia um crescimento acentuado da importância das redes de cidades, e também porque nesta época as redes voltadas para um alargamento dos processos de integração regional haviam apenas iniciado o seu trabalho na Europa – a criação da Rede Eurocidades deu-se em 1992 – e não constatavam da agenda política das cidades do Cone Sul, já que nesta época o MERCOSUL apenas começava sua estruturação.

A participação em redes internacionais de cidades existentes na história do município de São Paulo iniciou-se durante o recorte temporal escolhido

irmanamento que não garantiam uma política de cooperação entre as cidades e nem compromisso políticos, econômicos e sociais de maior alcance. A

à Federação Mundial de Cidades Unidas, passando depois a agir com maior protagonismo na União das Ci- dades Capitais Ibero-americanas, e na Rede Mercocidades. Conforme se consolidava a política de inserção internacional desenvolvida pela adminis- tração municipal, São Paulo aumentaria sua participação quantitativa e qualitativamente nesse novo espaço de atuação internacional. Os resultados dessa política foram logo visíveis, como a coordenação da Unidade Temática de Meio Ambiente na Rede Mercocidades, e culminou com a eleição da então

Governos Locais Unidos, em Paris no ano de 2004, durante o congresso

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47Maurício Loboda Fronzaglia

diais de cidades, a FMCU – Federação Mundial de Cidades Unidas, a IULA – International Union of Local Authorities, e a Metropolis.

São Paulo também concentrou esforços para aumentar sua participação nas redes nacionais de cidades, como a FNP, Frente Nacional de Prefeitos, sendo responsável pela atuação internacional desta entidade, garantindo sua participação inicialmente no seio da estrutura da FMCU, e posteriormente dentro da CGLU.

A Rede Mercocidades: exemplo de atuação das redes na integração regional.

As redes de cidades que atuam no âmbito da integração regional, como

tante no fortalecimento e democratização dos processos de integração regional. De fato, a participação das redes de cidades nesse âmbito tem sido objeto de

nas decisões do bloco através da criação da Rede Mercocidades. Entre os principais objetivos dessa organização contidos na Declaração de Assunção5 destaca-se a proposta de “La creación de un Consejo de Ciudades del Mercosur, denominado” Mercociudades “, con el objeto de vincular esfuerzos y recursos orientados a estrategias de desarrollo urbano ante las exigencias del Mercosur”.

No estatuto da Rede Mercocidades, podemos constatar algumas prio- ridades pela busca de uma integração mais forte e intensa do MERCOSUL através da ação pública das cidades. Limitando-se ao recorte estabelecido na pesquisa de dissertação, eram então estes os objetivos6

1) Favorecer a participação das cidades na estrutura do MERCOSUL

2) Impulsionar a criação de redes de cidades através de unidades técnicas operativas que desenvolvam diversas ações, programas e projetos de interesse comum intermunicipal adequados ao processo de integração.

5

redmerciudades.org6

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48 Políticas de inserção internacional das cidades

dos cidadãos aos centros municipais de investigação, desenvolvimento tecnológico e cultura.

diversas municipalidades e as redes que forem sendo criadas.

para as municipalidades.6) Coordenar o planejamento e promover ações vinculadas ao crescimento

e ao desenvolvimento urbano das cidades.7) Incentivar atividades ligadas à cultura, lazer, esporte e turismo.8) Impulsionar a criação de unidades técnicas intermunicipais, com

representação integrada, para o planejamento e o desenvolvimento de projetos comuns e regionais.

propor e apoiar soluções possíveis de serem executadas pelos governos locais.

Ainda que sejam diretrizes gerais, é evidente a preocupação da Rede no adensamento do processo de integração regional que se daria pela participação mais efetiva das cidades.

A rede Mercocidades operava por meio de 14 unidades temáticas

cuja cidade sede será a cidade responsável pela Secretaria Executiva da rede. A rede atua para que o MERCOSUL se fortaleça não apenas no as- pecto de interação econômica, mas também na interação para a resolução de problemas sociais e políticos que se materializam nas cidades criando novas demandas de ações públicas dos governo locais, assim como para a maior participação dos poderes locais nos processos de decisão dos rumos do MERCOSUL.

São Paulo atuou como membro titular do Conselho de Mercocidades e também foi responsável pela coordenação da Unidade Temática de Meio

O Conselho Executivo da Rede Mercocidades tem a função de gerenciar a

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49Maurício Loboda Fronzaglia

administrar a rede, e reúne-se com maior frequ ncontros de cúpula.

A Rede se organiza em Unidades Temáticas de forma a tentar cobrir todo o escopo de atuação expresso em suas diretrizes. Quando da época da pesquisa, era a seguinte a distribuição dessas unidades.

Tabela 1 – Unidades Temáticas e cidades coordenadoras

1.1. 1. Autonomia e Gestão Municipal

Coordenador Malvinas – ArgentinasSubcoordenador Santa Cruz – Bolívia, La Plata e Moron – Argentina.

2. Coordenador São Carlos – BrasilSubcoordenador Rio de Janeiro – Brasil

3. Cooperação Internacional Coordenador Montevidéu – UruguaiSubcoordenador Pergamino – Argentina

4. Cultura Coordenador Buenos Aires – Argentina Subcoordenador Juiz de Fora – Brasil

5. Desenvolvimento Econômico Local

Coordenador Santo André – BrasilSubcoordenador Rosário – Argentina, São Caetano do Sul – Brasil.

6. Desenvolvimento Social Coordenador Rosário – ArgentinaSubcoordenador La Matanza – Argentina.

7. Desenvolvimento Urbano Coordenador Recife – BrasilSubcoordenador Córdoba – Argentina.

8. Educação Coordenador Belo Horizonte – BrasilSubcoordenador Santo André – Brasil.

9. Coordenador Rosário – ArgentinaSubcoordenador Santo André – Brasil.

10. Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável

Coordenador Montevidéu – UruguaiSubcoordenador Rio Claro – Brasil.

11. Planejamento Estratégico Coordenador La Matanza – ArgentinaSubcoordenador Buenos Aires – Argentina.

12. Turismo Coordenador Belo Horizonte – BrasilSubcoordenador Buenos Aires – Argentina, São Bernardo – Brasil, Florida – Uruguai e Luján – Argentina

13. Juventude Coordenador Mendonza – ArgentinaSubcoordenador Morón – Argentina, Recife – Brasil

14. Segurança nas Cidades Coordenador Assunção – ParaguaiSubcoordenador Guarulhos – Brasil.

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50 Políticas de inserção internacional das cidades

de discutir e propor políticas e ações públicas que visam à melhoria da vida nas cidades, assim como também apresentar propostas concretas que possam abranger todas as cidades do Mercosul. Há ainda o desenvolvimento da cooperação técnica entre as cidades envolvidas em cada unidade temática e

de políticas públicas que possam ser compartilhadas pela rede. Em uma abordagem cognitiva das políticas públicas ( JOBERT et MULLER, 1987), pode-se dizer que, através da Rede, as cidades buscaram a constituição de um novo referencial de políticas públicas que não só adensasse o processo

participação cidadã das políticas públicas e do próprio Mercosul. Durante o período estudado, a Rede Mercocidades havia assinado dois

acordos de cooperação técnica, um deles com a Rede Eurocidades – Eurocities, e outro com o programa de Cooperação Internacional Descentralizada da França. A participação das cidades no âmbito da integração regional tem se dado através da Rede Mercocidades, em um claro exemplo de que os obje- tivos da integração regional transbordaram suas expectativas iniciais e passaram a envolver novos temas e novos atores que outrora não estavam previstos no processo. Mesmo que o MERCOSUL não tenha avançado tanto nesses últimos anos devido às crises nos países membros e ao aumento da

tentativa de participação das cidades no seio desse processo tem trabalhado

de cada país, mas que também possa abarcar todos os níveis de governo dos países membros, ampliando não só o número de atores envolvidos, como a pauta discutida e os objetivos desse processo político.

De acordo com o ex-coordenador de Redes da Secretaria Municipal de Relações Internacionais, Alberto Kleiman, não foram raras as oportunidades em que, durante as reuniões da então REMI (Reunião Especializada de

– Foro Consultivo de Municípios, Estados Federados, Províncias e Departa- mentos do MERCOSUL), as cidades defendessem posições convergentes em oposição ao governos centrais. Não se pode ignorar o fato de que a busca por

pólio da condução dos assuntos estrangeiros exercido pelos governos centrais

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51Maurício Loboda Fronzaglia

dos quatro países membros do MERCOSUL. Contudo, tem-se a percepção de que a participação das unidades subnacionais seria tão mais produtiva quanto mais fosse estimulada pelos governos centrais.

para o processo de integração regional mostra-se um canal importante de desenvolvimento de uma política de inserção internacional para a cidade, reforçando não apenas sua participação como ator internacional, mas aumentando também a participação política das cidades na esfera nacional e contribuindo para uma prática política mais democrática e participativa, aberta aos cidadãos.

Características das Redes, as cidades e a participação cidadã: do local ao global.

De acordo com Teixeira (1999), as organizações da sociedade civil e os governos locais passaram a formar redes com objetivo de se fortalecerem

ações conjuntas. Além disso, as redes são formas de superar o localismo e o

redes de cidades pode ser tomada como indicativo de criação e fortalecimento de uma sociedade civil global visto que, através das organizações das redes de cidades, canaliza a atuação cidadã e cria espaços institucionais concretos para as ações coletivas. As redes de cidades são, desta forma, um grau elevado de organização que se apresenta numa relação de horizontalidade, rompendo assim com a hierarquização comum às entidades internacionais tradicionais.

a) Ausência de um comando central – a relação entre as cidades se dá de maneira horizontal, não havendo uma hierarquia. Há uma divisão de funções e responsabilidades, principalmente na parte referente ao

temático em torno do qual as cidades se reúnem e mobilizam-se na busca de objetivos comuns.

b) – As redes de cidades atuam no cenário internacional com alcance outrora inimaginável, sendo que sua principal rede – CGLU – tem alcance

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52 Políticas de inserção internacional das cidades

global e é fonte importantíssima de diálogo e cooperação com a comunidade internacional. Da mesma forma, as ações macrorregio- nais das redes t

mundial na coesão e aproximação dos seus sócios.

c) Agilidade – Tanto por sua estrutura horizontal quanto pelo uso das novas tecnologias de comunicação, as redes são extremamente ágeis tanto para a tomada de decisões como para o intercâmbio de

d) – As redes aglomeram e inserem no cenário internacional muitos atores políticos, governamentais ou não, que de outra forma teriam uma inserção muito mais frágil ou inexistente. A riqueza dos estimula o diálogo e a democratização dos grandes temas internacionais.

e)listadas acima, as redes permitem um compartilhamento de conhecimento que é, na verdade, uma democratização para a cons-

comuns aos membros. Além disso, torna-se imprescindível destacar que é através das redes que as cidades menores e com pouca

área internacional podem participar das atividades

– característica fundamental para aprofundar o diálogo democrático na busca por objetivos comuns.

As características acima listadas abrangem a dinâmica de funcionamento da Rede Mercocidades, além de outras organizações sociais e políticas, e

mentadas pelas SMRI durante o governo Marta Suplicy. As possibilidades que então se colocavam mostravam-se animadoras no sentido de construir uma integração regional mais democrática através da participação das cidades. Seriam elas as responsáveis por dar voz e representação à população local na complicada dinâmica intergovernamental que marcava (e ainda marca) a condução política, econômica e social do MERCOSUL.

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53Maurício Loboda Fronzaglia

Conclusões

Embora muitas organizações do passado moderno, medieval e antigo já tivessem apresentado disposição semelhante às redes, percebe-se que as redes

de atuação, quando por sua amplitude temática, e acima de tudo por sua estrutura formal horizontal, que fazem das redes verdadeiros exemplos de

líticas públicas e consolidação da democracia cidadã. Através das redes,

e do saber, das informações e opiniões, e também uma mudança de repre- sentação dos atores políticos locais e não governamentais que t m sua inserção internacional vinculada a sua atuação dentro das redes.

O contexto social de quando elaborada a dissertação mostrava-se marcado novos contornos da

soberania – econômica e política – que afetam principalmente os países

do papel do Estado e pela legitimação do poder na esfera das relações internacionais (visto que grandes conglomerados de indústrias, fundos internacionais de investimentos, empresas transnacionais e outros agentes det m um poder econômico maior d o que a grande maioria dos países e exercem esse poder sem ter que legitimá-lo ou prestar contas para a po-

tativa, as redes apareceram como uma alternativa inovadora – embora com limites – na luta por uma maior participação cidadã que podem vir a in-

mesmo tempo em que lutam para combater os efeitos não desejados da globalização que recaem diretamente sobre as cidades. As redes atuam como impulsionadoras da democratização da política e da construção de espaços públicos democráticos seja no âmbito nacional, regional ou internacional.

Dentro dos processos de integração regional, a importância da participação dos outros níveis estruturais dos governos nacionais é essencial para seu adensamento e fortalecimento, tal como demonstra a história da União Europeia, que ultrapassa em muito uma integração tarifária e comercial devido, em grande parte, à participação das autoridades locais e à repre- sentação dos seus interesses nos mais variados itens de negociação para o aprofundamento da União Europeia. Já dentro do MERCOSUL, desde

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54 Políticas de inserção internacional das cidades

institucionalizada da inte-

gração, e também às crises políticas que abalaram os quatro países do bloco naqueles anos. Contudo, a participação das cidades mostra-se essencial para acentuar a consolidação desse processo em vários outros níveis ins- titucionais. Ao longo dos últimos anos, a crise econômica internacional parece ter contido o impulso que havia na participação democratizante das cidades nos processos de integração regional.

Ainda que fosse feita a ressalva que esse tipo de organização interna das redes de cidades não poderia ser incorporada pelos organismos internacionais compostos pelos Estados Nacionais, e de que tal tipo de composição organizacional só seja possível em órgãos de representação das unidades subnacionais – ou seja, com autonomia limitada, tal ressalva não invalidaria essa qualidade inovadora de construção democrática. De fato, há ainda um espaço para uma maior democratização das relações interna- cionais, mesmo que o Estado Nação deva continuar a monopolizar as ações em campos estratégicos – como a segurança nacional, a paz, as negociações militares. Entretanto, a manutenção do primado do Estado nesses campos não impede a democratização de outros temas que não se limitam pelas linhas fronteiriças traçadas historicamente. Tal fato não gera incompa-

vezes ignorada ou mal interpretada. Em ações internacionais de apro- ximação e intercâmbio cultural, preservação do meio ambiente, respeito aos

centros urbanos, as cidades tem um papel importante a ser desempenhado,

através da sua participação nas redes internacionais. De fato, a situação ideal seria uma ação convergente entre os vários níveis de governo nas diversas esferas de ação internacional.

ações internacionais das cidades como apenas uma estratégia de governo local, levando em consideração somente o jogo de forças dentro da política nacional. Claro que esse é um aspecto importante e verdadeiro, sendo um dos

política, talvez desde a época de Maquiavel. Entretanto, há outros aspectos que não podem ser ignorados, como a resolução de problemas globais que

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55Maurício Loboda Fronzaglia

se materializam na vida urbana. O momento presente retrata a consoli- dação de um mundo urbanizado que gerou grande parte dos problemas que

dinâmica de ação pública onde se entrelaçam o global, o nacional e o local

a participação cidadã no MERCOSUL. Tais possibilidades já estavam dadas

recionar a democracia e a participação cidadã no entrelaçar do internacional, do nacional e do local.

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Page 58: Paradiplomacia em Movimento

A Rede Mercocidades na integração regional sul-

americana: sua relação com o MERCOSUL e a perspectiva de

interação com a UNASUL*La Red Mercociudades en la integración regional sudamericana: su relación con

MERCOSUR y la perspectiva de interacción con UNASUR

Larissa Roxanne Baum

UNIRITTER.

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58 A Rede Mercocidades na integração regional sul-americana

RESUMO

O cenário sul-americano atual é marcado pela interação entre integração regional e paradiplomacia. Estes se conectam na Rede Mercocidades, formada, inicialmente, para a participação dos governos locais no MERCOSUL. Mas, pelo incremento da relevância internacional das cidades, há possibilidade de a Rede contribuir para inseri-las em outras iniciativas. Assim, visa-se a examinar a atuação da Rede junto ao MERCOSUL, para, a partir disso, averiguar a possibilidade de expandir sua atuação à UNASUL, pelas relações de complementaridade entre os blocos.Palavras-chave: Integração; Paradiplomacia; Mercocidades; MERCOSUL; UNASUL.

RESUMEN

El actual escenario sudamericano se marca por la interacción entre la integración regional y la paradiplomacia. Estos se conectan a la Red Mercociudades, formado inicialmente para participación de los gobiernos locales en el MERCOSUR. Pero, por el aumento de importancia internacional de las ciudades, hay una posibilidad de que la Red contribuye a insertarlos en otras iniciativas. Así, el objetivo es examinar el desempeño de la red con el MERCOSUR, para, a partir de eso, investigar la posibilidad de expandir sus operaciones a UNASUR ya que hay relaciones de complementariedad entre los bloques.Palabras clave: Integración; Paradiplomacia; Mercociudades; MERCOSUR; UNASUR.

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59Joséli Fiorin Gomes, et al.

Introdução

No cenário atual das relações internacionais, a integração regional é rea- lidade inegável e, possivelmente, irreversível, constituindo-se em parte essencial das agendas de política externa de diferentes países. Este contexto é particularmente evidente na América do Sul em que, pelas proximidades

Comum do Sul (MERCOSUL) e a União das Nações Sul-Americanas (UNASUL).

Tanto a Rede Mercocidades quanto o MERCOSUL e UNASUL são organismos que objetivam e priorizam a integração da América do Sul, fornecendo espaço para promoção da cooperação e do desenvolvimento da região. Mas, nestes dois últimos organismos, inicialmente, os processos deliberativos e decisórios eram centrados apenas nos governos nacionais. A Rede Mercocidades, frente a isso, foi formada para buscar a participação dos governos locais na integração mercosulina. A importância da participação de governos subnacionais na integração regional se dá pelo fato destes governos estarem mais próximos aos problemas e demandas dos cidadãos do que os governos nacionais. Nesse sentido, a Rede Mercocidades visa a que os atores subnacionais tornem-se protagonistas, adquirindo voz e espaço de atuação para melhoria das políticas sul-americanas. Assim, além de incluí-los no âmbito do MERCOSUL, a Rede pode contribuir para inserir esses atores no processo mais amplo da UNASUL.

Nesse passo, este trabalho visa a examinar duas questões. A primeira destina-se a perquirir sobre a atuação da Rede Mercocidades junto ao MERCOSUL, tendo em vista que foi criada para favorecer a participação das cidades junto a este bloco regional. A partir disso, a segunda questão refere-se a averiguar quais as possibilidades de expansão da atuação da Rede em direção à UNASUL, bloco com o qual o MERCOSUL estabelece relações de complementaridade, em razão de a Rede visar ao aprofundamento do protagonismo das cidades na integração regional sul-americana. É o que se tratará a seguir.

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60 A Rede Mercocidades na integração regional sul-americana

A Rede Mercocidades e suas relações com o MERCOSUL: exemplo da paradiplomacia na integração regional sul-americana

O panorama contemporâneo é marcado pela larga interação entre os âmbitos

é, com isso, experimentada cotidianamente nas cidades. Nesse sentido, estas

diplomacia, então, tem que se adaptar aos novos tempos, já que a ideia de que as relações internacionais apenas são realizadas pelo e para os governos nacionais centrais tornou-se obsoleta (TAVARES, 2013). Em função disso, surge o fenômeno da paradiplomacia1. Segundo Fronzaglia, esta pode ser caracterizada como

(...) o conjunto de atividades desenvolvidas pelas unidades subnacionais – de maneira isolada ou conjunta – conforme seu grau de autonomia e que visam sua

com a diplomacia conduzida pelo governo central. (FRONZAGLIA, 2005, p. 50)

Frente a isso, trata-se de processo de atuação de entes subnacionais2 em que interesses e demandas regionais ou locais, de cunho político, econômico e cultural são estabelecidos de modo global, trazendo-lhes maior legitimidade e a possibilidade de encontrarem novos parceiros no âmbito internacional. Nesse viés, a inserção internacional das cidades tem papel relevante para a concretização da integração regional. Esta objetiva fortalecer os países, mediante cooperação econômica, política, social e cultural, ao promover o desenvolvimento e a melhoria da qualidade de vida das suas populações. Parece

1

referindo a iniciativas dos governos federados sobre temas de segurança nacional. Nesse passo, o autor a

dos governos centrais a respeito das questões estratégicas do país (1990, p. 18). No mesmo sentido, Rodrigues (2004) refere-se ao fenômeno como “política externa federativa”, sustentando que o enfoque recai sobre os interesses e necessidades locais.

2

organização dos demais Países, diferenciando-as dos governos centrais destes. No entanto, há aqueles, como Castelo Branco (2007, p. 56) e Prazeres (2004, p. 283), que entendem que seria mais apropriado tecnicamente, para tratar do fenômeno da paradiplomacia e dos entes não centrais, utilizar o termo “subestatais” em vez de “subnacionais”, para respeitar a distinção entre Estado e Nação.

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61Joséli Fiorin Gomes, et al.

ser este o caso do MERCOSUL. Para que as decisões tomadas no bloco

Mercocidades.A Rede Mercocidades é uma organização de cooperação descentrali-

zada3, formada pelos governos locais da região sul-americana, sendo, atualmente, composta por 286 cidades da Argentina, Brasil, Paraguai, Uruguai, Venezuela, Chile, Bolívia, Colômbia e Peru. A Rede visa a pro- porcionar a inserção das cidades sócias no processo de integração regional do MERCOSUL, bem como em outros foros internacionais. Nesse sentido, objetiva fomentar o desenvolvimento de ações, programas e projetos de interesse intermunicipal que se relacionem ao processo de integração. Permite,

em prol do desenvolvimento e melhoria das condições de vida nas cidades (MERCOCIUDADES, 2014a). Portanto, trata-se de exemplo do fenômeno da paradiplomacia na integração regional sul-americana.

Diante disso, a Rede é organizada numa estrutura que conta com diversos órgãos4. Dentre estes, deve-se destacar suas 15 (quinze) Unidades Temáticas

e Desenvolvimento Sustentável; Autonomia, Gestão e Financiamento

Cultura; Esportes; Desenvolvimento Econômico Local; Desenvolvimento

3 Cooperação horizontal ou descentralizada trata-se da relação substancial colaborativa entre governos subnacionais de diferentes países, com vistas ao desenvolvimento local sustentável, o que implica em algumas formas de trocas e suportes conduzidas por estas instituições ou outros atores locais entre si. (HAFTEK, 2003, p. 336; ANDRADE E BARROS, 2010, p. 6-10).

4 O principal destes é a Assembleia Geral, para deliberação e direção da Rede, constituída pelos chefes de governo das cidades, a qual se reúne anualmente. Para auxiliá-la há o Conselho, integrado por oito cidades dos países membros do MERCOSUL e quatro cidades dos países associados (MERCOCIUDADES, 2014b). Para representar a Rede, há a Secretaria Executiva, que colabora com os demais órgãos, convocando e presidindo as suas reuniões. Em cada período, a cidade que a exerce segue um plano de trabalho aprovado na Cúpula anual da Rede e seu mandato é de um ano, a partir da reunião da Assembleia Geral. Até dezembro de 2014, é exercida pela cidade de Porto Alegre. Como órgãos auxiliares da Secretaria Executiva, há a Comissão Diretiva e a Secretaria Técnica Permanente. Aquela presta apoio nas atividades de coordenação da Rede e é composta

memória institucional da Rede, apoiar e assessorar o trabalho técnico e administrativo da Secretaria Executiva, acompanhar temas e debates sobre o processo de integração mercosulino e manter o contato com a Secretaria do MERCOSUL. (MERCOCIUDADES, 2014a).

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62 A Rede Mercocidades na integração regional sul-americana

(MERCOCIDADES, 2014d). No âmbito de algumas destas UT, há, ainda, 6 (seis) grupos e comissões de trabalho. Os grupos de trabalho são os de Cooperação Descentralizada ( junto à UT de Cooperação Internacional), Esportes ( junto à UT de Cultura), e de Incapacidades e Inclusão (junto à UT de Desenvolvimento Social), enquanto as Comissões são de Economia Social e Solidária e de Fomento de Negócios (junto à UT de Desenvolvimento Econômico Local) e de Direitos Humanos (junto à UT de Desenvolvimento Social). (MERCOCIUDADES, 2014c).

Estas UT, bem como seus respectivos GT e Comissões, discutem temas e realizam ações de interesse local e repercussão internacional. Permitem a

econômico e social. Contam com a Coordenação de uma das cidades sócias e a subcoordenação de outras destas, realizando reuniões periódicas ao ano, para tratar das atividades pertinentes às suas temáticas que se desenvolvem em cada município participante. (MERCOCIUDADES, 2014a).

Ao possuir órgãos especializados para expressar os interesses e demandas municipais, a Rede necessitava ter representação mediante uma estrutura jurídico-administrativa no MERCOSUL. Para tanto, estabeleceu-se o Foro Consultivo de Municípios, Estados Federados, Províncias e Departamentos do MERCOSUL (FCCR)5. Este órgão consultivo foi criado pela Decisão

de políticas para a promoção do bem-estar e melhoraria da qualidade de vida dos habitantes da região, bem como formular recomendações ao GMC. (MERCOSUL, 2004).

5

Grupo Mercado Comum (GMC), em 2000. No entanto, esta encontrou diversas barreiras. Segundo Kleinman

no processo amplo de integração como atores e parceiros estratégicos, logo se mostrou um órgão burocrático e pouco propício à construção de uma agenda comum entre governos locais e nacionais. Coordenada por burocratas vinculados às chancelarias e pouco familiarizados com a agenda local, a REMI em pouco tempo

e locais. Além disso, a distância dos órgãos decisórios do MERCOSUL, o Conselho Mercado Comum (CMC) e o Grupo Mercado Comum (GMC), aumentava o abismo entre governantes locais e nacionais, afastando as possíveis recomendações dos municípios de uma analise política decisória a ponto de desestimular qualquer ação institucional da REMI e de seus membros”. Com isso, esta instância foi substituída, em 2004, pelo FCCR.

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63Joséli Fiorin Gomes, et al.

como por uma Coordenação Geral, composta por Coordenadores Nacionais dos países do bloco (MERCOSUL, 2004). Conta, ainda, com uma Secretaria Técnica Permanente, também de representantes nacionais (FCCR, 2014). O COMUM, por disposição transitória do Regimento Interno do FCCR, é presidido pela Secretaria Executiva da Mercocidades6 (MERCOSUL; FCCR, 2014).

Desse modo, é por este órgão que a Rede pode estabelecer o diálogo com o MERCOSUL, enviando-lhe recomendações. Por um lado, isto legi- tima a Rede como ator no processo de integração mercosulino (DE MATOS; STEFFEN, 2012, p. 37). Por outro, o caráter ainda consultivo deste órgão junto à estrutura institucional do MERCOSUL não garante que as reco- mendações enviadas serão adotas pelos órgãos decisórios do bloco e, assim,

atuação da rede para a tomada de decisões do bloco regional. Mas esta participação traz outras oportunidades para que a Rede tenha

possibilidade de o FCCR, como órgão do MERCOSUL, apresentar projetos

do MERCOSUL (FOCEM)7, os quais podem ser originados de propostas trazidas pela Rede no comando do COMUM. Para tanto, é preciso reforçar a

que impulsione as propostas apresentadas pelas cidades. Ainda, oportunidades de participação relevante para a Rede junto ao

MERCOSUL se referem a laços estabelecidos com outros órgãos do bloco.

MERCOSUL (ISM)8 (MERCOCIDADES; ISM, 2014e), que visa à

6

de Municípios estará a cargo do governo local que exerça a Secretaria Executiva da Rede de Mercocidades”

governos municipais, mantendo-se a Secretaria Executiva da Rede, ainda temporariamente, no cargo.7

competitividade; promover a coesão social e apoiar o funcionamento da estrutura institucional e o fortalecimento do processo de integração. (MERCOSUL; FOCEM, 2014).

8

do MERCOSUL (RMADS). Efetua pesquisas sobre políticas sociais e implementação de linhas estratégicas para consolidar a dimensão social do bloco e realiza iniciativas que contribuam à redução das assimetrias sociais entre os Estados Partes e para promoção do desenvolvimento humano integral. (MERCOSUL; ISM, 2014).

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64 A Rede Mercocidades na integração regional sul-americana

cooperação em pesquisas, análise, promoção e difusão de processos e políticas de fortalecimento da integração, pela redução de assimetrias entre os Estados membros do bloco e pelo desenvolvimento humano integral, com articulação das políticas sociais. Também é exemplo disso, a aproximação que vem se estabelecendo entre a Rede e a Unidade de Apoio à Participação Social do MERCOSUL (UPS), órgão do bloco que busca fortalecer os mecanismos de participação social em sua estrutura. A Rede e a UPS, atualmente, negociam a

espaços do bloco (MERCOCIDADES, 2014d). Frente a isso, a Rede tem encontrado espaços institucionais junto ao

municipais para a condução das atividades do bloco. Contudo, estes espaços,

possuem impactos reduzidos para a tomada de decisões do MERCOSUL. É preciso, portanto, fortalecer politicamente tais espaços, para que mu-

relevante aos governos locais no âmbito do bloco.

integração regional sul-americana, é preciso encontrar espaços também em outros foros regionais e internacionais9. Um foro importante para tanto é a UNASUL, bloco regional que, recentemente, estabeleceu relações de complementaridade e articulação com o MERCOSUL. Diante disso, é preciso perquirir se há possibilidade de interação entre a UNASUL e a Rede Mercocidades, com vistas a ampliar sua atuação na região. É o que segue.

9 A partir das linhas de atuação trabalhadas nas Unidades Temáticas, a Rede mostra seu desempenho através de termos de cooperação formados com outras instituições e organizações, como por exemplo, a parceria com o Escritório para Redução de Riscos de Desastres das Nações Unidas (UNISDR), que objetiva preparar as cidades propícias a desastres naturais para seu enfrentamento, trabalhando com governos locais dos países

para a Solidariedade (FAMSI), que engloba as linhas de atuação de cooperação transfronteiriça, integração regional, desenvolvimento sustentável e participação cidadã. Outra linha de atuação observada na prática se

de Universidades do Grupo Montevidéo (AUGM), que objetiva fomentar a troca de conhecimento entre universidades públicas e áreas urbanas (MERCOCIDADES, 2014).

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65Joséli Fiorin Gomes, et al.

A possibilidade de interação da Rede Mercocidades com a UNASUL

“novo ciclo político” (BÉRMUDEZ TORRES, 2011, p. 121), que promoveu a renovação política e ideológica dos governos nacionais sul-americanos. Nesse viés, houve o relançamento do MERCOSUL10, que, de um bloco voltado à integração apenas econômico-comercial, passa a abarcar agendas de cooperação em temas como democracia, direitos humanos, educação, cultura, entre outras. Na esteira deste movimento11, surge a União Sul-americana de Nações (UNASUL), em 2008, em Brasília (UNASUL, 2014a).

A UNASUL é composta por Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Colômbia, Equador, Guiana, Paraguai, Peru, Suriname, Uruguai e Venezuela (UNASUL, 2014a). Tem como objetivo construir, de modo participativo e consensual, um espaço de integração e união nos âmbitos cultural, social, econômico e político, priorizando o diálogo político, as políticas sociais, a educação, a energia, a

isso, a eliminar a desigualdade socioeconômica, alcançar a inclusão social e a participação cidadã, fortalecer a democracia e reduzir as assimetrias entre os Estados (UNASUL, 2014a).

de Chefes de Estado e de Governo; b) Conselho de Ministros das Relações Exteriores; c) Conselho de Delegados e d) Secretaria Geral (UNASUL, 2014a). Ainda conta com doze (12) Conselhos Setoriais, de nível ministerial, os quais abordam diversas temáticas (UNASUL, 2014c) sobre os quais se

10 Em 2000, os Estados membros do bloco reuniram-se em Buenos Aires e acordaram sobre uma série de medidas

mercado comum, no desenvolvimento das relações externas do bloco na região e, principalmente, esforços de maior coordenação nos planos político e social (VAZ, 2000, p. 3-4).

11 O evento que abriu caminho para a constituição da UNASUL foi a criação da Comunidade Sul-americana de Nações (CSN ou CASA), durante a Terceira Reunião de Presidentes da América do Sul, em 2004, no Peru. A CSN nasceu para unir dois blocos regionais, o MERCOSUL e a Comunidade Andina (CAN). Durante as reuniões da CSN, em 2005, em Brasília e Cochabamba, os líderes dos países membros estabeleceram um

obstante, na primeira Cúpula Energética Sul-americana, ocorrida em 2007, na Venezuela, a CSN mudou sua denominação para UNASUL. Em 2008, depois de sucessivas aproximações iniciadas com a Primeira Reunião de Presidentes da América do Sul, no ano 2000, realizou-se, em Brasília, a Reunião Extraordinária do Conselho de Chefes de Estado e de Governo, que aprovou o Tratado Constitutivo da UNASUL, designando Quito, no Equador, como sede permanente de sua Secretaria Geral, e Cochabamba, na Bolívia, a sede de seu Parlamento. (UNASUL, 2014b).

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66 A Rede Mercocidades na integração regional sul-americana

tratará mais adiante. Também possui outras instâncias, como a Secretaria UNASUL-Haiti, para cooperação sul-americana com este país, e o Instituto Sul-Americano de Governo em Saúde, que objetiva a formação de lideranças, gestão do conhecimento e apoio técnico aos sistemas de saúde dos Estados membros (UNASUL 2014c).

Frente a isso, é plausível entender que este fenômeno constitui esforço complementar ao MERCOSUL, podendo, ainda, contribuir para o forta-

FILHO, 2008, p.18). De fato, conforme Cervo e Bueno, “mesclam-se decisões mercosulinas com decisões sul-americanas, demonstrando a imbricação desejada dos dois processos de integração” (2008, p. 513). E isto se tornou ainda

com a UNASUL (MERCOSUL, 2012). Estas relações destinam-se a estabelecer vínculos entre políticas, acordos

a superposição de tarefas e potencializar os esforços promovidos para a integração sul-americana (MERCOSUL, 2012). No marco desta decisão é que a Guiana e o Suriname, membros da UNASUL, iniciaram seus processos de adesão ao MERCOSUL, como membros associados, os quais se encontram em andamento (MERCOSUL, 2014b).

Nesse sentido, estas relações de complementaridade e articulação entre os dois blocos permitem perquirir sobre a possibilidade de a Rede Mercocidades também interagir com a UNASUL. Todavia, este bloco, ao contrário do

para representação de interesses locais. Para que se possa investigar a

se há compatibilidade de agendas entre estas entidades.Da mesma forma que a Mercocidades possui Unidades Temáticas, a

UNASUL dispõe dos antes mencionados Conselhos Setoriais, sendo estes

e Planejamento, Desenvolvimento Social, Problema Mundial das Drogas,

possui dois grupos de Trabalhos, sobre Integração Financeira e Solução de Controvérsias em Matéria de Investimentos. (UNASUL, 2014c)

Frente a isso, o exame de estrutura da UNASUL, constituída como

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67Joséli Fiorin Gomes, et al.

possível a inserção de atores subnacionais, apesar de nela não haver um espaço

Rede Mercocidades, há áreas temáticas e projetos de trabalho em comum, os quais são equiparados no quadro abaixo.

Quadro 1 – Temas em comum.

REDE MERCOCIDADES UNASUL

Unidade Temática de Segurança Cidadã. Conselho de Defesa Sul-americano.Conselho Sul Americano sobre Segurança Cidadã, Justiça e Coordenação da Ação contra a Criminalidade Organizada Transnacional.

Unidade Temática de Desenvolvimento Social.Comissão de Direitos Humanos.Unidade Temática de Juventudes.

Conselho Sul Americano para o Desenvolvi-mento Social.Conselho Eleitoral da Unasul.

Unidade Temática de Desenvolvimento Urba-no. Unidade Temática de Ambiente e Desenvolvi-mento Sustentável.Unidade Temática de Planejamento Estratégico.

Conselho de infraestrutura e planejamento.

Unidade Temática de Desenvolvimento Econô-mico Local.Comissão de Economia Social e Solidária.Comissão de Fomento de Negócios.

Conselho Sul Americano de Economia e Fi-nanças.

Unidade Temática de Educação. Conselho Sul Americano de Educação.

Unidade Temática de Cultura.Grupo de Trabalho em Cultura do Esporte, a Atividade Física e a Recreação.Unidade Temática de Turismo.

Conselho Sul Americano da Cultura.

-pacitação.

-logia e Inovação.

Elaborado pela autora Larissa Roxanne Baum.

Porém, nem todas as Unidades Temáticas e Conselhos Setoriais coin- cidem nas questões que abordam. A Rede Mercocidades possui algumas áreas temáticas nas quais a UNASUL não trabalha exclusivamente junto

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68 A Rede Mercocidades na integração regional sul-americana

a algum Conselho Setorial, por exemplo. O Quadro 2, abaixo, expõe estas

balhe com esse tema de outra forma, mas apenas que não se intercalam não trabalham de forma explícita em uma Unidade ou Conselho.

Quadro 2 – Diferenças (Temas de UT e Conselhos que não se intercalam).

REDE MERCOCIDADES UNASUL

Unidade Temática de Cooperação Interna-cional.

Conselho Energético Sul Americano.

Conselho Sul Americano de Saúde.

Unidade Temática de Integração Fronteiriça. Conselho Sul Americano sobre o Problema Mundial das Drogas.

Unidade Temática de Autonomia, Gestão e Participação.

Elaborado pela autora Larissa Roxanne Baum.

Nesse viés, constata-se que existem mais semelhanças do que diferenças entre os temas abordados pela Rede e pela Organização, o que contribui para uma possível interação entre ambas. Essa interação, num primeiro momento,

da realização de eventos, como reuniões, encontros, cúpulas, permitindo a discussão conjunta sobre tais temas. Num segundo momento, poder-se-ia, como a Rede já efetuou junto ao MERCOSUL, buscar o estabelecimento de

ação. Desse modo, este pode ser o início do caminho que leve a uma participação institucionalizada da Rede junto a este bloco.

Considerações Finais

assumirem maior autonomia nas relações internacionais, para apresentarem e concretizarem seus interesses no ambiente global, serve de alerta para os organismos internacionais e as instituições do direito internacional. Como

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69Joséli Fiorin Gomes, et al.

visto no decorrer do artigo, esses atores demandam espaço para sua inserção, e os processos de integração regional se mostram aptos a acolh los.

A Rede Mercocidades, como um desses atores, aproximou-se do MERCOSUL, operando junto a este. E apresenta potencialidade de atingir outros foros regionais e internacionais, como a UNASUL, com a qual o MERCOSUL possui relações de complementaridade e articulação. Então, estas questões foram o objeto de análise deste trabalho.

Nesse passo, examinou-se como se dá a relação entre a Rede e o MERCOSUL, encontrando-se neste espaço institucionalizado para parti-

de Municípios. Contudo, como se trata de órgão meramente consultivo, isto

tomadas pelo bloco. Apesar disso, a Rede pode utilizar-se da participação

encaminhamento de projetos de desenvolvimento regional ao FOCEM,

Além disso, a Rede tem envidado esforços no sentido de garantir arti- culação com outros órgãos do MERCOSUL, que trabalhem com temas

de cooperação, e a UPS, com a qual a Rede tem efetuado aproximação, com

junto ao MERCOSUL para tentar, pela sua atuação, incluir demandas municipais na condução das atividades do bloco, ainda que tais espaços precisem de reforço político para ter um maior e efetivo impacto para tanto.

Por outro lado, como a Rede apresenta interesse em não restringir sua atuação ao MERCOSUL, buscando ampliá-la a outras instituições, perquiriu-se sobre a possibilidade de sua interação com a UNASUL, a qual tem relações

Mercocidades e UNASUL há simetria de temas abordados por seus órgãos, bem como que estas entidades são dirigidas por e direcionadas a atores e público comuns. Assim, pode-se considerar que há espaço para interação entre ambas. Isto pode, então, dar-se mediante a aproximação inicial, via realização de eventos para discussões conjuntas, evoluindo, posteriormente,

nalizar no bloco sul-americano um espaço de participação aos governos subnacionais representados pela Rede.

Page 71: Paradiplomacia em Movimento

70 A Rede Mercocidades na integração regional sul-americana

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Em poucas palavras.

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Seção 2 Cidadania Regional

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Page 76: Paradiplomacia em Movimento

O Conceito de Cidadania no MERCOSULEl Concepto de Ciudadanía en el Mercosur

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76 O Conceito de Cidadania no MERCOSUL

RESUMO

Este artigo tem como objetivo apresentar a análise crítica do conceito de cidadania regional e de seu desenvolvimento no MERCOSUL, valendo-se

cidadania mercosulina, dos mecanismos de participação social existentes, do projeto de Estatuto de Cidadania do MERCOSUL e de sua implementação,

Palavras-chave: MERCOSUL; Cidadania regional; Integração; Regionalismo.

RESUMEN

El presente artículo tiene el objetivo de analizar críticamente el concepto de ciudadanía regional y de su desarrollo en el Mercosur, tomando la experiencia europea como referente. Trata de analizar el estado del arte de la ciudadanía mercosureña, de los mecanismos de participación social existentes, del proyecto de Estatuto de Ciudadanía del Mercosur, de su implementación, así como de los desafíos que este proceso entraña.Palabras clave: Mercosur; Ciudadanía regional; Integración; Regionalismo.

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7777Gilberto M. A. Rodrigues, José Blanes Sala

Introdução

A cidadania regional no MERCOSUL é um projeto ainda incipiente

facilitadores de mobilidade regional e de reconhecimento recíproco de di- reitos, a cidadania mercosulina, além de recente, é o componente menos

cidadania regional é, de fato, uma das últimas fronteiras a ser enfrentada no debate sobre a integração regional do MERCOSUL.

cidadania regional. Sem olvidar que a integração europeia acumula cerca de 70 anos de história, e que o grande impulso para a liberdade de circulação e

inevitável que uma análise crítica sobre a cidadania no MERCOSUL tome como

adotá-la como paradigma, como modelo a ser transportado para a América do Sul, pois sabe-se que a cidadania regional se relaciona intimamente com a

O MERCOSUL nasceu com objetivos precipuamente econômico-comerciais, norteado pela lógica economicista da integração. Segundo Sergio

primeira fase da elaboração do bloco, “O processo de construção do Mer-

(FLORÊNCIO; ARAÚJO, 1996). Houve de fato um ressurgimento do

Guerra Fria (HURREL; FAWCETT, 1995). Ali prevaleceu a ideia de que a integração regional dependia exclusivamente da conformação de um espaço econômico integrado. Essa foi a chamada fase neoliberal do

integração. Ela deixou de ser vista e tratada exclusivamente pelos governos dos Estados-membros como parte de um processo de inserção econômica internacional, e passou a ser transformada em espaço de integração política e social (LIMA, 2014).

Nos mais de dez anos em que se deu essa transformação, o MERCOSUL passou a dispor de alguns instrumentos que perfazem uma cidadania mer-

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78 O Conceito de Cidadania no MERCOSUL

cosulina embrionária. A ela, soma-se o Estatuto de Cidadania do bloco, aprovado em 2010, por meio da Decisão do Conselho Mercado

mentação.

cidadania mercosulina? Qual o conceito de cidadania existente e em processo

plementar essa cidadania regional? O texto pretende assim discutir o conceito de cidadania regional num processo de integração, valendo-se do parâ-

perspectivas.

O conceito de cidadania

A ideia contemporânea de cidadania, de sua universalização, tem seu

Francesa (1789) e em seus desdobramentos (CERQUEIRA FILHO et al, 2011, p. 67). No centro dessa ideia, o cidadão deixa de ser súdito e passa a ser sujeito de direitos e obrigações perante o Estado, que deve garantir a

letra da lei a previsão e a segurança jurídica para o exercício e a proteção dos direitos do cidadão (DALLARI, 2013).

Naquele cenário nascente, a cidadania teve seu foco nos direitos civis e

Posteriormente, os direitos econômicos e sociais expandidos pelos movimentos sindicais no Ocidente, pela Revolução Bolchevique (1917) e a instalação do welfare state, sobretudo nos países nórdicos, na Alemanha e no Reino Unido,

surgidas na primeira metade do século 20.Os regimes internacionais de direitos humanos que começam a ganhar

Sociedade das Nações (SDN), criam os primeiros instrumentos que es- boçam uma “cidadania universal”. Exemplo disso foi o Passaporte Nansen, documento criado pela SDN, que solucionou o problema de apatridia de milhões de refugiados no pós-Primeira Guerra Mundial (RODRIGUES, 2014).

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7979Gilberto M. A. Rodrigues, José Blanes Sala

Os horrores da Segunda Guerra Mundial, que suplantaram os da Pri- meira, geraram grande impacto tanto nos governos das nações aliadas, quanto na sociedade civil internacional emergente, causando grande sensibilidade para o imperativo da construção de um conceito de cidadania universal que pudesse garantir o respeito à dignidade humana em qualquer circunstância. Autores como Hanna Arendt e Jürgen Habermas são exemplos da expressão desse pensamento.

Nesse sentido, a criação da ONU e a aprovação da Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948) inauguram um esboço de cidadania universal, poderosos na sua concepção, mas frágil na sua implementação, uma vez que dependem da incorporação voluntária dos Estados. O princípio da cooperação que rege os sistemas da ONU e da OEA, bem como os regimes multilaterais de direitos humanos agregam valor à cidadania nacional, dos Estados individualmente considerados, mas não dispõem de mecanismos de cidadania compartilhada, para além dos Estados nacionais.

O debate atual sobre a criação de parâmetros mínimos para o Estado de Direito (rule of law) que permeia as negociações sobre os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS) na ONU, em vigor a partir de 2015, aponta para a criação de elementos constitutivos de uma vertente de cida- dania universal a ser adotada; mas é bom que se diga que muitos países o veem como um standard ocidental a serviço dos interesses geopolíticos do Norte Global.

Pelas razões expostas, em que pese a força do internacionalismo na con- cepção da cidadania, esta continua sendo erigida sobre bases nacionais,

internas, como bem assinala José Murilo de Carvalho (2001) em relação à cidadania brasileira.

Parece ser, assim, que a única via concreta de criação de uma cidadania para além do espaço nacional, onde as fronteiras soberanas não sejam obstáculos permanentes ou conjunturais para seu exercício pleno, é o território do regionalismo.

O conceito de cidadania regional A cidadania para além das fronteiras nacionais

A cidadania, como visto, é um conceito que se desenvolveu nos marcos da soberania estatal e se relaciona historicamente com os vínculos do indiví-

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80 O Conceito de Cidadania no MERCOSUL

duo primariamente com seu estado de origem, com sua nacionalidade. Não obstante, o conceito de uma cidadania para além do estado nacional encontra

Immanuel Kant.Para uma região de cidadanias nacionais ainda incipientes, atravessadas

por regimes autoritários recentes e cujos legados negativos seguem impactan- do as vidas das atuais gerações, a região da América Latina e Caribe apenas começa a debater e a forjar uma ideia de cidadania regional.

É difícil pensar em cidadania regional na América do Sul, quando segue

Ao mesmo tempo, a implementação de uma cidadania regional também pode funcionar como um equalizador de cidadanias nacionais, elevando para cima o patamar de cidadania garantida pelos países membros do bloco.

A cidadania na União Europeia

O conceito de cidadania no âmbito do processo de integração da União Europeia passou por diversas mudanças até o seu estado atual. O Tratado de Roma de 1957 (Comunidade Econômica Europeia, 1957), fundador do Mercado Comum Europeu, não deixa transparecer nenhuma preocupação nesse sentido, do ponto de vista literal.

Para um olhar atento sobre estas questões, não passa despercebido que o objetivo das quatro liberdades de circulação (de mercadorias, de capitais, de serviços e de trabalhadores) nele proclamadas resultam essenciais para a concretização do almejado mercado comum, mas vão muito além dele. Para um processo de integração exclusivamente econômico, ainda mais tendo no início somente seis Estados Membros, a questão da cidadania pertence exclusivamente ao domínio político estritamente nacional.

Com a gradativa implementação das referidas liberdades de circulação percebeu-se que sua concretude ia além do mero resultado mercadológico e avançava para a construção de uma verdadeira comunidade. Daí as fu- turas denominações de Comunidades Econômicas Europeias – CEE (refe-

Aço – CECA e a da energia atômica EURATOM) e posteriormente apenas de Comunidade Europeia – CE. O fato é que a ideia de comunidade pressupõe algo bem próximo de uma cidadania, uma vez que se trata de comunidade de nações e esse algo comum entre as diversas nacionali-

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8181Gilberto M. A. Rodrigues, José Blanes Sala

dades é um fator de agregação de pessoas em torno de valores, ideais e instituições.

O que esteve por trás da criação de uma cidadania para a União Europeia foi outra realidade jurídico-institucional que, indubitavelmente, deu suporte

incluídos todos os 28 da UE. Traz como escopo principal o consenso em torno

e proteção dos direitos humanos. Em 1950, os países signatários do Acordo do Conselho da Europa assinaram também a Carta Europeia dos Direitos Humanos (Conselho Da Europa, 1950), sendo que em 1954 começa a fun- cionar o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem.

Desta forma, o processo de integração econômica europeu repousa no

certamente, o responsável por transformar uma vaga identidade cultural que se encontra latente no continente em uma noção de cidadania crescentemente

linguísticas e respeita as idiossincrasias das identidades nacionais e regionais.

Luxemburgo, sempre em consonância com as decisões do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, em Estrasburgo; e, em segundo lugar, com a criação do Parlamento Europeu em 1976, órgão mais recente na Comunidade Europeia,

integrador sentisse no seu funcionamento. O Parlamento Europeu é a única instituição composta por representantes

eleitos pelos cidadãos dos Estados Membros, deixando de lado os respectivos governos, os quais, até aquele momento, eram os exclusivos responsáveis pelo funcionamento da CE. Além de representar o arco partidário completo presente nos Estados Membros, o Parlamento Europeu pode dar voz à sociedade civil, admitindo, inclusive, que os nacionais de países da UE que se encontram deslocados em outros Estados Membros possam votar e ser votados. É o Parlamento Europeu, hoje, o responsável por alavancar de forma mais orgânica

Há, de um lado, um esforço institucional para disseminá-la; e há, de outro lado, um arraigo progressivo entre as pessoas que até mesmo não fazem parte da UE, mas sim dos 47 Estados que compõem o Conselho de Europa.

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82 O Conceito de Cidadania no MERCOSUL

A cidadania europeia, como conceito concreto, tornou-se realidade presente no último documento regulatório fundante da União Europeia, o Tratado de Lisboa, assinado em 2007, nos termos dos artigos 18 a 25,

2007).

Na realidade, a inserção já foi feita em 1992, quando da assinatura do Tratado de Maastricht, conhecido formalmente como Tratado da União Europeia (União Europeia, 1992).

A rigor, do ponto de vista formal, a legislação comunitária entende que é cidadão europeu quem ostenta a nacionalidade de um dos seus Estados Membros. A partir daí, o cidadão europeu faz jus a uma serie de direitos

b) O direito de sufrágio ativo e passivo nas eleições ao Parlamento Europeu e nas eleições municipais do Estado Membro no qual venham a residir, nas mesmas condições que o nacional do referido Estado;

c) O direito à proteção de cidadão da União fora do território da União;

d) O direito de petição perante o Parlamento Europeu, de recorrer ao Defensor do Povo Europeu, bem como de dirigir-se às instituições e aos órgãos consultivos da União.

tanto, que como muito bem pondera a jurista espanhola Araceli Mangas Martín (1999) trata-se de documento jurídico de caráter aberto, exigindo

seus objetivos e exigindo, também, uma constante interpretação por parte das autoridades aplicadoras ou judicantes. O fato é que o próprio Tratado

nacional e não a substitui’.À margem do formalismo expresso na complementariedade exposta

que fazem parte, não apenas da União Europeia, mas do próprio Conselho de Europa.

Page 84: Paradiplomacia em Movimento

8383Gilberto M. A. Rodrigues, José Blanes Sala

A cidadania regional no MERCOSUL A cidadania mercosulina existente

Os componentes da cidadania mercosulina compõem um conjunto de

social; d) educação (reconhecimento de títulos); e) educação (mobilidade estudantil).

Em relação à política de deslocamento intrarregional, eliminou-se a necessidade de utilizar passaporte para viagem. A facilidade nesse caso é permitir o uso da cédula de identidade nacional para circular entre os países membros e associados no MERCOSUL.

Para efeitos de aposentadoria, conta-se o tempo acumulado nos países pelos quais o cidadão sul-americano trabalhou. No campo da educação, a cidadania incorporou instrumentos de reconhecimento recíproco de títulos. Ainda na seara educacional, esboça-se a possibilidade de mobilidade estudantil entre estudantes residentes no bloco.

cidadania na região de fronteira dos países membros, que incorporam polí- ticas de facilidade de deslocamento para os cidadãos que vivem de ambos os lados da fronteira mercosulina.

Atente-se para o fato de que esse conjunto de instrumentos facilitadores

obstáculos de variada natureza burocrática para sua efetividade, constitui apenas parte do conceito de cidadania regional, caso se tome a União Europeia como parâmetro.

O fato de que o MERCOSUL não disponha de um Parlamento com deputados diretamente eleitos, e nem de um Tribunal Geral ou de Direitos Humanos, ou ainda de uma Comissão que receba petições diretas dos cida- dãos do bloco, são obstáculos concretos para o desenvolvimento de um con- ceito de cidadania regional que não dependa da boa vontade dos Estados membros, e que valorize a autonomia do cidadão do bloco.

do bloco é um complicador para a realização de uma vertente essencial da

ia argumentar que a região conta com o Sistema Interamericano de Diretos

Page 85: Paradiplomacia em Movimento

84 O Conceito de Cidadania no MERCOSUL

Direitos Humanos nas Américas. Não obstante, o SIDH é um sistema de

tanto na concepção quanto na aplicação de todo os sistema – os EUA – não

SIDH por parte de vários países da região. Em outro aspecto, as decisões da Comissão Interamericana de Direitos

Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH), que são obrigatórias para os Estados partes na demanda, não dispõem de instrumentos de imposição de cumprimento de suas decisões, apenas de monitoramento.

É evidente que uma cidadania regional que não disponha de órgãos de integração ou comunitários que atuem na salvaguarda dos direitos humanos dos cidadãos, entendidos como cidadãos de um território integrado será uma cidadania de baixíssima intensidade. É muito difícil esperar que o conceito de cidadania regional, neste caso, mercosulina, seja assim algo tangível, que dirá completo.

A cidadania mercosulina em projeto

No pilar da cidadania, no marco dos esforços para ampliar e consolidar os direitos e garantias fundamentais para os cidadãos do bloco foi aprovado, em 2010, o Plano de Ação para a conformação de um Estatuto da Cidadania

aprofundamento, em um período de 10 anos, de iniciativas de impacto direto

social, educação e reconhecimento de estudos e títulos, circulação de pessoas e defesa do consumidor, entre outras.

Outra faceta da cidadania que ganhou espaço no MERCOSUL foi a dimensão social, que recebeu força e impulso dos Fóruns Sociais Mundiais, realizados nos anos 2000. Em 2005, foi criado o Programa “Somos Mercosul” e, a partir de 2006, teve início a participação das organizações e movimentos sociais à margem das cúpulas presidenciais do bloco, por meio de suas Cúpulas Sociais, de forma a facilitar o diálogo entre as organizações e movimentos sociais e os governos mercosulinos.

Em 2007, foi criado o Instituto Social do MERCOSUL. Em publicação

de estabelecer um marco conceitual sobre a dimensão social da integração,

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8585Gilberto M. A. Rodrigues, José Blanes Sala

(...) los ciudadanos son sujetos de derechos y no objetos pasivos, apenas receptores de los productos de las políticas públicas; la propia con dición de ciudadanía conduce a un derecho inherente a la misma, esto es, el derecho no sólo a participar de los frutos del desarrollo y del progreso tecnológico, sino

de los objetivos y la vigilancia del cumplimento de lo acordado democrática- mente por el colectivo social (p. 35).

Em 2010, foi criada a Unidade de Apoio à Participação Social (UPS) do

em novembro de 2013 (Unidade De Apoio À Participação Social, 2014). Com efeito, dentre as atribuições da UPS está a de “Promover e ampliar o envolvimento das organizações e movimentos sociais, bem como da cidadania em geral, no Mercosul” (grifo nosso).

Trata-se de canal de cidadania e de construção progressiva da cidadania regional, de corte coletivo, que reforça a ideia de uma cidadania social peculiar, em que os atores da sociedade civil representam setores tais como centrais sindicais, organizações de mulheres, de direitos humanos, de afrodescendentes,

universidades e outras agrupações que, em geral, situam-se no campo das

MERCOSUL, criado em 2007 e o Instituto de Políticas Públicas em Direitos Humanos (IPPDH), criado em 2010. Ambas as instituições incluem entre suas funções contribuir com o desenvolvimento da cidadania do MERCOSUL.

Conclusões

Pode-se concluir que a cidadania mercosulina ainda encontra-se em fase

uma cidadania que faça jus a essa categoria político-jurídica. Na União Europeia, a cidadania avançou não apenas com instrumentos, mas com instituições como o Conselho da Europa e o Parlamento Europeu, além do Tribunal Europeu de Direitos Humanos, que contribuíram para conformar o conceito, a partir da prática, de cidadania europeia hoje existente.

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86 O Conceito de Cidadania no MERCOSUL

(Instituto Social do MERCOSUL-ISM; Unidade de Apoio à Participação Social-UPS) e aos direitos humanos (Instituto de Políticas Públicas em Di- reitos Humanos-IPPDH) e a aprovação e implementação progressiva do Estatuto de Cidadania do MERCOSUL, desde 2010, e levando em conta a participação social nas Cúpulas Sociais, desde 2006, enquanto o bloco não dispuser de um parlamento com deputados diretamente eleitos e de um órgão de Direitos Humanos (Tribunal, Comissão, Conselho etc.) que vele pelos atributos da cidadania mercosulina, em que indivíduos, organizações da sociedade civil e movimentos sociais possam ter acesso direto de petição, não se poderá esperar nem médios nem grandes avanços na evolução e con- solidação da almejada cidadania regional.

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americana na perspectiva dos direitos humanos: reflexões

sobre a parceria entre a Rede Mercocidades e o Instituto de Políticas Públicas em Direitos

Humanos do MERCOSUL.La construcción de una ciudadanía

regional de América del Sur desde la perspectiva de los derechos humanos: reflexiones sobre la alianza entre la Red Mercociudades y el Instituto de Políticas

Públicas en Derechos Humanos del Mercosur

Marrielle Maia

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90 A construção de uma cidadania regional sul-americana na perspectiva ...

RESUMO

O presente artigo, no marco da comemoração dos 20 anos da rede Mer-

regional na perspectiva dos direitos humanos e a contribuição das cidades da rede nesse processo. Parte-se do pressuposto das cidades como espaços

à dignidade humana é um dos dilemas que envolvem a construção de um projeto cidadão comum. Essa gestão, entretanto, não está necessariamente vinculada

formulação e implantação de políticas públicas voltadas para o enfrentamento

no ano de 2013 entre a rede Mercocidades e o Instituto de Políticas Públicas em Direitos Humanos do MERCOSUL apresenta potencial interessante de promoção e coordenação de políticas públicas de direitos humanos que possam contribuir para a construção de uma comunidade política regional na qual as pessoas se sintam parte do espaço comunitário. Palavras-chave

RESUMEN

Este artículo, en el marco de la celebración de 20 años de la red Mercociudades,

ciudadanía regional desde la perspectiva de los derechos humanos y la contribución de las ciudades de la red en el proceso. La asunción de las ciudades como espacios marcados por la diversidad (social, económico, cultural, étnica)

convivencia con respeto a la diferencia y la dignidad humana es uno de los dilemas que involucran la construcción de un proyecto ciudadano común. La gestión, sin embargo, no está necesariamente ligada a la jurisdicción del Estado soberano. Los espacios locales son cruciales en la formulación y implementación de políticas públicas para abordar los desafíos que involucran la promoción

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y protección de los derechos humanos en los planos mundiales, regionales, nacionales y locales. Por consiguiente el acuerdo establecido en el año 2013 entre la red Mercociudades y el Instituto de Políticas Públicas en Derechos Humanos del Mercosur presenta interesantes posibilidades para la promoción y coordinación de políticas públicas de derechos humanos que puedan contribuir a la construcción de una comunidad política regional donde la gente sea parte de la zona comunitaria.Palabras clave

Introdução

O Plano de Ação para a conformação de um Estatuto da Cidadania do

de direitos e liberdades civis, sociais, culturais e econômicas para nacionais dos Estados Partes e a igualdade de condições para o acesso ao trabalho, à saúde e à educação1. Alguns passos para atingir as metas descritas já foram dados2, outros, ainda previstos, são metas que incluem a ampliação de direitos e de benefícios para os cidadãos dos Estados partes do processo de integração por meio de ações e investimentos na integração física e até ações simbólicas como a previsão da inserção da denominação MERCOSUL nas cédulas de identidade nacionais.

A constituição de uma cidadania regional é mais do que uma marca nos documentos de identidade, ou seja, não é apenas um status

1

sociais no Mercosul contribuiu para este trabalho.2

o acordo multilateral de seguridade social que possibilita que nacional de estado parte contabilize o tempo

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uma comunidade e que determina a identidade política dos seus membros3. Compreende a integração, a sociabilidade e o exercício de direitos políticos, civis e sociais reconhecidos aos membros da comunidade.

A origem da noção de cidadania remonta a civitatis romana, na qual todo homem livre era considerado cidadão da cidade que o originou. Com

com forte conteúdo excludente que se manifesta também quando passa a ser atrelado ao paradigma do Estado-nação. Com a criação e a expansão do Estado moderno, o instituto vincula-se ao critério de nacionalidade. Assim, os direitos de cidadania passam a ser exclusivos daqueles considerados nacionais, mas também daqueles que poderiam aceder à cidadania. Mulheres, escravos, povos indígenas, minorias étnicas, migrantes, entre outros grupos, foram e ainda são marginalizados nas comunidades políticas, não apenas por razões

atualidade é avançar em uma concepção de cidadania que transcenda o Es- tado-nação4, seja inclusiva e contemple os direitos humanos5.

Nesse contexto, o presente artigo, no marco da comemoração dos 20

constituição de uma cidadania regional na perspectiva dos direitos humanos6 e a contribuição das cidades nesse processo. Parte-se do pressuposto das ci- dades como espaços marcados pela diversidade (social, econômica, cultural,

3 Marshall (1965) concebia a ideia de cidadania como identidade compartilhada que integraria grupos excluídos da sociedade britânica, como as classes trabalhadoras, em uma unidade nacional.

4 Segundo Alves (1999), os conceitos de cidadania e soberania são vinculados à ideia de direitos humanos desde a superação do absolutismo nos Estados modernos.

5 A concepção de uma cidadania global nasce das articulações dos movimentos sociais de direitos humanos na defesa de uma agenda política global que contempla o conjunto de direitos econômicos, socais e culturais, ao

étnica, sustentabilidade ambiental.6

a conformação de uma comunidade sul americana integrada. O documento ressalta as raízes na história

econômicos, sociais, culturais e de segurança; o reconhecimento de que a dimensão social é essencial para se alcançar o desenvolvimento, o reconhecimento das assimetrias entre as regiões para a contribuição o processo de integração; o combate à pobreza, o acesso à saúde e a educação como ferramentas de desenvolvimento; a

de governabilidade sustentada na participação cidadã.

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de Políticas Públicas em Direitos Humanos do MERCOSUL no sentido de

respeito s diferença e à dignidade humana.

O MERCOSUL e o debate sobre participação social e cidadã

Após a II Guerra Mundial, novos processos de cooperação ganharam espaço nas Relações Internacionais, dentre os quais destaca-se a integração regional. Esses mecanismos foram inicialmente impulsionados por razões

livre comércio, união aduaneira, mercado comum, união político-econômica

da integração nas diferentes localidades onde o fenômeno ocorreu não seguiu necessariamente um mesmo padrão.

qual ele foi estabelecido e possui características próprias. O MERCOSUL7

apresentados pela globalização, mas também o de superar uma posição de marginalização política no cenário internacional agravada pela crise econômica da primeira metade dos anos 808 (MARIANO e MARIANO, 2005).

Seguindo o modelo teórico europeu, o MERCOSUL pactua pela con- secução de um mercado comum, mas encontra-se na etapa de uma união aduaneira ainda incompleta. Assim como a maior parte dos acordos regionais, a integração mercosulina foi caracterizada inicialmente como regionalismo aberto em razão da aceitação de normas orientadas para o mercado e a liberalização da economia.

et al., 2008). Essas particularidades permanecem com impacto para a efe- tivação de espaços de participação social no âmbito do MERCOSUL.

7 O MERCOSUL engloba os quatro países da América do Sul membros originários, Argentina (1991), Brasil (1991), Paraguai (1991) e Uruguai (1991). A Venezuela foi incorporada em 2012 como membro pleno. O

(2004), Equador (2004).8 Durante a Guerra Fria a região deixou de ser estratégica para os Estados Unidos, mas permaneceu área de

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Desde o início da conformação do MERCOSUL, as discussões sobre a estrutura institucional deixaram em segundo plano a agenda política e social.

tritos e esvaziados de importância, limitando-se às esferas consultivas e com

prejudicando inclusive a incorporação desse processo no cotidiano das sociedades envolvidas, com exceção das regiões de fronteira que são inicial- mente as mais sensíveis ao andamento da cooperação” 9 (MARIANO e MARIANO, 2015, p. 13).

Ainda que as dimensões sociais da integração no MERCOSUL estejam presentes nas preocupações de alguns subgrupos de trabalhos criados pelo Tratado de Assunção, não existe uma agenda social autônoma (DRAIBE, 2007). A debilidade dos canais de participação social, que tem como conse-

bem como a marginalidade das políticas sociais nas primeiras décadas de funcionamento do bloco, podem ser consideradas como as principais barrei- ras para avançar no conteúdo de uma cidadania regional que seja inclusiva e avance na garantia e efetivação de direitos humanos.

Não obstante, é necessário reconhecer alguns avanços que ocorreram nas duas etapas de desenvolvimento do MERCOSUL. Na primeira etapa que corresponde à primeira década de vida do bloco, destacam-se a inclusão do Foro Consultivo Econômico e Social como parte da estrutura institucional do MERCOSUL10, a aprovação da Carta Social e da Declaração Sócio-Laboral, os direitos de informação e de participação de atores da sociedade civil, a criação de uma agenda social do MERCOSUL e as iniciativas de inclusão institucional de outras instâncias de participação, dentre as quais a rede de Mercocidades.

Na etapa atual, inaugurada a partir do ano 2000, alguns temas da agenda

9

Trabalho 11 de Relações Trabalhistas Emprego e Seguridade Social e a Comissão Parlamentar Conjunta,

comercial, mas manteve a instância decisória nas mãos dos Estados-membros restringindo a participação de setores privados às instâncias consultivas. (Barnabé, 2012).

10 Vale mencionar que a inclusão do Foro Consultivo Econômico Social na estrutura institucional do

paralisia do Foro entre os anos 1999 e 2002.

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moção e proteção dos Direitos Humanos, o Projeto Somos MERCOSUL e a inclusão de temas como o da cidadania regional no Programa para a Consolidação da União Aduaneira e para o Lançamento do Mercado Comum em 2006. A recente criação do Plano Estratégico de Ação Social (PEAS), do Instituto Social do MERCOSUL (ISM), da Coordenação de Ministros de Assuntos Sociais e do Instituto de Políticas Públicas de Direitos Humanos (IPPDH) são também sinais de diversificação da agenda do bloco e de mecanismos de participação democrática.

Outra iniciativa relevante na introdução da temática da integração no cotidiano da política interna e da ampliação dos espaços de participação democrática foi a criação do Parlamento do MERCOSUL11 com caráter propositivo e não apenas consultivo. O Parlamento ampliou as possibilidades de diálogo com a sociedade na medida em que reforçou as reuniões com o

com a sociedade civil e os setores produtivos e seminários com especialistas (MARIANO, 2011).

De toda forma, como destaca Serbin (2013, p. 310), o novo regionalismo iniciado nos anos 2000 tem sido caracterizado por um viés mais político e de um retorno do Estado às políticas sociais e de desenvolvimento. A promoção da agenda social ocorre de “cima para baixo”, o que vai contra o consenso de Washington e suas fórmulas. No entanto, no que concerne à integração regional, o forte componente governamental que, de um lao, permite a promoção de políticas sociais, de outro, relega os atores não estatais a posições

dos sindicatos)12

11

aprofundamento da integração não apenas como uma estratégia de política externa “mas como uma questão de identidade ou destino coletivo”. (MARIANO E MARIANO, 2011, p. 139) A iniciativa da criação do Parlamento do MERCOSUL é reconhecida como importante no avanço do processo de fortalecimento das instituições do MERCOSUL. No que se refere ao debate sobre a cidadania regional, a Comissão de Cidadania e Direitos Humanos do Parlamento do MERCOSUL é motivo de expectativas da parte de atores sociais que buscam por espaços de atuação nas instituições mercosulinas. Outro órgão importante na institucionalização foi a entrada em vigor do Tribunal Permanente de Revisão. (SARAIVA, 2010).

12 As centrais sindicais do Cone Sul participaram no processo de criação do MERCOSUL desde o Tratado de

mão de obra na região. Outra iniciativa foi a inclusão dos temas no Cronograma de Las Leñas, passando a ser parte da agenda para a Carta de Direitos fundamentais.

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Com efeito, a política “de cima para baixo” e a tradição do “hiper- presidencialismo” também trazem poucas possibilidades para a inclusão de atores subnacionais, principalmente as cidades, nos debates políticos da integração em seus mais diferentes aspectos, especialmente aqueles que se

para a participação dos atores da sociedade civil que são os destinatários últimos das transformações propugnadas pelo processo de integração e aqueles que sofrem diretamente os impactos dos desequilíbrios originados pelo mesmo (SERBIN, 2013, p. 311).

As cidades e a promoção dos direitos humanos em uma dimensão coletiva: o desenvolvimento de “baixo para cima” do MERCOSUL

As cidades são espaços marcados pela diversidade (social, econômica,

processos de globalização e regionalização t m impacto direto nas localidades que passam a receber demandas de efetivação de políticas públicas para o enfrentamento da desigualdade estrutural nas sociedades, bem como de ações

à discriminação. No âmbito internacional, a contribuição das cidades como atores para

avançar na promoção dos direitos humanos em uma dimensão coletiva – e não apenas individual – tem sido cada vez mais reconhecida. As principais

referenciaram as cidades como espaços importantes na concretização de compromissos internacionais13.

Recentemente, o documento “O Futuro que Queremos” resultado da

das cidades. Segundo o documento, as populações urbanas cresceram cerca de 750 milhões em 1950 para 3,6 bilhões em 2011, o que implica que elas são as principais responsáveis pela prestação de serviços aos cidadãos por meio de políticas públicas que objetivam a garantia de direitos civis e políticos e

13 O Programa Habitat da Organização das Nações Unidas dedica-se à promoção de cidades social e ambientalmente sustentáveis. Para tanto, estimula a participação das cidades na articulação dos temas da

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também o avanço progressivo da efetivação dos direitos econômicos, sociais, culturais e do desenvolvimento sustentável (ONU, 2012, p. 1).

Com vistas a permitir o avanço na adoção de políticas públicas de enfrentamento da pobreza, garantia de habitação adequada, políticas de combate

educação inclusiva, saúde, segurança, gestão de recursos naturais14, criação

e da água, entre outras, as propostas do Rio +20 contemplaram o necessário “empoderamento das cidades no trabalho mais estreito com os governos nacionais” (ONU, 2012, p. 1).

De acordo com estudo do Ministério do Trabalho e Emprego, a po-

total do bloco (BRASIL, 2011). Nesse quadro, os interesses das cidades ganham relevância nas ações com vistas ao aprofundamento de um processo de integração para além de questões econômicas e que pretenda a criação de

é representativo dos interesses de seus sócios, também o é dos interesses das unidades federadas e dos atores não estatais que se encontram em seus

A gestão das contradições que acontecem no nível local e a construção da à

que envolvem a construção de um projeto cidadão comum. Enfatiza-se, contudo, que essa gestãosoberanos. Os espaços locais são decisivos na formulação e implantação de políticas públicas voltadas para o enfrentamento de questões que afetam a sociedade15.

No entanto, como se sabe, são poucos os espaços institucionais para a participação social e das cidades no MERCOSUL. Sobre isso, merece atenção o movimento da rede das Mercocidades na reivindicação da ampliação da participação de atores subnacionais no bloco em um movimento de “baixo para

democrático do bloco na ampliação de outros espaços para participação de outros atores sociais.

14 Importante ressaltar a preocupação com o Aquífero Guarani, um dos maiores reservatórios de águas subterrâneas e que percorre os quatro países originários do MERCOSUL.

15

especialmente nas regiões de fronteira.

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A rede Mercocidades e o Instituto de Políticas Públicas de Direitos Humanos: uma parceria promissora na promoção da cidadania regional

A Mercocidades foi criada em 07 de março de 1995 na oportunidade da Declaração de Assunção quando chefes de governos municipais resolveram criar uma rede de cidades com vistas à participação no processo de tomada de decisão, elaboração e execução de políticas relativas ao processo de integração do Cone Sul. A rede nasceu com a participação de 11 capitais dos Estados originários do MERCOSUL. Atualmente possui 286 cidades associadas da Argentina, Brasil, Paraguai, Uruguai, Venezuela, Chile, Bolívia, Peru e Colômbia.

A agenda das Mercocidades abrange tanto temas econômicos, próprios do início da criação do bloco, como os temas da chamada nova agenda da integração sustentada no início dos anos 2000, que contempla os temas de di- reitos humanos, migrações, preocupações sanitárias, entre outras que trans- cendem o aparato estatal e são de importância para atores sociais (ALMEIDA, 2012). As formas de ação são próprias da cooperação internacional des- centralizada e concentram-se na realização de cúpulas e reuniões periódicas,

boas práticas e na promoção de projetos comuns16 (DESSOTI, 2011,p. 175).

A principal crítica de estudiosos à rede Mercocidades está no grau de institucionalização isento de poder decisório (ALMEIDA, 2012; MEDEIROS, 2010; PRADO, 2009; VAZ e FIGUEIRA, 2006). Uma das principais vitórias da rede com vistas à ampliação da participação nos processos deci- sórios do MERCOSUL foi a criação em 2004 do Foro Consultivo de Municípios, Estados Federados, Províncias e Departamentos do MERCOSUL pelo Conselho do Mercado Comum do MERCOSUL. Instalado em janeiro de 2007 o Foro substituiu a antiga Reunião Especializada de Municípios e

16

políticas comuns para serem sugeridas no âmbito do MERCOSUL, assim como propor a investigação e a

escolhida pela Assembleia Geral de Mercocidades, durante a Cúpula Anual. As cidades podem, dentro de suas áreas de interesses, executar atividades de formalização de um banco de dados sobre suas temáticas, realização

de interesse (DESSOTTI, 2009b).

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tivo estimular o diálogo entre os atores representados no fórum e permitir a atuação desses atores na proposição de políticas públicas por meio de

É i

especialmente no debate sobre cidadania na região e da região.A concepção das Mercocidades sobre a constituição de uma cidadania

regional insere-se em uma perspectiva de direitos humanos (individuais e coletivos) 17. É na Comissão de Direitos Humanos ligada à Unidade Temática sobre Desenvolvimento Social que o assunto vem sendo desenvolvido. A Comissão de Direitos Humanos também tem envidado esforços no âmbito interno à rede para o tratamento das temáticas da cidadania regional e direitos humanos em uma perspectiva transversal.

Vale ressaltar alguns projetos gestados pela rede que visam lograr avanços nos debates e ações voltadas ao aprofundamento da integração da comunidade

(1) O Projeto “Integração fronteiriça no Mercosul”, criado em 2009, foi

ncia Espanhola de Cooperação Internacional ao Desenvolvimento. O objetivo do projeto foi o de realizar um

de capacitação para atores locais na formulação e execução de projetos para o enfrentamento conjunto da problemática social, econômica e cultural das cidades nas fronteiras (MERCOCIDADES, Informe de Gestão 2008-2009);

visibilidade de boas práticas (INN)” foi criado em 2009 e tem sido coordenado pela Secretaria Técnica e Permanente da rede em parceria

17

como a conjunção das diversidades culturais. (GARCÍA, 2011).

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100 A construção de uma cidadania regional sul-americana na perspectiva ...

com a União Europeia. O projeto atende a todas as cidades associadas e tem como objetivo analisar a temática da cidadania regional com foco para as distintas dimensões que a constituem, bem como a evolução temporal e conceitual do termo. A iniciativa também capacita autoridades locais e membros da sociedade civil para a elaboração de projetos regionais, oferecendo as ferramentas para desenhar, implementar e avaliar propostas de alta qualidade e impacto na região. Foi desenvolvida uma

(3) O projeto “Laboratório de Políticas Locais” é coordenado pela Secretaria Técnica Permanente da rede com vistas à criação e implementação do primeiro laboratório de políticas sociais de participação cidadã

a democracia participativa e a facilitação do intercâmbio técnico de conhecimento entre os diferentes governos locais das Mercocidades com a participação de redes latino-americanas e europeias e (b) a criação de

mecanismos, estratégias, metodologias e modelos de gestão. As

diversidade de atores (academia, governos locais e sociedade civil) sobre as potencialidades da vinculação e intercregional para a aplicação de políticas de participação cidadã no nível local.

Internacional (FAMSI), na qualidade de sócio e o Programa Municipia

qualidade de financiador;(4) O principal projeto desenvolvido pela Comissão de Direitos Humanos

da rede é o “Estado e Sociedade Civil, construção da cidadania (E+D)”. Ele é coordenado pelo Município argentino de Morón com o apoio da União Europeia por meio do Instrumento Europeu para a Promoção da Democracia e dos Direitos Humanos. O objetivo do projeto é a construção de uma cidadania regional com cultura de direitos humanos por meio da criação e fortalecimento de espaços institucionais locais que promovam a participação e o protagonismo das organizações da

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101Marrielle Maia

sociedade18na agenda de direitos humanos do MERCOSUL em quatro

regionais e da cidadania regional na perspectiva dos direitos humanos por meio de publicações, mídia e eventos e culturais; (b) capacitação por meio do desenvolvimento de uma plataforma interativa, seminários e

sobre os direitos e obrigações da cidadania, identidade e memória e propostas educativas voltadas à educação não formal para grupos vulneráveis; (c) pesquisas e estudos de avaliação e monitoramento do projeto por meio de diagnósticos; (d) coordenação regional por meio de encontros de trabalho dos sócios do projeto, representantes do MERCO- SUL e organizações da sociedade civil (MERCOCIDADES, 2010).

Percebe-se, portanto, que a rede Mercocidades tem acumulado expertise sobre os temas relacionados à constituição de uma cidadania regional no processo de integração do MERCOSUL. Esse conhecimento adquirido pelas pesquisas, desenvolvimento e formulação de políticas públicas tem potencial importante de motivar uma agenda de integração que desenvolva ações cada vez mais voltadas à inclusão social, participação, equidade e construção conjunta de espaços que garantam o pleno exercício de direitos e deveres que sustentam uma cidadania regional.

É verdade que a rede encontrou grandes obstáculos no seu desenvolvimento

ações entre as unidades temáticas, comunicação entre cidades e instâncias administrativas da rede, continuidade de ações por parte de algumas cidades associadas19. De toda forma, mesmo com a limitação de alcance de muitas das

18 O projeto foi associado ao Observatório de Políticas Públicas de Direitos Humanos do MERCOSUL que reúne organizações de direitos humanos da região e que também se inscreve na construção de uma cidadania regional

Centro de Estudos Legais e Sociais (CELS), o Serviço Argentino de Direitos Humanos (SADH) e o Centro de

Desenvolvimento, do Paraguai; o Serviço Paz e Justiça (SERPAJ), o Instituto Solidariedade e Desenvolvimento (ISODE) e o Instituto de Estudos Legais e Sociais do Uruguai (IELSUR), pelo Uruguai. O Observatório atua com vistas a ampliar os espaços para a participação da sociedade civil em grupos técnicos de trabalho e foros de coordenação de políticas públicas de direitos humanos. Desde o ano de 2005, intervém como observador da Reunião de Altas Autoridades de Direitos Humanos do MERCOSUL e na Reunião Especializada da Mulher.

19 Alguns dos projetos citados neste trabalho foram iniciados com a coordenação de cidades da rede que, por razões diversas, mas especialmente na gestão dos mesmos, deixaram a liderança do processo. Assim, a Secretaria Técnica Permanente da Rede assumiu a coordenação de alguns projetos. Em outros casos, a gestão e

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ações, a rede tem assumido um papel relevante na postulação da ampliação da participação das cidades e de outros atores sociais no MERCOSUL. A rede como instrumento de pressão tem conseguido ampliar espaços que incluem atores não Estatais nas instâncias do MERCOSUL. Mais recente, no campo dos direitos humanos destaca-se a atuação junto ao Instituto de Políticas Públicas de Direitos Humanos do MERCOSUL (IPPDH).

(a) Cooperar quando expressamente solicitado pelos Estados Partes no desenho de políticas públicas na matéria e sua posterior consecução,

e promoção dos direitos humanos reconhecidos nas cartas magnas nacionais e instrumentos internacionais e adoção de padrões interna- cionais plasmados nos referidos instrumentos; (b) Contribuir para a harmonização normativa entre os Estados partes em matéria de promoção

desenvolvimento de capacitação na promoção e proteção dos direitos humanos para funcionários das instituições de direitos humanos dos

sobre políticas publicas entre funcionários públicos e organizações da sociedade civil; (e) Realizar estudos e investigações sobre questões vinculadas à promoção e proteção dos direitos humanos por solicitação da reunião de altas autoridades na área de direitos humanos e chancelarias do Mercosul. (MERCOSUL, 2010)

A aproximação com o IPPDH aconteceu no âmbito da iniciativa “Estado +

Sites de Memoria da Rede Mercocidades” que teve lugar em Morón em agosto

Regional” em Montevidéu em agosto de 2012 e a participação do IPPDH e em

e o IPPDH como um marco normativo para formalizar a cooperação entre as duas instâncias em atividades de investigação, análise, promoção e coordenação de políticas públicas na área de direitos humanos. Os eixos prioritários s

políticas de igualdade e não discriminação; (c) políticas de memória, verdade,

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justiça e reparação perante graves violações; (d) políticas de fortalecimento institucional das áreas de direitos humanos dos governos locais.

IPPDH é recente. Contudo, a parceria pode constituir-se como um canal para ampliar o alcance e impacto das ações e projetos da rede, especialmente aqueles voltados a cimentar, mesmo que pequena escala, a cidadania regional.

podem ganhar ressonância para que a matéria do local e as políticas concretas de aprofundamento da participação cidadã sejam consideradas em perspectiva regional.

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Seção 3 Integração Fronteiriça

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A fronteira no processo de integração regional

La frontera en el proceso de integración regional

Bruno Sadeck

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108 A fronteira no processo de integração regional

RESUMO

O artigo visa a apresentar o tema da fronteira dentro das Relações internacionais, a partir do processo de formação da soberania dos Estados Nacionais e sua

atividades MERCOCIDADES e as ações que o Brasil vem realizando para integrar sua região fronteiriça também são objeto de abordagem do texto.Palavras-chave: Fronteira; Soberania; MERCOCIDADES; Integração Regional.

RESUMEN

El artículo presenta el tema de la frontera dentro de las Relaciones Interna- cionales en el proceso de formación de la soberanía nacional de los Estados

dentro de las actividades de Mercociudades y las acciones que Brasil ha estado haciendo para integrar su región fronteriza son también el enfoque objeto de texto.Palabras clave Frontera; Soberanía; MERCOCIDADES; Integración Regional.

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109Bruno Sadeck

Introdução

O objetivo deste artigo é lançar luz sobre como a fronteira é tratada no âmbito das relações internacionais e apresentar algumas iniciativas brasileiras

Há algum tempo, existe um debate sobre o papel das fronteiras dentro das relações internacionais. O processo de formação de blocos regionais e o advento de novas perspectivas para os países sul-americanos propiciaram um horizonte pací

De acordo com conceitos clássicos do Direito e das Relações Internacio-

povo e governo). O Estado nacional moderno está fundamentado nestas características e suas principais funções foram desenvolvidas ao longo dos anos com esta perspectiva.

sempre foram tratadas como a linha divisória entre os Estados nacionais

dias atuais, além de serem locais mais distantes dos grandes centros urbanos desenvolvidos. Portanto, existe uma dívida histórica para com estas locali- dades de diversas naturezas e formas.

As fronteiras são um espaço natural de interação entre os habitantes da região. O primeiro passo para o aprofundamento da integração entre os países sul-americanos passa necessariamente por essa área, envolvendo os atores locais, da sociedade, do Estado e do setor econômico, com vistas a criar um ambiente propício para o crescimento sustentável e a construção de bens públicos regionais.

Fronteira, soberania, cooperação e as Relações Internacionais

Do ponto de vista de formação dos Estados modernos e da ma- nutenção do equilíbrio de poder, a Paz Westphalia em 1648 (conhecida também pelo nome de Tratado de Münster ou Osnabrück) foi o primeiro marco de reconhecimento mútuo sobre os territórios dos países eu- ropeus nos séculos XVI e XVII. Os principais conceitos instituídos por este tratado dentro das Relações Internacionais e do Direito Internacional

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110 A fronteira no processo de integração regional

p. 55).

A nova percepção do Estado moderno pós-Westphalia impôs para a ordem internacional a ideia de centralização, baseada em uma distinção entre o âmbito público e o âmbito privado. Dentro do seu território, o Estado teria

primordial de assegurar a manutenção de suas fronteiras contra possíveis invasões.

Nesse sentido, o equilíbrio de poder pode ser avaliado como um caminho escolhido pelos países em manter um sistema até o momento em que um destes Estados consiga atingir uma possível supremacia (NOUR, 2004,

rompimento da paz negociada.

o equilíbrio em uma sociedade internacional anárquica, na qual os próprios países se organizavam e faziam por si mesmos, especialmente os mais fortes, valer o comportamento de outros países, de acordo com seus interesses e objetivos, por meio do citado tratado.

A soberania, a fronteira e a cooperação são objetos de alguns estudos de teóricos das escolas das Relações Internacionais. Dentre os escolhidos para compor este trabalho, podemos destacar os autores Hans Morgenthau, Kenneth Waltz e Robert Keohane.

do seu território, corresponde ao fato de toda nação ter a liberdade para exercer sua autonomia e administrar seus assuntos internos e externos, da melhor maneira que os governantes e população decidirem, conforme as seguintes

Cada nação tem o direito de dar a si própria a constituição que lhe aprouver, de promulgar leis que desejar, independentemente dos seus efeitos sobre seus próprios cidadãos e de escolher qualquer tipo de sistema de administração. A nação tem plena liberdade para adotar qualquer tipo de estabelecimento militar, com vistas à concretização dos propósitos de sua política externa (MORGENTHAU, 2002, p. 572).

ponto limite de um Estado e, por conseguinte, o começo de outro. Porém, caso

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111Bruno Sadeck

alemã), a região fronteiriça será o local onde se iniciará um confronto, rom- pendo o ambiente de tranquilidade.

Dessa maneira, a busca por compreender a relação soberania x fron- teira está diretamente ligada ao processo de formação e consolidação dos

e manutenção dos seus territórios diante de uma sociedade internacional anárquica.

Para Waltz, da escola neorrealista, os Estados nacionais possuem a características de serem soberanos, tomando decisões por si só de como gerenciar seus temas na esfera doméstica e externa. No âmbito interno,

ser considerados como unidades não diferenciadas entre si, uma vez que todos executam ou deveriam executar suas funções básicas, ou seja, a possibilidade de assimetria entre os países é observada em termos funcio- nais (WALTZ, 2002, p. 43).

Dentro dessa mesma ótica, a capacidade dos países realizarem ou não suas atividades primordiais deve ser comparada entre os Estados, conforme suas condições e estruturas. O fator central na relação entre os Estados é a capacidade relativa de garantir suas funções, notadamente no que diz res- peito à segurança nacional.

Neste cenário, os Estados não se movimentam de forma unitária e auto- mática, uma vez que há possiblidades de agirem de maneira conjunta. Quando um Estado pode tornar-se líder, outros tendem a acompanhá-lo, pois eles

rante.

Na visão liberal, Robert Keohane apresenta uma abordagem diferenciada dos realistas sobre a relação entre os Estados, sob a perspectiva de cooperação internacional, na medida em que existam objetivos comuns entre determinados países, especialmente na esfera da economia política global (KEOHANE, 1984, p. 66).

Segundo esse autor, a cooperação é um ato essencialmente político e que acontece simplesmente por interesses mútuos (bilateral, trilateral ou multilateral) para sua realização. Todo processo envolve aproximação,

Page 113: Paradiplomacia em Movimento

112 A fronteira no processo de integração regional

e ações coordenadas que definem uma agenda mínima de cooperação.

diferenças culturais, de informação, de regras e de comunicação entre os países. A falta de uma autoridade supranacional que possa colaborar para incentivar a cooperação não cria obstáculos para fomentar a aproximação entre os países.

Assim sendo, esse contexto de aproximação dos Estados em prol do desenvolvimento de atividades conjuntas em detrimento de ações únicas de proteção e segurança das fronteiras nacionais propiciou uma mudança de

mundial. O papel da fronteira é fundamental no cenário de globalização que pas-

samos atualmente, uma vez que esta região é o caminho natural por onde podem ser executados programas e projetos de cooperação bilateral ou mul- tilateral, com vistas à aproximação dos países, além de ser um lugar para negócios lícitos ou ilícitos.

Caracterização da fronteira brasileira

O Brasil possui alguns aspectos marcantes que caracterizam a fronteira nacional. A extensão territorial é de aproximadamente 16 mil quilômetros

Sul1. A faixa de fronteira brasileira é derivada do processo histórico que teve

como principal fundamento a preocupação com a segurança e a soberania nacional, desde os tempos do descobrimento, da Colônia, passando pelos dois períodos do Império, pelas fases da República e chegando até os dias recentes.

tado na Lei nº 6.634 de 1979, no Decreto 85.064 de 1980 e na Constituição brasileira de 1988, que estipulam que a faixa de fronteira nacional é com- posta por 150 quilômetros de largura para dentro do território (limite já estipulado em outras cartas magnas anteriores).

1 Ministério da Integração Nacional. Programa de Desenvolvimento da Faixa de Fronteira. Brasília. 2005, pág. 15.

Page 114: Paradiplomacia em Movimento

113Bruno Sadeck

para a faixa de fronteira, conforme os interesses de proteção do território nacional2.

• Ocupação;

• exploração econômica;

• trânsito.

Nessa região estão situados 588 municípios com as mais variadas rea-

deiros.

a) Aqueles em que o território do município faz limite com o país vizinho e sua sede se localiza no limite internacional, podendo ou não apresentar uma conurbação ou semiconurbação com uma localidade vizinha

b) Aqueles cujo território faz divisa com o país vizinho, no entanto, a sede político-administrativa não se situa no limite internacional da fronteira;

c) Aqueles cujo território faz divisa com o país vizinho, porém a sede político-administrativa está fora da faixa de fronteira3.

O grupo de municípios não lindeiros, localizados na retaguarda da faixa

e b) aqueles com sede fora da faixa da fronteira.De acordo com esta descrição, podemos observar que a faixa de fronteira

que estão agrupadas da seguinte maneira.

2 Constituição Federal de 1988, artigo 20, parágrafo 2º.3 Ministério da Integração Nacional. Bases para uma proposta de Desenvolvimento e Integração da Faixa de

Fronteira – Grupo de Trabalho Interfederativo de Integração Fronteiriça, Brasília. 2010, pág. 18.

Page 115: Paradiplomacia em Movimento

114 A fronteira no processo de integração regional

Segue, abaixo, a distribuição dos municípios por Estado de fronteira, conforme o Censo IBGE 2010.

Região Estado Número de municípios

SulRio Grande do SulSanta CatarinaParaná

19782

139

Centro-OesteMato GrossoMato Grosso do Sul

2844

Norte

RondôniaAcreAmazonasAmapáRoraimaPará

2722218

155

Total 588

Como se nota na distribuição acima, muitas áreas da faixa de fronteira

econômicos preocupantes.

Ações do governo federal para as fronteiras

Com base no levantamento dos programas e projetos em andamento do governo federal, podemos elencar algumas de suas ações direcionadas

4.Para começar esta parte mostramos inicialmente os programas da área

de segurança e defesa vinculados aos Ministérios da Defesa e da Justiça. O primeiro é o Projeto Calha Norte, oriundo desde o governo Sarney, possui dupla função. A primeira visa a responder as demandas de proteção da fronteira e a segunda a consolidar a presença do Estado na região norte do país, pontualmente no espaço da margem direita do Rio Amazonas, a qual faz divisa com Colômbia, Venezuela e Peru.

4 Mapeamento realizado nos sites institucionais dos Ministérios do Planejamento, da Justiça, da Saúde, da Educação, da Defesa, dentre outros.

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115Bruno Sadeck

O Calha norte também tem por objetivo a implantação de projetos nas áreas de infraestrutura, comunicações, transportes e energia, no entanto, poucas ações foram executadas de fato, exceto aquelas sob responsabilidade das forças armadas.

No início dos anos 2000, o projeto foi reformulado e ganhou uma linha

construção de rodovias e manutenção de pequenas centrais elétricas nas regiões mais afastadas. Atualmente, o Calha norte atende 194 cidades, sendo 95 situadas em faixa de fronteira5. Do ponto de vista militar, destaca-se a criação e execução da infraestrutura dos pelotões de fronteira, numa totali- dade de 28, localizados em áreas de difícil acesso da fronteira nacional.

O Plano Estratégico de Fronteira foi criado em 2011 e reúne ações desti-

pressão de delitos transfronteiriços por meio de atividades integradas dos órgãos de segurança pública, da Secretaria da Receita Federal e das Forças Armadas. Este plano possui uma característica diferenciada, que é a possibilidade de

Ainda no campo da segurança, existe a Estratégia Nacional de Segurança Pública nas Fronteiras – ENAFRON que é coordenada pelo Ministério da Justiça e visa a promover a articulação dos atores governamentais também

neizar ações para aperfeiçoar os recursos em segurança pública na fronteira.

A articulação do governo federal com os governos subnacionais é feita pelos Gabinetes de Gestão Integrada de Fronteiras – GGIF, que são formados por membros da Secretaria de Segurança Pública de cada estado fronteiriço,

reprimir os delitos transfronteiriços6. Outra ação nessa vertente que está em execução é o Sistema Integrado

de Monitoramento de Fronteiras – SISFRON, coordenado pelo Exército Brasileiro, que trabalha com sistemas de comunicação, radares e vigilância aérea envolvendo outras forças militares (Polícia Federal, Polícia Rodoviária

5 6

Page 117: Paradiplomacia em Movimento

116 A fronteira no processo de integração regional

Federal e Polícias Militares), o que permitirá o monitoramento de toda faixa de fronteira nacional, possibilitando uma resposta imediata por parte das

do país. Um exemplo do que poderia ser uma ação coordenada e conjunta de pro-

teção das fronteiras nacionais é a Operação Ágata que é feita sob a responsabilidade do Estado Maior das Forças Armadas – EMCFA, do Ministério da Defesa, e envolve diretamente todas as forças mencionadas acima, além de ações de inclusão social destinadas a população situada nessa região.

a seguir. O Projeto Escola Intercultural Bilíngue de Fronteira – PEIF tem o intuito de promover o intercâmbio entre professores e estudantes dos países do MERCOSUL. Criado em 2005, por uma ação bilateral envolvendo Brasil-Argentina, o projeto foi ampliado por decisão dos Ministros de Educação e possui atualmente 26 escolas em 5 países que fazem parte do bloco.

O foco do projeto é a integração a partir da quebra da barreira fronteiriça, além da ampliação das oportunidades do aprendizado da língua espanhola do lado brasileiro e da língua portuguesa por parte da Argentina, Uruguai, Paraguai e Venezuela.

A metodologia elaborada e adotada no projeto é o ensino por meio de ações de aprendizagem em que os professores ensinam em sua língua materna, crian- do um ambiente real de bilinguismo para os alunos de cada lado da fronteira7.

Outros programas que pode ser mencionado no âmbito do governo federal é o Saúde nas Fronteiras, gerenciado pelo Ministério da Saúde que atendia a alguns municípios que fazem parte da faixa da fronteira, porém não está mais em execução.

O Programa Turismo nas Fronteiras – FRONTUR foi outro caso de

entre os países vizinhos, bem como auxiliar a preparação dos estados fron- teiriços para os megaeventos de 2014 e 2016. No entanto, não há registros

7 article

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117Bruno Sadeck

em 2010 pelo Decreto Presidencial de 08 de setembro, sob a coordenação do Ministério da Integração Nacional.

A CDIF é composta por 20 ministérios, 10 entidades associadas e visa a propor medidas e ações que possam fomentar o desenvolvimento e a in- tegração na área abrangida pela Faixa de Fronteira, nas diversas áreas do go- verno.

Um dos pontos interessantes da CDIF é a tarefa de apresentar planos regionalizados respeitando as diversidades presentes para cada região fronteiriça, bem como a criação de núcleos regionais estabelecidos nos estados fron- teiriços e compostos por representantes dos governos subnacionais e ins-

desenvolvimento.

O Caso do Consórcio Intermunicipal de Fronteira – CIF

Em busca de soluções para problemas comuns da região de fronteira, foi constituído, em 2009, o Consórcio Intermunicipal da Fronteira (CIF)

Irigoyen – Missiones, na Argentina. Trata-se do primeiro e único Consórcio Público brasileiro que reúne

municípios de países diferentes. O Consórcio é fruto do trabalho realizado pelos prefeitos da região, que por meio de parceria com o SEBRAE desen- volveram o Programa LIDER para o Desenvolvimento Regional. O referido programa possibilitou reunir os setores público, privado e terceiro setor de

Como resultado desse programa foi elaborada uma proposta de

educação, turismo, agroecologia e produtos locais. Com base na nova lei de consórcios, o CIF foi criado para implementar

a proposta de desenvolvimento e apoiar os municípios da região. Como a legislação brasileira não permite a participação de municípios estrangeiros no

solução encontrada foi garantir a participação do município argentino como compromisso político, mas sem previsão legal.

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118 A fronteira no processo de integração regional

Essa solução, no entanto, apresenta diversas limitações, pois não é pos- sível compartilhar o rateio dos custos do consórcio com o município estrangeiro, nem contratualizar direitos e obrigações decorrentes da ação consorciada. Apesar disso, por meio do consórcio tem-se criado programas e projetos para ajudar os municípios que o compõe, inclusive o Município de Bernardo de Irigoyen, na Argentina.

O CIF tem trabalhado em parceria com os governos estaduais do Paraná, de Santa Catarina e de Missiones (Argentina), e federal, neste caso tanto do Brasil quanto da Argentina, em diversas áreas como saúde, educação, turismo, desenvolvimento regional, segurança pública, arquitetura, urbanismo e habi- tação.

Em cinco anos, o CIF conseguiu realizar vários destes programas, alguns ainda em execução, melhorando o cenário da região e permitindo um desenvolvimento contínuo e próspero desta faixa de fronteira. Entre as ações desenvolvidas destaca-se a elaboração do Plano Plurianual Participativo do Território do Consórcio Intermunicipal da Fronteira para o próximo qua-

iniciativa exitosa, um arranjo territorial que tem se mostrado extremamente

provando que unindo forças é possível promover o desenvolvimento.

de dinamizar o processo de desenvolvimento econômico e social dessas regiões

municípios localizados na faixa de fronteira.

Mercocidades e a fronteira

Em novembro de 1995, foi criada a Rede Mercocidades (MERCOCIDADES) na capital paraguaia com o intuito de iniciar formalmente a participação das cidades no processo de integração regional com o intuito de obter espaço no processo decisório do MERCOSUL8.

8

Janeiro, Salvador, Rosário, La Plata, Córdoba, Buenos Aires, Montevidéu e Assunção.

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119Bruno Sadeck

A Rede Mercocidades é formada atualmente por 300 municípios9, sendo 90 brasileiros, dos países membros e associados do MERCOSUL (Argentina, Brasil, Paraguai, Uruguai, Venezuela, Bolívia, Colômbia e Peru).

Ao longo dos anos, a Rede Mercocidades adquiriu uma grande articulação

consolidação de uma estrutura permanente que inclui uma secretaria técnica,

os assuntos prioritários (de forma plenária, consensuada ou não) que serão trabalhados pelas cidades durante determinado tempo10.

Os membros da Rede Mercocidades também tiveram a percepção da necessidade de criação de uma estrutura organizacional que possibilitasse o seu desenvolvimento institucional. O organograma da rede inclui a Assembleia Geral de Sócios (órgão máximo), o Conselho Mercocidades, a Comissão Diretiva, Grupos e Comissões de Trabalho, bem como uma Secretaria-Executiva que possui um caráter rotativo e é ocupada por mandato anual por uma cidade membro.

Cabe destacar o papel das unidades temáticas dentro das atividades da citada rede como um espaço para a articulação e elaboração de políticas

de diálogo regional permanente.

e Município, Educação, Desenvolvimentos Urbano, Social, Econômico-Local,

tão e Participação, Ambiente e Desenvolvimento.

escolhida entre seus pares e possui um mandato de até dois anos. Esta organiza a agenda de trabalho e promove reuniões semestrais com demais municípios interessados em participar do assunto.

Em especial, destaca-se a Unidade temática de Integração Fronteiriça, criada em dezembro de 2013 na reunião em Porto Alegre, a partir de uma iniciativa dos prefeitos de fronteira do bloco, que vislumbraram a necessidade de ter um espaço de diálogo dentro do MERCOCIDADES.

9

10

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120 A fronteira no processo de integração regional

A unidade temática visa a melhorar as condições de vida dos cidadãos que residem nesta região, por meio de propostas e projetos conjuntos ar- ticulados no âmbito da própria MERCOCIDADES ou em fóruns institu- cionais constituídos do MERCOSUL como o Foro Consultivo de Municípios, Estados Federados, Províncias e Departamentos – FCCR.

na legislação de fronteira dos países do bloco, elaboração de políticas públicas voltadas para a região fronteiriça, criação de consórcios municipais e capa- citação de servidores públicos.

Destaca-se que a cultura de compromisso com a integração está fortemente estabelecida na Rede Mercocidades, apesar de situações problemáticas do bloco

Pro Tempore da Venezuela em 2013, as atividades da rede não sofreram nenhuma interrupção.

do grupo é uma das grandes conquistas obtidas em prol da participação ativa das cidades no MERCOSUL. A Rede Mercocidades agrega alto valor de participação dos governos subnacionais ao bloco e disponibiliza uma agenda de temas comuns que podem ser inseridos na pauta institucional do MER- COSUL, por meio dos governos nacionais.

Considerações Finais

As informações apresentadas indicam que o assunto fronteira é ainda pouco explorado de modo abrangente dentro das ações governamentais. Apesar da

bem presente nos programas federais, o que pode esta vinculada ao histórico de proteção e segurança nacional presente desde os tempos de colonização.

As possíveis explicações para este fato são os vários séculos que o Brasil esteve completamente de “espaldas” para os seus vizinhos e provavelmente vice-versa, além da tradição costeira que colocaram os temas fronteiriços para posições não prioritárias na agenda dos governos nacionais por diversas gestões.

dade de programas e projetos que tratam dos assuntos de fronteira, bem como de recursos orçamentários para sua plena execução nas diversas esferas técnicas do governo, com exceção da área de defesa e segurança.

Contudo, é importante destacar que existe um esforço em incluir a fronteira nas atividades desenvolvidas nos âmbitos federal, estadual e municipal nos

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121Bruno Sadeck

O caso do Consórcio Intermunicipal de Fronteira é um bom exemplo de como a atuação conjunta e articulada envolvendo as localidades fronteiriças de

realidade e trazer benefícios para a população que habita nessa região.A possibilidade de mudança efetiva do espaço fronteiriço está vinculada

em cooperação com o país vizinho, permitindo que se tenham políticas pú- blicas que promovam o desenvolvimento fronteiriço de forma equilibrada e equânime.

Referências

BOBBIT, Philip. A Guerra e a Paz na História Moderna: O Impacto dos Grandes

BRASIL. Constituição Federal de 1988

KEOHANE, Robert. After Hegemony: economy.

Ministério da Integração Nacional, Brasília. Bases para uma proposta de Desenvolvimento e Integração da Faixa de Fronteira – Grupo de Trabalho Interfederativo de Integração Fronteiriça, 2010, p. 18.

BRASIL. MINISTÉRIO DA INTEGRAÇÃO NACIONAL. Programa de Desenvolvimento da Faixa de Fronteira. Brasília, 2005, p. 15.

MORGENTHAU, Hans. A política entre as nações. Brasília. Ed. UnB. 2002, p. 572.

NOUR, Soraya. internacionais. São Paulo

WALTZ, Kenneth. Teoria das Relações Internacionais2002, p. 43.

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Page 124: Paradiplomacia em Movimento

Mercocidades e integração regional

Mercociudades y integración regional

Isabel Clemente Batalla

dora do Programa de Estudios Internacionales da Facultad de Ciencias Sociales. Udelar.

Maria Izabel Mallmann

Page 125: Paradiplomacia em Movimento

124 Mercocidades e integração regional

RESUMO

A transição da integração regional baseada no intercâmbio comercial para

de novos atores, como as unidades subnacionais. Nesse processo, a Rede

Portanto, são vistos tanto como produto como causa destas transformações. A

sobre a integração regional.Palavras-chave

RÉSUMEN

La transición de la integración regional sobre la base del comercio a otro, más complejo, con dimensiones políticas y sociales conduce a la aparición de nuevos actores, como las unidades subnacionales. En este proceso, la Red de Mercociudades y los Comités de Frontera tienen un papel importante. Por lo tanto, se ven tanto como un producto como la causa de estos cambios. A partir

iniciativas de integración regional.Palabras clave

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125Isabel Clemente Batalla, Maria Izabel Mallmann

Introdução

A transição da via de integração regional baseada no intercâmbio comercial para outra, mais complexa, que inclui dimensões políticas e sociais além de dimensões econômicas diferentes do comércio, como construção de infraestrutura e formação de cadeias produtivas, teve efeitos sobre as dinâ- micas territoriais dos Estados membros do MERCOSUL.

em diferentes níveis de modo a favorecer o desenvolvimento sustentável face

subnacionais surgiram como um dos âmbitos mais importantes para a participação das organizações sociais na elaboração de políticas sociais.

Nesse processo, a Rede Mercocidades, criada em 1995 sob a dupla

portante na articulação global-regional-local, o que permite o protagonismo dos governos subnacionais e seus intercâmbios recíprocos e incide sobre os rumos do processo de integração do MERCOSUL.

Outras estruturas promissoras para a atuação internacional de governos

Fronteira, implementados na fronteira de Brasil e Uruguai, na década de 1990, e atuantes no âmbito da Nova Agenda de Cooperação e Desenvolvimento Fronteiriço Brasil-Uruguai, criada em 2002.

Vemos, portanto, essas estruturas tanto como produto como causa de transformações de sua circunstância, qual seja, a da necessidade de geração

integração regional.

integração regional a partir de um contexto que favorece a projeção inter- nacional de agentes subnacionais.

A Rede Mercocidades

Criada em 1995, a Rede Mercocidades é um espaço para a inserção internacional das cidades e regiões e para a construção de relações de

postos pela globalização e pelos efeitos da integração regional. A rede surgiu

Page 127: Paradiplomacia em Movimento

126 Mercocidades e integração regional

um mundo em transição para uma ordem liberal. Portanto, ela foi uma reação aos efeitos, positivos ou não, da globalização e da regionalização.

A globalização ao mesmo tempo em que impõe maior competição e articula diferentes entes nacionais, também oferece meios de comunicação e conexão globais que favorecem sua articulação transnacional. Nesse contexto que favorece o ativismo internacional, as cidades realizam o que Vigevani (2006, p. 62) caracteriza como “a absorção da dinâmica internacional nas ações subnacionais”

subnacionais nas relações internacionais mediante contatos e acordos formais ou informais com entidades internacionais e com organismos de outro país.

A integração regional, por sua vez, amplia o âmbito de atuação dos governos locais e regionais na medida em que novos objetivos de desenvolvimento emergem

efeitos advindos da integração é a possibilidade de gerar o surgimento de um

membros do bloco.A atuação transnacional de entidades subnacionais contribui para a

consolidação de processos integrativos também porque promove interações multinível. Granato e Oddone (2008) ressaltam que o MERCOSUL se consolida a partir não apenas de interesses expressos em nível nacional, mas também em função de outras forças e movimentos subnacionais. Para os autores, a “complementaridade multinível é um elemento chave para o for- talecimento da integração regional” (GRANATO, ODDONE, 2008, p. 29), uma vez que o sucesso de um processo de integração depende de sua capacidade para envolver diferentes segmentos da sociedade que, se isolados, não possuem capacidade para exercer pressão a favor de seus interesses junto às instâncias

teria capacidade para fortalecer a integração tal como sugere Mendicoa (2013,

às necessidades das sociedades envolvidas e oferecendo espaços para sinergias entre governos locais, organismos regionais e organizações sociais. Em outra ocasião (MENDICOA, 2013), a autora argumenta que a participação dos governos locais não somente renova, mas fortalece a institucionalização e contribui para a governança regional. Algumas expressões disso são os efeitos que as novas formas de cooperação entre municípios produzem na cultura institucional, assim como as novas dinâmicas de gestão que promovem. A

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127Isabel Clemente Batalla, Maria Izabel Mallmann

intermunicipalidade emerge como um valor produzido da atuação em rede e como base para o planejamento de políticas de desenvolvimento territorial.

oportunidades para construção de laços entre governos locais e regionais em programas de ação conjunta para intercâmbios econômicos, em projetos do setor produtivo e de infraestrutura, em cultura e educação. Nesse sentido, a Rede buscou gerar maior autonomia e capacidade propositiva das unidades subnacionais, de modo a minimizar os problemas decorrentes da distância entre os formuladores e os receptores de políticas públicas e a favorecer a busca por soluções inovadoras para problemas comuns há muito existentes e realçados

O fato de a Rede ter incluído cidades de países associados ao MERCOSUL,

todos os desdobramentos esperáveis sobre a criação das condições favoráveis

valores. Esse efeito exercido pelo processo de integração sobre a dinâmica

Mercocidades de outras formas de relação entre cidades como a categoria de cidades irmãs, embora algumas cidades-membro da Rede tenham acordos

No nível das relações internacionais, a Mercocidades tem relações com a Eurocities e com a Rede Andina de Cidades. Nesse sentido, Mercocidades atua mesmo que indiretamente nas relações entre o MERCOSUL e a União Europeia assim como no fortalecimento da integração sul-americana.

nos objetivos da Rede Mercocidades e da Rede Andina de Cidades. Ambas possuem uma estrutura organizativa baseada em unidades temáticas, o que facilita os intercâmbios como bem demonstram os acordos estabelecidos entre as duas Redes. Nesse aspecto, é importante lembrar a relevância da autonomia municipal e da descentralização estatal para o melhor desempenho das cida-

é essencial. (GRANATO; ODDONE, 2008, p. 35).

Repercussões sobre o MERCOSUL

Se por um lado a Rede respondeu a estímulos decorrentes da integração,

Page 129: Paradiplomacia em Movimento

128 Mercocidades e integração regional

agenda e envolver novos atores no processo de integração. Daniel Chasquetti

mudança da agenda do MERCOSUL no início do século XXI. A conjuntura

monetárias na Argentina e no Brasil entre 1999 e 2001. Naquele contexto, a VIII cúpula de Mercocidades, realizada em Asunción em setembro de 2002, discutiu estratégias para fortalecer o MERCOSUL. Esses debates concluíram

o desenvolvimento da infraestrutura física para a integração, as políticas para a integração fronteiriça, os estímulos ao desenvolvimento das regiões com mecanismos de compensação para os territórios de menor desenvolvimento e a

Segundo Chasquetti, há uma evidente continuidade entre essas diretrizes aprovadas em Asunción e os primeiros acordos realizados pelos presidentes de orientação “progressista”, eleitos em 2002 e 2003. Chasquetti baseia seu argumento nos acordos aprovados pelos presidentes Lula da Silva (Brasil) e Eduardo Duhalde (Argentina) depois da assunção presidencial do primeiro em Janeiro de 2003; e Lula da Silva e Néstor Kirchner após a eleição do último em maio de 2003, que colocavam entre as novas prioridades do bloco regional a complementação produtiva e a infraestrutura. A reunião do MERCOSUL em

álise de Chasquetti

La perspectiva del tiempo muestra que Mercociudades pareció adelantarse a los acontecimientos suscitados en la región. Las líneas estratégicas establecidas en la Cumbre de Asunción coinciden plenamente con las orientaciones

retomadas en junio, al menos declarativamente por el conjunto del bloque. En cierta forma, la postura que impulsan el conjunto de ciudades que conduce Mercociudades encuentra respaldo político en el entendimiento desarrollado por los dos principales países del Mercosur. (CHASQUETTI, 2003, p. 12).

Essa liderança de Mercocidades foi reconhecida na IX Cúpula de Rede em Montevideo, no documento enviado pela então Prefeita de São Paulo Marta

apenas como uma organização das cidades mais importantes do Cone Sul,

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129Isabel Clemente Batalla, Maria Izabel Mallmann

mas também o reconhecimento dos governos nacionais e o direito a participar diretamente da estrutura institucional do Mercosul. Mercocidades, assim, mostra sua importância fundamental como a voz das cidades da região e que suas teses, defendidas em muitas ocasiões contra as políticas nacionais, eram

Quanto ao fortalecimento da democracia interna, Romero (2004, p. 412), ressalta que a participação pró-ativa das cidades no desenho e na

a democracia interna do bloco regional e as articulações entre atores governamentais e atores da sociedade civil organizada. Com isso, atendeu a um aspecto importante da relação de Mercocidades com o MERCOSUL, qual seja, a demanda de participação na tomada de decisões, conforme consta na ata de fundação da Rede e na declaração da segunda cúpula da Rede, rea-

pretendia participar ativamente opinando sobre políticas de integração, dialogando com os governos e lutando para atingir uma integração demo-

Em 2003, mais uma vez, Mercocidades contribuiu à renovação da agenda do MERCOSUL ao introduzir o eixo temático “Cidades pela inclusão social e a integração regional” e a discussão de “ferramentas para a criação de trabalho e emprego”. As políticas sociais implementadas pelos países membros do

ões e propostas.

As faixas de fronteira, sobretudo as mais intensamente povoadas e

Assunção, Enrique Riera, o qual salientou que as cidades de fronteira são “o barômetro das relações no Mercosul”, daí a necessidade de abordarem-se os problemas da integração transfronteiriça (RIERA, 2003, p. 22). Seu relato sobre as trocas de serviços de saúde e educação entre a cidade paraguaia de Bela Vista Norte e a cidade brasileira Bela Vista descreve uma realidade compartilhada por muitas cidades e povoados de fronteira. A dissertação de mestrado de Bruno Lemos (LEMOS, 2013) e a tese de doutorado de Camilo Pereira Carneiro Filho (CARNEIRO FILHO, 2013) são dois trabalhos que demonstram não apenas a complexidade da realidade fronteiriça, mas também a potencialidade para a cooperação na busca de soluções coordenadas para problemas comuns.

Page 131: Paradiplomacia em Movimento

130 Mercocidades e integração regional

Mercocidades e Comitês de Fronteira na Fronteira Uruguai-Brasil

O caráter “poroso” da fronteira entre o Brasil e o Uruguai facilita os intercâmbios entre sociedades e governos locais. A Rede Mercocidades foi

tabelecer contatos úteis para os planos de desenvolvimento próprio. A participação da área fronteiriça na Rede Mercocidades está constituída por cidades brasileiras e departamentos uruguaios. Cinco cidades brasileiras

Bagé, Barra do Quaraí, Rio Grande e Santa Vitória do Palmar. Da parte do

Largo, Treinta y Tres e Rocha. Os departamentos uruguaios asseguram a representação de pequenas cidades, povoados e distritos rurais além das capitais departamentais. As cidades de Artigas e Rivera são as capitais dos departamentos de mesmo nome, enquanto Bella Unión, Aceguá, Río Branco e Chuy são municípios uruguaios localizados sobre a linha fronteiriça com o Brasil e nos territórios de departamentos uruguaios membros de Merco- cidades.

A integração fronteiriça é uma das áreas temáticas da Rede Mercocidades e alguns temas da Rede são também objetivos da Nova Agenda de Cooperação e Desenvolvimento Fronteiriço Brasil-Uruguai, estabelecida em 2002. Entre eles, constam o planejamento urbano e ambiental, o desenvolvimento social e a cooperação em saúde e educação. A Nova Agenda “é a mais alta instituição

2010, p. 115). Os Comit s de Fronteira, criados a partir de 1990 reunindo municípios brasileiros e uruguaios de fronteira, passaram a atuar no quadro da Nova Agenda de Cooperação e Integração fronteiriça Brasil-Uruguai no âmbito de seus Grupos de Trabalho, subordinados à Reunião de Alto Nível dos Vice-Chanceleres do Brasil e do Uruguai (PUCCI, 2010).

A metodologia das discussões (em áreas temáticas) e os problemas da Agenda são semelhantes aos de Mercocidades. As reuniões são organizadas pelos

A seguir uma breve síntese dos temas em debate nas reuniões realizadas pelos

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131Isabel Clemente Batalla, Maria Izabel Mallmann

Quadro 1 de Fronteira entre setembro e outubro de 2014.

Comité BellaUnión – Barra do Quaraí e Comité Artigas – Quaraí

Saúde:funcionários de centros de saúde; intercâmbio de dados e ações conjuntas contra o trafego de drogas e armas e a exploração sexual de crianças e jovens assim como contra o contrabando;

meio ambiente: medidas contra a poluição do rio Quaraí e a necessidade de maior coordenação entre CORSAN e OSE para o tratamento das águas; políticas sociais: criação de um registro único de saúde, pedido de reabertura de um consulado do Brasil em Bella Unión.

Saúdepedido de ampliação do livre trânsito para ambulâncias e bombeiros;

meio ambiente: o comité propõe a criação de uma comissão binacional permanente para temas de poluição e áreas protegidas; políticas sociais:

free shops.

Saúde: necessidade de médicos em ambos os municípios; projetos de Museu de Interpretação do Pampa, Escola binacional de enfermaria; meio ambiente: poluição do rio Jaguarão; políticas sociais: problemas de pessoas migrantes.

Saúde: proposta de um acordo binacional para criação de uma unidade binacional de bombeiros; criação de uma rádio virtual de fronteira e

meio ambiente: implementação do plano de saneamento; políticas sociais:

Saúdeacordo sobre prestação de serviços de saúde; criação de um GT de magistrados do Chuy e Santa Vitória do Palmar para elaborar um memorando de entendimento;

ensino médio para completar o ensino já existente no nível básico; admissão de alunos brasileiros no centro poliesportivo do Chuy; projeto de criação de uma área de controle integrado.

Das seis cidades brasileiras arroladas no Quadro 1 e, portanto, atuantes nos

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132 Mercocidades e integração regional

vação e para a implementação das demandas. Ademais, ambas as instâncias dão voz à sociedade local organizada, tão importante para o sucesso de uma integração que transcenda o escopo comercial.

É interessante observar o protagonismo internacional das cidades e o quanto suas agendas são complementares e aptas a gerar uma dinâmica integrativa, no sentido de construir gradualmente condições favoráveis ao aprofundamento da integração a médio e longo prazos.

Tais iniciativas favorecem a maior autonomia e capacidade propositiva das unidades subnacionais, incluem novos atores e, com isso, fortalecem a democracia interna no MERCOSUL e as articulações entre agentes gover- namentais e da sociedade civil organizada.

Referências

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Documentos e sites:

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Seção 4 O papel contemporâneo

da paradiplomacia nas Relações Internacionais

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Cidades-empresa: oportunidades e desafios para o desenvolvimento

Ciudades empresa: oportunidades y desafíos para el desarrollo

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138 Cidades-empresa: oportunidades e desafios para o desenvolvimento

RESUMO

A consolidação do modelo capitalista e a intensa e rápida urbanização,

converteram as cidades em núcleos dinâmicos das economias nacionais e em atores essenciais do desenvolvimento. Com mais de metade da população mundial vivendo em espaços urbanos, emerge a importância de se reconhecer a centralidade das cidades na criação de riqueza e bem-estar para os cidadãos. Essa condição impõe às cidades maiores demandas, mas também implica o

Palavras-chave: Cidades; Desenvolvimento; Protagonismo.

RESUMEN

La consolidación del modelo capitalista y la urbanización intensa y rápida,

las ciudades en centros dinámicos de las economías nacionales y en actores clave del desarrollo. Con más de la mitad de la población mundial viviendo en zonas urbanas, emerge la importancia de reconocer el papel central de las ciudades en la creación de riqueza y bienestar para los ciudadanos. Esta condición impone mayores exigencias a las ciudades, pero también implica el reconocimiento de diversas oportunidades, responsabilidades y desafíos.Palabras clave: Ciudades; Desarrollo; Protagonismo.

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139Cristine Koehler Zanella

Introdução

Durante a década de 1980, a crise do socialismo materializada na deterioração da sua mais visível institucionalização política histórica – a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas – abriu espaço para a consolidação das

forma inconteste esse modelo como a melhor alternativa econômica ao alcance

em políticas e projetos estruturais (FERREIRA, 2014). Na América Latina, o Consenso de Washington, genericamente caracterizado pela tríade privatização,

aplicado como a melhor alternativa para o desenvolvimento. Comumente, ele representa a melhor síntese do receituário econômico do período11.

primeiro caso, Francis Fukuyama visualizava a vitória inquestionável do liberalismo ocidental e a exaustão de qualquer alternativa viável a esse modelo

competição mundial, isto é, o mundo se tornara plano na economia capitalista globalizada (FRIEDMAN, 2005).

Para os liberais ocidentais, a década era de euforia, prosperidade e

ligava, não fariam a guerra entre si. Prosperaria no mundo aquele que pode não ser o modelo ideal, mas que era o melhor modelo econômico existente.

desigualdades. O curso dos anos 1990, então, chancelou a vitória política e econômica do bloco ocidental. Os Estados que não quisessem perder o bonde da história deveriam aderir ao projeto capitalista, abrindo espaço para que o capital privado decidisse, pelas regras do mercado, a oportunidade, o conteúdo e a profundidade da alocação de recursos.

1 Consenso de Washington foi o nome dado pelo economista John Williamson para as conclusões a que chegaram funcionários do Fundo Monetário Internacional (FMI), do Banco Mundial, do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e do governo norte-americano, em reunião em Washington sobre as reformas econômicas que estavam em curso na América Latina, em 1989. O Consenso foi estruturado em 10 enunciados que, pela facilidade de compreensão, são geralmente resumidos em privatização de empresas públicas,

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140 Cidades-empresa: oportunidades e desafios para o desenvolvimento

Nesse contexto em que a ação do Estado passa a ser pensada sob o

Pressionadas pela crescente e rápida urbanização – especialmente no mundo em desenvolvimento2 – e contando cada vez menos com políticas públicas universais para o enfrentamento de problemas estruturais como a pobreza, desemprego, subnutrição, saneamento básico, etc., muitas cidades deram início a um movimento ativo de inserção internacional, buscando levar seus produtos e serviços ao mercado mundial e atrair consumidores, visitantes, investidores e capitais para o seu território. Tendo como panorama de fundo um mundo plano com regras de jogo capitalistas, a cidade se torna empresária de si – uma cidade-empresa3 – e, para buscar as oportunidades do mundo globalizado, internacionaliza-se.

A internacionalização dentro deste modelo demanda um marketing

recursos públicos, situação especialmente premente em conformações estatais nas quais aos municípios cabe a menor parte da receita tributária. Logo, os gestores urbanos são, pelas forças econômicas e pela lógica do mercado,

selecionados. Tornam-se especialmente atraentes obras que aliem ao investimento a ideia da cultura, do esporte e do lazer. Assim, com estádios, museus e outros equipamentos urbanos, as cidades se reformam e passam a competir no mercado global pela atração de visitantes, investimentos, capitais e consumidores dos seus bens e serviços. A pesquisadora Erminia Maricato

urbanas, geralmente com um selo cultural ou esportivo – e nem sempre com o

(MARICATO, 2014).

2

ao longo de mais de duzentos anos, o mundo em desenvolvimento apresenta uma rápida e intensa urbanização

(HENDERSON, 2010). 3 O termo cidade-empresa é utilizado neste texto não no sentido da literatura sociológica de orientação marxista

processo de urbanização decorrente de núcleos habitacionais originalmente pertencentes a empresas privadas, geralmente retratando também a opressão dos empresários sobre os empregados. No Brasil, o livro “Cidade-

do termo em uma obra brasileira (PIQUET, 1998).

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141Cristine Koehler Zanella

Se, por um lado, um olhar crítico sobre o conteúdo do investimento das cidades para a promoção de um marketing urbano na esfera internacional é necessário, também é necessário contribuir para apontar caminhos dentro do cenário que se apresenta. Hoje mais de metade da população do planeta vive em cidades. São nos espaços urbanos que a maioria da população mundial passa a maior parte de sua vida, seja no emprego, nos parques, nos museus, em casa, nas galerias, etc. É inegável, portanto, independentemente do que

chave de articulação da vida humana neste início de século (CASTELLS; BORJA, 1996). Caso se queira pensar em desenvolvimento, em construção de riqueza e em melhoria do bem-estar, há que se pensar a inserção das cidades na dinâmica do século XXI. Há que se pensar, portanto, a integração produtiva das cidades na matriz econômica e social do século XXI.

Reconhece-se, neste texto, que as cidades estão inseridas em uma di- nâmica econômica mundial que as recoloca como protagonistas da ação política para gestão da vida humana. Ao mesmo tempo em que são atores centrais para o desenvolvimento local em uma sociedade mundial inter-dependente e globalizada, as cidades, sozinhas, não conseguem mudar a es- trutura do sistema internacional. A partir destas constatações e das necessi-

passa-se a elencar brevemente algumas oportunidades, responsabilidades e

padrão capitalista de produção neste início de século.

Oportunidades

O novo contexto internacional, com dinâmicos canais de comunicação, feiras, encontros, facilidade de troca de informações, renovou as oportunidades de inserção para os capitais humanos, empresariais, industriais, culturais e esportivos das cidades. Pontualmente pode-se apontar como oportunida-

• Apresentar a riqueza que emerge da particularidade da cidade, evitando a perda do valor da diferença dentro da identidade nacional. Com

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142 Cidades-empresa: oportunidades e desafios para o desenvolvimento

marketing nacional. O novo protagonismo das cidades abre o espaço para mostrar a identidade municipal;

• Projetar mundialmente as vantagens comparativas da cidade em termos de habilidades e potencialidades econômicas. Trata-se da oportunidade

no exterior, inserindo internacionalmente os produtos e serviços locais para atrair investimentos, capitais e visitantes;

• Unir forças com outras cidades para cooperação e compartilhamento

Mercocidades. Trata-se de perceber a importância da construção conjunta de demandas e estratégias para conquistar espaços dentro de uma estrutura estatal tradicionalmente centralizadora na América Latina. Incluem-se como temas importantes de articulação conjunta as estratégias locais para o aumento do percentual de recursos públicos repassados aos municípios, o aumento da autonomia para o gerenciamento de problemas urbanos, os gargalos de infraestrutura urbana e as iniciativas inovadoras para a sua superação, etc.

Responsabilidades

• Atender as necessidades humanas de vida, trabalho e lazer. Isto é, a cidade deve desenvolver-se para todos os que nela vivem, aten- dendo as suas diversas necessidades. Para isso, a sociedade civil, os meios empresariais, as instituições públicas e as instituições privadas devem chegar a um planejamento negociado dos recursos e do espaço urbano;

cidade é onde se potencializa o encontro das diferenças. A cidade que se internacionaliza potencializa esses encontros. É responsabilidade dos atores urbanos trabalharem para que as diferenças sejam entendidas e exploradas por meio do entendimento, da negociação e da promoção do mosaico de identidades particular a cada cidade;

• Integrar a cidade internacionalmente sem expor os fatores produtivos

ambiente internacional também oferece riscos. Os atores locais do

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143Cristine Koehler Zanella

desenvolvimento devem buscar a promoção e inserção internacional da cidade com um uso responsável dos seus recursos;

• Gerir com qualidade os recursos disponíveis. Justamente porque, em geral, esses são escassos em função do pequeno repasse da receita

efetivamente os projetos concebidos a partir do diálogo com os atores

sua inserção ativa na dinâmica internacional do século XXI.

lógico, que antecede a possibilidade de se aproveitar a plataforma

produtivos locais, isto é, detectar os nichos em que o produto e o serviço

• Levantar ferramentas econômicas e sociais que contribuam para implementar a estratégia de desenvolvimento das cidades. Trata-se de inovar no diálogo, na articulação negociada e no efetivo engajamento dos recursos sociais e econômicos para atrair às cidades os recursos produtivos de que necessita;

• Dar conta de compreender o ambiente internacional e agir nele. Na

Renascimento, inovaram com redes transnacionais de cotação de valores de empresas e lançaram as bases para redes comerciais e estruturas internacionais de crédito atuais (KHANNA, 2010). Na América Latina, entretanto, as cidades não conheceram momentos históricos de tamanha autonomia e protagonismo. Não é óbvia, portanto, às cidades latino-americanas, a lógica internacional. Tanto a abertura de centros de

internacionais estejam ativamente inseridos, quanto o estabelecimento de uma produtiva comunicação com os governos centrais (ministérios de relações exteriores, em especial), experientes no trato das questões internacionais, são passos indispensáveis para entender o contexto internacional e atuar em sua dinâmica complexa.

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144 Cidades-empresa: oportunidades e desafios para o desenvolvimento

Conclusões

As últimas décadas do século XX foram marcadas por profundas transformações econômicas e políticas no sistema internacional. Essas mudanças redimensionaram o papel do Estado em relação ao fornecimento de bens públicos e, acompanhadas pela urbanização intensiva, especialmente do mundo em desenvolvimento, colocaram sobre as cidades a maior responsabilidade pelo desenvolvimento e produção do bem-estar para os cidadãos. Esse cenário, que naturalmente traz consigo o aumento das demandas sobre os governos e demais atores urbanos, exigindo-lhes um protagonismo que antes desconheciam,

bem-estar neste século que se inicia.

Referências

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Brasil

.

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Brasil Em Jogo [recurso eletrônico -

PIQUET, Rosélia. P. S. Cidade-empresa: presença na paisagem urbana brasileira. Rio

Page 146: Paradiplomacia em Movimento

Cooperação Sul-Sul entre municípios: a ação de

Porto Alegre em Moçambique no contexto das capacidades

regionais de cooperação descentralizada

La cooperación Sur-Sur entre los municipios: la acción de

Porto Alegre, en Mozambique, en el contexto de las capacidades regionales

de cooperación descentralizada

Rodrigo de Souza Corradi

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146 Cooperação Sul-Sul entre municípios

RESUMO

A cooperação Sul-Sul e a cooperação descentralizada baseiam-se na

o artigo, por meio de estudo de caso sobre a cooperação Porto Alegre-Moçambique, diante disso, neste artigo demonstra-se o quanto uma estrutura de governo local pode ser agente da cooperação sul-sul. Para tanto, busca-se compreender o papel do Moçambique na condição de receptor de ajuda e parceiro de cooperação internacional, e a situação de Porto Alegre como representante de cidades participantes da cooperação descentralizada atual.

desdobrando as potencialidades de colaboração entre cidades brasileiras e moçambicanas para dotar desta capacidade demais municípios da América do Sul.Palavras-chave: Cooperação Sul-Sul; Cooperação descentralizada; Moçambique; Porto Alegre.

RESUMEN

La cooperación Sur-Sur y la cooperación descentralizada se basan en la complementariedad y la experiencia práctica entre los socios. Por lo tanto, este artículo, a través del estudio de caso sobre la cooperación Porto Alegre-Mozambique, tiene como objetivo demostrar cómo una estructura de gobierno local puede ser el agente de la cooperación Sur-Sur. Por lo tanto, se trata de comprender el papel de Mozambique en su estatus de receptor de asistencia y socio de cooperación internacional, y el estado de Porto Alegre como representante de las ciudades participantes de la actual cooperación descentralizada. Por último, se abordará los puntos de relación de estas formas de cooperación, a desplegar el potencial de colaboración entre ciudades de Brasil y Mozambique para proporcionar esta capacidad en otras ciudades de América del Sur.Palabras clave: Cooperación Sur-Sur; Cooperación descentralizada; Mozambique; Porto Alegre.

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147Rodrigo de Souza Corradi

Introdução

Discussões sobre a natureza da cooperação sul-sul são parte do debate

são questionados os formatos e interesses dos novos cooperantes do Sul, em especial Brasil, China, Índia e Rússia, dentro da própria academia do sul

o processo contínuo de cooperação como política de Estado.

Ao mesmo tempo em que essa discussão ocorre, um processo paralelo de cooperação segue, muitas vezes independente em institucionalidade, porém complementar à ação do Estado Nacional. A cooperação federativa ou

nas bases da cooperação sul-sul, seja quando a relação é direta entre cidades do Sul, ou mesmo quando ela ocorre de forma tripartite com parceiros do Norte.

Isso se dá porque a característica fundamental da cooperação sul-sul é

e zoneamento urbano. A situação moçambicana de surto populacional em aglomerados urbanos sem infraestrutura foi problema similar, sob outras condições, da urbanização desenfreada das regiões metropolitanas da Amé- rica Latina nos anos 1970 e 1980.

A cidade de Porto Alegre, capital do Rio Grande do Sul e centro de uma das regiões metropolitanas do Brasil, foi um exemplo de cidade que teve que tratar do tema do aumento populacional desenfreado há poucas décadas. Além disso, o ponto de conexão aumenta quando regiões pobres foram o centro dessas políticas no Brasil, o que auxilia a tratar de situações atuais e similares em Moçambique.

O objetivo dessa análise é apresentar dados que demonstrem o quanto uma estrutura de governo local como um município pode ser agente de política de cooperação sul-sul. Para isso, tentar-se-á entender o papel do Estado do Moçambique na sua condição de receptor de ajuda e parceiro de cooperação internacional. Posteriormente, será analisada a situação de Porto Alegre como representante da categoria de cidades que participam do processo de cooperação descentralizada atual. À guisa de conclusão, serão abordados os pontos de relação entre cooperação sul-sul e cooperação descentralizada,

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148 Cooperação Sul-Sul entre municípios

da mesma forma como podemos desdobrar as potencialidades de cooperação entre cidades brasileiras e moçambicanas para a capacidade de cooperação de demais municípios da América do Sul.

Moçambique e a recepção de ajuda e cooperação

Moçambique é um país que teve uma construção peculiar de sua

1975, no país perdurou um estado de instabilidade tal que somente pode ser considerado efetivo o conceito de gestão estatal do território quando

Nacional Moçambicana) e pelo presidente de Moçambique, partidário da FRELIMO (Frente de Libertação de Moçambique).

Dessa forma, ao longo de mais de dezesseis anos de guerra civil, o país se viu com o Estado dependente de auxílio externo de várias formas. Os portugueses, por exemplo, ao saírem do país, mantiveram uma rede de co- nexões comerciais que tornaram seu papel fundamental na exportação de commodites e importação de bens e serviços ao país. Na falta de auxílio estatal direto, vários governos locais empreenderam na recepção de apoio para todas

considerou bem-vindas as iniciativas de apoio internacional e manteve canal

de paz no país, Moçambique iniciou uma ação mais completa de atuação es- tatal, situação na qual o governo central buscou ativamente o auxílio interna-

na região litorânea (área fundamental para a recepção de recursos durante a guerra civil) para efetivamente controlar a totalidade do território.

do território moçambicano. Até de 1997, não existia regulamentação para a

ridade Autárquica Municipal, possuindo então 43 municípios, contando com uma população de mais de 24 milhões de habitantes em um dimensão territorial de 802 mil quilômetros quadrados (Banco Mundial, 2011). O nú- mero de municípios foi expandido para 53 em maio de 2013. Porém, é re-

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149Rodrigo de Souza Corradi

territórios, virtualmente autônomos e com funcionalidade precária, que não haviam sido reconhecidos como municípios.

No desenrolar dos anos 2000, iniciou-se um processo no qual o governo implementou níveis de organização e centralização da atividade territorial de Moçambique. Com esse intuito, o governo do Moçambique setorizou a forma de agregar as melhores possibilidades de auxílio internacional para a construção desse projeto.

Como característica geral do procedimento moçambicano à ajuda in- ternacional (tratando-se de forma geral dos projetos de ajuda ou cooperação internacional no país), o governo não restringiu nenhum dos atores costumeiros na região. Alemanha, Estados Unidos, Japão, Bélgica e França, que tradicionalmente possuíam atividades no país, mesmo sem acordos diretos com o governo central, foram chamados a continuar e aprofundar suas atividades no país.

Situação nova foi justamente a inserção de novos atores nas atividades de cooperação com o país. Ao entrarmos nos anos 2000, começou a se chamar a atenção para as ações de cooperação internacional que tinham como promotores Estados não tradicionais para tais projetos, muitos que justa- mente ainda recebiam ajuda internacional ou que somente há pouco haviam saído dessa condição.

especializada, existem dois termos fundamentais que devem ser entendidos

primeiro possui suas origens na ação internacional dos países desenvolvidos para auxílio direto aos casos mais extremos nos países menos desenvolvidos.

entidades privadas de auxílio aos mais necessitados. Essas entidades foram promotoras históricas de ações de ajuda internacional em regiões menos favorecidas do globo, assim como agentes de pressão aos seus governos para que fossem promovidas ações de ajuda no nível estatal.

A cooperação internacional determina o compromisso com a recipro- cidade e com o não alinhamento automático. Em tese, não cria condições mandatórias, porém negociadas entre os parceiros (SALOMÓN, 2012).

Moçambique, que com o passar dos anos acabou sendo um dos grandes receptores de ajuda e cooperação no continente africano, está recentemente

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150 Cooperação Sul-Sul entre municípios

tendendo para o último modelo (BANCO MUNDIAL, 2011). Tanto o governo central quanto os municípios (ou autarquias municipais) são claros ao apoiar qualquer iniciativa de suporte ao desenvolvimento da região. As atividades de cooperação que relacionem a instalação de boas práticas advin- das de exemplos do sul econômico são entendidas como agenda de Estado e tratadas com prioridade.

Nesse sentido, a agenda de cooperação sul-sul está em voga no país, porém sem deixar de ser receptivo aos demais parceiros desenvolvidos. Em

país. Esses são projetos em que um parceiro receptor de uma região menos desenvolvida recebe apoio técnico de um outro parceiro do sul econômico, com suporte econômico (ou também técnico) de outro de país desenvolvido.

Porto Alegre: atuação internacional marcada pela democracia

A atuação dos municípios brasileiros no cenário internacional é marcada pelo exercício de exposição de boas práticas com a capacidade de apresentar utilidade na transposição desse exemplo em política pública que possa ser incorporada pelo parceiro. O início da redemocratização no Brasil avançou, não

na agenda internacional. Na esteira desse momento é que ocorrem os movimentos de troca de

articulação política internacional de governos locais e, justamente, a pro-

1996, ou Habitat II (RODRIGUES, 2011). Nesse momento de exposição de boas práticas, uma cidade brasileira

apresentou um exemplo diferenciado. A cidade de Porto Alegre, capital do

Orçamento Participativo Municipal (OP). Essa atividade foi a organização de uma forma sistemática de consulta à população sobre a proposta de orçamento anual que o poder executivo apresenta ao legislativo municipal para aprovação.

de gestão equitativa que leva em consideração a necessidade dos mais desvalidos (MARXS; MARZULO, 2013). Essa proposição não foi apenas difundida,

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151Rodrigo de Souza Corradi

(CABANNES, 2006). Em meados dos anos 2000, o Banco Mundial emitiu um relatório que indicava que o Orçamento Participativo, nos moldes gerais estabelecidos em Porto Alegre, já havia sido replicado em mais de 1000 cidades em todo o mundo.

Para o propósito desta avaliação, contudo, vale ressaltar que o caminho do Orçamento Participativo, de ferramenta de gestão pública municipal para instrumento de promoção de Porto Alegre e projeto de cooperação internacional, é um exemplo de como municípios possuem a capacidade de encontrar em suas próprias práticas a solução para problemas em diferentes realidades do globo.

Esse reconhecimento para Porto Alegre conferiu à cidade uma “marca” conectada à democracia participativa e a uma cultura de participação. Se em um primeiro momento a conexão com essas características estiveram diretamente ligadas ao Partido dos Trabalhadores (PT), que desenvolveu e implementou o Orçamento Participativo, hoje pode ser avaliado que o OP e o ethos participativo de Porto Alegre recaem nas instituições da cidade (MARXS; MARZULO, 2013).

Pelos motivos acima, e não apenas para questões vinculadas com demo- cracia participativa, como também outros elementos de gestão, Porto Alegre é chamada por parceiros internacionais para contribuir com projetos atuais de cooperação. Ao contrário dos procedimentos inicias de trocas de expe-

maior e uma interação mais complexa entre diferentes atores da esfera ins- titucional internacional.

Porto Alegre e Moçambique – complementariedade nas diferenças

A realidade das atividades de cooperação internacional em Moçambique apresentam características interessantes para os municípios brasileiros. A proximidade da mesma língua é contrastada pela distância na realidade urbana entre os dois países. Justamente tratando-se das cidades brasileiras envolvidas atualmente na cooperação com Moçambique (podem ser citadas Porto Alegre, Belo Horizonte, Vitória, Guarulhos, Maringá e Canoas), poderia levantar-se a crítica que são cidades que apresentam complexidades do tecido urbano

se encontram em estado incipiente de organização no território moçambicano.

da cooperação sul-sul. Em municípios metropolitanos de um país como o

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152 Cooperação Sul-Sul entre municípios

Brasil, existem realidades muito diversas e nas desigualdades sociais exis-

a base para a cooperação sul-sul.Essa possibilidade de encontrar mais facilmente a realidade de uma ci-

dade na sua outra parceira é que permite que uma cooperação entre países do assim chamado “Sul” seja, à princípio, mais fácil de ser executada.

Além disso, um elemento fundamental das atuais formas de cooperação se apresenta na maneira com a qual os agentes de cooperação desenvolvem seus projetos, desde o tempo de sua realização até a forma de acompanhamento, assim como as diferentes partes envolvidas.

troca de informações e atuações esporádicas de visitas e constituição de

era o contato esporádico e pontual entre os atores públicos envolvidos (SALOMÓN, 2012).

O quadro atual varia do anterior no sentido que muitas cidades, assim como governos nacionais, organismos internacionais e redes de cidades, aprenderam a conviver com as diferentes capacidades de seus interlocutores. Da mesma forma, técnicas de gestão de projetos se adaptaram para conferir maior efetividade na execução de cooperação.

A situação de Porto Alegre é exemplo dessa evolução. O período inicial

caracterizado por diversas atividades de receptivo de autoridades e construção

OP. Esse estágio de divulgação alcançou sua maturidade com o ciclo de projetos

americanas (CABANNES, 2006). Essa iniciativa se tornou uma forma de capacitação para projetos em todas as cidades que participaram, em especial as que foram gestoras de etapas, como Porto Alegre.

A relação com cidades africanas, não se diferenciava do relacionamento com as demais cidades. Se tomarmos como base o ciclo da Urbal em Porto Alegre (2002-2009), esse foi também o período quando as cidades do continente africano começaram a constituir relacionamentos internacionais de maneira mais institucional (CABANNES, 2006).

Quando a análise recai sobre Moçambique, somente depois de 2004 podemos falar de alguma atividade internacional organizada das cidades

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153Rodrigo de Souza Corradi

do país. Esse desenvolvimento deu-se muito rápido, em especial pelos dirigismos da Associação Nacional dos Municípios de Moçambique – ANAMM.

Porto Alegre iniciou esse novo passo de contato com cidades moçambicanas através de um projeto de cooperação gerido entre a CGLU e ANAMM. O projeto iniciou em 2008 e teve Porto Alegre como uma das cidades sul-

peer reviews de projetos realizados em Moçambique.

As cidades de contato com Porto Alegre foram Inhambane e Xai-Xai, e a característica inicial era a revisão de projetos de reassentamento de po- pulações carentes. Com o andamento da relação entre as cidades, percebeu-se que além da questão do reassentamento em si, as duas cidades necessitavam de auxílio em questões de delimitação e gestão do espaço urbano.

Essa mudança na acepção do projeto de cooperação deu-se em função da realidade de falta de estruturas básicas de organização territorial. Moçambique

as pessoas continuaram a se realocar dentro do país (e os combates somente

a cidade.

moçambicana foi a incapacidade do Estado tratar dessa questão até a conclusão

Estado. Somente após 1997 várias cidades de fato foram reconhecidas como municípios. Porém, mesmo os municípios que detinham o reconhecimento

de várias questões que são a base da atividade de governança municipal, tais como o controle e taxação do território.

Seguindo essa situação, Porto Alegre foi, após o primeiro ciclo das ativi- dades de cooperação (que se estendeu de 2009 à 2011), convidada a trabalhar em um novo projeto de cooperação com foco exclusivo na capacidade do município em executar o zoneamento urbano. Esse projeto é intitulado Projeto de melhora das capacidades de Autoridades Locais de Brasil e Moçambique como atores de cooperação descentralizado por CGLU, ANAMM, FNP e Arquitetos Sem Fronteira. Nesse projeto, Porto Alegre está vinculada a so-

no primeiro semestre de 2015.

Page 155: Paradiplomacia em Movimento

154 Cooperação Sul-Sul entre municípios

A ação de cooperação de Porto Alegre foi desenvolvida por corpo técnico da própria Prefeitura. Os técnicos Vania Gonçalves e René José Machado de Souza foram responsáveis pela elaboração de projetos e acompanhamento dos mesmos (respectivamente sobre assentamentos urbanos e regularização

O que está aparente no modelo de Porto Alegre é sua tecnicidade com a apresentação de resultados. A cidade segue em diferentes projetos, com diversos parceiros que requerem sua participação na execução dos mesmos na região. Entretanto, pode-se concluir que a cidade enfrenta situação similar a

Assim como em outros municípios brasileiros, a área internacional é

complexo o comprometimento de resultados a longo prazo (SALOMÓN, 2012). Esse é um elemento de conexão com o momento anterior de coope-

como parte de uma ação de Estado a longo prazo.

Conclusão

A intenção da presente análise foi apresentar, de maneira introdutória,

cooperação descentralizada. Existem dois níveis de conclusões que gostaríamos de desdobrar desse caso. O primeiro deles diz respeito à natureza da cooperação técnica sul-sul e o quanto o entendimento dos governos locais é fundamental para sua implementação.

O objetivo de se falar em uma cooperação sul-sul, limitada a atores do “sul” econômico, tem relação com identidade de problemas. Se os forne- cedores normais de cooperação internacional pudessem prestar essa coope- ração, eles fariam. Mas a questão é que os problemas nos países em desenvolvimento possuem similaridades, ou por continuarem a existir no país que repassa o conhecimento, ou por terem sido superadas há pouco tempo.

Se temos como base que um dos fatores de fortaleza da cooperação sul-sul advém da identidade de problemas, não pode ser olvidada a questão

cidades. Dessa forma, as demandas práticas relacionadas com a cooperação

Page 156: Paradiplomacia em Movimento

155Rodrigo de Souza Corradi

sul-sul recaem na solução de problemas urbanos pelos quais os países em desenvolvimento como Brasil podem já ter passado.

No Brasil, como na maior parte dos países em similar estágio de desenvolvimento, a questão urbana passou por processo de descentrali-

gestão urbana. Em geral, cabe ao governo central a delimitação de normas e

e com isso o conhecimento da solução dos problemas, recai sobre o governo municipal.

Com isso, é plausível concluir que, em uma realidade como a apresentada no caso concreto, em que nos municípios é que são encontrados os maiores

contar com a presença direta de governos municipais. O segundo ponto de conclusão recai em como podemos extrapolar o

resultado de Porto Alegre na cooperação sul-sul com outros municípios da América do Sul. Se pode ser avaliada como efetiva a ação de Porto Alegre

gestão internacional de projetos.

condições de diversos municípios da América do Sul que tenham passado pelo processo de internacionalização de suas políticas públicas. Diversas cidades de

campos da gestão pública (CABANNES, 2006), porém apenas poucas cidades brasileiras perduraram em projetos internacionais de cooperação de forma continuada fora do continente americano (SALOMÓN, 2012).

A relação linguística e cultural entre Brasil e Moçambique auxilia na compreensão desse processo. Em especial quando se trata de projetos de cooperação técnica, que dependem da especialidade de funcionários que não são da área de relações internacionais do município, a necessidade de tratar os

Inadvertidamente, seria muito necessário entender como que outros municípios da região poderiam tratar de desenvolver projetos de cooperação sul-sul com cidades africanas e asiáticas. A posição isolada do Brasil nesse fronte pode servir como despropósito ao ideal de integração sul-americanos e inserção coletiva da região no cenário internacional.

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156 Cooperação Sul-Sul entre municípios

Referências

Revue ADELS. Paris, p. 74-102, Dez. 2006.

MARX, V.de Porto Alegre. Revista CIDOB d’Afers Internacionals (1985), v. 104, p. 45-65, 2013.

Caderno CRH,

RODRIGUES, Gilberto Marcos Antonio. Marco Jurídico para a Cooperação Descentralizada: um estudo sobre o caso brasileiro. Frente Nacional dos Prefeitos, São Paulo, 2011.

SALOMÓN, Mónica. Em que medida é possível integrar a Cooperação Descentralizada na dimensão Sul-Sul da política externa brasileira? Revista Mural Internacional, Ano III, n. 2, Dez. 2012, p. 9-15.

Política Externa brasileiraEditora FGV, 2012, p. 269- 299.

VISENTINI, Paulo Fagundes. A África moderna.