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Maria Fernanda dos Santos Pereira PARA UMA LEITURA ENUNCIATIVA DAS SEQUÊNCIAS TEXTUAIS EXPLICATIVA E ARGUMENTATIVA Dissertação de Mestrado em Linguística: Investigação e Ensino, orientada pela Doutora Maria da Conceição Carapinha Rodrigues, apresentada ao Departamento de Línguas, Literaturas e Culturas da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra 2015 UNIVERSIDADE DE COIMBRA

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Maria Fernanda dos Santos Pereira

PARA UMA LEITURA ENUNCIATIVA DAS SEQUÊNCIAS TEXTUAIS EXPLICATIVA E ARGUMENTATIVA

Dissertação de Mestrado em Linguística: Investigação e Ensino, orientada pela Doutora Maria da Conceição Carapinha Rodrigues, apresentada ao Departamento de Línguas, Literaturas e Culturas da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra

2015

UNIVERSIDADE DE COIMBRA

Faculdade de Letras

PARA UMA LEITURA ENUNCIATIVA DAS SEQUÊNCIAS TEXTUAIS EXPLICATIVA E ARGUMENTATIVA

Ficha Técnica:

Tipo de trabalho Dissertação de Mestrado Título Para uma leitura enunciativa das sequências

textuais explicativa e argumentativa Autora Maria Fernanda dos Santos Pereira

Orientadora Maria da Conceição Carapinha Rodrigues Júri Presidente: Doutora Graça Maria de Oliveira Rio-

Torto Vogais: 1. Doutora Ana Cristina Macário Lopes 2. Doutora Maria da Conceição Carapinha

Rodrigues Identificação do Curso 2.º Ciclo em Linguística: Investigação e Ensino

Área científica Linguística Especialidade/Ramo Linguística Aplicada

Data da defesa 15-10-2015 Classificação 18 valores

UNIVERSIDADE DE COIMBRA

I

AGRADECIMENTOS

Emprimeirolugar,umagradecimentomuitoparticularàminhaorientadora,Professora

DoutoraConceiçãoCarapinha, pelo apoio e atenção, bem comopelo carinho manifestados ao

longodestacaminhada.

ÀProfessoraDoutoraGraçaRio-Torto,umagradecimentoespecialpeloincentivoepelo

gostopelainvestigação.

Umagradecimentoeumgrandeapreçopelasdocentesdoanocurriculardomestrado,

DoutorasAnaCristinaMacário Lopes, ClarindaMaia, Isabel Poço Lopes e JoanaVieira Santos,

comasquaismuitoaprendiequemeincentivaramparaosestudosemLinguística.

OmeuapreçoàminhaEscolaeaomeuAgrupamento,emparticularàdireção,aosmeus

colegaseaosalunos,quemetêmestimuladonamelhoriaconstantedosmeusdesempenhos.

UmagradecimentoespecialàminhacolegaeamigaMariaJoséBráspelamotivaçãoepor

meterproporcionadoarecolhadocorpus,disponibilizando-separaapreparaçãoconjuntadas

questõeseparaasuaaplicação.

ÀminhairmãAlice,aomeucunhadoPedroeaomeusobrinhoDiogo,peloapoioepelo

carinho.

Por fim, aosmeus pais, em especial àminhamãe, pelo incentivo, pela corageme pelo

exemplo.

II

III

RESUMO

As sequências textuais explicativas e argumentativas configuram-se as dominantes em

diversos géneros textuais que ocupam um primeiro plano no recente Programa e Metas de

Portuguêsdoensinosecundário.

Pornosparecerqueépossívelpartirdassequênciastextuaisbásicasparaabordar,depois,

alguns géneros textuais distintos (não constituindo, no entanto, nosso objetivo a

problematizaçãodessas relações) eque, sendopertinentenanossa áreaprofissional, não tem

sido alvo de grande atenção, elegemos como tópico de trabalho a dimensão enunciativa das

sequênciastextuaisexplicativaeargumentativa.

O nosso objetivo é contribuir para a realização de um trabalho pedagogicamente mais

apuradoemtornodassequênciastextuais,umavezqueummaiorconhecimentodasestruturas

textuais e da sua organização permitirá aos alunos reconhecê-las e usá-las em diferentes

génerostextuais.

Paradarconsecuçãoaosnossosobjetivos,baseámo-nos,principalmente,nostrabalhosde

Adam sobre as sequências textuais; para a enunciação e dêixis recorremos aos estudos de

Benveniste e Kerbrat-Orecchioni, enquanto o tratamento da polifonia linguística foi

fundamentado pelos estudos de Ducrot e pela investigação de Vion e Fløttum. Ao ampliar o

âmbitodanoçãode ‘pessoa’ deBenveniste coma introduçãoda categoriado ‘pontodevista’,

complementou-seanoçãodesubjetividadeeintersubjetividade.

O corpus que sustentou o estudo foi recolhido com base em produções de sequências

textuaisexplicativaseargumentativas,produzidasporalunosdo12.ºano.

A análise tentou demonstrar que aspetos enunciativos, como a dêixis e a polifonia,

constituem fatores distintivos prototípicos destas duas sequências textuais, o que pode vir a

facilitaracompreensãoeproduçãodetextospelosalunos.

Palavras-chave:enunciação,dêixis,polifonia,sequênciatextualexplicativaeargumentativa.

IV

ABSTRACT

Theexpositoryandargumentativesequencesconstitutethemajortextualsequencesin

different textualgenresoccupyingacentral focus(constitutingoneof itsprimaryaims) in the

recentlyreviewedprogramofthePortuguesedisciplineofsecondaryschool.

Althoughwearguethat it ispossibletoanalyzedifferenttextualgenresbasedonbasic

textual sequences this relationship does not constitute our research goal. Instead, we have

selectedasubjectnoyetextensivelystudied,intheEuropeanPortuguesedomain,eventhoughit

is relevant in our professional area: the enunciative dimension of the expository and

argumentativetextualsequences.

Our aim is to contribute to the understanding of a pedagogicallymore accuratework

about the textual sequences, since a deeper knowledge of textual structures and of their

organizationwillenablestudentstorecognizeandusethemindifferenttextualgenres.

To attain our goals we have based our analysis mainly on Adam's work on textual

sequences;forenunciationanddeixis,wehaveresortedtothestudybyBenvenisteandKerbrat-

Orecchioni, and the linguistic polyphony studywas supported by studies of Ducrot, Vion and

Fløttum.WeextendedBenveniste’sconceptof ‘person’byintroducingthecategoryof ‘pointof

view’,andasaresult,weobtainedabetternotionofsubjectivityandinter-subjectivity

The study was supported by a corpus collected from expository and argumentative

textualsequencesproducedbystudentsofthe12thgrade.

The analysis seems to demonstrate that enunciative aspects, such as deixis and

polyphony, are prototypical distinctive factors of these two textual sequences, which can

facilitatetheunderstandingandproductionoftextsbystudents.

Keywords:Enunciation,deixis,polyphony,expositoryandargumentativetextualsequences.

V

ÍNDICE

INTRODUÇÃO 1

CAPÍTULOI–ENQUADRAMENTOTEÓRICO 41. Texto/Discurso/Enunciado 42. Tipologiastextuais 6

2.1. Classificartextos 62.2. Classificaçõestextuais:tiposdediscurso,génerosdiscursivos/textuais, tiposdetextosesequênciastextuais 82.3. Tiposdesequênciastextuais: 12

2.3.1. Sequênciaexplicativa 152.3.2. Sequênciaargumentativa 20

3. Questõesdeenunciação 263.1. Dêixis 29

3.1.1. Deíticos 303.1.2. Tipologiasdadeixis 323.1.3. Emergênciadasubjetividadenalinguagem 39

3.2. Polifonia 403.2.1. Negação 433.2.2. Ironia 453.2.3. “Îlotstextuels” 463.2.4. Conectores 473.2.5. Modalização 50

CAPÍTULOII–METODOLOGIAECORPUS 541. Processoderecolhadocorpus 542. Perfildosinformantes 563. Metodologiadoestudo 56

CAPÍTULOIII–ANÁLISEDOCORPUS–LEITURAQUANTITATIVAEQUALITATIVA 581. Leituraquantitativa 582. Leituraqualitativa 773. Propostasdedidatização 84

CAPÍTULOIV–CONDIDERAÇÕESFINAIS 98

BIBLIOGRAFIA 101

VI

ÍNDICEDEFIGURAS

Figura1: Ocorrênciadadêixisnasequênciaexplicativa 51

Figura2: Distribuiçãodastipologiasdadêixis:pessoal,temporaleespacialnasequênciaexplicativa

59

Figura3: Dêixispessoal–distribuiçãoda1ªpessoadosingulareda1ªpessoadopluralnasequênciaexplicativa

60

Figura4: Distribuição das tipologias da dêixis: pessoal, temporal e espacial nos textospredominantementeargumentativos

63

Figura5: Dêixispessoal–distribuiçãoda1ªpessoadosingulareda1ªpessoadopluralnostextospredominantementeargumentativos

64

Figura6: Ocorrênciadanegaçãonasequênciaexplicativa 67

Figura7: Distribuiçãodosconectoresnasequênciaexplicativa 68

Figura8: Distribuiçãodosconectoresdecausa-consequêncianasequênciaexplicativa 68

Figura9: Distribuiçãodosconectorescontrastivosnasequênciaexplicativa 68

Figura10: Ocorrênciademodalizadoresnasequênciaexplicativa 69

Figura11: Distribuição dos modalizadores epistémicos e deônticos na sequênciaexplicativa

70

Figura12: Ocorrênciadanegaçãoemtextospredominantementeargumentativos 73

Figura13: Distribuiçãodosconectoresemtextospredominantementeargumentativos 73

Figura14: Distribuição dos conectores contrastivos em textos predominantementeargumentativos

74

Figura15: Distribuição dos conectores de causa-consequência em textospredominantementeargumentativos

74

Figura16:Ocorrênciademodalizadoresemtextospredominantementeargumentativos 75

Figura17: Distribuição de modalizadores epistémicos e deônticos em textospredominantementeargumentativos

75

Figura18: Ocorrênciados“Îlotstextuels”emtextospredominantementeargumentativos 76

Figura19: Ocorrência de perguntas de retórica em textos predominantementeargumentativos

77

VII

ÍNDICEDEQUADROS

Quadro1: Tiposdetextoerespetivasoperaçõescognitivas,segundoWerlich 11

Quadro2: Estruturaçãosequencialdostextos 14

Quadro3: Estruturadasequênciaexplicativaprototípica 17

Quadro4: Aplicaçãodoprotótiposequencialexplicativo 19

Quadro5: Estruturadasequênciaargumentativaprototípica 22

Quadro6: Análisetextualdosdiscursos 26

Quadro7: Distribuiçãodadêixisnasequênciaexplicativa 58

Quadro8: Distribuiçãodadêixisemtextospredominantementeargumentativos 61

Quadro9: Distribuiçãodapolifonianasequênciatextualexplicativa 65

Quadro10: Distribuiçãodapolifoniaemtextospredominantementeargumentativos 71

1

INTRODUÇÃO

Nonossoquotidiano,sãofrequentesosmomentosemquedevemosrecorreraexplicações

eajustificações/argumentaçõesrelacionadascomosnossosatos,conhecimentos,desejos,entre

outros.Paraisso,ativamosassequênciastextuaiscorrespondentesquepodemosdepoisinserir

nosdiferentesgénerosqueusamosdiariamente,quernaescritaquernaoralidade.

São,então,assequências textuaisexplicativaseasargumentativasqueseconfiguramas

dominantes em textos de apreciação crítica, em textos de opinião e em textos de natureza

expositiva. Pela importância que assumem no desenvolvimento do raciocínio e do discurso

estruturados e do espírito crítico nos jovens, e em qualquer cidadão, estes géneros textuais

ocupamumprimeiroplanonosrecentesProgramaseMetasdePortuguêsdo3.ºciclodoensino

básicoedoensinosecundário.

No entanto, julgamosqueodomínioque cruza as relações entre ‘texto’ e ‘género’ ainda

nãoestá suficientementeexploradoe clarificado (nosatuaisprogramasdeportuguês), e seria

útilqueoestivesse,porcausadasimplicaçõespedagógicasquetem.Defacto,parece-nosqueé

possívelpartirdostipostextuaisbásicosparaabordar,depois,algunsgénerostextuaisdistintos.

Não constituindonosso objetivo a problematização dessas relações, elegemos como tópico de

trabalhoumaspetorelacionadocomestaamplaecomplexatemáticaeque,sendopertinentena

nossa área profissional, não tem sido alvo de grande atenção: referimo-nos à dimensão

enunciativadassequênciastextuais.

Anoçãodesequênciatextual,atribuídaaAdam(1987), temorigemnadiscussãogerada

em torno da questão da tipologia textual. As diferentes tipologias apresentadas por diversos

autoresbaseiam-seemcritériosmaisinternos(oulinguísticos),emcritériosmaisexternos(ou

pragmáticos)ouaindanumacombinaçãodeambos.Adam,porseuturno,defendendoaideiade

que um texto é sempre um fenómeno muito complexo, advoga o abandono das tipologias

textuais para se centrar na noção de sequência textual, uma unidade de análise menor e

teoricamente mais manuseável. Entendida como entidade autónoma, dotada de uma

organização própria, constituída por macroproposições que, por sua vez, são formadas por

proposições,umasequênciatextualéaunidadeque,sozinhaou,tipicamente,emconjuntocom

outrassequênciastextuais,permiteaconstruçãodetextos.

Por outro lado, a linguística da enunciação constitui também uma área de investigação

amplaeheterogénea.Aconsideraçãoeadiscussãodasubjetividadeedaformacomoestamarca

asuapresençana linguagemenosdiscursosconstituemumdostraçoscomunsnasdiferentes

teoriasquenelacabem.Esebemquepossamosenglobarnestalinguísticadaenunciaçãoteorias

e autores em si mesmo muito diversos, e na efetiva impossibilidade de tudo analisar,

2

selecionámosapenasalgunsaspetosdateoriadeBenveniste–adêixis,edateoriadeDucrot–a

polifonia,comoelementosadjuvantesnacaraterizaçãodassequênciastextuaisemanálise.

Paradarconsecuçãoaosnossosobjetivos,basear-nos-emos,principalmente,nostrabalhos

deAdamsobreassequênciastextuais;paraaenunciaçãoedêixisrecorreremosaosestudosde

Benveniste e Kerbrat-Orecchioni, enquanto o tratamento da polifonia linguística será

fundamentado pelos estudos de Ducrot e pela investigação de Vion e Fløttum. O conceito de

‘repéragesénonciatifs’(Adam:1992:17,21,23-24),quedizrespeitoamarcasdepessoa,tempo

elugar,seráalargadocomosestudossobrepolifonia;aointroduzir-seacategoriado‘pontode

vista’,ampliar-se-áoâmbitodanoçãode‘pessoa’deBenvenisteecomplementar-se-áanoçãode

subjetividadeeintersubjetividade.

Julgamos importante sensibilizar os alunos para a questão da subjetividade e da

intersubjetividade,paraaquestãodapresençadosujeitooudosváriossujeitosqueépossível

apreender na superfície textual das sequências explicativa e argumentativa. Mais uma vez,

cremosqueosprogramasnãoenfatizamdeformaclaraaspossíveisrelaçõesentreasnoçõesde

subjetividade(presençademarcasdeíticas)edepolifoniaeasdesequênciatextual,epensamos

queestanoção(sequênciatextual)podeserenriquecidaeclarificadaseacrescidadadimensão

enunciativa.

Neste sentido, pretendemos investigar a possibilidade de caraterizar e distinguir as

sequências textuais explicativa e argumentativa, através de fenómenos enunciativos, como a

dêixiseapolifonia.

Porconseguinte,osobjetivosdonossoestudoforambalizadospelasseguintesquestões:

i) Oquecaracterizaumasequênciaexplicativaeumasequênciaargumentativa?

ii) Existemmarcasenunciativas(dêixisepolifonia)nestasduassequências?

iii) Emquemedidaadimensãoenunciativapoderácontribuirparaacaracterizaçãodasduas

sequências?

Definimos, pois, como objetivosmaiores desta dissertação demestrado a caraterização

teórica destas duas sequências, a sua análise à luz das estratégias enunciativas atrás

mencionadaseoesboçodeumaabordagemdidáticadestestópicos.

Adotámos uma metodologia de natureza eminentemente descritiva, partindo de

produções escritas de alunos pré-universitários (12.º ano). Constituímos uma amostra de 27

alunos,docursodeCiênciaseTecnologias,aquefoipedidaumatarefaespecífica:aconstrução

deduassequências,umadecaráterexplicativoeoutradecaráterargumentativo,apartirdedois

3

temasdistintosque serviramdeestímulopara aproduçãoescrita.Osdados recolhidos foram

analisados estatisticamente, e sujeitos depois a uma avaliação de cariz qualitativo. Como

tentaremosdemonstraratravésdainterpretaçãodosdados,aspetosenunciativos,comoadêixis

eapolifonia,constituemfatoresdistintivosprototípicosdestasduassequênciastextuais,oque

podevir,sebemsistematizado,afacilitaracompreensãoeproduçãodetextospelosalunos.

Adissertaçãoestádivididaemtrêscapítulos,paraalémdaintroduçãoedaconclusão.

No primeiro, dividido em três itens, discutem-se os conceitos de ‘texto’, ‘discurso’ e

‘enunciado’; depois, problematiza-se o tema das tipologias textuais e caracterizam-se, de um

ponto de vista teórico-prático, as sequências explicativa e argumentativa; finalmente,

introduzem-se os conceitos de dêixis e de polifonia e apresenta-se uma proposta de leitura

enunciativadassequênciastextuaisemanálise.

O segundo capítulo descreve a metodologia usada: o perfil dos informantes, a

apresentaçãodastarefaseotipodecorpusobtido.

Oterceiroeúltimocapítulodiscuteosresultadosobtidos–emtermosquantitativos,mas

tambémqualitativos–eapresentaumapropostadedidatizaçãosobreotemaemcausa.

4

CAPÍTULOI–ENQUADRAMENTOTEÓRICO

1.TEXTO,DISCURSO,ENUNCIADO

Sendonossoobjetivoverificardequeformaadêixiseapolifoniasemanifestamaonível

das tipologias textuais, especialmente nos protótipos textuais explicativo e argumentativo,

sentimosnecessidadede,numprimeiromomento,atentarnanoçãode‘texto’.

É lugar-comum associar um ‘texto’ a um produto verbal escrito (Stubbs, 1983: 9),

constituídoporváriasfrases,quenãosurgemisoladasoudesligadasumasdasoutras,masantes

concatenadasedotadasde“sentidoeunidade”(Mateusetal.,2003:87).Nacaraterizaçãogeral

de ‘texto’ tem-se apontado, portanto, como traço essencial, a “escrituralidade” (Vilela, 1999:

400),opondo-se,assim,ao‘discurso’queapontaparamateriallinguísticooral1.

Outros investigadores, no entanto, apresentam uma diversa concetualização dos dois

termos. No quadro da Linguística Textual, por exemplo, Jean-Michel Adam (1999) também

distingue estes dois conceitos, ‘texto’ e ‘discurso’, tendo por base o modo de abordagem do

produtolinguístico.Oautordefendequeotextoéumobjetodeestudoquepodeseranalisado

de forma imanente, enquanto o discurso abre a análise a considerações de natureza

extralinguística,oumelhor,contextual.Poroutraspalavras,edeacordocomoautor,

“lesdomainesdu texte etdudiscours sontà la foidifférentset complémentaires.Nousavonsbesoinduconceptdetexte,d’unepart,pourexpliquerlacomplexitédesagencementsdefrases(objetdelalinguistiquetransphrasiqueoudecequecertainsappellentencore“grammairesdetexte”) et, d’autrepart, pour tenir comptede l’irréductiblede chaqueénoncé-texte singulier(les énoncés-textes complets que nous analysons).Nousavonsbesoinduconceptdediscourspour mettre le texte em relation avec ce qui motive la production et l’interprétation, pourinterroger son inscription dans les pratiques discursives réglées socialement ethistoriquementparlesgenresdediscours.”(Adam,2005).

Na mesma linha, Mey (1993: 187) afirma: “Discourse is different from text in that it

embodiesmorethanjustthetext,understoodasacollectionofsentences(…).Discourseiswhat

makesthetextcontext-bound,inthewidestsenseoftheterm.”

Como se constata, ambos os autores distinguem as noções de ‘texto’ e de ‘discurso’,

articulandoaprimeiracomaestrutura linguísticaea segundacoma inserçãodestaestrutura

numcontextoconcreto,resultando,portanto,decondiçõesdeproduçãoespecíficas.

Entretanto,emobrasmaisrecentes,opróprioAdamjánãoestabeleceessalinhadivisória

entreosdoisconceitos,optandopordefenderumaanálisetextualdosdiscursos,umateoriaque,

partindo de textos concretos e da análise das suasmicroestruturas, ultrapassa essa limitação1Note-sequemuitosdestesprodutospodemresultardeumtextoescrito,comoéderegistaremmuitosdosdiscursosdospolíticosedascomunicaçõesdeconferencistas,bemcomonosconhecidosSermõesdePadreAntónioVieira,istoé,geralmenteemsituaçõesmuitoformaisdecomunicação.Nascimento(2013)tambémreferequemuitodostextosdarádioedatelevisãosão“‘re-produzidos’oralmente”.

5

para examinar a sua inserção em contexto, situação socio-histórica particular que determina,

tantoquantoédeterminadapelodiscursoquenelaocorre.Dizoautor:

“Ilnefautpasoublierquenousn’avonspasaccèsaucontextecommedonnéeextralinguistiqueobjective,maisseulementàdes(re)constructionspardessujetsparlants(...).D’unpointdevuelinguistique, nous pouvons, dire que le contexte entre dans la construction du sens desénoncés”2.

Esta nova orientação, que aproxima os dois conceitos, é também partilhada por outros

autores. Chafe afirmaque os termos ‘texto’ e ‘discurso’ são usados de formadiferenciada por

diversosinvestigadores,embora,emtodososcasos,elereconheçaamesmapreocupaçãocoma

análisedotransfrásico.Apropósitodosdoisconceitos,oautorafirmaque“Bothtermsmayrefer

toaunitoflanguagelargerthanthesentence;onemayspeakofa‘discourse’ora‘text’”(Chafe,

1992: 356, 2003: 439-440). Também Fonseca (1992: 105) os considera sinónimos,

apresentando como texto ou discurso qualquer segmento linguístico de extensão variável,

dotado de unidade semântica e relevância pragmática. Halliday eHasan, dois dos fundadores

dos estudos sobre a textualidade, já haviam, porém, enfatizado a mesma ideia, muitos anos

antes;paraeles,qualquer“pieceoflanguagethatisoperational,functioningasaunityinsome

context or situation (…) spoken orwritten, in any style or genre” (1976: 293) seria uma boa

definiçãodestaentidadetexto/discurso.

‘Texto’e‘discurso’apontam,assim,paraomesmoconceito,edesignamqualquerproduto

verbal,oralouescrito,deextensãovariável,“dotadodesentidoeunidade”(Duarte,2003:87)e

deumafinalidadepragmática.

Partilhamos,pois,opontodevistadeLopeseCarapinhaqueconsideramosdoistermos

comosinónimoseafirmamoseguinte:

“aviragemparaotexto/discursofacilitouaperceçãodequeaanáliseestritamentelinguísticadestaunidade,aonívelmicroestrutural,emboralegítima,podeser(esótemaganharsefor)completadacomumaavaliaçãodacomponentepropriamentetextual,ouseja,comumavisãomacroestrutural e, mais ainda, enriquecida com a mobilização de dados relevando dacomponentesituacionaldequequalquertextoésempretributário”(2013:17).

Éestaaceçãoqueadotaremosnopresentetrabalho,noqualusaremos,preferencialmente,

otermo‘texto’.

Noentanto, estapossível reflexãoem tornodos termos ‘texto’ e ‘discurso’não temsido

aproximada, pelos investigadores, às teorias da enunciação, de raiz francesa, que apresentam

outro termo concorrencial: enunciado. Ora, poderemos pensar que também um enunciado

corresponde a um texto/discurso. Um enunciado é, para Benveniste, o resultado da atividade

linguísticado falante, istoé, enunciados são todosos segmentos linguísticosproduzidospelos

2inPratiques129-130,p.4(2006).

6

“actes discrets et chaque fois uniques par lesquels la langue est actualisée en parole par un

locuteur.”(Benveniste,1966:251).

Poderemos,então,tomartambémcomosinónimodooutroparotermo‘enunciado’?Aum

primeiro olhar, os termos ‘texto’, ‘discurso’ e ‘enunciado’ parecem partilhar, pelo menos

parcialmente,ocampodaquiloqueécomummentedesignadopor‘produçõesverbais’.Porém,o

termo ‘enunciado’ tem tido um uso bastante ambíguo, apontando para diferentes definições,

nemsemprefacilmenteconciliáveisentresi.DucroteSchaeffer(1995:250)definem-nocomoa

realização de uma frase em determinada situação, o que poderia aproximá-lo do conceito de

discurso.Maingueneau(1991:8),emcontrapartida,distingueclaramenteosdoistermos:

“(…)quandonemploieleterme«discours»danslecadredesthéoriesdel’énonciation,cen’estpas pour renvoyer à une unité de dimension supérieure à la phrase, ni pour considérer lesénoncésdupointdevuedeleursconditionsdeproductionsocio-historiques,maisc’estpourrapporterl’énoncéàl’acted’énonciationquilesupporte.”

Tambémcomo intuitodedistinguirosdois termos,Guespin (1971:10)avançaque “un

regardjetésuruntextedupointdevuedesastructuration«enlangue»enfaitunénoncé;une

étudelinguistiquedesconditionsdeproductiondecetexteenferaundiscours.”Porestavia,o

conceito de ‘enunciado’ poderia ser tomado como sinónimo de ‘texto’, de acordo com as

propostasdeAdam(2005)eMey(1993).Mastambémestainterpretaçãonãoéconsensual,pois

de acordo com Adam (1992: 15), “un énoncé, au sens d’objet matériel oral ou écrit, d’objet

empirique,observableetdescriptible,n’estpasletexte,objetabstrait(...).”

No termo deste périplo pelas diferentes definições, é pertinente afirmar que os três

termosemcausapodemterounãoamesmainterpretação,dependendo,sobretudo,dosautores

edascorrenteslinguísticasqueosconvocam.Dequalquermodo,odesenvolvimentodasteorias

pragmáticas,muitoligadasaouniversoinvestigativoanglo-saxónico,edasdisciplinasdaAnálise

do Discurso e da Linguística Textual acabaram por relegar o termo ‘enunciado’, muito

dependente de certas correntes da Linguística Francesa, para um plano bastante secundário.

Nesta sequência, o conceito de ‘enunciado’ acabou por ficar afeto a uma área específica da

investigação:asteoriasdaenunciação.

2.TIPOLOGIASTEXTUAIS

2.1.CLASSIFICARTEXTOS

Todosostextos,oraisouescritos,apesardesingulares,apresentamregularidades,querao

níveldosconteúdos,daseleçãodevocabulário,dasuaestruturaeorganização,quernoquetoca

aosobjetivosquepretendemalcançar,entreoutros.Portanto,eapesardasuaheterogeneidade,

épossívelagrupar,emdeterminadasclasses,ainfinitadiversidadedostextos.

7

Ora, quando se quer proceder a uma classificação textual, deparamo-nos com a

possibilidade de agrupar textos, através da identificação de propriedades que definem cada

conjuntotextual.

Classificartextosé,todavia,umaatividaderelativamentecomplexa.Umsótextopodeser

diversamenterotuladoemfunçãodoscritériosescolhidosparaoclassificar.Apontamos,atítulo

deexemplo,aseguintedemonstraçãodeSilva(2012):

“um texto redigido por um escritor pode ser integrado na classe dos textos literários (seconsiderarmoso‘tipodediscurso’definidocombasenaáreasocioprofissionaldoseuautor),naclassedos romances (seconsiderarmosaclassificaçãoem ‘género literários’)e, ainda,naclassedostextospredominantementenarrativos(seconsiderarmosumatipologiaem‘tiposdetexto’)”.

Parafraseando o mesmo autor, podemos afirmar que é possível obter distintas classificações

textuaispartindodecritériosdenaturezadiversa(Silva,2012:12).

Nuncaédemais enfatizar a importânciadestaspossíveis classificações.Quer enquanto

falantes quer enquanto ouvintes, é essencial conferir uma ordem aos textos (lidos, ouvidos e

produzidos), isto é, é essencial saber reconhecer “um certo ‘ar de família’ em diferentes

instânciastextuais”(Lopes&Carapinha,2013:24).Esseconhecimentopermite-nosnãoapenas

optarporentreapossibilidadedecontarumahistória,dedescreverumasituaçãooudeexplicar

um assunto, opção essa que decorre da situação de comunicação e das suas constrições,mas

tambémfuncionacomoguiãoparaumaadequadaeeficazinterpretação.

Poroutrolado,háoutrotipodevantagensemclassificartextos,istoé,emagrupartextos

que à partida se mostram objetos únicos. Silva (2012: 31) apresenta vários motivos que

justificamestaatividade:i)apossibilidadedecoabitarem,sobumamesmadesignação,objetos

singulareseheterogéneos,deixandodeserobservadoscomoentidadesavulsasedesordenadas;

ii)apossibilidadedeaetiquetaqueabrangeumconjuntodetextospodercondensarinformação

diversasobreostextossemsernecessárioexplicitá-laexaustivamente;e,porfim,iii)ofactodea

classificaçãofacilitaraorganizaçãodelivros,porexemplo,numabiblioteca,jáqueasobrassão

distribuídassegundocritériosmaisoumenosuniversais.

Parece-nos fundamental, todavia, enfatizar uma outra questão talvez ainda não

devidamenteequacionada:a importânciadaclassificaçãodetextosnodomíniodadidáticadas

línguas. Com efeito, é fundamental que os alunos contactem não com um conjunto de textos

avulsos, mas com tipos específicos de textos que lhes permitam dominar a produção e a

interpretaçãodeumconjunto,aindaquebásico,deformastextuais.Umaclassificação,baseada

em critérios rigorosos, permitirá ao docente apresentar constrições organizacionais,

características linguísticas, estrutura informacional, funções comunicativas, radicação

8

contextualparacadatipodetextos,orientaçõesquepermitirãoaoalunoapreenderedominara

‘mecânica’dasnarrações,dasdescrições,dasargumentações,etc.(BassolseTorrent,2003:14).

Devemos, no entanto, referir que identificar um texto como pertencente a uma

determinada “família de textos” implica conhecermos as várias classificações textuais e os

critériosemqueassentam.Temosigualmentedereferirqueaterminologiaqueproliferasobre

classificação de textos não é consensual e, por isso, procuraremos clarificar e organizar os

conceitosqueiremosusar.3

2.2. CLASSIFICAÇÕES TEXTUAIS: TIPOS DE DISCURSO, GÉNEROS DISCURSIVOS/TEXTUAIS, TIPOS DE

TEXTOSESEQUÊNCIASTEXTUAIS

Deentre as várias classificaçõespossíveis, podemosdestacar a dePetitjean (1989), que

propõe a designação de ‘tipos de discurso’ para referir as tipologias enunciativas, as

comunicacionaiseassituacionais.

Noâmbitodasprimeiras, salientamosaoposiçãoavançadaporBenveniste (1966)entre

enunciação histórica e enunciação discursiva. No modo enunciativo histórico, o universo

referencialestárelativamentedesligadodasituaçãodeenunciaçãoedavoz,subjetiva,dosujeito

enunciador,enquantoqueomododeenunciaçãodiscursivaestáestreitamentedependentedo

momentoedascircunstânciasdaenunciação.

As tipologias comunicacionais reportam-se às funções que um determinado

texto/discurso cumpre num contexto comunicativo. Se o quadro das funções da linguagem

avançadoporJakobsoncabeporinteironesteâmbito,tambémastipologiasdeatosilocutórios

deAustin(1962)eSearle(1969)podemserincluídasnestegrupo.

Por último, as tipologias situacionais abrem a linguagem e os textos/discursos aos

contextos socioculturais e profissionais e, por esta via, aproximam-se mais do conceito de

‘género’,queanalisaremosdeseguida.

Em rigor, é para designar, especificamente, o texto/discurso decorrente desta última

esfera–asocioprofissional–quePetitjeanreservaaexpressão‘tiposdediscurso’.

Os‘tiposdediscurso’definem-se,pois,emfunçãodasatividadessocioprofissionaisdeuma

comunidade, o que leva a percecionar que é uma classe dinâmica. São exemplo de tipos de

discurso o discurso jornalístico, jurídico, científico, entre outros. Não se pode fazer um

levantamentodetodosostiposdediscurso,vistoquesãodelimitadosdeacordocomasáreasde

3ConcordamoscomLopes&Carapinha(2013)quehánecessidadedeestabelecerconsensos,deformaaquesepossafazerutilizaçãopedagógicadosconceitos.

9

atividade socioprofissional de uma comunidade, que são múltiplas e variadas e com

possibilidadedecriaçãodenovasáreasprofissionais.

Na sequência da classificação de Petitjean, é pertinente analisar agora o conceito de

‘géneros discursivos’ (ou textuais), sobretudo porque como o conceito de ‘género textual’ se

revela um conceito emergente no Programa e Metas de Português do ensino secundário de

2014, e possibilita uma articulação pedagógica com o conceito de ‘sequências textuais’, não

queremosdeixardedaralgumaatençãoaestaclassificação.

Se o conceito de ‘tipos de discurso’ designa as produções verbais geradas apenas no

âmbitodeumaatividadeprofissional,oconceitode‘génerostextuais’émaisamplo,englobando

todos os textos/discursos que circulam em sociedade, independemente da sua radicação

profissional.

O conceito de ‘género textual’ tem mostrado uma enorme instabilidade definitória.

Todavia, tem sido dado destaque à sua ancoragem sociológica, visto que os géneros textuais

estãovinculadosàsinteraçõeslinguísticasdasociedade.Miranda(2012:122)refereque:

“osgênerossãoconcebidoscomoformatostextuaisrelativamenteestabilizados–e,portanto,dinâmicos–queseassociamadiversasatividadesdelinguagem(ouemtermosbakhtinianos–as diferentes “esferas de utilização da língua”). São atividades sociais e de linguagem, taiscomo a familiar, a jornalística, a publicitária, a administrativa, a literatura, a jurídica, acomercial,etc.”4

Os géneros têm, de facto, uma ancoragem sociocultural indelével e sãomenos estáveis

diacronicamente. Segundo Marcuschi (2002: 19), são “altamente maleáveis, dinâmicos e

plásticos.” Sendo práticas sócio-discursivas constitutivas de atividades comunicativas

socialmente sancionadas, vão-se alterando e adequando às necessidades dos falantes que

operamnessasáreas,assimcomovãosurgindooudesaparecendoemfunçãodascondicionantes

sociais.

SegundoAdam(1997:678),os‘génerostextuais’sãoconvençõessocaisqueseencontram

em tensão entre dois princípios contraditórios (mas complementares): i) ‘um princípio de

fechamento’, ligado ao aspeto normativo, à convenção e reprodução do mesmomodelo; este

princípiodefinea identidadedoprodutoverbalquantoaogénero(sendoindispensávelparaa

compreensãoentreosfalantes);ii)‘umprincípiodeabertura’,ligadoàsubversão,àdiversidade

e à diferença, que abre os géneros à inovação e à variação (este princípio proporciona a

diversidadeeacriatividadetextuais).

Por esta razão, podem surgir géneros novos que respondem a necessidades sociais

entretantocriadas,comosepodeverpelosurgimentodenovastecnologiasepelasnovasformas

4MirandareferequeoInteracionismoSociodicursivotemcontribuídoparaoestudodosgéneros.

10

de interaçãoa elas ligadas (teleconferência; videochamada, etc.), aopassoqueoutrosgéneros

caem em desuso (veja-se a carta informal/pessoal que vem sendo substituída por géneros

relacionadoscomosavançostecnológicos,taiscomooe-mail,otelemóvel(aoníveldainteração,

para além do seu uso como telefone, os smartphones têm funcionalidades idênticas ao

computador),oskype,porexemplo.

Emsíntese,asclassesque integramos ‘génerosdiscursivos/textuais’ sãodinâmicas,não

estáticas e abertas, uma vez que as características de cada género podem estar sujeitas à

variação e, como os géneros estão ancorados sócio-historicamente, podem ser atualizados de

acordocomasatividadessociais,surgindonovosgéneroseabandonando-seoutrosexistentes.

Neste sentido, conforme assinalam Lopes & Carapinha (2013: 27), os géneros são

definíveismaispelassuascaracterísticasfuncionaisepeloscondicionamentossociopragmáticos

dasuautilizaçãodoquepropriamentepelosseustraçosformais.

Consequentemente, entende-se, de acordo comMiranda (2012), queos génerospossam

ser“reutilizados”enquantomodelosforadoseucontextooriginal.5Eles“podem(...)separar[-se]

das motivações que lhes deram origem, para se tornarem autônomos e, assim, ficarem

disponíveisparaaexpressãodeoutrasfinalidades”(Bronckart,2006:144,apudMiranda,2012),

talcomooutrasatividadeshumanas.

Na conclusão do artigo, Miranda (2012: 135) tece algumas considerações finais que

julgamos relevantes.Porum lado,aautoraquestiona-se se “é realmentepossívelenecessário

inventariar os diversos domínios de atividades”, pois, na sua perspetiva, partilhada com

Bronckart, todo e qualquer levantamento não conseguirá contemplar todas as áreas de

atividade,considerandoassim“quequalquerlistagemapenaspodeserindicativaeaproximada.”

Por outro lado, também salienta que este inventário pode ser “necessário para algumas

abordagens empíricas (por exemplo, (...) em situação de ensino). Contudo, sempre será um

recorteartificial,parciale,provavelmente,redutor.”

Apesarde,noglobal,concordarmoscomaposiçãodeMiranda(2012),partilhamos,com

Silva(2012:84-85),apossibilidadedearticularos‘tiposdediscurso’comos‘génerostextuais’,

ainda que de forma incompleta e não exaustiva, já que em situação pedagógica tal pode ser

facilitadordeaprendizagens.

Por oposição aos ‘géneros discursivos/textuais’, que se baseiam em critérios diversos e

configuramumaclasseaberta,umaoutrapropostadeclassificação–a tipologiatextual–tem

porbaseumúnicocritérioedefine-secomoumaclassefechada.Os ‘tipostextuais’baseiam-se5Miranda (2012) apresenta vários exemplos, entre eles um anúncio (da AMI) que imita outro género,nomeadamente a bula, com indicação da Posologia, das Propriedades, dos Efeitos Secundários, dasRecomendaçõesedasIndicações.

11

em características internas dos textos, ou seja, “em traços linguísticos dos próprios textos”

(Nascimento:2013:1747).

Foi uma classificação deWerlich (1975) que definiu cinco tipos de textuais: narrativos,

descritivos, argumentativos, expositivos e instrucionais. A distinção residia na organização

cognitivadosconteúdosenosprocessospsicológicosnecessários,explicitandoofuncionamento

dos textos através do estabelecimento de determinadas operações cognitivas inerentes à

produçãoeàcompreensãotextuais.Estestiposincluemtextoscompletosdeextensãovariável,

heterogéneosecomumadominantequevaideterminarotipotextual.

No quadro seguinte, procuramos sistematizar os tipos textuais segundo Werlich e as

respetivasoperaçõescognitivassubjacentes.

Tiposdetexto Procedimentoscognitivos

Textosnarrativos

• Perceçãodasaçõesnotempo

Açõesrealizadasporumaoumaisentidades,quedecorremnumdeterminadoperíododetempo

Textosdescritivos• Perceçãodasentidadesnoespaço

Exemplos:retratosfísicosdepersonagens,caracterizaçãoeenumeraçãodepartesdeumacasa,paisagem

Textosargumentativos

• Avaliação,julgamentoetomadadeposição

Exemplos:debatesparlamentaresentrediferentesbancadas,conversaentrefamiliares/amigos/colegassobreumadecisãoatomar

Textosexpositivos

• Análiseesíntesederepresentaçõesconceptuais

Exemplos:manuaisescolarescomexplicaçãodediferentesconceitos,comoosistemacirculatório

Textosinstrucionais

• Antevisãodecomportamentosfuturos

Planificaçãocronológicadeeventos

Exemplos:receitasculinárias,instruçõesdemontagemdeummóvel

Quadro 1: Tipos de texto e respetivas operações cognitivas, segundo Werlich.

Todavia, háque acrescentarque cadaumdestes tiposde texto tambémse caraterizaria

pela presença de determinados traços linguísticos, tais como, por exemplo, o uso de

determinados tempos verbais para o tipo narrativo, descritivo ou instrucional ou de certos

articuladoreslógicos,notipoargumentativoeexpositivo.

Nasequênciadestetrabalho,Adam(1985)apresentoutambémumatipologiatextualcom

oito tipos textuais de base: o narrativo; o descritivo; o argumentativo; o explicativo; o

prescritivo;opreditivo;oconversacionaleoretórico.Facilmenteseverificaqueparaalémdos

12

cinco tipos textuais coincidentes com omodelo deWerlich, Adam apresentamais três numa

claratentativadeabarcaroutrostextose,sobretudo,oliterário6.

Contudo, num momento posterior, Adam (1992) reduz para cinco tipos o seu modelo

(narrativo; descritivo; dialogal; explicativo e argumentativo) e é importante também

compreender a razão por que Adam renunciou, nessamesma obra, à noção de tipos textuais

para adotar outra designação: sequências textuais. Segundo o autor, a entidade ‘texto’

(entendendo-o aqui como uma sequência de frases que cumprem um certo objetivo

comunicativo) é demasiado complexa e heterogénea para permitir a apreensão de

regularidades. Se observarmos um texto completo, raramente podemos afirmar que é

exclusivamente narrativo ou descritivo (ou outro tipo textual), mas predominantemente

narrativooudescritivo, pois um textonarrativopode conter fragmentosdescritivos, dialogais

e/ouargumentativos.Aideiaéadequequalquertextomanifesta,geralmente,heterogeneidade

textual. A este propósito, Adam (2005: 21) afirma que em 1992, em Les textes: types et

prototypes, desenvolveu duas teses: i) não existem tipos ao nível do texto, mas ao nível da

sequência; ii) só existem protótipos e não tipos. Esta segunda tese acentua um princípio de

categorizaçãoqueeleresumedestaforma:

“la catégorisation d’un texte se fait par un jugement prototypique ou par air de famille(tendances, faisceaux de régularités, dominante, gradients de typicalité) plutôt que par uneclassificationfondéesurunegrammairedecritèresfixesetstricts.”

Ao longo da sua investigação, Adam observou esta heterogeneidade composicional dos

textosrelativamenteaostiposde fragmentosque incluemeconsiderouqueumatipologianão

devia incidir na totalidade dos textos, “mas em unidades homogéneas e menores, quer em

termos de extensão, quer, especialmente, em termos de complexidade composicional: as

sequênciastextuais”(Silva,2102:119).

2.3.TIPOSDESEQUÊNCIASTEXTUAIS

Adamestabelececomoobjetodetrabalhoosdiferentes‘tiposdesequênciastextuais’que

integramotextoparadefiniçãodasuapropostadetipologia.

Oautordefineassequênciasdaseguinteforma:

“desunités compositionnelles supérieures à laphrase-période,mais très inférieures –mis àpart le cas relativement raredes textes très courtsmono-séquentiels – à l’unité globalequel’onpeutappelertexte”7.

6Adamentendeuque os textos prescritivos poderiam incluir-se nos textos descritivos pelo seu caráterdescritivo de ações, enquanto que os textos poéticos não manteriam uma estrutura hierárquicaorganizadaemproposições.7In“Genres,textes,discours:pourunereconceptionlinguistiqueduconceptdegenre”,p.667.

13

Istosignificaquequalquertextoécompostoporsequências.Édereferirquesãopoucos

os textosatestadosconstituídosporumaoumaissequênciasdeumúnicotipo.Noseiodeum

todoqueéotexto,sempreheterogéneo,épossíveldelimitarespaçostextuaisdistintosentresi

(assequências)quemostram,cadaumdeles,homogeneidade,unidadeesentido.

Através das sequências, a observação de regularidades na estrutura composicional dos

textostorna-sepossível.

Noentanto,háaindaquefazerintervirumaoutradistinção:aentidadetextoéconstituída

por ‘sequências’ e estas são constituídas por segmentos prototípicos correspondentes a

diferentesfasesprópriasdessasequência.Estessegmentos,designadospor‘macroproposições’,

“possuem uma estrutura com características específicas, e concretizammodelos abstratos de

organização de conteúdos que correspondem a representações mentais esquemáticas” (Silva,

2102:125).Porseuturno,estas‘macroproposições’podemintegrarumaoumais‘proposições’.

Porconseguinte, todoequalquer ‘texto’ (T),deextensãovariável,éconstituídoporuma

oumais‘sequências’domesmotipooudetiposdiferentes.Cadasequênciatextual,entidadecom

relativa autonomia, é composta por um conjuntode ‘macroproposições’, ou seja, de fases que

sãotípicasdecadasequênciaemcausa(asfasespodemocorrerintegralouelipticamente,istoé,

contemplandoounãoosdiversospassos típicos) e, finalmente, cadamacroproposição integra

umaoumais‘proposições’.

Adam(1992:30)sugereoseguinteesquemaparailustrarestedesnivelamentodeplanos

analíticos:

[#T#[Séquence(s)[macro-propositions[proposition(s)]]]]

As noções de ‘sequência textual’ e de ‘macroproposição’ têm uma base de natureza

cognitiva.Adamcaracterizaedeterminaostiposdesequênciascombasenomodosistemático

comoarepresentaçãoeaorganizaçãodosconteúdosnostextosseconcretizam.Deacordocom

Lopes & Carapinha (2013: 25), é a reiteração de traços estruturais e informacionais em

diferentestiposdesequênciasquepermiteaosfalantesidentificarumcerto“ardefamília”nas

sequênciasdetipodescritivo,argumentativo,dialogal,etc.”

Osdiferentestiposdesequênciastextuaiseosmodosdearticulaçãoentreassequências

constituemoobjetodeestudodeAdam.

Comestasinvestigações,podemosverificarqueaheterogeneidadenaestruturatextualse

manifesta porqueum texto pode ser constituídopornsequências de tipos diferentes e tem a

possibilidade de nmaneiras de combinar e articular essas diversas sequências em produtos

verbaisdeextensãovariável.

14

A tipologia de Adam (1992, 2008) propõe cinco tipos sequenciais: 1) ‘sequências

narrativas’;2) ‘sequênciasdescritivas’;3) ‘sequênciasdialogais’;4) ‘sequênciasexplicativas’; e

5)‘sequênciasargumentativas’.Édenotarqueassuaspropostasforamevoluindoatésefixarem

nestesprotótipos.8

Destas sequências, apenas as dialogais são geradas por mais do que um locutor

(poligeradas);asrestantessãoproduzidasporapenasumlocutor(monogeradas).

Aestruturaçãosequencialdostextospodeconfigurar-sedetrêsformas,deacordocoma

sistematização de Silva (2102: 127): i) ‘textos unissequenciais’ (com homogeneidade

sequencial); ii) ‘textosplurissequenciaiscomsequênciasdomesmotipo’(comhomogeneidade

sequencial); e iii) ‘textos plurissequenciais com sequências de tipos diferentes’ (com

heterogeneidadesequencial).Apresentamosestasformasdeorganizaçãosequencialdostextos

noquadroquesesegue.

Quadro 2: Estruturação sequencial dos textos.

Comoapontámosanteriormente, são rarosos textos constituídosporuma sequênciado

mesmotipo.Porconseguinte,sendoumtextoplurissequencial,comsequênciasdomesmotipo

oudediferentes tipos,Adam(1992:31;2008:270)enuncia trêspossibilidadesdearticulação

textualquereproduzimosaseguir:

a)Sequênciascoordenadas(ocorrememsucessão)

Seq.1+Seq.2+Seq.3+Seq.n

8Váriosautoresintegramnatipologiaasequênciainjuntiva-instrucional,queresultadajunçãodostextospreditivos com os instrucionais, devido às semelhanças que exibem. Adam também apresentou estapropostaaindaantesde1992,mas,nesteano,integrouestesdoistiposnoprotótiposequencialdescritivo,jáqueoseventosprevistosnaquelestextosseintegramnumtodo.

Estruturasequencial

Textosplurissequenciais

Sequênciasdetiposdiferentes

|

|

|

Heterogeneidadesequencial

Sequênciasdomesmotipo

|

|

|

Homogeneidadesequencial

Textosunissequenciais

|

|

|

Homogeneidadesequencial

15

b)Sequênciasinseridas(ocorremencaixadas)

Seq.1...Seq.2...Seq.1

c)Sequênciasalternadas(ocorrememparalelo)

[Seq.1...[Seq.2...[Seq.1continuação...[Seq.2continuação...Seq.1fim]Seq.2fim]

As ‘sequênciasinseridas’sãoasmaisrecorrentes,umavezquesãoencaixadasnoutrade

tipodiferente.Sãoexemplosasequênciadialogaleasequênciadescritiva inseridasnoseiode

umasequêncianarrativa.Estescasossãofrequentesnosromances(modonarrativo),taiscomo

OsMaias, de Eça de Queirós ouMemorial do Convento, de José Saramago, onde a sequência

narrativaédominante.

Parareconhecera‘sequênciadominante’numtextosequencialmenteheterogéneo,Adam

(2008:273-274)propõe três formas, quenão se excluem,masque se completam.Assim, este

autor apresenta os seguintes critérios (a utilizar complementarmente) para determinar a

sequênciadominante:i)asequênciaquepermiteresumirotexto;ii)frequentemente,aquetem

omaiornúmerodesequênciasdomesmotipo,logoamaisextensa;eiii)asequênciaqueabree

encerraotexto.

Emsíntese,a tipologiadosprotótipossequenciaisdeAdampermiteclassificaros textos,

tendoemcontaasequênciadominanteeaestruturamacroproposicionaldassequências.Desta

forma, as sequências funcionam como modelos prototípicos que facilitam a produção e a

compreensãodostextos.

A sequência define-se, então, como um dos planos de organização da textualidade,

constituindomodalidadesparticularesdeplanificaçãodoconteúdotemático.

A tipologiadas sequências textuaisdeAdam (1992,2008) seráobjetodanossa atenção

nassecçõesseguintese, comoos ‘protótipossequenciais textuais’queprivilegiaremosserãoo

explicativo e o argumentativo, apresentaremos as propriedades e a estrutura

macroproposicionaltípicadessassequências.

2.3.1.SEQUÊNCIAEXPLICATIVA

Dar explicações configura-se num ato de interação linguística que ocorre logo que as

crianças começam a falar. O “porquê?” invade o quotidiano das suas trocas linguísticas,

sobretudocomadultos,quedarãoexplicaçõesiniciadaspor“porque...”.

16

Asequênciaexplicativavisa facilitara compreensãoouo conhecimentodeumamatéria

(Bassols e Torrent, 2003: 71) e, se bem que possa conter uma componente expositiva (ou

informativa)9,asuafinalidadeédemonstraraformacomoalgofunciona,atuaouocorre.Neste

sentido,a funçãodestasequênciaéeminentementedidática,umavezque,prototipicamente,a

sequência explicativa surge na sequência de uma dúvida que resulta do desconhecimento do

alocutário.Podemos,porisso,dizerqueháumaspetolacunarnassequênciasdetipoexplicativo

–háumaincompletudequeéprecisocolmatarecria-seanecessidadedeumaexplicação.

A delimitação desta sequência e a sua distinção face às restantes nem sempre é

consensual.ParaHalté(1988),aexplicaçãonãoconstituiumasequênciatextual;estaatividade

discursiva só ocorre nos momentos em que falha a comunicação e a explicação surge

precisamente para restaurar a atividade comunicativa assumindo, assim, um caráter

metalinguístico.Porseuturno,paravanDijk(1983),otextoexplicativoéapenasumavariante

doargumentativo.

Emoposiçãoaestasteses,podemoscontraporqueasequênciaexplicativasedistingue

bemdaargumentativa,namedidaemqueaquelamostraposiçõesassimétricasentreolocutore

o alocutário; quem explica ocupa um lugar de “autoridade” que deverá ser reconhecido pelo

alocutário10,aopassoqueestanãoocorrenecessariamenteentredoisinterlocutoresdeestatuto

epistémicodiferenciado.Poroutrolado,enquantoasequênciaexplicativapretendeatuarsobre

os conhecimentos do interlocutor, a argumentativa visa agir sobre as crenças, tentando

persuadirointerlocutordealgoquepodeserpolémicoouquestionável.Asequênciaexplicativa,

porseuturno,apresentaquestõesfactuaisquenãoimplicam,necessariamente,o investimento

subjetivo do locutor. Por isso podemos afirmar que a força ilocutória é outro aspeto que

distingue estas duas sequências textuais, explicativa e argumentativa: enquanto na

argumentação se pretende defender uma determinada tese, e assim alterar a crença do

alocutário, na explicação o objetivo é fazer compreender o “porquê” de uma determinada

questão,deumdadofacto.

9Silva (2012) não distingue “explicação” de “exposição”, atribuindo a mesma identidade a estassequências.Nãoobstante,Adam (1992: 127-130), recorrendo aB. Combettes eR. Tomassone (1988) eBrassart (1990b), demonstra que elas têm características distintas. Assim, o ato de “explicar” pretendeesclarecer/fazercompreenderfenómenos,e“expor”,segundoBrassart,nãopodeserumtiposequencial,já que pode ter propriedades textuais descritivas e/ou explicativas. Adam afirma que para evitar estacontaminação terminológica se deve considerar a sequência explicativa apenas na vertente da suatextualidade, sem ter em consideração as suas dimensões pragmática e discursiva. Para melhorar aclarificaçãodosdoistermos,Adamdistingueaexplicação–comoumrespostaao“Porquê?”–daexposição–comosendoarespostaa“Como?”–,vistoqueconsideraqueamaiorpartedassequênciasem“Como?”nãoéexplicativa.Tambémacrescentaqueaexplicaçãoéumarespostaa “pourquoiêtre/devenir teloufairecela?”(1992:129-130),istoé,nestetipodetextoexplicam-sefactos.10Se não houver este reconhecimento da “autoridade” do locutor, por parte do alocutário, a face dolocutorpodeserpostaemcausaedarorigemaumdiálogoargumentativo,porvezespoucocooperante.

17

NaperspetivadeColtier (1986: 4), naproduçãodeuma sequência explicativa estão em

jogodoisparâmetros:umrelacionadocom‘osaber’sobreumproblemaemquestão,eoutroque

se reporta à comunicação de uma solução/resolução que se crê saber sobre esse problema,

comoporexemplo:“Porqueéqueosanguecircula?”11,“X,oqueé?”,“OquesignificaX?”.

Como o locutor quer que a sua explicação seja compreendida, vai adaptá-la ao seu

destinatário.Nãosedemonstraumfenómenodomesmomodoaumacriançaeaumadulto,oua

umpúblico especializado e a umpúblico leigonumadadamatéria (veja-se o artigo científico,

destinadoaespecialistasdeumdadoramodaciência,eoartigodedivulgaçãocientífica,quese

destinaaopúblicoemgeral).Textosdedidática,deciênciaededivulgaçãocientíficaprivilegiam

a sequência explicativa; não obstante, ela poderá ocorrer em qualquer tipo ou género de

discurso.

Comoseorganizaasequênciaexplicativa?Relativamenteàestruturamacroproposicional

prototípica da sequência explicativa, Coltier (1986: 8) apresenta ummodelo simples em três

momentos,constituídoporumafasede ‘questionamento’,seguidadeumafasede‘resolução’e

porumafase‘conclusiva’.

Com base neste esquema de Coltier, Adam apresenta a estrutura para a sequência

explicativa12.

Macroproposições Procedimentos

Pe013 Esquematizaçãoinicial Apresentaumobjetocomplexo

Porquêp? Pe1 Questionamento

(Problema)

Inclui uma questão (ou mais) equivalente a Porquê?(ouComo?14ouEmqueconsiste?)

Porqueq Pe2 Resolução

(Resposta)

IntegraumouváriosenunciadosequivalentesaosqueseiniciamporPorque

Pe3 Conclusão

(Avaliação)

Expressaumaasserçãoincontestável(oumaisdoqueuma)

Quadro3:Estruturadasequênciaexplicativaprototípica(adaptaçãodeAdam1992:132,2008:233eSilva2012:165).

Astrêsfasesprototípicasdasequênciaexplicativacompleta(jáqueaPe0,segundoAdam,

éfacultativa15)configuram-se,assim,em:

Questionamento(Pe1)>Resolução(Pe2)>Conclusão(Pe3)

11AdaptadodeexemplodeColtier(1986:5)12AapresentaçãodoQuadro3resultadeumaadaptaçãodeAdam1992e2008edeSilva2012,sendoasmacroproposiçõesdaresponsabilidadedeAdam.13Pe0,1,2ou3correspondeaProposiçãoexplicativa0,1,2ou3.14Adam chama a atenção para o facto de que, por vezes, o operador “Como?” tem omesmo papel dooperador“Porquê?”.15Pe0consistenaapresentaçãodeumobjetocomplexo(correspondefrequentementeaumadescrição).Adaminspirou-seemGrize1990paraestabelecerestafasezero.

18

OQuestionamentoéconstituídoporumaproblematizaçãodeumobjetoousituação,isto

é,umadúvida16doalocutárioquedaráorigemàfasedaResolução.

AmacroproposiçãodaResolução(Pe2)correspondeàexplicaçãoquepretenderesponder

aoQuestionamento.

Aosdoisprimeirosmomentosdasequênciaexplicativaestãoassociadosdoisoperadores

fundamentais;aoQuestionamentocorrespondeo“Porquê?”eàResolução,ooperador“porque”.

Esteconectorpermiteatransiçãodafasedoproblemaparaaexplicação.

A última fase, a Conclusão (Pe3), emite uma ratificação-avaliação da segunda fase, a

Resolução,confirmandoarespostaproposta.

Estas três fases correspondem,pois, às “preguntas suscitadasporun temacomplejo, las

explicacionesqueesclarecenladificultaddedichotemay,finalmente,laconclusión,esdecir,el

temaexplicadoyentendido.”(BassolseTorrent,2003:75).

Coltier(1986:8)salientaqueasequênciaexplicativapoderáocorrersemasaturaçãodas

trêsfases.OQuestionamentoeaConclusãopoderãoserinferencialmenterecuperados.Noque

dizrespeitoàordem,estaautoraconsideraqueexistemduasformasdeencadearastrêsfases;

por um lado, podemos partir do Questionamento para chegar à Conclusão (ordem mais

plausível)ou,poroutro,irnosentidoinverso,começandopelaconclusão.Coltierrefereque,da

segunda forma, o texto organiza-se em torno de “Com efeito” (“En effet”) ou expressões

equivalentes. Devemos, ainda, salientar que a fase de Resolução é fulcral na sequência

explicativae,tendencialmente,éamaisextensa.

Apóstermosconsideradoaorganizaçãodasmacropoposiçõesnumasequênciaexplicativa,

analisemosumtexto,comdominanteexplicativa,darevistaQuerosaber:

Sejáassistiuaalgumespetáculodepalco,éprovávelquetenhavistogelosecoaserutilizado.Éissoqueébombeadoparaopalcoparasimularneblinaenevoeiro,ou,nogeral,paradaraolugarumaspetoimpressionante;masoqueéecomoéfeito?Na realidade, o gelo seco é dióxido de carbono líquido altamente pressurizado que foicongelado a uma temperatura de -78,5 oC. A principal vantagem de se utilizar dióxido decarbonoéque,quandoaquece,ficasublimado,oquesignificaquemudadesólidoparagássemse tornar um líquido. Por isso, se o aquecer e bombear sobre um palco, vai transformar-seimediatamenteemneblinafantástica,emvezdeencharcarochão.Tambémémuitoútilparaembalarprodutoscongeladosquetêmdepermanecerfriosporque,quandoaquece,torna-segasosoemvezdehúmido.

QueroSaberinhttp://querosaber.sapo.pt/ciencia/o-que-e-o-gelo-seco

Seaplicarmosoesquemaanteriormenteapresentado(vd.Quadro3)aestetexto,partimos

da macroproposição Pe0 (esquematização inicial) que apresenta um objeto complexo, neste

16Ouseja,o“Porquê?”quepodeserexplicitadoouinferido.Portanto,afasedoQuestionamentopodenãoserlexicalmentesaturada.

19

caso,parafraseávelpor:aneblina/onevoeiroquesevênospalcoségeloseco.Esteobjetogera,

inevitavelmente, uma pergunta (macroproposição Pe1): como é que esse gelo seco é feito? A

resposta(macroproposiçãoPe2)encontra-seno2.ºparágrafodotexto,esclarecendo-nossobre

a forma científica de criar gelo seco.No quadro seguinte, apresentamos, de formamais clara,

estasconsiderações:

(Pe1)OQUEÉOGELOSECO?

(Pe0)Sejáassistiuaalgumespetáculodepalco,éprovávelquetenhavistogelosecoaserutilizado.Éissoqueébombeadoparaopalcoparasimularneblinaenevoeiro,ou,nogeral,paradaraolugarumaspetoimpressionante;(Pe1)masoqueéecomoéfeito?

(Pe2) Na realidade, o gelo seco é dióxido de carbono líquido altamente pressurizado que foicongeladoaumatemperaturade-78,5grausCelsius.Aprincipalvantagemdeseutilizardióxidodecarbonoéque,quandoaquece,ficasublimado,oquesignificaquemudadesólidoparagássemsetornar um líquido. Por isso, se o aquecer e bombear sobre um palco, vai transformar-seimediatamenteemneblinafantástica,emvezdeencharcarochão.

Também é muito útil para embalar produtos congelados que têm de permanecer frios porque,quandoaquece,torna-segasosoemvezdehúmido.

(Pe3)Nãoexiste

QueroSaberinhttp://querosaber.sapo.pt/ciencia/o-que-e-o-gelo-seco

Quadro4:Aplicaçãodoprotótiposequencialexplicativo(vd.Quadro3).

Se atentarmos agora nas especificidades linguísticas desta sequência, podemos afirmar,

com Adam (1991: 14), que as duas fórmulas a que podemos reduzir estas sequências são as

seguintes:a)Sujeito+É+Atributo(típicadassínteses);b)Sujeito+Tem+Complemento(típica

das análises). Aplicando estas possibilidades ao texto em análise, podemos verificar que ele

encaixa perfeitamente na fórmula de tipo a): “O gelo seco que simula neblina nos palcos é

dióxidodecarbonocongeladoa-78,5oC”.

O tempo verbal que preferencialmente ocorre nestas sequências é o presente do

indicativo,normalmentecomvaloratemporal,própriodetextosnãovinculadosaumpontode

referência temporal específico (veja-se a frase: “o gelo seco é dióxido de carbono líquido

altamente pressurizado”). A utilização de adjetivos e, eventualmente, advérbios, advém da

necessidadedecaraterizardeformaprecisaofenómeno.Daíqueessaspalavrassejamsempre

relativamente despojadas de valores afetivos ou valorativos, pois o léxico da sequência

explicativa é, por norma, objetivo e denotativo; a explicaçãopermite ao locutor apresentar-se

como uma simples testemunha, um observador exterior e desinteressado dos factos (cf. o

segmento“Tambémémuitoútilparaembalarprodutoscongelados”).

Aindaépossívelconstatarqueháumanaturezalógicanestasequência,havendonexosde

causa-efeito,eporissosãoprivilegiadosconectorescausais,emboratambémocorramoutrosde

outro tipo como os finais, os condicionais, os adversativos e os concessivos que servem para

estabelecerdiferentesrelações lógicasentreosenunciados.Faltaaindamencionarapresença,

20

óbvia, de terminologia neste tipo de sequências. Considerando que esta sequência pretende

explicar,istoé,precisareclarificaralgo,assegurandoumainterpretaçãounívocadofenómeno,é

naturaloaparecimentodeléxicoespecífico.

Estasmesmascaraterísticaspodemserconvocadasparatentarmostraçaroperfiltextual

destassequências.Opapeldosconectoresnaorganizaçãodotextoéfundamental,umavezque

explicitamos tiposderelaçõesexistentesentrediferentessegmentosdasequência(cf.ovalor

coesivo dos conectores ‘Na realidade’ e ‘Por isso’, presentes na sequência anterior). A coesão

lexical da sequência também é assegurada, por exemplo, pela repetição de palavras ou

expressões (cf. “gelo seco”; “dióxido de carbono”; “neblina”), embora possa também obter-se

atravésdautilizaçãodasinonímia,dahiperonímiaouexplorandoasrelaçõesparte-todo.

2.3.2.SEQUÊNCIAARGUMENTATIVA

Oatodeargumentaréaquelequetalvezmelhordefinaoserhumano,umavezquepõe

emcenaaracionalidadehumana,acapacidadedepensar,derefletir,detomardecisõese,ainda,

acapacidadedetentarinfluenciarooutro,eventualmente,deomanipular.

A sequência argumentativa visa convencer um auditório acerca de algo: que é bom ou

mau, útil ou inútil, importante ou desnecessário, credível ou falso. Por isso a argumentação

apresenta determinadas afirmações e aduz razões que sustentem essas afirmações. A estas

afirmaçõeschamamosteseeàsrazõesqueasapoiam,argumentos.

Afunçãodasequênciaargumentativaéconvencerointerlocutorafazerouapensaralgo;

eparaobterestafinalidade,olocutorpodeseduzi-lo,emocioná-lo,provocá-lo.Paraofazer,tem

dejustificar/fundamentarasuaopiniãoe,depreferência,refutaraopiniãoalheia,mostrandoas

suasfragilidades.

Aocontráriodoqueocorrenasequênciaexplicativa,nesta,olocutornãoseassumecomo

perito,comoalguémqueconheceumfactoepodeexplicá-lo;apenascomodetentordeumponto

de vista diferente. Eis a razão por que podemos afirmar que o domínio da argumentação é o

“império da discutibilidade”17. Não há nada (ou há pouco) de científico numa argumentação:

tudo é polémico, controverso e discutível. Por isso se diz que a argumentação atua sobre as

crençasenãosobreosconhecimentoseporissosedizqueosargumentoscomquejoganãotêm

deserlógicos–bastaseremrazoáveis.18

17Grácio,RuiAlexandre,1993:6e7.18A lógica formalapresentaraciocíniosquepermitemsempre,demodoconstritor,retirarconclusõesapartir de um conjunto de premissas, sendo que essas operações lógicas,possibilitando a passagemdaspremissasàconclusão,seimpõematodospelasuaevidência.Asmodernasteoriasdaargumentação,de

21

De facto, os argumentos não têmde ter validade universal,mas simdesenvolver-se em

função das pessoas, ou seja, das diferentes audiências, das suas crenças e das suas diferentes

tomadas de posição.19A argumentação pode, então, ser encarada como atividade que é

simultaneamente racional e dialógica, prática social que, pelo uso da palavra, permite a

“liberdadedeaderire[a]liberdadederejeitar”(Grácio,1993:8).

Devemos salientar que o conceito de ‘argumentação’ aqui utilizado remete para uma

determinada organização de proposições que constitui um tipo de sequência textual que se

distingue de outras sequências, tais como a explicativa, a narrativa, a descritiva e a dialogal.

Temos de referir que estas quatro últimas sequências textuais podem ter propósitos

argumentativos(veja-se,porexemplo,ocontotradicionalquetemcomosequênciadominantea

sequêncianarrativa,mascujamoralidadetemfinalidadeargumentativa;sequênciasdescritivas,

explicativasedialogaispodem,igualmente,terpropósitosargumentativos).

Portanto,nestasecção,procuraremostratarumdosesquemassequenciaisdebase,istoé,

asequênciatextualargumentativaprototípica.

Para comprovar uma determinada tese, a conclusão a que pretendemos chegar, há que

partir de um conjunto de razões, as premissas, pelo que a estrutura prototípica de qualquer

movimentoargumentativoébinária,constituídaporpremissaseconclusão(Lopes,1997:158).

SegundoAdam (1992: 115), omovimento que liga as Premissas (D –Dados) à Conclusão (C)

podeobedeceraumaordemprogressivaouregressiva,istoé20:

! "#$# % ou ! &#'()* %

Noprimeirocaso,a linearidadetextualéparalelaaomovimentoargumentativoquetem

como objetivo concluir; no segundo caso, a linearidade textual é inversa ao movimento

argumentativo, que pretende sobretudo a prova e a justificação. Adam (1992: 115), referindo

Apothéloz&Miéville (1989),destacaquenooralaordemprivilegiadaéaregressiva, jáquea

umaasserçãosesegueajustificação,explicação.

Todavia,háesquemasargumentativosmaiscomplexos.Comopontodepartida,devemos

atender ao esquema proposto por Toulmin (1958)21, que parte das Premissas/Dados para

chegar,atravésdemovimentosargumentativos,aumaConclusão/Asserção.Se,aparentemente,

estamosdenovoperanteumesquemaqueenvolveduasfases,omodelodeToulminapresenta

que partimos aqui, apresentam uma racionalidade de ordem mais prática, que faz intervir valores,opiniões,queécontextualmentesituadae,nessesentido,nãosusceptíveldeformalização.Estamosafalardaargumentaçãodesenvolvidaemlinguagemnatural.19VerBreton,PhilippeeGauthier,Gilles,2001:12.20Através dos conectores “logo” (“então”) e “porque” será possível identificar as proposições queconstituemaConclusão.21ApudAdam,1992.

22

alguns dados novos. Este esquema de base põe em relação os Dados (Data), razões a que

recorremos para justificar uma Conclusão (Claim) de uma forma implícita ou explícita, com a

Conclusão (C);mas há uma Garantia (Warrant) que justifica e permite a articulação entre os

Dados e a Conclusão. A este esquema triádico podemos ainda adicionar movimentos de

modalização(Q)quevirãoespecificaraforçadaconclusão,movimentosdeSuporteouApoio(B)

quereforçarãoaGarantiaoumovimentosderefutação(R)querestringemovalordagarantia.

Omovimentoargumentativodesenvolve-se,então,emtrêsmomentos:“apresentaçãodos

Dados (D), a sua justificação (W e B) e emergência de uma Conclusão (C, eventualmente

modalizadaporQ,devidoàRestriçãoR)”(Silva,2012:155).

Baseando-se na proposta de Toulmin, Adam (1992) desenvolve uma teoria para a sua

estruturamacroproposicional prototípicada sequência argumentativa. E começapordefinir a

sequência argumentativa prototípica partindo do princípio dialógico inspirado emMoeschler:

“Un discours argumentatif […] se place toujours par rapport à un contre-discours effectif ou

virtuel.[…]Défendreunethèseouuneconclusionrevienttoujoursàladéfendrecontred’autres

thèsesouconclusions»(Moeschler,1985:47,citadoporAdam,1992:118).

TendoemconsideraçãoacentralidadedatransiçãoentrePremissas(Dados)eConclusão22

na estrutura propototípica da sequência textual argumentativa23, bem como o seu princípio

dialógico, Adam (1992:118) propõe o seguinte esquema para a sequência argumentativa

prototípicacompleta.

TESE +DADOSApoio entãoCONCLUSÃOANTERIOR(Premissas)dasinferênciasprovavelmente(Nova) Tese amenosque RESTRIÇÃOPa024 Pa1Pa225Pa4Pa3

Quadro5:Estruturadasequênciaargumentativaprototípica(Adam,1992:118).

Nesta estrutura, Adam apresenta uma Tese Anterior (Pa0), explicitada ou não, que se

contrapõeàConclusãoouNovaTese(Pa3).Nageneralidade,trata-sedearticularumconjunto

de dados (Pa1) com uma conclusão (Pa3), tal comoToulmin. No entanto, o esquema de base

apresentaagoraquatrofases:osdadosdepartida(premissas–Pa1);aatuaçãodasinferências

22Esteesquemaésempreobservado,quersetratededemonstrarouderefutarumatese.23Aordemprogressivaouregressivanãoécentralnestasequência.24AtualizamosP.ArgdeAdamparaPa,queabrevia“Proposiçãoargumentativa”.25Pa2correspondeàGarantia(w)eSuporte(B)deToulmin.

23

(Pa2);aapresentaçãodoscontra-argumentos(Pa4);eaconclusão(Pa3)queintegraepartedo

conjuntodosargumentosanteriores,próecontra.

ARestrição, Pa4, se for atestada, condiciona a Conclusão através damodalização (como

vimoscomToulmin).Omovimentoargumentativodesenvolve-se,sobretudo,atravésdarelação

entre as macroproposições Pa1, Pa2 e Pa326. A Pa4 pode ou não ocorrer. Logo, Pa1 (Dados)

fornece informação relevante; Pa2 (Apoio das inferências) introduz nova informação que

relacionacomoconteúdointroduzidoemPa1equepossibilitachegaraumaPa3(Conclusão),

por inferência. APa3 terá informaçãodiferente das duasmacroproposições anteriores (Pa1 e

Pa2),masresultadainterseçãodasduas,Pa1ePa2.

Adam(2008:233-234) salientaaindaqueestemodelonãoapresentaumaordem linear

obrigatória, apontando, então, dois níveis para a integração dos diferentes momentos da

sequênciaargumentativa:o ‘justificativo’eo ‘dialógico’ou ‘contra-argumentativo’.Paraonível

justificativo, a sequência organiza-se numa ordem progressiva (Pa1+Pa2+Pa3) domovimento

argumentativo,seminteraçãocomointerlocutorehavendoapreocupaçãodedemonstraruma

tese.Oníveldialógicooucontra-argumentativoincluiasmacroproposiçõesPa0,TeseAnterior,e

Pa4,Restrição, eo interlocutorocupa lugarde relevo,poisháumaargumentaçãonegociadae

pretende-sequeascrençassejamtransformadas.

Como sabemos, nem sempre todas as categorias são atestadas numa sequência

argumentativa. No entanto, sendo Pa1 e Pa3 as macroproposições básicas neste protótipo

sequencial, uma delas terá de ocorrer de forma explícita e terá de haver a possibilidade de a

outra ser recuperada pelo alocutário através da inferência27. Adam (1992: 106) refere que,

destasduascategoriasfundamentais,aqueocorremaisfrequentementedeformaexplícitaéa

Pa1,ouseja,aexplicitaçãodosDados.

O interesse no modelo teórico da sequência argumentativa de Adam revela-se na

introduçãodamacroproposiçãoPa0,TeseAnterior,vistoquenomovimentoargumentativoesta

será refutada, chegando-se a Pa3, Conclusão ou Nova Tese. Verifica-se, então, que Adam

privilegia o princípio dialógico na estrutura da sequência argumentativa, que é próprio de

qualquerargumentação,concebendoarespostaaoutroslocutores,istoé,permitindoacontra-

argumentação. Também a Nova Tese (Pa3) pode tornar-se a Premissa/Dados de uma nova

sequênciaargumentativa.

26Narefutação,oesquemadebaseconstituídoporPa1,2e3estrutura-se,deformaexplícita,combasenateseanteriorPa0.27Segundo Ducrot, esta dedução é frequentemente possibilitada através de um topos ou topoi, lugarescomuns partilhados pelos membros de uma comunidade, que garantem a validade das premissas e apassagemdaspremissasparaaconclusãoatravésdaconsistênciadainferência.

24

Após análise da organização das macropoposições numa sequência argumentativa,

apliquemosomodelodeAdamaumtexto, comdominanteargumentativa,extraídodarevista

Visão,n.º1141:

LIÇÕESDEPARIS

Opaísqueajudouamudaromundocomarevoluçãoda liberdade, igualdadee fraternidadeviveutrêsdiasdeterrorebrutaismomentosdeangústiaepreocupação.Masdeuumanotávelliçãodeconvicçãoecaráter.Nãosevergou,nãoseintimidou,nãoseacobardou.Saiuàruaemforçaecomcoragem.Paracelebrara liberdade,parareafirmarodireitoàdiferença,paraseoporaosqueteimamdeformahediondaemquerersobreporarazãodaforçaàforçadarazão.Esta manifestação é verdadeiramente histórica. Afinal, o terrorismo matou alguns pobresinocentes,masnãomatoualiberdadeeacoragemdeadefender.Éestasuperioridademoralquefazrealmenteadiferença.Eéassimquesefazhistória.

LuísMarquesMendesinVisão15/01/2015

É necessário precisar que a sequência argumentativa nem sempre se atualiza de forma

linear,quecorresponde,pois,aummodeloideal.Muitasvezes,comonoexemplo,asváriasfases

encontram-semescladaseocorremmesmoenunciadosquesãodifíceisdeintegraremqualquer

umadascategorias.Anossapropostadeanáliseéaseguinte:

Pa1

Dados

(Premissas)

Opaísqueajudouamudaromundocomarevoluçãodaliberdade,igualdadeefraternidade

viveutrêsdiasdeterrorebrutaismomentosdeangústiaepreocupação.

Afinal,oterrorismomatoualgunspobresinocentes

Conclusão(implícita)=Teseanterior(Pa0):

AFrançapoderia/deveriatersucumbido

O autor refuta, então, esta tese e marca explicitamente essa oposição através da presença dos

marcadoresadversativos:“Masdeuumanotávellição(...)”;“(...)masnãomatoualiberdade(...)”.Einicia

umnovomovimentoargumentativoqueconduziráaumanovatese,àsuatese.

Pa1

Dados

(Premissas)

(AFrança)Nãosevergou,nãoseintimidou,nãoseacobardou.(Pa3)Saiuàruaemforçae

com coragem. Para celebrar a liberdade, para reafirmar o direito à diferença,

para se opor aos que teimam de forma hedionda em querer sobrepor a razão da força

àforçadarazão.(Oatentado)nãomatoualiberdadeeacoragemdeadefender.

Conclusão1(explícita)=NovaTese(Pa32)

(A França) deu uma notável lição de convicção e caráter. Esta manifestação é

verdadeiramentehistórica.

Cremosqueépossível,ainda,apreender,numoutronível,umaoutraConclusão(Pa3),

paraaqualconcorremosdadosdoquadroanteriorquefuncionariamassim,natotalidade,

comopremissasqueconduzemàtesedoautordotexto:

Conclusão2(explícita)=(Pa32)

Éestasuperioridademoralquefazrealmenteadiferença.Eéassimquefazhistória.

25

Exploremos agora os traços linguísticos que tipificam a sequência argumentativa.

Inspirando-nos nas afirmações de Bassols e Torrent (2003: 52), podemos avançar que a

estruturagramaticalbásicadeumasequênciaargumentativaéaseguinte:Sujeito+verboSER

(presente) +Atributo. Esta estrutura é comumàmaioria dos encadeamentos argumentativos,

independentementedostópicostratadosedosinterlocutoresquenelesparticipam.

Éatravésdestaestruturaqueolocutorcontra-argumentarelativamenteaumaoutratese,

aantítese:aFrançaéumpaísexemplar(enãoumpaísatemorizado).

Osverbosdominantesnestetipodesequênciassãoosqueserelacionamcomaconexão

causa-consequência, os que permitem concretizar as fases da estrutura argumentativa (como

‘concluir’, por exemplo) e os verbos dicendi que permitem expressar as opiniões do locutor

(embora possam não estar presentes, mas simplesmente implicitados e serem recuperáveis

atravésdeinferência).

Ostemposverbaispreferenciaissãoopassado,parareferirtodootipodedadosfactuais

terminados e, obviamente, o presente, o tempo da certeza, do irrefutável, da fiabilidade, que

permite,ainda,generalizar.

Osatosilocutóriosmaisutilizadasnestetipodesequênciasãooassertivoeointerrogativo

(veja-seocasodaperguntaretórica,porexemplo,queaparentaestabelecerumdiálogocomo

interlocutor,emborafuncionecomoumaasserçãodisfarçada).

O léxico é avaliativo, portanto axiológico, pois o locutor inscreve-se explicitamente no

texto, deixando nelemarcas claras da sua presença, do seu ponto de vista (‘terror’; ‘brutais’;

notável’;‘caráter’;‘hedionda’).

Os recursos retóricos são também muito explorados: as repetições (‘liberdade’ e

‘coragem’), as citações, as alusões (aos valores da Revolução Francesa), as enumerações, as

antíteses(veja-seaoposiçãoentre ‘aFrança’vs. ‘osterroristas’),osparalelismos,comoosque

implicamumaestrutura frásicasimilaremsegmentostextuaispróximos:“Opaísqueajudoua

mudaromundocomarevoluçãodaliberdade,igualdadeefraternidadeviveutrêsdiasdeterror

e brutais momentos de angústia e preocupação. Mas deu uma notável lição de convicção e

caráter. “ / “o terrorismo matou alguns pobres inocentes, mas não matou a liberdade e a

coragemdeadefender.”

Umavezmais,sãoestesostraçosquepodemosconvocarparatraçaroperfiltextualdas

sequênciasargumentativas.Opapeldosconectoresnaordenaçãodasváriasmacroproposições

dotextoéfundamental,poiselespermitemintroduzirargumentosouconclusões,sinalizandoo

tipodeinterpretaçãoqueháafazereaorientaçãoargumentativa.

26

3.QUESTÕESDEENUNCIAÇÃO

O conceito de ‘sequência textual’ refere a organização interna da sequência, isto é, o

esquemaestruturalsubjacenteaqueelaobedeceequepermiteintegrá-lanumtipo.Nesteplano,

estamos a falar de «la problématique compositionnelle» (Roulet, Filliettaz et Grobet 2001:

312).

Todavia,estaanálisenãoesgotaaspossibilidadesdeanálisedotexto.OmodelodeAdam

(1992:21)compõe-sedediferentesplanos(aqueelechamaníveis)queinteragemunscomos

outros e que constituem outras tantas portas de entrada para a análise do texto: “visée

illocutoire, repérage énonciatif et cohésion sémantique” – que se integram na pragmática – e

mais dois – “connexité et séquentialité” – que se relacionam com a “organisation

propositionnelle”.

Quadro6:Análisetextualdosdiscursos(Adam,2012:193).

Como se constata pelo quadro anterior, estivemos a trabalhar o plano 5, relativo à

estruturacomposicional.Pretendemosagorapassarparaaanálisedoplano7,oquedizrespeito

àenunciaçãoeàleituraenunciativaquepodemosfazerdassequênciastextuais.

Écertoqueestamosafazerrecortesnoobjetodeestudo,mascomodizoautor,hárazões

metodológicasesobretudodidáticasparaofazermos:

“la complexité de l’objet d’étude est telle, qu’il est méthodologiquement nécessaire de lediviser et de distinguer des moments d’analyse et même de théorisation. Chaque niveauconstitueàmesyeuxunmomentd’analyse,uneunitéderechercheetd’enseignement(c’estunaspectdidactiquequejeconsidèrecommetrèsimportant)liéeauxautresmaisassezdistinctedesautrespourformeruntout.Enfait,onpeutdécrireuntexteensecontentantd’unniveaud’analyseetens’appuyantsurune théorieconsistantedeceniveau.Le toutestdebienvoir

27

qu’on n’opère alors qu’une description partielle d’un objet de très haute complexité quidemandeunethéorieplusvaste”(Adam,2012:194).

Antes, porém, impõe-se fazer uma apresentação das questões enunciativas em que nos

vamoscentrarnaanálisedassequênciasexplicativaeargumentativa.

Podemosiniciaranossaabordagemquestionando-nossobreaformadedefiniroconceito

de‘enunciação’.ParafraseandoFlores&Teixeira(2008:101),podemosperguntarseexisteuma

‘LinguísticadaEnunciação’ouantes‘TeoriasdaEnunciação’,perguntaqueimplicaaexistência

deumcampounificadodeinvestigaçãoou,apenas,delinhasdepesquisadistintasqueincidem

sobreomesmoobjetodeinvestigação.

Marjut Johansson & Eija Suomela-Salmi (2011) afirmam que a teoria da enunciação

francesa não é uma teoria unificada, mas representa diversas abordagens a questões

pragmáticas.

De facto, podemos listar vários nomes que se integram neste campo, mas estudam

diferentes tópicos (Jakobson: shifters; Benveniste: aparelho formal da enunciação; Ducrot:

polifonia e teoria da argumentação na língua; Authier-Revuz: heterogeneidades enunciativas;

Kerbrat-Orecchioni: interaçõesverbais,Fuchs:paráfrase;eestesconstituemapenasalgunsdos

maisatuais).Nasuadiversidade,éaabordagemdofenómenoenunciativoqueestáemcausa,ou

seja, a presença de um sujeito que enuncia um discurso num contexto específico. Por outras

palavras,éapresençadosujeitonalinguagem.

Ocampodaenunciaçãoé,pois,ocampoquearticulaosujeitocoma línguae,segundo

Bally (1965), é o ato de usar o meio de expressão comum a todos os indivíduos da mesma

comunidadelinguística,ouseja,alíngua,paraexpressarideiasesubjetividade.Nestaaceção,o

termo ‘enunciação’ implica jáumatoconcretodeusoda línguaeéBenveniste(1989:92)que

concretiza esta ideia ao afirmar que a enunciação é a colocação da língua em funcionamento

atravésdeumato individual deutilização. Estadefiniçãopressupõeumaatividade linguística

levada a cabo por uma instância emissora, o locutor, dirigida a um interlocutor, numa

determinadasituação,umespaçoeumtempo,eestesquatroparâmetros(interlocutores,espaço

e tempo) constituem um enquadramento enunciativo relativamente ao qual muito do que

dizemos faz sentido. Por outro lado, também pressupõe que o sujeito se inscreve

automaticamente no seu discurso, nele deixando a sua presença através demarcas variadas.

Essas marcas integram o domínio da língua, isto é, são signos linguísticos que estão

permanentemente disponíveis para seremusados numdiscurso, assinalando precisamente os

“actantes da comunicação-interacção e as suas relações interpessoais” (Fonseca, 1991: 268) ,

istoé,o ‘eu’eo ‘tu’,bemcomoinstanciando“notempoenoespaçoasproduçõesdiscursivas”

(idem,ibidem).

28

Oatodeenunciaçãopermite,portanto,aofazerusodessessignos,converteralínguaem

discursoeesseatoindividualdeapropriaçãodalínguaparaatransformaremdiscursointroduz

ofalantenoseuprópriodiscurso.

Aaparentesimplicidadedadefiniçãoé,contudo,falaciosa.Defacto,otermo‘enunciação’

adquirediferentes significadosem funçãodas teoriasqueo convocamedaíquea enunciação

possa não só indicar a emergência do sujeito no seu discurso,mas tambémpossa designar o

conjuntodasprópriascondiçõesdeprodução/receçãododiscurso:quem fala, aquem,ondee

quando,coordenadasqueauxiliama interpretarosentidododiscurso,eaindapossareferiro

conjuntodemecanismoslinguísticosquepermitemoprópriofuncionamentodalíngua,istoé,a

sua conversão em discurso. Estes são os signos sui-referenciais, “já que a referência que

manifestamvariasistematicamentecomaenunciaçãoqueosactualiza”(Fonseca,1991:268).É

nestesentidoqueseafirmaqueaenunciaçãoseapresentacomo“umareflexãosobreodizere

nãopropriamentesobreodito”(Flores&Teixeira,2008:110).

Estaintroduçãoaotemadaenunciaçãonãopoderiaficarcompletasemumamençãomais

específicaàproblemáticadosujeitonestequadroanalítico.Comefeito,aentradadosujeitona

reflexãolinguística(operada,sobretudo,porBenveniste)permite-nosirtambémumpoucomais

além; como é óbvio, a linguística da enunciação não estuda o sujeito em si mesmo, mas as

marcasdasuapresençanodiscurso,oqueequivaleaafirmaroestudodaimagemqueodiscurso

dádosujeito.Estasubtildistinçãopermite-nosreferirumaoutra,motivadapelaimpossibilidade

de analisar cientificamente aquilo que é, por natureza, único e irrepetível. Se, como afirmam

Anscombre eDucrot (1976:18), “L’énonciation sera (...) l’activité langagière exercéepar celui

quiparleaumomentoù ilparle”, então,elaé,pordefinição,históricae transitória,nãosendo

possível tomá-la comoobjetodeestudo.Assim, e caminhandonomesmosentidodadistinção

anterior,temosdeinfletiranossaatençãoparaosmecanismosdeengendramentododiscurso,

ou seja, para as estruturas que,manifestando-se ao nível do enunciado/discurso, relevam do

processodeenunciação.Poroutraspalavras,éabuscadasmarcasdoatonoprodutoquedele

resultaou, aindade formamais clara, é o levantamentodasmarcasdapresençadosdiversos

constituintesdoquadroenunciativonoenunciado.

Embora não seja fácil associar, definir e delimitar todas estasmarcas, vamos tentar, na

esteira de Boss & Grossmann (2007), delimitar duas noções fundamentais do sistema

enunciativo: o espaço enunciativo e a dimensão intersubjetiva. No âmbito da primeira,

analisaremosaquestãodadêixise,noâmbitodasegunda,aquestãodapolifonia.

De facto, o locutor assinala a sua presença, no seu enunciado, antes demais através da

presençadospronomespessoais,signosindiciaisporexcelência;emsimultâneo,tambémancora

o seu enunciado ao mundo através da dêixis espacial e temporal. O termo ‘dêixis’ recobre

29

precisamenteoconjuntodestasexpressõesquepermitemareferênciaàsituaçãodeenunciação

eareferênciaaossujeitosquenelaparticipam.

Poroutrolado,tambéméverdadequeasubjetividadesemanifestacomoainstauraçãode

um certo ponto de vista sobre o que se diz; com efeito, o locutor dá informações sobre as

diferentesformasdeapresentaroseudiscurso,podendotomaremconsideraçãoodiscursodos

outros,podendodar-lhesapalavraouapenasreformularouatéapenasaludiràquiloqueoutros

disseram;nofundo,osujeitodefinequeméafonteenunciativa.Éoconceitode‘polifonia’que

dácontadestesdiferentesenunciadores,docruzamentodassuasvozesequecontestaodogma

daunicidadedosujeitoqueseexpressanumtexto.

3.1.DÊIXIS

Ésabidoqueaslínguastêmcapacidadereferencial,istoé,permitemdesignarentidadesdo

universoextralinguístico.Noentanto,hásignosque“(…)funcionansobrelabasedeunarelación

constante, independientede la situación,entreelmundoysu ‘denotatum’” (Mateu,1994:32).

Háoutros,ossignosdeíticos,queremetem,apontamverbalmenteparareferentesespecíficosdo

atoenunciativo.Nãotêmumareferênciaestável,permanente,umavezque,decadavezquesão

atualizados no discurso, têm referentes diferentes e variáveis, assinalando o locutor e o

interlocutor do ato enunciativo, o tempo e o espaço da enunciação, ou seja, marcando as

coordenadasenunciativaseapontandoparadadosdocontextosituacional.

Ao fenómeno que consiste no uso de expressões deíticas dá-se a designação de ‘dêixis’

(Lima,2006:86).

Otermo‘deítico’temorigemnogregodeiktikós(demonstrar,indicar,designar)e,segundo

F.I.Fonseca(1996:437),“osentidoetimológicodotermo‘dêixis’“estárelacionadocomogesto

deapontar: umgesto, um fazer, que,pressupondouma situaçãode comunicação face a face e

umaintencionalidadesignificativacomumadoissujeitos,sesituaameiocaminhodedizer”.

Aodizermosi)‘Ficoaquiagora’;ii)‘Queroeste’28ouiii)‘Gostodeti’,asexpressõesdeíticas

‘aqui’,‘agora’,‘este’e‘ti’funcionamcomoautênticos‘gestosverbais’(apontamverbalmentepara

umespaço,umtempo,umaentidade,umser).Assim,a‘dêixis’refereaformaatravésdaqualas

línguascodificamoselementosdocontextoquesãopertinentesparaoatodeenunciação.

Oestudodadêixisquestiona,portanto,opressuposto teóricodequeas línguasnaturais

têmsignoslinguísticosdotadosdereferênciafixaeestáveleprivilegiaaanálisedossignosque

permitemaemergênciadasubjetividadeeaconstruçãoderelaçõesinterpessoais.

28ExemplodeF.I.Fonseca(1996:437)

30

Começaremos primeiro por esclarecer conceitos, como ‘ato enunciativo’ e ‘coordenadas

enunciativas’.

Um ‘ato de enunciação’ é um ato de apropriação individual da língua por um sujeito

falante.Ouseja,umsujeito locutor(‘eu’)dirige-seaum‘tu’num‘aqui’e ‘agora’.Atentemosno

seguinteexemplo:

(1) Euficoaquiagora.

Nestecaso,osreferentesdaspalavras‘eu’,‘aqui’e‘agora’,expressõesdeíticas,dependem

do contexto situacional, isto é, não têm referência fixa (Lima, 2006: 86), pois a referenciação

produzidanomomentodaenunciaçãosóéidentificadaseconhecermosocontextoemquesão

utilizadas.

AspalavrasdeBenveniste(1970:12)corroboramestasafirmações“l’énonciationestcette

miseenfonctionnementdelalangueparunacteindividueld’utilisation”.

Cada ato de enunciação é, assim, único e irrepetível; é ativado por um locutor e um

interlocutor,tambémelesindividuaiseúnicos,queseencontramnumenquadramentotambém

elesingulareespecífico.Aesseenquadramentodamosonomede ‘contextosituacional’enele

estão compreendidos elementos extralinguísticos que condicionamo atode enunciação. Estes

elementosconstituemas‘coordenadasenunciativas’:i)‘aquelequefala’(EU);ii)‘aqueleaquem

sefala’(interlocutor)(TU); iii) ‘oespaçoemquesefala’(AQUI);e iv) ‘otempoemquesefala’

(AGORA).

Todas as línguas naturais têm signos linguísticos que referem estas coordenadas

enunciativas, o que equivale a dizer que as línguas naturais têm signos, os ‘deíticos’, que

codificamoselementosconstituintesdocontextocomunicativo(eu–tu–aqui–agora).

Odesconhecimentodascoordenadasenunciativasimplicaumacomunicaçãogorada,como

nofrequente“Voltojá”queencontramosnumalojaouquando,semverointerlocutor,obtemos

aresposta“Soueu”àpergunta“Quemé?”.

3.1.1.DEÍTICOS

Como já vimos, a ‘dêixis’ é o fenómeno de referenciação que depende de cada ato

enunciativo.Estarelaçãoda linguagemcomocontextosituacionalreflete-senasestruturasda

língua.

31

São várias as designações atribuídas a estas “palavrinhas”29. Passamos a citar Almeida

(2000:3)quereferealgunstermoseosseusautores:“BrugmanetBühlerappliquent leterme

de déictiques mais que Jakobson, à la suite Japersen, appelle shifters (en fr. embrayeurs),

Reichenbach token-reflexives, Pierce index, Benveniste expressions sui-référentielles, Bar-Hillel

expressions indexicales et Burks symboles indexicaux [cités par G. Kleiber, 1986: 3-26]”. A

designaçãode“embrayeurs”,aliás,éilustrativa,metafórica,poissãosignosdoplanodalíngua,

sempre aptos a fazer entrar a língua em ação, em diferentes contextos, com diferentes

participantes.

Comosecaraterizamestasentidades?

ParaBenveniste (1976:52), a linguagemcriou “umconjuntode signos “vazios” (...),não

referenciaisemrelaçãoà“realidade”,sempredisponíveis,equese tornam“plenos”desdeque

umlocutorosassumaemcadainstânciadoseudiscurso”.Masestaexpressão,“signosvazios”,é

questionadaporKerbrat-Orecchioni(1980:43),queargumenta:“elles[lesformesvides]lesont

peut-êtreréférentiellement,maissurementpassémantiquement:lesdéictiquesontunsens(…);

les déictiques réfèrent à leur propre instance de discours (…), à des objets dont la nature

particulière ne se détermine qu’à l’intérieur de l’instance particulière de discours qui les

contient”.

Estasunidadeslinguísticastêm,portanto,umfuncionamentosemântico-referencialmuito

particular:sãosignosdisponíveisnalíngua,quetêmatualizaçãoemcadaatoenunciativo,uma

vez que implicam, para serem devidamente interpretados, a consideração de entidades que

integramaquelasituaçãodecomunicaçãoespecífica.Porissosedizqueumdeíticoseancoraa

cadaatoenunciativo,únicoeirrepetível.

Conhecemos já alguns signos deíticos, como ‘eu’, ‘tu’, ‘aqui’ e ‘agora’. No entanto, o

conjunto destes signos é bastante mais alargado e nem sempre fácil de delimitar. No item

seguinte, iniciaremos a apresentação dos três domínios clássicos em que é usual subdividir a

categoriadadêixis.Ascoordenadasenunciativas–eu–tu,aquieagora–instauramprecisamente

os três tipos principais de dêixis: i) a ‘dêixis pessoal’, ii) a ‘dêixis espacial’ e iii) a ‘dêixis

temporal’30.

29Adaptámos o termo utilizado por Óscar Lopes (1985: 90) quando se refere a ‘assim’ como uma“palavrinha”,um“modestodíctico”.30Tambémdevemosreferenciara‘dêixiscircunstancial’,a‘dêixissocial’ea‘dêixisdiscursivaoutextual’.Adêixiscircunstancial,como“modestodícticoassim”(ÓscarLopes,1985:90),apontaparaomodocomoalgosefazoudiznaqueleespaço-tempo,comoem“Dobra-seassim”,ondeseespecifica“umfazerinerenteaodizer,fazeressequecorrespondeaomodocomoseexecutaumdeterminaacção”(Lopes&Carapinha,2004:66).A dêixis social está próxima da dêixis pessoal. Codifica a familiaridade/proximidade ou uma maiordistânciaentreosparticipantesnacomunicação(registoformal/informal).Sinalizaacomunicaçãosoboponto de vista de uma escala de papéis sociais ou de hierarquia, traduzida através das formas de

32

3.1.2.TIPOLOGIADEDÊIXIS

Atentemos,emprimeirolugar,na‘dêixispessoal’,queserefereàsexpressõeslinguísticas

queremetemparaosparticipantesdoatocomunicativo:eu–tu.

Benvenisteconsideraqueadêixispessoaléocernedasubjetividadeda linguagem.31Ao

analisarmosospronomespessoais ‘eu’e ‘tu’,verificamosque ‘eu’codificaaautorreferênciado

falanteeque‘tu’codificaareferênciadointerlocutor;opronome‘ele’,pelocontrário,codificaa

referênciaàquiloouàqueledeque(m)sefala.Benvenisteexcluiporissoa3ªpessoadogrupode

participantes no evento e, automaticamente, da esfera de ‘pessoalidade’ que os caracteriza, já

queéconsideradauma‘não-pessoa’.

É por esta razão que se diz que a linguagem é o local fundador da subjetividade; na

realidade,ousode‘eu’ede‘tu’sinalizaapresençadolocutor(edassuascircunstâncias,neste

caso, a presença do seu interlocutor) no seu próprio discurso e constitui uma marca de

subjetividadedosujeitonoseudiscurso.

Observemosesteexemplocurioso,emqueumadultosedirigeaumbebé:

(2) Entãoobebénãoquerdormir,não?

Em (2), ao ‘tu’, ‘o bebé’, não é atribuída pessoalidade, pois não se pressupõe interação,

reciprocidadeverbal.

A categoria da ‘dêixis pessoal’manifesta-se, como se conclui facilmente, nos ‘pronomes

pessoais’,nos‘determinantesepronomespossessivos’ena‘flexãoverbal’.

Os ‘pronomes pessoais’ são as formas mais evidentes dos deíticos pessoais e aqui

destacam-seaspessoas:Eu-Tu-Nós-Você/Vós/Vocês/(ealocução‘agente’-Raposo&al.,

2013:899-902).

O ‘eu’ (aqueleque fala)eo ‘tu’ (aqueleaquemse fala) sãoconsideradosdeíticospuros.

Benveniste afirma que ‘eu’significa “a pessoa que enuncia a atual instância de discurso que

contémeu, instânciaúnica,pordefinição,eválidasomentenasuaunicidade”(1976:50).Estas

duas formas pronominais têm duas caraterísticas que as definem de forma inequívoca: a

unicidade, pois em cada ato de enunciação cada um deles é um indivíduo único; e a

reversibilidade, já que o seu papel alterna quando se encontram em interação. Em qualquer

situaçãodeenunciaçãotodoo‘eu’éum‘tu’empotênciaevice-versa(Benveniste,1966:230).tratamento. As variações de uso ancoram-se no contexto situacional, como observamos em i) “SenhorLuís,queirafazerofavordeatenderotelefone.”eii)Luís,atendeotelefone,porfavor”.A dêixis discursiva ou textual diz respeito a expressões que referem porções de texto ou umapalavra/expressão em particular do discurso anterior ou subsequente, mas que não são/é o seuantecedente(referente,queseráprópriodaanáfora).31F.I.Fonseca(1996:442)

33

Em contrapartida, devemos debruçar-nos sobre a pessoa ‘nós’, por apresentar aspetos

interessantes a considerar como informação deítica. Lima (2006: 87), na esteira do que

Benveniste já havia dito (1966: 233), afirma que “há uma assimetria entre a 1ª pessoa do

singular e a do plural: aquilo a que se chama “1ª pessoa do plural”, nós, não designa, na

realidade,umeuplural(“oseuquefalamagora”)”,istoé,‘nós’nãocorrespondeaum‘eu’plural,

pois o ‘eu’ é singular e único. Adaptando a perspetiva de Benveniste (1966) e de Kerbrat-

Orecchioni(1980),podemosconsiderarqueo‘nós’incluio‘eu’eum‘não-eu’(onão-eupoderá

serpreenchidopordiversasentidades),observando-se:i)um‘nósinclusivo’(eu+tu–singular

ouplural);ii)um‘nósexclusivo’(eu+ele(s));eiii)umeu+tu+ele(s)).

Aindanotocanteàpluralidadedeleiturasdo‘nós’devemosreferiro‘nósmajestático’eo

‘nósdemodéstia’.Ousodo‘nósmajestático’potenciaumadilataçãodo‘eu’,comoem(3).

(3) “Nós,ReidePortugalpelagraçadeDeus,fazemossaberque…”

Apesardehaveraautoridadedousodapalavraemnomedetodos,háclaramenteavozdo

‘eu’queseassumedeformaamplificada.Configura-seum‘nós’queequivaleaum‘eu’único.

Esteefeito tambéméobtidonodiscursopolítico.Vejamosoexemploseguinteproferido

peloex-PrimeiroMinistro,JoséSócrates:

(4) Imaginem só amudança estrutural que estamos a propor! O que queremos é isto: que

todasas criançasportuguesas frequentempelomenosumanode jardim-de-infância–e

depois,naescola,adquirampelomenosdozeanosdeeducação!32

Em(4),o‘nós’,pretendidocomoopartidoqueestánogoverno,nãoémaisdoqueeu,José

Sócrates.

É curiosoqueestediscursopolítico tambémpode jogarcomaambiguidadedeum ‘nós’

inclusivo: ‘eu’ e o partidopolítico ou ‘eu’ e o eleitorado.Observemosumexemplo emque, na

leiturainclusivado‘nós’,estácontempladoopartidopolítico.

(5) “Onossoprincipaladversárioéaabstenção.AquiestamosafazercampanhapelaEuropa,

para dizer aos portugueses que nunca Portugal precisou tanto como agora da Europa”,

afirmouJoséSócrates,duranteasuaintervençãonoFórumNovasFronteiras,emLisboa,

ondefoiapresentadaalistadoscandidatosdoPSaoParlamentoEuropeu.33

32XVI Congresso do Partido Socialista, Sessão de Encerramento, Intervenção do Secretário-Geral JoséSócrates (01-03-2009) in http://www.socrates2009.pt/getattachment/1f70e4c5-0564-49df-ae3e-27f5b1b0ee42/DiscursoEncerramento.aspx33in Página do Partido Socialista http://www.ps.pt/noticias/noticias/jose-socrates-aponta-abstencao-como-qprincipal-adversarioq-nas-eleicoes-europeias.html

34

Nopróximoexemplo,encontramosainclusãodoeleitorado,aquemédadoprotagonismo

pelopartidopolíticoemquestão.

(6) TODOSsabemosqueanossaterraprecisa,comurgência,deTODOSnós.34

Sobreosusosdestes‘nós’,Guespin(1985:49)afirmaque“lenousdutextepolitiquejoue

surlacoexistencededeuxprocèspossiblesdesémantisation,lesformationssociales(lespartis,

lescirconscriptionsélectorales,lestandemscandidatetsuppléant,etc.)etl’interactionverbale.

(…) un des efforts du tract électoral est de jouer de l’ambiguïté du pronom pour amener

l’interlocuteurverscenouspartisan”.

Esta conquista do ‘tu’ (eleitorado) através do recurso ao ‘nós’ é, como já destacámos,

notórianodiscursopolítico.35

Paraalémdo‘nós’,torna-sepertinenteatendermosàsformas‘você/vocês’.SegundoLima

(2006:87),“vocêevocêssãoclaramente2aspessoas(aquele(s)aquemsefala),dosingularedo

plural”36.Tambémalocução‘agente’,apesardegramaticalmentecorresponderà3ªpessoa(de

acordo com a norma padrão do português), semanticamente respresenta um conjunto de

pessoasemqueseincluio‘eu’,equivalendoà1ªpessoadoplural,‘nós’.

(7) Vocêtrabalha./Vocêstrabalham.

(8) Eletrabalha/Elestrabalham.

(9) Agentevaiàpraiaestatarde.

(10) Elevaiàpraiaestatarde.

Em(7)e(8)ocorremasmesmasformasverbais,quesãoambíguas,poismarcama2ªea

3ªpessoas, consoante o caso. Já em (9) e (10), a formaverbal é de3ªpessoa,mas (9) como

recursoa‘agente’aformaverbalcorrespondeà1ªpessoadoplural.

Quanto aos ‘determinantes e pronomes possessivos’, estas formas têm a função de

contribuir para a referência a entidades “possuídas por” ou relacionadas com as pessoas

designadaspelospronomespessoais.

34InfolhetodacampanhaeleitoraldePauloFonseca–Ourém2009.35NumestudodaentrevistadeJoséSócratesàSIC(junho2009),oJornalicontabilizou78ocorrênciasde‘nós’,destacandoquefoiapalavramaisutilizadapeloPrimeiroMinistro(inArtigodeGonçaloVenâncio,publicado em 17 de junho de 2009, “O discurso de José Sócrates em palavras”http://www.ionline.pt/conteudo/9314-o-discurso-jose-socrates-em-palavras)36Aforma‘você’mereceriaalgumasreflexõesdopontodevistadadêixissocial,umavezqueéumaformade tratamento que pode ter implicações na relação social que se estabelece entre os interlocutores.Todavia,essetópiconãoseráabordadonestetrabalho.Comosepodeconstatar,diferentescategoriasdedêixispodemarticular-senosdiscursos.

35

Por fim, podemos assinalar que a categoria de pessoa também se manifesta na ‘flexão

verbal’.Sãoos ‘sufixos flexionais’quemarcamacategoriadapessoa.Devidoàcomplexidadee

riqueza da flexão verbal, o português não precisa de lexicalizar o sujeito (ao contrário, por

exemplo,dofrancês).

(11) Queresiraocinema?

(12) VamosaNovaIorqueesteano?

(13) Encontrouolivroquelheindiquei?

Em (11), o locutor dirige-se a um ‘tu’, expressão ausente, mas recuperável através da

flexão do verbo; omesmo se aplica a (12), relativamente à pessoa ‘nós’. Em (13), para haver

referenciação deítica (você, o/a Sr., a Paula), temos necessidade de conhecer as coordenadas

enunciativas.

A ‘dêixis temporal’ é outra categoria deítica.Diz respeito a “expressões que permitema

referência a momentos ou períodos de tempo em relação ao momento do contexto da

enunciação”.EstacitaçãodeLima(2006:90)permite-noscompreenderqueadêixis temporal

refereaformacomoaslínguascodificamoperíodotemporalrelativamenteaoqualoenunciado

foi proferido; normalmente, são os tempos verbais e os advérbios e locuções adverbiais de

tempoque,emgeral,codificamestesaspetos.

Foi Benveniste que salientou a dimensão deítica do tempo. Este tempo é um tempo

linguístico cujopontode referênciaéomomentodaenunciação (Armengaud,1985:58-59),o

‘agora’ emque o sujeito enunciador toma a palavra. “Agoradelimita a instância (…) temporal

coextensiva e contemporânea da presente instância do discurso que contém eu”, afirma

Benveniste(1976:51).

Grandepartedosenunciadosexpressaumdeterminadovalortemporal,ouseja, localiza

oseventosdequefalanumdostrêssetoresdoeixotemporal:passado/presente/futuro.Neste

caso, estabelecem-se relações de ordem –anterioridade/simultaneidade/posterioridade–no

eixodo tempo cronológico.Emalguns casos, essas relaçõesde ordem tomamcomo ‘pontode

referência’o ‘agora’(T0=momentoemqueserealizaoatodeenunciação),eé relativamentea

essemomentoqueoenunciadorordenaacronologiadoseuenunciado,estabelecendooqueé

passado,oqueé futuro,oqueé simultâneo relativamenteaessemomento.Temos, então,um

subsistemade temposverbaisdenaturezadeítica, istoé,umconjuntode temposverbais cuja

interpretação está dependente de T0.Observemos os exemplos seguintes, que dão conta das

relaçõestemporaisestabelecidasapartirdeT0:

1) desimultaneidaderelativamenteaT0=“agora”

36

a)presentedoindicativo:poucousado;maisfrequenteemreportagememdireto

(14) OPrimeiroMinistrocomeçaagoraoseudiscurso.

(15)MeirelespassaabolaaRonaldo.

b) presente perifrástico: forma mais produtiva (com predicadores eventivos,

tipicamente)

(16) Estouafazerarevisãodotexto.

2) deanterioridaderelativamenteaT0(momentodafala)

a)pretéritoperfeitodoindicativo

(17) CompreiumlivronaBertrand.

3) deposterioridaderelativamenteaT0

a) futuro simples: registo mais formal, ocorre com mais frequência em textos

escritos(cf.artigoscientíficos)

(18) Noprimeirocapítulo,abordaremosaprodutividadedepresenteperifrástico.

b)futurosimples:valormodal

• Modalidadeepistémica(certeza/incerteza)

(19) Amanhã,aestahora,estaremosemParis.

• Modalidadedeôntica(obrigação,dever)

(20) Deverápreencheromodelo3doIRSnoprazoestabelecido.

c)presentedoindicativo

(21) VouaCoimbra.

d)formaperifrástica:maisfrequente

(22) Voutrabalharpoesiavisualparaasemana.

Levinson(2004:115)atribuiaestestemposverbaisadesignaçãode‘absolutos’,umavez

que são deíticos, opondo-os aos relativos, que expressam anterioridade ou posterioridade

relativamenteaum tempoabsoluto;umexemplodesteúltimo tipoéomais-que-perfeito,que

expressaumaaçãoanterioràdeumaformaverbalnopretéritoperfeitosimplescomaqualestá

relacionada.Estestemposverbais,cujopontodereferênciajánãoéT0,massimumoutrotempo

verbal,configuramumsubsistemadetemposverbaisdenaturezaanafórica,umavezqueoseu

pontodereferênciaéumoutrotempoverbal,dataoueventoexplicitadonotexto.

37

Como facilmente se pode inferir, a série de tempos verbais de tipo deítico abunda em

textosquecontêmmuitasreferênciasàsituaçãodaenunciação,enquantoostemposverbaisde

tipo anafórico ocorrem, sobretudo, em textos que contêm poucas marcas da situação de

enunciação.37

Alguns ‘advérbiose locuçõesadverbiaisde tempo’são tambémconsideradosexpressões

deíticas, desde que a sua referência tenha por base omomento da fala (T0). Aliás, este duplo

aspetodareferênciatemporal(deíticaeanafórica)temcorrespondênciaaoníveldeoutrostipos

de expressões que também funcionam como indicadores temporais: os advérbios e locuções

adverbiaisdenaturezatemporal.Comefeito,tambémestasexpressõessedistribuemporduas

séries distintas, uma de natureza deítica [(23) e (24)] e outra de natureza anafórica [(25) e

(26)]:

(23) Ontemfuiaocinema.

(24) Nosúltimosmeses,eleesteveinternado.

(25) Nodiaanterior(ax),tinhaidoaocinema.

(26) Nosmesesanteriores(ax),eletinhaestadointernado.

Kerbrat-Orecchioni (1980: 48-49) propõe, igualmente, para ilustrar esta categoria de

dêixis, alguns ‘adjetivos temporais’. ‘Atual’, ‘moderno’, ‘antigo’, ‘futuro’, ‘próximo’podem ser

exemplosdestegrupodepalavras, sendo consideradosdeíticos se se inscreverememT0(cf. o

exemplo27).

(27)Aspróximaseleiçõesdecorrerãoemoutubro.

Portanto,todasasexpressõesdadêixistemporaltêmemcomumofactodeomomentoou

períododetempoporelasreferidoexigirsempre,paraumacorretainterpretação,atomadaem

consideraçãodomomentodaenunciação.

Finalmente,consideramosquehá ‘dêixisespacial’quandoa localizaçãonoespaçodeum

objeto ou entidade tem como ponto de referência o espaço físico tomado pelo sujeito da

enunciação.

Sãodeíticosespaciaisosadvérbios‘aqui’,‘aí’e‘ali’,quedesignam,respetivamente,olocal

onde está o falante, o local onde se encontra o destinatário e um local afastadode ambos.Os

advérbios ‘cá’, ‘acolá’, ‘lá’ e ‘além’ tambémpodem ser deíticos. São aindadeíticos espaciais os

determinantesepronomesdemonstrativos,queauxiliam“nareferênciaaobjectosqueestejam

(…)próximosdofalante(este(a)/isso),próximosdointerlocutor(esse(a)/isso)ouafastadosde

37Nãonosalongaremosmais sobreestabipartiçãodosistemade temposverbais,umavezqueonossoobjetivoétratarapenasostemposdenaturezadeítica.

38

ambos(aquele(a)/aquilo)”(Lima,2006:89).Enãopodemosdeixardemencionaralgunsverbos

cujo semantismo apresenta um traço semântico relativo a um movimento deítico, como os

lexemas‘ir/vir’.

Os deíticos espaciais gramaticalizam, assim, relações de ‘proximidade,maioroumenor’,

em função do lugar ocupado pelo ‘eu-tu’, instaurando-se sistemas de referência posicional e

dimensional.

Note-se, ainda, que este grupo de signos deíticos é aquele cuja organização e

funcionamentoéoquemaisdiferedasrestanteslínguasromânicas,nomeadamentenoquetoca

àorganização tripartidadoespaço.De facto,determinantesepronomesdemonstrativoscomo

‘este’,‘esse’,‘aquele’ (formasvariáveis), ‘isto’, ‘isso’, ‘aquilo’ (formas invariáveis)eadvérbiosde

lugar(‘aqui’/‘aí’/‘ali’)refletemaestruturatriádicaqueorganizaaspessoasnoespaço:eu-tu-ele

(este/aqui–próximodo‘eu’;esse/aí–próximodo‘tu’;aquele/ali–afastadodo‘eu-tu’).

A este respeito, Óscar Lopes (1985: 91) destaca que os advérbios ‘aqui/aí/ali’ estão

relacionados com a “oposição ternária do tipo isto/isso/aquilo” (…), mas refere ainda que na

“estruturamaximal dos advérbios dícticos se poderiam distinguir, não três (aqui/aí/ali),mas

oitovalores(incluindocá/lá/acolá/aquém/ealém)”.

Observemos,agora,osexemplosseguintescomosverbos‘ir’/’vir’.

(28) Euvouparaaescola.

(29) Euvenhodaescola.

Em(28)e(29)háadescriçãodomesmopercursoespacial,masainformaçãoédiferente,

poisdependeda localizaçãodo falantenomomentodaenunciação.Kerbrat-Orecchioni (1980:

51)salientaque‘ir’/’vir’sãodoisverbosqueseopõemdeiticamente,nodizquerespeitoaoque

descrevem-ummovimentodeaproximaçãooudeafastamentodaesferadolocutor38.

Expressões como ‘perto de’ e ‘longe de’ são também consideradas deíticas quando têm

comoreferênciao lugarondeseencontrao locutor(‘Tomarépertodaqui’; ‘OPorto fica longe

daqui’).

Comosdeíticosqueacabamosdereferir,instaura-seosistemade‘referênciaposicional’.

Já no âmbito da ‘referência dimensional’, que diz respeito à disposição de entidades no

espaço, quer no eixo horizontal quer no vertical, Kerbrat-Orecchioni (2009: 55-57) aponta

expressõescomo: ‘à frente’, ‘atrás’; ‘em/porcima’, ‘em/porbaixo’; ‘àesquerda’, ‘àdireita’,que38F. I.Fonseca(1996)considera também trazerelevar, verbosdemovimentoque incluemumsemadedireçãorelativamenteaoaqui: i)Trouxeo livroquemetinhaspedido(aproximaçãoaoeu-tu); ii)Levaaautorizaçãoparaavisitadeestudo(afastamentodoeu).

39

fazem parte da dêixis espacial quando o ponto de partida é o corpo de falante, como nos

exemplosseguintes.

(30) Procureiotelemóvelqueestavaàminhafrente.

(31) Vivonosegundo;embaixo,háumescritóriodeadvogados.

Noseutodo,estessignosdequetemosestadoafalarcorrespondemàtraçadeixadapelo

locutor,epelascircunstânciasdasuaenunciação,noseuprópriodiscurso.Constituindoindícios

daenunciaçãonoenunciado,sãotambémmarcasdesubjetividadedosujeito.Eimpõe-seagora

perceberporquerazãoBenvenisteafirmanãoapenasqueohomemestáinscritonalíngua,mas

tambémqueéalinguagemquepermiteaemergênciadasubjetividade.

3.1.3.EMERGÊNCIADASUBJETIVIDADENALINGUAGEM

Benvenisteconsideraqueasubjetividadeéacapacidadedeo falanteseconstituircomo

sujeito,deestabeleceroespaçoeotempodaenunciaçãoedeterminarasuarelaçãocomo‘tu’.

Segundo o autor (1966: 259), “c’est dans et par le langage que l’homme se constitue comme

sujet;parcequelelangageseulfondeenréalité,danssaréalitéquiestcelledel’être,leconcept

d’«ego».”NaspalavrasdeBenveniste,é‘eu’aqueleque,numdiscursoparticular,diz‘eu’.Aofazê-

lo,cadalocutormobilizaalínguaporsuaconta,institui-secomosujeitoeporissosedizquea

enunciaçãoéolocalfundadordasubjetividade.

Areferenciaçãodeítica tem,então,umpontodereferênciaegocêntrico–osujeito,o ‘eu’

quefala–,ocentrodeíticoapartirdoqualseestabelecemasoutrascoordenadasdaenunciação.

A partir do momento em que se dá a enunciação instaura-se um campo de referenciação

estabelecido a partir do ‘eu’ e só a partir dele se identificam e localizam os objetos, seres,

entidades que se encontram no âmbito da esfera espacial e temporal da enunciação. Por

conseguinte,podemosdizerqueadêixispessoalébasilar,primária,relativamenteàtemporale

àespacial.

O conjuntode signosdeíticos (denaturezapessoal, temporal e espacial) constitui assim

umdispositivo linguístico,aquiloaqueBenvenistechamou ‘oaparelho formaldaenunciação’,

sempredisponível,permitindoaqualquerumtomarapalavra,situar-secomolocutor,aodizer

‘eu’,eexpressarasuasubjetividade.

Porém, separece fácil esclarecer comoéquea subjetividadedo locutor semanifestano

seudiscurso, já não é tão evidente explicar comoé que a linguagem (ouqualquer língua) é o

local fundador da subjetividade. J. Fonseca (1991: 265) defende a ideia de que a enunciação,

enquantoconjuntode condiçõesbásicasdeusoda língua, estáprevistanaprópria língua (em

todasas línguasnaturais),quecontémtodasas formas linguísticasnecessáriasàexpressãode

40

qualquer falante. Por outras palavras, a linguagem está profundamente marcada pela

subjetividade, na medida em que tem todos os signos linguísticos – os signos deíticos –

adequadosàsuaexpressão(Benveniste,1966:263).Podemos,então,afirmarqueapresençado

Homemestáinscritanalínguaedetalmodoqueasuamarcasubjetivaemergeconstantemente.

Emboraessesdeíticosconstituamumrecursolinguísticoemnúmerolimitado;são‘palavrinhas’

poderosas que podem permitir inúmeras referências, dependendo do contexto situacional,

adquirindoassimumsentidovariávelemcadaatocomunicativo,únicoeirrepetível.

DeacordocomKerbrat-Orecchioni(1980:55),“osistemadereferenciaçãodeíticanãoéo

únicodequeas línguasdispõem,masé semdúvidaomais importante,e seguramenteomais

original,porqueestareferenciaçãotemaparticularidadedeocorrer,nãoemrelaçãocomoutras

unidadesinternasdodiscurso,masemrelaçãoaalgumacoisaquelheéexternoeheterogéneo:

ascoordenadasconcretasdesituaçãodecomunicação”39.

O número e o tipo dos deíticos variam consideravelmente de acordo com o género de

discurso/textoeestessignosocorremsobretudonaquelestextosqueincidemno‘eu’.

3.2.POLIFONIA

Tradicionalmente,aenunciaçãoestavaintimamenteligadaàreferênciadeíticaeàsmarcas

queatestamapresençado locutornoseuenunciado;porémaenunciaçãonãose limitaaeste

domínio restrito que Benveniste tão bem descreveu. Na sequência dos trabalhos do linguista

francês, outro linguista francês, Oswald Ducrot, vai recuperar as teses de Bakthine sobre o

dialogismo40, no domínio literário, e (re)introduzir o termo ‘polifonia’, na área da linguística,

atravésdasuaobraLesmotsdudiscours,noiníciodadécadadeoitenta.

Olexema‘polifonia’éorigináriodocampomusicalondedesignaasobreposiçãodevozes

oudeinstrumentosque,comfrequência,caraterizamumacomposiçãomusical.Essaarticulação

entrediferentesvozesouinstrumentosnãopodedeixardelembraroconceitodedialogismoe

todas as relações que se dão entre um enunciado e todos os que o precederam ou que lhe

sucederam. Esse diálogo de textos e de vozes vai inspirar Ducrot que apresenta uma teoria

polifónica da enunciação. Ao fazê-lo, Ducrot traz novo oxigénio à teoria da enunciação,

sustentandoque umenunciadopode revelar diversos pontos de vista. Isto significa que, para

39Traduçãonossa.40RobertVION(2010)definedialogismodaseguinteforma:“Ceprincipereposesurladistinctionentre«l’interactionverbale, [qui] constitue (…) la réalité fondamentalede la langue» [Bakhtine/Volochinov(1929/1977 : 136)], et le dialogisme présenté comme « une théorie de la dialogisation interne dudiscours» [Authier-Revuz (1984 : 100)]. L’interaction renvoie audialogue “externe” entre acteurs alorsque le dialogisme réfère aux dialogues avec des discours antérieurs (dialogisme interdiscursif) et àl’anticipation,parl’acteur,del’interprétationdesaproduction(dialogismeinterlocutif).»

41

além dasmarcas do sujeito locutor, o enunciado pode veicularmarcas de outras vozes, pode

mostrarapresençadeoutrasenunciaçõesedeoutrosdiscursos.

Moeschler(1994:323)referequeDucrotnãoseinspiroudiretamenteemBakhtine41,mas

que“BakhtineetDucrotœuvrentdanslemêmebut,mettreendoutel’unicitédusujetparlant”42.

Aliás, Ducrot baseou-semuitomais nas teses de Charles Bally, que já na década de 30, havia

afloradoestasquestões.

Assim,nasua teoriapolifónica,O.Ducrotprocuraderrogaropostuladodaunicidadedo

sujeitofalante,jáqueumenunciadoéolugarondeemergemmúltiplasentidades,comolocutor

e enunciador(es). Nesta perspetiva, podemos assumir que num mesmo enunciado se pode

exprimir uma pluralidade de vozes, o que será dizer uma ‘polifonia’. Haverá, nestemomento,

necessidadedeesclarecerdois conceitosque, segundoDucrot, sãodistintos:ode locutorede

enunciador.

EnquantoBenvenistesalientaqueo‘locutor’éum(eumsó)sujeitoquefalaeque,aousar

da palavra, exibe a sua subjetividade através de marcas linguísticas específicas, Ducrot

apresentaumsujeitofalantedesdobradoemdiferentesentidades.Háumsujeitofalantereal,o

autor empírico do enunciado, que a Ducrot não interessa minimamente; pelo contrário, a

atenção do linguista centra-se nos seres discursivos. Por um lado, o ‘locutor’,queé sempre

único,éoresponsávelpelaproduçãodoenunciado.Estaentidadeédiferentedoautorempírico,

ou seja, do sujeito falante, pois é uma ficção discursiva (embora no discurso oral e na

autobiografia possam coincidir). As marcas de primeira pessoa que surgem no enunciado

remetemprecisamenteparaestaentidade.

Por sua vez, os ‘enunciadores’ são outras figuras discursivas que exprimem pontos de

vista,eventualmentediferentes,equeseexpressamatravésdolocutor.Assim,umenunciadoé

sempredaresponsabilidadedeumlocutor,masestemesmolocutorpodeapresentardiferentes

pontosdevista (diferentes entre si ediferentesdo seuprópriopontodevista), podeencenar

outrasvozeseoutrasperspetivasatravésdasuaprópriavoz.SegundoDucrot,osenunciadores

só são identificados na enunciação de um locutor, que partilha ou não a perspetiva dos

enunciadores. Estes enunciadores são responsáveis pelos pontos de vista. O enunciado

representaoserouosseres,asvozesexpressaspelo(s)enunciador(es).Partilhamos,então,com

Vion (2005:37)a ideiadeque “Si lanotiond’énonciateur reposesur celledepointdevue, le

locuteur ne pourra pas produire um énoncé sans exprimer un point de vue. Il sera alors

simultanémentlocuteureténonciateurdepointsdevue”.Observemosoexemplo:

41Bakhtineprefereoestudodetextosliteráriosqueconsideraseroespaçoprivilegiadoparaodialogismo.42Osujeitoeraconsiderado,atéaí,oresponsávelpelaenunciaçãoedesignadopelasmarcasdeprimeirapessoa(apessoal).

42

(32) OJoãonãoérico;émilionário.

Seriaestranhoquequalquerfalanteproduzisseumenunciadodestetiposemque,antes,

ninguémtivessedito:“OJoãoérico.”Defacto,em(32),olocutorapresentadoisenunciadores,

cadaumdelesexibindoumpontodevistadistinto:umenunciadorE1afirmaqueoJoãoéricoe

umenunciadorE2rejeitaenegaessaasserção,corrigindo-aeafirmandoqueoJoãoémilionário.

Esta estrutura negativa é claramente polifónica, uma vez que o locutor encena um pequeno

drama e dá voz a duas personagens distintas, sendo que se identifica com uma delas, o

enunciadorE2.

Sabemosqueolocutoréaentidadequepodeutilizarosdeíticosdeprimeirapessoa43,mas

também é aquele que os pode apagar, recorrendo ao processo de ‘apagamento enunciativo’.

Porém,mesmonestescasosdeapagamentoenunciativo,Vion(2005:36-37)consideraque“le

locuteur demeure présent dans un énoncé qui, ne pouvant simplement décrire ou rapporter,

exprimesonpointdevueetdoncsaprésenceentantqu’énonciateur”.

Na verdade, o locutor, que é sempre um enunciador, está sempre presente no seu

enunciado. E essa presença de um locutor-enunciador (primário) ou de um locutor e mais

enunciadores(segundos,comoointerlocutor,umterceiroouadoxa)44éumfenómenoevidente

nosdiscursos.

Ducrotampliouassimalinguísticaenunciativabenvenistiana;apartirdosseusinúmeros

trabalhosnestaárea,abriu-seaanáliseàsmúltiplasvozes(ejánãoapenasàvozdeumsujeito

singular)queatravessamosenunciados.

Ducrottemvindoadesenvolverassuastesessobrepolifoniaemdiversostrabalhos,oque

dificulta o acesso a ummodelo consistente; sob outro ângulo, tambémé pertinente afirmar a

dificuldadequeexisteemdefinir,deformarigorosa,oconceitodepontodevista,poisestenem

sempreseexpressadeformadiretaeevidenteenãocorrespondenecessariamenteàpresença

deumdiscursoalheioaodolocutor-enunciador.Noentanto,eapesardestesobstáculos,assuas

propostasconstituemumaextensãodatesedasubjetividadenalinguagemeavançamparaum

quadroteóricoaquepodemoschamardeheterogeneidadeenunciativa.Ducrotassume,assim,

queapresençadolocutornoseuenunciadonãoselimitaàsmarcasdesubjetividadeassociadas

ao aparelho formal de enunciação esquematizado por Benveniste. Categorias como ponto de

vista,locutoreenunciadorvêmampliaranoçãotradicionalqueserestringiaaocentrodeítico.A

multiplicidadede seres teóricos, como locutore enunciadores,possibilitamaDucrot a análise

polifónica de diversos fenómenos linguísticos e discursivos que evidenciam o cruzamento de

43Aformamaisexplícitadamanifestaçãodopontodevistadoautoréatravésdospronomesdeprimeirapessoadesingular.44SegmentoinspiradoemAlainRabatel&AndréeChauvin-Vileno(2006:19).

43

vozes dessas entidades. As estruturas de negação, as interronegativas, a ironia, alguns

conectoreseorelatododiscurso45constituemalgumasdessasmarcasdepolifonia.

Falta apenasexplicitarqueas tesesdeDucrotvisam, sobretudo, evidenciaroarcabouço

argumentativo existente em (quase) todos os nossos discursos. Segundo o autor, o uso que

fazemos da linguagem é essencialmente argumentativo, o que significa que pretendemos,

atravésdosenunciadosproduzidos,atingirdeterminadasconclusões.Asestratégiaspolifónicas

constitueminstrumentosqueestão,precisamente,aoserviçodessaforçaargumentativa.

JáAdam(2008:117-120)estabeleceestruturasderesponsabilidadeenunciativaque,como

refere, vêm alargar o “aparelho formal de enunciação” de Benveniste. São elas i) os deíticos

pessoais, espaciais e temporais; ii) as modalidades; iii) as diferentes formas de relato do

discurso; iv)marcadoresdemediação,como“segundo”,verbos“dicendi”,reformulações,entre

outros;ev)“fenómenosdemodalidadeautonímica”,comoasaspas,o itálico,expressõescomo

“comosediz”e“melhordizendo”,queindiciamalteridade.

Kjersti Fløttum, que integra o grupo escandinavo ScaPoLine46(acrónimo originado a

partir dos lexemas: théorie SCAndinave de la POlyphonie LINguistiquE), tem feito inúmeros

estudos sobre polifonia, onde tem trabalhado as sequências textuais, algunsmodalizadores e

conectores,eanegação.

Dada a impossibilidade efetiva de estudar – e aplicar ao nosso corpus – todos estes

fenómenos, elegemos os seguintes marcadores polifónicos: a negação, a ironia, os “îlots

textuels”47, alguns conectores e a modalização. Deles faremos, de seguida, uma breve

apresentação.

3.2.1.NEGAÇÃO

Noqueserefereà ‘negação’,dos três tiposapontadosporDucrot48–negaçãodescritiva,

negaçãopolémicaenegaçãometalinguística–apenasdetacaremosasduasúltimas,porseremas

maisprodutivasnoquerespeitaàanálisepolifónica.

Comopodemosdistinguirestesconceitos?Enquantoa‘negaçãodescritiva’nãoapresenta

qualquer cariz conflitual ou opositivo relativamente a um enunciado anterior, os outros dois

envolvemumtraçocontestatáriooudubitativo,istoé,pretendemcontrariarumoutrodiscurso,

umoutropontodevistae,porisso,têmumcaráterpolifónico.

45O relato do discurso não será tratado nesta dissertação por não nos parecer relevante na análiseenunciativadassequênciastextuaisexplicativaeargumentativa.46OgrupoScaPoLinetemestudadofenómenoslinguísticosrelacionadoscompolifoniaeinterpretação.47Pordificuldadesdetradução,optamospormanteraexpressãoemfrancês.48ApudMoeschler&Reboul(1994:327-328).

44

A ‘negação metalinguística’ carateriza-se pelo facto de vir contradizer e anular

explicitamenteoenunciadoafirmativoprecedenteecorrespondente.Assim,em:

(33) Pierrenãoéinteligente,égenial.49

o enunciado afirmativo ‘Pierre é inteligente’ é anulado pela negação. Mas, para além desta

anulação, a negação metalinguística adiciona explicitamente ‘é genial’, que vem agir

inversamente ao efeito da negação, criando um efeito positivo ampliado. Isto pode ser

interessantenumaanálisepolifónica,numaperspetivadialógicadaargumentação.

Anegaçãometalinguística “contredit les termesmêmesd'uneparole effective à laquelle

elles'oppose”(Ducrot,1984:217)50.Eparaalémdeseoporaumdiscursoprecedente,estetipo

denegaçãopretendeumdedoisobjetivospossíveis:

a) Outerumefeitodemajoração,admitindoumgrausuperioraodapalavranegada

(veja-seoexemplo(33))

b) Ouanularospressupostosdoenunciadoanterior(veja-seoexemplo(34)).

(34) Pierrenãodeixoudefumar;comefeito,elenuncafumounavida.

A‘negaçãopolémica’,porseulado,distingue-sedaanteriorporqueoenunciadoafirmativo

nãoéefetivamentepronunciado.Poroutrolado,estetipodenegaçãomantémospressupostos

do enunciado anterior e tem um efeito de abaixamento, permitindo uma diminuição de grau.

Consideremososeguinteexemplo.

(35) Pierrenãoéalto.

Nesteexemplonãoháaretificação,explícita,deumenunciadoprecedente.Noentanto,e

aindaassim,épossívelvislumbraraquidoispontosdevista:umqueafirmaqueohomemem

causaéaltoeumoutropontodevistaqueafirmaooposto.Temos,portanto,doisenunciadores

e um locutor que revela uma certa posição face a esses dois pontos de vista: ele recusa o

primeiroeadereaosegundo.

Por conseguinte, a análise de Ducrot configura-se polifónica, pois através do enunciado

(35) o locutor dá lugar a dois enunciadores, oumelhor, dois pontos de vista (PdV). Vejamos,

esquematicamente,aideiasubajecente:

(35’)PdV1 “Pierre é alto.” – o locutor não é responsável por este ponto de vista, do qual se

distancia.

49Tradução nossa do exemplo de Moeschler & Reboul (1994: 327): “Pierre n’est pas intelligent, il estgénial”.50CitadoporMoescheler(1992:16).

45

(35’’)PdV2“Pierrenãoéalto”–olocutoridentifica-secomestepontodevista,querefutaopdv1

queconsiderainjustificado.

Esta negação dá-nos a instrução de que há dois PdV que se opõem e que o locutor é

responsávelpeloPdV2,havendoassimrefutaçãodoPdV1doqualnãoéresponsável.Poroutro

lado,aoassumiroenunciadonegativo,olocutornãoestáaanulareacontradizeroenunciado

afirmativoanterior,comoocorriananegaçãometalinguística;pelocontrário,eleindicaapenasa

existência de uma propriedade (ser alto) num grau inferior àquele que outro enunciador

eventualmenteavançaria.

TambémFløttum,emdiversostrabalhos,defendequeaestruturadenegaçãosintática“ne

... pas”, equivalente a “não + verbo flexionado” em Português, é recorrente em enunciados

polifónicos.

Oestudodocaráterpolifónicodanegaçãopermitir-nos-áanalisardequeformaosalunos

seservem(ounão)destaestratégiaparaaconstruçãodeumaargumentação(e,eventualmente,

deumaexplicação)eparaagestãodediferentespontosdevista.

3.2.2.IRONIA

Se atendermos, agora, à análise polifónica da ‘ironia’, verificamos que Ducrot51não

considera a ironia “une antiphrasequi consisterait à direApour faire comprendrenon-A” (in

Moeschler & Reboul, 1994: 329). A ironia consiste numa retoma de um discurso (real ou

potencial)deoutroenunciador.Polifonicamente,aoproduzirumenunciadoirónico,umlocutor

dálugaraumpontodevistadoqualsedistancia;sendooresponsávelpelaenunciação,jánãoo

épelopontodevista.

Teremos de distinguir a ‘ironia’ da ‘negação polémica’, no que se refere ao número de

enunciadores ou pontos de vista que estão em causa, segundo Ducrot. Na ‘ironia’, estamos

apenasperanteumenunciadoroupontodevistaqueapresentaumaperspetivaabsurda (nas

circunstâncias em causa) e não duas, como no caso da ‘negação polémica’. A distanciação do

locutor relativamente ao ponto de vista do enunciado irónico pode ser marcada através da

entoaçãoeda incongruênciaqueseestabeleceentreoconteúdodoenunciadoeasituaçãode

comunicação.Vejamoso exemplo seguinte (36), retiradodasprimeiras linhasdoMemorialdo

ConventodeJoséSaramago,ondesecriticaocasalrealporfaltadedescendência,pois,emdois

anos,D.MariaAnaJosefaaindanãotinhaconseguidoengravidar.Acorteeopovomurmuravam

sobreestainfertilidade.

51OstrabalhosdeDucrotsobreaironiabaseiam-seemSperbereWilson(1978)eBerrendonner(1981)(inMoeschler&Reboul,1994:329).

46

(36) Quecaibaaculpaaorei,nempensar,primeiroporqueaesterilidadenãoémaldos

homens,dasmulheressim,porissosãorepudiadastantasvezes,esegundo,material

prova,senecessáriaelafosse,porqueabundamnoreinobastardosdarealsemente

eaindaagoraaprocissãovainapraça.

Todo o enunciado é irónico e constitui um eco de outro enunciador do qual o atual se

distancia:onarradoraquievocaodiscursopopulareoquesepensa(va)sobrea infertilidade

masculina e a virilidade (sempre sem problemas) do rei (dos homens) e desvincula-se dessa

ideia,criticando-a.

Para usar a ironia, o locutor espera a colaboração do interlocutor, pois este tem de ser

capazdedescodificá-la;porisso,elasóéapreensíveltendoemcontaocotextoeocontextode

comunicação.

3.2.3.“ÎLOTSTEXTUELS”

FoiJacquelineAuthier-Revuz(1978)quemapelidouestesfragmentostextuaisdelimitados

por aspasde ‘îlots textuels’. Frequentemente, o relatododiscurso, propostoporDucrot como

umfenómenopolifónico,recorretambémaousodeaspas(porvezesatéparamarcaradistância

do locutor). Todavia, há alguns traços que permitem distinguir os ‘îlots textuels’ deste

fenómeno: estes aparecem sempre entre aspas, podem reduzir-se a uma só palavra e,

relativamente a eles, o locutor coloca-se sempre à distância, atribuindo a outrem a

responsabilidadedarespetivaenunciação.Nãosetratadedar,explicitamente,apalavraaoutro

enunciador,massimdesedemarcardeumoutropontodevista,oquemostra,umavezmais,a

heterogeneidadeenunciativadosdiscursos.

CharaudeaueMaingueneau(2002,190-194)apresentam-no-loscomo“discoursallusion”,

eafirmamasuaproximidadedodiscursodireto,emboraoscaracterizempelaausênciadeverbo

introdutorepelaformasintáticaincompletaqueobrigaàsuafusãocomodiscursodolocutor.

Consideremos, pois, estes ‘îlots textuels’, bem como outros segmentos demarcados por

sinaistipográficosdenunciadoresdapresençadeoutrasvozesedeoutrospontosdevistacomo

marcaspolifónicas.

Consideremosoexemploseguinte:

(37) OPaulpartiucomoseugrande“amor”.52

52Traduçãonossade“Paulestpartiavecsongrand“amour””,exemplodeFLØTTUM(2001).

47

NesteexemplodeFløttum,onome“amor”enteaspasevidenciaumafastamento,umanão-

responsabilidade (“non-responsabilité”) do locutor que não se identifica com esse ponto de

vista.

Segundo Cunha (1999), os fragmentos textuais delimitados por estes sinais podem

configurar i) distanciamento do locutor, ii) não subscrição do ponto de vista expresso pelo

fragmentoentre aspas, iii)palavras “deslocadas”nodiscurso, tornando-oheterogéneo, iv)um

neologismoouv)umempréstimo,sendoumtermoquenãopertenceaousocorrentedalíngua

ouvi)umainadequaçãorelativaàlínguapadrão.

De todasestaspossibilidades, as trêsprimeiras sãoasquenos interessam.As aspas, ou

outro sinal equivalente, possibilitam, assim, a marcação de uma posição diferente da do

enunciador-locutor.

Autilizaçãodos“îlots”podedesignar, igualmente,orecursoàvoxpopuli,segundoCunha

(1999),emqueumindivíduoseapropriadavozdosensocomum(povo)noseudiscurso,por

exemploatravésdeprovérbios.Asaspaspoderãoigualmentedardestaqueaumaexpressãoou

enunciado num discurso, como nas citações, que podem apresentar-se como argumentos de

autoridade ou, simplesmente, como forma de o enunciador-locutor se demarcar do autor da

citação.

Em síntese, na perspetiva de Cunha (1999: 48), as aspas “duplicam o dizer (…), uma

separação entre discurso próprio e de outrem, uma retomada, uma reserva ou rejeição, uma

lacunaquedeveserpreenchidapelointerlocutor.Enfimumaopacificaçãodotermoquesolicita

umtrabalhointerpretativo.”

Ora, sabemos que a polifonia requer, dos enunciados mais opacos, um exercício

interpretativodeidentificaçãodospontosdevista.

3.2.4.CONECTORES

Os‘conectores’ajudamaestruturarodiscursocriandocoesão.Poroutrolado, interessa-

nossalientaraquioutropontoquedizrespeitoàsuavalênciacomomarcadorespolifónicos.

Existem muitos conectores que constituem marcas explícitas de tomada de

responsabilidade enunciativa: ‘Segundo x’ ou ‘de acordo com y’ constituem, nas palavras de

Coutinho (2008), exemplos dos chamados introdutores de universo de discurso. Trata-se de

expressões que introduzem uma outra voz, um outro ponto de vista e que, nesse sentido,

condicionamavalidadedoenunciado(oudepartedele).Todavia,hámuitosoutrosconectores

que, de formamais subtil emenos evidente, servempara articular – emarcar – ospontosde

vistadeenunciadoresdistintos.

48

Atentemosnoexemploseguinte:

(38) Estacasaéótima,mascara.

Segundo uma leitura polifónica, o enunciado (38) encena um pequeno drama com dois

enunciadoresdistintos:umE1queexpõeumpontodevistaA[estacasaéótima],oqueserviria

como argumento para chegar à conclusão C [vou comprá-la]; no entanto, ao usar o conector

‘mas’,olocutorcolocaemcenaumoutroenunciador,E2,quedefendeumoutropontodevista,B

[a casa é cara], argumentoquepermitiria obter a conclusão~C [nãovou comprá-la]. Por fim,

cumpredizerqueo locutorse identificacomE2,namedidaemqueosegundoargumentotem

maiorpesonasuaargumentação.

Os conectores contribuem, pois, para a determinação da orientação argumentativa e do

ponto de vista, evidenciando ummaior oumenor grau de responsabilidade do locutor e são,

portanto,marcadoresdeestratégiasenunciativas.

MuitosdostrabalhosdeDucrottêmevidenciadoestapotencialidadedosconectorescomo

marcadoresdeheterogeneidadeenunciativa.Elessãoescolhidospelolocutorefuncionamcomo

instruçõesquepermitemao interpretante compreenderquehádiferentespontosde vista em

jogo.

Algunsdestesconectores,comoporexemplo, ‘todavia’, ‘noentanto’, ‘sebemque’, ‘mas’e

outros sinalizam a existência de enunciadores que detêm pontos de vista opostos; em

contrapartida,algunsoutrosenvolvemdoispontosdevistadistintos,convergentesaté,embora

o primeiro seja sentido como insuficiente e o segundo constitua um ponto de vista a que

poderíamoschamarreformulador:‘poroutraspalavras’,‘oumelhor’,‘ouantes’,‘istoé’,‘ouseja’

emuitosoutros.

ApósostrabalhosdeDucrot,Adam(2008)apresentatambémumaclassificaçãogeralde

conectores,querelacionacomdoisdosníveisdoseuesquemarelativoaosníveisouplanosda

análisedediscurso(cf.Quadro6):

• Comonível4(N4)-(Textura:proposiçõesenunciadaseperíodos)

• Comonível7(N7)-(Enunciação:responsabilidadeenunciativaecoesãopolifónica).

Assim,oautorpropõetrêsclasses:

i) conectores argumentativos (dependentes de N4, N7 e da orientação argumentativa

[N8]);

ii) organizadoresemarcadorestextuais(dependentesdeN4);

iii) marcadoresderesponsabilidadeenunciativa(dependentesdeN7).

Consideremososgruposi)eiii)queserelacionamcomoplanodeanáliseenunciação(N7).

49

Na categoria i), Adam inclui os concessivos, tais como ‘mas’, ‘no entanto’, ‘embora’; os

explicativos/justificativos,como‘pois’, ‘porque’;eosmarcadoresdeargumento,como‘alémdo

mais’,‘nãoapenas’.

Noâmbitodosmarcadoresderesponsabilidadeenunciativa(grupoiii),Adam(2008:187-

188)incluiosmarcadoresdemediaçãoou“fontedesaber”,como‘segundo’,‘deacordocom’;os

marcadoresdereformulação,como‘istoé’;eosconclusivos,como‘enfim’,‘emconclusão’.

Comosepodeconstatar,osconectoresargumentativosederesponsabilidadeenunciativa

têm, ambos, valor polifónico, já que permitem identificar várias vozes. Adam (idem: 194)

salienta que “Um conector indica um ponto de vista enunciativo (PdV) e o grau de

responsabilidadeenunciativa,pelolocutor(L),dosenunciadoresatribuídosdiretamenteounão,

aosenunciadores(E1,E2)”.

Observemos,atítulodeexemplo,ocasodoconector‘jáque’em:

(39) Jáqueestáachover,fiquemosemcasa.

O conector ‘já que’ sinaliza a entrada em cena de umEnunciador responsável por um

enunciado “está a chover” que o locutor não apresenta como seu. Ou seja, o locutor de (39)

baseiaasuaproposta“fiquemosemcasa”sobreumfactoqueeleatribuiaoutrem.

SegundoFløttum (in “Liens énonciatifs: tentatived’unenouvelle typologie”), os laçosde

responsabilidadeenunciativarevelamaspetosinteressantesnaanálisepolifónica,bemcomona

coerênciapolifónicadeumdiscurso.

Assim, podemos configurar esta estrutura na construção esquemática pCq, sendo C o

conectorqueindica,normalmente,arelaçãoqueseestabeleceentreossegmentospeq,edeque

olocutoréresponsável.

(40) Estáachover,masvoucorrer⇒pmasq(pCq)

(39’)Jáqueestáachover,fiquemosemcasa.⇒jáquep,q(Cp,q)

Em(39’),oconector‘jáque’(C)mostraqueolocutoréresponsávelpor(q)enãopor(p)e

tambémmarcauma‘reinterpretação’emrelaçãode(p).

Os trabalhos de Fløttum mostram que conectores como “mas” têm a capacidade de

delimitarumarelaçãoquepodeserumargumentoouumcontra-argumento.

Antesdefinalizarmos,queríamosassinalarareferênciaqueVion(2007)fazaos“leurres”

argumentativos, isto é, aos artifícios linguísticos que o falante utiliza para mostrar “ares” de

discursoargumentativo.Pornão ter argumentos convincentes, recorrede formasistemáticaa

50

conectores que pretendem evidenciar uma orientação argumentativa e dialógica, sem

apresentarproposiçõesqueconstituamosseusargumentos.

Adam (2008) salienta que o uso dos conectores varia de acordo com as sequências

textuaiseosgénerosdodiscurso.

3.2.5.MODALIZAÇÃO

Amodalizaçãopermiteintroduzir,noenunciado,maisumacomponentedesubjetividade.

Este conceito designa a atitude do sujeito falante relativamente ao seu enunciado ou ao seu

interlocutor. Essas diferentes atitudes do locutor, face ao conteúdo proposicional do seu

enunciadooufaceaoseuinterlocutor,traduzem-senumconjuntodeestratégiaslinguísticasque

evidenciam, a presença desse locutor. Alguns autores distinguem precisamente os termos

‘modalização’e‘modalidade’,afetandooprimeiroaoprocessodeinscriçãodeumdeterminado

ponto de vista numenunciado e reservando o termo ‘modalidade’ para referir asmarcas que

concretizamesseprocesso.

Consideremososseguintesenunciados:

(41) TalvezelecheguehojeaCoimbra.

(42) Devesirvisitá-la.

Nos dois exemplos anteriores, é visível a presença de um sujeito locutor que semostra

atravésdemarcasdistintas.Em(41),eatravésdoadvérbio‘talvez’,olocutorexibeoseugraude

certezarelativamenteaoconteúdodoquediz;em(42),o locutorexpressaumjuízo,subjetivo,

acercadoqueoseuinterlocutor‘deve’fazer.

A atitude do sujeito falante pode remeter para valores de certeza, probabilidade ou

possibilidade (‘modalidade epistémica’), para valores de obrigação, proibição ou permissão

(‘modalidadedeôntica’)eaindaparajuízosdevalorsubjetivo(modalidadeapreciativa53).

Namedidaemqueéevidenteainterferênciadopontodevistadofalanteemenunciados

com modalidade apreciativa, não vamos fazer uma apresentação teórica deste tipo de

modalidade,evamosselecionarapenasasoutrasduassubcategorias:aepistémicaeadeôntica.

A‘modalidadeepistémica’marca“ograudecomprometimentodofalanterelativamenteà

verdadedoquediz” (Lopes&Rio-Torto, 2007: 60).O falante poderá assumir uma atitudede

total compromissocomoconteúdoproposicionaldo seuenunciado, expressandoumvalorde

certeza. Nesta situação, a frase declarativa, afirmativa ou negativa, é privilegiada

prototipicamente(43).

53Amodalidadeapreciativaestáfortementerelacionadacomosatosilocutóriosexpressivos.

51

(43) Estáachover.

Podemosparafrasearesta frase(43)atravésdaformulação:“Éverdade/certoqueestáa

chover”.

Amodalidadeepistémicaestáintimamenterelacionadacomosatosilocutóriosassertivos,

queasseremovalordeverdadedaproposição,jáqueasituaçãoexpressaseapresentacomoum

facto,segundoLopes(2006:14).

Noentanto,nemsempreépossívelaolocutorassumiroconteúdoproposicionaldafrase

queenuncia,pornãodisporde informaçãosuficiente.Assim,oseugraudecomprometimento

serámenorecorresponderáavaloresepistémicosdeprobabilidadeoupossibilidade.

(44) Deveestarachover.

(45) Podeestarachover.

Ao recorrer a marcadores modais como ‘dever’ e ‘poder’, o falante evidencia que não

possuiconhecimentosparavalidarapredicação.Em(44)olocutorassumeumaatitudedenão

certeza, apontando a situação como ‘provável’, partindo de uma inferência ancorada no seu

conhecimento prévio, por exemplo depois de ter consultado a meteorologia. O valor modal

epistémicodeprobabilidadeéaquiveiculadopeloverbomodal‘dever’.Jáem(45),ovalormodal

epistémico expresso é de possibilidade. O falante formula uma hipótese, não assumindo

“qualquer compromisso em relação à verdade do que diz”54. Linguisticamente, o verbomodal

‘poder’marcaestapossibilidade/hipótese.

Paramarcaramodalidadeepistémica,existemdiversosoperadoreslinguísticos.Jáforam

enunciados i) os verbos modais ‘poder’ e ‘dever’, mas dispomos também de ii) expressões

adverbiais, como ‘certamente’, ‘provavelmente’, ‘possivelmente’, ‘talvez’, entre outras; iii) de

construçõescomosadjetivos ‘possível’e ‘provável’,como ‘épossívelque’, ‘éprovávelque’; iv)

de tempos verbais, como o futuro do indicativo que veicula frequentemente um valor de

incerteza; v) o recurso a um verbo com sentidomodal na oração principal, tal como ‘saber’,

‘crer’55,expressadiferentesgrausdecertezadofalanteemrelaçãoaoquediz.

No que se refere à ‘modalidade deôntica’, esta veicula valores modais que exprimem

obrigação, proibição e permissão. Desta forma, através do conteúdo proposicional, o locutor

“pode agir sobre o interlocutor, asserindo como obrigatória ou permitida uma determinada

forma de conduta (...). A inscrição de um valor deôntico no discurso corresponde sempre ao

exercíciodeumaautoridadeintimativa,pessoalouinstitucional”56.

54inLopes&Rio-Torto(2007:61).55Exemplo:Creioquevaichover.56InLopes&Rio-Torto(2007:62).

52

(46) Acabaestatarefa!

(47) Deveslermais.

(48) Podessair.

Osdoisprimeirosexemplosatestamumvalordeobrigatoriedade,poisofalanteexigeao

seuinterlocutorquerealizeumaação.Paraissousaoperadoreslinguísticos,taiscomoomodo

imperativoem(46),overbomodal‘dever’(quepodesersubstituídopor‘terde’)em(47).Jáo

enunciado (48) veicula um valor de permissão marcado pelo verbo modal ‘poder’, que dá a

possibilidadeaointerlocutordeescolherumaçãofutura.Verboscomo‘permitir’,‘precisar(de)’,

e expressões impessoais de valor modal (deôntico) como ‘é forçoso que’ são igualmente

operadoresqueexpressamvaloresdeônticos.

Amodalidadedeônticaestáintrinsecamenterelacionadacomosatosilocutóriosdiretivos,

diretos ou indiretos, por apresentar situações obrigatórias, interditas ou permitidas e por

envolvero locutoreo alvodo juízodevalordeônticonuma relaçãoassimétrica, assumindoo

locutorumpapelde“autoridadeecontrolosobreoseualvo”57.Édereferirqueoalvopodenão

sero interlocutor,poderáserumaterceiraentidadequeparticipadaaçãorepresentada,como

“osalunos”em(49).

(49) Osalunostêmdefazerainscriçãonoprazodetrêsdias.

Devemossalientarqueháenunciadosqueapresentamambiguidade,podendomanifestar

um valor epistémico e um valor deôntico. Só com mais informação contextual será possível

anularaambiguidadedafrase.

Vejamosoexemploseguinteeasinterpretaçõespossíveis.

(50) Osalunospodemconsultarasprovasdeexame.

Propomosduasinterpretaçõespara(50):

(50’)Épossívelqueosalunosconsultemasprovasdeexame.

(50’’)Épermitidoqueosalunosconsultemasprovasdeexame.

Dequemodopodemosarticular,então,apresençademarcadoresmodais–e,portanto,de

modalização–comaquestãodapolifonia?

Segundo Vion (2005), a modalização constitui um fenómeno de dupla enunciação, na

medida em que há um enunciador que comenta outro enunciador, sendo que as duas

enunciaçõesestãoacargodeumsólocutor.Atentemosnoexemplosubsequente:

57Ibidem,p.63.

53

(51) OPedrovirácertamentequinta-feira.

Neste exemplo, inspirado em Vion, o uso do advérbio ‘certamente’ mostra um sujeito

distanciado do seu enunciado, isto é, um sujeito que diz ‘O Pedro virá quinta-feira’ e que em

simultâneo se desdobra noutro sujeito que se distancia do dito e que produz um comentário

reflexivosobreessedito,mostrandoassuasdúvidas(marcadordemodalidadeepistémica).

Oenunciadoseguinte,ilustrativodamodalidadedeôntica,tambémencenaodiálogoentre

doisenunciadores:

(52) TutensdeajudaroPedro.

Em(52),háumlocutorquedávozaumdiscursoalheio,aohipotéticoourealdiscursodo

‘tu’ (que afirma não ajudar o Pedro), e há um segundo enunciador, que se identifica com o

locutor,aafirmaraobrigatoriedadedesseauxílio.

Amodalizaçãoconstitui,assim,umaformaaqueolocutorpoderecorrer,permitindo-lhea

coexistência de pontos de vista. Segundo Vion (2005: 43), “L’apparition d’unmodalisateur au

sein d’un énoncé provoque une opacification du sens de l’énoncé en raison, notamment, du

dédoublementénonciatifqueprovoquelaproductiond’uncommentaireréflexifsurceténoncé”.

Paraconcluir,devemosdestacarquequalquersubcategoriadamodalidadeédenatureza

escalar, por exemplo pode havermaior oumenor grau de certeza. Acrescentamos, ainda, que

segundoVion (2007) algunsusosdemodalizadorespodemquererdenunciarumaancoragem

dialógica,como“Écertoque”,“efetivamente”,mastambémpodemfuncionarcomoumengano,

umartifícioargumentativo.

Finalizadasasquestõesteóricasdebasequenosorientamnarespostaànossahipótese,

nocapítuloseguintepassaremosaotrabalhoempírico.

54

CAPÍTULOII–METODOLOGIAECORPUS

1.PROCESSODERECOLHADOCORPUS

Ahipótesedeumaleituraenunciativadassequênciastextuaisexplicativaeargumentativa,

através de uma análise da distribuição da dêixis e da polifonia, determinou a elaboração das

questõesqueiriamconstituironossocorpus.

A nossa questão de partida – poderíamos distinguir uma sequência explicativa de uma

sequência argumentativa através de uma análise enunciativa – foi testada a partir de dois

exercíciosdeescritasolicitadosaalunosdo12.ºanonadisciplinadePortuguês.

Paraasequênciatextualexplicativa,desencadeamososeguinteexercício,atravésdeuma

“questãodeaula”58realizadanaauladePortuguês.

Questãodeaula–12.ºano

1.Atentanasfrasesseguintes:

a) Elatemaceitadotodososconvites.b) Oconvitefoiaceiteportodos.

Explicaporquerazãoocorreavariaçãodoparticípiopassado,aceitadoeaceite,doverboaceitar.

Arecolhaocorreunofinaldo3.ºperíodode2014/2015.

Relativamente à sequência textual argumentativa, recolhida na segunda metade do 2.º

período,domesmoano,propusemosatarefaqueaseguirsetranscreve.

ProduçãotextualNumtextobemestruturado,comummínimodecentoetrintaeummáximodecentoe

oitentapalavras,apresentaumasequênciaargumentativaemquedefendasourefutesa

seguinteafirmação:Opodercorrompe.

Devemos informar que toda a recolha do corpus decorreu em colaboração com a

professora titular da turma e procurámos que as tarefas se integrassem naturalmente nas

sequências de aprendizagem que constituem o currículo da disciplina. Também foi nossa

preocupaçãoqueaaplicaçãonãocriasse“ruído”notrabalhospedagógicosdecumprimentodo

programaedepreparaçãoparaoexamenacional,bemcomoquenãohouvesseperturbaçãonos

alunos-informanteseassimpoderíamosobterrespostasomaisfidedignaspossíveis.Porisso,as

temáticasselecionadas foramnegociadascomaprofessorada turma,consideradooprograma

curricular.Paraasequênciatextualexplicativa,urgia,emfinaldeanoletivo,umarevisãodeste

conteúdogramatical (osverbosabundanteseverbosauxiliares).Noqueconcerneàsequência

58Pequenoexercíciodeavaliaçãoformativaindividualsolicitadoemaula,comcurtaduraçãotemporal.

55

argumentativa, optámos por um texto com dominante argumentativa, onde as sequências

textuaisargumentativaspredominam,comumtemaquefizessepartedoquotidianodosalunos.

Por essa altura, o tema da corrupção constituía matéria primeira em telejornais e imprensa

nacional e internacional, o que implicaria por parte dos nosso informantes uma tomada de

posiçãoepropiciariarespostasmaisprodutivas.

Reunimos 28 sequências textuais explicativas e 27 textos predominantemente

argumentativos, tendo sido excluída 1 sequência explicativa, ficando com 27, de forma a que

fossemosmesmosinformantesaproduzirasduastarefassolicitadas.

No que diz respeito ao conhecimento dos informantes sobre os conteúdos objeto da

presente dissertação, as sequências textuais explicativas e argumentativas, a dêixis e os

fenómenosemanálisepolifónica(ondeincluímos(i) anegação;ii)conectores;iii)modalidade

epistémica e deôntica; iv) “ilôts textuels” e iv) perguntas retóricas), devemos salientar que as

sequências textuais emestudo constituemmatériapedagógicaao longodoensino secundário,

havendo um trabalho mais explícito e incisivo no 11.º ano no que se refere ao texto

argumentativo59. Note-se que a sequência textual explicativa foi sendo reforçada durante os

diversos anos do ensino básico, ampliando-se a informação, os conectores e a sua estrutura.

Veja-se, por exemplo, o que é exigido ao nível de respostas restritas no exame nacional de

Português do 12.º60. É também de apontar que o trabalho efetuado com os alunos com estas

sequênciastextuaiséreforçadoquernaescritaquernaoralidade.

Anegaçãoeosconectoressãoestruturasgramaticaisquetêmsido,igualmente,objetode

atenção nas sequências de ensino aprendizagem, integrados, essencialmente, no estudo de

classesdepalavrasedasintaxe;noentanto,noensinosecundário,é-lhedadaespecialatenção

atravésdasáreasdasemânticaedapragmática61.

Paraamodalidade,os“îlotstextuels”easperguntasretóricas,o11.ºanoéummomento

preponderante na consciencialização da expressão e da capacidade destes fenómenos

linguísticos. Atrevemo-nos a referir que, com o programa ainda em vigor (homologado em

2002),asequênciadeensinoaprendizagemn.º2,ligadaaotextoargumentativo(nomeadamente

atravésda leituradodiscursopolítico edoSermãodeSantoAntónioaosPeixes dePe.António

Vieira,daexpressãoescritadetextosexpositivo-argumentativosetextosdeapreciaçãocrítica),

osalunosacedemdeformaclaraaestascompetências.Nestemesmoâmbito,eentrandononível59Este estudo é frequentemente articulado coma disciplina de Filosofia que trata da argumentaçãonomesmoanodeescolaridade.60“Nositensderespostarestrita,acotaçaoedistribuıdapelosparametrosseguintes:aspetosdeconteudo(C) e de estruturaçãododiscurso e correção linguística (F)”. InCritériosdeClassificação, prova639, 2ªfase2015,p.2.61Noensinobásico,asemânticaeapragmáticanãosãoabandonadas,masestes fenómenos linguísticosnãosãoobjetodeestudoexplícito.

56

dofuncionamentodalíngua,determinadosconteúdos,taiscomoainteraçãodiscursiva(aforça

ilocutória), osprotótipos textuais e amodalidade, entreoutros, já contribuíram, tambémpara

enriquecer a consciência metalinguística dos alunos, quer na área da semântica quer na da

pragmática.

Portanto,aquandodarecolhadocorpus,osnossosinformantespoderãojátertidoacesso

aoconhecimentoexplícitodoselementosemanálise.

2.PERFILDOSINFORMANTES

Os nossos informantes constituem 27 alunos de uma turma do 12.º ano de Ciências e

TecnologiasdeumAgrupamentodazonadoMédio-Tejo.Aescolaaquepertencemestesalunos

localiza-seemmeiourbano,masoconcelhoémaioritariamenterural.

Atendendo à descrição do perfil dos informantes da nossa amostra, os 27 informantes

estãodistribuídosentre9dosexofemininoe18dosexomasculino,comidadescompreendidas

entre os 17 e os 20 anos (a faixa etária dominante é a dos 17-18 anos). A maioria dos

informantesresideemzonaurbana.Noqueserefereaoaproveitamentoescolar,amaiorparte

daturmapareceserhomogénea,comdesempenhosmedianos.

Háumdesviononúmerodeinformantesdosexofeminino(9)edosexomasculino(18);

noentanto,estefatornãopareceserrelevanteparaoestudodanossahipótese.

3.METODOLOGIADOESTUDO

Parao levantamentodosdadosparaanálise,optámospor identificarcadaproduçãodos

nossosinformantescomumasequênciaconstituídaporumaletraeumnúmero.Assim,ostextos

explicativos serão assinalados por E (de Explicativo) e os argumentativos por A (de

Argumentativo). Cada um dos informantes corresponde a um número de 1 a 27, de forma

aleatória. Por conseguinte, ao informante 1 pertencem a sequência explicativa E1 e o texto

predominantemente argumentativoA1;E2 eA2 foramproduzidospelo informante2 e, assim

sucessivamente,atéchegarmosaoinformante27comE27eA27.

O número médio de palavras utilizadas na sequência explicativa é de 45 e nos textos

predominantementeargumentativosédecercade150palavras.

Na análise do corpus, constituído por 27 sequências textuais explicativas e 27 textos

predominantemente argumentativos, no total de 54 textos, começámos por verificar a

57

distribuiçãodadêixispessoal,nomeadamentedeterminantesepronomesde1ªede2ªpessoas,

marcasdeflexãoverbalde1ªe2ªpessoas,dêixistemporaleespacial62.

Aindaobservámosaocorrênciadefenómenoslinguísticosqueidentificassemapolifonia,

tais como a polaridade negativa ([não]+[V]flexão), conectores (contrastivos, de causa-

consequência, explicativos/reformulativos, aditivos, alternativos, de síntese/conclusão),

modalizadores (epistémicos e deônticos), “îlots textuels” e perguntas retóricas. Este

levantamento foi depois quantificado e analisado, o que será tratado no capítulo seguinte, de

formaa respondermosànossapergunta inicial – épossível fazeruma leitura enunciativadas

sequênciastextuaisexplicativaeargumentativa?

62Note-sequeemtodoocorpusnãofoipossívelidentificaraocorrênciadadêixisespacial.

58

CAPÍTULOIII–ANÁLISEDOCORPUS–LEITURAQUANTITATIVAEQUALITATIVA

1.LEITURAQUANTITATIVA

Vamos observar, nesta secção, o comportamento da dêixis e da polifonia na sequência

textualexplicativaenostextospredominantementeargumentativosproduzidospelosnossos27

informantespré-universitários.

Impõe-se,desdejá,referirmosqueosexemplosqueusaremosserãotranscriçõesdanossa

amostra, sem lhes introduzirmos correções de qualquer índole. Sublinharemos o que

pretendemosdestacarnonossoestudo.

Atentemosnadistribuiçãodadêixisnasequênciatextualexplicativa,apartirdaQuadro7.

E12 E17 E19 Totais

Pronomes e determinantesde1ªpessoa

eu 1

Pronomes e determinantesde2ªpessoa

0

Flexãoverbal–marcasde1ªpessoa

utilizamos queremos-2 seipenso-2sabemos

temos

863

Flexãoverbal–marcasde2ªpessoa

0

Dêixistemporal64 0

Quadro7:Distribuiçãodadêixisnasequênciaexplicativa.65

Nestequadro,optámosporindicarapenasosinformantesqueatestarammarcasdadêixis.

Faceaestesdados,procuramosverificarapercentagemdeocorrênciasdadêixisdasequência

textualexplicativananossapopulação.

63Sendo3ocorrênciasde1ªpessoadosingulare5ocorrênciasde1ªpessoadoplural.64OspresentesdoindicativoatestadosnãotêmancoragemnoT0(aquieagora),sãoatemporais.65No Quadro 7, não indicamos a dêixis espacial, pois não foi encontrada nenhuma evidência destatipologia.RelembramosqueE12,E17eE19correspondemàsequênciaexplicativa(E)dosinformantes12,17e19,respetivamente.

59

Figura1:Ocorrênciadadêixisnasequênciaexplicativa.

Observamos,então,que11%(Figura1),istoé,dos27informantes,apenas3(E12,E17e

E19) recorreram à dêixis aquando da produção da sua explicação. Temos, portanto, 89% da

nossaamostraquenãoselecionammarcasdeíticasnestetipodecomposição.

Vejamoscomoéqueestes11%distribuemascategoriasdadêixis.

Figura2:Distribuiçãodastipologiasdadêixis:pessoal,temporaleespacialnasequênciaexplicativa.

NaFigura2,constatamosqueemnenhumdosinformantesatestámosadêixistemporalou

adêixisespacial.Apenasforamidentificadas9ocorrênciasdemarcade1ªpessoa(1marcaem

E12,2emE17e6emE19),oumelhor,os3informantes,E12,E17eE19,aorecorreremàdêixis,

selecionamunicamenteumatipologia,apessoal.

Atentemosnadistribuiçãodadêixispessoalnasequênciaexplicativa.

DêixisPessoal DêixisTemporal DêixisEspacial9 0 0

0

2

4

6

8

10

Nºdeocorrências

11%

89%

ComocorrênciadaDêixisSemocorrênciadaDêixis

60

Figura 3:Dêixis pessoal – distribuição da 1ª pessoa do singular e da 1ª pessoa do plural na sequênciaexplicativa.

DaanálisedosdadosdoFigura3,verificamosqueselocalizam4ocorrênciasda1ªpessoa

dosingulare5de1ªpessoadoplural.OsinformantesE12,E17eE19usama1ªpessoadoplural

eapenasoinformanteE19selecionaa1ªpessoadosingularcom4ocorrências(1pronomee3

marcasdeflexãoverbal)(Quadro7).

Nãoobstante,devemossalientarquequandoseatestaadêixisnumasequênciaexplicativa

ésemprede1ªpessoa(euounós),mastambémseoscilaentreousodadêixispessoaleda3ª

pessoa,oimpessoal(anão-pessoaparaBenveniste),como“utiliza-se”,“nãosepodemusar”e“se

deve” (nos 3 informantes, exemplos (53) e (54)) 66 . O informante E19 seleciona,

preferencialmente,a1ªpessoadosingular, comonoexemplo(54),atestandona totalidadeda

sequência6ocorrênciasdadêixis(4de1ªpessoadosingulare2de1ªpessoadoplural).

(53) Assim, quando está presente o auxiliar “ter”, utiliza-se o particípio na forma regular

(aceitado); quando está presente o auxiliar “ser” ou “estar” utilizamos o particípio na

formairregular(aceite).(E12)67

(54)Eunãoseibemoporquêdestavariaçãomaspensoquesedeveà...(E19)

Da distribuição da dêixis na sequência textual explicativa, podemos observar que a

ocorrêncianão é significativa, pois apenas3 informantes recorreramaousodadêixis do tipo

pessoal.

Consideremos, de seguida, o comportamento da dêixis nos textos predominantemente

argumentativos,tendoemcontaoQuadro8dedistribuiçãodadêixisnestestextos.

66Osublinhado,nosexemplos,seránosso.67À frente de cada exemplo, indicaremos a sua fonte, i. e., a sequência E ou A (explicativa ouargumentativa)eonúmerodoinformante.

Distribuiçãoda1ªpessoadosingular

Distribuiçãoda1ªpessoadoplural

Marcasdeflexãoverbalde1ªpessoa 3 5

Determinantesepronomesde1ªpessoa 1 0

0123456

Nºdeocorrências

Quadro8:Distribuiçãodadêixisemtextospredominantementeargumentativos

A1 A2 A3 A4 A5 A6 A7 A8 A9 A10 A11 A12 A13 A14Pronomesedeterminantesde1ªpessoa

nosso-2nossosnósnos-2(6)

eumimnos(3)

minha(1)

minha(1)

euminha-2nos-4nosnossosnossa(10)

nosso(1)

eunosso(2)

minhanos-5nossa-2nosso-2(10)

nossas(1)

me(1)

minha-2(2)

Pronomesedeterminantesde2ªpessoa

Flexãoverbal–marcasde1ªpessoa

temospodemosaperceber-mosestamos(4)

consideroconcordopensofalo(5)

acho-2somos(3)

temos(1)

estousomos-2sermostornamo-2(6)

defendopensotemosfazemos(4)

podemos-2vemosvivemostemos-2tornamos(7)

ouvirmoscontrolamosinventamos(3)

possosomos(2)

soudefendojulgoachoconcordosomos(6)

Flexãoverbal–marcasde2ªpessoa

queresdá(2)

Dêixistemporal68 18 12 13 11 14+atualmente 9 11 26 14 17 19 17 7 1668Optámospornãofazerolevantamentodetodasasformasverbaisnopresentedoindicativo(ancoradasemT0),porhaverumapresençamassivaetermosfaltadeespaço.Indicamosapenasonúmerototaldeusodepresentesdoindicativoeperifrástico.

(Quadro8:Continuação)

A15 A16 A17 A18 A19 A20 A21 A22 A23 A24 A25 A26 A27 TotaisPronomesedeterminantesde1ªpessoa

nosnossonósnossas(4)

nossa(1)

nósnossos-2(3)

nossa(1)

nós(1)

eu(1)

minha(1)

5069

Pronomesedeterminantesde2ªpessoa

Flexãoverbal–marcasde1ªpessoa

reforçopensarmosrelacionamostermossentimosignoramos(6)

concordo(1)

concluo(1)

deiseitemos-2podemoselegemos(6)

temos(1)

concluo(1)

creio(1)

5870

Flexãoverbal–marcasde2ªpessoa

2

Dêixistemporal 14 12 16 9 17+agora 17 12 19 9 11 15+atualagora

18 9 386

69Sendo14ocorrênciasde1ªpessoadosingulare36ocorrênciasde1ªpessoadoplural70Sendo20ocorrênciasde1ªpessoadosingulare38ocorrênciasde1ªpessoadoplural

63

À semelhança do que fizemos para a sequência explicativa, vamos proceder da mesmaformanaobservaçãodosdadosdoQuadro8dostextospredominantementeargumentativos.

Analisando os dados deste Quadro, verificámos que a totalidade da nossa amostraevidenciamarcasdedêixisnostextospredominantementeargumentativos.

Atentemosnaformacomoosinformantesdistribuemastipologiasdadêixis.

Figura4:Distribuiçãodastipologiasdadêixis:pessoal,temporaleespacialnostextospredominantementeargumentativos.

Observando a distribuição das tipologias da dêixis na Figura 4, em nenhum dosinformantesatestamosadêixisespacial.

Foram identificadas 110 ocorrências da dêixis pessoal, sendo 2 ocorrências de flexãoverbalde2ªpessoa,58demarcasdeflexãoverbal1ªpessoae50ocorrênciasdedeterminantesepronomesde1ªpessoa.

Paraadêixistemporal,atestámos386marcas(incluímosnasmarcasdetempoopresentedo indicativo e perifrástico; atestámos também “atualmente” emA4, “agora” emA19 e A25 e“atual”emA25).PodemosafirmarqueasproduçõestextuaisestãoclaramenteancoradasnoT0.

Vejamososexemplosdadêixispessoalde1ªpessoa (exemplos55e56)ede2ªpessoa(57), bem comode dêixis temporal, “roubam”, “temos” e “agora” em (56), retirados de váriasproduções.

(55)Mas podemos ver este abuso de poder em todo o lado, basta olhar um pouco “acima”,desdegestoresdeempresasadiretores,mesmonósnodia-a-diasemnosapercebermosestamosmuitasvezesaabusardonossopoder,eissoacabapornoscorromper.(A1)

DeixisPessoal DeixisTemporal DeixisEspacial

Flexãoverbalde2ªpessoa 2Flexãoverbalde1ªpessoa 58Determinantesepronomesde

1ªpessoa 50 386 0

050100150200250300350400450

Nºdeocorrências

64

(56)mas os nossos governantes, sejam eles quais forem, roubam para si e para os seusfamiliares,temosagoraumcasopúblico,odeSócrates.(A19)

(57) Sequeressaberseumhomeméfielaosseusvalores,dá-lhepoder.(A7)

Temos,portanto,umclaropredomíniodadêixistemporal,mastambémsedestacaadeixispessoalna1ªpessoa.Vejamos,deseguida,qualéadistribuiçãodadêxispessoal.

Figura5:Dêixispessoal–distribuiçãoda1ªpessoadosingulareda1ªpessoadopluralnostextos

predominantementeargumentativos.

DolevantamentodosdadosempíricosnaFigura5,constatamosqueadêixispessoalde1ªpessoasedistribuientremarcasda1ªpessoadosingular(34)emarcasda1ªpessoadoplural(74).A1ªpessoadosingulardivide-seentredeterminantesepronomesde1ªpessoa(14)e20ocorrênciasdemarcasdeflexãoverbalde1ªpessoa.Porsuavez,observamos36determinantesepronomesde1ªpessoadoplurale38marcasdeflexãoverbalde1ªpessoadoplural.

Considerando as Figuras 4 e 5, verificamos que a ocorrência da dêixis em textospredominantemente argumentativos é muito significativa. Também devemos referir que nadeixis pessoal há um domínio da 1ª pessoa do plural (74 ocorrências). É, pois, evidente umapresençasubjetivanostextoscomdominanteargumentativa,denunciadaatravésdeum“eu”oudeum“nós”.

Acabámosdeverificarcomosedistribuemasocorrênciaseafrequênciadadêixisnasduassequênciastextuaisemanálise,aexplicativaeaargumentativa.

Observemos, agora, a distribuição da polifonia nas vinte e sete sequências textuaisexplicativas,considerandooQuadro9.

Distribuiçãoda1ªpessoadosingular

Distribuiçãoda1ªpessoadoplural

Marcasdeflexãoverbalde1ªpessoa 20 38

Determinantesepronomesde1ªpessoa 14 36

01020304050607080

Nºdeocorrências

Quadro9:Distribuiçãodapolifonianasequênciatextualexplicativa.

E1 E2 E3 E4 E5 E6 E7 E8 E9 E10 E11 E12 E13 E14

Estruturadenegação:Não+verbo(flex.)

Conectores:.contrastivos.causa-consequência.explicativos/reformulativos.aditivos1.alternativos.síntese/conclusão

porque-1

porque-2

enquanto2-1

porque-1e-1

devidoa-1ouseja-1

porque-1mas-1(comosíntese,usa1perg.retórica)

porque-1e-1

porque-1e-1

e-1

umavezque-1noentanto-1istoé-1

.comotal-1.destaforma-1.demaneiraaque-1.e-1

porque-1assim-1(aúltimafrasedenunciaumaconclusão

porque-1enquanto-1

devidoa-1apesarde-1enquanto-1

Modalizadores:.epistémicos(E).deônticos(D)

poder-1(E)

poder-2(E)

Îlotstextuels

Perguntaretórica Oqueseriaavidasemcaprichos?

1Consideramosacopulativa“e”,poisasequênciatextualexplicativatemumaextensãomaisreduzidaepodecontribuirparaafasederesoluçãodoproblema.2O“enquanto”éutilizadocomosinónimode“aopassoque”.

(Quadro9:continuação)

E15 E16 E17 E18 E19 E20 E21 E22 E23 E24 E25 E26 E27 Totais

Estruturadenegação:Não+verbo(flex.)

1 1

Conectores:.contrastivos.causa-consequência.explicativos/reformulativos.aditivos.alternativos.síntese/conclusão

devidoa-1umavezque-1.Assimsendo,

porque-1e-1

assim-1também-1pois-1mas-1ouseja-1.Assimsendo,

porque-1então-1

enquanto-1pois-1.Pensoque(sugereumasíntese)

pois-1umavezque-1

pois-1assim-2

e-1devidoa-1então-1

pois-1assim-2

umavezque-1e-1peloque-1

devidoa-1

enquanto-1

enquanto-1

Contrastivos-10causa-consequência-31explicativos/reformulativos-3aditivos-8alternativos-0síntese-8total:60

Modalizadores:.epistémicos(E).deônticos(D)

poder-1(E)

poder-1(E)saber-1(E)

terde-1(D)

(E)-6(D)-1

îlotstextuels

0

Perguntaretórica

1

67

Devemos, antes de mais, destacar que todos os informantes recorrem à polifonia nasequênciaexplicativa,sobretudoatravésdosconectores(Quadro9).

Faremos de seguida uma leitura quantitativa das categorias que selecionámos, por nosparecer que configurammarcas de polifonia, a saber: a negação sintática do tipo [não+Vflex],conectores (contrastivos, de causa-consequência, explicativos/reformulativos, aditivos,alternativos e de síntese/conclusão),modalizadores epistémicos e deônticos, “îlots textuels” eperguntaretórica.

Vejamosadistribuiçãodecadaumadestascategorias.

Figura6:Ocorrênciadanegaçãonasequênciaexplicativa.

Nesta Figura (6), verificamos que apenas 4%dos informantes recorre à negação, o queequivalea1informante(E17),comoéassinaladonoexemploseguinte(58):

(58) Sendoassim,háduasvariaçõesdoparticípiopassado,aceitadoeaceite,doverbo“aceitar”tendo regras para ser usadas, ou seja, não se podem usar quando queremos e ondequeremos.(E17)

Noqueconcerneàdistribuiçãodosconectoresnasequênciaexplicativa,verificamos,comoindicaoQuadro9eaFigura7,queos27informantesrecorremàtotalidadede60conectores,havendo um destaque para os de causa-consequência com 31 ocorrências, seguidos doscontrastivos (10 ocorrências) e dos aditivos e de síntese, ambos com 8 ocorrências. Não foiatestadonenhumconectoralternativo.

4%

96%

Comocorrênciasdenegação

Semocorrênciasdenegação

68

Figura7:Distribuiçãodosconectoresnasequênciaexplicativa.

Considerando a prevalência dos conectores de causa-consequência na sequência textualexplicativa (Figura7), parece-nos interessanteperceberquantos informantesosusam (Figura8).Deigualmodo,procuraremosquantificarousodeconectorescontrastivos(Figura9).

Figura8:Distribuiçãodosconectoresdecausa-consequêncianasequênciaexplicativa.

Verificamos,então,que85%dostextosexplicativosatestamestesconectores,ouseja,23informantesrecorreramàcausa-consequência.

Figura9:Distribuiçãodosconectorescontrastivosnasequênciaexplicativa.

0 5 10 15 20 25 30 35Contrastivos

Causa-consequênciaAditivos

AlternativosExplicativos/reformulativos

Síntese

ContrastivosCausa-

consequência

Aditivos AlternativosExplicativos/reformulati

vosSíntese

Nºdeocorrências 10 31 8 0 3 8

85%

15%

Comocorrênciadecausa-consequênciaSemocorrênciadecausa-consequência

33%

67%

ComocorrênciasdecontrastivosSemocorrênciasdecontrastivos

69

Das Figuras 7, 8 e 9, constatamos que, dos 60 conectores atestados, os conectores decausa-consequênciasãoospredominantes(31ocorrências),atestadosem85%dasproduções.Com10evidênciasestãoosconectorescontrastivos,sendo33%docorpusaatestarestetipodeconectores,oquecorrespondea9alunos.Tambémépossívelatestar8conectoresaditivosedesíntese. Não obstante, só 8 informantes recorreram aos conectores aditivos e 6 selecionamconectoresdesíntese.

Os exemplosque se seguemmostramapresençadosquatro tiposde conectoresque sedestacaram, de causa-consequência (exemplos 59 e 60), contrastivos (59), aditivos (60) e desíntese,comonoexemplo(58)com“Sendoassim”.

(59) Porque existem duas formas, a regular e a irregular, e ambas podem ser utilizadasconsoanteoverboauxiliar,masambasestãocorretasseforemenquadradasnafrase.(E6)

(60) Existe também a forma irregular, “aceite”, que é a forma erudita pois deriva do latim,sendoprecedidapelosverbosauxiliares“ser”e“estar”.(E17)

Se, agora, atendermos na distribuição dos modalizadores epistémicos e deônticos,verificamos que 15% dos informantes usaram a modalidade na sequência textual explicativa(Figura10).

Figura10:Ocorrênciademodalizadoresnasequênciaexplicativa.

Podemos, ainda, acrescentar que apenas há registo de modalização em 5 sequênciasexplicativas(Quadro9).

Na Figura 11, poderemos analisar a distribuição dos marcadores de modalidadeepistémicaedeônticanassequênciasexplicativasqueconstituemonossocorpus.

15%

85%

ComocorrênciasdemodalizadoresSemocorrênciasdemodalizadores

70

Figura11:Distribuiçãodosmodalizadoresepistémicosedeônticosnasequênciaexplicativa.

Assim, apesar de não ser significativa, destaca-se a modalidade epistémica com 6ocorrências,1decertezae5depossibilidade(Quadro9).Verificamos,também,1ocorrênciademodalidadedeônticadeobrigação.

Vejamoso exemplo (61)queatesta apresençadamodalidadeepistémica (mas tambémpodehaveraquiumaleituradeônticadepermissão)e(62)paraadeôntica,nasequênciatextualexplicativa.

(61) ambaspodemserutilizadasconsoanteoverboauxiliar(E6)

(62)Devidoàspessoasusaremasduasformasalínguatevedeseadaptar(E25)

No que respeita aos “îlots textuels” e à pergunta retórica, apenas foi possível atestar aocorrência de 1 pergunta retórica na sequência explicativa, no informante E6, transcrita em(63).

(63) Oqueseriaavidasemcaprichos?(E6)

Emsíntese,noqueserefereàpolifonia,verificamosquenasequênciatextualexplicativafenómenos linguísticoscomoanegação,modalizadoresdeônticos, “îlots textuels”parecemnãoterrelevo.Osconectoresqueseevidenciamsãodecausa-consequência.

Possivelmente, a emergência de pontos de vista, isto é, de subjetividade poderá ser umfenómeno distintivo (marcado pela não evidência deste traço) da sequência explicativa, vistoquenãotemrepresentatividadeevidente.

Por fim, atentemos na distribuição da polifonia em textos predominantementeargumentativos(Quadro10).

Ocorrênciademodalidadeespistémica

Ocorrênciademodalidadedeôntica

Nºdeocorrências 6 1

01234567

Nºdeocorrências

Quadro10:Distribuiçãodapolifoniaemtextospredominantementeargumentativos.

A1 A2 A3 A4 A5 A6 A7 A8 A9 A10 A11 A12 A13 A14

Estruturadenegação:

Não+verbo(flex) 1 2 2 2 1 5 1 4

Conectores:

.contrastivos

.causa-consequência

.explicativos

/reformulativos

.aditivos1

.alternativos

.síntese/conclusão

.mas-3

.devidoa-1

.porisso-1*nãousadesíntese,massubentende-seumaconclusão

.talcomo-1

.umavezque-1.mas-1.concluindo

.pois-2.concluindo

.ou-2.sendoassim

.ouseja-1.conclui-seque

.mas-1.(semconclusão)

.apesarde-1.alémde-1.umavezque-1.naminhaopinião,

.ouseja-1

.querodizer-1.defacto-1.mas-1.noentanto-1.porque-1.Emsuma

.aliás-1

.istoquerdizer-1.Emconclusão

.mas-1.Assim,

.noentanto-1.mas-1.porém-1.defacto-1.quer...quer-1.Emsíntese

.defacto-1

.mas-1

.embora-1.Destaforma,possoconcluir

.mas-1

.porque-1

.também-1.Naminhaopinião

.mas-3

.defacto-1

.noentanto-1.também-1.porisso-1.Porisso,considero

Modalizadores:

.epistémicos(E)

.deônticos(D)

.poder-2(E)

.setornará(E).certamente-1(E)

.poder-3(E)

.dever-2(D).poder-3(E).obrigatoriamente-1(D)

.poder-1(E)

.dever-2(D)

.poder-3(E).terde/que-2(D)

.écapazde-1(E).poder-2(E).terque-2(D)

.poderá-1(E).dever-1(D)

.poder-1(E)

.poder-2(E)

.poder-1(E)

Îlotstextuels TalcomoLordActiondisse:“Opodertentacorromper,eopoderabsolutocorromptecompletamente”.

“pisando” o“poder”- “podorosas” .“pesossobreosombros”.comoasfamosaspalavrasditam“comgrandespoderesvêmgrandesresponsabilidades”-.o“bem”-2.atingiremo“poderabsoluto”

.comodissealguém“SequiserestestaroHomem,dá-lhepoder”

.“Opodercorrompeeopoderabsolutocorrompeabsolutamente,demodoqueosgrandeshomenssãoquasesemprehomensmaus”,dizafamosafrasedeumhistoriadorbritânico.“febredodinheiro”.“Opodercorrompe”

Aocasiãofazoladrão(nãousouaspas)

Perguntaretórica

1Nãoconsideramosacopulativa“e”,poisnãonospareceurelevante,faceàriquezaediversidadedeoutroselementoslinguísticos.

(Quadro10:continuação)

A15 A16 A17 A18 A19 A20 A21 A22 A23 A24 A25 A26 A27 Totais

Estruturadenegação:

Não+verbo(flex) 1 4 1 2

1 1 2 3 33

Conectores:

.contrastivos

.causa-consequência

.explicativos

/reformulativos

.aditivos

.alternativos

.síntese/conclusão

.contudo-1

.pois-1

.também-1.Paraterminar

.porque-1.Conclui-seque

.querdizer-1.mas-2.graçasa-1.Concluindo

.talcomo-1

.ou-1

.também-1

.noentanto-1.Concluoque

.mas-5

.também-1

.pois-1.Emsuma

.daí-1

.noentanto-1.paraalémde-1.que(consecutivo)-1.demodoa-1.contudo-1.Emsuma

.porém-1

.umavezque-1.Emsuma

.pois-1

.seja...seja-1Comistoconcluoque

.porisso-1

.também-1.Emsuma

.contudo-1

.ou-1

.paraalémde-1.também-1.devidoa-1.Emsuma

.devidoa-2

.porisso-1

.mas-1

.também-1.Éfactoque

.ou-2

.devidoa-1

.ouseja-1.Naminhaopinião

.ou...ou-1.Concluindo

Contrastivos–31

causa-

consequência–

23

explicativos

/reformulativos–

9

aditivos–11

alternativos–9

síntese(final)-24

Modalizadores:

.epistémicos(E)

.deônticos(D)

.talvez-1(E) .poder-1(E)

.poder-1(E)

.poder-1(E).saber-1(E).mudará-1(E).terde(E).seria(E)

.poderão-1(E)

.olhará-1(E).haverá-1(E).terá-1(E)

.dever-1(D)

.corromperá-1(E).crer-1(E).poder-2(E)

.poder-1(E)

(E)–39

(D)–12

Îlotstextuels “opodercorrompe”

“culpasnocartório”

“nassuasmãos”

“Oshomens(...)vêmasercomoospeixesquesecomemunsaosoutros.”PeAntVieiraSermãodeS.Ant.

“falcatruas”

.o“muito”quetêm.“passarporcima”.“opodercorrompe”

21

Perguntaretórica “masnãoétudoigual?”

1

73

Nos27 informantes,podemosverificar fenómenosrelacionadoscomapolifonia(Quadro

10).Comecemospelapresençadanegaçãonostextospredominantementeargumentativos.

Figura12:Ocorrênciadanegaçãoemtextospredominantementeargumentativos.

A Figura 12 mostra que 59% dos informantes, isto é, 16 textos predominantemente

argumentativos(Quadro10)atestamestruturasdenegaçãodotipo[não+Vflex].Verificamosum

totalde33ocorrências,deque(64)e(65)sãoalgunsexemplos.

(64)É usual ouvirmos dizer que o poder tem uma tendência inerente a ele de corromper o

Homem.No entanto, esta ligação deve ser vista de outra perspetiva: não é o poder que

corrompeoHomem.ÉoHomemquecorrompeopoder.(A11)

(65)Nãodefendoaafirmaçãonatotalidade,poisnãojulgoquesepossarelacionarcomtodos

oscasosdepoder.(A14)

Quantoaosconectores,podemosverificarasuadistribuiçãonaFigura13.

Figura13:Distribuiçãodosconectoresemtextospredominantementeargumentativos.

Verifiquemos a distribuição dos conectores contrastivos e de causa-consequência nos

textospredominantementeargumentativos(Figuras14e15).

59%

41% Comocorrênciasdenegação

Semocorrênciasdenegação

0 5 10 15 20 25 30 35

ContrastivosCausa-consequência

Explicativos/reformulativosAditivos

AlternativosSíntese

ContrastivosCausa-

consequência

Explicativos/reformulati

vosAditivos Alternativos Síntese

Nºdeocorrências 31 23 9 11 9 24

74

Figura14:Distribuiçãodosconectorescontrastivosemtextospredominantementeargumentativos.

Figura15:Distribuiçãodosconectoresdecausa-consequênciaemtextospredominantementeargumentativos.

NasFiguras13,14e15,observamosque,nostextospredominantementeargumentativos,

os conectores contrastivos (31ocorrências) predominam. Seguem-seos conectoresde síntese

(24 ocorrências) e os de causa-consequência, com 23 ocorrências. No entanto, para os

conectores que destacamos, contrastivos e de causa-consequência (Figuras 14 e 15), a sua

recorrênciaéequilibrada,67%e70%,sendoque,dos27informantes,18atestamapresençade

conectorescontrastivose19evidenciamaocorrênciadeconectoresdecausa-consequência.

Mostramos,deseguida,exemplosdeconectorescontrastivos(66),decausa-consequência

(66)e(67)edesíntese(68).

(66)Acontece que para se conseguir alcançar estes objetivos é necessário poder, daí os

elevados cargos da sociedade serem sempre muito cobiçados. No entanto, a chegada a

esteselevadospatamares,porvezes,deturpaaprópriavisãodaspessoaseestastornam-

semaisarrogantesefriasparaalémdequedesenvolvemumsentimentodesuperioridade

peranteosoutros.(A20)

67%

33% Comocorrênciasdecontrastivos

Semocorrênciasdecontrastivos

70%

30% Comocorrênciasdecausa-consequência

Semocorrênciasdecausa-consequência

75

(67)Para terminar, reforçomaisumavezqueo “poder corrompe”, pois ao termos emnossa

posseasoberaniadefazerescolhassentimossempreanecessidadedeescolherascoisas

emproldasnossasnecessidades(A15)

(68)Emsuma,oabusodepoderdestróiosvaloresfundamentaisdoserhumano.(A20)

Vejamos, de seguida, a distribuição da modalidade epistémica e deôntica nos textos

predominantementeargumentativos(Figura16).

Figura16:Ocorrênciademodalizadoresemtextospredominantementeargumentativos.

Concluímos que 81% da nossa população recorrem a modalizadores destas tipologias,

sendoapenas5produções(Quadro10),19%,quenãoatestamesterecurso.

Quantifiquemos, agora, a distribuição da modalidade epistémica e deôntica em textos

predominantementeargumentativos(Figura17).

Figura17:Distribuiçãodemodalizadoresepistémicosedeônticosemtextospredominantementeargumentativos.

81%

19%

Comocorrênciasdemodalizadores

Semocorrênciasdemodalizadores

Ocorrênciademodalidadeespistémica

Ocorrênciademodalidadedeôntica

Nºdeocorrências 39 12

0

5

10

15

20

25

30

35

40

45

Nºdeocorrências

76

FazendoaleituradestaFigura17,verificamosqueháumclaropredomíniodamodalidade

epistémica,com39ocorrências,emdetrimentodadeônticaquetem12ocorrências.

Vejamosalgunsexemplosqueatestamamodalidadeepistémica(E)(69),(70),(71)e(78)

edeôntica(D)(70)e(72).

(69)A Humanidade ainda está a caminhar para um futuro onde haverá equilíbrio, onde o

Homemteráacapacidadedeveralémdosseusprópriosinteresses.(E)(A21)

(70)Opodercorrompe,esseéumfactoquetemosdeaceitar,podemosatépensarqueseele

estivessenasmãoscertasseriabemutilizado(D+E+E)(A19)

(71)nemseisealgumavezmudará.(E+E)(E19)

(72)eissonãodeviaacontecerporquetodosnósdevíamosserasmesmaspessoascomousem

poder.(D)(A7)

Passemos a outra categoria observada, “os îlots textuels”. É interessante constatar que

metade dos informantes, 52% (Figura 18), isto é, 14 informantes (Quadro 10), recorre a este

tipodeevidênciapolifónica.

Figura18:Ocorrênciados“Îlotstextuels”emtextospredominantementeargumentativos.

Osexcertosseguintessãoalgunsdosexemplosde“îlotstextuels”utilizados.

(73) comoas famosaspalavrasditam“comgrandespoderesvêmgrandesresponsabilidades”.

(A8)

(74)eoutrotipodepráticascriminosasvergonhosase inqualificáveisporpartedaquelesque

sedeixamlevarpela“pelafebredodinheiro”(A12)

(75)Aocasiãofazoladrão.(A14)(nota:A14nãousouaspas)

52%48%

Comocorrênciasde“îlotstextuels”

Semocorrênciasde“îlotstextuels”

77

(76)“Oshomens(...)vêmasercomoospeixesquesecomemunsaosoutros”.Pertencenteà

obra“SermãodeSantoAntónioaosPeixes”dePadreAntónioVieira(A23)

(77)O“muito”quetêmnuncaésuficiente(A26)

Finalmente,olhandoparaorecursoàperguntaretórica,percebemosquenãoérelevanteo

seu uso, já que apenas 1 texto atesta (A19) (Quadro 10), com a frequência de 4% da nossa

amostra(Figura19).Passamosacitaressaocorrêncianoexemplo(78).

(78)masnãoétudoigual?(A19)

Figura19:Ocorrênciadeperguntasderetóricaemtextospredominantementeargumentativos.

Emsuma,àexceçãodaperguntaretórica,todasascategoriaspolifónicasobservadastêm

relevo nos textos predominantemente argumentativos, havendo mais de 50% da nossa

populaçãoautilizarem-nas.

Face à leitura quantitativa dos dados que estabelecemos nesta secção, poderemos

comprovar a nossa hipótese inicial? Ou seja, podemos fazer uma leitura enunciativa das

sequências explicativa e argumentativa e considerá-la como traço que pode integrar a sua

caracterização?

2.ANÁLISEQUALITATIVA

Aanálisecomparativadasduassequênciastextuaisemestudorevela-nosdiferençasentre

asduasaonívelenunciativo.

Os resultados relativos à dêixis, mais propriamente à presença explícita da voz, são

reforçados pelos dados das estruturas polifónicas que atestam também a presença de vozes

implícitas.Adêixiseapolifoniapermitem-nosidentificardiversasvozesquepodeminterferirna

caracterizaçãodecadaumadassequênciastextuais,bemcomonasuainterpretaçãoeprodução.

4%

96%

Comocorrênciasdeperguntaderetórica

Semocorrênciasdeperguntaderetórica

78

Vamos, então, recapitular as principais evidências que suportam a nossa hipótese de

trabalho.

Comecemos pela dêixis. É percetível que há uma clara preferência dos informantes

(100%)peladêixis,nostextoscompredominanteargumentativa,emdetrimentodasequência

explicativa(11%).Nasequênciaexplicativa,só3alunosoptarampordarvozàsuaprópriavoz,

atravésdadêixis;noentanto,tendencialmente,estesinformantesoscilamentreadêixispessoal

eade3ªpessoa,comojávimos.

Vejamososexemplosseguintes.

(55)Maspodemosveresteabusodepoderemtodoolado,bastaolharumpouco “acima”,

desdegestoresdeempresasadiretores,mesmonósnodia-a-diasem nos apercebermos

estamosmuitasvezesaabusardonossopoder,eissoacaba pornoscorromper.(A1)

(57)Sequeressaberseumhomeméfielaosseusvalores,dá-lhepoder.(A7)

Como já referimos, a pessoa/a voz emergenos textos comdominante argumentativade

forma explícita, como nos exemplos (55) e (57), através de pronomes pessoais como “nós” e

“nos”, determinantes possessivos como “nosso” e marcas de flexão verbal de 1ª pessoa, tais

como “podemos, “apercebermos”, “estamos” e “temos”. Muitos dos nossos informantes

selecionarampreferencialmentea1ªpessoadoplural,“nós”inclusivo,associandoao“eu”o“tu”

leitor, os portugueses e até a humanidade em geral, como os exemplos (55) e (57)mostram.

Portanto, este “nós” inclusivo, que inclui o “tu”, refere-se, tendencialmente, a uma entidade

coletiva,ondese incluio “eu”.Estaentidadepluralassocia-seàsmarcasdedêixis temporal (o

presentedoindicativoe“atual”,“agora”,“atualmente”),queenfatizaaatualidadedatemática,“a

corrupção”,atravésdeumreforçodaancoragemenunciativa.

Adeixisproporciona,então,umtrabalhodeinterpretaçãoaoincluirooutroouatéoleitor.

Nãomenos interessante,eaindasobrea “pessoa”,éatentarmosnas2ocorrênciasde2ª

pessoa,“queres”e“dá”,emA7,marcandoclaramenteaintroduçãodeoutrasvozese,comisso,o

dialogismo próprio da argumentação (veja-se o exemplo (57)). É preciso relembrar que

argumentaréprocuraralterarascrençasdooutro.

Em síntese, quanto à dêixis, verificamos que na sequência explicativa predominam

construçõesimpessoais,compreferênciapelousoda3ªpessoa,esó3informantesrecorreramà

dêixispessoal.Portanto,tendencialmente,époucovisívelaintervençãodolocutornoenunciado.

Nos textos comdominante argumentativa, o locutor revela-se fortementenodiscurso, através

do“eu”/“nos”.Há,pois,umavinculaçãoenunciativaexplícitadestasequência.

79

Prosseguindonaanálisecomparativadosdados,entremosemquestõesrelacionadascom

a polifonia. Como já foi comprovado por vários autores, entre eles Fløttum74, os nossos

resultadosmostramqueos54 textosqueconstituemonossocorpus são todospolifónicos,ou

seja,háevidênciadeváriasvozes,dediferentesPdV.

Não obstante, se nos debruçarmos nas várias marcas polifónicas, constatamos que

também aqui existe uma notória vinculação enunciativa dos textos com dominante

argumentativa, com recurso à negação, a conectores de causa-consequência e contrastivos

(entreoutros)pormaisde50%danossapopulação,59%,79%e67%, respetivamente.Estes

dados contrapõem-se a 4% e 33% de recurso à negação e a conectores contrastivos,

respetivamente, na sequência explicativa. No entanto, há uma prevalência dos conectores de

causa-consequência, 85% nesta sequência, por oposição a 79% na argumentativa, o que vem

confirmarapreferênciapelosconectorescausais,própriosdasequênciaexplicativa.

Antes de observarmos os usos polifónicos dos conectores em particular, vejamos a

estruturadenegação,apenasatestadapor1informantenasequênciaexplicativa,E17,exemplo

(58), e nos textos com dominante argumentativa por 16 informantes, de que (64) e (79) são

exemplo.

(58) Sendoassim,háduasvariaçõesdoparticípiopassado,aceitadoeaceite,doverbo“aceitar”

tendo regras para ser usadas, ou seja, não se podem usar quando queremos e onde

queremos.(E17)

(64) É usual ouvirmos dizer que o poder tem uma tendência inerente a ele de corromper o

Homem.No entanto, esta ligação deve ser vista de outra perspetiva: não é o poder que

corrompeoHomem.ÉoHomemquecorrompeopoder.(A11)

(79)Desdesemprequeopodertevegrandeimpactonanossasociedade.Nãoéopoderemsi

quecorrompe,massimquemotemnasuaposse.(A17)

Atentemosnapolifoniadestesexemplos.

Em(58)avozexternaéreforçadapelousodovalordeônticodoverbo“poder”, istoé,a

reformulaçãoproporcionadacomo“ouseja”leva-nosaque“nós”(“eu”+todososfalantedePE)

temosobrigaçãodeusarcomcritérioosdoisparticípios.

Em (64)o informanteA11põeemrelaçãonomesmosegmento textual “ouvirmos”, “No

entanto”, “dever” e anegação.Há, pois, claramenteumavoz explícita atravésda1ªpessoado

plural, “ouvirmos” (“nós” inclusivo), que poderá abranger o segmento que corresponde aos

“Dados” da sequência argumentativa de Adam, mas a partir do movimento argumentativo

74Estaautoradefendeateoriadequetodosostextossãopolifónicos.

80

introduzido por “No entanto” parece desaparecer. Nesta fase da contra-argumentação, a voz

passaaser implícita,oumelhor,manifestadaatravésdapolifonia.Assistimosaquiàrefutação,

“Noentanto...”,reforçadapelaobrigação,introduzidapor“dever”,eexplicitadasobformadeum

novoargumento,atravésdanegação(queservedeobjeção,anulaçãodos“Dados”),parachegar

àtese“ÉoHomemquecorrompeopoder”.

Passandoàsequênciaargumentativapresentenoexemplo(79),A17apresentaasuatese

atravésdousodanegação“Nãoéopoderemsiquecorrompe”(PdV2–assumidopelolocutor),

refutando o PdV1 “o poder em si corrompe”, e reforçado pela conjunção coordenativa

adversativa“mas”.Ousodestecontrastivo,“mas”,introduzumaproposiçãocomPdVmaisforte

doqueaproposiçãoanterior,quetambémassume(“Nãoéopoderemsiquecorrompe”).Como

refereFløttum(s,d.:19),“Lanégationestunedesmarquesquimanifesteleplusnettementla

présence d’un point de vue externe, et qui souvent provoque un effet polémique, notammant

avecleconnecteur“mais”.

Emsuma,apolifoniamanifestadapormeiodanegaçãoéraranasequênciaexplicativae,

quando atestada, estava associada ao dever da boa aplicação da regra gramatical. Não parece

introduzir um PdV polémico. No que se refere aos textos com dominante argumentativa, a

negação vem enfatizar a presença de diversas vozes nestes textos. Note-se que a negação

polémicafoilogointroduzidanosestudosiniciaisdapolifoniaporDucrot.

Comoacabámosdereferir,anegaçãopolémicacom“não”econectorescontrastivos,como

“noentanto”e“mas”,configuramumaestratégiadeintroduçãodePdVnoenunciado,oumelhor,

de diferentes vozes. Os nossos resultados mostraram que houve uma seleção deste tipo de

conectoresnostextoscomdominanteargumentativapor67%,poroposiçãoa33%nasequência

explicativa.

Temos de referir que os usos dos conectores também dependem da estrutura

macroproposicionalprototípicadestassequências,comoapontamosnoCapítuloI.Porisso,háa

preferência pelos conectores concessivos nos textos predominantemente argumentativos, que

progridematravésdemovimentosargumentativos,numprincípiodialógico.Sobreestamatéria,

Fløttum(2012:5)afirmaque“This inclusionisdonewithout identifyingthevoicesandwhere

thelinguisticmarkerindicatesaninterpretationoftherelationsbetweenthemanifestvoicesin

the“hidden”interaction”.

Adam (2008: 116-117) e Fløttum (em diversos estudos) estão de acordo com a

importância dos conectores contrastivos, que envolvem diferentes PdV. Portanto, com

conectoresdotipode“mas”,o locutorconcordacomoPdV1,masdáênfaseaoPdV2,havendo

81

umaobjeção, i.e., umaconcessão,umacontra-argumentação.Há, então,umamudançadePdV,

comojáanalisamosnosexemplos(64)e(79).

Agora,atítulodeexemplo,vejamos(65)paraatentarmosnapolifoniadosconectoresde

causa-consequência.

(65)Nãodefendoaafirmaçãonatotalidade,poisnãojulgoquesepossarelacionarcomtodos

oscasosdepoder.(A14)

O“pois”impõeumaleituramaisampliadadoPdVdolocutor.

Porconseguinte,osconectoresanalisadossãoclaramentepolifónicos.Sendoformassubtis

deargumentação,impõemumainteraçãoeumjogointerpretativo.

Aindaincluídosnapolifoniaestãoosmodalizadoresquetambémindiciamvozesimplícitas

noenunciado.

Maisumavez,podemosconstatarqueesterecursolinguísticoéprivilegiadopelosnossos

informantes na construção dos textos com dominante argumentativa, 81%, contra 15% dos

informantesna sequência explicativa.A conquista/adesãodooutro,própriadaargumentação,

faz-se,comcerteza,atravésdeumdiscursomodalizado.

Nasevidênciasdemodalidadeepistémica,háumafrequênciaelevadapeloverbo“poder”

nos textos predominantemente argumentativos. Com este verbo, ao valor de verdade,

acrescenta-se a incerteza no conteúdo proposicional, que vai introduzir, através da voz do

locutor ou de outra, um PdV. Nesta perspetiva, Fløttum (2012:10) postula que “os autores

introduzem o seu PdV ou voz como comentário para desvalorizar ou sublinhar um ponto de

vista,deoutravozoudaprópriavoz75”.

Também é interessante o uso epistémico do futuro do indicativo. São vários os

informantesautilizaremesterecursonostextoscomdominanteargumentativa.Maisumavez,

atravésdovalordepossibilidade,háintroduçãodeumPdVqueremeteparaumapossibilidade

(exemplo80).

(80)Sendoassim,este[serhumano],cegamenteerrado,nãoolharáaosmeiosparaatingiros

fins(A21)

Vejamos, agora, expressões que imprimem uma interação polifónica através de valores

deônticos. Usualmente, a modalidade deôntica relaciona-se com a expressão da permissão,

proibiçãoouobrigação,oquerevelaaatitudedolocutorfaceaumconselho,desejooupedido,

comoem(70)com“temosde”.

75Traduçãonossa

82

(70)Opodercorrompe,esseéumfactoquetemosdeaceitar,podemosatépensarqueseele

estivessenasmãoscertasseriabemutilizado(A19)

Assim,ousodasmodalidadesepistémicaedeônticaenfatizaaorientaçãopolifónicados

textospredominantementeargumentativos.

Noquedizrespeitoaoutramarcadepolifonia,os“îlotstextuels”,nãoatestámosnenhuma

ocorrêncianasequênciaexplicativa.Nostextoscomdominanteargumentativa,observamos21

ocorrências,tendosido52%dosnossosinformantesausarem-na.

Estes“îlots”mostrammaisumaspetoquereforçaapolifoniabemmarcadanasequência

argumentativa, por oposição à explicativa. Trazem vozes de outros e dos próprios locutores,

introduzindo diversos PdV. A interação com vozes externas revela, como nos exemplos (73),

(74),(75)e(76),oreforçodaargumentação,comrecursoaumargumentoquepodemarcara

autoridadealheia.

Em(73)temosumaexpressãoquesepopularizoucomoHomemAranhaqueprotagoniza

valoresdejustiçasocial,“comgrandespoderesvêmgrandesresponsabilidades”.Estasabedoria

incontestávelévalorizadapelo informanteA8,atravésda introdução lexicalpré-citaçãode“as

famosaspalavrasditam”.Ofalantedá,então,vozaoutroparareforçarasuaargumentaçãoque

estaránosbonsusosdopoder.

ParaA12,em(74),o“îlot”, “pela febredodinheiro”, destacaumpontodevistaexterno,

relacionadocomumaexpressãodasabedoriapopular,queintroduzumacríticanegativanoseu

movimentoargumentativo,assumindoaspalavras incontornáveisdeoutros. Jácom“Aocasião

fazoladrão”em(75),olocutorapropria-sedavozpopularatravésdainserçãodeumprovérbio.

Apesar de o nosso informante não usar aspas, identificamos claramente uma voz externa,

justificandooseuPdVdesesercorruptoquandosetempoder.

O falante A23 recorre, em (76), a um argumento de autoridade, as palavras de ‘outro’

reconhecidopelo seu saber nos seus sermões, Pe. AntónioVieira (matéria estudadano11.º e

atualizada no 12.º). Este recurso assemelha-se ao que Adam (2008: 115) afirma: “Muito

freqüentemente esses PdV são assinalados por introdutores como segundo, de acordo (...)

marcamumazonatextualsobdependênciadeumafontedesaber(mediaçãoepistémica)oude

percepção(mediaçãoperceptiva).Osenunciadospodem,assim,nãoserassumidospelolocutor-

narrador.”

Emsíntese,os“îlotstextuels”são,incontestavelmente,maisumaestruturaquesublinhao

caráterpolifónicodotextocomdominanteargumentativa.

83

Consideremos, por fim, o papel da pergunta retórica. Na totalidade das 54 produções

escritas, apenas atestamos 2 perguntas retórica, 1 na sequência explicativa, exemplo (63), e

outranostextospredominantementeargumentativos,exemplo(78).

(63) Oqueseriaavidasemcaprichos?(E6)

(78) masnãoétudoigual?(A19)

E6 finaliza a sua sequência explicativa com esta pergunta e A19 tece uma conclusão

intermédianasuaargumentaçãoatravésdesterecurso.

Estasmarcaspoderãoindiciarumaleituradialógicadasduassequênciasenãoapenasda

sequênciaargumentativa.

Resumindo a nossa leitura qualitativa, não podemos afirmar categoricamente que a

sequência explicativa se caracteriza por não evidenciar marcas enunciativas, como o nosso

estudoocomprovou.Porém,éevidentequenestetipodesequênciatextualolocutorseleciona

preferencialmente a objetividade para tecer a sua explicação, o que, por oposição,

prototipicamentenãoocorrenasequênciaargumentativa.

Ambasassequênciassãopolifónicas,masemdiferentesgraus,jáquenãopodemosreferir

queasequênciaexplicativanãoestásubjetivamenteancorada,poisatestamosevidências,apesar

demodestas,dadêixisedapolifonia.

Também não podemos assumir que a pessoa se manifesta só através da dêixis, como

referiaBenveniste,mas,considerandoapolifonia76,podemosconstatarquehásemprevoz(es)

presente(s)numenunciado, aindaqueatravésdegrausdiferentesde intervenção, implicando

umamaioroumenossubjetividadetextual.

Comoasequênciaexplicativadeveráfornecerumaexplicaçãoquenãopoderáapresentar

ambiguidades ao interlocutor, terá de apresentar umaorganizaçãoprópria dasproposições e,

preferencialmente, uma reduzida presença do “eu”, ou de outras vozes, de forma a que o

discursosejaomaisobjetivopossível.

Consideramos, assim, quemarcadores da dêixis e da polifonia se revelam fundamentais

paraacompreensãoeproduçãodestassequênciastextuais.

Temos,então,comprovadooprotagonismodasmarcasenunciativas,introduzidasatravés

dasváriasvozesquepodemosatestarnostextoscomdominanteargumentativa.Estatipologia

apresenta-secomooresultadodeumaatividaderacionaledialógica,bemcomodeumaprática

76Fløttum afirma que “La polyphonie linguistique décrit et explique de nombreux phénomèneslinguistiques différents au micro-niveau (structures de négations, de concession, de causes, diversconnecteurs,(...))”(in“Polyphonieettypologiesrevisitées”).

84

social que permite a adesão ou rejeição do falante face a uma tese anterior, aqui “O poder

corrompe”.Paraisso,oindivíduo,olocutor,enquantopessoa,usarádiferentesrecursosparase

vincularelepróprionodiscurso,explícitaouimplicitamente.

Portanto, consideramos que, prototipicamente, podemos caracterizar a sequência

argumentativacomo[+ENUNCIATIVA]easequênciaexplicativacomo[-ENUNCIATIVA].

3.PROPOSTASDEDIDATIZAÇÃO

Aimportânciadasduassequênciastextuaisemestudo,aexplicativaeaargumentativa,e

dasmarcasenunciativaséevidentenosProgramaseMetasdePortuguêsparao3.ºcicloeparao

ensino secundário, quer atravésdosgéneros textuais, quer atravésdos conteúdosgramaticais

apontados,queratravésdedescritoresdedesempenhonasMetas,comoveremos.

Parece-nos que a possibilidade de os alunos dominarem estas estruturas textuais

prototípicas lhes permitirá uma compreensão e uma construçãomais consistente do sentido,

atravésda leitura,daescritaedooral.Coma leiturade textosdediversosgéneros,osalunos

poderão atestar diferentes sequências textuais e determinar, por exemplo, a dominante,

facilitando a identificação do género e assim melhorar a compreensão de ‘textos complexos’

(noçãocentralnonovoProgramadePortuguêsdosecundário).

Além disso, é de nosso conhecimento que, num percurso escolar, os alunos se vão

familiarizando com manuais das diversas disciplinas, que contêm explicações; são-lhes,

igualmente, explicados os conteúdos; e também são muitos os momentos em que lhes são

pedidosjustificações,comentários,oraisouescritos(testeseexamestêmquestõesquesolicitam

explicações,explicitações/justificações).Portanto,osatosdeexplicaredeargumentarrevelam-

seestratégicosnaescolaridadedosalunose,porisso, lhestemosdedarumaatençãoespecial.

Também devemos salientar que, tendencialmente, as marcas enunciativas se distribuem de

formadiferentenasduassequênciasestudadase,porconseguinte,nosgénerostextuaisqueas

integram.Destaforma,reconheceraspotencialidadesdasmarcasenunciativaspoderáfornecer

aos alunos destreza na construção de sentido(s), tal como o conhecimento da estrutura das

sequências textuais fará dos alunos ‘leitores’ e ‘escritores’ cada vez mais autónomos e mais

independentes,vendoreforçadasassuascompetênciassociais.

Portanto, no nosso entender, as sequências textuais devem ser objeto de trabalho

pedagógico através dos géneros textuais. O trabalho didático deverá passar, assim, pela

observaçãodasregularidadesdecadaumadassequênciasparaqueosesquemasmentaissejam

assimilados.

85

Se atentarmos, agora, no Programa e Metas de Português do ensino secundário,

homologado em janeiro de 2014 e que entrará em vigor em 2015/2016, verificamos que as

sequências textuais explicativa e argumentativa sãomobilizadas por vários géneros escolares

que integram o Programa. Por conseguinte, a sequência explicativa está, tendencialmente,

presente em artigos de divulgação científica, em exposições, em sínteses de textos de caráter

informativo. Por seu lado, a sequência argumentativa consta, prototipicamente, do anúncio

publicitário, do discurso político, da apreciação crítica, do texto/artigo de opinião, do diálogo

argumentativoedodebate,mastambémdoartigodedivulgaçãocientíficaedaexposição.

Noprograma,assequênciastextuaisestãoindicadasparao12.ºano,adêixisparao11.º

ano, como conteúdos gramaticais, e a polifonia não consta explicitamente do programa. Nas

metas do 11.º ano, no domínio da Educação Literária, no âmbito do descritor 14, “Ler e

interpretar textos literários” e do seu objetivo 10. Reconhecer e caracterizar os seguintes

elementosconstitutivosdanarrativa’,preveem-seváriasalíneas,entreelasaalínea“c)narrador:

presença ou ausência na ação; formas de intervenção: narrador-personagem; comentário ou

reflexão”eaalínea“e)tempo(narrativoehistórico)”.Parece-nosquenositensqueacabámosde

destacar(doobjetivo10dodescritor14do11.ºano)podemosentreveradêixiseapolifonia.

De seguida, iremos apresentar propostas de didatização da dêixis (3.1.), através de

diversasatividades,edassequênciastextuaisexplicativa(3.2.)eargumentativa(3.3.)comduas

unidades didáticas. Para isso, contemplaremos os vários domínios do programa, oral, leitura,

escrita, educação literária e gramática, e usaremos diferentes modalidades de trabalho

(individual,apareseemgrupo-turma,deacordocomagestãodoprofessor).

Ametodologiaqueadotaremospressupõei)aobservaçãoeanálisedasocorrências, ii)a

formulaçãoderegras,iii)asistematizaçãoeiv)aconsolidação.

Devemos referir que estas propostas de atividades não se vinculam apenas ao ano de

escolaridadequesugerimos.Astarefaspodemserconsideradasnatotalidadedassequênciasou

recorrendo a uma seleção de exercícios para contexto de sala de aula e/ou como trabalho de

casa.

Nota:Aunidadedidáticasobreasequênciaexplicativadestina-se,preferencialmente,aalunosdo10.ºanoeaunidadedidáticasobreasequênciaargumentativa,ao11.ºanodeescolaridade.Optámosporestagestão(contrariandooPrograma)porqueconsideramosqueassequênciastextuaisnãosedevemreservarapenasparao12.ºano,poispoderiamserintroduzidasprogressivamenteeassimproporcionarumaaquisiçãomaisútileeficaz.Oestudodadêixisdeveriaser introduzidono10.º,melhorandoa interpretaçãodassubtilezasdostextoscomplexos,bemcomoaprodução,oraleescrita.Apresentamosaspropostasdesoluçãoaitálico.

3.1.ADÊIXIS

Atividade1–Notícias(Docs.1e2)

86

a) Lêasduasnotícias.

b) Qualéoreferentede“hoje”naprimeiranotícia(Doc.1)?Adata–27/06/2014

c) Verifica se o lexema “hoje” na primeira (Doc. 1) e na segunda (Doc. 2) notícias têm o

mesmo referente. Identifica a(s) sua(s) referência(s). Não, no Doc. 1, ‘hoje’ refere-se a27/06/2014e,noDoc.2,refere-sea24/06/2014.

d) Oque há em comumnas várias ocorrências de “hoje”?O’hoje’refere-seaotempoemquesefala(aoT0),umadascoordenadasenunciativasdoumatoenunciativo(sempreúnicoeirrepetível)

e) Atentanaexpressão“quarta-feira”noDoc.2.Comopodemosdeterminaradataexata? Apartir de ‘agora’ (‘amanhã’, no título, e a data, terça-feira 24/06/2014), logo quarta-feiracorrespondea25/06/2014

Jean-ClaudeJunckerindigitadoparaPresidentedaComissãoEuropeia

OnomedoluxemburguêsserávotadoemjulhonoParlamentoEuropeuparasucederaDurãoBarroso16:55Sextafeira,27deJunhode2014

Reuters

OschefesdeEstadoedeGovernodaUniãoEuropeia,reunidoshojeemBruxelas,indigitaramoluxemburguêsJean-ClaudeJuncker

paraocargodepresidentedaComissãoEuropeia,anunciouopresidentedoConselhoEuropeu.

"Decisão tomada. O Conselho Europeu propõe Jean-Claude Juncker como próximo presidente da Comissão Europeia", escreveu

HermanVanRompuynasuacontanaredesocialtwitter.

OnomedeJuncker,queeraocandidatodoPartidoPopularEuropeu-vencedordaseleiçõeseuropeiasdemaio-teráagoraqueser

confirmado pelo Parlamento Europeu, numa votação que terá lugar em meados de julho, para suceder a José Manuel Durão

Barroso.

inVisãoonlinehttp://visao.sapo.pt/jean-claude-juncker-indigitado-para-presidente-da-comissao-europeia=f786910

Doc. 1

TemperaturassobemapartirdeamanhãOestadodotempovaimelhorarapartirdequarta-feira,masastemperaturasdeverãomanter-senos23/24graus

10:36Terçafeira,24deJunhode2014-Lusa

"Para hoje ainda está prevista uma situação instável associada a uma depressão que está em deslocamento para leste, para o

território espanhol. Estão previstos períodos de céu muito nublado, ocorrência de aguaceiros, por vezes fortes, de granizo, e

acompanhadosdetrovoadaespecialmenteatarde",adiantouhojeàLusaameteorologistaCristinaSimões,doInstitutoPortuguêsdo

MaredaAtmosfera(IPMA).

CristinaSimõessalientouquetodososdistritosdocontinentevãoestarsobavisoamarelo,osegundomenosgravedeumaescalade

quatro,entreas09:00eas21:00dehojedevidoàprevisãodeaguaceiros,porvezesfortes,degranizo,acompanhadosdetrovoadase

rajadasfortesdevento.

"Apartirdequarta-feiravamosterumamelhoriagradualdoestadotempo,masastemperaturasvãomanter-semaisoumenoscomo

estão,arondaros23/24graus",disse.

Deacordocomameteorologista,naquarta-feiraaindasepoderãoregistaralgunsaguaceirosfracosnasregiõesdonorteedocentro.

Para quarta-feira, ainda estão previstos períodos de céumuito nublado, apresentando-se em geralmuito nublado até ao final da

manhãeaguaceirosemgeralfracos,nasregiõesdonorteecentroeventofraco.

"Vamostertambémumapequenasubidadatemperaturamínimaedamáximanasregiõesdointerioreneblinaounevoeiromatinal",

adiantou.

InVisãoonlinehttp://visao.sapo.pt/temperaturas-sobem-a-partir-de-amanha=f786396

Doc. 2

Atividade2-Otextopublicitário(Docs.3e4)

a) Observaaspublicidades.

b) Qualéoreferentede“eu”em“eucontocomoContinente”?(Doc.3)emcadaatodeleiturao‘eu’ édiferente, i.e.,adquirereferênciaemcadaatodeenunciação(queéúnico)(‘eu’=quemfala);

todosos‘eus’quetiveremacessoaestapublicidade

87

c) Indica o que refere “NOS” e “connosco”. (Doc. 4) ‘NOS’ésinónimode‘ZON+ÓPTIMUS’juntos,

mastambémpoderáquererincluir(‘nós’ inclusivo)o ‘tu’(osclientes eospotenciaisclientes ‘NOS’);

‘connosco’=aempresaNOSqueofereceumproduto,mastambémosclientesdaNOS

d) Determina as coordenadas enunciativas: eu –tu – aqui – agora. Eu (quem fala) = NOS

(empresa+clientes+potenciaisclientes);tu(aquemsefala)=osclientes+futurosclientes–‘celebre’;

aqui(espaçoemquesefala);agora(momentoemquesefala)=emcadamomentoemquese lêou

ouve estamensagem (veja-se o contraste dousodos tempos verbais ‘mudaram’, a Zon e aÓptimus

pertencemàesferadopassado,‘AgorasãoNOS’.Podíamostambémexplorarasubtilezadousodas1ª

p. pl. (nós), da 2ª p. (você) e da 3ª p. pl (i. e., o eu e o tu pertencemà esfera do presente e a 3ª p.

pertencesobretudoaopassado).

e) Tendotambémemconsideraçãooexercícioanterior,podemosagruparestas“palavrinhas

vazias” (isto é, os deíticos que adquirem referência em cada ato de enunciação) por

tipologia?Sim.Dêixispessoal(eu-tu),temporal(agora)eespacial(aqui)(osdeíticos)

f) Pesquisaoutraspublicidadesououtrosdocumentos (escrito, áudio e/ouvídeo), emque

encontresdeíticoseprocuraclassificá-los.

Doc. 4

Doc. 3

Atividade3 –A emergênciada subjetividade –MemorialdoConventode José Saramago

(Doc.5)

Lêoexcerto(Cap.XXI,pp.294-295,parágrafo22)77nasuaíntegraeconsideraoexcertoa

partirdalinha20(“Quandodelonge...”).

a) Sublinhaosdeíticoseidentificaasuatipologia.Cf.otexto.

77JoséSaramago,MemorialdoConvento.Lisboa:EditorialCaminho,15ªedição.

88

Dêixis pessoal: nossas (naus), sou eu, antecipemos, vocês vieram ... vivíeis (não) façam, nós, nos,aprendemos,nossos,estamos,viram,vos,sigam,nós,vocêsentregues,vamos

Dêixisespacial:estes,estes,vieram

Dêixis temporal: agora, sou, antecipemos, vieram ... vivíeis, façam, aprendemos, estamos, viram,sigam,entregues,vamos

b) Verificaapresençadonarradoratravésdosdeíticos.Presençaclaradonarrador:‘nãosoueu’.Comodemonstrativo ‘estes’,o ‘eu’ (narrador)estáaumadistânciapróxima. ‘asnossasnaus’ – ‘nós

inclusivo(eu+tu:oshomensexploradosnotransportedapedra+oleitor;‘nossasnaus’tambémpode

incluir‘detodososportugueses’).‘nãoantecipemos’,‘quenós...vamosbuscarmais’=eu(narrador)+o

leitor.‘anósninguémnosensinou...aprendemos...nossospais...estamos...agora?=eu(narrador)+o

povoexplorado(osdesfavorecidos).c) Comoéqueosdeíticospodemdenunciaroposicionamento,asubjetividadedonarrador

(opinião, sentimentos, crítica, sátira)? O narrador terá tendência para ser neutro?Nesta

passagem,onarradornãoéneutro,nãoéumamera testemunha.Assumeumaposiçãodeoposição

aospoderosos(aorei,aopoder),tomandoumaatitudeafavordopovodesfavorecidoeexplorado.O

demonstrativo, ‘estes’, assume uma defesa dos homens; e em ‘a nós ninguém nos ensinou ...

aprendemos...nossospais...estamos...agora?oeuidentifica-secomestepovoexploradopelorei,pelo

poder;assume-setambémcomodesfavorecido.Há,pois,umacríticaqueassume,porvezes,umasátira

(chegaaassumir-se‘quadrilheiro’).

Podemosaquitambémfazerumaleituradaatualidade:osdesfavorecidos(opovo)continuamaser

pobreseexplorados...

d) E o leitor será também cúmplice do narrador? Como o percecionamos através dos

deíticos? Sim,oleitortambémécúmplicedonarrador,i.e.,oleitorassumeopapeldetestemunhaedecríticodestasituaçãodeexploraçãoehumilhaçãodopovo.Vejam-seosexemplosseguintesemque

o ‘nós’ tambémincluio leitor: ‘nãoantecipemos’, ‘quenós ...vamosbuscarmais’=eu(narrador)+o

leitor.

5

10

15

Àsvezes,háencontros.VinhamunsmaisdoNorte,outrosmaisdoNascente,aquelesdePenela,essesde

Proença-a-Nova, juntaram-seemPortodeMós,nenhumdeles sabeque lugares sãoestesnomapa,nemque

formatemPortugal,seéquadrado,ouredondo,ouaosbicos,seépontedepassaroucordadeenforcar,segrita

quando lhebatemouseseescondepeloscantos.Dasduas levasse fazuma,etendo jáseusrequintesaarte

carcereira,emparelharam-seoshomensdemodomístico,umdeProença,outrodePenela,assimsedificultando

assubversões,comoevidentebenefíciodedarPortugalaconheceraosportugueses,Entãocomoéatuaterra,e

enquantofalamdistonãopensamnoutracoisa.Anãoserquemorraalgumpelocaminho.Podecairfulminado

por um ataque, espumando pela boca, ou nem isso, apenas derrubando-se e arrastando na queda o

companheirodafrenteeocompanheirodetrás,subitamenteeempânicoatadosaummorto,podeadoecerno

descampado e vai de charola, trangalhando pernas e braços, atémorrer adiante e ser enterrado à beira do

caminho,comumacruzdepauespetadadoladodacabeça,ouafortunadamenterecebeempovoadoosúltimos

sacramentos,enquantoosdegredadosesperamsentadosnochãoqueocasosedeslinde,Hocestenimcorpus

meum, este corpo cansado de tantas léguas andadas, este corpo esfolado dos atritos da corda, este corpo

gastadodacomidaaindamenosqueapoucacostumada.Asnoitessãodormidasempalheiros,emportariasde

conventos,emtercenasdespejadas,e,querendoDeuseobomtempo,aoarlivre,assimsejuntandoaliberdade

do ar e a prisão dos homens, extensas filosofias aqui se debateriam se tivéssemos tempo para isso. De

madrugada,muitoantesdenascerosol,eaindabem,porqueestashorassãosempreasmaisfrias,levantam-se

89

20

25

30

os trabalhadores de sua majestade, enregelados e famintos, felizmente os libertaram das cordas os

quadrilheiros, porque hoje entraremos emMafra e causaria péssimo efeito o cortejo demaltrapilhos, atados

comoescravosdoBrasilourécuadecavalgaduras.Quandodelongeavistamosmurosbrancosdabasílica,não

gritam,Jerusalém,Jerusalém,porissoémentiraoquedisseaquelefradequepregouquandofoilevadadePêro

PinheiroapedraaMafra,quetodosesteshomenssãocruzadosdumanovacruzada,quecruzadossãoestesque

tãopouco sabemda sua cruzadia. Fazemalto os quadrilheiros, para quedesta eminência possamos trazidos

apreciaroamplopanoramanomeiodoqualvãoviver,àdireitaomarondenavegamasnossasnaus,senhoras

do líquidoelemento,emfrente,paraoSul,estáafamosíssimaserradeSintra,orgulhodenacionais, invejade

estrangeiros,quedariaumbomparaísonocasodeDeusfazeroutratentativa,eavila, láembaixonacova,é

Mafra, quedizemoseruditos ser issomesmooquequerdizer,masumdia sehão-de rectificar os sentidos e

naquelenomeserálido,letraporletra,mortos,assados,fundidos,roubados,arrastados,enãosoueu,simples

quadrilheiroàsordens,quematalleiturasevaiatrever,massimumabadebeneditinoaseutempo,eessaserá

arazãoquetemparanãovirassistiràsagraçãodabisarma,porém,nãoantecipemos,aindahámuitotrabalho

para acabar, por causa dele é que vocês vieram das longes terras onde vivíeis, não façam caso da falta de

concordância,queanósninguémnosensinouafalar,aprendemoscomoserrosdosnossospais,e,alémdisso,

estamosem,tempodetransição,eagoraquejáviramoquevosespera,sigamláparaadiante,quenós,ficando

vocêsentregues,vamosbuscarmais.

JoséSaramago,MemorialdoConvento

Doc. 5

3.2.ASEQUÊNCIATEXTUALEXPLICATIVA

Consideraotextoseguinte.

OQUEÉOGELOSECO?Sejáassistiuaalgumespetáculodepalco,éprovávelquetenhavistogelosecoaserutilizado.É

issoqueé bombeadoparaopalcopara simular neblina e nevoeiro, ou, no geral, paradar ao

lugarumaspetoimpressionante;masoqueéecomoéfeito?

Narealidade,ogelosecoédióxidodecarbonolíquidoaltamentepressurizadoquefoicongelado

aumatemperaturade-78,5grausCelsius.Aprincipalvantagemdeseutilizardióxidodecarbono

éque,quandoaquece,ficasublimado,oquesignificaquemudadesólidoparagássemsetornar

umlíquido.Porisso,seoaquecerebombearsobreumpalco,vaitransformar-seimediatamente

emneblinafantástica,emvezdeencharcarochão.

Tambémémuitoútilparaembalarprodutoscongeladosquetêmdepermanecer friosporque,

quandoaquece,torna-segasosoemvezdehúmido.

QueroSaber(09/12/2014)inhttp://querosaber.sapo.pt/ciencia/o-que-e-o-gelo-seco

1. Lêotextocomatenção.

2. Fazolevantamentodeaspetoscontextuais,temáticosefuncionais.

Itens Respostas(Propostadesolução)

Tipodediscurso Jornalístico(revistaQueroSaber)

Génerotextual Artigodedivulgaçãocientífica

Localdapublicação RevistaQueroSaber(emlinha)

Datadapublicação 09/12/2014

Autor Semreferênciaaoautor

Destinatário(públicoalvo) Públicoemgeral(nãoespecializado)

Objetivo Explicaroqueéogeloseco

90

3. Relêotextoeconsideraasseguintestarefas.

3.1. Aqueperguntarespondeotexto?Retiradotextoasproposiçõesqueapontamparaessa

pergunta.‘OQUEÉOGELOSECO?’/‘oqueéecomoéfeito[ogeloseco]?’

4. Resoluçãodoproblemaapresentado.

4.1. Emquepartedotextoseresolveapergunta(oproblema)?Nossegundoeterceiroparágrafos.

4.2. Identificaasproposiçõesqueprocuramresponderaoproblema.

Ogelosecoé:

• dióxidodecarbonolíquidoaltamentepressurizadoquefoicongeladoaumatemperaturade-78,5grausCelsius

• odióxido de carbono (...) quandoaquece, fica sublimado, o que significa quemudade sólidoparagássemsetornarumlíquido

• [dióxido de carbono] se o aquecer e bombear sobre um palco, vai transformar-seimediatamenteemneblinafantástica,emvezdeencharcarochão

• muito útil para embalar produtos congelados que têm de permanecer frios porque, quandoaquece,torna-segasosoemvezdehúmido

5. Conclusão.

5.1. Otextopossuiconclusão?Não

5.2. Formula(oureformula)aconclusãoparaestetexto.

Ogelo secoé,portanto,dióxidodecarbono líquidopressurizadoecongeladoqueaquecido se torna

gasoso(enãolíquido)

6. Procurarestabeleceraestruturadestaexplicação.

i) Apresentação do objeto problema (o gelo seco utilizado em efeitos de neblina no palco); ii)

questionamento(oproblema:oqueéogeloseco);iii)resoluçãodoproblema(explicaçãodoproblema

/respostaàpergunta‘oqueéogeloseco?’);iv)conclusão(avaliaçãosíntesedaresposta).

7. Osrecursoslinguísticos.

7.1. Fazolevantamentodosconectoresexistentesnossegundoeterceiroparágrafosdotextoe

apontaarelaçãoqueestabelecem(valor),preenchendooquadroseguinte:

Conector Valor(relação)

Narealidade Reforçativo

Quando Temporal

Porisso Consequência

Também Adição

Para Final

Porque Causal

Nota:Oalunospoderãoconsultaroquadrodosconectores

constante do manual escolar, o quadro de Lopes &

Carapinha(2013:96-97)ouoquadrodeMateusetal.(2003:

91

104-105).

7.2. Substituiestesconectoresporoutrosdevalorequivalente.Incluitambémnesteexercícioa

tuaconclusão(doexercício5.2.).Comefeito,ogelosecoédióxidodecarbonolíquidoaltamentepressurizadoquefoicongeladoaumatemperatura de -78,5 graus Celsius. A principal vantagem de se utilizar dióxido de carbono é que,assim que aquece, fica sublimado, o que significa que muda de sólido para gás sem se tornar umlíquido.Porconseguinte,seoaquecerebombearsobreumpalco,vaitransformar-se imediatamenteemneblinafantástica,emvezdeencharcarochão.Éigualmentemuitoútilparaembalarprodutoscongeladosquetêmdepermanecerfriosporque,logoqueaquece,torna-segasosoemvezdehúmido. O gelo seco é, assim, dióxido de carbono líquido pressurizado e congelado que aquecido se tornagasoso(enãolíquido).

Nota:Dever-se-á insistirque,devidoànatureza lógicadasequênciaexplicativa,existemnexosdecausa-efeito, e por isso são privilegiados conectores causais, o que não invalida a ocorrência deoutrotipodeconectores.Poderáseroportunoreverasubordinação.

7.3. Atenta novamente nos segundo e terceiro parágrafos. Faz o levantamento de todas as

formaverbaisenotaemquepessoaestão.

é,foicongelado,é,aquece,significa,muda,vaitransformar-se,é,têm,aquece,torna-se,é,setorna/3ª

p.sing.

7.4. Qualéotempoverbalpredominante?Qualéoseuvalor?

Presentedoindicativocomvaloratemporal(daverdadedestefenómenoquenãosevinculaapenasno

tempopresente,no‘hoje,agora’)

7.5. Identificamarcasenunciativasnotexto.Algumascategoriaspoderãonãoocorrer.

Marcasdeenunciação(coordenadasenunciativaseu-tu-aqui-agora)

Exemplosdasequênciaexplicativa

Dêixispessoal:1ªp.sing.(eu) -

Dêixispessoal:1ªp.pl.(nós) -

Dêixispessoal:2ªp.(tu,vós) assistiu,quetenha

Dêixistemporal(agora,T0) -

Dêixisespacial(aqui) -

Conectorescausaisedeconsequência porisso,porque

Negação(não+V.) -

Modalidadeepistémica(graudecerteza/possibilidade) -

Citações/referênciaaoutrasfontes -

Perguntaretórica -

7.6. Partindo das questões 7.3., 7.4. e 7.5., a que conclusão chegas sobre a sequênciaexplicativa? Recurso preferencial pela 3ª pessoa, semmarcas do ‘eu’, presença da 2ª pessoa, poispretende-se explicarum fenómeno,de formaobjetiva (aum ‘tu’), sem interferênciadeumpontodevistapessoal.Oautor(olocutor)éapenasummeroobservadorexternodosfactos.

92

7.6. Léxico. Qual é classe de palavras dominante? Nomes (terminologia relacionada com o

fenómeno);léxicocomvalordenotativoeobjetivo8. Ondepodemosencontrarestetipodesequência?

Revistas especializadas, wikipédia, enciclopédias, manuais escolares (artigos científicos e de

divulgaçãocientífica;explicaçãodefenómenos,regrasgramaticais),respostasemtestesdeavaliação,

exposições

9. Procuraformularumasíntesesobreasequênciaexplicativa,tendoemconsideração

• oobjetivodasequência,

• aestrutura,

• asmarcasenunciativasdepessoa,

• osconectores,

• otempoverbal,

• oléxico. (arespostaconstadasquestõesanteriores)

Comoexercíciodeaplicação,poder-se-ápediraosalunospararesponderemàsquestões

anteriores (ou uma a seleção) sobre o fragmento seguinte, “A chamada da flor”. Esta tarefa

poderásersolicitadacomotrabalhodecasa.

Achamadadaflor

Algumas flores tropicais refletemo som, permitindo que osmorcegos que procuramnéctar consigam

facilmenteencontrá-las.

TextodeSUSANMCGRATH

(...)

Querazãolevaasplantasainvestiremtantonacapacidadedeatrairerecompensarosmorcegos?“Porqueosmorcegossãoospolinizadoresmaiseficazes”,explicaRalphSimon.“Elesvalemoesforço.”

Umestudoconduzidoem2010peloecólogoNathanMuchhala,daUniversidadedeMissouri-SaintLouis,

comparando beija-flores e morcegos nectarívoros do Equador, concluiu que os morcegos depositam, em

média,dezvezesmaisgrãosdepólendoqueasaves.Epercorremdistânciaslongasenquantoosbeija-flores

depositamopólenrecolhidonumraiodecercadeduzentosmetros.Otransportadordemaislongadistância

entre osmorcegos nectarívoros, o Leptonycteris curasoae, procura alimento em locais que distam até 50

quilómetrosdoseuabrigo.O longoalcancedosmorcegosconferegrandevantagemàsplantasda floresta

tropical, que frequentemente se encontram dispersas em densidades baixas. Esta polinização de grande

alcance torna-se ainda mais importante à medida que as florestas vão ficando fragmentadas pela

desflorestação.(...)

NationalGeographicPortugal,julho2014(textocomsupressões)

3.3.ASEQUÊNCIATEXTUALARGUMENTATIVA

Nota:Paraaprimeiraatividade,deverãoserfornecidos,pelomenos,doistextos(oufragmentostextuais)aosalunos:umcomdominanteargumentativa(Doc.1)eumsegundocomoutrasequênciadominante(Doc.2).Poderão ser usadas as sequências explicativas da unidade anterior ou outra de outro tipo, com fontes

93

diversas (literárias, jornalísticas, etc.). Por falta de espaço, vamos integrar aqui apenas o texto comdominanteargumentativa.

Doc.1(Nota:Esteexcertocorrespondeaotítuloeaos1.ºeúltimoparágrafosdoartigo.)

1. ConsideraosDocs.1e2. Identificaotextoondeháargumentaçãoe justificaa tuaopção

comelementostextuais.PensamosqueosalunosindicarãoclaramenteoDoc.1epoderãoreferiraexpressãodeumaopinião,atese,algunsargumentos,oléxicovalorativo,ousoda1ªp.,ostemposverbais,etc.

2. Ondepodemosencontrarargumentação?Emquemomentosapodemosusar?Cartazes (ex. da APAV), publicidade, desdobráveis (ex. do Ministério da Saúde), tribunal (defesa,acusação, sentença), nos media (artigos de opinião, críticas, colunas, debates televisivos eradiofónicos, fóruns, blogues), no Parlamento, nos discursos políticos, em situações familiares, naescola(i.e.,nosdiscursospublicitário, judicial, jornalístico, literário,doquotidiano,escolar,etc.–emtodoolado,poiséaquiloquemelhornoscaracterizacomoseresracionais)

3. ConsideraoDoc.1queapresentaaexpressãodeumaopinião.

3.1. Relê o texto com atenção e faz o levantamento de aspetos contextuais, temáticos e

funcionais.

Itens Respostas(Propostadesolução)Tipodediscurso Jornalístico(revistaVisão)Génerotextual ArtigodeopiniãoLocaldapublicação RevistaVisão(n.º1172)Datadapublicação 20/08/2015Autor(papelsocial/função) ClaraSoares(jornalista)

Destinatário(públicoalvo)Públicoemgeral,osleitoresdarevista(sobretudoosqueestãosempreconectadose,possivelmente,osseusfamiliares)

SEMPPRE‘ON’?PRECISADEUMADIETADIGITAL

Os dispositivos eletrónicos vão connosco para todo o lado. Já não sabemos jantar, passar férias, nem

sequerconvivercomamigossemeles.Precisamenteporisso,aprenderadesconectaréumanecessidadee

umatendênciamundialcomcadavezmaisadeptos.Saibaoquerevelamaspesquisasedescubraosegredo

paranãopassaraoladodosmomentosquerealmentecontam.

CLARASOARES

“Nãoconsigoviver/contigoousemti”.Odilemadosamantes,imortalizadonotemadosU2.Étãobom

quesequersempremais,atéaodiaemqueaconvivênciasetorna(quase)impossível.Falamosdosgadgetseletrónicos,extensõesdenós,cidadãosdigitaisemconexãopermanente.QueodigaKatherineLosse,ex-

colaboradora do fundador do Facebook.Numa entrevista aoTheWashington Post, ela comparou a rede

socialaorefrãodaicónicacançãodosEagles[HotelCalifórnia,1976]:Assimfoi.Katherineapagouoperfil.

Viriaacriarumnovo,masimpôsregraselimitesaostemposemmodooneoffline.(...)

Maisdoquedemonizaraevoluçãodigital,importamanterasoberanianarelaçãocomela.Evocandoa

ex-colaboradora de Zuckerberg, Katherine Losse, o segredo é desconectar para reconectar. Retomar a

sabedoria. Usar as TI (tecnologias de informação) conscientemente. Ao contrário do que canta Bono,

“aprenderavivercomesemti”.

Visãon.º1172,20/08/2015(textocomsupressões)

94

Tema OusodasTIObjetivo Convencer,influenciar,levaraspessoasafazeremumusoracionaldasTI

3.2. Qualéaideiaquesedefende(atese)?Formulaumaafirmação.

DevemosfazerumusoconscientedasTI.(=‘fazerumadietadigital’)(e,implicitamente,apela-seàleituradoartigo–‘descubraosegredopara...’)

3.3. Identificaascircunstânciasquelevamaesteapelo.Osgadgets estão sempre connosco (éumproblema social deâmbitoglobal), até em situaçõesmaispessoais em que se devia disfrutar dos momentos (jantares, férias, convívios), criando umadependência,quaseumasituaçãodeamorexacerbada(comonosversosdamúsicadosU2).Porisso,precisarmosdeumadesintoxicaçãodigital.

3.4. Identifica os argumentos, isto é, as razões que fundamentam/justificam a afirmação (a

tese).Necessidadedeaprenderadesconectar-secomoumatendênciamundialConhecercomváriosestudossobreestadependênciaDescobriro segredo:comodesfrutardo tempo(‘demomentosquerealmentecontam’–as férias,osamigos,afamília)

3.5. Identificaexemplo(s)quecomprova(m)osargumentos.

Katherine Losse, ex-colaboradora do fundador do Facebook, que apagou o seu perfil do facebook ecriouumnovocomregrasdeuso(queincluíatemposoffline)

3.6. Identificaaconclusão.Revelação do segredo: desconectar, retomar a soberania sobre as TI, usá-las de formaconsciente/racional(deixardeserdependente;reduziroacessoàTI=fazeruma‘dieta’).

4. Escrita.Procuraconvencerosteuscolegasdaturma(edaescola/agrupamento)paraum

uso racional das tecnologias de informação. Escreve um texto com dominante

argumentativa(umtextodeopinião)queserápublicadonoJornaldoAgrupamento.

5. Osrecursoslinguísticos.

5.1. Faz o levantamento dos conectores existentes no Doc. 1 e aponta a relação que

estabelecem(valor),preenchendooquadroseguinte:

Conector Valor(relação)

nem adição

porisso consequência

(étão...)que consequência

mas contraste,oposição

Nota: Os alunos poderão consultar o quadro dosconectores constante do manual escolar, o quadro deLopes&Carapinha(2013:96-97)ouoquadrodeMateusetal.(2003:104-105).

5.2. Substituiestesconectoresporoutrosdevalorequivalente.

5.3. Consideraotítulodoartigo:“SEMPRE‘ON’?Precisadeumadietadigital”.

95

5.3.1. Constróiuma frasecomplexacomestasduasproposições,mantendoestaordem. (Terás

derecorreraconectores.)Seestásempre‘on’,entãoprecisadefazerumadietadigital.

5.3.2. Alteraaordemdasproposições,começandopor ‘Precisadeumadietadigital’econstróioutrafrasecomplexa.Precisadeumadietadigitalporqueestásempre‘on’.

Nota: Dever-se-á insistir que, devido à natureza lógica da sequência argumentativa, são privilegiadosconectoresdecausa-consequência,bemcomocontrastivosnamarcaçãodeoutromovimentoargumentativo(acontra-argumentação),oquenãoinvalidaaocorrênciadeoutrotipodeconectores.Seráoportunomostrarquequalquermovimentoargumentativoprototípicoébinárioequeomovimentoqueligaaspremissasàconclusãopodeobedeceraumaordemprogressiva(comoem5.3.1.)ouregressiva(comoem5.3.2.).

5.4. Identificamarcasenunciativasnotexto.

Marcasdeenunciação

Exemplosdasequênciaargumentativa

Dêixispessoal:1ªp.sing.(eu) -consigo

Dêixispessoal:1ªp.pl.(nós) -connosco,sabemos,falamos,nós,

Dêixispessoal:2ªp.(tu,vós,‘você’) -precisa,saiba,descubra,contigo,ti,ti

Dêixistemporal(agora,T0)-presentedoindicativo:vão,sabemos,é,revelam,consigo,é,setorna,importa,é,canta

Dêixisespacial(aqui) -

Conectorescausaisedeconsequência porisso,que

Conectorescontrastivos -mas

Negação(não+V.) -nãosabemos,nãoconsigo

Modalidadeepistémica(graude

certeza/possibilidade)

Modalidadedeôntica(obrigaçãoe

permissão)

-Modal.deôntica:importamanterasoberania(ordemmitigadaequivalentea:tutens/vocêtemdemanterasoberania)

Citações/referênciaaoutrasfontes

-“Nãoconsigoviver/contigoousemti”,“aprenderaviversemti”,osU2;KatherineLosse,WashingtonPost,Facebook,Zukerberg,HotelCallifornia,osEagles

Perguntaretórica -

5.5. Partindodestequadro,aqueconclusãochegassobreasequênciaargumentativa? Presença das 1ª e 2ª pessoas, i.é., com marcas deíticas – eu-tu, predomínio de verbos no presente do indicativo, com conectores de causa-consequência e de contraste. Pois pretende-se convencer o interlocutor (os leitores da Visão em que se inclui o ‘eu’) a mudar de comportamento, de forma subjetiva, com interferência de um ponto de vista pessoal e de outras vozes, como a da ex-colaboradora do Facebook, da menção da canção dos U2 e da canção dos Eagles “Hotel Califórnia”. Veja-se o léxico avaliativo como dilema, amantes, impossível, permanente, icónica...

Nota: Dever-se-á apelar para o efeito polifónico de estruturas contrastivas e de negação, bem como de perguntas retóricas, das citações, que introduzem outras vozes no texto, reforçando o ponto de vista e, logo, a argumentação. Também será interessante apelar para a capacidade dialógica desta sequência que, ao envolver diretamente, ou implicitamente, o interlocutor, ativa a interação e os vários movimentos argumentativos de um texto com dominante argumentativa. No que se refere à modalidade, poderá ser trabalhada no sentido de apelar para a sua capacidade argumentativa. Modalizadores epistémicos como:

96

é certo que, é indiscutível, com certeza, certamente, provavelmente, possivelmente, parece, etc., reforçam qualquer argumentação.

6. Procurarestabeleceraestruturadeumasequênciatextualargumentativa.Situaçãoinicial>

Premissas(argumentoseexemplos)>(contra-argumentação)>conclusão7. Escrita.Retomaaquestão4.eelaboraumtextodeopiniãosobreasdependênciasdigitais

eanecessidadedasuaracionalização.

• Deverás ter em conta questões contextuais, temáticas, estruturais e linguísticas que fomostratandoaolongodestaunidade.

• Planificaprimeirooteutexto,preenchendoaseguintetabela“Planodetexto...”.• Passa depois à textualização e, finalmente, à revisão. Para isso, poderás consultar a lista de

verificaçãodomanualparatextospredominantementeargumentativos(econsiderartodososaspetosqueabordámos).Nãoteesqueçastambémdequetensumquadrodeconectoresquefacilitaráarealizaçãodatuatarefa.

97

PLANODETEXTOPREDOMINANTEMENTEARGUMENTATIVO78

TEXTODEOPINIÃO79

1ªETAPA:REFLEXÃO

a)Tema:Problema:

• Oqueeuconheçosobreotema:

• Oqueeupensosobreotema:

• Porquê?

• Oqueoutrospensamsobreotema:

• Porquê?

b)Destinatáriospossíveis:

c)Localdepublicação/apresentação:

d)Síntesedareflexão:

Tema:…………………………………………

O meu destinatário é …………………………………………….. e quero-o convencer de

……………………………………………………............……,recorrendoa:

2ªETAPA:PLANIFICAÇÃOdotexto(estruturação/progressãotemática)(tópicos)

Introdução:Parágrafoinicial:

-Contextualizar

-Assumirumaposição.

-Clarificaratese.

(Contextualizaçãodasituaçãodequesevaitratar,direcionandoaabordagem,i.e.,apresentandoatese).(Atesedeveserapresentadademodoafirmativo,claraebemdefinida.Nota:podeestarnaformadeinterrogação.)

Desenvolvimento:Formulaçãodeargumentos

-Váriosparágrafos(média:umpor

argumento),articuladosporconectores,onde

seenumeramosargumentoseoscontra

argumentosseguidosdeexemplos,citações…)

(Análise/explicitaçãodateseapresentada;exposiçãodosargumentosqueprovamaverdadedaproposição:factos,exemplos,citações,testemunhos,dadosestatísticos)(Umbomargumentoéaquelequeconseguetrazerumamudança,i.e.,convencerooutro)

Conclusão:-Parágrafofinal,ondeseretomaateseinicial,

comprovada,concluindo-se,assim,o

raciocínio.

(Síntesedademonstraçãofeitanodesenvolvimento)(Aconclusãotemduasfunções:i)aretomadatese(acircularidadedotexto);ii)acriaçãodeumcertoimpactonoleitor/ouvinte,porissodeveprocurarseroriginal)

3ªETAPA:TextualizaçãoeRevisão

Nota: Como sabes, um texto de opinião pode ter, para além da sequência argumentativa, outro tipo de sequências

textuais(descritivas,narrativas,explicativase/oudialogais).

Argumento:

Exemplo(s):

Argumento:

Exemplo(s):

Argumento:

Exemplo(s):

8. Numaetapafinal,osalunospoderãocompararassuasduasproduçõestextuais(exercícios

4. e 7.), tomando consciência da sua progressão e da estrutura e característica destes

textoscompredominanteargumentativa.

9. Partindodoexercício7.,poder-se-ãosolicitaroutrastarefasdecaráteroral80,como:

9.1. Umaapresentaçãooral,emquehaveráadefesadeumpontodevista.

78Documentodetrabalhojátestadoemespaçodesaladeaulacomresultadosrelevantes.79Poderemospedirestaatividadesobformadedesdobrávelparasensibilizaçãodacomunidadeescolar.80Todasasatividadesdeverãoserpreviamenteplanificadasepreparadas.

98

9.2. Umdebate,àsemelhançadoprogramatelevisivoPróseContras,comumgrupoafavore

outrocontraeummoderador.

9.3. Simulaçãodefrenteafrente,comummoderador.

Muitassãoasatividadesquepoderãoserativadasemespaçodesaladeaula81.Paranão

nosalongarmosmais,apenasqueremosdeixarmaisumexemplodeatividadequepodeserútil,

vistoqueenvolvetambémodomíniodaEducaçãoLiterária.Passamosaenunciá-la.

1. Imaginaqueésoadvogadodedefesadopolvo(doSermãodeSantoAntónioaosPeixesde

AntónioVieira).82

Redige a tuadefesa.Podes evocar aspetosmaispositivosna suadefesa e circunstâncias

que poderão atenuar a sua culpa, de forma a que a sentença final sejamais leve.Deves

tambémpreverarefutaçãodosargumentosdaacusação.

Em conclusão, cremos que as sequências textuais não deveriam estar programadas

apenas para o 12.º de escolaridade e a dêixis só no 11.º, visto que nos parece visível a

produtividade do trabalho sobre as sequências explicativa e argumentativa para um melhor

domíniodosgénerostextuaisexigidospeloprograma,quernasuacompreensão,quernoatode

produção,escritaeoral.

81No sentido de integrar as atividades de produção, o professor de português tem também à suadisposiçãooProgramadoParlamentodos Jovens, promovidopelaAssembleiadaRepública, emquesepropõem, anualmente, temáticas para apresentação de resoluções que são defendidas e aprovadas (ounão) em assembleia de alunos-deputados. Para mais informações, consultarhttp://www.jovens.parlamento.pt/82Esteexercíciopodeseradaptadonoutrassituaçõesdetrabalhocomotextoliterário,porexemploumapersonagemfazadefesaouaacusaçãodeoutrapersonagem,devidamentecontextualizada.

99

CAPÍTULOIV–CONSIDERAÇÕESFINAIS

Com este trabalho, julgamos ter demonstrado a necessidade de articular o domínio das

sequências textuais com a área das teorias da enunciação no contexto do ensino de língua

materna. Neste âmbito, desenvolvemos uma reflexão teórica sobre a problemática das

sequências textuais e sobre alguns aspetos das teorias da enunciação procurando, depois,

direcioná-laparaavertentedoensino-aprendizagem.

A nossa pesquisa teve como ponto de partida a hipótese de podermos distinguir a

sequência textual explicativa da argumentativa, a partir da sua ancoragem enunciativa, pois

intuitivamente acreditávamos que estas duas sequências, para além da sua estrutura

macroproposicional, sepodiamdistinguirpelamaioroumenorpresençademarcasdeíticas e

polifónicas.

Acontextualizaçãoteórica,comqueiniciámosestetrabalho,envolveuaproblematização

dealgumasnoções,centraisparaanossa investigação:(i)umadistinçãoentreosconceitosde

‘texto’,‘discurso’e‘enunciado’;(ii)umareflexãosobreacomplexaáreadatipologiatextual,que

nos conduziu à caraterização da noção de ‘sequência textual’; (iii) o delineamento das

propriedades e da estrutura macroproposicional das sequências explicativa e argumentativa;

(iv) uma análise (forçosamente parcelar) da área das teorias da enunciação e a necessária

focalizaçãonosdomíniosdadêixis edapolifonia, aparato teóricodequenos servimospara a

partemaispráticadonossoestudo.

Apósestareflexãoteórica,apresentámosametodologiadeanáliseutilizada:oprocessode

recolhadedadoseacaraterizaçãodosinformantes.

Oterceiroeúltimocapítulofazumaleituraquantitativaequalitativadosdadosempíricos

recolhidos.

Podemos agora sistematizar algumas conclusões que podem ser retiradas a partir da

análise desses dados. Os resultados do nosso estudo comprovam que, à caracterização

prototípica destas sequências textuais, podemos juntar critérios enunciativos, associando os

doismódulosdeAdam(2012)“Enunciação(responsabilidadeenunciativa)&Coesãopolifónica”,

(N7),e“Estruturacomposicional(sequênciaseplanosdetextos)”,(N5)(vd.Quadro6).Porum

lado, a nossa investigação demonstrou que a sequência textual argumentativa evidencia,

tendencialmente, mais marcas enunciativas, apontando para uma maior subjetividade e

intersubjetividadedoqueasequênciatextualexplicativaque,apesardemostrarevidênciasda

dêixisedapolifonia,épreferencialmentedefinidapela fracapresençademarcasenunciativas,

primandoporumamaiorobjetividade.Poroutro,osresultadosobtidos,partindodeumcorpus

constituídoportextosdejovensestudantesdo12.ºano,denotamqueháaindatrabalhoafazer,

100

em aula, sobretudo no que toca à sequência argumentativa, pois nem todos exploraram as

imensasvirtualidadesqueosistemaenunciativodisponibilizaparaaconstruçãodemovimentos

argumentativosconsistentes.Apresençadetrêsinformantes(numuniversodevinteesete)que

aindarecorremamarcasdeíticasnumtextodedominanteexplicativa tambémindicaqueesta

sequência deve sermais trabalhada. Isto significa que os alunos intuitivamente têm já algum

domíniodastécnicaslinguísticasautilizarnaproduçãotextual,masqueháaindaespaçoparaa

melhoriaesobretudoparaumamaiorconsciencializaçãometalinguísticaacercadapresençae

da funcionalidade da subjetividade (e dasmarcas linguísticas a ela associadas) em textos que

são, à partida, fortemente investidos de subjetividade ou que, pelo contrário, visam a

neutralidadeeaobjetividade.

Foia tentativadedarumarespostaaestedesafioquenos levouàapresentaçãodeuma

propostadidáticaparaaabordagemintegradadestasquestões.

Os aspetos analisados mostram, assim, a produtividade das teorias da enunciação,

nomeadamentedadêixisedapolifonia,naproduçãoeinterpretaçãodetextos.Poroutrolado,e

embora o domínio das sequências textuais e o domínio das teorias enunciativas abordem

realidades diversas, é nosso entender que é necessário estabelecer uma interação entre estes

doisníveisdeanálise,noplanodidático, jáqueaheterogeneidadetextual (pelomenosnoque

concerneaestasduassequências)tambémdecorredeumdiferenteinvestimentosubjetivo.Do

nossopontodevista,estaarticulaçãopoderáfacilitaracompreensãoeaproduçãodetextospor

partedosalunos,possibilitandoaidentificaçãodesequências,nomeadamentedadominante,ea

construção de planos textuais, orais ou escritos. Defendemos que esta pode ser uma das vias

para que os alunos se tornem melhores alunos e melhores cidadãos, mais autónomos e

confiantes,aodominaremcommaiorconfiançaaleitura,aescritaeaoralidade(nosplanosda

compreensãoeexpressão).

Por último, também nos parece que este estudo se configura como uma contribuição

inédita, no âmbito da linguística do Português Europeu, quer pela análise enunciativa das

sequências textuais que apresenta, quer pela vertente didática que tem em consideração os

novosprogramasdeportuguês,aindatãopoucoexplorados.

Temos consciência de que o trabalho aqui apresentado constitui apenas o início de um

trilhode investigaçãomaisprofundo edemorado edeque,mesmona área emanálise,muito

ficouaindapor fazer,nãosódevidoàs limitações impostasaumtrabalhodestanatureza,mas

tambémporque a áreaque tomámos comoobjetode estudo é ampla e difícil de sistematizar.

101

Emtrilhosdeinvestigaçãofutura,pensamosque,noestudodosgénerostextuais,haveriaa

necessidadedeumtrabalhosobreassequênciastextuaisqueosconstituemprototipicamente,o

queajudarána leituraenaproduçãodosváriosgéneros, sobretudoosgénerosexigidospelos

novos Programas eMetas de Português do 3.º ciclo do ensino básico e do ensino secundário.

Estainvestigaçãopassaria,paraalémdoreconhecimentodasequênciatextualdominante,pela

funçãodassequênciasdeoutrotiponasequênciadominante,pelaarticulaçãodadominantecom

asoutrassequênciasepelacapacidadedeosgénerosse renovarem, tendoemconsideraçãoo

recurso às sequências textuais. De qualquer modo, gostaríamos que este trabalho auxiliasse,

aindaqueapenascomofontedeinspiração,outrosprofessoresdeportuguês.

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