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Maria Fernanda dos Santos Pereira
PARA UMA LEITURA ENUNCIATIVA DAS SEQUÊNCIAS TEXTUAIS EXPLICATIVA E ARGUMENTATIVA
Dissertação de Mestrado em Linguística: Investigação e Ensino, orientada pela Doutora Maria da Conceição Carapinha Rodrigues, apresentada ao Departamento de Línguas, Literaturas e Culturas da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra
2015
UNIVERSIDADE DE COIMBRA
Faculdade de Letras
PARA UMA LEITURA ENUNCIATIVA DAS SEQUÊNCIAS TEXTUAIS EXPLICATIVA E ARGUMENTATIVA
Ficha Técnica:
Tipo de trabalho Dissertação de Mestrado Título Para uma leitura enunciativa das sequências
textuais explicativa e argumentativa Autora Maria Fernanda dos Santos Pereira
Orientadora Maria da Conceição Carapinha Rodrigues Júri Presidente: Doutora Graça Maria de Oliveira Rio-
Torto Vogais: 1. Doutora Ana Cristina Macário Lopes 2. Doutora Maria da Conceição Carapinha
Rodrigues Identificação do Curso 2.º Ciclo em Linguística: Investigação e Ensino
Área científica Linguística Especialidade/Ramo Linguística Aplicada
Data da defesa 15-10-2015 Classificação 18 valores
UNIVERSIDADE DE COIMBRA
I
AGRADECIMENTOS
Emprimeirolugar,umagradecimentomuitoparticularàminhaorientadora,Professora
DoutoraConceiçãoCarapinha, pelo apoio e atenção, bem comopelo carinho manifestados ao
longodestacaminhada.
ÀProfessoraDoutoraGraçaRio-Torto,umagradecimentoespecialpeloincentivoepelo
gostopelainvestigação.
Umagradecimentoeumgrandeapreçopelasdocentesdoanocurriculardomestrado,
DoutorasAnaCristinaMacário Lopes, ClarindaMaia, Isabel Poço Lopes e JoanaVieira Santos,
comasquaismuitoaprendiequemeincentivaramparaosestudosemLinguística.
OmeuapreçoàminhaEscolaeaomeuAgrupamento,emparticularàdireção,aosmeus
colegaseaosalunos,quemetêmestimuladonamelhoriaconstantedosmeusdesempenhos.
UmagradecimentoespecialàminhacolegaeamigaMariaJoséBráspelamotivaçãoepor
meterproporcionadoarecolhadocorpus,disponibilizando-separaapreparaçãoconjuntadas
questõeseparaasuaaplicação.
ÀminhairmãAlice,aomeucunhadoPedroeaomeusobrinhoDiogo,peloapoioepelo
carinho.
Por fim, aosmeus pais, em especial àminhamãe, pelo incentivo, pela corageme pelo
exemplo.
III
RESUMO
As sequências textuais explicativas e argumentativas configuram-se as dominantes em
diversos géneros textuais que ocupam um primeiro plano no recente Programa e Metas de
Portuguêsdoensinosecundário.
Pornosparecerqueépossívelpartirdassequênciastextuaisbásicasparaabordar,depois,
alguns géneros textuais distintos (não constituindo, no entanto, nosso objetivo a
problematizaçãodessas relações) eque, sendopertinentenanossa áreaprofissional, não tem
sido alvo de grande atenção, elegemos como tópico de trabalho a dimensão enunciativa das
sequênciastextuaisexplicativaeargumentativa.
O nosso objetivo é contribuir para a realização de um trabalho pedagogicamente mais
apuradoemtornodassequênciastextuais,umavezqueummaiorconhecimentodasestruturas
textuais e da sua organização permitirá aos alunos reconhecê-las e usá-las em diferentes
génerostextuais.
Paradarconsecuçãoaosnossosobjetivos,baseámo-nos,principalmente,nostrabalhosde
Adam sobre as sequências textuais; para a enunciação e dêixis recorremos aos estudos de
Benveniste e Kerbrat-Orecchioni, enquanto o tratamento da polifonia linguística foi
fundamentado pelos estudos de Ducrot e pela investigação de Vion e Fløttum. Ao ampliar o
âmbitodanoçãode ‘pessoa’ deBenveniste coma introduçãoda categoriado ‘pontodevista’,
complementou-seanoçãodesubjetividadeeintersubjetividade.
O corpus que sustentou o estudo foi recolhido com base em produções de sequências
textuaisexplicativaseargumentativas,produzidasporalunosdo12.ºano.
A análise tentou demonstrar que aspetos enunciativos, como a dêixis e a polifonia,
constituem fatores distintivos prototípicos destas duas sequências textuais, o que pode vir a
facilitaracompreensãoeproduçãodetextospelosalunos.
Palavras-chave:enunciação,dêixis,polifonia,sequênciatextualexplicativaeargumentativa.
IV
ABSTRACT
Theexpositoryandargumentativesequencesconstitutethemajortextualsequencesin
different textualgenresoccupyingacentral focus(constitutingoneof itsprimaryaims) in the
recentlyreviewedprogramofthePortuguesedisciplineofsecondaryschool.
Althoughwearguethat it ispossibletoanalyzedifferenttextualgenresbasedonbasic
textual sequences this relationship does not constitute our research goal. Instead, we have
selectedasubjectnoyetextensivelystudied,intheEuropeanPortuguesedomain,eventhoughit
is relevant in our professional area: the enunciative dimension of the expository and
argumentativetextualsequences.
Our aim is to contribute to the understanding of a pedagogicallymore accuratework
about the textual sequences, since a deeper knowledge of textual structures and of their
organizationwillenablestudentstorecognizeandusethemindifferenttextualgenres.
To attain our goals we have based our analysis mainly on Adam's work on textual
sequences;forenunciationanddeixis,wehaveresortedtothestudybyBenvenisteandKerbrat-
Orecchioni, and the linguistic polyphony studywas supported by studies of Ducrot, Vion and
Fløttum.WeextendedBenveniste’sconceptof ‘person’byintroducingthecategoryof ‘pointof
view’,andasaresult,weobtainedabetternotionofsubjectivityandinter-subjectivity
The study was supported by a corpus collected from expository and argumentative
textualsequencesproducedbystudentsofthe12thgrade.
The analysis seems to demonstrate that enunciative aspects, such as deixis and
polyphony, are prototypical distinctive factors of these two textual sequences, which can
facilitatetheunderstandingandproductionoftextsbystudents.
Keywords:Enunciation,deixis,polyphony,expositoryandargumentativetextualsequences.
V
ÍNDICE
INTRODUÇÃO 1
CAPÍTULOI–ENQUADRAMENTOTEÓRICO 41. Texto/Discurso/Enunciado 42. Tipologiastextuais 6
2.1. Classificartextos 62.2. Classificaçõestextuais:tiposdediscurso,génerosdiscursivos/textuais, tiposdetextosesequênciastextuais 82.3. Tiposdesequênciastextuais: 12
2.3.1. Sequênciaexplicativa 152.3.2. Sequênciaargumentativa 20
3. Questõesdeenunciação 263.1. Dêixis 29
3.1.1. Deíticos 303.1.2. Tipologiasdadeixis 323.1.3. Emergênciadasubjetividadenalinguagem 39
3.2. Polifonia 403.2.1. Negação 433.2.2. Ironia 453.2.3. “Îlotstextuels” 463.2.4. Conectores 473.2.5. Modalização 50
CAPÍTULOII–METODOLOGIAECORPUS 541. Processoderecolhadocorpus 542. Perfildosinformantes 563. Metodologiadoestudo 56
CAPÍTULOIII–ANÁLISEDOCORPUS–LEITURAQUANTITATIVAEQUALITATIVA 581. Leituraquantitativa 582. Leituraqualitativa 773. Propostasdedidatização 84
CAPÍTULOIV–CONDIDERAÇÕESFINAIS 98
BIBLIOGRAFIA 101
VI
ÍNDICEDEFIGURAS
Figura1: Ocorrênciadadêixisnasequênciaexplicativa 51
Figura2: Distribuiçãodastipologiasdadêixis:pessoal,temporaleespacialnasequênciaexplicativa
59
Figura3: Dêixispessoal–distribuiçãoda1ªpessoadosingulareda1ªpessoadopluralnasequênciaexplicativa
60
Figura4: Distribuição das tipologias da dêixis: pessoal, temporal e espacial nos textospredominantementeargumentativos
63
Figura5: Dêixispessoal–distribuiçãoda1ªpessoadosingulareda1ªpessoadopluralnostextospredominantementeargumentativos
64
Figura6: Ocorrênciadanegaçãonasequênciaexplicativa 67
Figura7: Distribuiçãodosconectoresnasequênciaexplicativa 68
Figura8: Distribuiçãodosconectoresdecausa-consequêncianasequênciaexplicativa 68
Figura9: Distribuiçãodosconectorescontrastivosnasequênciaexplicativa 68
Figura10: Ocorrênciademodalizadoresnasequênciaexplicativa 69
Figura11: Distribuição dos modalizadores epistémicos e deônticos na sequênciaexplicativa
70
Figura12: Ocorrênciadanegaçãoemtextospredominantementeargumentativos 73
Figura13: Distribuiçãodosconectoresemtextospredominantementeargumentativos 73
Figura14: Distribuição dos conectores contrastivos em textos predominantementeargumentativos
74
Figura15: Distribuição dos conectores de causa-consequência em textospredominantementeargumentativos
74
Figura16:Ocorrênciademodalizadoresemtextospredominantementeargumentativos 75
Figura17: Distribuição de modalizadores epistémicos e deônticos em textospredominantementeargumentativos
75
Figura18: Ocorrênciados“Îlotstextuels”emtextospredominantementeargumentativos 76
Figura19: Ocorrência de perguntas de retórica em textos predominantementeargumentativos
77
VII
ÍNDICEDEQUADROS
Quadro1: Tiposdetextoerespetivasoperaçõescognitivas,segundoWerlich 11
Quadro2: Estruturaçãosequencialdostextos 14
Quadro3: Estruturadasequênciaexplicativaprototípica 17
Quadro4: Aplicaçãodoprotótiposequencialexplicativo 19
Quadro5: Estruturadasequênciaargumentativaprototípica 22
Quadro6: Análisetextualdosdiscursos 26
Quadro7: Distribuiçãodadêixisnasequênciaexplicativa 58
Quadro8: Distribuiçãodadêixisemtextospredominantementeargumentativos 61
Quadro9: Distribuiçãodapolifonianasequênciatextualexplicativa 65
Quadro10: Distribuiçãodapolifoniaemtextospredominantementeargumentativos 71
1
INTRODUÇÃO
Nonossoquotidiano,sãofrequentesosmomentosemquedevemosrecorreraexplicações
eajustificações/argumentaçõesrelacionadascomosnossosatos,conhecimentos,desejos,entre
outros.Paraisso,ativamosassequênciastextuaiscorrespondentesquepodemosdepoisinserir
nosdiferentesgénerosqueusamosdiariamente,quernaescritaquernaoralidade.
São,então,assequências textuaisexplicativaseasargumentativasqueseconfiguramas
dominantes em textos de apreciação crítica, em textos de opinião e em textos de natureza
expositiva. Pela importância que assumem no desenvolvimento do raciocínio e do discurso
estruturados e do espírito crítico nos jovens, e em qualquer cidadão, estes géneros textuais
ocupamumprimeiroplanonosrecentesProgramaseMetasdePortuguêsdo3.ºciclodoensino
básicoedoensinosecundário.
No entanto, julgamosqueodomínioque cruza as relações entre ‘texto’ e ‘género’ ainda
nãoestá suficientementeexploradoe clarificado (nosatuaisprogramasdeportuguês), e seria
útilqueoestivesse,porcausadasimplicaçõespedagógicasquetem.Defacto,parece-nosqueé
possívelpartirdostipostextuaisbásicosparaabordar,depois,algunsgénerostextuaisdistintos.
Não constituindonosso objetivo a problematização dessas relações, elegemos como tópico de
trabalhoumaspetorelacionadocomestaamplaecomplexatemáticaeque,sendopertinentena
nossa área profissional, não tem sido alvo de grande atenção: referimo-nos à dimensão
enunciativadassequênciastextuais.
Anoçãodesequênciatextual,atribuídaaAdam(1987), temorigemnadiscussãogerada
em torno da questão da tipologia textual. As diferentes tipologias apresentadas por diversos
autoresbaseiam-seemcritériosmaisinternos(oulinguísticos),emcritériosmaisexternos(ou
pragmáticos)ouaindanumacombinaçãodeambos.Adam,porseuturno,defendendoaideiade
que um texto é sempre um fenómeno muito complexo, advoga o abandono das tipologias
textuais para se centrar na noção de sequência textual, uma unidade de análise menor e
teoricamente mais manuseável. Entendida como entidade autónoma, dotada de uma
organização própria, constituída por macroproposições que, por sua vez, são formadas por
proposições,umasequênciatextualéaunidadeque,sozinhaou,tipicamente,emconjuntocom
outrassequênciastextuais,permiteaconstruçãodetextos.
Por outro lado, a linguística da enunciação constitui também uma área de investigação
amplaeheterogénea.Aconsideraçãoeadiscussãodasubjetividadeedaformacomoestamarca
asuapresençana linguagemenosdiscursosconstituemumdostraçoscomunsnasdiferentes
teoriasquenelacabem.Esebemquepossamosenglobarnestalinguísticadaenunciaçãoteorias
e autores em si mesmo muito diversos, e na efetiva impossibilidade de tudo analisar,
2
selecionámosapenasalgunsaspetosdateoriadeBenveniste–adêixis,edateoriadeDucrot–a
polifonia,comoelementosadjuvantesnacaraterizaçãodassequênciastextuaisemanálise.
Paradarconsecuçãoaosnossosobjetivos,basear-nos-emos,principalmente,nostrabalhos
deAdamsobreassequênciastextuais;paraaenunciaçãoedêixisrecorreremosaosestudosde
Benveniste e Kerbrat-Orecchioni, enquanto o tratamento da polifonia linguística será
fundamentado pelos estudos de Ducrot e pela investigação de Vion e Fløttum. O conceito de
‘repéragesénonciatifs’(Adam:1992:17,21,23-24),quedizrespeitoamarcasdepessoa,tempo
elugar,seráalargadocomosestudossobrepolifonia;aointroduzir-seacategoriado‘pontode
vista’,ampliar-se-áoâmbitodanoçãode‘pessoa’deBenvenisteecomplementar-se-áanoçãode
subjetividadeeintersubjetividade.
Julgamos importante sensibilizar os alunos para a questão da subjetividade e da
intersubjetividade,paraaquestãodapresençadosujeitooudosváriossujeitosqueépossível
apreender na superfície textual das sequências explicativa e argumentativa. Mais uma vez,
cremosqueosprogramasnãoenfatizamdeformaclaraaspossíveisrelaçõesentreasnoçõesde
subjetividade(presençademarcasdeíticas)edepolifoniaeasdesequênciatextual,epensamos
queestanoção(sequênciatextual)podeserenriquecidaeclarificadaseacrescidadadimensão
enunciativa.
Neste sentido, pretendemos investigar a possibilidade de caraterizar e distinguir as
sequências textuais explicativa e argumentativa, através de fenómenos enunciativos, como a
dêixiseapolifonia.
Porconseguinte,osobjetivosdonossoestudoforambalizadospelasseguintesquestões:
i) Oquecaracterizaumasequênciaexplicativaeumasequênciaargumentativa?
ii) Existemmarcasenunciativas(dêixisepolifonia)nestasduassequências?
iii) Emquemedidaadimensãoenunciativapoderácontribuirparaacaracterizaçãodasduas
sequências?
Definimos, pois, como objetivosmaiores desta dissertação demestrado a caraterização
teórica destas duas sequências, a sua análise à luz das estratégias enunciativas atrás
mencionadaseoesboçodeumaabordagemdidáticadestestópicos.
Adotámos uma metodologia de natureza eminentemente descritiva, partindo de
produções escritas de alunos pré-universitários (12.º ano). Constituímos uma amostra de 27
alunos,docursodeCiênciaseTecnologias,aquefoipedidaumatarefaespecífica:aconstrução
deduassequências,umadecaráterexplicativoeoutradecaráterargumentativo,apartirdedois
3
temasdistintosque serviramdeestímulopara aproduçãoescrita.Osdados recolhidos foram
analisados estatisticamente, e sujeitos depois a uma avaliação de cariz qualitativo. Como
tentaremosdemonstraratravésdainterpretaçãodosdados,aspetosenunciativos,comoadêixis
eapolifonia,constituemfatoresdistintivosprototípicosdestasduassequênciastextuais,oque
podevir,sebemsistematizado,afacilitaracompreensãoeproduçãodetextospelosalunos.
Adissertaçãoestádivididaemtrêscapítulos,paraalémdaintroduçãoedaconclusão.
No primeiro, dividido em três itens, discutem-se os conceitos de ‘texto’, ‘discurso’ e
‘enunciado’; depois, problematiza-se o tema das tipologias textuais e caracterizam-se, de um
ponto de vista teórico-prático, as sequências explicativa e argumentativa; finalmente,
introduzem-se os conceitos de dêixis e de polifonia e apresenta-se uma proposta de leitura
enunciativadassequênciastextuaisemanálise.
O segundo capítulo descreve a metodologia usada: o perfil dos informantes, a
apresentaçãodastarefaseotipodecorpusobtido.
Oterceiroeúltimocapítulodiscuteosresultadosobtidos–emtermosquantitativos,mas
tambémqualitativos–eapresentaumapropostadedidatizaçãosobreotemaemcausa.
4
CAPÍTULOI–ENQUADRAMENTOTEÓRICO
1.TEXTO,DISCURSO,ENUNCIADO
Sendonossoobjetivoverificardequeformaadêixiseapolifoniasemanifestamaonível
das tipologias textuais, especialmente nos protótipos textuais explicativo e argumentativo,
sentimosnecessidadede,numprimeiromomento,atentarnanoçãode‘texto’.
É lugar-comum associar um ‘texto’ a um produto verbal escrito (Stubbs, 1983: 9),
constituídoporváriasfrases,quenãosurgemisoladasoudesligadasumasdasoutras,masantes
concatenadasedotadasde“sentidoeunidade”(Mateusetal.,2003:87).Nacaraterizaçãogeral
de ‘texto’ tem-se apontado, portanto, como traço essencial, a “escrituralidade” (Vilela, 1999:
400),opondo-se,assim,ao‘discurso’queapontaparamateriallinguísticooral1.
Outros investigadores, no entanto, apresentam uma diversa concetualização dos dois
termos. No quadro da Linguística Textual, por exemplo, Jean-Michel Adam (1999) também
distingue estes dois conceitos, ‘texto’ e ‘discurso’, tendo por base o modo de abordagem do
produtolinguístico.Oautordefendequeotextoéumobjetodeestudoquepodeseranalisado
de forma imanente, enquanto o discurso abre a análise a considerações de natureza
extralinguística,oumelhor,contextual.Poroutraspalavras,edeacordocomoautor,
“lesdomainesdu texte etdudiscours sontà la foidifférentset complémentaires.Nousavonsbesoinduconceptdetexte,d’unepart,pourexpliquerlacomplexitédesagencementsdefrases(objetdelalinguistiquetransphrasiqueoudecequecertainsappellentencore“grammairesdetexte”) et, d’autrepart, pour tenir comptede l’irréductiblede chaqueénoncé-texte singulier(les énoncés-textes complets que nous analysons).Nousavonsbesoinduconceptdediscourspour mettre le texte em relation avec ce qui motive la production et l’interprétation, pourinterroger son inscription dans les pratiques discursives réglées socialement ethistoriquementparlesgenresdediscours.”(Adam,2005).
Na mesma linha, Mey (1993: 187) afirma: “Discourse is different from text in that it
embodiesmorethanjustthetext,understoodasacollectionofsentences(…).Discourseiswhat
makesthetextcontext-bound,inthewidestsenseoftheterm.”
Como se constata, ambos os autores distinguem as noções de ‘texto’ e de ‘discurso’,
articulandoaprimeiracomaestrutura linguísticaea segundacoma inserçãodestaestrutura
numcontextoconcreto,resultando,portanto,decondiçõesdeproduçãoespecíficas.
Entretanto,emobrasmaisrecentes,opróprioAdamjánãoestabeleceessalinhadivisória
entreosdoisconceitos,optandopordefenderumaanálisetextualdosdiscursos,umateoriaque,
partindo de textos concretos e da análise das suasmicroestruturas, ultrapassa essa limitação1Note-sequemuitosdestesprodutospodemresultardeumtextoescrito,comoéderegistaremmuitosdosdiscursosdospolíticosedascomunicaçõesdeconferencistas,bemcomonosconhecidosSermõesdePadreAntónioVieira,istoé,geralmenteemsituaçõesmuitoformaisdecomunicação.Nascimento(2013)tambémreferequemuitodostextosdarádioedatelevisãosão“‘re-produzidos’oralmente”.
5
para examinar a sua inserção em contexto, situação socio-histórica particular que determina,
tantoquantoédeterminadapelodiscursoquenelaocorre.Dizoautor:
“Ilnefautpasoublierquenousn’avonspasaccèsaucontextecommedonnéeextralinguistiqueobjective,maisseulementàdes(re)constructionspardessujetsparlants(...).D’unpointdevuelinguistique, nous pouvons, dire que le contexte entre dans la construction du sens desénoncés”2.
Esta nova orientação, que aproxima os dois conceitos, é também partilhada por outros
autores. Chafe afirmaque os termos ‘texto’ e ‘discurso’ são usados de formadiferenciada por
diversosinvestigadores,embora,emtodososcasos,elereconheçaamesmapreocupaçãocoma
análisedotransfrásico.Apropósitodosdoisconceitos,oautorafirmaque“Bothtermsmayrefer
toaunitoflanguagelargerthanthesentence;onemayspeakofa‘discourse’ora‘text’”(Chafe,
1992: 356, 2003: 439-440). Também Fonseca (1992: 105) os considera sinónimos,
apresentando como texto ou discurso qualquer segmento linguístico de extensão variável,
dotado de unidade semântica e relevância pragmática. Halliday eHasan, dois dos fundadores
dos estudos sobre a textualidade, já haviam, porém, enfatizado a mesma ideia, muitos anos
antes;paraeles,qualquer“pieceoflanguagethatisoperational,functioningasaunityinsome
context or situation (…) spoken orwritten, in any style or genre” (1976: 293) seria uma boa
definiçãodestaentidadetexto/discurso.
‘Texto’e‘discurso’apontam,assim,paraomesmoconceito,edesignamqualquerproduto
verbal,oralouescrito,deextensãovariável,“dotadodesentidoeunidade”(Duarte,2003:87)e
deumafinalidadepragmática.
Partilhamos,pois,opontodevistadeLopeseCarapinhaqueconsideramosdoistermos
comosinónimoseafirmamoseguinte:
“aviragemparaotexto/discursofacilitouaperceçãodequeaanáliseestritamentelinguísticadestaunidade,aonívelmicroestrutural,emboralegítima,podeser(esótemaganharsefor)completadacomumaavaliaçãodacomponentepropriamentetextual,ouseja,comumavisãomacroestrutural e, mais ainda, enriquecida com a mobilização de dados relevando dacomponentesituacionaldequequalquertextoésempretributário”(2013:17).
Éestaaceçãoqueadotaremosnopresentetrabalho,noqualusaremos,preferencialmente,
otermo‘texto’.
Noentanto, estapossível reflexãoem tornodos termos ‘texto’ e ‘discurso’não temsido
aproximada, pelos investigadores, às teorias da enunciação, de raiz francesa, que apresentam
outro termo concorrencial: enunciado. Ora, poderemos pensar que também um enunciado
corresponde a um texto/discurso. Um enunciado é, para Benveniste, o resultado da atividade
linguísticado falante, istoé, enunciados são todosos segmentos linguísticosproduzidospelos
2inPratiques129-130,p.4(2006).
6
“actes discrets et chaque fois uniques par lesquels la langue est actualisée en parole par un
locuteur.”(Benveniste,1966:251).
Poderemos,então,tomartambémcomosinónimodooutroparotermo‘enunciado’?Aum
primeiro olhar, os termos ‘texto’, ‘discurso’ e ‘enunciado’ parecem partilhar, pelo menos
parcialmente,ocampodaquiloqueécomummentedesignadopor‘produçõesverbais’.Porém,o
termo ‘enunciado’ tem tido um uso bastante ambíguo, apontando para diferentes definições,
nemsemprefacilmenteconciliáveisentresi.DucroteSchaeffer(1995:250)definem-nocomoa
realização de uma frase em determinada situação, o que poderia aproximá-lo do conceito de
discurso.Maingueneau(1991:8),emcontrapartida,distingueclaramenteosdoistermos:
“(…)quandonemploieleterme«discours»danslecadredesthéoriesdel’énonciation,cen’estpas pour renvoyer à une unité de dimension supérieure à la phrase, ni pour considérer lesénoncésdupointdevuedeleursconditionsdeproductionsocio-historiques,maisc’estpourrapporterl’énoncéàl’acted’énonciationquilesupporte.”
Tambémcomo intuitodedistinguirosdois termos,Guespin (1971:10)avançaque “un
regardjetésuruntextedupointdevuedesastructuration«enlangue»enfaitunénoncé;une
étudelinguistiquedesconditionsdeproductiondecetexteenferaundiscours.”Porestavia,o
conceito de ‘enunciado’ poderia ser tomado como sinónimo de ‘texto’, de acordo com as
propostasdeAdam(2005)eMey(1993).Mastambémestainterpretaçãonãoéconsensual,pois
de acordo com Adam (1992: 15), “un énoncé, au sens d’objet matériel oral ou écrit, d’objet
empirique,observableetdescriptible,n’estpasletexte,objetabstrait(...).”
No termo deste périplo pelas diferentes definições, é pertinente afirmar que os três
termosemcausapodemterounãoamesmainterpretação,dependendo,sobretudo,dosautores
edascorrenteslinguísticasqueosconvocam.Dequalquermodo,odesenvolvimentodasteorias
pragmáticas,muitoligadasaouniversoinvestigativoanglo-saxónico,edasdisciplinasdaAnálise
do Discurso e da Linguística Textual acabaram por relegar o termo ‘enunciado’, muito
dependente de certas correntes da Linguística Francesa, para um plano bastante secundário.
Nesta sequência, o conceito de ‘enunciado’ acabou por ficar afeto a uma área específica da
investigação:asteoriasdaenunciação.
2.TIPOLOGIASTEXTUAIS
2.1.CLASSIFICARTEXTOS
Todosostextos,oraisouescritos,apesardesingulares,apresentamregularidades,querao
níveldosconteúdos,daseleçãodevocabulário,dasuaestruturaeorganização,quernoquetoca
aosobjetivosquepretendemalcançar,entreoutros.Portanto,eapesardasuaheterogeneidade,
épossívelagrupar,emdeterminadasclasses,ainfinitadiversidadedostextos.
7
Ora, quando se quer proceder a uma classificação textual, deparamo-nos com a
possibilidade de agrupar textos, através da identificação de propriedades que definem cada
conjuntotextual.
Classificartextosé,todavia,umaatividaderelativamentecomplexa.Umsótextopodeser
diversamenterotuladoemfunçãodoscritériosescolhidosparaoclassificar.Apontamos,atítulo
deexemplo,aseguintedemonstraçãodeSilva(2012):
“um texto redigido por um escritor pode ser integrado na classe dos textos literários (seconsiderarmoso‘tipodediscurso’definidocombasenaáreasocioprofissionaldoseuautor),naclassedos romances (seconsiderarmosaclassificaçãoem ‘género literários’)e, ainda,naclassedostextospredominantementenarrativos(seconsiderarmosumatipologiaem‘tiposdetexto’)”.
Parafraseando o mesmo autor, podemos afirmar que é possível obter distintas classificações
textuaispartindodecritériosdenaturezadiversa(Silva,2012:12).
Nuncaédemais enfatizar a importânciadestaspossíveis classificações.Quer enquanto
falantes quer enquanto ouvintes, é essencial conferir uma ordem aos textos (lidos, ouvidos e
produzidos), isto é, é essencial saber reconhecer “um certo ‘ar de família’ em diferentes
instânciastextuais”(Lopes&Carapinha,2013:24).Esseconhecimentopermite-nosnãoapenas
optarporentreapossibilidadedecontarumahistória,dedescreverumasituaçãooudeexplicar
um assunto, opção essa que decorre da situação de comunicação e das suas constrições,mas
tambémfuncionacomoguiãoparaumaadequadaeeficazinterpretação.
Poroutrolado,háoutrotipodevantagensemclassificartextos,istoé,emagrupartextos
que à partida se mostram objetos únicos. Silva (2012: 31) apresenta vários motivos que
justificamestaatividade:i)apossibilidadedecoabitarem,sobumamesmadesignação,objetos
singulareseheterogéneos,deixandodeserobservadoscomoentidadesavulsasedesordenadas;
ii)apossibilidadedeaetiquetaqueabrangeumconjuntodetextospodercondensarinformação
diversasobreostextossemsernecessárioexplicitá-laexaustivamente;e,porfim,iii)ofactodea
classificaçãofacilitaraorganizaçãodelivros,porexemplo,numabiblioteca,jáqueasobrassão
distribuídassegundocritériosmaisoumenosuniversais.
Parece-nos fundamental, todavia, enfatizar uma outra questão talvez ainda não
devidamenteequacionada:a importânciadaclassificaçãodetextosnodomíniodadidáticadas
línguas. Com efeito, é fundamental que os alunos contactem não com um conjunto de textos
avulsos, mas com tipos específicos de textos que lhes permitam dominar a produção e a
interpretaçãodeumconjunto,aindaquebásico,deformastextuais.Umaclassificação,baseada
em critérios rigorosos, permitirá ao docente apresentar constrições organizacionais,
características linguísticas, estrutura informacional, funções comunicativas, radicação
8
contextualparacadatipodetextos,orientaçõesquepermitirãoaoalunoapreenderedominara
‘mecânica’dasnarrações,dasdescrições,dasargumentações,etc.(BassolseTorrent,2003:14).
Devemos, no entanto, referir que identificar um texto como pertencente a uma
determinada “família de textos” implica conhecermos as várias classificações textuais e os
critériosemqueassentam.Temosigualmentedereferirqueaterminologiaqueproliferasobre
classificação de textos não é consensual e, por isso, procuraremos clarificar e organizar os
conceitosqueiremosusar.3
2.2. CLASSIFICAÇÕES TEXTUAIS: TIPOS DE DISCURSO, GÉNEROS DISCURSIVOS/TEXTUAIS, TIPOS DE
TEXTOSESEQUÊNCIASTEXTUAIS
Deentre as várias classificaçõespossíveis, podemosdestacar a dePetitjean (1989), que
propõe a designação de ‘tipos de discurso’ para referir as tipologias enunciativas, as
comunicacionaiseassituacionais.
Noâmbitodasprimeiras, salientamosaoposiçãoavançadaporBenveniste (1966)entre
enunciação histórica e enunciação discursiva. No modo enunciativo histórico, o universo
referencialestárelativamentedesligadodasituaçãodeenunciaçãoedavoz,subjetiva,dosujeito
enunciador,enquantoqueomododeenunciaçãodiscursivaestáestreitamentedependentedo
momentoedascircunstânciasdaenunciação.
As tipologias comunicacionais reportam-se às funções que um determinado
texto/discurso cumpre num contexto comunicativo. Se o quadro das funções da linguagem
avançadoporJakobsoncabeporinteironesteâmbito,tambémastipologiasdeatosilocutórios
deAustin(1962)eSearle(1969)podemserincluídasnestegrupo.
Por último, as tipologias situacionais abrem a linguagem e os textos/discursos aos
contextos socioculturais e profissionais e, por esta via, aproximam-se mais do conceito de
‘género’,queanalisaremosdeseguida.
Em rigor, é para designar, especificamente, o texto/discurso decorrente desta última
esfera–asocioprofissional–quePetitjeanreservaaexpressão‘tiposdediscurso’.
Os‘tiposdediscurso’definem-se,pois,emfunçãodasatividadessocioprofissionaisdeuma
comunidade, o que leva a percecionar que é uma classe dinâmica. São exemplo de tipos de
discurso o discurso jornalístico, jurídico, científico, entre outros. Não se pode fazer um
levantamentodetodosostiposdediscurso,vistoquesãodelimitadosdeacordocomasáreasde
3ConcordamoscomLopes&Carapinha(2013)quehánecessidadedeestabelecerconsensos,deformaaquesepossafazerutilizaçãopedagógicadosconceitos.
9
atividade socioprofissional de uma comunidade, que são múltiplas e variadas e com
possibilidadedecriaçãodenovasáreasprofissionais.
Na sequência da classificação de Petitjean, é pertinente analisar agora o conceito de
‘géneros discursivos’ (ou textuais), sobretudo porque como o conceito de ‘género textual’ se
revela um conceito emergente no Programa e Metas de Português do ensino secundário de
2014, e possibilita uma articulação pedagógica com o conceito de ‘sequências textuais’, não
queremosdeixardedaralgumaatençãoaestaclassificação.
Se o conceito de ‘tipos de discurso’ designa as produções verbais geradas apenas no
âmbitodeumaatividadeprofissional,oconceitode‘génerostextuais’émaisamplo,englobando
todos os textos/discursos que circulam em sociedade, independemente da sua radicação
profissional.
O conceito de ‘género textual’ tem mostrado uma enorme instabilidade definitória.
Todavia, tem sido dado destaque à sua ancoragem sociológica, visto que os géneros textuais
estãovinculadosàsinteraçõeslinguísticasdasociedade.Miranda(2012:122)refereque:
“osgênerossãoconcebidoscomoformatostextuaisrelativamenteestabilizados–e,portanto,dinâmicos–queseassociamadiversasatividadesdelinguagem(ouemtermosbakhtinianos–as diferentes “esferas de utilização da língua”). São atividades sociais e de linguagem, taiscomo a familiar, a jornalística, a publicitária, a administrativa, a literatura, a jurídica, acomercial,etc.”4
Os géneros têm, de facto, uma ancoragem sociocultural indelével e sãomenos estáveis
diacronicamente. Segundo Marcuschi (2002: 19), são “altamente maleáveis, dinâmicos e
plásticos.” Sendo práticas sócio-discursivas constitutivas de atividades comunicativas
socialmente sancionadas, vão-se alterando e adequando às necessidades dos falantes que
operamnessasáreas,assimcomovãosurgindooudesaparecendoemfunçãodascondicionantes
sociais.
SegundoAdam(1997:678),os‘génerostextuais’sãoconvençõessocaisqueseencontram
em tensão entre dois princípios contraditórios (mas complementares): i) ‘um princípio de
fechamento’, ligado ao aspeto normativo, à convenção e reprodução do mesmomodelo; este
princípiodefinea identidadedoprodutoverbalquantoaogénero(sendoindispensávelparaa
compreensãoentreosfalantes);ii)‘umprincípiodeabertura’,ligadoàsubversão,àdiversidade
e à diferença, que abre os géneros à inovação e à variação (este princípio proporciona a
diversidadeeacriatividadetextuais).
Por esta razão, podem surgir géneros novos que respondem a necessidades sociais
entretantocriadas,comosepodeverpelosurgimentodenovastecnologiasepelasnovasformas
4MirandareferequeoInteracionismoSociodicursivotemcontribuídoparaoestudodosgéneros.
10
de interaçãoa elas ligadas (teleconferência; videochamada, etc.), aopassoqueoutrosgéneros
caem em desuso (veja-se a carta informal/pessoal que vem sendo substituída por géneros
relacionadoscomosavançostecnológicos,taiscomooe-mail,otelemóvel(aoníveldainteração,
para além do seu uso como telefone, os smartphones têm funcionalidades idênticas ao
computador),oskype,porexemplo.
Emsíntese,asclassesque integramos ‘génerosdiscursivos/textuais’ sãodinâmicas,não
estáticas e abertas, uma vez que as características de cada género podem estar sujeitas à
variação e, como os géneros estão ancorados sócio-historicamente, podem ser atualizados de
acordocomasatividadessociais,surgindonovosgéneroseabandonando-seoutrosexistentes.
Neste sentido, conforme assinalam Lopes & Carapinha (2013: 27), os géneros são
definíveismaispelassuascaracterísticasfuncionaisepeloscondicionamentossociopragmáticos
dasuautilizaçãodoquepropriamentepelosseustraçosformais.
Consequentemente, entende-se, de acordo comMiranda (2012), queos génerospossam
ser“reutilizados”enquantomodelosforadoseucontextooriginal.5Eles“podem(...)separar[-se]
das motivações que lhes deram origem, para se tornarem autônomos e, assim, ficarem
disponíveisparaaexpressãodeoutrasfinalidades”(Bronckart,2006:144,apudMiranda,2012),
talcomooutrasatividadeshumanas.
Na conclusão do artigo, Miranda (2012: 135) tece algumas considerações finais que
julgamos relevantes.Porum lado,aautoraquestiona-se se “é realmentepossívelenecessário
inventariar os diversos domínios de atividades”, pois, na sua perspetiva, partilhada com
Bronckart, todo e qualquer levantamento não conseguirá contemplar todas as áreas de
atividade,considerandoassim“quequalquerlistagemapenaspodeserindicativaeaproximada.”
Por outro lado, também salienta que este inventário pode ser “necessário para algumas
abordagens empíricas (por exemplo, (...) em situação de ensino). Contudo, sempre será um
recorteartificial,parciale,provavelmente,redutor.”
Apesarde,noglobal,concordarmoscomaposiçãodeMiranda(2012),partilhamos,com
Silva(2012:84-85),apossibilidadedearticularos‘tiposdediscurso’comos‘génerostextuais’,
ainda que de forma incompleta e não exaustiva, já que em situação pedagógica tal pode ser
facilitadordeaprendizagens.
Por oposição aos ‘géneros discursivos/textuais’, que se baseiam em critérios diversos e
configuramumaclasseaberta,umaoutrapropostadeclassificação–a tipologiatextual–tem
porbaseumúnicocritérioedefine-secomoumaclassefechada.Os ‘tipostextuais’baseiam-se5Miranda (2012) apresenta vários exemplos, entre eles um anúncio (da AMI) que imita outro género,nomeadamente a bula, com indicação da Posologia, das Propriedades, dos Efeitos Secundários, dasRecomendaçõesedasIndicações.
11
em características internas dos textos, ou seja, “em traços linguísticos dos próprios textos”
(Nascimento:2013:1747).
Foi uma classificação deWerlich (1975) que definiu cinco tipos de textuais: narrativos,
descritivos, argumentativos, expositivos e instrucionais. A distinção residia na organização
cognitivadosconteúdosenosprocessospsicológicosnecessários,explicitandoofuncionamento
dos textos através do estabelecimento de determinadas operações cognitivas inerentes à
produçãoeàcompreensãotextuais.Estestiposincluemtextoscompletosdeextensãovariável,
heterogéneosecomumadominantequevaideterminarotipotextual.
No quadro seguinte, procuramos sistematizar os tipos textuais segundo Werlich e as
respetivasoperaçõescognitivassubjacentes.
Tiposdetexto Procedimentoscognitivos
Textosnarrativos
• Perceçãodasaçõesnotempo
Açõesrealizadasporumaoumaisentidades,quedecorremnumdeterminadoperíododetempo
Textosdescritivos• Perceçãodasentidadesnoespaço
Exemplos:retratosfísicosdepersonagens,caracterizaçãoeenumeraçãodepartesdeumacasa,paisagem
Textosargumentativos
• Avaliação,julgamentoetomadadeposição
Exemplos:debatesparlamentaresentrediferentesbancadas,conversaentrefamiliares/amigos/colegassobreumadecisãoatomar
Textosexpositivos
• Análiseesíntesederepresentaçõesconceptuais
Exemplos:manuaisescolarescomexplicaçãodediferentesconceitos,comoosistemacirculatório
Textosinstrucionais
• Antevisãodecomportamentosfuturos
Planificaçãocronológicadeeventos
Exemplos:receitasculinárias,instruçõesdemontagemdeummóvel
Quadro 1: Tipos de texto e respetivas operações cognitivas, segundo Werlich.
Todavia, háque acrescentarque cadaumdestes tiposde texto tambémse caraterizaria
pela presença de determinados traços linguísticos, tais como, por exemplo, o uso de
determinados tempos verbais para o tipo narrativo, descritivo ou instrucional ou de certos
articuladoreslógicos,notipoargumentativoeexpositivo.
Nasequênciadestetrabalho,Adam(1985)apresentoutambémumatipologiatextualcom
oito tipos textuais de base: o narrativo; o descritivo; o argumentativo; o explicativo; o
prescritivo;opreditivo;oconversacionaleoretórico.Facilmenteseverificaqueparaalémdos
12
cinco tipos textuais coincidentes com omodelo deWerlich, Adam apresentamais três numa
claratentativadeabarcaroutrostextose,sobretudo,oliterário6.
Contudo, num momento posterior, Adam (1992) reduz para cinco tipos o seu modelo
(narrativo; descritivo; dialogal; explicativo e argumentativo) e é importante também
compreender a razão por que Adam renunciou, nessamesma obra, à noção de tipos textuais
para adotar outra designação: sequências textuais. Segundo o autor, a entidade ‘texto’
(entendendo-o aqui como uma sequência de frases que cumprem um certo objetivo
comunicativo) é demasiado complexa e heterogénea para permitir a apreensão de
regularidades. Se observarmos um texto completo, raramente podemos afirmar que é
exclusivamente narrativo ou descritivo (ou outro tipo textual), mas predominantemente
narrativooudescritivo, pois um textonarrativopode conter fragmentosdescritivos, dialogais
e/ouargumentativos.Aideiaéadequequalquertextomanifesta,geralmente,heterogeneidade
textual. A este propósito, Adam (2005: 21) afirma que em 1992, em Les textes: types et
prototypes, desenvolveu duas teses: i) não existem tipos ao nível do texto, mas ao nível da
sequência; ii) só existem protótipos e não tipos. Esta segunda tese acentua um princípio de
categorizaçãoqueeleresumedestaforma:
“la catégorisation d’un texte se fait par un jugement prototypique ou par air de famille(tendances, faisceaux de régularités, dominante, gradients de typicalité) plutôt que par uneclassificationfondéesurunegrammairedecritèresfixesetstricts.”
Ao longo da sua investigação, Adam observou esta heterogeneidade composicional dos
textosrelativamenteaostiposde fragmentosque incluemeconsiderouqueumatipologianão
devia incidir na totalidade dos textos, “mas em unidades homogéneas e menores, quer em
termos de extensão, quer, especialmente, em termos de complexidade composicional: as
sequênciastextuais”(Silva,2102:119).
2.3.TIPOSDESEQUÊNCIASTEXTUAIS
Adamestabelececomoobjetodetrabalhoosdiferentes‘tiposdesequênciastextuais’que
integramotextoparadefiniçãodasuapropostadetipologia.
Oautordefineassequênciasdaseguinteforma:
“desunités compositionnelles supérieures à laphrase-période,mais très inférieures –mis àpart le cas relativement raredes textes très courtsmono-séquentiels – à l’unité globalequel’onpeutappelertexte”7.
6Adamentendeuque os textos prescritivos poderiam incluir-se nos textos descritivos pelo seu caráterdescritivo de ações, enquanto que os textos poéticos não manteriam uma estrutura hierárquicaorganizadaemproposições.7In“Genres,textes,discours:pourunereconceptionlinguistiqueduconceptdegenre”,p.667.
13
Istosignificaquequalquertextoécompostoporsequências.Édereferirquesãopoucos
os textosatestadosconstituídosporumaoumaissequênciasdeumúnicotipo.Noseiodeum
todoqueéotexto,sempreheterogéneo,épossíveldelimitarespaçostextuaisdistintosentresi
(assequências)quemostram,cadaumdeles,homogeneidade,unidadeesentido.
Através das sequências, a observação de regularidades na estrutura composicional dos
textostorna-sepossível.
Noentanto,háaindaquefazerintervirumaoutradistinção:aentidadetextoéconstituída
por ‘sequências’ e estas são constituídas por segmentos prototípicos correspondentes a
diferentesfasesprópriasdessasequência.Estessegmentos,designadospor‘macroproposições’,
“possuem uma estrutura com características específicas, e concretizammodelos abstratos de
organização de conteúdos que correspondem a representações mentais esquemáticas” (Silva,
2102:125).Porseuturno,estas‘macroproposições’podemintegrarumaoumais‘proposições’.
Porconseguinte, todoequalquer ‘texto’ (T),deextensãovariável,éconstituídoporuma
oumais‘sequências’domesmotipooudetiposdiferentes.Cadasequênciatextual,entidadecom
relativa autonomia, é composta por um conjuntode ‘macroproposições’, ou seja, de fases que
sãotípicasdecadasequênciaemcausa(asfasespodemocorrerintegralouelipticamente,istoé,
contemplandoounãoosdiversospassos típicos) e, finalmente, cadamacroproposição integra
umaoumais‘proposições’.
Adam(1992:30)sugereoseguinteesquemaparailustrarestedesnivelamentodeplanos
analíticos:
[#T#[Séquence(s)[macro-propositions[proposition(s)]]]]
As noções de ‘sequência textual’ e de ‘macroproposição’ têm uma base de natureza
cognitiva.Adamcaracterizaedeterminaostiposdesequênciascombasenomodosistemático
comoarepresentaçãoeaorganizaçãodosconteúdosnostextosseconcretizam.Deacordocom
Lopes & Carapinha (2013: 25), é a reiteração de traços estruturais e informacionais em
diferentestiposdesequênciasquepermiteaosfalantesidentificarumcerto“ardefamília”nas
sequênciasdetipodescritivo,argumentativo,dialogal,etc.”
Osdiferentestiposdesequênciastextuaiseosmodosdearticulaçãoentreassequências
constituemoobjetodeestudodeAdam.
Comestasinvestigações,podemosverificarqueaheterogeneidadenaestruturatextualse
manifesta porqueum texto pode ser constituídopornsequências de tipos diferentes e tem a
possibilidade de nmaneiras de combinar e articular essas diversas sequências em produtos
verbaisdeextensãovariável.
14
A tipologia de Adam (1992, 2008) propõe cinco tipos sequenciais: 1) ‘sequências
narrativas’;2) ‘sequênciasdescritivas’;3) ‘sequênciasdialogais’;4) ‘sequênciasexplicativas’; e
5)‘sequênciasargumentativas’.Édenotarqueassuaspropostasforamevoluindoatésefixarem
nestesprotótipos.8
Destas sequências, apenas as dialogais são geradas por mais do que um locutor
(poligeradas);asrestantessãoproduzidasporapenasumlocutor(monogeradas).
Aestruturaçãosequencialdostextospodeconfigurar-sedetrêsformas,deacordocoma
sistematização de Silva (2102: 127): i) ‘textos unissequenciais’ (com homogeneidade
sequencial); ii) ‘textosplurissequenciaiscomsequênciasdomesmotipo’(comhomogeneidade
sequencial); e iii) ‘textos plurissequenciais com sequências de tipos diferentes’ (com
heterogeneidadesequencial).Apresentamosestasformasdeorganizaçãosequencialdostextos
noquadroquesesegue.
Quadro 2: Estruturação sequencial dos textos.
Comoapontámosanteriormente, são rarosos textos constituídosporuma sequênciado
mesmotipo.Porconseguinte,sendoumtextoplurissequencial,comsequênciasdomesmotipo
oudediferentes tipos,Adam(1992:31;2008:270)enuncia trêspossibilidadesdearticulação
textualquereproduzimosaseguir:
a)Sequênciascoordenadas(ocorrememsucessão)
Seq.1+Seq.2+Seq.3+Seq.n
8Váriosautoresintegramnatipologiaasequênciainjuntiva-instrucional,queresultadajunçãodostextospreditivos com os instrucionais, devido às semelhanças que exibem. Adam também apresentou estapropostaaindaantesde1992,mas,nesteano,integrouestesdoistiposnoprotótiposequencialdescritivo,jáqueoseventosprevistosnaquelestextosseintegramnumtodo.
Estruturasequencial
Textosplurissequenciais
Sequênciasdetiposdiferentes
|
|
|
Heterogeneidadesequencial
Sequênciasdomesmotipo
|
|
|
Homogeneidadesequencial
Textosunissequenciais
|
|
|
Homogeneidadesequencial
15
b)Sequênciasinseridas(ocorremencaixadas)
Seq.1...Seq.2...Seq.1
c)Sequênciasalternadas(ocorrememparalelo)
[Seq.1...[Seq.2...[Seq.1continuação...[Seq.2continuação...Seq.1fim]Seq.2fim]
As ‘sequênciasinseridas’sãoasmaisrecorrentes,umavezquesãoencaixadasnoutrade
tipodiferente.Sãoexemplosasequênciadialogaleasequênciadescritiva inseridasnoseiode
umasequêncianarrativa.Estescasossãofrequentesnosromances(modonarrativo),taiscomo
OsMaias, de Eça de Queirós ouMemorial do Convento, de José Saramago, onde a sequência
narrativaédominante.
Parareconhecera‘sequênciadominante’numtextosequencialmenteheterogéneo,Adam
(2008:273-274)propõe três formas, quenão se excluem,masque se completam.Assim, este
autor apresenta os seguintes critérios (a utilizar complementarmente) para determinar a
sequênciadominante:i)asequênciaquepermiteresumirotexto;ii)frequentemente,aquetem
omaiornúmerodesequênciasdomesmotipo,logoamaisextensa;eiii)asequênciaqueabree
encerraotexto.
Emsíntese,a tipologiadosprotótipossequenciaisdeAdampermiteclassificaros textos,
tendoemcontaasequênciadominanteeaestruturamacroproposicionaldassequências.Desta
forma, as sequências funcionam como modelos prototípicos que facilitam a produção e a
compreensãodostextos.
A sequência define-se, então, como um dos planos de organização da textualidade,
constituindomodalidadesparticularesdeplanificaçãodoconteúdotemático.
A tipologiadas sequências textuaisdeAdam (1992,2008) seráobjetodanossa atenção
nassecçõesseguintese, comoos ‘protótipossequenciais textuais’queprivilegiaremosserãoo
explicativo e o argumentativo, apresentaremos as propriedades e a estrutura
macroproposicionaltípicadessassequências.
2.3.1.SEQUÊNCIAEXPLICATIVA
Dar explicações configura-se num ato de interação linguística que ocorre logo que as
crianças começam a falar. O “porquê?” invade o quotidiano das suas trocas linguísticas,
sobretudocomadultos,quedarãoexplicaçõesiniciadaspor“porque...”.
16
Asequênciaexplicativavisa facilitara compreensãoouo conhecimentodeumamatéria
(Bassols e Torrent, 2003: 71) e, se bem que possa conter uma componente expositiva (ou
informativa)9,asuafinalidadeédemonstraraformacomoalgofunciona,atuaouocorre.Neste
sentido,a funçãodestasequênciaéeminentementedidática,umavezque,prototipicamente,a
sequência explicativa surge na sequência de uma dúvida que resulta do desconhecimento do
alocutário.Podemos,porisso,dizerqueháumaspetolacunarnassequênciasdetipoexplicativo
–háumaincompletudequeéprecisocolmatarecria-seanecessidadedeumaexplicação.
A delimitação desta sequência e a sua distinção face às restantes nem sempre é
consensual.ParaHalté(1988),aexplicaçãonãoconstituiumasequênciatextual;estaatividade
discursiva só ocorre nos momentos em que falha a comunicação e a explicação surge
precisamente para restaurar a atividade comunicativa assumindo, assim, um caráter
metalinguístico.Porseuturno,paravanDijk(1983),otextoexplicativoéapenasumavariante
doargumentativo.
Emoposiçãoaestasteses,podemoscontraporqueasequênciaexplicativasedistingue
bemdaargumentativa,namedidaemqueaquelamostraposiçõesassimétricasentreolocutore
o alocutário; quem explica ocupa um lugar de “autoridade” que deverá ser reconhecido pelo
alocutário10,aopassoqueestanãoocorrenecessariamenteentredoisinterlocutoresdeestatuto
epistémicodiferenciado.Poroutrolado,enquantoasequênciaexplicativapretendeatuarsobre
os conhecimentos do interlocutor, a argumentativa visa agir sobre as crenças, tentando
persuadirointerlocutordealgoquepodeserpolémicoouquestionável.Asequênciaexplicativa,
porseuturno,apresentaquestõesfactuaisquenãoimplicam,necessariamente,o investimento
subjetivo do locutor. Por isso podemos afirmar que a força ilocutória é outro aspeto que
distingue estas duas sequências textuais, explicativa e argumentativa: enquanto na
argumentação se pretende defender uma determinada tese, e assim alterar a crença do
alocutário, na explicação o objetivo é fazer compreender o “porquê” de uma determinada
questão,deumdadofacto.
9Silva (2012) não distingue “explicação” de “exposição”, atribuindo a mesma identidade a estassequências.Nãoobstante,Adam (1992: 127-130), recorrendo aB. Combettes eR. Tomassone (1988) eBrassart (1990b), demonstra que elas têm características distintas. Assim, o ato de “explicar” pretendeesclarecer/fazercompreenderfenómenos,e“expor”,segundoBrassart,nãopodeserumtiposequencial,já que pode ter propriedades textuais descritivas e/ou explicativas. Adam afirma que para evitar estacontaminação terminológica se deve considerar a sequência explicativa apenas na vertente da suatextualidade, sem ter em consideração as suas dimensões pragmática e discursiva. Para melhorar aclarificaçãodosdoistermos,Adamdistingueaexplicação–comoumrespostaao“Porquê?”–daexposição–comosendoarespostaa“Como?”–,vistoqueconsideraqueamaiorpartedassequênciasem“Como?”nãoéexplicativa.Tambémacrescentaqueaexplicaçãoéumarespostaa “pourquoiêtre/devenir teloufairecela?”(1992:129-130),istoé,nestetipodetextoexplicam-sefactos.10Se não houver este reconhecimento da “autoridade” do locutor, por parte do alocutário, a face dolocutorpodeserpostaemcausaedarorigemaumdiálogoargumentativo,porvezespoucocooperante.
17
NaperspetivadeColtier (1986: 4), naproduçãodeuma sequência explicativa estão em
jogodoisparâmetros:umrelacionadocom‘osaber’sobreumproblemaemquestão,eoutroque
se reporta à comunicação de uma solução/resolução que se crê saber sobre esse problema,
comoporexemplo:“Porqueéqueosanguecircula?”11,“X,oqueé?”,“OquesignificaX?”.
Como o locutor quer que a sua explicação seja compreendida, vai adaptá-la ao seu
destinatário.Nãosedemonstraumfenómenodomesmomodoaumacriançaeaumadulto,oua
umpúblico especializado e a umpúblico leigonumadadamatéria (veja-se o artigo científico,
destinadoaespecialistasdeumdadoramodaciência,eoartigodedivulgaçãocientífica,quese
destinaaopúblicoemgeral).Textosdedidática,deciênciaededivulgaçãocientíficaprivilegiam
a sequência explicativa; não obstante, ela poderá ocorrer em qualquer tipo ou género de
discurso.
Comoseorganizaasequênciaexplicativa?Relativamenteàestruturamacroproposicional
prototípica da sequência explicativa, Coltier (1986: 8) apresenta ummodelo simples em três
momentos,constituídoporumafasede ‘questionamento’,seguidadeumafasede‘resolução’e
porumafase‘conclusiva’.
Com base neste esquema de Coltier, Adam apresenta a estrutura para a sequência
explicativa12.
Macroproposições Procedimentos
Pe013 Esquematizaçãoinicial Apresentaumobjetocomplexo
Porquêp? Pe1 Questionamento
(Problema)
Inclui uma questão (ou mais) equivalente a Porquê?(ouComo?14ouEmqueconsiste?)
Porqueq Pe2 Resolução
(Resposta)
IntegraumouváriosenunciadosequivalentesaosqueseiniciamporPorque
Pe3 Conclusão
(Avaliação)
Expressaumaasserçãoincontestável(oumaisdoqueuma)
Quadro3:Estruturadasequênciaexplicativaprototípica(adaptaçãodeAdam1992:132,2008:233eSilva2012:165).
Astrêsfasesprototípicasdasequênciaexplicativacompleta(jáqueaPe0,segundoAdam,
éfacultativa15)configuram-se,assim,em:
Questionamento(Pe1)>Resolução(Pe2)>Conclusão(Pe3)
11AdaptadodeexemplodeColtier(1986:5)12AapresentaçãodoQuadro3resultadeumaadaptaçãodeAdam1992e2008edeSilva2012,sendoasmacroproposiçõesdaresponsabilidadedeAdam.13Pe0,1,2ou3correspondeaProposiçãoexplicativa0,1,2ou3.14Adam chama a atenção para o facto de que, por vezes, o operador “Como?” tem omesmo papel dooperador“Porquê?”.15Pe0consistenaapresentaçãodeumobjetocomplexo(correspondefrequentementeaumadescrição).Adaminspirou-seemGrize1990paraestabelecerestafasezero.
18
OQuestionamentoéconstituídoporumaproblematizaçãodeumobjetoousituação,isto
é,umadúvida16doalocutárioquedaráorigemàfasedaResolução.
AmacroproposiçãodaResolução(Pe2)correspondeàexplicaçãoquepretenderesponder
aoQuestionamento.
Aosdoisprimeirosmomentosdasequênciaexplicativaestãoassociadosdoisoperadores
fundamentais;aoQuestionamentocorrespondeo“Porquê?”eàResolução,ooperador“porque”.
Esteconectorpermiteatransiçãodafasedoproblemaparaaexplicação.
A última fase, a Conclusão (Pe3), emite uma ratificação-avaliação da segunda fase, a
Resolução,confirmandoarespostaproposta.
Estas três fases correspondem,pois, às “preguntas suscitadasporun temacomplejo, las
explicacionesqueesclarecenladificultaddedichotemay,finalmente,laconclusión,esdecir,el
temaexplicadoyentendido.”(BassolseTorrent,2003:75).
Coltier(1986:8)salientaqueasequênciaexplicativapoderáocorrersemasaturaçãodas
trêsfases.OQuestionamentoeaConclusãopoderãoserinferencialmenterecuperados.Noque
dizrespeitoàordem,estaautoraconsideraqueexistemduasformasdeencadearastrêsfases;
por um lado, podemos partir do Questionamento para chegar à Conclusão (ordem mais
plausível)ou,poroutro,irnosentidoinverso,começandopelaconclusão.Coltierrefereque,da
segunda forma, o texto organiza-se em torno de “Com efeito” (“En effet”) ou expressões
equivalentes. Devemos, ainda, salientar que a fase de Resolução é fulcral na sequência
explicativae,tendencialmente,éamaisextensa.
Apóstermosconsideradoaorganizaçãodasmacropoposiçõesnumasequênciaexplicativa,
analisemosumtexto,comdominanteexplicativa,darevistaQuerosaber:
Sejáassistiuaalgumespetáculodepalco,éprovávelquetenhavistogelosecoaserutilizado.Éissoqueébombeadoparaopalcoparasimularneblinaenevoeiro,ou,nogeral,paradaraolugarumaspetoimpressionante;masoqueéecomoéfeito?Na realidade, o gelo seco é dióxido de carbono líquido altamente pressurizado que foicongelado a uma temperatura de -78,5 oC. A principal vantagem de se utilizar dióxido decarbonoéque,quandoaquece,ficasublimado,oquesignificaquemudadesólidoparagássemse tornar um líquido. Por isso, se o aquecer e bombear sobre um palco, vai transformar-seimediatamenteemneblinafantástica,emvezdeencharcarochão.Tambémémuitoútilparaembalarprodutoscongeladosquetêmdepermanecerfriosporque,quandoaquece,torna-segasosoemvezdehúmido.
QueroSaberinhttp://querosaber.sapo.pt/ciencia/o-que-e-o-gelo-seco
Seaplicarmosoesquemaanteriormenteapresentado(vd.Quadro3)aestetexto,partimos
da macroproposição Pe0 (esquematização inicial) que apresenta um objeto complexo, neste
16Ouseja,o“Porquê?”quepodeserexplicitadoouinferido.Portanto,afasedoQuestionamentopodenãoserlexicalmentesaturada.
19
caso,parafraseávelpor:aneblina/onevoeiroquesevênospalcoségeloseco.Esteobjetogera,
inevitavelmente, uma pergunta (macroproposição Pe1): como é que esse gelo seco é feito? A
resposta(macroproposiçãoPe2)encontra-seno2.ºparágrafodotexto,esclarecendo-nossobre
a forma científica de criar gelo seco.No quadro seguinte, apresentamos, de formamais clara,
estasconsiderações:
(Pe1)OQUEÉOGELOSECO?
(Pe0)Sejáassistiuaalgumespetáculodepalco,éprovávelquetenhavistogelosecoaserutilizado.Éissoqueébombeadoparaopalcoparasimularneblinaenevoeiro,ou,nogeral,paradaraolugarumaspetoimpressionante;(Pe1)masoqueéecomoéfeito?
(Pe2) Na realidade, o gelo seco é dióxido de carbono líquido altamente pressurizado que foicongeladoaumatemperaturade-78,5grausCelsius.Aprincipalvantagemdeseutilizardióxidodecarbonoéque,quandoaquece,ficasublimado,oquesignificaquemudadesólidoparagássemsetornar um líquido. Por isso, se o aquecer e bombear sobre um palco, vai transformar-seimediatamenteemneblinafantástica,emvezdeencharcarochão.
Também é muito útil para embalar produtos congelados que têm de permanecer frios porque,quandoaquece,torna-segasosoemvezdehúmido.
(Pe3)Nãoexiste
QueroSaberinhttp://querosaber.sapo.pt/ciencia/o-que-e-o-gelo-seco
Quadro4:Aplicaçãodoprotótiposequencialexplicativo(vd.Quadro3).
Se atentarmos agora nas especificidades linguísticas desta sequência, podemos afirmar,
com Adam (1991: 14), que as duas fórmulas a que podemos reduzir estas sequências são as
seguintes:a)Sujeito+É+Atributo(típicadassínteses);b)Sujeito+Tem+Complemento(típica
das análises). Aplicando estas possibilidades ao texto em análise, podemos verificar que ele
encaixa perfeitamente na fórmula de tipo a): “O gelo seco que simula neblina nos palcos é
dióxidodecarbonocongeladoa-78,5oC”.
O tempo verbal que preferencialmente ocorre nestas sequências é o presente do
indicativo,normalmentecomvaloratemporal,própriodetextosnãovinculadosaumpontode
referência temporal específico (veja-se a frase: “o gelo seco é dióxido de carbono líquido
altamente pressurizado”). A utilização de adjetivos e, eventualmente, advérbios, advém da
necessidadedecaraterizardeformaprecisaofenómeno.Daíqueessaspalavrassejamsempre
relativamente despojadas de valores afetivos ou valorativos, pois o léxico da sequência
explicativa é, por norma, objetivo e denotativo; a explicaçãopermite ao locutor apresentar-se
como uma simples testemunha, um observador exterior e desinteressado dos factos (cf. o
segmento“Tambémémuitoútilparaembalarprodutoscongelados”).
Aindaépossívelconstatarqueháumanaturezalógicanestasequência,havendonexosde
causa-efeito,eporissosãoprivilegiadosconectorescausais,emboratambémocorramoutrosde
outro tipo como os finais, os condicionais, os adversativos e os concessivos que servem para
estabelecerdiferentesrelações lógicasentreosenunciados.Faltaaindamencionarapresença,
20
óbvia, de terminologia neste tipo de sequências. Considerando que esta sequência pretende
explicar,istoé,precisareclarificaralgo,assegurandoumainterpretaçãounívocadofenómeno,é
naturaloaparecimentodeléxicoespecífico.
Estasmesmascaraterísticaspodemserconvocadasparatentarmostraçaroperfiltextual
destassequências.Opapeldosconectoresnaorganizaçãodotextoéfundamental,umavezque
explicitamos tiposderelaçõesexistentesentrediferentessegmentosdasequência(cf.ovalor
coesivo dos conectores ‘Na realidade’ e ‘Por isso’, presentes na sequência anterior). A coesão
lexical da sequência também é assegurada, por exemplo, pela repetição de palavras ou
expressões (cf. “gelo seco”; “dióxido de carbono”; “neblina”), embora possa também obter-se
atravésdautilizaçãodasinonímia,dahiperonímiaouexplorandoasrelaçõesparte-todo.
2.3.2.SEQUÊNCIAARGUMENTATIVA
Oatodeargumentaréaquelequetalvezmelhordefinaoserhumano,umavezquepõe
emcenaaracionalidadehumana,acapacidadedepensar,derefletir,detomardecisõese,ainda,
acapacidadedetentarinfluenciarooutro,eventualmente,deomanipular.
A sequência argumentativa visa convencer um auditório acerca de algo: que é bom ou
mau, útil ou inútil, importante ou desnecessário, credível ou falso. Por isso a argumentação
apresenta determinadas afirmações e aduz razões que sustentem essas afirmações. A estas
afirmaçõeschamamosteseeàsrazõesqueasapoiam,argumentos.
Afunçãodasequênciaargumentativaéconvencerointerlocutorafazerouapensaralgo;
eparaobterestafinalidade,olocutorpodeseduzi-lo,emocioná-lo,provocá-lo.Paraofazer,tem
dejustificar/fundamentarasuaopiniãoe,depreferência,refutaraopiniãoalheia,mostrandoas
suasfragilidades.
Aocontráriodoqueocorrenasequênciaexplicativa,nesta,olocutornãoseassumecomo
perito,comoalguémqueconheceumfactoepodeexplicá-lo;apenascomodetentordeumponto
de vista diferente. Eis a razão por que podemos afirmar que o domínio da argumentação é o
“império da discutibilidade”17. Não há nada (ou há pouco) de científico numa argumentação:
tudo é polémico, controverso e discutível. Por isso se diz que a argumentação atua sobre as
crençasenãosobreosconhecimentoseporissosedizqueosargumentoscomquejoganãotêm
deserlógicos–bastaseremrazoáveis.18
17Grácio,RuiAlexandre,1993:6e7.18A lógica formalapresentaraciocíniosquepermitemsempre,demodoconstritor,retirarconclusõesapartir de um conjunto de premissas, sendo que essas operações lógicas,possibilitando a passagemdaspremissasàconclusão,seimpõematodospelasuaevidência.Asmodernasteoriasdaargumentação,de
21
De facto, os argumentos não têmde ter validade universal,mas simdesenvolver-se em
função das pessoas, ou seja, das diferentes audiências, das suas crenças e das suas diferentes
tomadas de posição.19A argumentação pode, então, ser encarada como atividade que é
simultaneamente racional e dialógica, prática social que, pelo uso da palavra, permite a
“liberdadedeaderire[a]liberdadederejeitar”(Grácio,1993:8).
Devemos salientar que o conceito de ‘argumentação’ aqui utilizado remete para uma
determinada organização de proposições que constitui um tipo de sequência textual que se
distingue de outras sequências, tais como a explicativa, a narrativa, a descritiva e a dialogal.
Temos de referir que estas quatro últimas sequências textuais podem ter propósitos
argumentativos(veja-se,porexemplo,ocontotradicionalquetemcomosequênciadominantea
sequêncianarrativa,mascujamoralidadetemfinalidadeargumentativa;sequênciasdescritivas,
explicativasedialogaispodem,igualmente,terpropósitosargumentativos).
Portanto,nestasecção,procuraremostratarumdosesquemassequenciaisdebase,istoé,
asequênciatextualargumentativaprototípica.
Para comprovar uma determinada tese, a conclusão a que pretendemos chegar, há que
partir de um conjunto de razões, as premissas, pelo que a estrutura prototípica de qualquer
movimentoargumentativoébinária,constituídaporpremissaseconclusão(Lopes,1997:158).
SegundoAdam (1992: 115), omovimento que liga as Premissas (D –Dados) à Conclusão (C)
podeobedeceraumaordemprogressivaouregressiva,istoé20:
! "#$# % ou ! &#'()* %
Noprimeirocaso,a linearidadetextualéparalelaaomovimentoargumentativoquetem
como objetivo concluir; no segundo caso, a linearidade textual é inversa ao movimento
argumentativo, que pretende sobretudo a prova e a justificação. Adam (1992: 115), referindo
Apothéloz&Miéville (1989),destacaquenooralaordemprivilegiadaéaregressiva, jáquea
umaasserçãosesegueajustificação,explicação.
Todavia,háesquemasargumentativosmaiscomplexos.Comopontodepartida,devemos
atender ao esquema proposto por Toulmin (1958)21, que parte das Premissas/Dados para
chegar,atravésdemovimentosargumentativos,aumaConclusão/Asserção.Se,aparentemente,
estamosdenovoperanteumesquemaqueenvolveduasfases,omodelodeToulminapresenta
que partimos aqui, apresentam uma racionalidade de ordem mais prática, que faz intervir valores,opiniões,queécontextualmentesituadae,nessesentido,nãosusceptíveldeformalização.Estamosafalardaargumentaçãodesenvolvidaemlinguagemnatural.19VerBreton,PhilippeeGauthier,Gilles,2001:12.20Através dos conectores “logo” (“então”) e “porque” será possível identificar as proposições queconstituemaConclusão.21ApudAdam,1992.
22
alguns dados novos. Este esquema de base põe em relação os Dados (Data), razões a que
recorremos para justificar uma Conclusão (Claim) de uma forma implícita ou explícita, com a
Conclusão (C);mas há uma Garantia (Warrant) que justifica e permite a articulação entre os
Dados e a Conclusão. A este esquema triádico podemos ainda adicionar movimentos de
modalização(Q)quevirãoespecificaraforçadaconclusão,movimentosdeSuporteouApoio(B)
quereforçarãoaGarantiaoumovimentosderefutação(R)querestringemovalordagarantia.
Omovimentoargumentativodesenvolve-se,então,emtrêsmomentos:“apresentaçãodos
Dados (D), a sua justificação (W e B) e emergência de uma Conclusão (C, eventualmente
modalizadaporQ,devidoàRestriçãoR)”(Silva,2012:155).
Baseando-se na proposta de Toulmin, Adam (1992) desenvolve uma teoria para a sua
estruturamacroproposicional prototípicada sequência argumentativa. E começapordefinir a
sequência argumentativa prototípica partindo do princípio dialógico inspirado emMoeschler:
“Un discours argumentatif […] se place toujours par rapport à un contre-discours effectif ou
virtuel.[…]Défendreunethèseouuneconclusionrevienttoujoursàladéfendrecontred’autres
thèsesouconclusions»(Moeschler,1985:47,citadoporAdam,1992:118).
TendoemconsideraçãoacentralidadedatransiçãoentrePremissas(Dados)eConclusão22
na estrutura propototípica da sequência textual argumentativa23, bem como o seu princípio
dialógico, Adam (1992:118) propõe o seguinte esquema para a sequência argumentativa
prototípicacompleta.
TESE +DADOSApoio entãoCONCLUSÃOANTERIOR(Premissas)dasinferênciasprovavelmente(Nova) Tese amenosque RESTRIÇÃOPa024 Pa1Pa225Pa4Pa3
Quadro5:Estruturadasequênciaargumentativaprototípica(Adam,1992:118).
Nesta estrutura, Adam apresenta uma Tese Anterior (Pa0), explicitada ou não, que se
contrapõeàConclusãoouNovaTese(Pa3).Nageneralidade,trata-sedearticularumconjunto
de dados (Pa1) com uma conclusão (Pa3), tal comoToulmin. No entanto, o esquema de base
apresentaagoraquatrofases:osdadosdepartida(premissas–Pa1);aatuaçãodasinferências
22Esteesquemaésempreobservado,quersetratededemonstrarouderefutarumatese.23Aordemprogressivaouregressivanãoécentralnestasequência.24AtualizamosP.ArgdeAdamparaPa,queabrevia“Proposiçãoargumentativa”.25Pa2correspondeàGarantia(w)eSuporte(B)deToulmin.
23
(Pa2);aapresentaçãodoscontra-argumentos(Pa4);eaconclusão(Pa3)queintegraepartedo
conjuntodosargumentosanteriores,próecontra.
ARestrição, Pa4, se for atestada, condiciona a Conclusão através damodalização (como
vimoscomToulmin).Omovimentoargumentativodesenvolve-se,sobretudo,atravésdarelação
entre as macroproposições Pa1, Pa2 e Pa326. A Pa4 pode ou não ocorrer. Logo, Pa1 (Dados)
fornece informação relevante; Pa2 (Apoio das inferências) introduz nova informação que
relacionacomoconteúdointroduzidoemPa1equepossibilitachegaraumaPa3(Conclusão),
por inferência. APa3 terá informaçãodiferente das duasmacroproposições anteriores (Pa1 e
Pa2),masresultadainterseçãodasduas,Pa1ePa2.
Adam(2008:233-234) salientaaindaqueestemodelonãoapresentaumaordem linear
obrigatória, apontando, então, dois níveis para a integração dos diferentes momentos da
sequênciaargumentativa:o ‘justificativo’eo ‘dialógico’ou ‘contra-argumentativo’.Paraonível
justificativo, a sequência organiza-se numa ordem progressiva (Pa1+Pa2+Pa3) domovimento
argumentativo,seminteraçãocomointerlocutorehavendoapreocupaçãodedemonstraruma
tese.Oníveldialógicooucontra-argumentativoincluiasmacroproposiçõesPa0,TeseAnterior,e
Pa4,Restrição, eo interlocutorocupa lugarde relevo,poisháumaargumentaçãonegociadae
pretende-sequeascrençassejamtransformadas.
Como sabemos, nem sempre todas as categorias são atestadas numa sequência
argumentativa. No entanto, sendo Pa1 e Pa3 as macroproposições básicas neste protótipo
sequencial, uma delas terá de ocorrer de forma explícita e terá de haver a possibilidade de a
outra ser recuperada pelo alocutário através da inferência27. Adam (1992: 106) refere que,
destasduascategoriasfundamentais,aqueocorremaisfrequentementedeformaexplícitaéa
Pa1,ouseja,aexplicitaçãodosDados.
O interesse no modelo teórico da sequência argumentativa de Adam revela-se na
introduçãodamacroproposiçãoPa0,TeseAnterior,vistoquenomovimentoargumentativoesta
será refutada, chegando-se a Pa3, Conclusão ou Nova Tese. Verifica-se, então, que Adam
privilegia o princípio dialógico na estrutura da sequência argumentativa, que é próprio de
qualquerargumentação,concebendoarespostaaoutroslocutores,istoé,permitindoacontra-
argumentação. Também a Nova Tese (Pa3) pode tornar-se a Premissa/Dados de uma nova
sequênciaargumentativa.
26Narefutação,oesquemadebaseconstituídoporPa1,2e3estrutura-se,deformaexplícita,combasenateseanteriorPa0.27Segundo Ducrot, esta dedução é frequentemente possibilitada através de um topos ou topoi, lugarescomuns partilhados pelos membros de uma comunidade, que garantem a validade das premissas e apassagemdaspremissasparaaconclusãoatravésdaconsistênciadainferência.
24
Após análise da organização das macropoposições numa sequência argumentativa,
apliquemosomodelodeAdamaumtexto, comdominanteargumentativa,extraídodarevista
Visão,n.º1141:
LIÇÕESDEPARIS
Opaísqueajudouamudaromundocomarevoluçãoda liberdade, igualdadee fraternidadeviveutrêsdiasdeterrorebrutaismomentosdeangústiaepreocupação.Masdeuumanotávelliçãodeconvicçãoecaráter.Nãosevergou,nãoseintimidou,nãoseacobardou.Saiuàruaemforçaecomcoragem.Paracelebrara liberdade,parareafirmarodireitoàdiferença,paraseoporaosqueteimamdeformahediondaemquerersobreporarazãodaforçaàforçadarazão.Esta manifestação é verdadeiramente histórica. Afinal, o terrorismo matou alguns pobresinocentes,masnãomatoualiberdadeeacoragemdeadefender.Éestasuperioridademoralquefazrealmenteadiferença.Eéassimquesefazhistória.
LuísMarquesMendesinVisão15/01/2015
É necessário precisar que a sequência argumentativa nem sempre se atualiza de forma
linear,quecorresponde,pois,aummodeloideal.Muitasvezes,comonoexemplo,asváriasfases
encontram-semescladaseocorremmesmoenunciadosquesãodifíceisdeintegraremqualquer
umadascategorias.Anossapropostadeanáliseéaseguinte:
Pa1
Dados
(Premissas)
Opaísqueajudouamudaromundocomarevoluçãodaliberdade,igualdadeefraternidade
viveutrêsdiasdeterrorebrutaismomentosdeangústiaepreocupação.
Afinal,oterrorismomatoualgunspobresinocentes
Conclusão(implícita)=Teseanterior(Pa0):
AFrançapoderia/deveriatersucumbido
O autor refuta, então, esta tese e marca explicitamente essa oposição através da presença dos
marcadoresadversativos:“Masdeuumanotávellição(...)”;“(...)masnãomatoualiberdade(...)”.Einicia
umnovomovimentoargumentativoqueconduziráaumanovatese,àsuatese.
Pa1
Dados
(Premissas)
(AFrança)Nãosevergou,nãoseintimidou,nãoseacobardou.(Pa3)Saiuàruaemforçae
com coragem. Para celebrar a liberdade, para reafirmar o direito à diferença,
para se opor aos que teimam de forma hedionda em querer sobrepor a razão da força
àforçadarazão.(Oatentado)nãomatoualiberdadeeacoragemdeadefender.
Conclusão1(explícita)=NovaTese(Pa32)
(A França) deu uma notável lição de convicção e caráter. Esta manifestação é
verdadeiramentehistórica.
Cremosqueépossível,ainda,apreender,numoutronível,umaoutraConclusão(Pa3),
paraaqualconcorremosdadosdoquadroanteriorquefuncionariamassim,natotalidade,
comopremissasqueconduzemàtesedoautordotexto:
Conclusão2(explícita)=(Pa32)
Éestasuperioridademoralquefazrealmenteadiferença.Eéassimquefazhistória.
25
Exploremos agora os traços linguísticos que tipificam a sequência argumentativa.
Inspirando-nos nas afirmações de Bassols e Torrent (2003: 52), podemos avançar que a
estruturagramaticalbásicadeumasequênciaargumentativaéaseguinte:Sujeito+verboSER
(presente) +Atributo. Esta estrutura é comumàmaioria dos encadeamentos argumentativos,
independentementedostópicostratadosedosinterlocutoresquenelesparticipam.
Éatravésdestaestruturaqueolocutorcontra-argumentarelativamenteaumaoutratese,
aantítese:aFrançaéumpaísexemplar(enãoumpaísatemorizado).
Osverbosdominantesnestetipodesequênciassãoosqueserelacionamcomaconexão
causa-consequência, os que permitem concretizar as fases da estrutura argumentativa (como
‘concluir’, por exemplo) e os verbos dicendi que permitem expressar as opiniões do locutor
(embora possam não estar presentes, mas simplesmente implicitados e serem recuperáveis
atravésdeinferência).
Ostemposverbaispreferenciaissãoopassado,parareferirtodootipodedadosfactuais
terminados e, obviamente, o presente, o tempo da certeza, do irrefutável, da fiabilidade, que
permite,ainda,generalizar.
Osatosilocutóriosmaisutilizadasnestetipodesequênciasãooassertivoeointerrogativo
(veja-seocasodaperguntaretórica,porexemplo,queaparentaestabelecerumdiálogocomo
interlocutor,emborafuncionecomoumaasserçãodisfarçada).
O léxico é avaliativo, portanto axiológico, pois o locutor inscreve-se explicitamente no
texto, deixando nelemarcas claras da sua presença, do seu ponto de vista (‘terror’; ‘brutais’;
notável’;‘caráter’;‘hedionda’).
Os recursos retóricos são também muito explorados: as repetições (‘liberdade’ e
‘coragem’), as citações, as alusões (aos valores da Revolução Francesa), as enumerações, as
antíteses(veja-seaoposiçãoentre ‘aFrança’vs. ‘osterroristas’),osparalelismos,comoosque
implicamumaestrutura frásicasimilaremsegmentostextuaispróximos:“Opaísqueajudoua
mudaromundocomarevoluçãodaliberdade,igualdadeefraternidadeviveutrêsdiasdeterror
e brutais momentos de angústia e preocupação. Mas deu uma notável lição de convicção e
caráter. “ / “o terrorismo matou alguns pobres inocentes, mas não matou a liberdade e a
coragemdeadefender.”
Umavezmais,sãoestesostraçosquepodemosconvocarparatraçaroperfiltextualdas
sequênciasargumentativas.Opapeldosconectoresnaordenaçãodasváriasmacroproposições
dotextoéfundamental,poiselespermitemintroduzirargumentosouconclusões,sinalizandoo
tipodeinterpretaçãoqueháafazereaorientaçãoargumentativa.
26
3.QUESTÕESDEENUNCIAÇÃO
O conceito de ‘sequência textual’ refere a organização interna da sequência, isto é, o
esquemaestruturalsubjacenteaqueelaobedeceequepermiteintegrá-lanumtipo.Nesteplano,
estamos a falar de «la problématique compositionnelle» (Roulet, Filliettaz et Grobet 2001:
312).
Todavia,estaanálisenãoesgotaaspossibilidadesdeanálisedotexto.OmodelodeAdam
(1992:21)compõe-sedediferentesplanos(aqueelechamaníveis)queinteragemunscomos
outros e que constituem outras tantas portas de entrada para a análise do texto: “visée
illocutoire, repérage énonciatif et cohésion sémantique” – que se integram na pragmática – e
mais dois – “connexité et séquentialité” – que se relacionam com a “organisation
propositionnelle”.
Quadro6:Análisetextualdosdiscursos(Adam,2012:193).
Como se constata pelo quadro anterior, estivemos a trabalhar o plano 5, relativo à
estruturacomposicional.Pretendemosagorapassarparaaanálisedoplano7,oquedizrespeito
àenunciaçãoeàleituraenunciativaquepodemosfazerdassequênciastextuais.
Écertoqueestamosafazerrecortesnoobjetodeestudo,mascomodizoautor,hárazões
metodológicasesobretudodidáticasparaofazermos:
“la complexité de l’objet d’étude est telle, qu’il est méthodologiquement nécessaire de lediviser et de distinguer des moments d’analyse et même de théorisation. Chaque niveauconstitueàmesyeuxunmomentd’analyse,uneunitéderechercheetd’enseignement(c’estunaspectdidactiquequejeconsidèrecommetrèsimportant)liéeauxautresmaisassezdistinctedesautrespourformeruntout.Enfait,onpeutdécrireuntexteensecontentantd’unniveaud’analyseetens’appuyantsurune théorieconsistantedeceniveau.Le toutestdebienvoir
27
qu’on n’opère alors qu’une description partielle d’un objet de très haute complexité quidemandeunethéorieplusvaste”(Adam,2012:194).
Antes, porém, impõe-se fazer uma apresentação das questões enunciativas em que nos
vamoscentrarnaanálisedassequênciasexplicativaeargumentativa.
Podemosiniciaranossaabordagemquestionando-nossobreaformadedefiniroconceito
de‘enunciação’.ParafraseandoFlores&Teixeira(2008:101),podemosperguntarseexisteuma
‘LinguísticadaEnunciação’ouantes‘TeoriasdaEnunciação’,perguntaqueimplicaaexistência
deumcampounificadodeinvestigaçãoou,apenas,delinhasdepesquisadistintasqueincidem
sobreomesmoobjetodeinvestigação.
Marjut Johansson & Eija Suomela-Salmi (2011) afirmam que a teoria da enunciação
francesa não é uma teoria unificada, mas representa diversas abordagens a questões
pragmáticas.
De facto, podemos listar vários nomes que se integram neste campo, mas estudam
diferentes tópicos (Jakobson: shifters; Benveniste: aparelho formal da enunciação; Ducrot:
polifonia e teoria da argumentação na língua; Authier-Revuz: heterogeneidades enunciativas;
Kerbrat-Orecchioni: interaçõesverbais,Fuchs:paráfrase;eestesconstituemapenasalgunsdos
maisatuais).Nasuadiversidade,éaabordagemdofenómenoenunciativoqueestáemcausa,ou
seja, a presença de um sujeito que enuncia um discurso num contexto específico. Por outras
palavras,éapresençadosujeitonalinguagem.
Ocampodaenunciaçãoé,pois,ocampoquearticulaosujeitocoma línguae,segundo
Bally (1965), é o ato de usar o meio de expressão comum a todos os indivíduos da mesma
comunidadelinguística,ouseja,alíngua,paraexpressarideiasesubjetividade.Nestaaceção,o
termo ‘enunciação’ implica jáumatoconcretodeusoda línguaeéBenveniste(1989:92)que
concretiza esta ideia ao afirmar que a enunciação é a colocação da língua em funcionamento
atravésdeumato individual deutilização. Estadefiniçãopressupõeumaatividade linguística
levada a cabo por uma instância emissora, o locutor, dirigida a um interlocutor, numa
determinadasituação,umespaçoeumtempo,eestesquatroparâmetros(interlocutores,espaço
e tempo) constituem um enquadramento enunciativo relativamente ao qual muito do que
dizemos faz sentido. Por outro lado, também pressupõe que o sujeito se inscreve
automaticamente no seu discurso, nele deixando a sua presença através demarcas variadas.
Essas marcas integram o domínio da língua, isto é, são signos linguísticos que estão
permanentemente disponíveis para seremusados numdiscurso, assinalando precisamente os
“actantes da comunicação-interacção e as suas relações interpessoais” (Fonseca, 1991: 268) ,
istoé,o ‘eu’eo ‘tu’,bemcomoinstanciando“notempoenoespaçoasproduçõesdiscursivas”
(idem,ibidem).
28
Oatodeenunciaçãopermite,portanto,aofazerusodessessignos,converteralínguaem
discursoeesseatoindividualdeapropriaçãodalínguaparaatransformaremdiscursointroduz
ofalantenoseuprópriodiscurso.
Aaparentesimplicidadedadefiniçãoé,contudo,falaciosa.Defacto,otermo‘enunciação’
adquirediferentes significadosem funçãodas teoriasqueo convocamedaíquea enunciação
possa não só indicar a emergência do sujeito no seu discurso,mas tambémpossa designar o
conjuntodasprópriascondiçõesdeprodução/receçãododiscurso:quem fala, aquem,ondee
quando,coordenadasqueauxiliama interpretarosentidododiscurso,eaindapossareferiro
conjuntodemecanismoslinguísticosquepermitemoprópriofuncionamentodalíngua,istoé,a
sua conversão em discurso. Estes são os signos sui-referenciais, “já que a referência que
manifestamvariasistematicamentecomaenunciaçãoqueosactualiza”(Fonseca,1991:268).É
nestesentidoqueseafirmaqueaenunciaçãoseapresentacomo“umareflexãosobreodizere
nãopropriamentesobreodito”(Flores&Teixeira,2008:110).
Estaintroduçãoaotemadaenunciaçãonãopoderiaficarcompletasemumamençãomais
específicaàproblemáticadosujeitonestequadroanalítico.Comefeito,aentradadosujeitona
reflexãolinguística(operada,sobretudo,porBenveniste)permite-nosirtambémumpoucomais
além; como é óbvio, a linguística da enunciação não estuda o sujeito em si mesmo, mas as
marcasdasuapresençanodiscurso,oqueequivaleaafirmaroestudodaimagemqueodiscurso
dádosujeito.Estasubtildistinçãopermite-nosreferirumaoutra,motivadapelaimpossibilidade
de analisar cientificamente aquilo que é, por natureza, único e irrepetível. Se, como afirmam
Anscombre eDucrot (1976:18), “L’énonciation sera (...) l’activité langagière exercéepar celui
quiparleaumomentoù ilparle”, então,elaé,pordefinição,históricae transitória,nãosendo
possível tomá-la comoobjetodeestudo.Assim, e caminhandonomesmosentidodadistinção
anterior,temosdeinfletiranossaatençãoparaosmecanismosdeengendramentododiscurso,
ou seja, para as estruturas que,manifestando-se ao nível do enunciado/discurso, relevam do
processodeenunciação.Poroutraspalavras,éabuscadasmarcasdoatonoprodutoquedele
resultaou, aindade formamais clara, é o levantamentodasmarcasdapresençadosdiversos
constituintesdoquadroenunciativonoenunciado.
Embora não seja fácil associar, definir e delimitar todas estasmarcas, vamos tentar, na
esteira de Boss & Grossmann (2007), delimitar duas noções fundamentais do sistema
enunciativo: o espaço enunciativo e a dimensão intersubjetiva. No âmbito da primeira,
analisaremosaquestãodadêixise,noâmbitodasegunda,aquestãodapolifonia.
De facto, o locutor assinala a sua presença, no seu enunciado, antes demais através da
presençadospronomespessoais,signosindiciaisporexcelência;emsimultâneo,tambémancora
o seu enunciado ao mundo através da dêixis espacial e temporal. O termo ‘dêixis’ recobre
29
precisamenteoconjuntodestasexpressõesquepermitemareferênciaàsituaçãodeenunciação
eareferênciaaossujeitosquenelaparticipam.
Poroutrolado,tambéméverdadequeasubjetividadesemanifestacomoainstauraçãode
um certo ponto de vista sobre o que se diz; com efeito, o locutor dá informações sobre as
diferentesformasdeapresentaroseudiscurso,podendotomaremconsideraçãoodiscursodos
outros,podendodar-lhesapalavraouapenasreformularouatéapenasaludiràquiloqueoutros
disseram;nofundo,osujeitodefinequeméafonteenunciativa.Éoconceitode‘polifonia’que
dácontadestesdiferentesenunciadores,docruzamentodassuasvozesequecontestaodogma
daunicidadedosujeitoqueseexpressanumtexto.
3.1.DÊIXIS
Ésabidoqueaslínguastêmcapacidadereferencial,istoé,permitemdesignarentidadesdo
universoextralinguístico.Noentanto,hásignosque“(…)funcionansobrelabasedeunarelación
constante, independientede la situación,entreelmundoysu ‘denotatum’” (Mateu,1994:32).
Háoutros,ossignosdeíticos,queremetem,apontamverbalmenteparareferentesespecíficosdo
atoenunciativo.Nãotêmumareferênciaestável,permanente,umavezque,decadavezquesão
atualizados no discurso, têm referentes diferentes e variáveis, assinalando o locutor e o
interlocutor do ato enunciativo, o tempo e o espaço da enunciação, ou seja, marcando as
coordenadasenunciativaseapontandoparadadosdocontextosituacional.
Ao fenómeno que consiste no uso de expressões deíticas dá-se a designação de ‘dêixis’
(Lima,2006:86).
Otermo‘deítico’temorigemnogregodeiktikós(demonstrar,indicar,designar)e,segundo
F.I.Fonseca(1996:437),“osentidoetimológicodotermo‘dêixis’“estárelacionadocomogesto
deapontar: umgesto, um fazer, que,pressupondouma situaçãode comunicação face a face e
umaintencionalidadesignificativacomumadoissujeitos,sesituaameiocaminhodedizer”.
Aodizermosi)‘Ficoaquiagora’;ii)‘Queroeste’28ouiii)‘Gostodeti’,asexpressõesdeíticas
‘aqui’,‘agora’,‘este’e‘ti’funcionamcomoautênticos‘gestosverbais’(apontamverbalmentepara
umespaço,umtempo,umaentidade,umser).Assim,a‘dêixis’refereaformaatravésdaqualas
línguascodificamoselementosdocontextoquesãopertinentesparaoatodeenunciação.
Oestudodadêixisquestiona,portanto,opressuposto teóricodequeas línguasnaturais
têmsignoslinguísticosdotadosdereferênciafixaeestáveleprivilegiaaanálisedossignosque
permitemaemergênciadasubjetividadeeaconstruçãoderelaçõesinterpessoais.
28ExemplodeF.I.Fonseca(1996:437)
30
Começaremos primeiro por esclarecer conceitos, como ‘ato enunciativo’ e ‘coordenadas
enunciativas’.
Um ‘ato de enunciação’ é um ato de apropriação individual da língua por um sujeito
falante.Ouseja,umsujeito locutor(‘eu’)dirige-seaum‘tu’num‘aqui’e ‘agora’.Atentemosno
seguinteexemplo:
(1) Euficoaquiagora.
Nestecaso,osreferentesdaspalavras‘eu’,‘aqui’e‘agora’,expressõesdeíticas,dependem
do contexto situacional, isto é, não têm referência fixa (Lima, 2006: 86), pois a referenciação
produzidanomomentodaenunciaçãosóéidentificadaseconhecermosocontextoemquesão
utilizadas.
AspalavrasdeBenveniste(1970:12)corroboramestasafirmações“l’énonciationestcette
miseenfonctionnementdelalangueparunacteindividueld’utilisation”.
Cada ato de enunciação é, assim, único e irrepetível; é ativado por um locutor e um
interlocutor,tambémelesindividuaiseúnicos,queseencontramnumenquadramentotambém
elesingulareespecífico.Aesseenquadramentodamosonomede ‘contextosituacional’enele
estão compreendidos elementos extralinguísticos que condicionamo atode enunciação. Estes
elementosconstituemas‘coordenadasenunciativas’:i)‘aquelequefala’(EU);ii)‘aqueleaquem
sefala’(interlocutor)(TU); iii) ‘oespaçoemquesefala’(AQUI);e iv) ‘otempoemquesefala’
(AGORA).
Todas as línguas naturais têm signos linguísticos que referem estas coordenadas
enunciativas, o que equivale a dizer que as línguas naturais têm signos, os ‘deíticos’, que
codificamoselementosconstituintesdocontextocomunicativo(eu–tu–aqui–agora).
Odesconhecimentodascoordenadasenunciativasimplicaumacomunicaçãogorada,como
nofrequente“Voltojá”queencontramosnumalojaouquando,semverointerlocutor,obtemos
aresposta“Soueu”àpergunta“Quemé?”.
3.1.1.DEÍTICOS
Como já vimos, a ‘dêixis’ é o fenómeno de referenciação que depende de cada ato
enunciativo.Estarelaçãoda linguagemcomocontextosituacionalreflete-senasestruturasda
língua.
31
São várias as designações atribuídas a estas “palavrinhas”29. Passamos a citar Almeida
(2000:3)quereferealgunstermoseosseusautores:“BrugmanetBühlerappliquent leterme
de déictiques mais que Jakobson, à la suite Japersen, appelle shifters (en fr. embrayeurs),
Reichenbach token-reflexives, Pierce index, Benveniste expressions sui-référentielles, Bar-Hillel
expressions indexicales et Burks symboles indexicaux [cités par G. Kleiber, 1986: 3-26]”. A
designaçãode“embrayeurs”,aliás,éilustrativa,metafórica,poissãosignosdoplanodalíngua,
sempre aptos a fazer entrar a língua em ação, em diferentes contextos, com diferentes
participantes.
Comosecaraterizamestasentidades?
ParaBenveniste (1976:52), a linguagemcriou “umconjuntode signos “vazios” (...),não
referenciaisemrelaçãoà“realidade”,sempredisponíveis,equese tornam“plenos”desdeque
umlocutorosassumaemcadainstânciadoseudiscurso”.Masestaexpressão,“signosvazios”,é
questionadaporKerbrat-Orecchioni(1980:43),queargumenta:“elles[lesformesvides]lesont
peut-êtreréférentiellement,maissurementpassémantiquement:lesdéictiquesontunsens(…);
les déictiques réfèrent à leur propre instance de discours (…), à des objets dont la nature
particulière ne se détermine qu’à l’intérieur de l’instance particulière de discours qui les
contient”.
Estasunidadeslinguísticastêm,portanto,umfuncionamentosemântico-referencialmuito
particular:sãosignosdisponíveisnalíngua,quetêmatualizaçãoemcadaatoenunciativo,uma
vez que implicam, para serem devidamente interpretados, a consideração de entidades que
integramaquelasituaçãodecomunicaçãoespecífica.Porissosedizqueumdeíticoseancoraa
cadaatoenunciativo,únicoeirrepetível.
Conhecemos já alguns signos deíticos, como ‘eu’, ‘tu’, ‘aqui’ e ‘agora’. No entanto, o
conjunto destes signos é bastante mais alargado e nem sempre fácil de delimitar. No item
seguinte, iniciaremos a apresentação dos três domínios clássicos em que é usual subdividir a
categoriadadêixis.Ascoordenadasenunciativas–eu–tu,aquieagora–instauramprecisamente
os três tipos principais de dêixis: i) a ‘dêixis pessoal’, ii) a ‘dêixis espacial’ e iii) a ‘dêixis
temporal’30.
29Adaptámos o termo utilizado por Óscar Lopes (1985: 90) quando se refere a ‘assim’ como uma“palavrinha”,um“modestodíctico”.30Tambémdevemosreferenciara‘dêixiscircunstancial’,a‘dêixissocial’ea‘dêixisdiscursivaoutextual’.Adêixiscircunstancial,como“modestodícticoassim”(ÓscarLopes,1985:90),apontaparaomodocomoalgosefazoudiznaqueleespaço-tempo,comoem“Dobra-seassim”,ondeseespecifica“umfazerinerenteaodizer,fazeressequecorrespondeaomodocomoseexecutaumdeterminaacção”(Lopes&Carapinha,2004:66).A dêixis social está próxima da dêixis pessoal. Codifica a familiaridade/proximidade ou uma maiordistânciaentreosparticipantesnacomunicação(registoformal/informal).Sinalizaacomunicaçãosoboponto de vista de uma escala de papéis sociais ou de hierarquia, traduzida através das formas de
32
3.1.2.TIPOLOGIADEDÊIXIS
Atentemos,emprimeirolugar,na‘dêixispessoal’,queserefereàsexpressõeslinguísticas
queremetemparaosparticipantesdoatocomunicativo:eu–tu.
Benvenisteconsideraqueadêixispessoaléocernedasubjetividadeda linguagem.31Ao
analisarmosospronomespessoais ‘eu’e ‘tu’,verificamosque ‘eu’codificaaautorreferênciado
falanteeque‘tu’codificaareferênciadointerlocutor;opronome‘ele’,pelocontrário,codificaa
referênciaàquiloouàqueledeque(m)sefala.Benvenisteexcluiporissoa3ªpessoadogrupode
participantes no evento e, automaticamente, da esfera de ‘pessoalidade’ que os caracteriza, já
queéconsideradauma‘não-pessoa’.
É por esta razão que se diz que a linguagem é o local fundador da subjetividade; na
realidade,ousode‘eu’ede‘tu’sinalizaapresençadolocutor(edassuascircunstâncias,neste
caso, a presença do seu interlocutor) no seu próprio discurso e constitui uma marca de
subjetividadedosujeitonoseudiscurso.
Observemosesteexemplocurioso,emqueumadultosedirigeaumbebé:
(2) Entãoobebénãoquerdormir,não?
Em (2), ao ‘tu’, ‘o bebé’, não é atribuída pessoalidade, pois não se pressupõe interação,
reciprocidadeverbal.
A categoria da ‘dêixis pessoal’manifesta-se, como se conclui facilmente, nos ‘pronomes
pessoais’,nos‘determinantesepronomespossessivos’ena‘flexãoverbal’.
Os ‘pronomes pessoais’ são as formas mais evidentes dos deíticos pessoais e aqui
destacam-seaspessoas:Eu-Tu-Nós-Você/Vós/Vocês/(ealocução‘agente’-Raposo&al.,
2013:899-902).
O ‘eu’ (aqueleque fala)eo ‘tu’ (aqueleaquemse fala) sãoconsideradosdeíticospuros.
Benveniste afirma que ‘eu’significa “a pessoa que enuncia a atual instância de discurso que
contémeu, instânciaúnica,pordefinição,eválidasomentenasuaunicidade”(1976:50).Estas
duas formas pronominais têm duas caraterísticas que as definem de forma inequívoca: a
unicidade, pois em cada ato de enunciação cada um deles é um indivíduo único; e a
reversibilidade, já que o seu papel alterna quando se encontram em interação. Em qualquer
situaçãodeenunciaçãotodoo‘eu’éum‘tu’empotênciaevice-versa(Benveniste,1966:230).tratamento. As variações de uso ancoram-se no contexto situacional, como observamos em i) “SenhorLuís,queirafazerofavordeatenderotelefone.”eii)Luís,atendeotelefone,porfavor”.A dêixis discursiva ou textual diz respeito a expressões que referem porções de texto ou umapalavra/expressão em particular do discurso anterior ou subsequente, mas que não são/é o seuantecedente(referente,queseráprópriodaanáfora).31F.I.Fonseca(1996:442)
33
Em contrapartida, devemos debruçar-nos sobre a pessoa ‘nós’, por apresentar aspetos
interessantes a considerar como informação deítica. Lima (2006: 87), na esteira do que
Benveniste já havia dito (1966: 233), afirma que “há uma assimetria entre a 1ª pessoa do
singular e a do plural: aquilo a que se chama “1ª pessoa do plural”, nós, não designa, na
realidade,umeuplural(“oseuquefalamagora”)”,istoé,‘nós’nãocorrespondeaum‘eu’plural,
pois o ‘eu’ é singular e único. Adaptando a perspetiva de Benveniste (1966) e de Kerbrat-
Orecchioni(1980),podemosconsiderarqueo‘nós’incluio‘eu’eum‘não-eu’(onão-eupoderá
serpreenchidopordiversasentidades),observando-se:i)um‘nósinclusivo’(eu+tu–singular
ouplural);ii)um‘nósexclusivo’(eu+ele(s));eiii)umeu+tu+ele(s)).
Aindanotocanteàpluralidadedeleiturasdo‘nós’devemosreferiro‘nósmajestático’eo
‘nósdemodéstia’.Ousodo‘nósmajestático’potenciaumadilataçãodo‘eu’,comoem(3).
(3) “Nós,ReidePortugalpelagraçadeDeus,fazemossaberque…”
Apesardehaveraautoridadedousodapalavraemnomedetodos,háclaramenteavozdo
‘eu’queseassumedeformaamplificada.Configura-seum‘nós’queequivaleaum‘eu’único.
Esteefeito tambéméobtidonodiscursopolítico.Vejamosoexemploseguinteproferido
peloex-PrimeiroMinistro,JoséSócrates:
(4) Imaginem só amudança estrutural que estamos a propor! O que queremos é isto: que
todasas criançasportuguesas frequentempelomenosumanode jardim-de-infância–e
depois,naescola,adquirampelomenosdozeanosdeeducação!32
Em(4),o‘nós’,pretendidocomoopartidoqueestánogoverno,nãoémaisdoqueeu,José
Sócrates.
É curiosoqueestediscursopolítico tambémpode jogarcomaambiguidadedeum ‘nós’
inclusivo: ‘eu’ e o partidopolítico ou ‘eu’ e o eleitorado.Observemosumexemplo emque, na
leiturainclusivado‘nós’,estácontempladoopartidopolítico.
(5) “Onossoprincipaladversárioéaabstenção.AquiestamosafazercampanhapelaEuropa,
para dizer aos portugueses que nunca Portugal precisou tanto como agora da Europa”,
afirmouJoséSócrates,duranteasuaintervençãonoFórumNovasFronteiras,emLisboa,
ondefoiapresentadaalistadoscandidatosdoPSaoParlamentoEuropeu.33
32XVI Congresso do Partido Socialista, Sessão de Encerramento, Intervenção do Secretário-Geral JoséSócrates (01-03-2009) in http://www.socrates2009.pt/getattachment/1f70e4c5-0564-49df-ae3e-27f5b1b0ee42/DiscursoEncerramento.aspx33in Página do Partido Socialista http://www.ps.pt/noticias/noticias/jose-socrates-aponta-abstencao-como-qprincipal-adversarioq-nas-eleicoes-europeias.html
34
Nopróximoexemplo,encontramosainclusãodoeleitorado,aquemédadoprotagonismo
pelopartidopolíticoemquestão.
(6) TODOSsabemosqueanossaterraprecisa,comurgência,deTODOSnós.34
Sobreosusosdestes‘nós’,Guespin(1985:49)afirmaque“lenousdutextepolitiquejoue
surlacoexistencededeuxprocèspossiblesdesémantisation,lesformationssociales(lespartis,
lescirconscriptionsélectorales,lestandemscandidatetsuppléant,etc.)etl’interactionverbale.
(…) un des efforts du tract électoral est de jouer de l’ambiguïté du pronom pour amener
l’interlocuteurverscenouspartisan”.
Esta conquista do ‘tu’ (eleitorado) através do recurso ao ‘nós’ é, como já destacámos,
notórianodiscursopolítico.35
Paraalémdo‘nós’,torna-sepertinenteatendermosàsformas‘você/vocês’.SegundoLima
(2006:87),“vocêevocêssãoclaramente2aspessoas(aquele(s)aquemsefala),dosingularedo
plural”36.Tambémalocução‘agente’,apesardegramaticalmentecorresponderà3ªpessoa(de
acordo com a norma padrão do português), semanticamente respresenta um conjunto de
pessoasemqueseincluio‘eu’,equivalendoà1ªpessoadoplural,‘nós’.
(7) Vocêtrabalha./Vocêstrabalham.
(8) Eletrabalha/Elestrabalham.
(9) Agentevaiàpraiaestatarde.
(10) Elevaiàpraiaestatarde.
Em(7)e(8)ocorremasmesmasformasverbais,quesãoambíguas,poismarcama2ªea
3ªpessoas, consoante o caso. Já em (9) e (10), a formaverbal é de3ªpessoa,mas (9) como
recursoa‘agente’aformaverbalcorrespondeà1ªpessoadoplural.
Quanto aos ‘determinantes e pronomes possessivos’, estas formas têm a função de
contribuir para a referência a entidades “possuídas por” ou relacionadas com as pessoas
designadaspelospronomespessoais.
34InfolhetodacampanhaeleitoraldePauloFonseca–Ourém2009.35NumestudodaentrevistadeJoséSócratesàSIC(junho2009),oJornalicontabilizou78ocorrênciasde‘nós’,destacandoquefoiapalavramaisutilizadapeloPrimeiroMinistro(inArtigodeGonçaloVenâncio,publicado em 17 de junho de 2009, “O discurso de José Sócrates em palavras”http://www.ionline.pt/conteudo/9314-o-discurso-jose-socrates-em-palavras)36Aforma‘você’mereceriaalgumasreflexõesdopontodevistadadêixissocial,umavezqueéumaformade tratamento que pode ter implicações na relação social que se estabelece entre os interlocutores.Todavia,essetópiconãoseráabordadonestetrabalho.Comosepodeconstatar,diferentescategoriasdedêixispodemarticular-senosdiscursos.
35
Por fim, podemos assinalar que a categoria de pessoa também se manifesta na ‘flexão
verbal’.Sãoos ‘sufixos flexionais’quemarcamacategoriadapessoa.Devidoàcomplexidadee
riqueza da flexão verbal, o português não precisa de lexicalizar o sujeito (ao contrário, por
exemplo,dofrancês).
(11) Queresiraocinema?
(12) VamosaNovaIorqueesteano?
(13) Encontrouolivroquelheindiquei?
Em (11), o locutor dirige-se a um ‘tu’, expressão ausente, mas recuperável através da
flexão do verbo; omesmo se aplica a (12), relativamente à pessoa ‘nós’. Em (13), para haver
referenciação deítica (você, o/a Sr., a Paula), temos necessidade de conhecer as coordenadas
enunciativas.
A ‘dêixis temporal’ é outra categoria deítica.Diz respeito a “expressões que permitema
referência a momentos ou períodos de tempo em relação ao momento do contexto da
enunciação”.EstacitaçãodeLima(2006:90)permite-noscompreenderqueadêixis temporal
refereaformacomoaslínguascodificamoperíodotemporalrelativamenteaoqualoenunciado
foi proferido; normalmente, são os tempos verbais e os advérbios e locuções adverbiais de
tempoque,emgeral,codificamestesaspetos.
Foi Benveniste que salientou a dimensão deítica do tempo. Este tempo é um tempo
linguístico cujopontode referênciaéomomentodaenunciação (Armengaud,1985:58-59),o
‘agora’ emque o sujeito enunciador toma a palavra. “Agoradelimita a instância (…) temporal
coextensiva e contemporânea da presente instância do discurso que contém eu”, afirma
Benveniste(1976:51).
Grandepartedosenunciadosexpressaumdeterminadovalortemporal,ouseja, localiza
oseventosdequefalanumdostrêssetoresdoeixotemporal:passado/presente/futuro.Neste
caso, estabelecem-se relações de ordem –anterioridade/simultaneidade/posterioridade–no
eixodo tempo cronológico.Emalguns casos, essas relaçõesde ordem tomamcomo ‘pontode
referência’o ‘agora’(T0=momentoemqueserealizaoatodeenunciação),eé relativamentea
essemomentoqueoenunciadorordenaacronologiadoseuenunciado,estabelecendooqueé
passado,oqueé futuro,oqueé simultâneo relativamenteaessemomento.Temos, então,um
subsistemade temposverbaisdenaturezadeítica, istoé,umconjuntode temposverbais cuja
interpretação está dependente de T0.Observemos os exemplos seguintes, que dão conta das
relaçõestemporaisestabelecidasapartirdeT0:
1) desimultaneidaderelativamenteaT0=“agora”
36
a)presentedoindicativo:poucousado;maisfrequenteemreportagememdireto
(14) OPrimeiroMinistrocomeçaagoraoseudiscurso.
(15)MeirelespassaabolaaRonaldo.
b) presente perifrástico: forma mais produtiva (com predicadores eventivos,
tipicamente)
(16) Estouafazerarevisãodotexto.
2) deanterioridaderelativamenteaT0(momentodafala)
a)pretéritoperfeitodoindicativo
(17) CompreiumlivronaBertrand.
3) deposterioridaderelativamenteaT0
a) futuro simples: registo mais formal, ocorre com mais frequência em textos
escritos(cf.artigoscientíficos)
(18) Noprimeirocapítulo,abordaremosaprodutividadedepresenteperifrástico.
b)futurosimples:valormodal
• Modalidadeepistémica(certeza/incerteza)
(19) Amanhã,aestahora,estaremosemParis.
• Modalidadedeôntica(obrigação,dever)
(20) Deverápreencheromodelo3doIRSnoprazoestabelecido.
c)presentedoindicativo
(21) VouaCoimbra.
d)formaperifrástica:maisfrequente
(22) Voutrabalharpoesiavisualparaasemana.
Levinson(2004:115)atribuiaestestemposverbaisadesignaçãode‘absolutos’,umavez
que são deíticos, opondo-os aos relativos, que expressam anterioridade ou posterioridade
relativamenteaum tempoabsoluto;umexemplodesteúltimo tipoéomais-que-perfeito,que
expressaumaaçãoanterioràdeumaformaverbalnopretéritoperfeitosimplescomaqualestá
relacionada.Estestemposverbais,cujopontodereferênciajánãoéT0,massimumoutrotempo
verbal,configuramumsubsistemadetemposverbaisdenaturezaanafórica,umavezqueoseu
pontodereferênciaéumoutrotempoverbal,dataoueventoexplicitadonotexto.
37
Como facilmente se pode inferir, a série de tempos verbais de tipo deítico abunda em
textosquecontêmmuitasreferênciasàsituaçãodaenunciação,enquantoostemposverbaisde
tipo anafórico ocorrem, sobretudo, em textos que contêm poucas marcas da situação de
enunciação.37
Alguns ‘advérbiose locuçõesadverbiaisde tempo’são tambémconsideradosexpressões
deíticas, desde que a sua referência tenha por base omomento da fala (T0). Aliás, este duplo
aspetodareferênciatemporal(deíticaeanafórica)temcorrespondênciaaoníveldeoutrostipos
de expressões que também funcionam como indicadores temporais: os advérbios e locuções
adverbiaisdenaturezatemporal.Comefeito,tambémestasexpressõessedistribuemporduas
séries distintas, uma de natureza deítica [(23) e (24)] e outra de natureza anafórica [(25) e
(26)]:
(23) Ontemfuiaocinema.
(24) Nosúltimosmeses,eleesteveinternado.
(25) Nodiaanterior(ax),tinhaidoaocinema.
(26) Nosmesesanteriores(ax),eletinhaestadointernado.
Kerbrat-Orecchioni (1980: 48-49) propõe, igualmente, para ilustrar esta categoria de
dêixis, alguns ‘adjetivos temporais’. ‘Atual’, ‘moderno’, ‘antigo’, ‘futuro’, ‘próximo’podem ser
exemplosdestegrupodepalavras, sendo consideradosdeíticos se se inscreverememT0(cf. o
exemplo27).
(27)Aspróximaseleiçõesdecorrerãoemoutubro.
Portanto,todasasexpressõesdadêixistemporaltêmemcomumofactodeomomentoou
períododetempoporelasreferidoexigirsempre,paraumacorretainterpretação,atomadaem
consideraçãodomomentodaenunciação.
Finalmente,consideramosquehá ‘dêixisespacial’quandoa localizaçãonoespaçodeum
objeto ou entidade tem como ponto de referência o espaço físico tomado pelo sujeito da
enunciação.
Sãodeíticosespaciaisosadvérbios‘aqui’,‘aí’e‘ali’,quedesignam,respetivamente,olocal
onde está o falante, o local onde se encontra o destinatário e um local afastadode ambos.Os
advérbios ‘cá’, ‘acolá’, ‘lá’ e ‘além’ tambémpodem ser deíticos. São aindadeíticos espaciais os
determinantesepronomesdemonstrativos,queauxiliam“nareferênciaaobjectosqueestejam
(…)próximosdofalante(este(a)/isso),próximosdointerlocutor(esse(a)/isso)ouafastadosde
37Nãonosalongaremosmais sobreestabipartiçãodosistemade temposverbais,umavezqueonossoobjetivoétratarapenasostemposdenaturezadeítica.
38
ambos(aquele(a)/aquilo)”(Lima,2006:89).Enãopodemosdeixardemencionaralgunsverbos
cujo semantismo apresenta um traço semântico relativo a um movimento deítico, como os
lexemas‘ir/vir’.
Os deíticos espaciais gramaticalizam, assim, relações de ‘proximidade,maioroumenor’,
em função do lugar ocupado pelo ‘eu-tu’, instaurando-se sistemas de referência posicional e
dimensional.
Note-se, ainda, que este grupo de signos deíticos é aquele cuja organização e
funcionamentoéoquemaisdiferedasrestanteslínguasromânicas,nomeadamentenoquetoca
àorganização tripartidadoespaço.De facto,determinantesepronomesdemonstrativoscomo
‘este’,‘esse’,‘aquele’ (formasvariáveis), ‘isto’, ‘isso’, ‘aquilo’ (formas invariáveis)eadvérbiosde
lugar(‘aqui’/‘aí’/‘ali’)refletemaestruturatriádicaqueorganizaaspessoasnoespaço:eu-tu-ele
(este/aqui–próximodo‘eu’;esse/aí–próximodo‘tu’;aquele/ali–afastadodo‘eu-tu’).
A este respeito, Óscar Lopes (1985: 91) destaca que os advérbios ‘aqui/aí/ali’ estão
relacionados com a “oposição ternária do tipo isto/isso/aquilo” (…), mas refere ainda que na
“estruturamaximal dos advérbios dícticos se poderiam distinguir, não três (aqui/aí/ali),mas
oitovalores(incluindocá/lá/acolá/aquém/ealém)”.
Observemos,agora,osexemplosseguintescomosverbos‘ir’/’vir’.
(28) Euvouparaaescola.
(29) Euvenhodaescola.
Em(28)e(29)háadescriçãodomesmopercursoespacial,masainformaçãoédiferente,
poisdependeda localizaçãodo falantenomomentodaenunciação.Kerbrat-Orecchioni (1980:
51)salientaque‘ir’/’vir’sãodoisverbosqueseopõemdeiticamente,nodizquerespeitoaoque
descrevem-ummovimentodeaproximaçãooudeafastamentodaesferadolocutor38.
Expressões como ‘perto de’ e ‘longe de’ são também consideradas deíticas quando têm
comoreferênciao lugarondeseencontrao locutor(‘Tomarépertodaqui’; ‘OPorto fica longe
daqui’).
Comosdeíticosqueacabamosdereferir,instaura-seosistemade‘referênciaposicional’.
Já no âmbito da ‘referência dimensional’, que diz respeito à disposição de entidades no
espaço, quer no eixo horizontal quer no vertical, Kerbrat-Orecchioni (2009: 55-57) aponta
expressõescomo: ‘à frente’, ‘atrás’; ‘em/porcima’, ‘em/porbaixo’; ‘àesquerda’, ‘àdireita’,que38F. I.Fonseca(1996)considera também trazerelevar, verbosdemovimentoque incluemumsemadedireçãorelativamenteaoaqui: i)Trouxeo livroquemetinhaspedido(aproximaçãoaoeu-tu); ii)Levaaautorizaçãoparaavisitadeestudo(afastamentodoeu).
39
fazem parte da dêixis espacial quando o ponto de partida é o corpo de falante, como nos
exemplosseguintes.
(30) Procureiotelemóvelqueestavaàminhafrente.
(31) Vivonosegundo;embaixo,háumescritóriodeadvogados.
Noseutodo,estessignosdequetemosestadoafalarcorrespondemàtraçadeixadapelo
locutor,epelascircunstânciasdasuaenunciação,noseuprópriodiscurso.Constituindoindícios
daenunciaçãonoenunciado,sãotambémmarcasdesubjetividadedosujeito.Eimpõe-seagora
perceberporquerazãoBenvenisteafirmanãoapenasqueohomemestáinscritonalíngua,mas
tambémqueéalinguagemquepermiteaemergênciadasubjetividade.
3.1.3.EMERGÊNCIADASUBJETIVIDADENALINGUAGEM
Benvenisteconsideraqueasubjetividadeéacapacidadedeo falanteseconstituircomo
sujeito,deestabeleceroespaçoeotempodaenunciaçãoedeterminarasuarelaçãocomo‘tu’.
Segundo o autor (1966: 259), “c’est dans et par le langage que l’homme se constitue comme
sujet;parcequelelangageseulfondeenréalité,danssaréalitéquiestcelledel’être,leconcept
d’«ego».”NaspalavrasdeBenveniste,é‘eu’aqueleque,numdiscursoparticular,diz‘eu’.Aofazê-
lo,cadalocutormobilizaalínguaporsuaconta,institui-secomosujeitoeporissosedizquea
enunciaçãoéolocalfundadordasubjetividade.
Areferenciaçãodeítica tem,então,umpontodereferênciaegocêntrico–osujeito,o ‘eu’
quefala–,ocentrodeíticoapartirdoqualseestabelecemasoutrascoordenadasdaenunciação.
A partir do momento em que se dá a enunciação instaura-se um campo de referenciação
estabelecido a partir do ‘eu’ e só a partir dele se identificam e localizam os objetos, seres,
entidades que se encontram no âmbito da esfera espacial e temporal da enunciação. Por
conseguinte,podemosdizerqueadêixispessoalébasilar,primária,relativamenteàtemporale
àespacial.
O conjuntode signosdeíticos (denaturezapessoal, temporal e espacial) constitui assim
umdispositivo linguístico,aquiloaqueBenvenistechamou ‘oaparelho formaldaenunciação’,
sempredisponível,permitindoaqualquerumtomarapalavra,situar-secomolocutor,aodizer
‘eu’,eexpressarasuasubjetividade.
Porém, separece fácil esclarecer comoéquea subjetividadedo locutor semanifestano
seudiscurso, já não é tão evidente explicar comoé que a linguagem (ouqualquer língua) é o
local fundador da subjetividade. J. Fonseca (1991: 265) defende a ideia de que a enunciação,
enquantoconjuntode condiçõesbásicasdeusoda língua, estáprevistanaprópria língua (em
todasas línguasnaturais),quecontémtodasas formas linguísticasnecessáriasàexpressãode
40
qualquer falante. Por outras palavras, a linguagem está profundamente marcada pela
subjetividade, na medida em que tem todos os signos linguísticos – os signos deíticos –
adequadosàsuaexpressão(Benveniste,1966:263).Podemos,então,afirmarqueapresençado
Homemestáinscritanalínguaedetalmodoqueasuamarcasubjetivaemergeconstantemente.
Emboraessesdeíticosconstituamumrecursolinguísticoemnúmerolimitado;são‘palavrinhas’
poderosas que podem permitir inúmeras referências, dependendo do contexto situacional,
adquirindoassimumsentidovariávelemcadaatocomunicativo,únicoeirrepetível.
DeacordocomKerbrat-Orecchioni(1980:55),“osistemadereferenciaçãodeíticanãoéo
únicodequeas línguasdispõem,masé semdúvidaomais importante,e seguramenteomais
original,porqueestareferenciaçãotemaparticularidadedeocorrer,nãoemrelaçãocomoutras
unidadesinternasdodiscurso,masemrelaçãoaalgumacoisaquelheéexternoeheterogéneo:
ascoordenadasconcretasdesituaçãodecomunicação”39.
O número e o tipo dos deíticos variam consideravelmente de acordo com o género de
discurso/textoeestessignosocorremsobretudonaquelestextosqueincidemno‘eu’.
3.2.POLIFONIA
Tradicionalmente,aenunciaçãoestavaintimamenteligadaàreferênciadeíticaeàsmarcas
queatestamapresençado locutornoseuenunciado;porémaenunciaçãonãose limitaaeste
domínio restrito que Benveniste tão bem descreveu. Na sequência dos trabalhos do linguista
francês, outro linguista francês, Oswald Ducrot, vai recuperar as teses de Bakthine sobre o
dialogismo40, no domínio literário, e (re)introduzir o termo ‘polifonia’, na área da linguística,
atravésdasuaobraLesmotsdudiscours,noiníciodadécadadeoitenta.
Olexema‘polifonia’éorigináriodocampomusicalondedesignaasobreposiçãodevozes
oudeinstrumentosque,comfrequência,caraterizamumacomposiçãomusical.Essaarticulação
entrediferentesvozesouinstrumentosnãopodedeixardelembraroconceitodedialogismoe
todas as relações que se dão entre um enunciado e todos os que o precederam ou que lhe
sucederam. Esse diálogo de textos e de vozes vai inspirar Ducrot que apresenta uma teoria
polifónica da enunciação. Ao fazê-lo, Ducrot traz novo oxigénio à teoria da enunciação,
sustentandoque umenunciadopode revelar diversos pontos de vista. Isto significa que, para
39Traduçãonossa.40RobertVION(2010)definedialogismodaseguinteforma:“Ceprincipereposesurladistinctionentre«l’interactionverbale, [qui] constitue (…) la réalité fondamentalede la langue» [Bakhtine/Volochinov(1929/1977 : 136)], et le dialogisme présenté comme « une théorie de la dialogisation interne dudiscours» [Authier-Revuz (1984 : 100)]. L’interaction renvoie audialogue “externe” entre acteurs alorsque le dialogisme réfère aux dialogues avec des discours antérieurs (dialogisme interdiscursif) et àl’anticipation,parl’acteur,del’interprétationdesaproduction(dialogismeinterlocutif).»
41
além dasmarcas do sujeito locutor, o enunciado pode veicularmarcas de outras vozes, pode
mostrarapresençadeoutrasenunciaçõesedeoutrosdiscursos.
Moeschler(1994:323)referequeDucrotnãoseinspiroudiretamenteemBakhtine41,mas
que“BakhtineetDucrotœuvrentdanslemêmebut,mettreendoutel’unicitédusujetparlant”42.
Aliás, Ducrot baseou-semuitomais nas teses de Charles Bally, que já na década de 30, havia
afloradoestasquestões.
Assim,nasua teoriapolifónica,O.Ducrotprocuraderrogaropostuladodaunicidadedo
sujeitofalante,jáqueumenunciadoéolugarondeemergemmúltiplasentidades,comolocutor
e enunciador(es). Nesta perspetiva, podemos assumir que num mesmo enunciado se pode
exprimir uma pluralidade de vozes, o que será dizer uma ‘polifonia’. Haverá, nestemomento,
necessidadedeesclarecerdois conceitosque, segundoDucrot, sãodistintos:ode locutorede
enunciador.
EnquantoBenvenistesalientaqueo‘locutor’éum(eumsó)sujeitoquefalaeque,aousar
da palavra, exibe a sua subjetividade através de marcas linguísticas específicas, Ducrot
apresentaumsujeitofalantedesdobradoemdiferentesentidades.Háumsujeitofalantereal,o
autor empírico do enunciado, que a Ducrot não interessa minimamente; pelo contrário, a
atenção do linguista centra-se nos seres discursivos. Por um lado, o ‘locutor’,queé sempre
único,éoresponsávelpelaproduçãodoenunciado.Estaentidadeédiferentedoautorempírico,
ou seja, do sujeito falante, pois é uma ficção discursiva (embora no discurso oral e na
autobiografia possam coincidir). As marcas de primeira pessoa que surgem no enunciado
remetemprecisamenteparaestaentidade.
Por sua vez, os ‘enunciadores’ são outras figuras discursivas que exprimem pontos de
vista,eventualmentediferentes,equeseexpressamatravésdolocutor.Assim,umenunciadoé
sempredaresponsabilidadedeumlocutor,masestemesmolocutorpodeapresentardiferentes
pontosdevista (diferentes entre si ediferentesdo seuprópriopontodevista), podeencenar
outrasvozeseoutrasperspetivasatravésdasuaprópriavoz.SegundoDucrot,osenunciadores
só são identificados na enunciação de um locutor, que partilha ou não a perspetiva dos
enunciadores. Estes enunciadores são responsáveis pelos pontos de vista. O enunciado
representaoserouosseres,asvozesexpressaspelo(s)enunciador(es).Partilhamos,então,com
Vion (2005:37)a ideiadeque “Si lanotiond’énonciateur reposesur celledepointdevue, le
locuteur ne pourra pas produire um énoncé sans exprimer un point de vue. Il sera alors
simultanémentlocuteureténonciateurdepointsdevue”.Observemosoexemplo:
41Bakhtineprefereoestudodetextosliteráriosqueconsideraseroespaçoprivilegiadoparaodialogismo.42Osujeitoeraconsiderado,atéaí,oresponsávelpelaenunciaçãoedesignadopelasmarcasdeprimeirapessoa(apessoal).
42
(32) OJoãonãoérico;émilionário.
Seriaestranhoquequalquerfalanteproduzisseumenunciadodestetiposemque,antes,
ninguémtivessedito:“OJoãoérico.”Defacto,em(32),olocutorapresentadoisenunciadores,
cadaumdelesexibindoumpontodevistadistinto:umenunciadorE1afirmaqueoJoãoéricoe
umenunciadorE2rejeitaenegaessaasserção,corrigindo-aeafirmandoqueoJoãoémilionário.
Esta estrutura negativa é claramente polifónica, uma vez que o locutor encena um pequeno
drama e dá voz a duas personagens distintas, sendo que se identifica com uma delas, o
enunciadorE2.
Sabemosqueolocutoréaentidadequepodeutilizarosdeíticosdeprimeirapessoa43,mas
também é aquele que os pode apagar, recorrendo ao processo de ‘apagamento enunciativo’.
Porém,mesmonestescasosdeapagamentoenunciativo,Vion(2005:36-37)consideraque“le
locuteur demeure présent dans un énoncé qui, ne pouvant simplement décrire ou rapporter,
exprimesonpointdevueetdoncsaprésenceentantqu’énonciateur”.
Na verdade, o locutor, que é sempre um enunciador, está sempre presente no seu
enunciado. E essa presença de um locutor-enunciador (primário) ou de um locutor e mais
enunciadores(segundos,comoointerlocutor,umterceiroouadoxa)44éumfenómenoevidente
nosdiscursos.
Ducrotampliouassimalinguísticaenunciativabenvenistiana;apartirdosseusinúmeros
trabalhosnestaárea,abriu-seaanáliseàsmúltiplasvozes(ejánãoapenasàvozdeumsujeito
singular)queatravessamosenunciados.
Ducrottemvindoadesenvolverassuastesessobrepolifoniaemdiversostrabalhos,oque
dificulta o acesso a ummodelo consistente; sob outro ângulo, tambémé pertinente afirmar a
dificuldadequeexisteemdefinir,deformarigorosa,oconceitodepontodevista,poisestenem
sempreseexpressadeformadiretaeevidenteenãocorrespondenecessariamenteàpresença
deumdiscursoalheioaodolocutor-enunciador.Noentanto,eapesardestesobstáculos,assuas
propostasconstituemumaextensãodatesedasubjetividadenalinguagemeavançamparaum
quadroteóricoaquepodemoschamardeheterogeneidadeenunciativa.Ducrotassume,assim,
queapresençadolocutornoseuenunciadonãoselimitaàsmarcasdesubjetividadeassociadas
ao aparelho formal de enunciação esquematizado por Benveniste. Categorias como ponto de
vista,locutoreenunciadorvêmampliaranoçãotradicionalqueserestringiaaocentrodeítico.A
multiplicidadede seres teóricos, como locutore enunciadores,possibilitamaDucrot a análise
polifónica de diversos fenómenos linguísticos e discursivos que evidenciam o cruzamento de
43Aformamaisexplícitadamanifestaçãodopontodevistadoautoréatravésdospronomesdeprimeirapessoadesingular.44SegmentoinspiradoemAlainRabatel&AndréeChauvin-Vileno(2006:19).
43
vozes dessas entidades. As estruturas de negação, as interronegativas, a ironia, alguns
conectoreseorelatododiscurso45constituemalgumasdessasmarcasdepolifonia.
Falta apenasexplicitarqueas tesesdeDucrotvisam, sobretudo, evidenciaroarcabouço
argumentativo existente em (quase) todos os nossos discursos. Segundo o autor, o uso que
fazemos da linguagem é essencialmente argumentativo, o que significa que pretendemos,
atravésdosenunciadosproduzidos,atingirdeterminadasconclusões.Asestratégiaspolifónicas
constitueminstrumentosqueestão,precisamente,aoserviçodessaforçaargumentativa.
JáAdam(2008:117-120)estabeleceestruturasderesponsabilidadeenunciativaque,como
refere, vêm alargar o “aparelho formal de enunciação” de Benveniste. São elas i) os deíticos
pessoais, espaciais e temporais; ii) as modalidades; iii) as diferentes formas de relato do
discurso; iv)marcadoresdemediação,como“segundo”,verbos“dicendi”,reformulações,entre
outros;ev)“fenómenosdemodalidadeautonímica”,comoasaspas,o itálico,expressõescomo
“comosediz”e“melhordizendo”,queindiciamalteridade.
Kjersti Fløttum, que integra o grupo escandinavo ScaPoLine46(acrónimo originado a
partir dos lexemas: théorie SCAndinave de la POlyphonie LINguistiquE), tem feito inúmeros
estudos sobre polifonia, onde tem trabalhado as sequências textuais, algunsmodalizadores e
conectores,eanegação.
Dada a impossibilidade efetiva de estudar – e aplicar ao nosso corpus – todos estes
fenómenos, elegemos os seguintes marcadores polifónicos: a negação, a ironia, os “îlots
textuels”47, alguns conectores e a modalização. Deles faremos, de seguida, uma breve
apresentação.
3.2.1.NEGAÇÃO
Noqueserefereà ‘negação’,dos três tiposapontadosporDucrot48–negaçãodescritiva,
negaçãopolémicaenegaçãometalinguística–apenasdetacaremosasduasúltimas,porseremas
maisprodutivasnoquerespeitaàanálisepolifónica.
Comopodemosdistinguirestesconceitos?Enquantoa‘negaçãodescritiva’nãoapresenta
qualquer cariz conflitual ou opositivo relativamente a um enunciado anterior, os outros dois
envolvemumtraçocontestatáriooudubitativo,istoé,pretendemcontrariarumoutrodiscurso,
umoutropontodevistae,porisso,têmumcaráterpolifónico.
45O relato do discurso não será tratado nesta dissertação por não nos parecer relevante na análiseenunciativadassequênciastextuaisexplicativaeargumentativa.46OgrupoScaPoLinetemestudadofenómenoslinguísticosrelacionadoscompolifoniaeinterpretação.47Pordificuldadesdetradução,optamospormanteraexpressãoemfrancês.48ApudMoeschler&Reboul(1994:327-328).
44
A ‘negação metalinguística’ carateriza-se pelo facto de vir contradizer e anular
explicitamenteoenunciadoafirmativoprecedenteecorrespondente.Assim,em:
(33) Pierrenãoéinteligente,égenial.49
o enunciado afirmativo ‘Pierre é inteligente’ é anulado pela negação. Mas, para além desta
anulação, a negação metalinguística adiciona explicitamente ‘é genial’, que vem agir
inversamente ao efeito da negação, criando um efeito positivo ampliado. Isto pode ser
interessantenumaanálisepolifónica,numaperspetivadialógicadaargumentação.
Anegaçãometalinguística “contredit les termesmêmesd'uneparole effective à laquelle
elles'oppose”(Ducrot,1984:217)50.Eparaalémdeseoporaumdiscursoprecedente,estetipo
denegaçãopretendeumdedoisobjetivospossíveis:
a) Outerumefeitodemajoração,admitindoumgrausuperioraodapalavranegada
(veja-seoexemplo(33))
b) Ouanularospressupostosdoenunciadoanterior(veja-seoexemplo(34)).
(34) Pierrenãodeixoudefumar;comefeito,elenuncafumounavida.
A‘negaçãopolémica’,porseulado,distingue-sedaanteriorporqueoenunciadoafirmativo
nãoéefetivamentepronunciado.Poroutrolado,estetipodenegaçãomantémospressupostos
do enunciado anterior e tem um efeito de abaixamento, permitindo uma diminuição de grau.
Consideremososeguinteexemplo.
(35) Pierrenãoéalto.
Nesteexemplonãoháaretificação,explícita,deumenunciadoprecedente.Noentanto,e
aindaassim,épossívelvislumbraraquidoispontosdevista:umqueafirmaqueohomemem
causaéaltoeumoutropontodevistaqueafirmaooposto.Temos,portanto,doisenunciadores
e um locutor que revela uma certa posição face a esses dois pontos de vista: ele recusa o
primeiroeadereaosegundo.
Por conseguinte, a análise de Ducrot configura-se polifónica, pois através do enunciado
(35) o locutor dá lugar a dois enunciadores, oumelhor, dois pontos de vista (PdV). Vejamos,
esquematicamente,aideiasubajecente:
(35’)PdV1 “Pierre é alto.” – o locutor não é responsável por este ponto de vista, do qual se
distancia.
49Tradução nossa do exemplo de Moeschler & Reboul (1994: 327): “Pierre n’est pas intelligent, il estgénial”.50CitadoporMoescheler(1992:16).
45
(35’’)PdV2“Pierrenãoéalto”–olocutoridentifica-secomestepontodevista,querefutaopdv1
queconsiderainjustificado.
Esta negação dá-nos a instrução de que há dois PdV que se opõem e que o locutor é
responsávelpeloPdV2,havendoassimrefutaçãodoPdV1doqualnãoéresponsável.Poroutro
lado,aoassumiroenunciadonegativo,olocutornãoestáaanulareacontradizeroenunciado
afirmativoanterior,comoocorriananegaçãometalinguística;pelocontrário,eleindicaapenasa
existência de uma propriedade (ser alto) num grau inferior àquele que outro enunciador
eventualmenteavançaria.
TambémFløttum,emdiversostrabalhos,defendequeaestruturadenegaçãosintática“ne
... pas”, equivalente a “não + verbo flexionado” em Português, é recorrente em enunciados
polifónicos.
Oestudodocaráterpolifónicodanegaçãopermitir-nos-áanalisardequeformaosalunos
seservem(ounão)destaestratégiaparaaconstruçãodeumaargumentação(e,eventualmente,
deumaexplicação)eparaagestãodediferentespontosdevista.
3.2.2.IRONIA
Se atendermos, agora, à análise polifónica da ‘ironia’, verificamos que Ducrot51não
considera a ironia “une antiphrasequi consisterait à direApour faire comprendrenon-A” (in
Moeschler & Reboul, 1994: 329). A ironia consiste numa retoma de um discurso (real ou
potencial)deoutroenunciador.Polifonicamente,aoproduzirumenunciadoirónico,umlocutor
dálugaraumpontodevistadoqualsedistancia;sendooresponsávelpelaenunciação,jánãoo
épelopontodevista.
Teremos de distinguir a ‘ironia’ da ‘negação polémica’, no que se refere ao número de
enunciadores ou pontos de vista que estão em causa, segundo Ducrot. Na ‘ironia’, estamos
apenasperanteumenunciadoroupontodevistaqueapresentaumaperspetivaabsurda (nas
circunstâncias em causa) e não duas, como no caso da ‘negação polémica’. A distanciação do
locutor relativamente ao ponto de vista do enunciado irónico pode ser marcada através da
entoaçãoeda incongruênciaqueseestabeleceentreoconteúdodoenunciadoeasituaçãode
comunicação.Vejamoso exemplo seguinte (36), retiradodasprimeiras linhasdoMemorialdo
ConventodeJoséSaramago,ondesecriticaocasalrealporfaltadedescendência,pois,emdois
anos,D.MariaAnaJosefaaindanãotinhaconseguidoengravidar.Acorteeopovomurmuravam
sobreestainfertilidade.
51OstrabalhosdeDucrotsobreaironiabaseiam-seemSperbereWilson(1978)eBerrendonner(1981)(inMoeschler&Reboul,1994:329).
46
(36) Quecaibaaculpaaorei,nempensar,primeiroporqueaesterilidadenãoémaldos
homens,dasmulheressim,porissosãorepudiadastantasvezes,esegundo,material
prova,senecessáriaelafosse,porqueabundamnoreinobastardosdarealsemente
eaindaagoraaprocissãovainapraça.
Todo o enunciado é irónico e constitui um eco de outro enunciador do qual o atual se
distancia:onarradoraquievocaodiscursopopulareoquesepensa(va)sobrea infertilidade
masculina e a virilidade (sempre sem problemas) do rei (dos homens) e desvincula-se dessa
ideia,criticando-a.
Para usar a ironia, o locutor espera a colaboração do interlocutor, pois este tem de ser
capazdedescodificá-la;porisso,elasóéapreensíveltendoemcontaocotextoeocontextode
comunicação.
3.2.3.“ÎLOTSTEXTUELS”
FoiJacquelineAuthier-Revuz(1978)quemapelidouestesfragmentostextuaisdelimitados
por aspasde ‘îlots textuels’. Frequentemente, o relatododiscurso, propostoporDucrot como
umfenómenopolifónico,recorretambémaousodeaspas(porvezesatéparamarcaradistância
do locutor). Todavia, há alguns traços que permitem distinguir os ‘îlots textuels’ deste
fenómeno: estes aparecem sempre entre aspas, podem reduzir-se a uma só palavra e,
relativamente a eles, o locutor coloca-se sempre à distância, atribuindo a outrem a
responsabilidadedarespetivaenunciação.Nãosetratadedar,explicitamente,apalavraaoutro
enunciador,massimdesedemarcardeumoutropontodevista,oquemostra,umavezmais,a
heterogeneidadeenunciativadosdiscursos.
CharaudeaueMaingueneau(2002,190-194)apresentam-no-loscomo“discoursallusion”,
eafirmamasuaproximidadedodiscursodireto,emboraoscaracterizempelaausênciadeverbo
introdutorepelaformasintáticaincompletaqueobrigaàsuafusãocomodiscursodolocutor.
Consideremos, pois, estes ‘îlots textuels’, bem como outros segmentos demarcados por
sinaistipográficosdenunciadoresdapresençadeoutrasvozesedeoutrospontosdevistacomo
marcaspolifónicas.
Consideremosoexemploseguinte:
(37) OPaulpartiucomoseugrande“amor”.52
52Traduçãonossade“Paulestpartiavecsongrand“amour””,exemplodeFLØTTUM(2001).
47
NesteexemplodeFløttum,onome“amor”enteaspasevidenciaumafastamento,umanão-
responsabilidade (“non-responsabilité”) do locutor que não se identifica com esse ponto de
vista.
Segundo Cunha (1999), os fragmentos textuais delimitados por estes sinais podem
configurar i) distanciamento do locutor, ii) não subscrição do ponto de vista expresso pelo
fragmentoentre aspas, iii)palavras “deslocadas”nodiscurso, tornando-oheterogéneo, iv)um
neologismoouv)umempréstimo,sendoumtermoquenãopertenceaousocorrentedalíngua
ouvi)umainadequaçãorelativaàlínguapadrão.
De todasestaspossibilidades, as trêsprimeiras sãoasquenos interessam.As aspas, ou
outro sinal equivalente, possibilitam, assim, a marcação de uma posição diferente da do
enunciador-locutor.
Autilizaçãodos“îlots”podedesignar, igualmente,orecursoàvoxpopuli,segundoCunha
(1999),emqueumindivíduoseapropriadavozdosensocomum(povo)noseudiscurso,por
exemploatravésdeprovérbios.Asaspaspoderãoigualmentedardestaqueaumaexpressãoou
enunciado num discurso, como nas citações, que podem apresentar-se como argumentos de
autoridade ou, simplesmente, como forma de o enunciador-locutor se demarcar do autor da
citação.
Em síntese, na perspetiva de Cunha (1999: 48), as aspas “duplicam o dizer (…), uma
separação entre discurso próprio e de outrem, uma retomada, uma reserva ou rejeição, uma
lacunaquedeveserpreenchidapelointerlocutor.Enfimumaopacificaçãodotermoquesolicita
umtrabalhointerpretativo.”
Ora, sabemos que a polifonia requer, dos enunciados mais opacos, um exercício
interpretativodeidentificaçãodospontosdevista.
3.2.4.CONECTORES
Os‘conectores’ajudamaestruturarodiscursocriandocoesão.Poroutrolado, interessa-
nossalientaraquioutropontoquedizrespeitoàsuavalênciacomomarcadorespolifónicos.
Existem muitos conectores que constituem marcas explícitas de tomada de
responsabilidade enunciativa: ‘Segundo x’ ou ‘de acordo com y’ constituem, nas palavras de
Coutinho (2008), exemplos dos chamados introdutores de universo de discurso. Trata-se de
expressões que introduzem uma outra voz, um outro ponto de vista e que, nesse sentido,
condicionamavalidadedoenunciado(oudepartedele).Todavia,hámuitosoutrosconectores
que, de formamais subtil emenos evidente, servempara articular – emarcar – ospontosde
vistadeenunciadoresdistintos.
48
Atentemosnoexemploseguinte:
(38) Estacasaéótima,mascara.
Segundo uma leitura polifónica, o enunciado (38) encena um pequeno drama com dois
enunciadoresdistintos:umE1queexpõeumpontodevistaA[estacasaéótima],oqueserviria
como argumento para chegar à conclusão C [vou comprá-la]; no entanto, ao usar o conector
‘mas’,olocutorcolocaemcenaumoutroenunciador,E2,quedefendeumoutropontodevista,B
[a casa é cara], argumentoquepermitiria obter a conclusão~C [nãovou comprá-la]. Por fim,
cumpredizerqueo locutorse identificacomE2,namedidaemqueosegundoargumentotem
maiorpesonasuaargumentação.
Os conectores contribuem, pois, para a determinação da orientação argumentativa e do
ponto de vista, evidenciando ummaior oumenor grau de responsabilidade do locutor e são,
portanto,marcadoresdeestratégiasenunciativas.
MuitosdostrabalhosdeDucrottêmevidenciadoestapotencialidadedosconectorescomo
marcadoresdeheterogeneidadeenunciativa.Elessãoescolhidospelolocutorefuncionamcomo
instruçõesquepermitemao interpretante compreenderquehádiferentespontosde vista em
jogo.
Algunsdestesconectores,comoporexemplo, ‘todavia’, ‘noentanto’, ‘sebemque’, ‘mas’e
outros sinalizam a existência de enunciadores que detêm pontos de vista opostos; em
contrapartida,algunsoutrosenvolvemdoispontosdevistadistintos,convergentesaté,embora
o primeiro seja sentido como insuficiente e o segundo constitua um ponto de vista a que
poderíamoschamarreformulador:‘poroutraspalavras’,‘oumelhor’,‘ouantes’,‘istoé’,‘ouseja’
emuitosoutros.
ApósostrabalhosdeDucrot,Adam(2008)apresentatambémumaclassificaçãogeralde
conectores,querelacionacomdoisdosníveisdoseuesquemarelativoaosníveisouplanosda
análisedediscurso(cf.Quadro6):
• Comonível4(N4)-(Textura:proposiçõesenunciadaseperíodos)
• Comonível7(N7)-(Enunciação:responsabilidadeenunciativaecoesãopolifónica).
Assim,oautorpropõetrêsclasses:
i) conectores argumentativos (dependentes de N4, N7 e da orientação argumentativa
[N8]);
ii) organizadoresemarcadorestextuais(dependentesdeN4);
iii) marcadoresderesponsabilidadeenunciativa(dependentesdeN7).
Consideremososgruposi)eiii)queserelacionamcomoplanodeanáliseenunciação(N7).
49
Na categoria i), Adam inclui os concessivos, tais como ‘mas’, ‘no entanto’, ‘embora’; os
explicativos/justificativos,como‘pois’, ‘porque’;eosmarcadoresdeargumento,como‘alémdo
mais’,‘nãoapenas’.
Noâmbitodosmarcadoresderesponsabilidadeenunciativa(grupoiii),Adam(2008:187-
188)incluiosmarcadoresdemediaçãoou“fontedesaber”,como‘segundo’,‘deacordocom’;os
marcadoresdereformulação,como‘istoé’;eosconclusivos,como‘enfim’,‘emconclusão’.
Comosepodeconstatar,osconectoresargumentativosederesponsabilidadeenunciativa
têm, ambos, valor polifónico, já que permitem identificar várias vozes. Adam (idem: 194)
salienta que “Um conector indica um ponto de vista enunciativo (PdV) e o grau de
responsabilidadeenunciativa,pelolocutor(L),dosenunciadoresatribuídosdiretamenteounão,
aosenunciadores(E1,E2)”.
Observemos,atítulodeexemplo,ocasodoconector‘jáque’em:
(39) Jáqueestáachover,fiquemosemcasa.
O conector ‘já que’ sinaliza a entrada em cena de umEnunciador responsável por um
enunciado “está a chover” que o locutor não apresenta como seu. Ou seja, o locutor de (39)
baseiaasuaproposta“fiquemosemcasa”sobreumfactoqueeleatribuiaoutrem.
SegundoFløttum (in “Liens énonciatifs: tentatived’unenouvelle typologie”), os laçosde
responsabilidadeenunciativarevelamaspetosinteressantesnaanálisepolifónica,bemcomona
coerênciapolifónicadeumdiscurso.
Assim, podemos configurar esta estrutura na construção esquemática pCq, sendo C o
conectorqueindica,normalmente,arelaçãoqueseestabeleceentreossegmentospeq,edeque
olocutoréresponsável.
(40) Estáachover,masvoucorrer⇒pmasq(pCq)
(39’)Jáqueestáachover,fiquemosemcasa.⇒jáquep,q(Cp,q)
Em(39’),oconector‘jáque’(C)mostraqueolocutoréresponsávelpor(q)enãopor(p)e
tambémmarcauma‘reinterpretação’emrelaçãode(p).
Os trabalhos de Fløttum mostram que conectores como “mas” têm a capacidade de
delimitarumarelaçãoquepodeserumargumentoouumcontra-argumento.
Antesdefinalizarmos,queríamosassinalarareferênciaqueVion(2007)fazaos“leurres”
argumentativos, isto é, aos artifícios linguísticos que o falante utiliza para mostrar “ares” de
discursoargumentativo.Pornão ter argumentos convincentes, recorrede formasistemáticaa
50
conectores que pretendem evidenciar uma orientação argumentativa e dialógica, sem
apresentarproposiçõesqueconstituamosseusargumentos.
Adam (2008) salienta que o uso dos conectores varia de acordo com as sequências
textuaiseosgénerosdodiscurso.
3.2.5.MODALIZAÇÃO
Amodalizaçãopermiteintroduzir,noenunciado,maisumacomponentedesubjetividade.
Este conceito designa a atitude do sujeito falante relativamente ao seu enunciado ou ao seu
interlocutor. Essas diferentes atitudes do locutor, face ao conteúdo proposicional do seu
enunciadooufaceaoseuinterlocutor,traduzem-senumconjuntodeestratégiaslinguísticasque
evidenciam, a presença desse locutor. Alguns autores distinguem precisamente os termos
‘modalização’e‘modalidade’,afetandooprimeiroaoprocessodeinscriçãodeumdeterminado
ponto de vista numenunciado e reservando o termo ‘modalidade’ para referir asmarcas que
concretizamesseprocesso.
Consideremososseguintesenunciados:
(41) TalvezelecheguehojeaCoimbra.
(42) Devesirvisitá-la.
Nos dois exemplos anteriores, é visível a presença de um sujeito locutor que semostra
atravésdemarcasdistintas.Em(41),eatravésdoadvérbio‘talvez’,olocutorexibeoseugraude
certezarelativamenteaoconteúdodoquediz;em(42),o locutorexpressaumjuízo,subjetivo,
acercadoqueoseuinterlocutor‘deve’fazer.
A atitude do sujeito falante pode remeter para valores de certeza, probabilidade ou
possibilidade (‘modalidade epistémica’), para valores de obrigação, proibição ou permissão
(‘modalidadedeôntica’)eaindaparajuízosdevalorsubjetivo(modalidadeapreciativa53).
Namedidaemqueéevidenteainterferênciadopontodevistadofalanteemenunciados
com modalidade apreciativa, não vamos fazer uma apresentação teórica deste tipo de
modalidade,evamosselecionarapenasasoutrasduassubcategorias:aepistémicaeadeôntica.
A‘modalidadeepistémica’marca“ograudecomprometimentodofalanterelativamenteà
verdadedoquediz” (Lopes&Rio-Torto, 2007: 60).O falante poderá assumir uma atitudede
total compromissocomoconteúdoproposicionaldo seuenunciado, expressandoumvalorde
certeza. Nesta situação, a frase declarativa, afirmativa ou negativa, é privilegiada
prototipicamente(43).
53Amodalidadeapreciativaestáfortementerelacionadacomosatosilocutóriosexpressivos.
51
(43) Estáachover.
Podemosparafrasearesta frase(43)atravésdaformulação:“Éverdade/certoqueestáa
chover”.
Amodalidadeepistémicaestáintimamenterelacionadacomosatosilocutóriosassertivos,
queasseremovalordeverdadedaproposição,jáqueasituaçãoexpressaseapresentacomoum
facto,segundoLopes(2006:14).
Noentanto,nemsempreépossívelaolocutorassumiroconteúdoproposicionaldafrase
queenuncia,pornãodisporde informaçãosuficiente.Assim,oseugraudecomprometimento
serámenorecorresponderáavaloresepistémicosdeprobabilidadeoupossibilidade.
(44) Deveestarachover.
(45) Podeestarachover.
Ao recorrer a marcadores modais como ‘dever’ e ‘poder’, o falante evidencia que não
possuiconhecimentosparavalidarapredicação.Em(44)olocutorassumeumaatitudedenão
certeza, apontando a situação como ‘provável’, partindo de uma inferência ancorada no seu
conhecimento prévio, por exemplo depois de ter consultado a meteorologia. O valor modal
epistémicodeprobabilidadeéaquiveiculadopeloverbomodal‘dever’.Jáem(45),ovalormodal
epistémico expresso é de possibilidade. O falante formula uma hipótese, não assumindo
“qualquer compromisso em relação à verdade do que diz”54. Linguisticamente, o verbomodal
‘poder’marcaestapossibilidade/hipótese.
Paramarcaramodalidadeepistémica,existemdiversosoperadoreslinguísticos.Jáforam
enunciados i) os verbos modais ‘poder’ e ‘dever’, mas dispomos também de ii) expressões
adverbiais, como ‘certamente’, ‘provavelmente’, ‘possivelmente’, ‘talvez’, entre outras; iii) de
construçõescomosadjetivos ‘possível’e ‘provável’,como ‘épossívelque’, ‘éprovávelque’; iv)
de tempos verbais, como o futuro do indicativo que veicula frequentemente um valor de
incerteza; v) o recurso a um verbo com sentidomodal na oração principal, tal como ‘saber’,
‘crer’55,expressadiferentesgrausdecertezadofalanteemrelaçãoaoquediz.
No que se refere à ‘modalidade deôntica’, esta veicula valores modais que exprimem
obrigação, proibição e permissão. Desta forma, através do conteúdo proposicional, o locutor
“pode agir sobre o interlocutor, asserindo como obrigatória ou permitida uma determinada
forma de conduta (...). A inscrição de um valor deôntico no discurso corresponde sempre ao
exercíciodeumaautoridadeintimativa,pessoalouinstitucional”56.
54inLopes&Rio-Torto(2007:61).55Exemplo:Creioquevaichover.56InLopes&Rio-Torto(2007:62).
52
(46) Acabaestatarefa!
(47) Deveslermais.
(48) Podessair.
Osdoisprimeirosexemplosatestamumvalordeobrigatoriedade,poisofalanteexigeao
seuinterlocutorquerealizeumaação.Paraissousaoperadoreslinguísticos,taiscomoomodo
imperativoem(46),overbomodal‘dever’(quepodesersubstituídopor‘terde’)em(47).Jáo
enunciado (48) veicula um valor de permissão marcado pelo verbo modal ‘poder’, que dá a
possibilidadeaointerlocutordeescolherumaçãofutura.Verboscomo‘permitir’,‘precisar(de)’,
e expressões impessoais de valor modal (deôntico) como ‘é forçoso que’ são igualmente
operadoresqueexpressamvaloresdeônticos.
Amodalidadedeônticaestáintrinsecamenterelacionadacomosatosilocutóriosdiretivos,
diretos ou indiretos, por apresentar situações obrigatórias, interditas ou permitidas e por
envolvero locutoreo alvodo juízodevalordeônticonuma relaçãoassimétrica, assumindoo
locutorumpapelde“autoridadeecontrolosobreoseualvo”57.Édereferirqueoalvopodenão
sero interlocutor,poderáserumaterceiraentidadequeparticipadaaçãorepresentada,como
“osalunos”em(49).
(49) Osalunostêmdefazerainscriçãonoprazodetrêsdias.
Devemossalientarqueháenunciadosqueapresentamambiguidade,podendomanifestar
um valor epistémico e um valor deôntico. Só com mais informação contextual será possível
anularaambiguidadedafrase.
Vejamosoexemploseguinteeasinterpretaçõespossíveis.
(50) Osalunospodemconsultarasprovasdeexame.
Propomosduasinterpretaçõespara(50):
(50’)Épossívelqueosalunosconsultemasprovasdeexame.
(50’’)Épermitidoqueosalunosconsultemasprovasdeexame.
Dequemodopodemosarticular,então,apresençademarcadoresmodais–e,portanto,de
modalização–comaquestãodapolifonia?
Segundo Vion (2005), a modalização constitui um fenómeno de dupla enunciação, na
medida em que há um enunciador que comenta outro enunciador, sendo que as duas
enunciaçõesestãoacargodeumsólocutor.Atentemosnoexemplosubsequente:
57Ibidem,p.63.
53
(51) OPedrovirácertamentequinta-feira.
Neste exemplo, inspirado em Vion, o uso do advérbio ‘certamente’ mostra um sujeito
distanciado do seu enunciado, isto é, um sujeito que diz ‘O Pedro virá quinta-feira’ e que em
simultâneo se desdobra noutro sujeito que se distancia do dito e que produz um comentário
reflexivosobreessedito,mostrandoassuasdúvidas(marcadordemodalidadeepistémica).
Oenunciadoseguinte,ilustrativodamodalidadedeôntica,tambémencenaodiálogoentre
doisenunciadores:
(52) TutensdeajudaroPedro.
Em(52),háumlocutorquedávozaumdiscursoalheio,aohipotéticoourealdiscursodo
‘tu’ (que afirma não ajudar o Pedro), e há um segundo enunciador, que se identifica com o
locutor,aafirmaraobrigatoriedadedesseauxílio.
Amodalizaçãoconstitui,assim,umaformaaqueolocutorpoderecorrer,permitindo-lhea
coexistência de pontos de vista. Segundo Vion (2005: 43), “L’apparition d’unmodalisateur au
sein d’un énoncé provoque une opacification du sens de l’énoncé en raison, notamment, du
dédoublementénonciatifqueprovoquelaproductiond’uncommentaireréflexifsurceténoncé”.
Paraconcluir,devemosdestacarquequalquersubcategoriadamodalidadeédenatureza
escalar, por exemplo pode havermaior oumenor grau de certeza. Acrescentamos, ainda, que
segundoVion (2007) algunsusosdemodalizadorespodemquererdenunciarumaancoragem
dialógica,como“Écertoque”,“efetivamente”,mastambémpodemfuncionarcomoumengano,
umartifícioargumentativo.
Finalizadasasquestõesteóricasdebasequenosorientamnarespostaànossahipótese,
nocapítuloseguintepassaremosaotrabalhoempírico.
54
CAPÍTULOII–METODOLOGIAECORPUS
1.PROCESSODERECOLHADOCORPUS
Ahipótesedeumaleituraenunciativadassequênciastextuaisexplicativaeargumentativa,
através de uma análise da distribuição da dêixis e da polifonia, determinou a elaboração das
questõesqueiriamconstituironossocorpus.
A nossa questão de partida – poderíamos distinguir uma sequência explicativa de uma
sequência argumentativa através de uma análise enunciativa – foi testada a partir de dois
exercíciosdeescritasolicitadosaalunosdo12.ºanonadisciplinadePortuguês.
Paraasequênciatextualexplicativa,desencadeamososeguinteexercício,atravésdeuma
“questãodeaula”58realizadanaauladePortuguês.
Questãodeaula–12.ºano
1.Atentanasfrasesseguintes:
a) Elatemaceitadotodososconvites.b) Oconvitefoiaceiteportodos.
Explicaporquerazãoocorreavariaçãodoparticípiopassado,aceitadoeaceite,doverboaceitar.
Arecolhaocorreunofinaldo3.ºperíodode2014/2015.
Relativamente à sequência textual argumentativa, recolhida na segunda metade do 2.º
período,domesmoano,propusemosatarefaqueaseguirsetranscreve.
ProduçãotextualNumtextobemestruturado,comummínimodecentoetrintaeummáximodecentoe
oitentapalavras,apresentaumasequênciaargumentativaemquedefendasourefutesa
seguinteafirmação:Opodercorrompe.
Devemos informar que toda a recolha do corpus decorreu em colaboração com a
professora titular da turma e procurámos que as tarefas se integrassem naturalmente nas
sequências de aprendizagem que constituem o currículo da disciplina. Também foi nossa
preocupaçãoqueaaplicaçãonãocriasse“ruído”notrabalhospedagógicosdecumprimentodo
programaedepreparaçãoparaoexamenacional,bemcomoquenãohouvesseperturbaçãonos
alunos-informanteseassimpoderíamosobterrespostasomaisfidedignaspossíveis.Porisso,as
temáticasselecionadas foramnegociadascomaprofessorada turma,consideradooprograma
curricular.Paraasequênciatextualexplicativa,urgia,emfinaldeanoletivo,umarevisãodeste
conteúdogramatical (osverbosabundanteseverbosauxiliares).Noqueconcerneàsequência
58Pequenoexercíciodeavaliaçãoformativaindividualsolicitadoemaula,comcurtaduraçãotemporal.
55
argumentativa, optámos por um texto com dominante argumentativa, onde as sequências
textuaisargumentativaspredominam,comumtemaquefizessepartedoquotidianodosalunos.
Por essa altura, o tema da corrupção constituía matéria primeira em telejornais e imprensa
nacional e internacional, o que implicaria por parte dos nosso informantes uma tomada de
posiçãoepropiciariarespostasmaisprodutivas.
Reunimos 28 sequências textuais explicativas e 27 textos predominantemente
argumentativos, tendo sido excluída 1 sequência explicativa, ficando com 27, de forma a que
fossemosmesmosinformantesaproduzirasduastarefassolicitadas.
No que diz respeito ao conhecimento dos informantes sobre os conteúdos objeto da
presente dissertação, as sequências textuais explicativas e argumentativas, a dêixis e os
fenómenosemanálisepolifónica(ondeincluímos(i) anegação;ii)conectores;iii)modalidade
epistémica e deôntica; iv) “ilôts textuels” e iv) perguntas retóricas), devemos salientar que as
sequências textuais emestudo constituemmatériapedagógicaao longodoensino secundário,
havendo um trabalho mais explícito e incisivo no 11.º ano no que se refere ao texto
argumentativo59. Note-se que a sequência textual explicativa foi sendo reforçada durante os
diversos anos do ensino básico, ampliando-se a informação, os conectores e a sua estrutura.
Veja-se, por exemplo, o que é exigido ao nível de respostas restritas no exame nacional de
Português do 12.º60. É também de apontar que o trabalho efetuado com os alunos com estas
sequênciastextuaiséreforçadoquernaescritaquernaoralidade.
Anegaçãoeosconectoressãoestruturasgramaticaisquetêmsido,igualmente,objetode
atenção nas sequências de ensino aprendizagem, integrados, essencialmente, no estudo de
classesdepalavrasedasintaxe;noentanto,noensinosecundário,é-lhedadaespecialatenção
atravésdasáreasdasemânticaedapragmática61.
Paraamodalidade,os“îlotstextuels”easperguntasretóricas,o11.ºanoéummomento
preponderante na consciencialização da expressão e da capacidade destes fenómenos
linguísticos. Atrevemo-nos a referir que, com o programa ainda em vigor (homologado em
2002),asequênciadeensinoaprendizagemn.º2,ligadaaotextoargumentativo(nomeadamente
atravésda leituradodiscursopolítico edoSermãodeSantoAntónioaosPeixes dePe.António
Vieira,daexpressãoescritadetextosexpositivo-argumentativosetextosdeapreciaçãocrítica),
osalunosacedemdeformaclaraaestascompetências.Nestemesmoâmbito,eentrandononível59Este estudo é frequentemente articulado coma disciplina de Filosofia que trata da argumentaçãonomesmoanodeescolaridade.60“Nositensderespostarestrita,acotaçaoedistribuıdapelosparametrosseguintes:aspetosdeconteudo(C) e de estruturaçãododiscurso e correção linguística (F)”. InCritériosdeClassificação, prova639, 2ªfase2015,p.2.61Noensinobásico,asemânticaeapragmáticanãosãoabandonadas,masestes fenómenos linguísticosnãosãoobjetodeestudoexplícito.
56
dofuncionamentodalíngua,determinadosconteúdos,taiscomoainteraçãodiscursiva(aforça
ilocutória), osprotótipos textuais e amodalidade, entreoutros, já contribuíram, tambémpara
enriquecer a consciência metalinguística dos alunos, quer na área da semântica quer na da
pragmática.
Portanto,aquandodarecolhadocorpus,osnossosinformantespoderãojátertidoacesso
aoconhecimentoexplícitodoselementosemanálise.
2.PERFILDOSINFORMANTES
Os nossos informantes constituem 27 alunos de uma turma do 12.º ano de Ciências e
TecnologiasdeumAgrupamentodazonadoMédio-Tejo.Aescolaaquepertencemestesalunos
localiza-seemmeiourbano,masoconcelhoémaioritariamenterural.
Atendendo à descrição do perfil dos informantes da nossa amostra, os 27 informantes
estãodistribuídosentre9dosexofemininoe18dosexomasculino,comidadescompreendidas
entre os 17 e os 20 anos (a faixa etária dominante é a dos 17-18 anos). A maioria dos
informantesresideemzonaurbana.Noqueserefereaoaproveitamentoescolar,amaiorparte
daturmapareceserhomogénea,comdesempenhosmedianos.
Háumdesviononúmerodeinformantesdosexofeminino(9)edosexomasculino(18);
noentanto,estefatornãopareceserrelevanteparaoestudodanossahipótese.
3.METODOLOGIADOESTUDO
Parao levantamentodosdadosparaanálise,optámospor identificarcadaproduçãodos
nossosinformantescomumasequênciaconstituídaporumaletraeumnúmero.Assim,ostextos
explicativos serão assinalados por E (de Explicativo) e os argumentativos por A (de
Argumentativo). Cada um dos informantes corresponde a um número de 1 a 27, de forma
aleatória. Por conseguinte, ao informante 1 pertencem a sequência explicativa E1 e o texto
predominantemente argumentativoA1;E2 eA2 foramproduzidospelo informante2 e, assim
sucessivamente,atéchegarmosaoinformante27comE27eA27.
O número médio de palavras utilizadas na sequência explicativa é de 45 e nos textos
predominantementeargumentativosédecercade150palavras.
Na análise do corpus, constituído por 27 sequências textuais explicativas e 27 textos
predominantemente argumentativos, no total de 54 textos, começámos por verificar a
57
distribuiçãodadêixispessoal,nomeadamentedeterminantesepronomesde1ªede2ªpessoas,
marcasdeflexãoverbalde1ªe2ªpessoas,dêixistemporaleespacial62.
Aindaobservámosaocorrênciadefenómenoslinguísticosqueidentificassemapolifonia,
tais como a polaridade negativa ([não]+[V]flexão), conectores (contrastivos, de causa-
consequência, explicativos/reformulativos, aditivos, alternativos, de síntese/conclusão),
modalizadores (epistémicos e deônticos), “îlots textuels” e perguntas retóricas. Este
levantamento foi depois quantificado e analisado, o que será tratado no capítulo seguinte, de
formaa respondermosànossapergunta inicial – épossível fazeruma leitura enunciativadas
sequênciastextuaisexplicativaeargumentativa?
62Note-sequeemtodoocorpusnãofoipossívelidentificaraocorrênciadadêixisespacial.
58
CAPÍTULOIII–ANÁLISEDOCORPUS–LEITURAQUANTITATIVAEQUALITATIVA
1.LEITURAQUANTITATIVA
Vamos observar, nesta secção, o comportamento da dêixis e da polifonia na sequência
textualexplicativaenostextospredominantementeargumentativosproduzidospelosnossos27
informantespré-universitários.
Impõe-se,desdejá,referirmosqueosexemplosqueusaremosserãotranscriçõesdanossa
amostra, sem lhes introduzirmos correções de qualquer índole. Sublinharemos o que
pretendemosdestacarnonossoestudo.
Atentemosnadistribuiçãodadêixisnasequênciatextualexplicativa,apartirdaQuadro7.
E12 E17 E19 Totais
Pronomes e determinantesde1ªpessoa
eu 1
Pronomes e determinantesde2ªpessoa
0
Flexãoverbal–marcasde1ªpessoa
utilizamos queremos-2 seipenso-2sabemos
temos
863
Flexãoverbal–marcasde2ªpessoa
0
Dêixistemporal64 0
Quadro7:Distribuiçãodadêixisnasequênciaexplicativa.65
Nestequadro,optámosporindicarapenasosinformantesqueatestarammarcasdadêixis.
Faceaestesdados,procuramosverificarapercentagemdeocorrênciasdadêixisdasequência
textualexplicativananossapopulação.
63Sendo3ocorrênciasde1ªpessoadosingulare5ocorrênciasde1ªpessoadoplural.64OspresentesdoindicativoatestadosnãotêmancoragemnoT0(aquieagora),sãoatemporais.65No Quadro 7, não indicamos a dêixis espacial, pois não foi encontrada nenhuma evidência destatipologia.RelembramosqueE12,E17eE19correspondemàsequênciaexplicativa(E)dosinformantes12,17e19,respetivamente.
59
Figura1:Ocorrênciadadêixisnasequênciaexplicativa.
Observamos,então,que11%(Figura1),istoé,dos27informantes,apenas3(E12,E17e
E19) recorreram à dêixis aquando da produção da sua explicação. Temos, portanto, 89% da
nossaamostraquenãoselecionammarcasdeíticasnestetipodecomposição.
Vejamoscomoéqueestes11%distribuemascategoriasdadêixis.
Figura2:Distribuiçãodastipologiasdadêixis:pessoal,temporaleespacialnasequênciaexplicativa.
NaFigura2,constatamosqueemnenhumdosinformantesatestámosadêixistemporalou
adêixisespacial.Apenasforamidentificadas9ocorrênciasdemarcade1ªpessoa(1marcaem
E12,2emE17e6emE19),oumelhor,os3informantes,E12,E17eE19,aorecorreremàdêixis,
selecionamunicamenteumatipologia,apessoal.
Atentemosnadistribuiçãodadêixispessoalnasequênciaexplicativa.
DêixisPessoal DêixisTemporal DêixisEspacial9 0 0
0
2
4
6
8
10
Nºdeocorrências
11%
89%
ComocorrênciadaDêixisSemocorrênciadaDêixis
60
Figura 3:Dêixis pessoal – distribuição da 1ª pessoa do singular e da 1ª pessoa do plural na sequênciaexplicativa.
DaanálisedosdadosdoFigura3,verificamosqueselocalizam4ocorrênciasda1ªpessoa
dosingulare5de1ªpessoadoplural.OsinformantesE12,E17eE19usama1ªpessoadoplural
eapenasoinformanteE19selecionaa1ªpessoadosingularcom4ocorrências(1pronomee3
marcasdeflexãoverbal)(Quadro7).
Nãoobstante,devemossalientarquequandoseatestaadêixisnumasequênciaexplicativa
ésemprede1ªpessoa(euounós),mastambémseoscilaentreousodadêixispessoaleda3ª
pessoa,oimpessoal(anão-pessoaparaBenveniste),como“utiliza-se”,“nãosepodemusar”e“se
deve” (nos 3 informantes, exemplos (53) e (54)) 66 . O informante E19 seleciona,
preferencialmente,a1ªpessoadosingular, comonoexemplo(54),atestandona totalidadeda
sequência6ocorrênciasdadêixis(4de1ªpessoadosingulare2de1ªpessoadoplural).
(53) Assim, quando está presente o auxiliar “ter”, utiliza-se o particípio na forma regular
(aceitado); quando está presente o auxiliar “ser” ou “estar” utilizamos o particípio na
formairregular(aceite).(E12)67
(54)Eunãoseibemoporquêdestavariaçãomaspensoquesedeveà...(E19)
Da distribuição da dêixis na sequência textual explicativa, podemos observar que a
ocorrêncianão é significativa, pois apenas3 informantes recorreramaousodadêixis do tipo
pessoal.
Consideremos, de seguida, o comportamento da dêixis nos textos predominantemente
argumentativos,tendoemcontaoQuadro8dedistribuiçãodadêixisnestestextos.
66Osublinhado,nosexemplos,seránosso.67À frente de cada exemplo, indicaremos a sua fonte, i. e., a sequência E ou A (explicativa ouargumentativa)eonúmerodoinformante.
Distribuiçãoda1ªpessoadosingular
Distribuiçãoda1ªpessoadoplural
Marcasdeflexãoverbalde1ªpessoa 3 5
Determinantesepronomesde1ªpessoa 1 0
0123456
Nºdeocorrências
Quadro8:Distribuiçãodadêixisemtextospredominantementeargumentativos
A1 A2 A3 A4 A5 A6 A7 A8 A9 A10 A11 A12 A13 A14Pronomesedeterminantesde1ªpessoa
nosso-2nossosnósnos-2(6)
eumimnos(3)
minha(1)
minha(1)
euminha-2nos-4nosnossosnossa(10)
nosso(1)
eunosso(2)
minhanos-5nossa-2nosso-2(10)
nossas(1)
me(1)
minha-2(2)
Pronomesedeterminantesde2ªpessoa
Flexãoverbal–marcasde1ªpessoa
temospodemosaperceber-mosestamos(4)
consideroconcordopensofalo(5)
acho-2somos(3)
temos(1)
estousomos-2sermostornamo-2(6)
defendopensotemosfazemos(4)
podemos-2vemosvivemostemos-2tornamos(7)
ouvirmoscontrolamosinventamos(3)
possosomos(2)
soudefendojulgoachoconcordosomos(6)
Flexãoverbal–marcasde2ªpessoa
queresdá(2)
Dêixistemporal68 18 12 13 11 14+atualmente 9 11 26 14 17 19 17 7 1668Optámospornãofazerolevantamentodetodasasformasverbaisnopresentedoindicativo(ancoradasemT0),porhaverumapresençamassivaetermosfaltadeespaço.Indicamosapenasonúmerototaldeusodepresentesdoindicativoeperifrástico.
(Quadro8:Continuação)
A15 A16 A17 A18 A19 A20 A21 A22 A23 A24 A25 A26 A27 TotaisPronomesedeterminantesde1ªpessoa
nosnossonósnossas(4)
nossa(1)
nósnossos-2(3)
nossa(1)
nós(1)
eu(1)
minha(1)
5069
Pronomesedeterminantesde2ªpessoa
Flexãoverbal–marcasde1ªpessoa
reforçopensarmosrelacionamostermossentimosignoramos(6)
concordo(1)
concluo(1)
deiseitemos-2podemoselegemos(6)
temos(1)
concluo(1)
creio(1)
5870
Flexãoverbal–marcasde2ªpessoa
2
Dêixistemporal 14 12 16 9 17+agora 17 12 19 9 11 15+atualagora
18 9 386
69Sendo14ocorrênciasde1ªpessoadosingulare36ocorrênciasde1ªpessoadoplural70Sendo20ocorrênciasde1ªpessoadosingulare38ocorrênciasde1ªpessoadoplural
63
À semelhança do que fizemos para a sequência explicativa, vamos proceder da mesmaformanaobservaçãodosdadosdoQuadro8dostextospredominantementeargumentativos.
Analisando os dados deste Quadro, verificámos que a totalidade da nossa amostraevidenciamarcasdedêixisnostextospredominantementeargumentativos.
Atentemosnaformacomoosinformantesdistribuemastipologiasdadêixis.
Figura4:Distribuiçãodastipologiasdadêixis:pessoal,temporaleespacialnostextospredominantementeargumentativos.
Observando a distribuição das tipologias da dêixis na Figura 4, em nenhum dosinformantesatestamosadêixisespacial.
Foram identificadas 110 ocorrências da dêixis pessoal, sendo 2 ocorrências de flexãoverbalde2ªpessoa,58demarcasdeflexãoverbal1ªpessoae50ocorrênciasdedeterminantesepronomesde1ªpessoa.
Paraadêixistemporal,atestámos386marcas(incluímosnasmarcasdetempoopresentedo indicativo e perifrástico; atestámos também “atualmente” emA4, “agora” emA19 e A25 e“atual”emA25).PodemosafirmarqueasproduçõestextuaisestãoclaramenteancoradasnoT0.
Vejamososexemplosdadêixispessoalde1ªpessoa (exemplos55e56)ede2ªpessoa(57), bem comode dêixis temporal, “roubam”, “temos” e “agora” em (56), retirados de váriasproduções.
(55)Mas podemos ver este abuso de poder em todo o lado, basta olhar um pouco “acima”,desdegestoresdeempresasadiretores,mesmonósnodia-a-diasemnosapercebermosestamosmuitasvezesaabusardonossopoder,eissoacabapornoscorromper.(A1)
DeixisPessoal DeixisTemporal DeixisEspacial
Flexãoverbalde2ªpessoa 2Flexãoverbalde1ªpessoa 58Determinantesepronomesde
1ªpessoa 50 386 0
050100150200250300350400450
Nºdeocorrências
64
(56)mas os nossos governantes, sejam eles quais forem, roubam para si e para os seusfamiliares,temosagoraumcasopúblico,odeSócrates.(A19)
(57) Sequeressaberseumhomeméfielaosseusvalores,dá-lhepoder.(A7)
Temos,portanto,umclaropredomíniodadêixistemporal,mastambémsedestacaadeixispessoalna1ªpessoa.Vejamos,deseguida,qualéadistribuiçãodadêxispessoal.
Figura5:Dêixispessoal–distribuiçãoda1ªpessoadosingulareda1ªpessoadopluralnostextos
predominantementeargumentativos.
DolevantamentodosdadosempíricosnaFigura5,constatamosqueadêixispessoalde1ªpessoasedistribuientremarcasda1ªpessoadosingular(34)emarcasda1ªpessoadoplural(74).A1ªpessoadosingulardivide-seentredeterminantesepronomesde1ªpessoa(14)e20ocorrênciasdemarcasdeflexãoverbalde1ªpessoa.Porsuavez,observamos36determinantesepronomesde1ªpessoadoplurale38marcasdeflexãoverbalde1ªpessoadoplural.
Considerando as Figuras 4 e 5, verificamos que a ocorrência da dêixis em textospredominantemente argumentativos é muito significativa. Também devemos referir que nadeixis pessoal há um domínio da 1ª pessoa do plural (74 ocorrências). É, pois, evidente umapresençasubjetivanostextoscomdominanteargumentativa,denunciadaatravésdeum“eu”oudeum“nós”.
Acabámosdeverificarcomosedistribuemasocorrênciaseafrequênciadadêixisnasduassequênciastextuaisemanálise,aexplicativaeaargumentativa.
Observemos, agora, a distribuição da polifonia nas vinte e sete sequências textuaisexplicativas,considerandooQuadro9.
Distribuiçãoda1ªpessoadosingular
Distribuiçãoda1ªpessoadoplural
Marcasdeflexãoverbalde1ªpessoa 20 38
Determinantesepronomesde1ªpessoa 14 36
01020304050607080
Nºdeocorrências
Quadro9:Distribuiçãodapolifonianasequênciatextualexplicativa.
E1 E2 E3 E4 E5 E6 E7 E8 E9 E10 E11 E12 E13 E14
Estruturadenegação:Não+verbo(flex.)
Conectores:.contrastivos.causa-consequência.explicativos/reformulativos.aditivos1.alternativos.síntese/conclusão
porque-1
porque-2
enquanto2-1
porque-1e-1
devidoa-1ouseja-1
porque-1mas-1(comosíntese,usa1perg.retórica)
porque-1e-1
porque-1e-1
e-1
umavezque-1noentanto-1istoé-1
.comotal-1.destaforma-1.demaneiraaque-1.e-1
porque-1assim-1(aúltimafrasedenunciaumaconclusão
porque-1enquanto-1
devidoa-1apesarde-1enquanto-1
Modalizadores:.epistémicos(E).deônticos(D)
poder-1(E)
poder-2(E)
Îlotstextuels
Perguntaretórica Oqueseriaavidasemcaprichos?
1Consideramosacopulativa“e”,poisasequênciatextualexplicativatemumaextensãomaisreduzidaepodecontribuirparaafasederesoluçãodoproblema.2O“enquanto”éutilizadocomosinónimode“aopassoque”.
(Quadro9:continuação)
E15 E16 E17 E18 E19 E20 E21 E22 E23 E24 E25 E26 E27 Totais
Estruturadenegação:Não+verbo(flex.)
1 1
Conectores:.contrastivos.causa-consequência.explicativos/reformulativos.aditivos.alternativos.síntese/conclusão
devidoa-1umavezque-1.Assimsendo,
porque-1e-1
assim-1também-1pois-1mas-1ouseja-1.Assimsendo,
porque-1então-1
enquanto-1pois-1.Pensoque(sugereumasíntese)
pois-1umavezque-1
pois-1assim-2
e-1devidoa-1então-1
pois-1assim-2
umavezque-1e-1peloque-1
devidoa-1
enquanto-1
enquanto-1
Contrastivos-10causa-consequência-31explicativos/reformulativos-3aditivos-8alternativos-0síntese-8total:60
Modalizadores:.epistémicos(E).deônticos(D)
poder-1(E)
poder-1(E)saber-1(E)
terde-1(D)
(E)-6(D)-1
îlotstextuels
0
Perguntaretórica
1
67
Devemos, antes de mais, destacar que todos os informantes recorrem à polifonia nasequênciaexplicativa,sobretudoatravésdosconectores(Quadro9).
Faremos de seguida uma leitura quantitativa das categorias que selecionámos, por nosparecer que configurammarcas de polifonia, a saber: a negação sintática do tipo [não+Vflex],conectores (contrastivos, de causa-consequência, explicativos/reformulativos, aditivos,alternativos e de síntese/conclusão),modalizadores epistémicos e deônticos, “îlots textuels” eperguntaretórica.
Vejamosadistribuiçãodecadaumadestascategorias.
Figura6:Ocorrênciadanegaçãonasequênciaexplicativa.
Nesta Figura (6), verificamos que apenas 4%dos informantes recorre à negação, o queequivalea1informante(E17),comoéassinaladonoexemploseguinte(58):
(58) Sendoassim,háduasvariaçõesdoparticípiopassado,aceitadoeaceite,doverbo“aceitar”tendo regras para ser usadas, ou seja, não se podem usar quando queremos e ondequeremos.(E17)
Noqueconcerneàdistribuiçãodosconectoresnasequênciaexplicativa,verificamos,comoindicaoQuadro9eaFigura7,queos27informantesrecorremàtotalidadede60conectores,havendo um destaque para os de causa-consequência com 31 ocorrências, seguidos doscontrastivos (10 ocorrências) e dos aditivos e de síntese, ambos com 8 ocorrências. Não foiatestadonenhumconectoralternativo.
4%
96%
Comocorrênciasdenegação
Semocorrênciasdenegação
68
Figura7:Distribuiçãodosconectoresnasequênciaexplicativa.
Considerando a prevalência dos conectores de causa-consequência na sequência textualexplicativa (Figura7), parece-nos interessanteperceberquantos informantesosusam (Figura8).Deigualmodo,procuraremosquantificarousodeconectorescontrastivos(Figura9).
Figura8:Distribuiçãodosconectoresdecausa-consequêncianasequênciaexplicativa.
Verificamos,então,que85%dostextosexplicativosatestamestesconectores,ouseja,23informantesrecorreramàcausa-consequência.
Figura9:Distribuiçãodosconectorescontrastivosnasequênciaexplicativa.
0 5 10 15 20 25 30 35Contrastivos
Causa-consequênciaAditivos
AlternativosExplicativos/reformulativos
Síntese
ContrastivosCausa-
consequência
Aditivos AlternativosExplicativos/reformulati
vosSíntese
Nºdeocorrências 10 31 8 0 3 8
85%
15%
Comocorrênciadecausa-consequênciaSemocorrênciadecausa-consequência
33%
67%
ComocorrênciasdecontrastivosSemocorrênciasdecontrastivos
69
Das Figuras 7, 8 e 9, constatamos que, dos 60 conectores atestados, os conectores decausa-consequênciasãoospredominantes(31ocorrências),atestadosem85%dasproduções.Com10evidênciasestãoosconectorescontrastivos,sendo33%docorpusaatestarestetipodeconectores,oquecorrespondea9alunos.Tambémépossívelatestar8conectoresaditivosedesíntese. Não obstante, só 8 informantes recorreram aos conectores aditivos e 6 selecionamconectoresdesíntese.
Os exemplosque se seguemmostramapresençadosquatro tiposde conectoresque sedestacaram, de causa-consequência (exemplos 59 e 60), contrastivos (59), aditivos (60) e desíntese,comonoexemplo(58)com“Sendoassim”.
(59) Porque existem duas formas, a regular e a irregular, e ambas podem ser utilizadasconsoanteoverboauxiliar,masambasestãocorretasseforemenquadradasnafrase.(E6)
(60) Existe também a forma irregular, “aceite”, que é a forma erudita pois deriva do latim,sendoprecedidapelosverbosauxiliares“ser”e“estar”.(E17)
Se, agora, atendermos na distribuição dos modalizadores epistémicos e deônticos,verificamos que 15% dos informantes usaram a modalidade na sequência textual explicativa(Figura10).
Figura10:Ocorrênciademodalizadoresnasequênciaexplicativa.
Podemos, ainda, acrescentar que apenas há registo de modalização em 5 sequênciasexplicativas(Quadro9).
Na Figura 11, poderemos analisar a distribuição dos marcadores de modalidadeepistémicaedeônticanassequênciasexplicativasqueconstituemonossocorpus.
15%
85%
ComocorrênciasdemodalizadoresSemocorrênciasdemodalizadores
70
Figura11:Distribuiçãodosmodalizadoresepistémicosedeônticosnasequênciaexplicativa.
Assim, apesar de não ser significativa, destaca-se a modalidade epistémica com 6ocorrências,1decertezae5depossibilidade(Quadro9).Verificamos,também,1ocorrênciademodalidadedeônticadeobrigação.
Vejamoso exemplo (61)queatesta apresençadamodalidadeepistémica (mas tambémpodehaveraquiumaleituradeônticadepermissão)e(62)paraadeôntica,nasequênciatextualexplicativa.
(61) ambaspodemserutilizadasconsoanteoverboauxiliar(E6)
(62)Devidoàspessoasusaremasduasformasalínguatevedeseadaptar(E25)
No que respeita aos “îlots textuels” e à pergunta retórica, apenas foi possível atestar aocorrência de 1 pergunta retórica na sequência explicativa, no informante E6, transcrita em(63).
(63) Oqueseriaavidasemcaprichos?(E6)
Emsíntese,noqueserefereàpolifonia,verificamosquenasequênciatextualexplicativafenómenos linguísticoscomoanegação,modalizadoresdeônticos, “îlots textuels”parecemnãoterrelevo.Osconectoresqueseevidenciamsãodecausa-consequência.
Possivelmente, a emergência de pontos de vista, isto é, de subjetividade poderá ser umfenómeno distintivo (marcado pela não evidência deste traço) da sequência explicativa, vistoquenãotemrepresentatividadeevidente.
Por fim, atentemos na distribuição da polifonia em textos predominantementeargumentativos(Quadro10).
Ocorrênciademodalidadeespistémica
Ocorrênciademodalidadedeôntica
Nºdeocorrências 6 1
01234567
Nºdeocorrências
Quadro10:Distribuiçãodapolifoniaemtextospredominantementeargumentativos.
A1 A2 A3 A4 A5 A6 A7 A8 A9 A10 A11 A12 A13 A14
Estruturadenegação:
Não+verbo(flex) 1 2 2 2 1 5 1 4
Conectores:
.contrastivos
.causa-consequência
.explicativos
/reformulativos
.aditivos1
.alternativos
.síntese/conclusão
.mas-3
.devidoa-1
.porisso-1*nãousadesíntese,massubentende-seumaconclusão
.talcomo-1
.umavezque-1.mas-1.concluindo
.pois-2.concluindo
.ou-2.sendoassim
.ouseja-1.conclui-seque
.mas-1.(semconclusão)
.apesarde-1.alémde-1.umavezque-1.naminhaopinião,
.ouseja-1
.querodizer-1.defacto-1.mas-1.noentanto-1.porque-1.Emsuma
.aliás-1
.istoquerdizer-1.Emconclusão
.mas-1.Assim,
.noentanto-1.mas-1.porém-1.defacto-1.quer...quer-1.Emsíntese
.defacto-1
.mas-1
.embora-1.Destaforma,possoconcluir
.mas-1
.porque-1
.também-1.Naminhaopinião
.mas-3
.defacto-1
.noentanto-1.também-1.porisso-1.Porisso,considero
Modalizadores:
.epistémicos(E)
.deônticos(D)
.poder-2(E)
.setornará(E).certamente-1(E)
.poder-3(E)
.dever-2(D).poder-3(E).obrigatoriamente-1(D)
.poder-1(E)
.dever-2(D)
.poder-3(E).terde/que-2(D)
.écapazde-1(E).poder-2(E).terque-2(D)
.poderá-1(E).dever-1(D)
.poder-1(E)
.poder-2(E)
.poder-1(E)
Îlotstextuels TalcomoLordActiondisse:“Opodertentacorromper,eopoderabsolutocorromptecompletamente”.
“pisando” o“poder”- “podorosas” .“pesossobreosombros”.comoasfamosaspalavrasditam“comgrandespoderesvêmgrandesresponsabilidades”-.o“bem”-2.atingiremo“poderabsoluto”
.comodissealguém“SequiserestestaroHomem,dá-lhepoder”
.“Opodercorrompeeopoderabsolutocorrompeabsolutamente,demodoqueosgrandeshomenssãoquasesemprehomensmaus”,dizafamosafrasedeumhistoriadorbritânico.“febredodinheiro”.“Opodercorrompe”
Aocasiãofazoladrão(nãousouaspas)
Perguntaretórica
1Nãoconsideramosacopulativa“e”,poisnãonospareceurelevante,faceàriquezaediversidadedeoutroselementoslinguísticos.
(Quadro10:continuação)
A15 A16 A17 A18 A19 A20 A21 A22 A23 A24 A25 A26 A27 Totais
Estruturadenegação:
Não+verbo(flex) 1 4 1 2
1 1 2 3 33
Conectores:
.contrastivos
.causa-consequência
.explicativos
/reformulativos
.aditivos
.alternativos
.síntese/conclusão
.contudo-1
.pois-1
.também-1.Paraterminar
.porque-1.Conclui-seque
.querdizer-1.mas-2.graçasa-1.Concluindo
.talcomo-1
.ou-1
.também-1
.noentanto-1.Concluoque
.mas-5
.também-1
.pois-1.Emsuma
.daí-1
.noentanto-1.paraalémde-1.que(consecutivo)-1.demodoa-1.contudo-1.Emsuma
.porém-1
.umavezque-1.Emsuma
.pois-1
.seja...seja-1Comistoconcluoque
.porisso-1
.também-1.Emsuma
.contudo-1
.ou-1
.paraalémde-1.também-1.devidoa-1.Emsuma
.devidoa-2
.porisso-1
.mas-1
.também-1.Éfactoque
.ou-2
.devidoa-1
.ouseja-1.Naminhaopinião
.ou...ou-1.Concluindo
Contrastivos–31
causa-
consequência–
23
explicativos
/reformulativos–
9
aditivos–11
alternativos–9
síntese(final)-24
Modalizadores:
.epistémicos(E)
.deônticos(D)
.talvez-1(E) .poder-1(E)
.poder-1(E)
.poder-1(E).saber-1(E).mudará-1(E).terde(E).seria(E)
.poderão-1(E)
.olhará-1(E).haverá-1(E).terá-1(E)
.dever-1(D)
.corromperá-1(E).crer-1(E).poder-2(E)
.poder-1(E)
(E)–39
(D)–12
Îlotstextuels “opodercorrompe”
“culpasnocartório”
“nassuasmãos”
“Oshomens(...)vêmasercomoospeixesquesecomemunsaosoutros.”PeAntVieiraSermãodeS.Ant.
“falcatruas”
.o“muito”quetêm.“passarporcima”.“opodercorrompe”
21
Perguntaretórica “masnãoétudoigual?”
1
73
Nos27 informantes,podemosverificar fenómenosrelacionadoscomapolifonia(Quadro
10).Comecemospelapresençadanegaçãonostextospredominantementeargumentativos.
Figura12:Ocorrênciadanegaçãoemtextospredominantementeargumentativos.
A Figura 12 mostra que 59% dos informantes, isto é, 16 textos predominantemente
argumentativos(Quadro10)atestamestruturasdenegaçãodotipo[não+Vflex].Verificamosum
totalde33ocorrências,deque(64)e(65)sãoalgunsexemplos.
(64)É usual ouvirmos dizer que o poder tem uma tendência inerente a ele de corromper o
Homem.No entanto, esta ligação deve ser vista de outra perspetiva: não é o poder que
corrompeoHomem.ÉoHomemquecorrompeopoder.(A11)
(65)Nãodefendoaafirmaçãonatotalidade,poisnãojulgoquesepossarelacionarcomtodos
oscasosdepoder.(A14)
Quantoaosconectores,podemosverificarasuadistribuiçãonaFigura13.
Figura13:Distribuiçãodosconectoresemtextospredominantementeargumentativos.
Verifiquemos a distribuição dos conectores contrastivos e de causa-consequência nos
textospredominantementeargumentativos(Figuras14e15).
59%
41% Comocorrênciasdenegação
Semocorrênciasdenegação
0 5 10 15 20 25 30 35
ContrastivosCausa-consequência
Explicativos/reformulativosAditivos
AlternativosSíntese
ContrastivosCausa-
consequência
Explicativos/reformulati
vosAditivos Alternativos Síntese
Nºdeocorrências 31 23 9 11 9 24
74
Figura14:Distribuiçãodosconectorescontrastivosemtextospredominantementeargumentativos.
Figura15:Distribuiçãodosconectoresdecausa-consequênciaemtextospredominantementeargumentativos.
NasFiguras13,14e15,observamosque,nostextospredominantementeargumentativos,
os conectores contrastivos (31ocorrências) predominam. Seguem-seos conectoresde síntese
(24 ocorrências) e os de causa-consequência, com 23 ocorrências. No entanto, para os
conectores que destacamos, contrastivos e de causa-consequência (Figuras 14 e 15), a sua
recorrênciaéequilibrada,67%e70%,sendoque,dos27informantes,18atestamapresençade
conectorescontrastivose19evidenciamaocorrênciadeconectoresdecausa-consequência.
Mostramos,deseguida,exemplosdeconectorescontrastivos(66),decausa-consequência
(66)e(67)edesíntese(68).
(66)Acontece que para se conseguir alcançar estes objetivos é necessário poder, daí os
elevados cargos da sociedade serem sempre muito cobiçados. No entanto, a chegada a
esteselevadospatamares,porvezes,deturpaaprópriavisãodaspessoaseestastornam-
semaisarrogantesefriasparaalémdequedesenvolvemumsentimentodesuperioridade
peranteosoutros.(A20)
67%
33% Comocorrênciasdecontrastivos
Semocorrênciasdecontrastivos
70%
30% Comocorrênciasdecausa-consequência
Semocorrênciasdecausa-consequência
75
(67)Para terminar, reforçomaisumavezqueo “poder corrompe”, pois ao termos emnossa
posseasoberaniadefazerescolhassentimossempreanecessidadedeescolherascoisas
emproldasnossasnecessidades(A15)
(68)Emsuma,oabusodepoderdestróiosvaloresfundamentaisdoserhumano.(A20)
Vejamos, de seguida, a distribuição da modalidade epistémica e deôntica nos textos
predominantementeargumentativos(Figura16).
Figura16:Ocorrênciademodalizadoresemtextospredominantementeargumentativos.
Concluímos que 81% da nossa população recorrem a modalizadores destas tipologias,
sendoapenas5produções(Quadro10),19%,quenãoatestamesterecurso.
Quantifiquemos, agora, a distribuição da modalidade epistémica e deôntica em textos
predominantementeargumentativos(Figura17).
Figura17:Distribuiçãodemodalizadoresepistémicosedeônticosemtextospredominantementeargumentativos.
81%
19%
Comocorrênciasdemodalizadores
Semocorrênciasdemodalizadores
Ocorrênciademodalidadeespistémica
Ocorrênciademodalidadedeôntica
Nºdeocorrências 39 12
0
5
10
15
20
25
30
35
40
45
Nºdeocorrências
76
FazendoaleituradestaFigura17,verificamosqueháumclaropredomíniodamodalidade
epistémica,com39ocorrências,emdetrimentodadeônticaquetem12ocorrências.
Vejamosalgunsexemplosqueatestamamodalidadeepistémica(E)(69),(70),(71)e(78)
edeôntica(D)(70)e(72).
(69)A Humanidade ainda está a caminhar para um futuro onde haverá equilíbrio, onde o
Homemteráacapacidadedeveralémdosseusprópriosinteresses.(E)(A21)
(70)Opodercorrompe,esseéumfactoquetemosdeaceitar,podemosatépensarqueseele
estivessenasmãoscertasseriabemutilizado(D+E+E)(A19)
(71)nemseisealgumavezmudará.(E+E)(E19)
(72)eissonãodeviaacontecerporquetodosnósdevíamosserasmesmaspessoascomousem
poder.(D)(A7)
Passemos a outra categoria observada, “os îlots textuels”. É interessante constatar que
metade dos informantes, 52% (Figura 18), isto é, 14 informantes (Quadro 10), recorre a este
tipodeevidênciapolifónica.
Figura18:Ocorrênciados“Îlotstextuels”emtextospredominantementeargumentativos.
Osexcertosseguintessãoalgunsdosexemplosde“îlotstextuels”utilizados.
(73) comoas famosaspalavrasditam“comgrandespoderesvêmgrandesresponsabilidades”.
(A8)
(74)eoutrotipodepráticascriminosasvergonhosase inqualificáveisporpartedaquelesque
sedeixamlevarpela“pelafebredodinheiro”(A12)
(75)Aocasiãofazoladrão.(A14)(nota:A14nãousouaspas)
52%48%
Comocorrênciasde“îlotstextuels”
Semocorrênciasde“îlotstextuels”
77
(76)“Oshomens(...)vêmasercomoospeixesquesecomemunsaosoutros”.Pertencenteà
obra“SermãodeSantoAntónioaosPeixes”dePadreAntónioVieira(A23)
(77)O“muito”quetêmnuncaésuficiente(A26)
Finalmente,olhandoparaorecursoàperguntaretórica,percebemosquenãoérelevanteo
seu uso, já que apenas 1 texto atesta (A19) (Quadro 10), com a frequência de 4% da nossa
amostra(Figura19).Passamosacitaressaocorrêncianoexemplo(78).
(78)masnãoétudoigual?(A19)
Figura19:Ocorrênciadeperguntasderetóricaemtextospredominantementeargumentativos.
Emsuma,àexceçãodaperguntaretórica,todasascategoriaspolifónicasobservadastêm
relevo nos textos predominantemente argumentativos, havendo mais de 50% da nossa
populaçãoautilizarem-nas.
Face à leitura quantitativa dos dados que estabelecemos nesta secção, poderemos
comprovar a nossa hipótese inicial? Ou seja, podemos fazer uma leitura enunciativa das
sequências explicativa e argumentativa e considerá-la como traço que pode integrar a sua
caracterização?
2.ANÁLISEQUALITATIVA
Aanálisecomparativadasduassequênciastextuaisemestudorevela-nosdiferençasentre
asduasaonívelenunciativo.
Os resultados relativos à dêixis, mais propriamente à presença explícita da voz, são
reforçados pelos dados das estruturas polifónicas que atestam também a presença de vozes
implícitas.Adêixiseapolifoniapermitem-nosidentificardiversasvozesquepodeminterferirna
caracterizaçãodecadaumadassequênciastextuais,bemcomonasuainterpretaçãoeprodução.
4%
96%
Comocorrênciasdeperguntaderetórica
Semocorrênciasdeperguntaderetórica
78
Vamos, então, recapitular as principais evidências que suportam a nossa hipótese de
trabalho.
Comecemos pela dêixis. É percetível que há uma clara preferência dos informantes
(100%)peladêixis,nostextoscompredominanteargumentativa,emdetrimentodasequência
explicativa(11%).Nasequênciaexplicativa,só3alunosoptarampordarvozàsuaprópriavoz,
atravésdadêixis;noentanto,tendencialmente,estesinformantesoscilamentreadêixispessoal
eade3ªpessoa,comojávimos.
Vejamososexemplosseguintes.
(55)Maspodemosveresteabusodepoderemtodoolado,bastaolharumpouco “acima”,
desdegestoresdeempresasadiretores,mesmonósnodia-a-diasem nos apercebermos
estamosmuitasvezesaabusardonossopoder,eissoacaba pornoscorromper.(A1)
(57)Sequeressaberseumhomeméfielaosseusvalores,dá-lhepoder.(A7)
Como já referimos, a pessoa/a voz emergenos textos comdominante argumentativade
forma explícita, como nos exemplos (55) e (57), através de pronomes pessoais como “nós” e
“nos”, determinantes possessivos como “nosso” e marcas de flexão verbal de 1ª pessoa, tais
como “podemos, “apercebermos”, “estamos” e “temos”. Muitos dos nossos informantes
selecionarampreferencialmentea1ªpessoadoplural,“nós”inclusivo,associandoao“eu”o“tu”
leitor, os portugueses e até a humanidade em geral, como os exemplos (55) e (57)mostram.
Portanto, este “nós” inclusivo, que inclui o “tu”, refere-se, tendencialmente, a uma entidade
coletiva,ondese incluio “eu”.Estaentidadepluralassocia-seàsmarcasdedêixis temporal (o
presentedoindicativoe“atual”,“agora”,“atualmente”),queenfatizaaatualidadedatemática,“a
corrupção”,atravésdeumreforçodaancoragemenunciativa.
Adeixisproporciona,então,umtrabalhodeinterpretaçãoaoincluirooutroouatéoleitor.
Nãomenos interessante,eaindasobrea “pessoa”,éatentarmosnas2ocorrênciasde2ª
pessoa,“queres”e“dá”,emA7,marcandoclaramenteaintroduçãodeoutrasvozese,comisso,o
dialogismo próprio da argumentação (veja-se o exemplo (57)). É preciso relembrar que
argumentaréprocuraralterarascrençasdooutro.
Em síntese, quanto à dêixis, verificamos que na sequência explicativa predominam
construçõesimpessoais,compreferênciapelousoda3ªpessoa,esó3informantesrecorreramà
dêixispessoal.Portanto,tendencialmente,époucovisívelaintervençãodolocutornoenunciado.
Nos textos comdominante argumentativa, o locutor revela-se fortementenodiscurso, através
do“eu”/“nos”.Há,pois,umavinculaçãoenunciativaexplícitadestasequência.
79
Prosseguindonaanálisecomparativadosdados,entremosemquestõesrelacionadascom
a polifonia. Como já foi comprovado por vários autores, entre eles Fløttum74, os nossos
resultadosmostramqueos54 textosqueconstituemonossocorpus são todospolifónicos,ou
seja,háevidênciadeváriasvozes,dediferentesPdV.
Não obstante, se nos debruçarmos nas várias marcas polifónicas, constatamos que
também aqui existe uma notória vinculação enunciativa dos textos com dominante
argumentativa, com recurso à negação, a conectores de causa-consequência e contrastivos
(entreoutros)pormaisde50%danossapopulação,59%,79%e67%, respetivamente.Estes
dados contrapõem-se a 4% e 33% de recurso à negação e a conectores contrastivos,
respetivamente, na sequência explicativa. No entanto, há uma prevalência dos conectores de
causa-consequência, 85% nesta sequência, por oposição a 79% na argumentativa, o que vem
confirmarapreferênciapelosconectorescausais,própriosdasequênciaexplicativa.
Antes de observarmos os usos polifónicos dos conectores em particular, vejamos a
estruturadenegação,apenasatestadapor1informantenasequênciaexplicativa,E17,exemplo
(58), e nos textos com dominante argumentativa por 16 informantes, de que (64) e (79) são
exemplo.
(58) Sendoassim,háduasvariaçõesdoparticípiopassado,aceitadoeaceite,doverbo“aceitar”
tendo regras para ser usadas, ou seja, não se podem usar quando queremos e onde
queremos.(E17)
(64) É usual ouvirmos dizer que o poder tem uma tendência inerente a ele de corromper o
Homem.No entanto, esta ligação deve ser vista de outra perspetiva: não é o poder que
corrompeoHomem.ÉoHomemquecorrompeopoder.(A11)
(79)Desdesemprequeopodertevegrandeimpactonanossasociedade.Nãoéopoderemsi
quecorrompe,massimquemotemnasuaposse.(A17)
Atentemosnapolifoniadestesexemplos.
Em(58)avozexternaéreforçadapelousodovalordeônticodoverbo“poder”, istoé,a
reformulaçãoproporcionadacomo“ouseja”leva-nosaque“nós”(“eu”+todososfalantedePE)
temosobrigaçãodeusarcomcritérioosdoisparticípios.
Em (64)o informanteA11põeemrelaçãonomesmosegmento textual “ouvirmos”, “No
entanto”, “dever” e anegação.Há, pois, claramenteumavoz explícita atravésda1ªpessoado
plural, “ouvirmos” (“nós” inclusivo), que poderá abranger o segmento que corresponde aos
“Dados” da sequência argumentativa de Adam, mas a partir do movimento argumentativo
74Estaautoradefendeateoriadequetodosostextossãopolifónicos.
80
introduzido por “No entanto” parece desaparecer. Nesta fase da contra-argumentação, a voz
passaaser implícita,oumelhor,manifestadaatravésdapolifonia.Assistimosaquiàrefutação,
“Noentanto...”,reforçadapelaobrigação,introduzidapor“dever”,eexplicitadasobformadeum
novoargumento,atravésdanegação(queservedeobjeção,anulaçãodos“Dados”),parachegar
àtese“ÉoHomemquecorrompeopoder”.
Passandoàsequênciaargumentativapresentenoexemplo(79),A17apresentaasuatese
atravésdousodanegação“Nãoéopoderemsiquecorrompe”(PdV2–assumidopelolocutor),
refutando o PdV1 “o poder em si corrompe”, e reforçado pela conjunção coordenativa
adversativa“mas”.Ousodestecontrastivo,“mas”,introduzumaproposiçãocomPdVmaisforte
doqueaproposiçãoanterior,quetambémassume(“Nãoéopoderemsiquecorrompe”).Como
refereFløttum(s,d.:19),“Lanégationestunedesmarquesquimanifesteleplusnettementla
présence d’un point de vue externe, et qui souvent provoque un effet polémique, notammant
avecleconnecteur“mais”.
Emsuma,apolifoniamanifestadapormeiodanegaçãoéraranasequênciaexplicativae,
quando atestada, estava associada ao dever da boa aplicação da regra gramatical. Não parece
introduzir um PdV polémico. No que se refere aos textos com dominante argumentativa, a
negação vem enfatizar a presença de diversas vozes nestes textos. Note-se que a negação
polémicafoilogointroduzidanosestudosiniciaisdapolifoniaporDucrot.
Comoacabámosdereferir,anegaçãopolémicacom“não”econectorescontrastivos,como
“noentanto”e“mas”,configuramumaestratégiadeintroduçãodePdVnoenunciado,oumelhor,
de diferentes vozes. Os nossos resultados mostraram que houve uma seleção deste tipo de
conectoresnostextoscomdominanteargumentativapor67%,poroposiçãoa33%nasequência
explicativa.
Temos de referir que os usos dos conectores também dependem da estrutura
macroproposicionalprototípicadestassequências,comoapontamosnoCapítuloI.Porisso,háa
preferência pelos conectores concessivos nos textos predominantemente argumentativos, que
progridematravésdemovimentosargumentativos,numprincípiodialógico.Sobreestamatéria,
Fløttum(2012:5)afirmaque“This inclusionisdonewithout identifyingthevoicesandwhere
thelinguisticmarkerindicatesaninterpretationoftherelationsbetweenthemanifestvoicesin
the“hidden”interaction”.
Adam (2008: 116-117) e Fløttum (em diversos estudos) estão de acordo com a
importância dos conectores contrastivos, que envolvem diferentes PdV. Portanto, com
conectoresdotipode“mas”,o locutorconcordacomoPdV1,masdáênfaseaoPdV2,havendo
81
umaobjeção, i.e., umaconcessão,umacontra-argumentação.Há, então,umamudançadePdV,
comojáanalisamosnosexemplos(64)e(79).
Agora,atítulodeexemplo,vejamos(65)paraatentarmosnapolifoniadosconectoresde
causa-consequência.
(65)Nãodefendoaafirmaçãonatotalidade,poisnãojulgoquesepossarelacionarcomtodos
oscasosdepoder.(A14)
O“pois”impõeumaleituramaisampliadadoPdVdolocutor.
Porconseguinte,osconectoresanalisadossãoclaramentepolifónicos.Sendoformassubtis
deargumentação,impõemumainteraçãoeumjogointerpretativo.
Aindaincluídosnapolifoniaestãoosmodalizadoresquetambémindiciamvozesimplícitas
noenunciado.
Maisumavez,podemosconstatarqueesterecursolinguísticoéprivilegiadopelosnossos
informantes na construção dos textos com dominante argumentativa, 81%, contra 15% dos
informantesna sequência explicativa.A conquista/adesãodooutro,própriadaargumentação,
faz-se,comcerteza,atravésdeumdiscursomodalizado.
Nasevidênciasdemodalidadeepistémica,háumafrequênciaelevadapeloverbo“poder”
nos textos predominantemente argumentativos. Com este verbo, ao valor de verdade,
acrescenta-se a incerteza no conteúdo proposicional, que vai introduzir, através da voz do
locutor ou de outra, um PdV. Nesta perspetiva, Fløttum (2012:10) postula que “os autores
introduzem o seu PdV ou voz como comentário para desvalorizar ou sublinhar um ponto de
vista,deoutravozoudaprópriavoz75”.
Também é interessante o uso epistémico do futuro do indicativo. São vários os
informantesautilizaremesterecursonostextoscomdominanteargumentativa.Maisumavez,
atravésdovalordepossibilidade,háintroduçãodeumPdVqueremeteparaumapossibilidade
(exemplo80).
(80)Sendoassim,este[serhumano],cegamenteerrado,nãoolharáaosmeiosparaatingiros
fins(A21)
Vejamos, agora, expressões que imprimem uma interação polifónica através de valores
deônticos. Usualmente, a modalidade deôntica relaciona-se com a expressão da permissão,
proibiçãoouobrigação,oquerevelaaatitudedolocutorfaceaumconselho,desejooupedido,
comoem(70)com“temosde”.
75Traduçãonossa
82
(70)Opodercorrompe,esseéumfactoquetemosdeaceitar,podemosatépensarqueseele
estivessenasmãoscertasseriabemutilizado(A19)
Assim,ousodasmodalidadesepistémicaedeônticaenfatizaaorientaçãopolifónicados
textospredominantementeargumentativos.
Noquedizrespeitoaoutramarcadepolifonia,os“îlotstextuels”,nãoatestámosnenhuma
ocorrêncianasequênciaexplicativa.Nostextoscomdominanteargumentativa,observamos21
ocorrências,tendosido52%dosnossosinformantesausarem-na.
Estes“îlots”mostrammaisumaspetoquereforçaapolifoniabemmarcadanasequência
argumentativa, por oposição à explicativa. Trazem vozes de outros e dos próprios locutores,
introduzindo diversos PdV. A interação com vozes externas revela, como nos exemplos (73),
(74),(75)e(76),oreforçodaargumentação,comrecursoaumargumentoquepodemarcara
autoridadealheia.
Em(73)temosumaexpressãoquesepopularizoucomoHomemAranhaqueprotagoniza
valoresdejustiçasocial,“comgrandespoderesvêmgrandesresponsabilidades”.Estasabedoria
incontestávelévalorizadapelo informanteA8,atravésda introdução lexicalpré-citaçãode“as
famosaspalavrasditam”.Ofalantedá,então,vozaoutroparareforçarasuaargumentaçãoque
estaránosbonsusosdopoder.
ParaA12,em(74),o“îlot”, “pela febredodinheiro”, destacaumpontodevistaexterno,
relacionadocomumaexpressãodasabedoriapopular,queintroduzumacríticanegativanoseu
movimentoargumentativo,assumindoaspalavras incontornáveisdeoutros. Jácom“Aocasião
fazoladrão”em(75),olocutorapropria-sedavozpopularatravésdainserçãodeumprovérbio.
Apesar de o nosso informante não usar aspas, identificamos claramente uma voz externa,
justificandooseuPdVdesesercorruptoquandosetempoder.
O falante A23 recorre, em (76), a um argumento de autoridade, as palavras de ‘outro’
reconhecidopelo seu saber nos seus sermões, Pe. AntónioVieira (matéria estudadano11.º e
atualizada no 12.º). Este recurso assemelha-se ao que Adam (2008: 115) afirma: “Muito
freqüentemente esses PdV são assinalados por introdutores como segundo, de acordo (...)
marcamumazonatextualsobdependênciadeumafontedesaber(mediaçãoepistémica)oude
percepção(mediaçãoperceptiva).Osenunciadospodem,assim,nãoserassumidospelolocutor-
narrador.”
Emsíntese,os“îlotstextuels”são,incontestavelmente,maisumaestruturaquesublinhao
caráterpolifónicodotextocomdominanteargumentativa.
83
Consideremos, por fim, o papel da pergunta retórica. Na totalidade das 54 produções
escritas, apenas atestamos 2 perguntas retórica, 1 na sequência explicativa, exemplo (63), e
outranostextospredominantementeargumentativos,exemplo(78).
(63) Oqueseriaavidasemcaprichos?(E6)
(78) masnãoétudoigual?(A19)
E6 finaliza a sua sequência explicativa com esta pergunta e A19 tece uma conclusão
intermédianasuaargumentaçãoatravésdesterecurso.
Estasmarcaspoderãoindiciarumaleituradialógicadasduassequênciasenãoapenasda
sequênciaargumentativa.
Resumindo a nossa leitura qualitativa, não podemos afirmar categoricamente que a
sequência explicativa se caracteriza por não evidenciar marcas enunciativas, como o nosso
estudoocomprovou.Porém,éevidentequenestetipodesequênciatextualolocutorseleciona
preferencialmente a objetividade para tecer a sua explicação, o que, por oposição,
prototipicamentenãoocorrenasequênciaargumentativa.
Ambasassequênciassãopolifónicas,masemdiferentesgraus,jáquenãopodemosreferir
queasequênciaexplicativanãoestásubjetivamenteancorada,poisatestamosevidências,apesar
demodestas,dadêixisedapolifonia.
Também não podemos assumir que a pessoa se manifesta só através da dêixis, como
referiaBenveniste,mas,considerandoapolifonia76,podemosconstatarquehásemprevoz(es)
presente(s)numenunciado, aindaqueatravésdegrausdiferentesde intervenção, implicando
umamaioroumenossubjetividadetextual.
Comoasequênciaexplicativadeveráfornecerumaexplicaçãoquenãopoderáapresentar
ambiguidades ao interlocutor, terá de apresentar umaorganizaçãoprópria dasproposições e,
preferencialmente, uma reduzida presença do “eu”, ou de outras vozes, de forma a que o
discursosejaomaisobjetivopossível.
Consideramos, assim, quemarcadores da dêixis e da polifonia se revelam fundamentais
paraacompreensãoeproduçãodestassequênciastextuais.
Temos,então,comprovadooprotagonismodasmarcasenunciativas,introduzidasatravés
dasváriasvozesquepodemosatestarnostextoscomdominanteargumentativa.Estatipologia
apresenta-secomooresultadodeumaatividaderacionaledialógica,bemcomodeumaprática
76Fløttum afirma que “La polyphonie linguistique décrit et explique de nombreux phénomèneslinguistiques différents au micro-niveau (structures de négations, de concession, de causes, diversconnecteurs,(...))”(in“Polyphonieettypologiesrevisitées”).
84
social que permite a adesão ou rejeição do falante face a uma tese anterior, aqui “O poder
corrompe”.Paraisso,oindivíduo,olocutor,enquantopessoa,usarádiferentesrecursosparase
vincularelepróprionodiscurso,explícitaouimplicitamente.
Portanto, consideramos que, prototipicamente, podemos caracterizar a sequência
argumentativacomo[+ENUNCIATIVA]easequênciaexplicativacomo[-ENUNCIATIVA].
3.PROPOSTASDEDIDATIZAÇÃO
Aimportânciadasduassequênciastextuaisemestudo,aexplicativaeaargumentativa,e
dasmarcasenunciativaséevidentenosProgramaseMetasdePortuguêsparao3.ºcicloeparao
ensino secundário, quer atravésdosgéneros textuais, quer atravésdos conteúdosgramaticais
apontados,queratravésdedescritoresdedesempenhonasMetas,comoveremos.
Parece-nos que a possibilidade de os alunos dominarem estas estruturas textuais
prototípicas lhes permitirá uma compreensão e uma construçãomais consistente do sentido,
atravésda leitura,daescritaedooral.Coma leiturade textosdediversosgéneros,osalunos
poderão atestar diferentes sequências textuais e determinar, por exemplo, a dominante,
facilitando a identificação do género e assim melhorar a compreensão de ‘textos complexos’
(noçãocentralnonovoProgramadePortuguêsdosecundário).
Além disso, é de nosso conhecimento que, num percurso escolar, os alunos se vão
familiarizando com manuais das diversas disciplinas, que contêm explicações; são-lhes,
igualmente, explicados os conteúdos; e também são muitos os momentos em que lhes são
pedidosjustificações,comentários,oraisouescritos(testeseexamestêmquestõesquesolicitam
explicações,explicitações/justificações).Portanto,osatosdeexplicaredeargumentarrevelam-
seestratégicosnaescolaridadedosalunose,porisso, lhestemosdedarumaatençãoespecial.
Também devemos salientar que, tendencialmente, as marcas enunciativas se distribuem de
formadiferentenasduassequênciasestudadase,porconseguinte,nosgénerostextuaisqueas
integram.Destaforma,reconheceraspotencialidadesdasmarcasenunciativaspoderáfornecer
aos alunos destreza na construção de sentido(s), tal como o conhecimento da estrutura das
sequências textuais fará dos alunos ‘leitores’ e ‘escritores’ cada vez mais autónomos e mais
independentes,vendoreforçadasassuascompetênciassociais.
Portanto, no nosso entender, as sequências textuais devem ser objeto de trabalho
pedagógico através dos géneros textuais. O trabalho didático deverá passar, assim, pela
observaçãodasregularidadesdecadaumadassequênciasparaqueosesquemasmentaissejam
assimilados.
85
Se atentarmos, agora, no Programa e Metas de Português do ensino secundário,
homologado em janeiro de 2014 e que entrará em vigor em 2015/2016, verificamos que as
sequências textuais explicativa e argumentativa sãomobilizadas por vários géneros escolares
que integram o Programa. Por conseguinte, a sequência explicativa está, tendencialmente,
presente em artigos de divulgação científica, em exposições, em sínteses de textos de caráter
informativo. Por seu lado, a sequência argumentativa consta, prototipicamente, do anúncio
publicitário, do discurso político, da apreciação crítica, do texto/artigo de opinião, do diálogo
argumentativoedodebate,mastambémdoartigodedivulgaçãocientíficaedaexposição.
Noprograma,assequênciastextuaisestãoindicadasparao12.ºano,adêixisparao11.º
ano, como conteúdos gramaticais, e a polifonia não consta explicitamente do programa. Nas
metas do 11.º ano, no domínio da Educação Literária, no âmbito do descritor 14, “Ler e
interpretar textos literários” e do seu objetivo 10. Reconhecer e caracterizar os seguintes
elementosconstitutivosdanarrativa’,preveem-seváriasalíneas,entreelasaalínea“c)narrador:
presença ou ausência na ação; formas de intervenção: narrador-personagem; comentário ou
reflexão”eaalínea“e)tempo(narrativoehistórico)”.Parece-nosquenositensqueacabámosde
destacar(doobjetivo10dodescritor14do11.ºano)podemosentreveradêixiseapolifonia.
De seguida, iremos apresentar propostas de didatização da dêixis (3.1.), através de
diversasatividades,edassequênciastextuaisexplicativa(3.2.)eargumentativa(3.3.)comduas
unidades didáticas. Para isso, contemplaremos os vários domínios do programa, oral, leitura,
escrita, educação literária e gramática, e usaremos diferentes modalidades de trabalho
(individual,apareseemgrupo-turma,deacordocomagestãodoprofessor).
Ametodologiaqueadotaremospressupõei)aobservaçãoeanálisedasocorrências, ii)a
formulaçãoderegras,iii)asistematizaçãoeiv)aconsolidação.
Devemos referir que estas propostas de atividades não se vinculam apenas ao ano de
escolaridadequesugerimos.Astarefaspodemserconsideradasnatotalidadedassequênciasou
recorrendo a uma seleção de exercícios para contexto de sala de aula e/ou como trabalho de
casa.
Nota:Aunidadedidáticasobreasequênciaexplicativadestina-se,preferencialmente,aalunosdo10.ºanoeaunidadedidáticasobreasequênciaargumentativa,ao11.ºanodeescolaridade.Optámosporestagestão(contrariandooPrograma)porqueconsideramosqueassequênciastextuaisnãosedevemreservarapenasparao12.ºano,poispoderiamserintroduzidasprogressivamenteeassimproporcionarumaaquisiçãomaisútileeficaz.Oestudodadêixisdeveriaser introduzidono10.º,melhorandoa interpretaçãodassubtilezasdostextoscomplexos,bemcomoaprodução,oraleescrita.Apresentamosaspropostasdesoluçãoaitálico.
3.1.ADÊIXIS
Atividade1–Notícias(Docs.1e2)
86
a) Lêasduasnotícias.
b) Qualéoreferentede“hoje”naprimeiranotícia(Doc.1)?Adata–27/06/2014
c) Verifica se o lexema “hoje” na primeira (Doc. 1) e na segunda (Doc. 2) notícias têm o
mesmo referente. Identifica a(s) sua(s) referência(s). Não, no Doc. 1, ‘hoje’ refere-se a27/06/2014e,noDoc.2,refere-sea24/06/2014.
d) Oque há em comumnas várias ocorrências de “hoje”?O’hoje’refere-seaotempoemquesefala(aoT0),umadascoordenadasenunciativasdoumatoenunciativo(sempreúnicoeirrepetível)
e) Atentanaexpressão“quarta-feira”noDoc.2.Comopodemosdeterminaradataexata? Apartir de ‘agora’ (‘amanhã’, no título, e a data, terça-feira 24/06/2014), logo quarta-feiracorrespondea25/06/2014
Jean-ClaudeJunckerindigitadoparaPresidentedaComissãoEuropeia
OnomedoluxemburguêsserávotadoemjulhonoParlamentoEuropeuparasucederaDurãoBarroso16:55Sextafeira,27deJunhode2014
Reuters
OschefesdeEstadoedeGovernodaUniãoEuropeia,reunidoshojeemBruxelas,indigitaramoluxemburguêsJean-ClaudeJuncker
paraocargodepresidentedaComissãoEuropeia,anunciouopresidentedoConselhoEuropeu.
"Decisão tomada. O Conselho Europeu propõe Jean-Claude Juncker como próximo presidente da Comissão Europeia", escreveu
HermanVanRompuynasuacontanaredesocialtwitter.
OnomedeJuncker,queeraocandidatodoPartidoPopularEuropeu-vencedordaseleiçõeseuropeiasdemaio-teráagoraqueser
confirmado pelo Parlamento Europeu, numa votação que terá lugar em meados de julho, para suceder a José Manuel Durão
Barroso.
inVisãoonlinehttp://visao.sapo.pt/jean-claude-juncker-indigitado-para-presidente-da-comissao-europeia=f786910
Doc. 1
TemperaturassobemapartirdeamanhãOestadodotempovaimelhorarapartirdequarta-feira,masastemperaturasdeverãomanter-senos23/24graus
10:36Terçafeira,24deJunhode2014-Lusa
"Para hoje ainda está prevista uma situação instável associada a uma depressão que está em deslocamento para leste, para o
território espanhol. Estão previstos períodos de céu muito nublado, ocorrência de aguaceiros, por vezes fortes, de granizo, e
acompanhadosdetrovoadaespecialmenteatarde",adiantouhojeàLusaameteorologistaCristinaSimões,doInstitutoPortuguêsdo
MaredaAtmosfera(IPMA).
CristinaSimõessalientouquetodososdistritosdocontinentevãoestarsobavisoamarelo,osegundomenosgravedeumaescalade
quatro,entreas09:00eas21:00dehojedevidoàprevisãodeaguaceiros,porvezesfortes,degranizo,acompanhadosdetrovoadase
rajadasfortesdevento.
"Apartirdequarta-feiravamosterumamelhoriagradualdoestadotempo,masastemperaturasvãomanter-semaisoumenoscomo
estão,arondaros23/24graus",disse.
Deacordocomameteorologista,naquarta-feiraaindasepoderãoregistaralgunsaguaceirosfracosnasregiõesdonorteedocentro.
Para quarta-feira, ainda estão previstos períodos de céumuito nublado, apresentando-se em geralmuito nublado até ao final da
manhãeaguaceirosemgeralfracos,nasregiõesdonorteecentroeventofraco.
"Vamostertambémumapequenasubidadatemperaturamínimaedamáximanasregiõesdointerioreneblinaounevoeiromatinal",
adiantou.
InVisãoonlinehttp://visao.sapo.pt/temperaturas-sobem-a-partir-de-amanha=f786396
Doc. 2
Atividade2-Otextopublicitário(Docs.3e4)
a) Observaaspublicidades.
b) Qualéoreferentede“eu”em“eucontocomoContinente”?(Doc.3)emcadaatodeleiturao‘eu’ édiferente, i.e.,adquirereferênciaemcadaatodeenunciação(queéúnico)(‘eu’=quemfala);
todosos‘eus’quetiveremacessoaestapublicidade
87
c) Indica o que refere “NOS” e “connosco”. (Doc. 4) ‘NOS’ésinónimode‘ZON+ÓPTIMUS’juntos,
mastambémpoderáquererincluir(‘nós’ inclusivo)o ‘tu’(osclientes eospotenciaisclientes ‘NOS’);
‘connosco’=aempresaNOSqueofereceumproduto,mastambémosclientesdaNOS
d) Determina as coordenadas enunciativas: eu –tu – aqui – agora. Eu (quem fala) = NOS
(empresa+clientes+potenciaisclientes);tu(aquemsefala)=osclientes+futurosclientes–‘celebre’;
aqui(espaçoemquesefala);agora(momentoemquesefala)=emcadamomentoemquese lêou
ouve estamensagem (veja-se o contraste dousodos tempos verbais ‘mudaram’, a Zon e aÓptimus
pertencemàesferadopassado,‘AgorasãoNOS’.Podíamostambémexplorarasubtilezadousodas1ª
p. pl. (nós), da 2ª p. (você) e da 3ª p. pl (i. e., o eu e o tu pertencemà esfera do presente e a 3ª p.
pertencesobretudoaopassado).
e) Tendotambémemconsideraçãooexercícioanterior,podemosagruparestas“palavrinhas
vazias” (isto é, os deíticos que adquirem referência em cada ato de enunciação) por
tipologia?Sim.Dêixispessoal(eu-tu),temporal(agora)eespacial(aqui)(osdeíticos)
f) Pesquisaoutraspublicidadesououtrosdocumentos (escrito, áudio e/ouvídeo), emque
encontresdeíticoseprocuraclassificá-los.
Doc. 4
Doc. 3
Atividade3 –A emergênciada subjetividade –MemorialdoConventode José Saramago
(Doc.5)
Lêoexcerto(Cap.XXI,pp.294-295,parágrafo22)77nasuaíntegraeconsideraoexcertoa
partirdalinha20(“Quandodelonge...”).
a) Sublinhaosdeíticoseidentificaasuatipologia.Cf.otexto.
77JoséSaramago,MemorialdoConvento.Lisboa:EditorialCaminho,15ªedição.
88
Dêixis pessoal: nossas (naus), sou eu, antecipemos, vocês vieram ... vivíeis (não) façam, nós, nos,aprendemos,nossos,estamos,viram,vos,sigam,nós,vocêsentregues,vamos
Dêixisespacial:estes,estes,vieram
Dêixis temporal: agora, sou, antecipemos, vieram ... vivíeis, façam, aprendemos, estamos, viram,sigam,entregues,vamos
b) Verificaapresençadonarradoratravésdosdeíticos.Presençaclaradonarrador:‘nãosoueu’.Comodemonstrativo ‘estes’,o ‘eu’ (narrador)estáaumadistânciapróxima. ‘asnossasnaus’ – ‘nós
inclusivo(eu+tu:oshomensexploradosnotransportedapedra+oleitor;‘nossasnaus’tambémpode
incluir‘detodososportugueses’).‘nãoantecipemos’,‘quenós...vamosbuscarmais’=eu(narrador)+o
leitor.‘anósninguémnosensinou...aprendemos...nossospais...estamos...agora?=eu(narrador)+o
povoexplorado(osdesfavorecidos).c) Comoéqueosdeíticospodemdenunciaroposicionamento,asubjetividadedonarrador
(opinião, sentimentos, crítica, sátira)? O narrador terá tendência para ser neutro?Nesta
passagem,onarradornãoéneutro,nãoéumamera testemunha.Assumeumaposiçãodeoposição
aospoderosos(aorei,aopoder),tomandoumaatitudeafavordopovodesfavorecidoeexplorado.O
demonstrativo, ‘estes’, assume uma defesa dos homens; e em ‘a nós ninguém nos ensinou ...
aprendemos...nossospais...estamos...agora?oeuidentifica-secomestepovoexploradopelorei,pelo
poder;assume-setambémcomodesfavorecido.Há,pois,umacríticaqueassume,porvezes,umasátira
(chegaaassumir-se‘quadrilheiro’).
Podemosaquitambémfazerumaleituradaatualidade:osdesfavorecidos(opovo)continuamaser
pobreseexplorados...
d) E o leitor será também cúmplice do narrador? Como o percecionamos através dos
deíticos? Sim,oleitortambémécúmplicedonarrador,i.e.,oleitorassumeopapeldetestemunhaedecríticodestasituaçãodeexploraçãoehumilhaçãodopovo.Vejam-seosexemplosseguintesemque
o ‘nós’ tambémincluio leitor: ‘nãoantecipemos’, ‘quenós ...vamosbuscarmais’=eu(narrador)+o
leitor.
5
10
15
Àsvezes,háencontros.VinhamunsmaisdoNorte,outrosmaisdoNascente,aquelesdePenela,essesde
Proença-a-Nova, juntaram-seemPortodeMós,nenhumdeles sabeque lugares sãoestesnomapa,nemque
formatemPortugal,seéquadrado,ouredondo,ouaosbicos,seépontedepassaroucordadeenforcar,segrita
quando lhebatemouseseescondepeloscantos.Dasduas levasse fazuma,etendo jáseusrequintesaarte
carcereira,emparelharam-seoshomensdemodomístico,umdeProença,outrodePenela,assimsedificultando
assubversões,comoevidentebenefíciodedarPortugalaconheceraosportugueses,Entãocomoéatuaterra,e
enquantofalamdistonãopensamnoutracoisa.Anãoserquemorraalgumpelocaminho.Podecairfulminado
por um ataque, espumando pela boca, ou nem isso, apenas derrubando-se e arrastando na queda o
companheirodafrenteeocompanheirodetrás,subitamenteeempânicoatadosaummorto,podeadoecerno
descampado e vai de charola, trangalhando pernas e braços, atémorrer adiante e ser enterrado à beira do
caminho,comumacruzdepauespetadadoladodacabeça,ouafortunadamenterecebeempovoadoosúltimos
sacramentos,enquantoosdegredadosesperamsentadosnochãoqueocasosedeslinde,Hocestenimcorpus
meum, este corpo cansado de tantas léguas andadas, este corpo esfolado dos atritos da corda, este corpo
gastadodacomidaaindamenosqueapoucacostumada.Asnoitessãodormidasempalheiros,emportariasde
conventos,emtercenasdespejadas,e,querendoDeuseobomtempo,aoarlivre,assimsejuntandoaliberdade
do ar e a prisão dos homens, extensas filosofias aqui se debateriam se tivéssemos tempo para isso. De
madrugada,muitoantesdenascerosol,eaindabem,porqueestashorassãosempreasmaisfrias,levantam-se
89
20
25
30
os trabalhadores de sua majestade, enregelados e famintos, felizmente os libertaram das cordas os
quadrilheiros, porque hoje entraremos emMafra e causaria péssimo efeito o cortejo demaltrapilhos, atados
comoescravosdoBrasilourécuadecavalgaduras.Quandodelongeavistamosmurosbrancosdabasílica,não
gritam,Jerusalém,Jerusalém,porissoémentiraoquedisseaquelefradequepregouquandofoilevadadePêro
PinheiroapedraaMafra,quetodosesteshomenssãocruzadosdumanovacruzada,quecruzadossãoestesque
tãopouco sabemda sua cruzadia. Fazemalto os quadrilheiros, para quedesta eminência possamos trazidos
apreciaroamplopanoramanomeiodoqualvãoviver,àdireitaomarondenavegamasnossasnaus,senhoras
do líquidoelemento,emfrente,paraoSul,estáafamosíssimaserradeSintra,orgulhodenacionais, invejade
estrangeiros,quedariaumbomparaísonocasodeDeusfazeroutratentativa,eavila, láembaixonacova,é
Mafra, quedizemoseruditos ser issomesmooquequerdizer,masumdia sehão-de rectificar os sentidos e
naquelenomeserálido,letraporletra,mortos,assados,fundidos,roubados,arrastados,enãosoueu,simples
quadrilheiroàsordens,quematalleiturasevaiatrever,massimumabadebeneditinoaseutempo,eessaserá
arazãoquetemparanãovirassistiràsagraçãodabisarma,porém,nãoantecipemos,aindahámuitotrabalho
para acabar, por causa dele é que vocês vieram das longes terras onde vivíeis, não façam caso da falta de
concordância,queanósninguémnosensinouafalar,aprendemoscomoserrosdosnossospais,e,alémdisso,
estamosem,tempodetransição,eagoraquejáviramoquevosespera,sigamláparaadiante,quenós,ficando
vocêsentregues,vamosbuscarmais.
JoséSaramago,MemorialdoConvento
Doc. 5
3.2.ASEQUÊNCIATEXTUALEXPLICATIVA
Consideraotextoseguinte.
OQUEÉOGELOSECO?Sejáassistiuaalgumespetáculodepalco,éprovávelquetenhavistogelosecoaserutilizado.É
issoqueé bombeadoparaopalcopara simular neblina e nevoeiro, ou, no geral, paradar ao
lugarumaspetoimpressionante;masoqueéecomoéfeito?
Narealidade,ogelosecoédióxidodecarbonolíquidoaltamentepressurizadoquefoicongelado
aumatemperaturade-78,5grausCelsius.Aprincipalvantagemdeseutilizardióxidodecarbono
éque,quandoaquece,ficasublimado,oquesignificaquemudadesólidoparagássemsetornar
umlíquido.Porisso,seoaquecerebombearsobreumpalco,vaitransformar-seimediatamente
emneblinafantástica,emvezdeencharcarochão.
Tambémémuitoútilparaembalarprodutoscongeladosquetêmdepermanecer friosporque,
quandoaquece,torna-segasosoemvezdehúmido.
QueroSaber(09/12/2014)inhttp://querosaber.sapo.pt/ciencia/o-que-e-o-gelo-seco
1. Lêotextocomatenção.
2. Fazolevantamentodeaspetoscontextuais,temáticosefuncionais.
Itens Respostas(Propostadesolução)
Tipodediscurso Jornalístico(revistaQueroSaber)
Génerotextual Artigodedivulgaçãocientífica
Localdapublicação RevistaQueroSaber(emlinha)
Datadapublicação 09/12/2014
Autor Semreferênciaaoautor
Destinatário(públicoalvo) Públicoemgeral(nãoespecializado)
Objetivo Explicaroqueéogeloseco
90
3. Relêotextoeconsideraasseguintestarefas.
3.1. Aqueperguntarespondeotexto?Retiradotextoasproposiçõesqueapontamparaessa
pergunta.‘OQUEÉOGELOSECO?’/‘oqueéecomoéfeito[ogeloseco]?’
4. Resoluçãodoproblemaapresentado.
4.1. Emquepartedotextoseresolveapergunta(oproblema)?Nossegundoeterceiroparágrafos.
4.2. Identificaasproposiçõesqueprocuramresponderaoproblema.
Ogelosecoé:
• dióxidodecarbonolíquidoaltamentepressurizadoquefoicongeladoaumatemperaturade-78,5grausCelsius
• odióxido de carbono (...) quandoaquece, fica sublimado, o que significa quemudade sólidoparagássemsetornarumlíquido
• [dióxido de carbono] se o aquecer e bombear sobre um palco, vai transformar-seimediatamenteemneblinafantástica,emvezdeencharcarochão
• muito útil para embalar produtos congelados que têm de permanecer frios porque, quandoaquece,torna-segasosoemvezdehúmido
5. Conclusão.
5.1. Otextopossuiconclusão?Não
5.2. Formula(oureformula)aconclusãoparaestetexto.
Ogelo secoé,portanto,dióxidodecarbono líquidopressurizadoecongeladoqueaquecido se torna
gasoso(enãolíquido)
6. Procurarestabeleceraestruturadestaexplicação.
i) Apresentação do objeto problema (o gelo seco utilizado em efeitos de neblina no palco); ii)
questionamento(oproblema:oqueéogeloseco);iii)resoluçãodoproblema(explicaçãodoproblema
/respostaàpergunta‘oqueéogeloseco?’);iv)conclusão(avaliaçãosíntesedaresposta).
7. Osrecursoslinguísticos.
7.1. Fazolevantamentodosconectoresexistentesnossegundoeterceiroparágrafosdotextoe
apontaarelaçãoqueestabelecem(valor),preenchendooquadroseguinte:
Conector Valor(relação)
Narealidade Reforçativo
Quando Temporal
Porisso Consequência
Também Adição
Para Final
Porque Causal
Nota:Oalunospoderãoconsultaroquadrodosconectores
constante do manual escolar, o quadro de Lopes &
Carapinha(2013:96-97)ouoquadrodeMateusetal.(2003:
91
104-105).
7.2. Substituiestesconectoresporoutrosdevalorequivalente.Incluitambémnesteexercícioa
tuaconclusão(doexercício5.2.).Comefeito,ogelosecoédióxidodecarbonolíquidoaltamentepressurizadoquefoicongeladoaumatemperatura de -78,5 graus Celsius. A principal vantagem de se utilizar dióxido de carbono é que,assim que aquece, fica sublimado, o que significa que muda de sólido para gás sem se tornar umlíquido.Porconseguinte,seoaquecerebombearsobreumpalco,vaitransformar-se imediatamenteemneblinafantástica,emvezdeencharcarochão.Éigualmentemuitoútilparaembalarprodutoscongeladosquetêmdepermanecerfriosporque,logoqueaquece,torna-segasosoemvezdehúmido. O gelo seco é, assim, dióxido de carbono líquido pressurizado e congelado que aquecido se tornagasoso(enãolíquido).
Nota:Dever-se-á insistirque,devidoànatureza lógicadasequênciaexplicativa,existemnexosdecausa-efeito, e por isso são privilegiados conectores causais, o que não invalida a ocorrência deoutrotipodeconectores.Poderáseroportunoreverasubordinação.
7.3. Atenta novamente nos segundo e terceiro parágrafos. Faz o levantamento de todas as
formaverbaisenotaemquepessoaestão.
é,foicongelado,é,aquece,significa,muda,vaitransformar-se,é,têm,aquece,torna-se,é,setorna/3ª
p.sing.
7.4. Qualéotempoverbalpredominante?Qualéoseuvalor?
Presentedoindicativocomvaloratemporal(daverdadedestefenómenoquenãosevinculaapenasno
tempopresente,no‘hoje,agora’)
7.5. Identificamarcasenunciativasnotexto.Algumascategoriaspoderãonãoocorrer.
Marcasdeenunciação(coordenadasenunciativaseu-tu-aqui-agora)
Exemplosdasequênciaexplicativa
Dêixispessoal:1ªp.sing.(eu) -
Dêixispessoal:1ªp.pl.(nós) -
Dêixispessoal:2ªp.(tu,vós) assistiu,quetenha
Dêixistemporal(agora,T0) -
Dêixisespacial(aqui) -
Conectorescausaisedeconsequência porisso,porque
Negação(não+V.) -
Modalidadeepistémica(graudecerteza/possibilidade) -
Citações/referênciaaoutrasfontes -
Perguntaretórica -
7.6. Partindo das questões 7.3., 7.4. e 7.5., a que conclusão chegas sobre a sequênciaexplicativa? Recurso preferencial pela 3ª pessoa, semmarcas do ‘eu’, presença da 2ª pessoa, poispretende-se explicarum fenómeno,de formaobjetiva (aum ‘tu’), sem interferênciadeumpontodevistapessoal.Oautor(olocutor)éapenasummeroobservadorexternodosfactos.
92
7.6. Léxico. Qual é classe de palavras dominante? Nomes (terminologia relacionada com o
fenómeno);léxicocomvalordenotativoeobjetivo8. Ondepodemosencontrarestetipodesequência?
Revistas especializadas, wikipédia, enciclopédias, manuais escolares (artigos científicos e de
divulgaçãocientífica;explicaçãodefenómenos,regrasgramaticais),respostasemtestesdeavaliação,
exposições
9. Procuraformularumasíntesesobreasequênciaexplicativa,tendoemconsideração
• oobjetivodasequência,
• aestrutura,
• asmarcasenunciativasdepessoa,
• osconectores,
• otempoverbal,
• oléxico. (arespostaconstadasquestõesanteriores)
Comoexercíciodeaplicação,poder-se-ápediraosalunospararesponderemàsquestões
anteriores (ou uma a seleção) sobre o fragmento seguinte, “A chamada da flor”. Esta tarefa
poderásersolicitadacomotrabalhodecasa.
Achamadadaflor
Algumas flores tropicais refletemo som, permitindo que osmorcegos que procuramnéctar consigam
facilmenteencontrá-las.
TextodeSUSANMCGRATH
(...)
Querazãolevaasplantasainvestiremtantonacapacidadedeatrairerecompensarosmorcegos?“Porqueosmorcegossãoospolinizadoresmaiseficazes”,explicaRalphSimon.“Elesvalemoesforço.”
Umestudoconduzidoem2010peloecólogoNathanMuchhala,daUniversidadedeMissouri-SaintLouis,
comparando beija-flores e morcegos nectarívoros do Equador, concluiu que os morcegos depositam, em
média,dezvezesmaisgrãosdepólendoqueasaves.Epercorremdistânciaslongasenquantoosbeija-flores
depositamopólenrecolhidonumraiodecercadeduzentosmetros.Otransportadordemaislongadistância
entre osmorcegos nectarívoros, o Leptonycteris curasoae, procura alimento em locais que distam até 50
quilómetrosdoseuabrigo.O longoalcancedosmorcegosconferegrandevantagemàsplantasda floresta
tropical, que frequentemente se encontram dispersas em densidades baixas. Esta polinização de grande
alcance torna-se ainda mais importante à medida que as florestas vão ficando fragmentadas pela
desflorestação.(...)
NationalGeographicPortugal,julho2014(textocomsupressões)
3.3.ASEQUÊNCIATEXTUALARGUMENTATIVA
Nota:Paraaprimeiraatividade,deverãoserfornecidos,pelomenos,doistextos(oufragmentostextuais)aosalunos:umcomdominanteargumentativa(Doc.1)eumsegundocomoutrasequênciadominante(Doc.2).Poderão ser usadas as sequências explicativas da unidade anterior ou outra de outro tipo, com fontes
93
diversas (literárias, jornalísticas, etc.). Por falta de espaço, vamos integrar aqui apenas o texto comdominanteargumentativa.
Doc.1(Nota:Esteexcertocorrespondeaotítuloeaos1.ºeúltimoparágrafosdoartigo.)
1. ConsideraosDocs.1e2. Identificaotextoondeháargumentaçãoe justificaa tuaopção
comelementostextuais.PensamosqueosalunosindicarãoclaramenteoDoc.1epoderãoreferiraexpressãodeumaopinião,atese,algunsargumentos,oléxicovalorativo,ousoda1ªp.,ostemposverbais,etc.
2. Ondepodemosencontrarargumentação?Emquemomentosapodemosusar?Cartazes (ex. da APAV), publicidade, desdobráveis (ex. do Ministério da Saúde), tribunal (defesa,acusação, sentença), nos media (artigos de opinião, críticas, colunas, debates televisivos eradiofónicos, fóruns, blogues), no Parlamento, nos discursos políticos, em situações familiares, naescola(i.e.,nosdiscursospublicitário, judicial, jornalístico, literário,doquotidiano,escolar,etc.–emtodoolado,poiséaquiloquemelhornoscaracterizacomoseresracionais)
3. ConsideraoDoc.1queapresentaaexpressãodeumaopinião.
3.1. Relê o texto com atenção e faz o levantamento de aspetos contextuais, temáticos e
funcionais.
Itens Respostas(Propostadesolução)Tipodediscurso Jornalístico(revistaVisão)Génerotextual ArtigodeopiniãoLocaldapublicação RevistaVisão(n.º1172)Datadapublicação 20/08/2015Autor(papelsocial/função) ClaraSoares(jornalista)
Destinatário(públicoalvo)Públicoemgeral,osleitoresdarevista(sobretudoosqueestãosempreconectadose,possivelmente,osseusfamiliares)
SEMPPRE‘ON’?PRECISADEUMADIETADIGITAL
Os dispositivos eletrónicos vão connosco para todo o lado. Já não sabemos jantar, passar férias, nem
sequerconvivercomamigossemeles.Precisamenteporisso,aprenderadesconectaréumanecessidadee
umatendênciamundialcomcadavezmaisadeptos.Saibaoquerevelamaspesquisasedescubraosegredo
paranãopassaraoladodosmomentosquerealmentecontam.
CLARASOARES
“Nãoconsigoviver/contigoousemti”.Odilemadosamantes,imortalizadonotemadosU2.Étãobom
quesequersempremais,atéaodiaemqueaconvivênciasetorna(quase)impossível.Falamosdosgadgetseletrónicos,extensõesdenós,cidadãosdigitaisemconexãopermanente.QueodigaKatherineLosse,ex-
colaboradora do fundador do Facebook.Numa entrevista aoTheWashington Post, ela comparou a rede
socialaorefrãodaicónicacançãodosEagles[HotelCalifórnia,1976]:Assimfoi.Katherineapagouoperfil.
Viriaacriarumnovo,masimpôsregraselimitesaostemposemmodooneoffline.(...)
Maisdoquedemonizaraevoluçãodigital,importamanterasoberanianarelaçãocomela.Evocandoa
ex-colaboradora de Zuckerberg, Katherine Losse, o segredo é desconectar para reconectar. Retomar a
sabedoria. Usar as TI (tecnologias de informação) conscientemente. Ao contrário do que canta Bono,
“aprenderavivercomesemti”.
Visãon.º1172,20/08/2015(textocomsupressões)
94
Tema OusodasTIObjetivo Convencer,influenciar,levaraspessoasafazeremumusoracionaldasTI
3.2. Qualéaideiaquesedefende(atese)?Formulaumaafirmação.
DevemosfazerumusoconscientedasTI.(=‘fazerumadietadigital’)(e,implicitamente,apela-seàleituradoartigo–‘descubraosegredopara...’)
3.3. Identificaascircunstânciasquelevamaesteapelo.Osgadgets estão sempre connosco (éumproblema social deâmbitoglobal), até em situaçõesmaispessoais em que se devia disfrutar dos momentos (jantares, férias, convívios), criando umadependência,quaseumasituaçãodeamorexacerbada(comonosversosdamúsicadosU2).Porisso,precisarmosdeumadesintoxicaçãodigital.
3.4. Identifica os argumentos, isto é, as razões que fundamentam/justificam a afirmação (a
tese).Necessidadedeaprenderadesconectar-secomoumatendênciamundialConhecercomváriosestudossobreestadependênciaDescobriro segredo:comodesfrutardo tempo(‘demomentosquerealmentecontam’–as férias,osamigos,afamília)
3.5. Identificaexemplo(s)quecomprova(m)osargumentos.
Katherine Losse, ex-colaboradora do fundador do Facebook, que apagou o seu perfil do facebook ecriouumnovocomregrasdeuso(queincluíatemposoffline)
3.6. Identificaaconclusão.Revelação do segredo: desconectar, retomar a soberania sobre as TI, usá-las de formaconsciente/racional(deixardeserdependente;reduziroacessoàTI=fazeruma‘dieta’).
4. Escrita.Procuraconvencerosteuscolegasdaturma(edaescola/agrupamento)paraum
uso racional das tecnologias de informação. Escreve um texto com dominante
argumentativa(umtextodeopinião)queserápublicadonoJornaldoAgrupamento.
5. Osrecursoslinguísticos.
5.1. Faz o levantamento dos conectores existentes no Doc. 1 e aponta a relação que
estabelecem(valor),preenchendooquadroseguinte:
Conector Valor(relação)
nem adição
porisso consequência
(étão...)que consequência
mas contraste,oposição
Nota: Os alunos poderão consultar o quadro dosconectores constante do manual escolar, o quadro deLopes&Carapinha(2013:96-97)ouoquadrodeMateusetal.(2003:104-105).
5.2. Substituiestesconectoresporoutrosdevalorequivalente.
5.3. Consideraotítulodoartigo:“SEMPRE‘ON’?Precisadeumadietadigital”.
95
5.3.1. Constróiuma frasecomplexacomestasduasproposições,mantendoestaordem. (Terás
derecorreraconectores.)Seestásempre‘on’,entãoprecisadefazerumadietadigital.
5.3.2. Alteraaordemdasproposições,começandopor ‘Precisadeumadietadigital’econstróioutrafrasecomplexa.Precisadeumadietadigitalporqueestásempre‘on’.
Nota: Dever-se-á insistir que, devido à natureza lógica da sequência argumentativa, são privilegiadosconectoresdecausa-consequência,bemcomocontrastivosnamarcaçãodeoutromovimentoargumentativo(acontra-argumentação),oquenãoinvalidaaocorrênciadeoutrotipodeconectores.Seráoportunomostrarquequalquermovimentoargumentativoprototípicoébinárioequeomovimentoqueligaaspremissasàconclusãopodeobedeceraumaordemprogressiva(comoem5.3.1.)ouregressiva(comoem5.3.2.).
5.4. Identificamarcasenunciativasnotexto.
Marcasdeenunciação
Exemplosdasequênciaargumentativa
Dêixispessoal:1ªp.sing.(eu) -consigo
Dêixispessoal:1ªp.pl.(nós) -connosco,sabemos,falamos,nós,
Dêixispessoal:2ªp.(tu,vós,‘você’) -precisa,saiba,descubra,contigo,ti,ti
Dêixistemporal(agora,T0)-presentedoindicativo:vão,sabemos,é,revelam,consigo,é,setorna,importa,é,canta
Dêixisespacial(aqui) -
Conectorescausaisedeconsequência porisso,que
Conectorescontrastivos -mas
Negação(não+V.) -nãosabemos,nãoconsigo
Modalidadeepistémica(graude
certeza/possibilidade)
Modalidadedeôntica(obrigaçãoe
permissão)
-Modal.deôntica:importamanterasoberania(ordemmitigadaequivalentea:tutens/vocêtemdemanterasoberania)
Citações/referênciaaoutrasfontes
-“Nãoconsigoviver/contigoousemti”,“aprenderaviversemti”,osU2;KatherineLosse,WashingtonPost,Facebook,Zukerberg,HotelCallifornia,osEagles
Perguntaretórica -
5.5. Partindodestequadro,aqueconclusãochegassobreasequênciaargumentativa? Presença das 1ª e 2ª pessoas, i.é., com marcas deíticas – eu-tu, predomínio de verbos no presente do indicativo, com conectores de causa-consequência e de contraste. Pois pretende-se convencer o interlocutor (os leitores da Visão em que se inclui o ‘eu’) a mudar de comportamento, de forma subjetiva, com interferência de um ponto de vista pessoal e de outras vozes, como a da ex-colaboradora do Facebook, da menção da canção dos U2 e da canção dos Eagles “Hotel Califórnia”. Veja-se o léxico avaliativo como dilema, amantes, impossível, permanente, icónica...
Nota: Dever-se-á apelar para o efeito polifónico de estruturas contrastivas e de negação, bem como de perguntas retóricas, das citações, que introduzem outras vozes no texto, reforçando o ponto de vista e, logo, a argumentação. Também será interessante apelar para a capacidade dialógica desta sequência que, ao envolver diretamente, ou implicitamente, o interlocutor, ativa a interação e os vários movimentos argumentativos de um texto com dominante argumentativa. No que se refere à modalidade, poderá ser trabalhada no sentido de apelar para a sua capacidade argumentativa. Modalizadores epistémicos como:
96
é certo que, é indiscutível, com certeza, certamente, provavelmente, possivelmente, parece, etc., reforçam qualquer argumentação.
6. Procurarestabeleceraestruturadeumasequênciatextualargumentativa.Situaçãoinicial>
Premissas(argumentoseexemplos)>(contra-argumentação)>conclusão7. Escrita.Retomaaquestão4.eelaboraumtextodeopiniãosobreasdependênciasdigitais
eanecessidadedasuaracionalização.
• Deverás ter em conta questões contextuais, temáticas, estruturais e linguísticas que fomostratandoaolongodestaunidade.
• Planificaprimeirooteutexto,preenchendoaseguintetabela“Planodetexto...”.• Passa depois à textualização e, finalmente, à revisão. Para isso, poderás consultar a lista de
verificaçãodomanualparatextospredominantementeargumentativos(econsiderartodososaspetosqueabordámos).Nãoteesqueçastambémdequetensumquadrodeconectoresquefacilitaráarealizaçãodatuatarefa.
97
PLANODETEXTOPREDOMINANTEMENTEARGUMENTATIVO78
TEXTODEOPINIÃO79
1ªETAPA:REFLEXÃO
a)Tema:Problema:
• Oqueeuconheçosobreotema:
• Oqueeupensosobreotema:
• Porquê?
• Oqueoutrospensamsobreotema:
• Porquê?
b)Destinatáriospossíveis:
c)Localdepublicação/apresentação:
d)Síntesedareflexão:
Tema:…………………………………………
O meu destinatário é …………………………………………….. e quero-o convencer de
……………………………………………………............……,recorrendoa:
2ªETAPA:PLANIFICAÇÃOdotexto(estruturação/progressãotemática)(tópicos)
Introdução:Parágrafoinicial:
-Contextualizar
-Assumirumaposição.
-Clarificaratese.
(Contextualizaçãodasituaçãodequesevaitratar,direcionandoaabordagem,i.e.,apresentandoatese).(Atesedeveserapresentadademodoafirmativo,claraebemdefinida.Nota:podeestarnaformadeinterrogação.)
Desenvolvimento:Formulaçãodeargumentos
-Váriosparágrafos(média:umpor
argumento),articuladosporconectores,onde
seenumeramosargumentoseoscontra
argumentosseguidosdeexemplos,citações…)
(Análise/explicitaçãodateseapresentada;exposiçãodosargumentosqueprovamaverdadedaproposição:factos,exemplos,citações,testemunhos,dadosestatísticos)(Umbomargumentoéaquelequeconseguetrazerumamudança,i.e.,convencerooutro)
Conclusão:-Parágrafofinal,ondeseretomaateseinicial,
comprovada,concluindo-se,assim,o
raciocínio.
(Síntesedademonstraçãofeitanodesenvolvimento)(Aconclusãotemduasfunções:i)aretomadatese(acircularidadedotexto);ii)acriaçãodeumcertoimpactonoleitor/ouvinte,porissodeveprocurarseroriginal)
3ªETAPA:TextualizaçãoeRevisão
Nota: Como sabes, um texto de opinião pode ter, para além da sequência argumentativa, outro tipo de sequências
textuais(descritivas,narrativas,explicativase/oudialogais).
Argumento:
Exemplo(s):
Argumento:
Exemplo(s):
Argumento:
Exemplo(s):
8. Numaetapafinal,osalunospoderãocompararassuasduasproduçõestextuais(exercícios
4. e 7.), tomando consciência da sua progressão e da estrutura e característica destes
textoscompredominanteargumentativa.
9. Partindodoexercício7.,poder-se-ãosolicitaroutrastarefasdecaráteroral80,como:
9.1. Umaapresentaçãooral,emquehaveráadefesadeumpontodevista.
78Documentodetrabalhojátestadoemespaçodesaladeaulacomresultadosrelevantes.79Poderemospedirestaatividadesobformadedesdobrávelparasensibilizaçãodacomunidadeescolar.80Todasasatividadesdeverãoserpreviamenteplanificadasepreparadas.
98
9.2. Umdebate,àsemelhançadoprogramatelevisivoPróseContras,comumgrupoafavore
outrocontraeummoderador.
9.3. Simulaçãodefrenteafrente,comummoderador.
Muitassãoasatividadesquepoderãoserativadasemespaçodesaladeaula81.Paranão
nosalongarmosmais,apenasqueremosdeixarmaisumexemplodeatividadequepodeserútil,
vistoqueenvolvetambémodomíniodaEducaçãoLiterária.Passamosaenunciá-la.
1. Imaginaqueésoadvogadodedefesadopolvo(doSermãodeSantoAntónioaosPeixesde
AntónioVieira).82
Redige a tuadefesa.Podes evocar aspetosmaispositivosna suadefesa e circunstâncias
que poderão atenuar a sua culpa, de forma a que a sentença final sejamais leve.Deves
tambémpreverarefutaçãodosargumentosdaacusação.
Em conclusão, cremos que as sequências textuais não deveriam estar programadas
apenas para o 12.º de escolaridade e a dêixis só no 11.º, visto que nos parece visível a
produtividade do trabalho sobre as sequências explicativa e argumentativa para um melhor
domíniodosgénerostextuaisexigidospeloprograma,quernasuacompreensão,quernoatode
produção,escritaeoral.
81No sentido de integrar as atividades de produção, o professor de português tem também à suadisposiçãooProgramadoParlamentodos Jovens, promovidopelaAssembleiadaRepública, emquesepropõem, anualmente, temáticas para apresentação de resoluções que são defendidas e aprovadas (ounão) em assembleia de alunos-deputados. Para mais informações, consultarhttp://www.jovens.parlamento.pt/82Esteexercíciopodeseradaptadonoutrassituaçõesdetrabalhocomotextoliterário,porexemploumapersonagemfazadefesaouaacusaçãodeoutrapersonagem,devidamentecontextualizada.
99
CAPÍTULOIV–CONSIDERAÇÕESFINAIS
Com este trabalho, julgamos ter demonstrado a necessidade de articular o domínio das
sequências textuais com a área das teorias da enunciação no contexto do ensino de língua
materna. Neste âmbito, desenvolvemos uma reflexão teórica sobre a problemática das
sequências textuais e sobre alguns aspetos das teorias da enunciação procurando, depois,
direcioná-laparaavertentedoensino-aprendizagem.
A nossa pesquisa teve como ponto de partida a hipótese de podermos distinguir a
sequência textual explicativa da argumentativa, a partir da sua ancoragem enunciativa, pois
intuitivamente acreditávamos que estas duas sequências, para além da sua estrutura
macroproposicional, sepodiamdistinguirpelamaioroumenorpresençademarcasdeíticas e
polifónicas.
Acontextualizaçãoteórica,comqueiniciámosestetrabalho,envolveuaproblematização
dealgumasnoções,centraisparaanossa investigação:(i)umadistinçãoentreosconceitosde
‘texto’,‘discurso’e‘enunciado’;(ii)umareflexãosobreacomplexaáreadatipologiatextual,que
nos conduziu à caraterização da noção de ‘sequência textual’; (iii) o delineamento das
propriedades e da estrutura macroproposicional das sequências explicativa e argumentativa;
(iv) uma análise (forçosamente parcelar) da área das teorias da enunciação e a necessária
focalizaçãonosdomíniosdadêixis edapolifonia, aparato teóricodequenos servimospara a
partemaispráticadonossoestudo.
Apósestareflexãoteórica,apresentámosametodologiadeanáliseutilizada:oprocessode
recolhadedadoseacaraterizaçãodosinformantes.
Oterceiroeúltimocapítulofazumaleituraquantitativaequalitativadosdadosempíricos
recolhidos.
Podemos agora sistematizar algumas conclusões que podem ser retiradas a partir da
análise desses dados. Os resultados do nosso estudo comprovam que, à caracterização
prototípica destas sequências textuais, podemos juntar critérios enunciativos, associando os
doismódulosdeAdam(2012)“Enunciação(responsabilidadeenunciativa)&Coesãopolifónica”,
(N7),e“Estruturacomposicional(sequênciaseplanosdetextos)”,(N5)(vd.Quadro6).Porum
lado, a nossa investigação demonstrou que a sequência textual argumentativa evidencia,
tendencialmente, mais marcas enunciativas, apontando para uma maior subjetividade e
intersubjetividadedoqueasequênciatextualexplicativaque,apesardemostrarevidênciasda
dêixisedapolifonia,épreferencialmentedefinidapela fracapresençademarcasenunciativas,
primandoporumamaiorobjetividade.Poroutro,osresultadosobtidos,partindodeumcorpus
constituídoportextosdejovensestudantesdo12.ºano,denotamqueháaindatrabalhoafazer,
100
em aula, sobretudo no que toca à sequência argumentativa, pois nem todos exploraram as
imensasvirtualidadesqueosistemaenunciativodisponibilizaparaaconstruçãodemovimentos
argumentativosconsistentes.Apresençadetrêsinformantes(numuniversodevinteesete)que
aindarecorremamarcasdeíticasnumtextodedominanteexplicativa tambémindicaqueesta
sequência deve sermais trabalhada. Isto significa que os alunos intuitivamente têm já algum
domíniodastécnicaslinguísticasautilizarnaproduçãotextual,masqueháaindaespaçoparaa
melhoriaesobretudoparaumamaiorconsciencializaçãometalinguísticaacercadapresençae
da funcionalidade da subjetividade (e dasmarcas linguísticas a ela associadas) em textos que
são, à partida, fortemente investidos de subjetividade ou que, pelo contrário, visam a
neutralidadeeaobjetividade.
Foia tentativadedarumarespostaaestedesafioquenos levouàapresentaçãodeuma
propostadidáticaparaaabordagemintegradadestasquestões.
Os aspetos analisados mostram, assim, a produtividade das teorias da enunciação,
nomeadamentedadêixisedapolifonia,naproduçãoeinterpretaçãodetextos.Poroutrolado,e
embora o domínio das sequências textuais e o domínio das teorias enunciativas abordem
realidades diversas, é nosso entender que é necessário estabelecer uma interação entre estes
doisníveisdeanálise,noplanodidático, jáqueaheterogeneidadetextual (pelomenosnoque
concerneaestasduassequências)tambémdecorredeumdiferenteinvestimentosubjetivo.Do
nossopontodevista,estaarticulaçãopoderáfacilitaracompreensãoeaproduçãodetextospor
partedosalunos,possibilitandoaidentificaçãodesequências,nomeadamentedadominante,ea
construção de planos textuais, orais ou escritos. Defendemos que esta pode ser uma das vias
para que os alunos se tornem melhores alunos e melhores cidadãos, mais autónomos e
confiantes,aodominaremcommaiorconfiançaaleitura,aescritaeaoralidade(nosplanosda
compreensãoeexpressão).
Por último, também nos parece que este estudo se configura como uma contribuição
inédita, no âmbito da linguística do Português Europeu, quer pela análise enunciativa das
sequências textuais que apresenta, quer pela vertente didática que tem em consideração os
novosprogramasdeportuguês,aindatãopoucoexplorados.
Temos consciência de que o trabalho aqui apresentado constitui apenas o início de um
trilhode investigaçãomaisprofundo edemorado edeque,mesmona área emanálise,muito
ficouaindapor fazer,nãosódevidoàs limitações impostasaumtrabalhodestanatureza,mas
tambémporque a áreaque tomámos comoobjetode estudo é ampla e difícil de sistematizar.
101
Emtrilhosdeinvestigaçãofutura,pensamosque,noestudodosgénerostextuais,haveriaa
necessidadedeumtrabalhosobreassequênciastextuaisqueosconstituemprototipicamente,o
queajudarána leituraenaproduçãodosváriosgéneros, sobretudoosgénerosexigidospelos
novos Programas eMetas de Português do 3.º ciclo do ensino básico e do ensino secundário.
Estainvestigaçãopassaria,paraalémdoreconhecimentodasequênciatextualdominante,pela
funçãodassequênciasdeoutrotiponasequênciadominante,pelaarticulaçãodadominantecom
asoutrassequênciasepelacapacidadedeosgénerosse renovarem, tendoemconsideraçãoo
recurso às sequências textuais. De qualquer modo, gostaríamos que este trabalho auxiliasse,
aindaqueapenascomofontedeinspiração,outrosprofessoresdeportuguês.
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