Para Uma Sociologia Dos Fluxos Ambientais

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Artigo Para uma Sociologia dos Fluxos ambientais Uma nova agenda para a Sociologia Ambiental do século XXI 1 Arthur P. J. Mol e Gert Spaargaren * 1 Uma nova convergência entre a Sociologia Geral e a Sociologia Ambiental: os estudos dos fluxos P or muito tempo, os sociólogos ambientais reclamaram da fal- ta de atenção para os temas e problemas ambientais no inte- rior da Sociologia Geral. Enquanto eles se especializaram em ana- lisar as influências humanas (desorganizadoras) sobre os fluxos de energia e materiais circulando através dos ecossistemas, seus colegas da Sociologia Geral prestaram pouca atenção aos resulta- dos de seus trabalhos. Havia razões diversas para esse desinte- resse. Trabalhando na tradição sociológica de Marx, Weber e Durkheim, os sociólogos gerais estavam preocupados em expli- car os fatos sociais através de outros fatos sociais, de modo que eles não desenvolveram nenhum interesse específico nas bases materiais da vida social. Ao mesmo tempo, e apesar disso, a Socio- logia Ambiental se afastou do pensamento sociológico dominan- te, dividindo-se em Biologia, Ecologia e outras “ciências de flu- xos”, subteorizando ou mesmo negligenciando, a partir daí, as origens e as dinâmicas sociais dos fluxos ambientais. 1 Este artigo é tradução do capítulo 2, ‘Towards a Sociology of Environmental Flows,” do livro Governing environmental flows: global challenges to Social Theory, editado por Gert Spaargaren, Arthur P. J. Mol e Fred H. Buttel (MIT Press, 2006, no prelo). Tradução e reprodução por autorização de The MIT Press e dos autores. © 2006 Massachusetts Institute of Technology. Tradução de Vanessa Correa e revisão de Julia S. Guivant. * Professores do Departamento de Environmental Policy da Wageningen Agricultural University, Holanda. E-mails: [email protected] e [email protected].

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Autores Mol e Spaargaren Ano 2005 -

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    Para uma Sociologia dos Fluxos ambientaisUma nova agenda para a Sociologia

    Ambiental do sculo XXI1

    Arthur P. J. Mol e Gert Spaargaren *

    1 Uma nova convergncia entre a SociologiaGeral e a Sociologia Ambiental:os estudos dos fluxos

    Por muito tempo, os socilogos ambientais reclamaram da fal-ta de ateno para os temas e problemas ambientais no inte-rior da Sociologia Geral. Enquanto eles se especializaram em ana-lisar as influncias humanas (desorganizadoras) sobre os fluxosde energia e materiais circulando atravs dos ecossistemas, seuscolegas da Sociologia Geral prestaram pouca ateno aos resulta-dos de seus trabalhos. Havia razes diversas para esse desinte-resse. Trabalhando na tradio sociolgica de Marx, Weber eDurkheim, os socilogos gerais estavam preocupados em expli-car os fatos sociais atravs de outros fatos sociais, de modo queeles no desenvolveram nenhum interesse especfico nas basesmateriais da vida social. Ao mesmo tempo, e apesar disso, a Socio-logia Ambiental se afastou do pensamento sociolgico dominan-te, dividindo-se em Biologia, Ecologia e outras cincias de flu-xos, subteorizando ou mesmo negligenciando, a partir da, asorigens e as dinmicas sociais dos fluxos ambientais.

    1 Este artigo traduo do captulo 2, Towards a Sociology of Environmental Flows, dolivro Governing environmental flows: global challenges to Social Theory, editado por GertSpaargaren, Arthur P. J. Mol e Fred H. Buttel (MIT Press, 2006, no prelo). Traduo ereproduo por autorizao de The MIT Press e dos autores. 2006 MassachusettsInstitute of Technology. Traduo de Vanessa Correa e reviso de Julia S. Guivant.

    * Professores do Departamento de Environmental Policy da Wageningen AgriculturalUniversity, Holanda. E-mails: [email protected] e [email protected].

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    Existem diversos fatores que podem ajudar a explicar a re-cente reaproximao entre a Sociologia Geral e a Sociologia Ambien-tal. Esta convergncia pode ser explicada primeiramente pelo inte-resse comum no emergente debate sobre globalizao e mudana(ambiental) global. Para a Sociologia Geral, a mudana climtica eos outros problemas ambientais eram freqentemente discutidoscomo exemplos ou mesmo lies ilustrativas da nova dinmica demudanas em uma modernidade global e, especialmente, dos no-vos papis de instituies-chave como cincia e tecnologia, e oEstado-nao (vide teoria da modernizao reflexiva, teoria da so-ciedade de risco, construtivismo social). Nas Cincias (sociais) am-bientais, a crescente ateno dada poluio atmosfrica (acidifi-cao) que ultrapassava fronteiras foi o principal fator a desenca-dear o desenvolvimento da nova agenda dos anos 90, geralmentechamada de Mudana Ambiental Global. Esta agenda impulsio-nada pelo IPCC2 e, particularmente, por ONGs ambientais globais enfatizava novamente o importante, porm complicado, papelda cincia e tecnologia no gerenciamento da mudana ambientalglobal, e ressaltava os novos papis dos Estados-naes que preci-savam dar espao para atores e negociaes operando tanto naarena internacional/global como na arena local. Assim, a partir dosanos 90, tanto a Sociologia Geral como a Ambiental passam a seinteressar pela compreenso da dinmica especfica do global emrelao ao local no direcionamento da mudana (ambiental) global.

    O segundo e mais recente importante fator a contribuir paraa convergncia das Sociologias Geral e Ambiental a emergncia,no interior da Sociologia Geral, de uma perspectiva terica na qualos sistemas sociais so abordados em termos de redes e fluxos. Achamada Sociologia dos Fluxos3 parece abrir um campo de dis-

    2 Intergovernmental panel on climate change (Painel intergovernamental sobre mu-dana ambiental) (N.T.).

    3 John Urry (2000b e 2003) chama seu trabalho de Sociologia Mvel, Sociologia dasMobilidades ou Sociologia dos Fluxos. Castells (1996/1997), em quem Urry sebaseia fortemente, usa o conceito de sociedade em rede. Outros autores, taiscomo Sassen, e Mol e Law influenciaram o desenvolvimento desse novo paradigma,usando sua prpria terminologia. Agruparemos esses estudos sob o denomina-dor comum da Sociologia dos Fluxos, apesar de haver, obviamente, diferenasentre os vrios representantes desta corrente de pensamento.

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    cusso e pesquisa no muito distante de diversas perspectivas daSociologia Ambiental, j que dirige sua ateno s dimenses ma-teriais/espaciais da vida social. Especialmente no trabalho de JohnUrry, como argumentaremos abaixo, os temas e fluxos ambientais,e suas caractersticas e dinmicas especficas tm um lugar de des-taque na anlise sociolgica das sociedades complexas.

    Tendo como pano de fundo esta crescente interseco daSociologia Geral com a Sociologia Ambiental, procuramos ex-plorar neste artigo qual o tipo de processo de aprendizagemmtua que pode ocorrer nesse encontro. Discutimos o modocomo a Sociologia dos Fluxos poderia contribuir para a anlisee compreenso dos fluxos ambientais na modernidade global etambm como a Sociologia Ambiental, por sua vez, poderia con-tribuir para o debate emergente sobre a Sociologia dos Fluxos,visando a uma Sociologia reconstruda alm da sociedade (Urry,2000). Nosso argumento se desenvolver da seguinte maneira.Na prxima seo, fornecemos uma introduo breve e seletiva Sociologia dos Fluxos, do modo como ela foi desenvolvidaespecialmente nos trabalhos de Manuel Castells e John Urry.Discutimos esta nova tendncia do pensamento sociolgico emrelao a algumas das perspectivas existentes, especialmente ateoria da estruturao, e indicamos a possvel relevncia da So-ciologia dos Fluxos para o entendimento da mudana (ambiental)global. Na seo 3, abordamos essa confluncia a partir do ou-tro lado, quando a Sociologia Ambiental revisada a respeitode seu engajamento histrico com os fluxos. demonstradoque, em algumas tradies, os fluxos so abordados principal-mente em termos fsicos ou biolgicos, apoiando-se fortemen-te em conceitos e modelos emprestados das Cincias Naturais eEcobiolgicas, enquanto em outras anlises enfatizam-se os ato-res sociais e as dinmicas envolvidas no gerenciamento dos flu-xos materiais nas sociedades modernas, usando a SociologiaGeral como principal quadro referencial. Conclumos apresen-tando algumas das barreiras que os socilogos ambientais en-contram para explicar e entender os fluxos materiais no inciode uma era de modernidade global. Na seo 4, avaliamos aSociologia dos Fluxos atravs da perspectiva da Sociologia

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    Ambiental, dando especial ateno para as questes sobre Esta-do e governana, e para as definies de fluxos, hbridos, podere desigualdade. Aplicando aquilo que aprendemos com o deba-te sobre fluxos globais, finalizamos o artigo com uma perspec-tiva reconstruda da agenda para a Sociologia Ambiental.

    2 A Sociologia dos Fluxos

    Em vrios momentos, os socilogos afirmaram que o mun-do que eles estavam estudando havia mudado to dramaticamen-te, que precisaramos de linguagens conceituais e teorias radical-mente diferentes para interpretar, analisar e entender essa novasituao. Anthony Giddens fez tal afirmao ao desenvolver suateoria da estruturao, formalizada em seu influente livro A consti-tuio da sociedade (Giddens, 1984). Ele argumentou extensiva edetalhadamente as razes pelas quais a Sociologia do sculo XIX a sociologia de Marx, Weber e Durkheim precisava tanto serreformulada e reinterpretada para se adequar ao estudo do novocontexto do perodo de ps-guerrra no sculo XX. Ao mesmo tem-po em que usou os clssicos como base, Giddens foi alm ao mos-trar como os problemas do sculo XX s poderiam ser analisadosadequadamente se fossem usadas as novas regras do mtodo so-ciolgico (Giddens, 1976) no lugar das regras antigas, formuladaspor Durkheim (18761964) e seus contemporneos.

    De modo semelhante, Manuel Castells e John Urry parecemafirmar que no sculo XXI enfrentamos mais uma vez uma situa-o nova, demandando por uma profunda reconstruo e reformu-lao da Sociologia, seus conceitos e mtodos bsicos. Por foraprincipalmente da globalizao e das tecnologias da informao,uma nova conjuntura se encontra em construo, tornando as so-ciologias do sculo XX, centradas na sociedade e no Estado-nao,ultrapassadas. A sugesto de Castells de denominar essa nova con-juntura como sociedade em rede (mundial) teve ampla aceitaona disciplina. Quando John Urry se prope a repensar as conseq-ncias dessa nova ordem para a disciplina da Sociologia, descul-pando-se a Durkheim e Giddens, ele concluiu que precisamos ou-tra vez de novas regras para o mtodo sociolgico. Exploraremos

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    algumas dessas novas regras, metforas e mtodos observandocom mais detalhes o trabalho de ambos os autores.

    A nova dinmica da modernidade:o espao dos fluxos versus o espao do lugar

    Com a ajuda de vastas evidncias histricas e empricascoletadas pelo mundo inteiro, Castells procurou, em seu livroSociedade em rede (1996), dar sustentao afirmao de que asociedade de rede surge nos anos 80 e 90 como uma novamorfologia social. A nova constituio institucional da sociedadede rede deve ser entendida como uma nova camada ou dimen-so surgindo dentro e entre as nossas sociedades. Esta nova ca-mada chamada espao dos fluxos e deve ser entendida nocomo uma nova camada na acepo geogrfica da palavra, massim como um novo tipo de organizao espao-temporal das pr-ticas sociais. O espao dos fluxos refere-se a novas dinmicas so-ciais e a novos conceitos de tempo, espao e poder.

    Para ilustrar a nova dinmica espacial do espao dos fluxos,Castells usa o exemplo de uma regio metropolitana emergentedo sul da China, com um nmero de megacidades em seu territ-rio como Hong Kong, Macau, Zhaoqing, Huizhou e Guangzhou,e uma populao total entre 40 e 50 milhes de pessoas. Usandodados referentes ao processo de reestruturao socioeconmicada regio nos anos 90, Castells consegue mostrar como asmegacidades desta rea no podem mais ser entendidas separa-damente, como unidades urbano-espaciais em seus arredores re-gionais. Em vez disso, elas precisam ser analisadas como pontosnodais de redes econmicas, culturais e polticas. Somente aoentend-las como pontos de conexo a essas redes globais, pode-se entender como elas foram capazes de se tornar os mais cruciaismotores de desenvolvimento dessa regio que, de acordo comCastells, certamente se tornar a mais representativa face urba-na do sculo 21 (Castells, 1996, p. 409). As megacidades doDelta do Rio Prola so assim como as mega-cidades de outraspartes do mundo pontos nodais na sociedade global em rede,os novos receptculos do poder nessa era informacional, sobre-

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    pujando e substituindo o Estado-nao em muitos aspectos. Apsdemonstrar detalhadamente como essas megacidades chinesas fun-cionam na sociedade global em rede de hoje, Castells passa a refle-tir sobre esses processos a partir da teoria social, referindo-se adebates sobre espao e tempo nas Cincias Sociais. Sua principalconcluso terica a partir do exemplo chins que trs processos,anteriormente unidos ou interligados, esto se tornando indepen-dentes ou separados no espao dos fluxos: a localizao das fun-es produtivas, a apropriao do espao (urbano) e as representa-es simblicas de espao e lugar. O espao urbano se torna social-mente diferenciado, enquanto as funes (de produo) podem sercoordenadas sem necessidade de proximidade fsica.

    Usamos este exemplo para ilustrar a metodologia geral quecaracteriza o trabalho de Castells, demonstrando que, junto aogenuno alcance global de seu trabalho emprico, ele combinaexerccios tericos formais e empricos na maior parte de seustrabalhos. Apesar do poder explicativo dessa metodologia para amaioria dos casos, ela limita a exata interpretao de seu traba-lho. Vamos tomar a afirmao a seguir como exemplo. A partir desua argumentao sobre o sul da China, Castells conclui que es-sas megacidades funcionam no espao dos fluxos, e que este es-pao est se tornando [...] a manifestao de poder e a funoespacial dominante em nossas sociedades (ibidem, p. 378). Aopensarmos sobre o sentido desta frase, referindo-nos domi-nncia do espao dos fluxos, nos deparamos com uma caracte-rstica importante da anlise de Castells: a falta de uma distinoprecisa entre as anlises formais e tericas e as anlises histrico-empricas4. Argumentamos que a frase sobre o espao dos fluxospode ser interpretada tanto de uma perspectiva terica como deuma emprica, levando a concluses diferentes.

    4 A Teoria Formal dentro da viso de Giddens refere-se s novas regras, s novasdinmicas de tempo, espao e poder que no devem ser representadas e ilustradasapenas com exemplos empricos, mas que tambm devem ser discutidas umas emrelao s outras e tambm em relao s velhas regras e teorias existentes.Anlises substantivas se referem ao desenvolvimento emprico da sociedade emrede, conforme ela se revela em episdios concretos de tempo histrico mundial.

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    Quando entendida a partir de uma perspectiva terica, coma inteno de desenvolver uma teoria formal da sociedade emrede, a dominncia do espao dos fluxos interpretada principal-mente com relao nova dinmica de espao e tempo, que ca-racteriza o espao dos fluxos. No contexto desta anlise formal,Castells argumenta que as noes clssicas de espao e temporeais, prprias da modernidade (simples) do ps-guerra, j noso as ferramentas adequadas para analisar a reproduo das pr-ticas sociais no espao dos fluxos. De modo a conduzir adequa-damente tal anlise, as noes clssicas de espao e tempo de-vem ser suplementadas com os novos conceitos de tempo no-temporal e espao no-espacial5. O novo conceito formal deespao no espao dos fluxos refere-se ao suporte material dadoa prticas sociais simultneas. No contexto espacial doGemeinschaft, esta simultaneidade restrita contigidade fsica,ou quilo que Urry denomina propinqidade. Na sociedade emrede, e mais especificamente no espao dos fluxos, esta proximi-dade geogrfica do Gemeinschaft deixa de ser um elemento neces-srio do espao, j que as prticas sociais na era da informaopodem ser materialmente sustentadas por longas distncias es-pao-temporais. As prticas sociais podem ser mantidas mesmoquando retiradas dos contextos locais nos quais elas costuma-vam estar enraizadas durante as primeiras fases da modernidade.Castells usa em sua teoria formal o significado de espao e tempoenraizados localmente para descrever o pronunciado contrasteque aquele apresenta em relao nova dinmica do espao dosfluxos. Enquanto no espao dos fluxos o tempo no-temporale o espao no-espacial, no espao do lugar as pessoas orga-nizam suas experincias em tempo e espao reais. O espao dolugar caracterizado pelo tempo do relgio (ou, mais especifi-camente, o tempo organizado pela natureza ou pela cultura) epela [...] organizao espacial, enraizada historicamente, de nossaexperincia comum (ibidem, p. 378). Quando relemos a frasesobre a dominncia do espao dos fluxos na sociedade em rede a

    5 Do original em ingls timeless time e placeless space (N.T.).

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    partir, principalmente, da perspectiva terica formal, podemosconcluir com Castells que, na sociedade em rede, o tempo no-temporal e o espao no-espacial assumem um significado es-pecial. Eles especificam o processo que Giddens entende comoo crescente distanciamento espao-temporal caracterstico dassociedades da modernidade tardia. O processo de desencaixedas prticas sociais e ao menos segundo Giddens seureencaixe definem a natureza especfica das relaes entre o lo-cal e o global na modernidade exacerbada.

    A segunda maneira de ler e interpretar a frase sobre adominncia do espao dos fluxos entend-la como um fatoemprico. Assim, a dominncia do espao dos fluxos seria resulta-do da centralidade que teriam as prticas sociais no espao dosfluxos para a configurao da sociedade em rede (Castells, 1996,p. 412). O espao dos fluxos entendido como uma nova cama-da na sociedade em rede analisado como um tipo especfico derelao de poder, com o espao dos fluxos dominando, pertur-bando e explorando as prticas sociais no espao do lugar. ComoCastells define, [...] o poder dos fluxos precede os fluxos de po-der, e por isso a sociedade em rede deve ser caracterizada pela[...] primazia da morfologia social sobre a ao social (ibidem,p. 469). Quando lida de uma forma mais substantiva, a frase so-bre a dominncia do espao dos fluxos refere-se s elites de po-der que operam (dos centros das megacidades ou mesmo desdeum campo de golfe) nos principais ndulos das redes globais.Essas elites sabem como lidar com as mudanas, desfavorecendoa vasta maioria das pessoas comuns, que leva sua vida no espaodo lugar. A sua nica opo so o protesto e a resistncia contra ocarter explorador e perturbador do espao dos fluxos. Apesar deCastells ser o primeiro a argumentar que a lgica do espao dosfluxos no surgir na sociedade de rede sem resistncia, sua an-lise dessa nova situao tem um toque determinstico, com oespao dos fluxos atuando como plataforma para uma classe decapitalistas globais muito poderosos. Nessa perspectiva, a novaordem social da sociedade em rede no mais associada ima-gem positiva da nova dinmica da sociedade da internet. Emvez disso, ela se manifesta como uma desordem metassocial (ibidem,

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    p. 477), uma ordem derivada de uma exploradora e incontrolvellgica de mercados, de genes e da tecnologia.

    Nossa discusso sobre o espao dos fluxos foi um tantoextensa e detalhada, principalmente por duas razes. Primeiro,ao distinguirmos analiticamente entre a leitura formal e a subs-tantiva da dominncia do espao dos fluxos, queremos abrirespao para o desenvolvimento de conceitos que ajudem a ana-lisar o reenraizamento do espao dos fluxos no espao do lugar,com os atores locais participando da dialtica do controle, ca-racterizando qualquer relao de poder entre atores sociais, in-clusive quando esses atores operam no espao dos fluxos. Se-gundo, a nova dinmica do espao dos fluxos tem que ser con-siderada ao desenvolver perspectivas de governana sobre flu-xos ambientais globais. Subseqentemente, voltamos nossaateno ao conceito de fluxos e s noes a ele relacionadas,usando elementos tanto de Castells como de Urry.

    Uma nova sociologia e o lugar da agncia humana

    Castells e Urry coincidem nas crticas Sociologia do scu-lo XX, que interpretam como esttica e centrada no Estado-na-o. Devido dinmica da modernidade global, como exemplifi-cado no espao dos fluxos, a unidade central de anlise sistemasocial deve ser substituda pelo conceito de fluxos, fluidos, ce-nrios e redes. Fluxos e redes sugerem movimento, ao, mobili-dade, e a nova sociologia alm da sociedade deveria ser, sobre-tudo, uma sociologia mvel. De forma a avaliar a relevnciadessa Sociologia dos Fluxos para a anlise ambiental, temos queobservar alguns dos novos conceitos-chave mais detalhadamente.Nessa explorao, utilizamos o trabalho de ambos os autores.

    Uma das dificuldades enfrentadas ao se tentar identificar oncleo terico da Sociologia dos Fluxos o fato de que nemCastells nem Urry fornecem uma viso geral sistemtica de seusconceitos formais em relao s sociologias existentes. Apesar deUrry, em seu livro Global complexity, propor-se a desenvolver[...] o rol dos termos tericos necessrios para analisar as propri-edades emergentes do nvel global em rede (Urry, 2003:15), ns

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    argumentaramos que uma constituio dos fluxos (comparan-do com a Estruturao da sociedade, Giddens, 1984) ainda preci-sa ser escrita como a continuao das novas regras da sociologiamvel. J a partir dos exemplos dados por Urry com fluxosde refugiados, oceanos, movimentos sociais, logotipos , torna-se claro que o autor quer contestar, entre outros, alguns dos cls-sicos referenciais sociolgicos, como o papel da agncia humanana reproduo das prticas sociais. Por entendermos que a ques-to da agncia humana de importncia central para o debatesobre a governana da mudana ambiental, discutiremos o voca-bulrio dos fluxos sob este ponto de vista em particular. Trs as-pectos da agncia humana sero considerados separadamente:agncia e tecnologia, agncia e complexidade e o Estado comoagente. Primeiro, discutiremos a autonomia relativa dos atoresem relao aos objetos, tecnologias e mundos materiais, pres-tando ateno noo de hbridos, cenrios e mundos materiaisde Urry e sua afirmao plausvel de que na Sociologia ainda setende a subestimar o impacto dos objetos e tecnologias na (co-) determinao dos cursos de ao. A seguir, passaremos a dis-cutir mais criticamente sua afirmao de que a dinmica doshbridos globais e dos mundos materiais demanda a incorpora-o de uma variante da teoria da complexidade, sem a qual asCincias Sociais no possuem uma metodologia para a compre-enso da complexidade global. Finalmente, nos voltamos aoquestionamento sobre o significado destes argumentos para oEstado e a governana na Sociologia dos Fluxos.

    Agncia e tecnologia

    Apesar de considerar a trilogia de Castells sobre o surgimentoda sociedade em rede como a melhor tentativa de analisar amodernidade em rede, Urry se prope a elaborar e refinar o instru-mento conceitual usado por Castells. As anlises de espao e tem-po desses autores se desenvolvem praticamente pelo mesmo ca-minho, apesar de Urry no usar a dicotomia do espao dos fluxosversus o espao do lugar, que to central ao trabalho de Castells.Em vez disso, Urry oferece conceitos mais detalhados e em maior

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    nmero para analisar o desenvolvimento de prticas sociais emtermos de fluxos e redes. Ele sugere abordar os padres espaciaisde trs maneiras, distinguindo entre regies (objetos geografica-mente agrupados), redes (relaes entre ns ou eixos, estendendo-se atravs de diferentes regies) e finalmente fluidos (padres es-paciais que no so determinados por fronteiras nem por relaes).

    Ao voltar sua ateno para a questo da agncia humanano desenvolvimento das redes, Urry se refere s interaes entreseres humanos e tecnologia. Ilustraremos brevemente aquilo queconsideramos ser um de seus principais argumentos, usandocomo exemplo o processo de morar em um lugar. Ao estudarmoso processo de residir em uma casa, esta prtica social no podeser entendida se analisada sob o ponto de vista da casa comoregio, em termos de um conjunto de paredes unindo pessoas eobjetos materiais. Quando o morar em uma casa analisadotambm do ponto de vista de redes, a casa percebida comouma conexo feita a uma srie de redes fornecedoras de um con-junto de fluxos materiais gua, energia, coleta de lixo, informa-o, etc. que servem de base e organizam a nossa vida cotidia-na. Tais redes e fluxos tm um carter em parte social, em partematerial ou tcnico. Parece que Urry procurou empregar a noode cenrios para se referir s redes em relao sua funo deinfra-estruturas sociotcnicas. O poder dessas redes diante dosagentes humanos os habitantes da casa depende do tamanhodas redes, sua densidade, suas ligaes com outras redes, etc.Como sistemas sociotcnicos de grande escala, essas redes apre-sentam dinmicas descritas por termos como dependncia da tra-jetria, rigidez estrutural, custos irrecuperveis, momentum e ou-tros conceitos que figuram de forma proeminente na sociologiados sistemas tecnolgicos. Na modernidade global, as redes e osfluxos servindo de base para o processo de residir em uma casapassam por fortes mudanas que podem ser identificadas em ter-mos de liberalizao, privatizao e globalizao. O que resultaso redes e fluidos muito poderosos, fragmentados/ramificadosao mesmo tempo (Guy e Marvin, 1996; Van Vliet, 2002). Paraentender esse processo local de morar em uma casa, Urry for-nece uma definio esclarecedora de localidade ou lugar:

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    Os lugares podem ser definidos, de maneira flexvel, como possuindomuitas partes, como sendo um conjunto de espaos onde cadeias deredes e fluxos relacionais unem-se, interconectam-se e fragmentam-se. Qualquer lugar assim pode ser visto como o nexo especfico entre,por um lado, a proximidade, caracterizada pela densa interao emsituaes de co-presena e, pelo outro, pelas rpidas teias de fluxos eredes esticadas corporal, virtual e imaginativamente atravs das dis-tncias. Estas redes prximas e extensas cruzam-se para permitir atu-aes em/de lugares especficos (Urry, 2000b, p. 140).

    Tendo como pano de fundo essa abordagem tridimensionaldo processo de residir (entendido como regio, redes e fluidos),Urry retoma a questo da agncia humana e das redes. Seu pri-meiro argumento para moderar o papel da agncia humanaquando comparada, por exemplo, teoria da estruturao deGiddens relaciona-se ao importante papel da tecnologia e dosobjetos materiais, subestimado dentro das correntes dominantesda Sociologia. Nas redes e fluxos que do suporte ao processo deresidncia como prtica social, os agentes humanos esto entre-laados e interconectados de forma complexa a mquinas etecnologias que, atravs do espao dos fluidos, literalmente tra-zem para casa um espectro de redes, fluxos e fluidos diversos.As conexes internet propagando-se dentro e atravs de nossascasas pelo mundo todo podem ser o melhor exemplo emprico aesse respeito. Essas redes globais so s vezes to grandes, po-derosas e imprevisveis, que pode ser equivocado classific-lasinicialmente como unidades sociais. Seguindo as idias deLatour a esse respeito, Urry afirma que [...] no existem redessociais puras, mas apenas mundos materiais (ou hbridos) que en-volvem peculiares e complexas sociabilidades com os objetos(Urry, 2003, p. 56). Os desenvolvimentos dessas redes no po-dem e no devem ser analisados como sendo direta e unicamen-te conectados s intenes e aes humanas. Urry prope o con-ceito de Redes Globais Integradas (RGIs) e Fluidos Globais (FGs)como um primeiro passo para distinguir entre os vrios significa-dos que Castells d aos conceitos de redes e de fluxos.

    Em seus comentrios generosos sobre o livro Sociologybeyond Societies Loet Leydesdorff (2003) concorda com Urry em

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    considerar que a mudana social no precisa necessariamente sereferir agncia humana, j que as estruturas podem mudar demaneira endgena, como resultado de interaes entre fluxos.Para que isto acontea, devem existir desequilbrios nas interfacesentre as redes, que requerem uma conceitualizao matemticado assunto sob estudo (em termos de eignvector6 e anlise defreqncia), o que Urry evita. Em vez disso, ele argumenta, oautor substitui a dicotomia metodolgica entre estrutura e aopela dicotomia epistemolgica entre humanos e no-humanos,como na teoria do ator-rede. No entanto, essa substituio, com-parada s velhas solues, dos atores em oposio s estruturastecnolgicas um passo atrs, pois a noo de agncia na teoriado ator-rede um tanto mecnica (colocando os humanos numacaixa-preta ao defini-los como actantes) (Leyesdorff, 2003, p. 4-5). No entanto, como veremos abaixo, Urry aborda muitas ques-tes-chave da teoria da complexidade para ponderar mais sobreo papel da agncia humana nas sociedades complexas.

    Agncia e complexidade

    Para Castells, a noo de fluxo um conceito central, j queos fluxos so elementos cruciais na sociedade de rede, expressan-do os processos que podem ser considerados como dominantesatualmente na vida econmica, poltica e simblica. Os fluxosdevem ser definidos como [...] as seqncias intencionais,repetitivas e programveis de trocas e interaes entre posiesfisicamente separadas, mantidas por atores sociais nas estruturaseconmicas, polticas e simblicas da sociedade (itlico adicio-nado; Castells, 1996, p. 412). Como pode ser lido nas palavrasem itlico, Castells continua com as velhas noes de agnciahumana, referentes a atores sociais com intenes definidas eenvolvidos na programao de interaes, assim como com a t-

    6 Segundo o Free online dictionary on computing (2005), eigenvector um vetor que,quando acionado por uma transformao linear particular, produz um mltiploescalar do vetor original. De acordo com a mesma fonte, esse vetor um pontofixo no mapa do plano de projeo induzido por um mapa linear (N.T.).

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    pica distino entre estruturas econmicas, polticas e simbli-cas. Apesar disso, e como j foi mencionado anteriormente, Castellsressalta que no espao dos fluxos as direes espao-temporaisparecem ser bem menos previsveis quanto aos seus resultados emenos controlveis quando julgadas da perspectiva do ator indi-vidual ou de sistemas individuais, como uma companhia, umaorganizao ou um Estado-nao.

    Em Global Complexity (2003), John Urry avana bastante aosubstituir parcialmente o conceito de fluxos pelo mais voltil con-ceito de fluidos e ao enfatizar a inerente imprevisibilidade doespao dos fluidos. A imprevisibilidade da modernidade globalleva a que uma reconceitualizao da agncia humana no contex-to de sua nova sociologia seja algo quase redundante, pois issoresultaria em uma soluo pela metade. Enquanto, para Castells,os atores esto no espao do lugar, protestando contra aperturbadora influncia da complexidade global, para Urry comose eles desaparecessem totalmente. Para Urry, as principais ra-zes para a reavaliao dos vrios debates sociolgicos sobreagncia humana devem ser encontradas no extraordinrio pesoque ele atribui ao espao dos fluxos/fluidos, a essa nova dinmicaque se apresenta principalmente no nvel global. De acordo comUrry, as teorias da globalizao at o presente no foram longe osuficiente em suas anlises e avaliaes dos impactos do global.A complexidade que vem com o global e com o espao dos fluxos que torna obsoletas as distines entre ator e estrutura, entreas conseqncias intencionais e no intencionais da ao huma-na, e entre sujeitos humanos e objetos fsicos.

    Em sua discusso com Giddens sobre a dualidade da estru-tura, Urry conclui que, dentro da teoria da estruturao, enfati-zado o carter recorrente da reproduo social, ao mesmo tempoem que o desenvolvimento dos sistemas sociais analisado emconexo direta com as intenes dos agentes humanos. Os cen-trais conceitos de conseqncias intencionais e no-intencionaisda ao so usados para explicar transformaes sociais tambmem nveis mais elevados do sistema. Esse tipo de perspectiva damudana social orientada para o ator fica ultrapassada por con-ta das mais recentes ondas de globalizao, resultando em rela-

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    es de causa e efeito complexas, que so mais bem compreendi-das atravs da iterao do que da recorrncia. Iterao um con-ceito-chave na teoria da complexidade, referindo-se s combina-es no-humanas entre objetos e relaes sociais, e s mu-danas sociais se desenvolvendo em direes imprevisveis e no-lineares. Tendo em mente o exemplo da borboleta que causa umfuraco, Urry escreve: [...] a iterao que faz com que, atravsde bilhes de aes repetidas, a menor das mudanas locais possagerar resultados caticos, imprevisveis e inesperados, algumasvezes o oposto do que os agentes pensavam que iriam ocasio-nar (Urry, 2003, p. 47). Quando a mudana social entendidadesta forma, podemos concluir que a globalizao parece resol-ver o problema da relao entre estrutura e agncia, com a pri-meira vencendo o debate (ibidem, p. 40).

    Para entender as dinmicas da globalizao, precisamos deuma outra forma de entender a complexidade nas Cincias Sociais.Em Global complexity, Urry fornece, em um captulo separado sobrea virada da complexidade, uma viso geral sobre os conceitosbsicos da teoria da complexidade para iniciantes nas Cincias So-ciais. Para Urry, essa viso geral e abrangente dos conceitos comoso usados especialmente nas Cincias Biolgicas, Ecolgicas eNaturais necessria, pois [...] pode-se criar a hiptese de que osfenmenos atuais tm superado as cincias sociais na sua capaci-dade de investigar (Urry, 2003, p. 38). Sem a ajuda das cincias dacomplexidade, o global est alm de anlise e da compreensosistemticas. O jargo de atratores, iterao, caos e equilbrio, pro-priedades emergentes, autopoiese, fluxos e tempo como nomeadorda dx/dt7 trar no apenas uma sociologia alm-sociedade (comooutros tambm j afirmaram; ver Touraine, 2003), mas talvez asocionomia como novo hbrido disciplinar (Leyesdorff, 2002).

    Agncia, Estado e governana

    Tudo o que foi exposto acima tem conseqncias para oEstado e a governana na Sociologia dos Fluxos. Ao desenvolver

    7 Equao para obter a velocidade instantnea de um corpo (N.T.).

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    uma perspectiva sobre os Estado-nao, a Sociologia dos Flu-xos comea pela idia de Zygmunt Bauman (1987) sobre o Esta-do passando da condio de jardineiro para o a condio decuidador da caa8. Sob condies de globalizao, os Estadosperderam a habilidade e a vontade de detalhar os padres, re-gularidades e a ordem das sociedades, preocupando-se cada vezmais em regular as mobilidades e assegurar as condies para ainterao favorvel dos processos e fluxos. Urry (2000b) propea Unio Europia como o exemplo prototpico do Estado cuidadorda caa, ao ser uma burocracia relativamente pequena, regulan-do atividades e mobilidades com base na informao eletrni-ca. No entanto, ao desenvolver a perspectiva do cuidador dacaa, a Sociologia dos Fluxos vai muito alm dessa metfora,pelo menos no que se refere a Estados-naes.

    Os Estados no se tornam irrelevantes na sociedade de redede Castells, mas eles se tornam dependentes de uma rede de po-der mais ampla, constituindo-se como ns dessa rede. Sua auto-ridade declinante depende de, e est situada entre, por um lado,redes de capital, produo, instituies internacionais de comu-nicao e organizaes no-governamentais, e por outro lado,pelo espao do lugar, com comunidades, tribos, localidades, cul-tos, gangues e identidades locais. Em primeiro lugar, isto signifi-ca principalmente que os Estados tm se tornado cada vez me-nos capazes de agir premeditamente, de influenciar os resulta-dos dos processos globais no espao dos fluxos. Em segundolugar, significa que, na sociedade em rede, os Estados passaramda condio de sujeitos soberanos de atores estratgicos, fo-mentando a produtividade e competitividade de suas economiasaliando-se de maneira muito prxima com interesses econmi-cos e estruturando-se pelas regras globais favorveis ao fluxo decapitais. Urry usa a metfora do Imprio, de Hardt e Negri (2000),onde este aparece como um novo atrator para onde os Estados-naes so direcionados. De acordo com Castells, os Estados-na-es tm cada vez menos sucesso para combinar esses papis

    8 Gardener e Gamekeeper no original (N.T.).

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    com os relativos representao de seus membros contra o rede-moinho dos fluxos globais manifestos no espao do lugar. Atcerto ponto, esta representao assumida por Estados locais emovimentos sociais9, que se valem dos sistemas de comunicaovia internet para agir. Dessa forma, os Estados-naes tornam-semeros mediadores entre o espao dos fluxos e o espao do lu-gar, tornando problemtico o conceito de governana.

    No livro Global complexity Urry parece apresentar o Estadocomo irrelevante e quase ausente da anlise da modernidade glo-bal. As redes integradas globalmente e em especial os fluidos glo-bais esto muito pouco sujeitos influncia das atividades dosEstados-naes, assim como os cenrios parecem no ter qualquerrelao especfica com eles. No captulo sobre Ordenamento soci-al e poder (Urry, 2003, p. 109) se menciona brevemente o aumen-tado papel do Estado (e da Unio Europia), e que nem chega aconstar do captulo de resumo. Isto pode ser considerado um not-vel desvio da tendncia geral do livro. A governabilidade no per-tence mais ao vocabulrio desta interpretao da Sociologia dosFluxos. Com a agncia, o Estado se distancia do estgio de moderni-dade global, sendo reduzido as estruturas, atratores e iterao.

    3 Sociologia Ambiental e Fluxos Ambientais

    Nas Cincias Ambientais e na Sociologia Ambiental, os flu-xos (e especialmente os fluxos ambientais ou fluxos de materiaise energia) estiveram bem no centro da disciplina desde muitocedo. O trabalho pioneiro de Rachel Carson (1962) sobre o fluxodos pesticidas atravs das cadeias alimentares e o Relatrio doMIT (Massachusetts Institute of Technology) e do Clube de Roma(Meadows et al., 1972) sobre a disperso de poluentes ao redor do

    9 Os novos movimentos sociais, tais como o movimento ambiental, o fundamenta-lismo religioso, o feminismo e o zapatismo, e no o velho movimento trabalhista,constituem o corao da resistncia pblica contra o espao dos fluxos: contra aglobalizao, a reestruturao capitalista, as redes organizacionais e ainformatizao sem controle. No entanto, estes movimentos, em suas atividadesdescentralizadas como produtores e distribuidores de cdigos culturais, espelhama lgica de dominao da comunicao em rede na sociedade informacional.

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    globo e a extrao de recursos naturais so apenas dois exemplosbastante conhecidos das primeiras anlises de fluxos ambientais.Nesta seo, discutiremos e avaliaremos como a anlise dos fluxostem sido realizada nos estudos ambientais e na Sociologia Ambien-tal. Concluiremos com algumas das limitaes ou barreiras encon-tradas, especialmente pela Sociologia Ambiental contempornea,na anlise de fluxos ambientais. A emergente Sociologia dos Flu-xos talvez possa ajudar a superar essas limitaes.

    Cincias Ambientais, Sociologia Ambiental efluxos ambientais

    Nos estudos ambientais e na Sociologia Ambiental, duastradies principais podem ser distinguidas no estudo e na anli-se de fluxos ambientais: (I) a anlise clssica dos fluxos ambientaisem termos fsicos/biolgicos e (II) a anlise dos fluxos ambientaisem relao s instituies da sociedade moderna. Apesar de es-sas duas perspectivas terem se originado e poderem ser facilmen-te relacionadas a duas disciplinas diferentes as Cincias Ambien-tais e as Cincias Sociais Ambientais, respectivamente , essasdistintas razes disciplinares j no so to evidentes. A demandapor uma institucionalizao da multi e interdisciplinaridade, scustas de tradies mais disciplinares, e o forte desenvolvimentoda pesquisa ambiental aplicada, orientado para a formulao depolticas e para as demandas do mercado, resultaram numa ferti-lizao cruzada e, conseqentemente, em fronteiras disciplinaresmenos distintas entre as duas perspectivas. Isso tem cada vezmais levado ao que poderamos chamar de casos de fronteira:estudos que no so facilmente classificados em nenhuma dasduas perspectivas, mas se encontram em algum ponto entre elas.

    A origem da tradio clssica na anlise dos fluxos ambien-tais est na anlise de ecossistemas e no trabalho de Odum (1971),que reformulou a noo darwiniana de Teia da Vida. A complexaTeia da Vida revelada atravs de estudos detalhados sobre ofluxo de materiais e energia atravs do ecossistema. A Teia daVida deve ento ser entendida como a teia fsica e biolgica davida, como as relaes, interaes e interdependncias comple-

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    xas e finamente ajustadas entre as entidades fsicas e biolgicasdos ecossistemas atravs dos fluxos de matria e energia. Os ecos-sistemas so definidos em termos da densidade de fluxos dentrodo sistema, sendo esta densidade maior quando comparada srelaes com o mundo exterior. Os estudos de ecossistemas con-centram-se nos processos de estabilidade e mudana na organi-zao dinmica dos fluxos materiais e de energia dentro do siste-ma. Os seres humanos e as organizaes so analisados, inter-pretados e contextualizados a partir de uma conceitualizao si-milarmente naturalista: como unidades da Teia da Vida queconsomem, processam e excretam fluxos ambientais. Essa tradi-o clssica se inicia com as noes de entradas, rendimentos esadas de Herman Daly (1973; 1977) e continua com as perspec-tivas populares mais recentes da Ecologia Industrial, Anlise deCiclo de Vida, Pegadas Ecolgicas, Anlise de Fluxos Materiais eAnlise de Sistemas Ambientais10. Estas verses modernas damesma tradio analisam igualmente os fluxos ambientais, ape-nas, ou principalmente, em termos fsicos e biolgicos. Tanto aAnlise do Ciclo de Vida11 como a Ecologia Industrial12 (por exem-

    10 Do ingls Industrial Ecology, Life Cicle Analysis, Ecological Footprints, Material FlowAnalysis e Environmental System Analysis (N.T.)

    11 Enquanto as Anlises do Ciclo de Vida existem sob todas as formas e a respeito detodos os tipos de produtos, alguns exemplos que se aproximam do assunto tratadoneste artigo so os estudos recentes sobre fluxos virtuais de gua entre pases(p.e., os fluxos de gua que acompanham a comercializao de produtos), resultan-do em balanos de gua variveis (Hoekstra e Hung, 2002; Hoekstra, 2003).

    12 A idia central da ecologia Industrial estudar o sistema industrial a partir deuma perspectiva ecossistmica. Essa perspectiva envolve basicamente dois pon-tos de partida. Primeiro, o sistema industrial em si deve ser interpretado eanalisado como um sistema especfico que apresenta uma distribuio internade materiais, energia e fluxos de informao (no diferentemente dosecossistemas). Segundo, o sistema industrial apia-se em recursos e servios(externos) fornecidos pela biosfera. Tantos os fluxos dentro do sistema industri-al, como aqueles entre tal sistema e a biosfera tm que ser otimizados atravs deuma perspectiva de circuitos fechados, a exemplo dos ecossistemas naturais.Diversos autores levam a analogia ecolgica ainda mais longe e procuram aplicaraos processos industriais princpios vindos dos processos biolgicos (p.e., o usodo Sol como nica fonte de energia; aplicao de processos auto-organizativos edescentralizados). No entanto, diversos eclogos industriais reconhecem que aanalogia dos ecossistemas no pode ser estendida a todos os aspectos dosprocessos industriais (p.e., Lowe, 1997; Boons e Baas, 1997).

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    plo, Ayres e Ayres, 1996; Graedel e Erkman, 1995) analisam ofluxo de materiais e energia atravs de cadeias e sistemas de pro-duo e consumo, com foco principal nas entradas, nos rendimen-tos e sadas, perdas do sistema e perturbao do ecossistemanatural. Estes estudos prestam pouca ou nenhuma ateno nossistemas e redes sociais em si, nas interaes e dinmicas sociais,nas relaes de poder governando esses fluxos materiais, ou nosfluxos no-materiais (dinheiro, informao, etc.) que andam ladoa lado com esses fluxos de matria e energia. Apesar das reivindi-caes constantes por uma perspectiva mais abrangente, usan-do, por exemplo, a teoria da agncia (Jackson e Clift, 1998) ou aanlise das redes sociais/industriais (Cot e Cohen-Rosenthal,1998), os sistemas industriais, e as cadeias de produo e consu-mo continuam sendo predominantemente analisados em termosbiofsicos: o metabolismo industrial. Os estudos de Anlise deSistemas Ambientais, Anlise de Fluxos Materiais e Pegadas Eco-lgicas (Spangenberg et al. 1998) esto igualmente preocupadoscom os fluxos materiais atravs do ambiente natural, especialmen-te atravs de modelagens complexas em escalas cada vez maiores. possvel que os modelos IPCC (ver nota 1) sobre mudana clim-tica estejam entre os mais conhecidos exemplos de anlise de sis-temas ambientais em grande escala, consistindo de numerososmodelos de poluio da gua, poluio do ar e poluio do solo,bem como de modelos integrados dos ciclos de nitrognio, carbo-no e fsforo. Como na Anlise de Fluxos Materiais, estes estudos seligam superficialmente aos atores sociais, instituies e dinmicasatravs das anlises de stakeholder ou pela introduo da assimchamada lgica DSPIR:13 Estmulos, Presses, Estado (do meioambiente), Impactos, Respostas14 (ver Spangenberg et al., 1998).

    Talvez possamos encontrar as razes de uma tradio maissociolgica de anlise de fluxos ambientais no estudo de Allen

    13 DPSIR corresponde s palavras de Drivers, Pressure, State (of the environment),Impact, Response (N.T.).

    14 Essa lgica se origina da trilogia Presso Estado Resposta da OECD (1991), queencontrou caminho sob diversas formas em muitos estudos das NaesUnidas, para finalmente se desenvolver na metodologia DPSIR da AgnciaAmbiental Europia.

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    Schnaiberg (1980) sobre acrscimos e retiradas. Como outros es-tudiosos do meio ambiente na tradio clssica, Schnaiberg voltasua ateno aos fluxos de substncias materiais (e de energia),interpretando os problemas ambientais em termos de acrscimoshumanos ao ambiente natural (causando poluio, por exemplo)e retiradas humanas do ambiente natural (causando depleo).Contudo, a contribuio sociolgica para essa anlise de fluxosse concentra principalmente nas prticas sociais e nas institui-es que governam esses acrscimos e retiradas, focalizando asinstituies modernas nas quais est enraizada a lgica no sus-tentvel dos fluxos ambientais. Muitos seguiram esse influentetrabalho de Schnaiberg, e a sua conceitualizao e anlise dosfluxos ambientais. Mais ou menos na mesma tradio porminiciando-se mais recentemente os tericos dos Sistemas Mun-diais (p.e., Goldfrank et al., 1999; Bunker, 1996) estudam os flu-xos ambientais principalmente em um contexto internacional. Ofoco em sistemas sociais maiores parece conferir a esses estudosum carter peculiar quando comparados aos estudos principal-mente nacionais conduzidos na tradio de Schnaiberg cum suis15.Os estudos da Teoria dos Sistemas Mundiais podem ser conside-rados como pertencentes tradio dos fluxos sociolgicos,porque de maneira similar aos estudos inspirados em Schnaiberg seu foco recai menos sobre os fluxos ambientais como tais emais sobre os sistemas sociais que so constitutivos dos padresespecficos dos fluxos ambientais em estudo. De maneira similar,muitos autores identificados com a Modernizao Ecolgica ado-tam uma conceitualizao dos fluxos ambientais inspirada emSchnaiberg, ao explicar as perturbaes da base de sustentaoprincipalmente em termos de defeitos de planejamento das insti-tuies que governam a produo e o consumo nas sociedades

    15 Nos anos 90, os estudos de Schnaiberg sobre a perspectiva da Rotina deProduo ultrapassaram o nvel nacional, fazendo com que a distino entreos estudiosos da Teoria do Sistema Mundial e aqueles da Rotina de Produoficasse menos clara (ver especialmente os estudos de Ken Gould). Apesardisso, o uso da relao Hemisfrio Sul-Hemisfrio Norte ainda bastanteforte nos estudos da Teoria do Sistema Mundial, como nos trabalhos deRoberts e Grimes, e de Stephen Bunker.

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    modernas. Os tericos da Rotina de Produo (Treadmill ofProduction)16 e da Modernizao Ecolgica trabalham na mesmatradio sociolgica de fluxos ao analisar como dinmicas soci-ais, atores, arranjos institucionais e processos estruturam de umaforma especfica os fluxos ambientais entendidos em termos deacrscimos e retiradas que se movem entre a sociedade e anatureza. No importa quo diferentes sejam as concluses dosestudiosos da Modernizao Ecolgica e da Rotina de Produo,os pontos de partida de seus estudos dos fluxos ambientais sobastante similares (ver Mol e Spaargaren, 2002).

    Finalmente, presenciamos a emergncia de um terceiro gru-po de estudos que se encontra entre as duas perspectivas discuti-das at agora. Nesses estudos, pelo menos trs tipos de avanospodem ser identificados. Primeiro, existem as perspectivas tcni-cas clssicas sobre os fluxos ambientais somadas a algum tipode anlise sociolgica, na maioria das vezes insatisfatrias. Estu-dos de avaliao integrada surgiram das avaliaes ambientais,atravs de tentativas de incluir anlises econmicas e sociais paracomplementar e completar suas perspectivas inicialmente restri-tas s das Cincias Naturais. De maneira parecida, os estudos emAnlise do Ciclo de Vida e Ecologia Industrial freqentementeincorporam a chamada stakeholder anlise, de maneira a trazer devolta para uma dimenso realista as muitas vezes utpicas pro-postas de mudana ambiental. Uma tentativa mais bem-sucedidade integrao pode ser encontrada no estudo de Kenneth Geiser(2001) sobre materiais e fluxos materiais. Apesar de partir da tra-dio clssica, ele pode ir parcialmente mais longe, de uma ma-neira construtiva e produtiva. Alm disso, existem estudiosos emSociologia Ambiental que aumentam consideravelmente as di-menses materiais dos fluxos na explicao de fatos sociais edesenvolvimentos relacionados a esses fluxos. Ao fazer isso, eles

    16 Segundo Buttel (1999), a teoria da Rotina de Produo considera que o capita-lismo e o Estado modernos exibem uma lgica fundamental de promover ocrescimento econmico e a acumulao privada de capital, e que a naturezade auto-reproduo apresentada por este processo faz com que ele assuma ocarter de treadmill (Buttel, 1999).

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    reduzem a anlise socioinstitucional e se aproximam da escolasociobiolgica. Freqentemente, pode-se perceber em seus estu-dos uma perspectiva um tanto evolucionista e funcionalista. Otrabalho de Marina Fisher-Kowalski (1997; Fisher-Kowalski eHaberl, 1997) sobre as bases materiais de sociedades em diferen-tes estgios de desenvolvimento serve como exemplo ilustrativode tal perspectiva. Finalmente, podemos mencionar diversos es-tudos que apresentam como centrais na anlise os fluxos de ma-tria e energia, sem cair em uma posio prxima da Sociobio-logia. Os estudos de Stephen Bunker (1995; Barham et al., 1987)apelam a uma forte fundamentao material, mas estas anlisesso muito mais cuidadosas ao usar os fluxos materiais para expli-car condies e desenvolvimentos sociais. De maneira parecida,existe uma rica tradio sobre infra-estrutura urbana, com estu-dos focalizando principalmente os fluxos de gua e energia apartir de uma perspectiva sociolgica. Estudos como os deElizabeth Shove (1997) e de Guy e Marvin et al. (1996; 2001)vo muito alm da perspectiva de acrscimos e retiradas, e seaproximam muito da Sociologia dos Fluxos ao colocar os fluxosmateriais no centro de suas anlises sociolgicas. Apesar de par-tirem de uma perspectiva dos fluxos materiais, eles se pergun-tam explicitamente de que maneira a interao entre o social eo natural pode ser analisada de forma equilibrada.

    Talvez, com exceo desta ltima subcategoria, essas trstradies de fluxos ambientais tenham, freqentemente, comoobjeto de estudo:

    o movimento de materiais e energia (em diferentes formas) entre as ativi-dades sociais de produo e consumo, e o ambiente natural;

    os fluxos materiais e de energia (perturbados) no ambiente natural; e/ou

    os fluxos de materiais e de energia (no fechados) dentro das atividadeshumanas de produo e consumo.

    As anlises dos fluxos vo desde estudos locais (p.e., dia-gramas de fluxo de um processo de produo) at verdadeirosquestionamentos globais (p.e., estudos sobre extrao de recur-sos globais, comrcio e modelos globais). No entanto, nesses estu-

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    dos os fluxos ambientais raramente so combinados com anli-ses de fluxos no-materiais, os quais assumem uma posio cen-tral na Sociologia dos Fluxos, com exceo talvez dos fluxos deinformao. Adicionalmente, podemos concluir que, na aborda-gem sociolgica, os fluxos ambientais em si no recebem, namaior parte das vezes, nenhuma ateno especial, confirmandonovamente, com algumas excees, a regra geral (p.e., o estudosobre alumnio de Barham et al.,1987; o estudo de Shove; e osestudos de Simon e Marvin et al. sobre bibliografia em infra-estrutura urbana). Desse modo, nas Cincias Ambientais nosdeparamos com estudos sociolgicos de fluxos, que empre-gam prticas sociais, instituies e atores como unidade centralde anlise, ou com estudos tcnicos, que empregam os fluxoscomo unidade central de anlise, mas deixam as dimenses so-ciais subteorizadas (isso quando no so excludas).

    Sociologia Ambiental e as limitaes daSociologia do sculo XX

    No final do sculo XX, a anlise de fluxos na SociologiaAmbiental, to fortemente inserida na agenda de pesquisa apso influente estudo de Schnaiberg (1980) sobre acrscimos eretiradas, enfrentou diversos problemas e limitaes. Algunsdestes problemas podem ser considerados como especficosda Sociologia Ambiental, enquanto outros foram enfrentadostambm pela Sociologia Geral, levando, por fim, ao surgimentoda Sociologia dos Fluxos.

    O primeiro problema aparece em virtude dos efeitos daglobalizao sobre os arranjos predominantemente nacionais,construdos a partir dos anos 70 em diante para lidar com osfluxos ambientais em diferentes camadas e em diferentes seg-mentos da sociedade industrial moderna. Especialmente durantea modernidade simples (Beck, 1992), os fluxos de gua, ener-gia, resduos, riscos alimentares, entre outros, no foram articu-lados como fluxos ambientais e ficaram invisveis para a maiorparte da populao. Estes fluxos se moviam atravs de canos sub-terrneos (sistema de esgotos) para lugares distantes (estaes

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    de tratamento, aterros sanitrios), fora do alcance dos sentidos. Aenergia e os fluxos de gua funcionando como base para as prti-cas domiciliares de moradia (seo 2) tornaram-se invisveis na re-sidncia ao estarem os aparelhos de monitorao escondidos empores escuros. Devido crescente importncia dada aos interes-ses e valores ambientais a partir dos anos 70, os fluxos ambientaistornaram-se visveis novamente como ocorria nos sculos XVIII eXIX (ver Swaan, 1988) e passaram a ser considerados como fluxosambientais, necessitando de projeto, manejo, governana e otimi-zao a partir de um ponto de vista ambiental. Neste contexto,surgem as idias da modernizao ecolgica e, junto a elas, a de-manda para a incluso das racionalidades ambientais nas institui-es de monitorao e governana, e nos esquemas organizacionais.

    Em direo ao final do sculo XX, os esquemas emergentespara o manejo dos fluxos ambientais so radicalmente transfor-mados nos processos de globalizao. Os formatos orientadospara o nacional, que predominaram durante a modernidade sim-ples, passaram a ser percebidos cada vez mais como inadequa-dos. Entre as maiores mudanas, esto: os movimentos de ener-gia, gua, resduos e riscos transfronteirios; o fato de as organi-zaes internacionais pblicas e privadas se envolverem nagovernana dos fluxos ambientais locais; a crescente importnciae diferenciao dos fluxos globais afetando tambm as condieslocais; o aumento do conhecimento e da reflexo do pblico ge-ral sobre as novas condies para o manejo dos fluxos ambientais;e o uso freqente e rotineiro de pesquisas de opinio pblica,grupos focais, pesquisas de mercado e outras ferramentas de re-flexo para trazer ao manejo dos fluxos ambientais uma orienta-o para o cidado-consumidor. Apesar de, a princpio, nos anos80 e incio dos 90, os regimes ambientais terem sido reconhecidoscomo uma abordagem que apenas reforava a doutrina da sobera-nia do Estado-nao, no final dos anos 90 ficou claro que as polti-cas orientadas para o Estado-nao eram realmente inadequadas.Temos que concluir, junto com John Urry, que a globalizao no apenas uma regio ou um nvel superior de agrupamento.

    O segundo problema relaciona-se com as transformaesdas claras delimitaes que tinham sido feitas na modernizao

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    simples entre Estado, mercado e sociedade civil (Spaargaren, Mole Buttel, 2000). Todos os tipos de arranjos hbridos entre essas (ealm dessas) trs instituies foram identificados como novasinstituies que estariam supostamente, ou de fato, governandoos fluxos ambientais: subpolticas ambientais, parcerias entre ossetores pblico e privado, atores de mercado assumindo funesdo Estado, Estados que passavam a se comportar como atores demercado, governos de interesses privado17 fazendo a mediaoentre Estados decadentes e atores de mercado oportunistas, ONGsambientais comeando a se comportar como Estados ou at comomultinacionais, etc. Parecia que a diviso tradicional entre Esta-do, mercado e sociedade civil havia perdido grande parte de suaadequao para a anlise dos arranjos e instituies que gover-navam os fluxos ambientais na virada do sculo. Claro que sem-pre existiram instituies intermedirias, mas nesse momento eracomo se as excees, que pareciam tornar a regra ainda mais for-te, houvessem se tornado a regra em si.

    O terceiro problema remete a como, no estudo sociolgicodos fluxos ambientais, a relao entre o social e o natural/materi-al/tcnico passa a estar (novamente) sujeita a debates e contro-vrsias intensos. Desde o nascimento da Sociologia Ambientalno incio dos anos 70, a questo do natural versus o materialteve lugar na anlise sociolgica como uma dimenso que nopoderia ser reduzida apenas a categorias sociais (ver seo 1).Nos anos 90, o construtivismo social (p.e. Hannigan, 1995; Yearley,1997) coloca novamente na agenda a conceitualizao do mate-rial/natural nos estudos sociais, como nas anlises da teoria doator-rede e de grandes sistemas tcnicos na tradio de MichelCallon (1980) e Bruno Latour (1987) nos anos 80. A teoria do

    17 A noo de governos de interesse privado descreve agncias para as quais asfunes de polticas pblicas so delegadas na tentativa de [...] utilizar ointeresse individual de grupos sociais para criar e manter uma ordem socialamplamente aceitvel e que observam que seu uso [...] baseado em pres-supostos sobre o comportamento das organizaes como agentes de trans-formao dos interesses individuais in: www.jims.cam.ac.uk/people/faculty/pdfs/willmott_maintaining_self.pdf (N.T.).

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    ator-rede buscou principalmente reduzir a distino entre o natu-ral/material e o social ao dar ao primeiro (como molculas e carros)o mesmo carter de ator nas redes combinando artefatos materi-ais com atores humanos e organizaes. As redes de atores so,portanto, redes de entidades sociais e materiais/naturais que pos-suem interaes, interdependncias e influncias mtuas. O deba-te do construtivismo dos anos 90 enfatizou (de diversas maneirase graus e com concluses diferentes) a construo social da nature-za e das coisas materiais, tentando reduzir ou eliminar da anlisesociolgica as dimenses materiais da vida social. Apesar das duastradies no terem surgido da Sociologia Ambiental strictu sensu(mas sim da Sociologia da Cincia e Tecnologia), ambas tiveramuma importante influncia dentro da Sociologia Ambiental, especi-almente porque tocaram o corao dessa subdisciplina: a relaoentre, por um lado, os fluxos materiais e, por outro, as instituiessociais, atores e dinmicas governando esses fluxos. No final dosculo, muitos autores notaram a necessidade de uma nova abor-dagem que eliminasse as dicotomias clssicas entre natureza ecultura, o social e o natural, o realismo e o construcionismo.

    Ao analisar os fluxos ambientais em relao sociedade, aSociologia Ambiental alcana as limitaes dos paradigmas soci-olgicos do sculo XX. Essas limitaes tm a ver, argumenta-mos, com o carter global dos fluxos, com questes (cientficas)de gerenciamento e controle, e com as maneiras pelas quais concebida a relao entre o material e o social.

    4 A Sociologia Ambiental e a Sociologia dos Fluxos

    Apesar de os fluxos ambientais serem regularmente usadospara ilustrar os fluxos globais (especialmente a mudana climti-ca global, a camada de oznio e o movimento dos resduos sli-dos) e as dificuldades na governana dos fluxos globais baseadanos Estados-naes, em geral se pode dizer que eles so margi-nalizados e no recebem uma anlise profunda na Sociologia dosFluxos. Essa marginalizao pode tomar diferentes formas, des-de uma reduo apenas s dimenses sociais, na perspectivaconstrutivista, at seu abandono e confinamento ao espao do

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    lugar, dando forma identidade de resistncia contra o espaodos fluxos, como na teoria da sociedade em rede de Castells.18

    Nesta seo, queremos avaliar de maneira sistemtica opotencial da Sociologia dos Fluxos para a anlise dos fluxos ambien-tais, j que acreditamos que essa anlise se constitui em umareferncia sria para o debate sociolgico sobre o futuro da moder-nidade. Nesta avaliao, faremos uso das percepes, experinci-as, dos assuntos e estudos atuais da Sociologia Ambiental poracreditarmos que a tradio da Sociologia Ambiental na anlisedos fluxos ambientais tambm tem uma contribuio para essedebate. Ao mesmo tempo em que trazemos o conhecimento dosfluxos ambientais at a Sociologia dos Fluxos, avaliamos e refor-mulamos partes dessa emergente perspectiva da Sociologia dosFluxos. Faremos isso em torno de quatro temas principais: a defi-nio de fluxos, a relao entre o social e o material (hbridos),questes de poder e desigualdade, e governana (global).

    A definio dos fluxos: transformao das agendasde pesquisa na Sociologia Ambiental

    Para Sassen (1994) e Castells (1996/1997), as transaes,os fluxos e o espao dos fluxos so domnio privilegiado daeconomia global, e das tecnologias de comunicao e informa-o. A nova configurao das duas ltimas est na origem dosfluxos, especialmente de dinheiro, informao e servios econ-micos relacionados. No de se surpreender que os fluxos am-bientais, ou de maneira mais geral, os fluxos materiais, no es-tejam includos na anlise de fluxos de Castells. O meio ambi-ente ou a natureza entram apenas como efeito colateral negati-

    18 John Urry uma exceo positiva entre os tericos sociais em funo de seusesforos amplos e contnuos para conferir ao meio ambiente algo mais do que umaposio marginal. Ele compartilha com outros tericos sociais, tais como AnthonyGiddens e Ulrich Beck, o papel crucial atribudo ao discurso ecolgico nos proces-sos de globalizao. No entanto, como gegrafo social, ele detalha sua anliseambiental muito alm disso, entre outros exemplos, no livro Contested natures(McNaghten e Urry, 1998), e em sees sobre cidadania ecolgica (Urry 2000b).

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    vo do espao dos fluxos. No final, isso se traduz em uma refor-mulao do ponto de vista convencional da economia ambiental(externalidades) em combinao com a abordagem de protes-to, tradicional na Sociologia Ambiental (movimentos sociaisorganizando a resistncia contra a modernidade).

    Em comparao com Castells, John Urry fornece uma inter-pretao e uma definio muito mais abrangentes de fluxos, am-pliando a perspectiva muito alm da economia e da (tecnologia da)informao. Ao mesmo tempo, ele radicaliza a perspectiva dos flu-xos ao fazer dos fluxos e fluidos as unidades-chave da anlise (socio-lgica) e os princpios organizadores dos sistemas sociais do scu-lo XXI. Os fluidos e fluxos devem ser considerados como [...] cate-gorias de anlise absolutamente cruciais no mundo social globa-lizado, que em parte tornou as regies e redes menos poderosascasualmente (Urry, 2003, p. 61). Como foi discutido na seo 2, olado negativo desta mudana que resulta num cenrio um tantoimpreciso e arbitrrio. Parece que qualquer coisa que se move podeser interpretada como um fluxo: de nuvens a pessoas, de tomosvibratrios a resduos slidos transfronteirios.

    A contribuio da Sociologia dos Fluxos para a SociologiaAmbiental e o modo como aquela pode mudar a sua agenda fi-cam claros quando se compara a perspectiva de acrscimos e reti-radas, to central na Sociologia Ambiental ps-Schnaiberg, comesta nova Sociologia dos Fluxos.

    Primeiro, a perspectiva dos acrscimos e retiradas19 focali-za muito na regio, demasiado esttica e limitada ao lugar secomparada com a Sociologia dos Fluxos. Esta se desenvolve comouma resposta s limitaes da forte orientao da Sociologia paraa regio e para a sociedade. O agrupamento de objetos em regi-

    19 A perspectiva dos acrscimos e retiradas no deveria ser vista como relevanteapenas para as correntes inspiradas na economia poltica ou no neomarxismo exis-tentes na Sociologia Ambiental. Como indicado na seo 3, este par de conceitos eos conceitos a eles relacionados prosperam amplamente em vrias tradies daSociologia Ambiental (incluindo a modernizao ecolgica e a anlise de sistemasmundiais), na maioria dos paradigmas dos estudos ambientais (como a ecologiaindustrial e a anlise de sistemas ambientais) e em teorias do tipo mo-na-massa,usadas por aqueles responsveis pelo desenvolvimento de polticas pblicas.

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    es dentro das fronteiras do Estado-nao se torna injustificvel,devido especialmente globalizao. Alm disso, a globalizaoj no pode ser interpretada apenas como mais uma regio ouum nvel mais alto de agrupamento. A Sociologia dos Fluxos co-loca os fluidos globais, a dinmica das redes globais e o espaodos fluxos na agenda de pesquisa, e retira as localidades, as pr-ticas estticas e o espao do lugar. A idia de fronteiras e agrupa-mentos fixos, especialmente no interior de uma sociedade do tipoEstado-nao, substituda pelos fluidos globais sem fronteiras.Mesmo na anlise ambiental realizada pela Teoria dos SistemasMundiais, os fluxos ambientais foram situados e discutidos den-tro do conceito de sociedades iguais ao Estado-nao, com acrs-cimos e retiradas fluindo entre redes e cenrios um tanto fixos,seguindo trajetrias bem delimitadas. Os argumentos a favor dosfluidos globais e contra as imobilidades locais deveriam ser leva-dos a srio pelos analistas dos fluxos ambientais. Porm, issono deve resultar em perspectivas que excluam totalmente o lu-gar. Apesar dos processos de desenraizamento, desterritorializa-o, deslocalizao e da liberalizao dos fluxos financeiros e eco-nmicos globais, Saskia Sassen (1994), Anki Hoogvelt (1997) eoutros pesquisadores ilustraram o fato de que os fluxos de capi-tal financeiro e informacional tm que ser processados em luga-res (as cidades metropolitanas), que seus lucros se originam emlugares e que eles tm que se instalar em lugares. Um exemplodisso so os investimentos ambientais em arranha-cus e outrosobjetos materiais (Melchert, no prelo). Como vimos na seo 2,Castells colocou as tenses entre o espao dos fluxos e o espaodo lugar bem no centro de sua teoria social, interpretando o es-pao do lugar como um tipo de lugar de resistncia contra umaeconomia global dominada pelos fluxos, e pelas tecnologias dacomunicao e informao. Enquanto o modelo oferecido porCastells insatisfatrio por enfatizar o desenraizamento s cus-tas do reenraizamento, acreditamos que a Sociologia Ambientalpossa contribuir para mostrar como os regimes regulatrios ba-seados no espao dos fluxos (por exemplo, para o fornecimentode gua e comida) podem ser combinados com as igualmenteimportantes dinmicas do espao do lugar (Oosterveer, 2003).

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    Segundo, at o momento a Sociologia Ambiental investi-gou ou analisou pouqussimas vezes os fluxos ambientais comotais. A maior parte dos estudos sobre acrscimos e retiradas seconcentra nas prticas de produo, consumo, minerao, agri-cultura e outras similares, resultando em acrscimos, retiradas emudanas concomitantes dentro do conjunto de ecossistemasconstituindo a base material das sociedades modernas. Pelo modocomo a Sociologia dos Fluxos os entende, os fluxos de substn-cias materiais tornam-se a unidade de anlise genuna da Socio-logia Ambiental, em torno dos quais atores e prticas sociais classificados em termos de ndulos e ancoradouros, desenvol-vimentos e cenrios institucionais, discursos e redes podemser identificados e analisados de forma a entender esses fluidossui generis, e as questes de polticas de gerenciamento e con-trole que eles trazem consigo. Enquadrada na dicotomia HEP-NEP20, to impositivamente colocada na agenda por Riley Dunlape outros nos anos 70 e 80, essa maneira de conceber os fluxosambientais poderia at mesmo ser interpretada como uma radica-lizao para alm do NEP. Apesar de as teorias sociolgicas con-vencionais terem sido questionadas pela perspectiva NEP quan-to ao seu carter de Iseno Humana e a sua m vontade em darespao para a ecologia e o meio ambiente, uma interpretaoambiental da Sociologia dos Fluxos vai um passo alm do NovoParadigma Ecolgico ao colocar os fluxos materiais em si nocentro da anlise. Esta radicalizao do NEP acaba resultandoem questes sobre se devemos ou no ultrapassar as fronteirasda disciplina sociolgica (ver abaixo).

    Terceiro, apesar de a Sociologia dos Fluxos no caso dosfluxos ambientais empurrar os fluxos materiais para o centroda anlise, ao mesmo tempo torna os fluxos ambientais inerente-mente sociais. Um fluxo ambiental no se constitui apenas desubstncias materiais e infra-estruturas tcnicas, mas tambm decenrios, ns, redes e discursos que acompanham os fluxos oufluidos em questo. Nesse ponto, aquele se distingue dos

    20 HEP sigla de Human Exemptionalism Paradigm (Paradigma da Iseno Humana)e NEP sigla do New Ecological Paradigm (Novo Paradigma Ecolgico) (N.T.).

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    paradigmas de estudos ambientais que esto ligados maioriadas anlise atuais de fluxos materiais. Ao analisar os fluxos, aSociologia dos Fluxos concentra-se no enraizamento social aomesmo tempo em que enfatiza a dimenso material. Tal perspec-tiva pode ser til para superar as distncias entre, por um lado,algumas das tradies das Cincias Ambientais que tm os fluxosmateriais como objeto central (pelo menos no modo das CinciasNaturais; ver seo 3) e, por outro, as perspectivas neomarxistas,da Teoria dos Sistemas Globais e, outras verses realistas de-senvolvidas na Sociologia Ambiental.

    Quarto, na perspectiva da Sociologia dos Fluxos, os fluxosambientais em termos de acrscimos e retiradas devem ser enten-didos como uma interpretao um tanto estreita e esttica dosfluxos ambientais, uma vez que o foco est em um s aspecto, porexemplo, o estgio final de um processo de fluxo (as adies totaisao meio ambiente, ou as retiradas lquidas totais do ambiente emdireo produo e aos produtos). Como foi demonstrado atagora, a dinmica dos fluxos em si, com seu comportamento demovimento constante e com fluidos desterritorializados, perma-nece subteorizada. Se quisermos levar a Sociologia dos Fluxos asrio, os fluxos ambientais e a nossa anlise desses fluxos nodevem parar no momento em que eles so extrados ou adiciona-dos ao meio ambiente. Os fluxos no apresentam um fim ou umestgio final, e este ponto de vista tem que ter conseqncias so-bre a maneira como tratamos o nosso objeto de anlise. Os ciclosde carbono e os de fosfato juntamente s caractersticas do siste-ma da automobilidade21 em transformao seriam objetos deestudo mais arquetpicos do que a extrao de minrios ou a emis-so de metais pesados por indstrias de revestimentos metlicos.

    Finalmente, a Sociologia dos Fluxos reinterpretaria algunsdos estudos da Sociologia Ambiental que nunca foram identifica-dos com fluxos e anlise de fluxos. Na Sociologia dos Fluxos,estes no so necessria ou exclusivamente materiais. Eles po-dem tambm ser predominantemente sociais, ou uma combina-

    21 Sistema da mobilidade atravs do uso de automveis (N.T).

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    o, ou um hbrido. Os estudos da Sociologia Ambiental com focosobre, por exemplo, movimentos sociais e ONGs ambientais; in-formao, conhecimento e certificao ambientais; ou discursos,idias, normas e valores podem ser retrabalhados a partir de umaSociologia dos Fluxos ambientais. A mobilidade das idias, infor-maes e referenciais de interpretao ambientais fluindo entreredes e ns ao redor do globo pode de acordo com a Sociologiados Fluxos ser interpretada praticamente da mesma maneiraque os fluxos materiais. Em vez das comunidades geogrficaslimitadas s localidades, as comunidades mveis e sem lugardefinido esto emergindo sob as condies da complexidade glo-bal, cada uma delas envolvendo uma interseco particular dopertencer e do viajar. Alguns exemplos so os agrupamentos oualianas organizadas em torno de questes como alimentao,gnero, meio ambiente, espiritualidade, protestos pblicos, cul-tura, etc. Estas comunidades esto dentro, mas tambm alm,dos limites do Estado-nao. As regies, fronteiras e lugares setornam relativos, permeveis e tm, na maioria dos casos, umarelevncia limitada para entender a mobilidade dentro e entreessas entidades sociais. Os fluxos mveis em si podem no sermateriais em tais casos, mas, at certo ponto, o so as infra-es-truturas, os ns e os caminhos utilizados. Um desafio que aqui seapresenta o de como ligar as redes ambientais com fluxos desubstncias ambientais especficas. No entanto, tal extenso doconceito de fluxo tambm dentro de uma sociologia ambientaldos fluxos poderia nos fazer vtimas do mesmo tipo de problemasque apontamos na abordagem de John Urry para definir os fluxos:acaba-se com uma lista aparentemente arbitrria (ou at mesmoinfinita). Portanto, a Sociologia dos Fluxos ambientais precisa ain-da de uma maior sistematizao e definio desses fluxos.

    De modo geral, acreditamos que a reinterpretao e areconsiderao dos fluxos ambientais, da maneira sugerida pelaSociologia dos Fluxos, benfica para a Sociologia Ambiental,na medida em que, ao mesmo tempo em que abrem novos ti-pos de anlise terica, preparam o terreno para novas pesqui-sas empricas e ajudam a superar alguns impasses enfrentadospela Sociologia Ambiental do sculo XX.

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    Entre o social e o material: o papel dos hbridosna Sociologia Ambiental

    Nos estudos ambientais e na Sociologia Ambiental, a rela-o entre o social e o material, entre a sociedade e a natureza,sempre foi tensa, e sujeita a controvrsias e debates. O debatesobre HEP e NEP, as controvrsias entre as perspectivas construti-vista e realista, e os debates em torno das teorias de Callon eLatour sobre o ator-rede fornecem evidncias desta luta contra asdimenses materiais presentes nas teorias sociais sobre a mu-dana socioambiental. Na Sociologia dos Fluxos, especialmenteJohn Urry quem, baseando-se fortemente nas teorias do ator-redede Latour (1987) e Callon (1980 e 1987), e na reinterpretaofeita por Mol e Law (1994), procura superar (ou se livrar da) adicotomia entre o social e o material. Ao faz-lo, ele vai muitoalm das perspectivas convencionais dos socilogos ambientaisque, de modo geral, esto satisfeitos ao estudar os sistemas soci-ais como sistemas que possuem uma base material, reconhecen-do o fato de que as condies materiais tm importncia paraas prticas sociais e para os desenvolvimentos institucionais. ASociologia dos Fluxos no aceita a distino entre o material eo social, e reivindica que ambos sejam integrados na formaode hbridos, colocando os mundos materiais ou os hbridosno centro da anlise (ver Urry, 2003).

    Desse modo, a Sociologia dos Fluxos, ao menos da manei-ra como foi desenvolvida por John Urry, se distancia das anlisesexcessivamente sociais da Sociologia clssica, explicando os fa-tos sociais s atravs de fatos sociais. Quando se trata das basesmateriais da vida social, Urry se distancia fortemente de Castells,que oferece uma viso da natureza e do meio ambiente total-mente baseada no Paradigma da Iseno Humana (HEP). ParaCastells, as sociedades modernas conseguiram libertar-se dasrestries impostas pela natureza. Apenas na era informacionaldo sculo XXI a natureza pode e deve ser reinventada e entendi-da como forma cultural, independente de suas bases materiais.Como nota Castells: [...] aps milnios de uma batalha pr-his-trica contra a Natureza, primeiramente para sobreviver e depoispara domin-la, nossa espcie alcanou o nvel de conhecimento

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    e organizao social que nos permitir viver em um mundo pre-dominantemente social (Castells, 1996, p. 478).

    Sem adotar totalmente o Novo Paradigma Ecolgico (NEP)em sua formulao clssica, seguimos Urry em seu esforo paraconstruir uma natureza de forma no independente dos fluxosmateriais que mantm a vida social. O social e o material devemser mantidos prximos tambm no nvel conceitual. Essa aproxi-mao tem, no entanto, um nmero de conseqncias que de-vem receber considervel ateno.

    Primeiro, a integrao das dimenses materiais e sociaisdos fluxos faz Urry questionar a adequao da Sociologia comodisciplina e reivindicar uma colaborao interdisciplinar mais in-tensa. Em seus trabalhos mais recentes, Urry argumenta a favorda migrao de outras disciplinas incluindo tambm as Cinci-as Naturais para o interior da Sociologia. Para entender a com-plexidade da globalizao, os socilogos so levados a voltar suaateno s outras cincias para obter toda a ajuda possvel quepermita a interpretao e a compreenso das mobilidades glo-bais. Urry tambm no hesitaria em integrar vrias disciplinasem uma nova cincia (da complexidade) para interpretar e enten-der a modernidade global: [...] as cincias da complexidade pa-recem fornecer a melhor maneira de transcender as divises toultrapassadas entre natureza e sociedade, entre as cincias natu-rais e as cincias sociais (Urry, 2003, p. 18).

    No campo ambiental, as reivindicaes pelo abandono dotrabalho cientfico unidisciplinar so freqentes e familiares de-mais (sendo parcialmente impulsionadas por agncias de finan-ciamento). No entanto, bastante fora do comum que esse tipode reivindicao venha de um dos mais importantes tericossociais contemporneos. A busca pelas prticas de colaboraomulti ou interdisciplinar foi intensamente debatida nas cinciase nos estudos ambientais (sociais) a partir dos anos 70. Naquelapoca, havia uma reivindicao mais ou menos similar de que acomplexidade dos problemas ambientais no poderia ser en-tendida, e muito menos resolvida, pelas Cincias Naturais ouSociais trabalhando separadamente. Diversas tentativas foramfeitas para transformar os estudos ambientais em uma nova dis-

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    ciplina cientfica, com suas prprias teorias, conceitos, mto-dos e metodologias de pesquisa (Boersema et al., 1991; Leroy eNelissen, 1999). Muitas destas iniciativas surgiram das CinciasEconmicas e Naturais, e procuraram incorporar as Cincias So-ciais (p.e., avaliao ambiental integrada e ecologia industrial).Originada nas Cincias Sociais, a tentativa de integrao de Urryfornece as bases para que as Cincias Naturais migrem para asCincias Sociais, em vez do oposto, como normalmente o caso.Isso torna sua reivindicao tanto mais interessante. Todavia,os vinte anos de experincias em desenvolvimento de metodo-logias e referenciais tericos integradores nas Cincias Ambien-tais (Sociais) no resultaram em avanos significativos na anli-se, interpretao e resoluo de problemas relacionados aosacrscimos e retiradas. Em parte, esse fracasso pode ser explica-do pela falta de trabalhos conceituais transdisciplinares que con-seguissem atrair quem quisesse se aventurar neste desafio apartir de diferentes disciplinas. Talvez, com a perspectiva dosfluxos, esse limitante possa vir a ser superado. No entanto,mesmo para os hbridos, fluxos e cenrios do trabalho Urry eoutros trabalhos conceituais relacionados, o sucesso ser emgrande medida determinado pela capacidade desses conceitosde analisar e entender (melhor) os fluidos globais.

    Segundo, com uma considravel ateno voltada para adimenso material, o resultado uma nfase muito maior natecnologia e nos desenvolvimentos tecnolgicos dentro da Soci-ologia e as Cincias Sociais (em geral). Essa nfase acentuada natecnologia fica bvia se compararmos a Sociologia dos Fluxos,por exemplo, teoria da estruturao. Giddens d ateno limita-da aos desenvolvimentos tecnolgicos, e sua influncia sobre aordem social e a mudana institucional. Tanto na Sociedade emrede de Castells, como no recente trabalho de Urry sobre fluxos emobilidades, a tecnologia trazida para o centro do desenvolvi-mento e das mudanas sociais. Os socilogos ambientais ficari-am vontade com tal nfase nos desenvolvimentos tecnolgicospara interpretar, explicar e criticar a modernidade tardia. As infra-estruturas tecnolgicas sempre ocuparam um lugar central naSociologia Ambiental, seja na forma de infra-estrutura pblica de

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    servios, plantas de produo, tecnologias ambientais, seja nade bens de consumo, como carros e computadores.

    Terceiro, a integrao do social e do material tende a su-bestimar qualquer concepo convencional de agncia. Em con-sonncia com as teorias do ator-rede, no so apenas os agenteshumanos que atuam nas redes, nos fluidos e cenrios. Tanto aagncia humana como os objetos materiais podem atuar, fazeruma diferena, e por isso Urry adota o vocabulrio de actantessem hesitar. No existe um domnio autnomo da agncia huma-na, no existem sociedades unicamente humanas. As sociedadesso constitudas de hbridos, e ao aceitar-se a noo de hbridos,se torna inevitvel o uso da linguagem dos actantes, referindo-setanto aos humanos quanto aos objetos e tecnologias. Como foidiscutido com algum detalhamento na seo 2, para Urry a inte-grao do social e do material est inextricavelmente ligada sua virada para a complexidade. A cincia da complexidade que o leva a dar uma forte nfase na impossibilidade dos actantesde dirigir e controlar intencionalmente os desenvolvimentos so-ciais e de criar e sustentar estruturas, em resumo, de agir comoagentes com cognoscitividade e competncia. Na teoria da com-plexidade de Urry, os actantes esto ligados iterao. Os cursosde ao baseados em informao local levam a conseqnciasimprevisveis no nvel global devido a processos no-lineares deiterao. No final, nos deparamos com fluidos inerentementeimprevisveis, sem uma direo clara. Urry acaba aproximando-seda teoria dos sistemas ao desenvolver a noo (mecnica?) deatratores como a fora principal que causa as mudanas nos flui-dos e em seu movimento atravs dos cenrios. Torna-se, ento,digna de nota a pergunta sobre quo afastados estamos, junta-mente com John Urry, da perspectiva clssica de ecossistemas (fre-qentemente disputada nas Cincias Sociais), como est presente,por exemplo, no trabalho de Odum (ver Odum e Odum, 2000).

    Poder, desigualdade e acesso

    Na Sociologia dos Fluxos, poder e desigualdade j no seencontram relacionados apenas propiedade do capital, como

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    tem sido a viso dominante nos estudos neomarxistas, nem aoEstado, como era a convico predominante na maioria de outrasescolas de pensamento. Em lugar dessas velhas categorias depoder e desigualdade, a Sociologia dos Fluxos define novas desi-gualdades de acordo com o relativo ou nenhum acesso aos fluxos.Os grupos, as pessoas, as cidades e as regies com acesso aos flu-xos centrais e localizados nos ns centrais ou ancoradouros (ouprximo a eles) sero os ricos e poderosos. Esta perspectiva seaproxima tambm daquela de Rifkin (2000), que enfatiza a maiorimportncia do acesso em relao propriedade na modernidadetardia. Esse acesso se refere aos fluxos de informao via internet,aos fluxos de capital monetrio e tambm s habilidades das pesso-as movendo-se pelo mundo, e que distingue pessoas, grupos, cida-des e regies privilegiados em relao aos seus equivalentes margi-nalizados. Esse acesso tanto pode ser direto, como a habilidade deestruturar cenrios e ns, ou parcial, como a capacidade de influen-ciar os fluidos quanto sua velocidade, direo, intensidade, etc.

    Ao seguir esse caminho analtico, uma Sociologia dos FluxosAmbientais se ocuparia do estudo das condies de acesso aos flu-xos ambientais e aos cenrios que estruturam a corrente de fluxosambientais estratgicos. Essa sociologia tambm analisaria com al-gum detalhamento as conseqncias para grupos, atores e organi-zaes com acesso negado ou que no conseguem estabelecer liga-es com as redes relevantes. Isso reorientaria os estudos convenci-onais de fluxos ambientais, do modo como eles so conduzidos atra-vs da perspectiva das Cincias Naturais (p.e., anlise de fluxos ma-teriais, ecologia industrial, etc.), ao dar prioridade perspectiva so-cial na anlise dos fluxos de substncias ambientais. Os estudos deacrscimos e retiradas convencionais seriam tambm enriquecidos,ao se ligar o de forma mais direta o poder e a desigualdade aosfluxos. Entende-se que o poder reside nos acrscimos e nas retira-das, e no apenas nas prticas sociais de produo e consumo. Osestudos em Direito Ambiental podem ser vistos como uma categoriaque se encaixa muito bem nessa Sociologia dos Fluxos Ambientais.

    De forma discutvel, os socilogos interessados em estudarquestes de desigualdade e poder na perspectiva da Sociologiados Fluxos escolheriam o trabalho de Castells como ponto de

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    Arthur P. J. Mol e Gert Spaargaren

    Para uma Sociologia dos Fluxos ambientais:uma nova agenda para a Sociologia Ambiental do sculo XXI

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    partida mais promissor. Isso aconteceria, porque Castells bas-tante explcito e direto em sua anlise das desigualdades na soci-edade de redes, especialmente pela sua maneira de distinguirentre o espao dos fluxos e o espao do lugar, e pela tenso queo autor v entre esses espaos. Pode-se dizer que aqueles comacesso e controle (parcial) dos mais importantes fluxos econmi-cos e informacionais dominam a nova ordem global informacional,em detrimento dos atores locais restritos ao lugar e fora dos nscentrais das redes. Assim como a maior parte dos economistaspolticos e socilogos ambientais neo-marxistas, Castells discuteas desigualdades em relao ao ambiente especialmente no con-texto de uma dicotomia bastante simples: os movimentos ambien-talistas restritos ao lugar resistem aos onipotentes atores do es-pao dos fluxos (econmicos). Na perspectiva de Castells parecehaver pouco espao para incluir o ambiente e a reforma ambientalna dinmica espao-temporal do espao dos fluxos, e este seria ocaso tambm para outros representantes da modernizao ecol-gica. Enquanto a noo de poder de Urry muito menos articula-da (em parte devido s suas noes de iterao, teoria de siste-mas e auto-referencialidade) e s vezes parece estar desconectadados seres humanos (como o caso da noo de atratores), o au-tor fornece maior espao conceitual para uma anlise mais amplae abrangente das desigualdades e do meio ambiente. Ao enten-der o meio