Para pé-de-meia ou mais alunos trabalhar estudam · Para um pé-de-meia ou por necessidade: há...

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Para um pé-de-meia ou por necessidade: mais alunos a trabalhar enquanto estudam O número de trabalhadores- -estudantes vindos de famílias com menos escolaridade aumentou de 2016 para 2017, enquanto a percentagem dos que afirmam estar apenas a estudar desceu 5%. PEDRO VILELA MARQUES Terminado o 12.° ano, e ainda antes de saber se conseguia entrar no ensino superior, Filipe Lourenço decidiu ab- dicar das últimas férias grandes do secundário em nome de um objeti- vo maior: comprar um carro. O jo- vem de 18 anos do Pobral, uma al- deia próxima de São loão das Lam- pas, em Sintra, passou o último verão a trabalhar num restaurante na Ericeira e por lá ficou -e ficará, faz questão de sublinhar - mesmo depois de saber que tinha entrado em Engenharia Naval e Oceânica, no Técni- co. "Mas agora uma vez por semana, ao domingo, para não pôr em causa os estudos."

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Para um pé-de-meia ou pornecessidade: há mais alunosa trabalhar enquanto estudamO número detrabalhadores--estudantes vindosde famílias commenos escolaridadeaumentou de 2016para 2017, enquantoa percentagem dosque afirmam estarapenas a estudardesceu 5%.

PEDRO VILELA MARQUES

Terminado

o 12.° ano, e ainda antes desaber se conseguia entrar no ensino

superior, Filipe Lourenço decidiu ab-dicar das últimas férias grandes dosecundário em nome de um objeti-vo maior: comprar um carro. O jo-vem de 18 anos do Pobral, uma al-deia próxima de São loão das Lam-

pas, em Sintra, passou o último verão atrabalhar num restaurante na Ericeira e porlá ficou -e ficará, faz questão de sublinhar -mesmo depois de saber que tinha entradoem Engenharia Naval e Oceânica, no Técni-co. "Mas agora só uma vez por semana, ao

domingo, para não pôr em causa os estudos."

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-se perfeitamente no retrato ali traçado: hámuito mais jovens de famílias com escola-ridade mais baixa - em que os pais não têmformação superior- a trabalhar e a estudarao mesmo tempo e são bastante menosaqueles que afirmam estar apenas a estudar.A maioria começou a trabalhar para ter in-dependência financeira.

Dos cerca de 67 mil alunos que concluí-ram o ensino secundário em 2017, 63,2%continuaram a estudar em exclusivo, 22%estavam exclusivamente a trabalhar, 6,8%estudavam e trabalhavam ao mesmo tempoe, por último, 6,4% estavam à procura de tra-balho e não estavam a estudar. O prossegui-mento dos estudos deu-se principalmentepara as universidades e politécnicos (paraonde foram mais de 70% dos que prossegui-ram estudos) e para as áreas de ciências so-ciais, comércio e direito, saúde e proteçãosocial e engenharia, indústrias transforma-doras e construção, que representam cercade 67% das escolhas dos alunos.

Dos cerca de 67 mil alunos que concluí-ram o secundário em 20 17, 63,2% continua-ram a estudar em exclusivo, 22% estavamexclusivamente a trabalhar, 6,8% estuda-vam e trabalhavam ao mesmo tempo e 6,4%estavam à procura de trabalho e não esta-vam a estudar

Mas se apercentagem global de trabalha-dores-estudantes não chega aos 7%, dentrodesse universo ela é maior entre os jovensque vêm de famílias com escolaridade igualou inferior ao primeiro ciclo, tendo mesmodado umpequeno pulo de 2ol6para2ol7:houve um aumento de quase 4% dos estu-dantes que nasceram em famílias com me-nos habilitações e que estudavam e traba-lhavam ao mesmo tempo (9,5% face a 5,6%no ano anterior) , enquanto houve tambémuma diminuição de perto de 5% napercen-tagem de jovens que vêm de famílias com es-colaridade inferior ou igual ao I .° ciclo quese encontravam apenas a estudar (71,8%face a 76,6%) . "O facto de haver uma evolu-

Filipe ainda não entra nas estatísticas quea Direção-Geral de Estatísticas da Educaçãoe Ciência publicou há menos de um mês noestudo "Jovens no pós-secundário 2017", quemostra que caminho seguiram os alunos

que acabaram o secundário, mas enquadra-

ção positiva na economia e no emprego ten-de a contribuir para esta subida", explica Elí-sio Estanque, sociólogo do trabalho e inves-

tigador do Centro de Estudos Sociais da Uni-versidade de Coimbra. Ou seja, os filhos defamílias tendencialmente com ordenadosmais baixos aproveitam os bons ventos daeconomia para pesar menos no orçamentodos pais.À procura da autonomia financeiraFilipe Lourenço reconhece que não precisado dinheiro que recebe no restaurante paraestudar ou pagar propinas, mas mais parafazer poupanças e ter alguma autonomiafi-nanceira em relação aos pais - a mãe com o12.° ano e o pai com o 9.°. As questões eco-nómicas, principalmente a autonomia fi-nanceira, foram as mais referidas pelos tra-balhadores-estudantes no estudo agora pu-blicado para terem começado a trabalhar.

A maioria começou a trabalhar para ter in-dependência financeira (64,8%) e porque,apesar de a família não ter dificuldades eco-nómicas, queriam ter o seu próprio dinheiro(31,3%). Mas, ainda assim, apercentagemdos que afirmam ter entrado no mercado detrabalho enquanto ainda estudam devido adificuldades económicas não é de desprezar:equivale amais de um quarto do universo to-tal de trabalhadores-estudantes (27,2%).

As profissões desempenhadas pelos tra-balhadores-estudantes inseriam-se, maio-ritariamente, nos grupos "pessoal dos servi-

ços pessoais, de proteção e segurança e ven-dedores" (62,0%). "Além de haver maisemprego, há também maior flexibilidadenos empregos", continua Elísio Estanque,"com mais ocupações por iniciativa própria,autoemprego, que permite frequentar estu-dos. Há ainda muitas empresas novas queabsorvem quadros mais qualificados e queestimulam à continuação da formação".

No entanto, o relatório publicado no siteda

Direção-Geral de Estatísticas daEducaçãoeCiência mostra que as profissões desempe-nhadas pelos trabalhadores-estudantes in-seriam-se, maioritariamente, nos grupospessoal dos serviços pessoais, de proteção e

segurança e vendedores (62,0%), seguindo--se técnicos e profissionais de nível intermé-dio (9,7%) e só depois os especialistas das ati-vidades intelectuais e científicas (8,7%).O grupo profissional do pessoal dos serviços

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pessoais, de proteção e segurança e vende-dores engloba profissões tradicionais preci-samente na área da restauração, mas tam-bém na estética, limpeza, trabalho domés-tico, prestação de cuidados a animais ouvendas.Maioria trabalha a tempo inteiroOs dados revelam ainda que a esmagadoramaioria dos trabalhadores-estudantes(80,1%) começaram a trabalhar ainda noensino secundário. Curiosamente, quantomenores eram os recursos escolares da fa-mília, mais os jovens integraram o mercadode trabalho mais tarde. E quanto mais ele-vadas eram as habilitações escolares das fa-mílias destes trabalhadores-estudantes,mais estes começaram a trabalhar antes determinarem o ensino obrigatório.

Bárbara Sousa, 23 anos, encaixa-se perfei-tamente neste perfil. Filha de pais com for-mação superior, começou a trabalhar comoempregada de mesa ainda no secundário esó parou no último mês, para conseguir ter-minar atese de mestrado em Bioquímica."Trabalhava por gosto pessoal, estava sem-pre ocupada, e para ter dinheiro para osmeus gastos pessoais, claro, para não ter deandar sempre a pedir aos meus pais", contaa estudante da Universidade de Aveiro, quejá tem garantida uma bolsa para continuara investigação na sua área.

Tal como Filipe, também Bárbara só tra-balhava aos fins de semana, ainda assim osuficiente para conseguir ganhar entre 300 e400 euros por mês. Mas o estudo da Educa-

ção revela que os trabalhadores-estudantesa tempo parcial até são uma minoria ( 1 0,2%) ,

e quase 70% deles trabalham a tempo intei-ro, "o que não é expectável, uma vez queestes têm de conciliar os estudos com o tra-balho".

Está tudo desajustado:a maioria dos jovensestudam em exclusivo.E quem trabalha fá-loa tempo inteiro, apesarde continuar a estudar.

3,9PONTOS PERCENTUAISfoi o aumento que houvedos trabalhadores-estudantes.Isto tem que ver, também,com as melhorias económicase as maiores oportunidadesde emprego.