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i^nHai^i mFmm, i\k WÊÊmmsxm SENADO FEDERAL «SUBSECRETÁRIA DE EDIÇÕES TÉCNICAS OUTUBRO A DEZEMBRO 1980 ANO 17 • NÚMERO 68

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SENADO FEDERAL SUBSECRETRIA DE EDIES TCNICAS

OUTUBRO A DEZEMBRO 1980 ANO 17 NMERO 68

REVISTA DE INFORMAO LEGISLATIVA

I. 17 n. 68 - outubro/dezembro 19BO

Publlcalo trimestral d.8ubeecretarla de EdlOM T6cnJcas

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R. Inf. leglsl. Brasrlla 8. 17 n.68 out./dez. 1980

Os conceitos emttldcs em artigos de cotabora&odo de responsabl:ldade de seus autores

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Revista de Inf

SUMARIO

OOLABORAAO

Pigo

Do constitucionalismo - suas origens e sua afirmao - Nail Russo-mano de Mendona Lima o o o................. 5

Reflexes sobre o princpio da separao de poderes: o parti pm deMontesquieu - Jos Geraldo de SoUt~a Jnior o o 15

Sobre os direitos humanos no Estado intervencionista - Alcino PintoFalco o o o o..... 23

Imunidades parlamentares - Jos Alfredo de Oliveira Baracho 33

O congestionamento do Supremo Tribunal Federal e da Suprema Corteamericana - Torquato Lorena Jardim ... o o 65

O sufrgio universal - .Ronaldo .Rebello Britto Poletti 79

Representao popular - Owaldo Melo ooo..... 137

Partidos polticos brasileiros - Otvio Mendona 145

Garantias do Ministrio Pblico Federal - Arx Tourinho 157

Juizado de instruo francs: subsdios para sua adoo pelo Direitobrasileiro - Carlos Alberto Provenciano Gallo 169

Direito de visita - Fbio Maria de Mattia 179

Os excepcionais, principalmente os cegos, e o Direito de Autor - An-tnio Ohaves o 199

Comunicao por satlite - Carlos Alberto Bittar 209

"Leasing" - otto de Andrade Gil o o 217

DOCUMBNTAAO

Emenda Constitucional nQ 14, de 9 de setembro de 1980

- Histrico (tramitao legislativa) o 233

- Manda.do de segurana impetrado pelos Senadores Itamar Francoe Mendes Canale .. o o o oo. . . . . .. 279

PUBLICAES

Obras publicadas pela Subsecretaria de Edies Tcnicas . o 341

R. Inf. legitl. Broailia G. 17 n. 68 Ollt./"Z. 1980 3

COLABORAAO

Do constitucionalismosuas origens e, sua afirmao

NAIL RUSSOMANO DE MENDONA LIMAProfessora de Direito Constitucional eChefe do Departamento de Direito do Es-tado na Faculdade de DireIto da Univer-

sJdade Federal de Pelotas - RS.

SUMARIO

Origens

Antigidade

Idade Mdia

EBtado Moderno

Estado Contemporneo

Origens

A afirmao do Estado de Direito efetuou-se, concretamente, nodecurso do sculo XVIII. A evoluo politica e social que, naquele pe-rodo, se ops ao absolutismo teve como finalidade a criao de gover-nos moderados e sua submisso s Constituies escritas. Sua expressorenovadora e inovadora materializou-se atravs dos movimentos revo~lucionrios norte-americano e francs que, por ~ma positividade, exercerem grande influncia no cenrio estatal, alterando antigos valores,desfazendo outros e estabelecendo profundas modificaes na Histriados povos do Ocidente.

Fixou-se, a partir dessa poca, em carter definitivo. a idia de umaConstituio escrita, alicerando a organizao estatal e os direitos dapessoa humana. Firmou-se, enfim, a linha de pensamento conhecida co-rno constitucionalismo.

R. Int. Ieg.... a_IIa a. 17 n. 68 out./da. 1980 5

A conscincia jurdica e social da necessidade de uma Lei Bsica,superior e anterior s demais, tem, em realidade, suas razes em po-cas remotas.

De acordo com a lio de AFONSO ARINOS DE MELO iFRANCO,esta evoluo - estendida, em sentido amplo, desde sua gnese at suaconcretizao - abrange os seguintes perodos:

1 - Antigidade;

2 - Idade Mdia;

3 - Estado Moderno - em que se inserem o Estado Renascentis-ta e o Estado Absoluto;

4 - Estado Contemporneo.

1 . Antigidade

Vi&ando a desdobrar cada um dos perodos referidos, focalizaremos,em seguimento ordem cronolgica, a Antigidade.

Nela, encontramos um dos primeiros legisladores da Histria -MOISS -, que emerge no alvorecer das civilizaes na condio deautor de preceitos que teriam influncia poltico-jurdica nos povos pri-mitivos e, ainda, em nossos tempos. JORGE WEBER, em sua HistriaUniversal, afirma que "as leis mais importantes do Pentateuco proce-dem, sem dvida, do grande MOISl1:S".

AMPERE, citado por GALANTI, diz que "MOISS possua uma cul-tura cientfica igual do sculo XIX ou era inspirado". Em verdade,sua influncia foi to incisiva entre os povos hebraicos que GARRAUD,em seus estudos, concluiu que o uso das leis de MOISS se tornou ins-pirao dos livros de HOMERO, renetiu~se nos costumes primitivos deRoma, incidiu sobre as tradies dos gauleses e eslavos. Lembrando aassertiva de MEYER, assevera que a "lei mosaica teve considervel In-fluncia sobre o Direito Penal da Idade Mdia".

Autores h, como JAYME ALTAVILLA, que adotam posio maisradical. Para estes, a constituio poltico-religiosa do Velho Testa-mento no se limitou a influenciar as instituies jurdicas da Anti-gidade e da Idade Mdia, mas, antes, foi alm, deixando sua marcano prprio Direito Moderno. Para verificar a veracidade desta afirma-o, basta que observemos alguns traos da legislao sob anlise. De-terminou noes de justia. Elaborou critrios de educao e cultura.Estabeleceu o descamo semanal. Criou dispositivos pertinentes ao Di-reito Internacional. Formulou conceitos processuais e princpios cons-titucionais.

Desta maneira, atravs do gnio de MOISS, os hebreus, emborarudimentarmente, projetaram suas normas atravs dos sculos, fazen-

6 R. Inf. legill. BrCllliCl o. 17 n. 68 OUt./"ll. 1980

do com que o escritor, ao ineluir as regras do mosasmo entre as legis-laes antigas, declarasse: "Os acordos das legislaes modernas soressaibos dessa poca."

Ainda na Antigidade, dois mil anos antes de CRISTO, na Meso-potmia, HAMURABI estratificou seu Cdigo, famoso pelo sentido deseus dispositivos.

Para que tenhamos uma noo ntida de sua alta valorao jur-dica e moral, basta que distingamos uma norma, reveladora de todaa acuidade e de toda a psicologia daquele legislador.

Acha-se ela exarada na ltima diviso do Cdigo em foco e diz res-peito fixao do saldrw mnimo, que considerada, contemporanea-mente, uma das maiores conquistas do Direito do Trabalho.

Da ndia distante, veio~nos o Cdigo de MANU, inspirado em BRA-MA. Elaborado dez sculos depois do de HAMURABI, no obteve a pro-jeo daquele, cingindo-se de modo mais eJq>ressivo aos limites do mun-do hindu, onde, porm, no se deixou de acentuar a importncia social,econmica e tica do trabalho.

Em sintese, o Cdigo de MANU, praticamente, no inovou, nemaperfeioou nenhum preceito de Direito ou de Justia.

Sua incluso neste retrospecto, pois, vale apenas pelo historicismo,tanto que certos filsofos e doutrinadore.s omitem este documento entreos principais da legislao da Antigidade.

Fo entre os romanos que, pela vez primeira, se utilizou a palavraConstituio. Para a lei constitucional, usavam eles a designao de"constitutione". Da surg;u, na It1ia, durante o sculo XVIII, a ex-presso "costituzione", simbolizando, em sua traduo em diferentespases, a Lei Bsica do Estado.

Precisamente em Roma, no perodo histrico sob nosso enfoque, oDireito assumiu sua maior expresso, fruto do elevado senso jurdicodominante.

Formularam-se ntidos conceitos de Direito Constitucional, embo-ra este ramo do Direito s tivesse obtido seu carter cientfico com O'constitucional1smo clssico do sculo xvrn.

Assim, rudimentarmente embora, esboou-se o controle da consti-tucionalidade das leis. No obstante, foi no campo do Direito Privado-

R. Inf. Iqill. Brasil" a. 17 n. 68 out.tdez. 1980 7

em especial do Direito Civil - que os romanos atingiram seu mais altonvel. O que, em verdade, no lhes subtrai, nem diminui o relevo queapresentaram na rbita do pensamento jurdico, glG~almente visuali-zado.

Dentre suas construes, alis, reponta a Lei das XII Tbuas, omais importante e sucinto Cdigo de que se tem memria e o que maisinfluenciou o Direito atual. Simboliza a proto-histria da liberdade. Suaredao breve facilitou sua aplkao. Referindo-se amplamente a v-rios setores e a relaes vrias, tal como o devem fazer os textos cons-titucionais, tDrnDu~se ajustvel a distintas situaes e, pois, capaz deadequar-se s necessidades novas que fossem, gradativa e inexora.vel-mente, surgindo.

Por tudo isto, a Lei das XII Tbuas, na expresso do escritor, foipara o mundo tal qual a charrua de RMULO, tendo o destino de de-limitar, em seu modelo, as eternas fronteiras do Direito Universal.

2. Idade Mdia

Durante a Idade Mdia, anseios e aspiraes do homem, toda suacapacidade criativa, enfim, seu nvel especulativo, restringiram-se acertos ambientes. A cultura tornou-se "hermtica". Da por que, aindahoje, em nosso meio, se emitem afirmaes inslitas, dizendo-se, porexemplo, que esse perodo histrico, escassamente promissor, amorteceuaquelas dimenses. da pessoa hUmana. Estas afirmaes, entretanto,ressentem-se de invalidade, eis que, realmente, as elucubraes do racio-cnio tiveram profunda penetrao, para, superada aquela fase, se pro-jetarem tambm em extenso, rompidos que foram os limites gerado-res do referido "hermetismo cultural". .

No se pode negar que, em realidade, o pensamento se achou, du-rante aquele lapso de tempo, limitado pelo misticismo e pela religiosi-dade. No entanto, se da advieram seqelas negativas, outras surgiram,alta e compensadoramente positivas.

Desta maneira, a filosofia poltica medieval foi drenada para a te0-ria do Direito, donde a conceituao dos direitos da pessoa humana -contribuio crist das mais expressivas, eis que dignificou o individuoque, no Estado da Antigidade, ainda no surgira como valor isolado,integrando~se no conceito do grupo.

Dentro deste perodo, cumpre relembrar a filosofia de TOMAS DEAQUINO e as concepes polticas que surgiram aUceradas no Di-reito Natural relativo.

A filosofia crist, enfim, reconhecendo o homem como depositriode direitos intangiveis ao poder temIX>ral, construiu as vigas mestrasda estrutura estatal que, sob o principio do liberalismo, firmaria o Estado Moderno. .

8 R. Inl. legid. Brotli. G. 17 n. 68 out./eI.z. '980

No decurso do sculo XIII, o Papa GREGRIO IX realizou a pri-meira Codificao do Direito Cannico, cujas normas diziam respeito,apenas, s ordens religiosas.

Conforme a doutrina pacificamente acentua, no havia, ento, umambiente propicio a uma noo ntida de Constituio, como Lei Maiordo Estado. O fenmeno decorria da debilidade do prprio Estado, com-primido pela influncia do Papado. Numa palavra, pelo predomnio daIgreja.

Neste nterim, teve inicio, em terras da Europa, a revoluo c0-mercial que, pela sua importncia, tanto econmica, como social e po-litica, permitiria a formulao da teoria do mercantilismo, que forta-leceria o Poder Real, servindo de base ao fortalecimento das monarquiasnacionais e, posteriormente, do absolutismo.

No obstante, se, em plena Idade Mdia, atravessssemos o Canalda Mancha, chegando Inglaterra, ali encon~rariamos, em 1215, o do-cumento que, em que pese s contradies doutrinrias sobre sua na-tureza jurdica, apresentava a feio de uma legitima Lei Fundamental.

Trata-se da Magna Carta, jurada por JOAO SEM TERRA, quartofilho de HENRIQUE li e de LEONOR da Aquitnia, que no havia sidocontemplada pela herana paterna, e que, antes de ser rei, fora go~vemador da Irlanda.

Este juramento decorreu das lutas travadas entre a Coroa e o povoingls, tendo sido considerado, o documento em si, no panorama oci-dental, como de decisiva importncia, acentuando, em nosso meio,PINTO FERREIRA que o mesmo "encerrou uma poca histrica e abriuoutra, devendo ser entendido como a crislida ou o modelo imperfeitodas Constituies posteriores".

Simbolizando, embora, significativa conquista constitucional dahumanidade, justamente por ser um modelo imperfeito, juristas e his-toriadores h que no lhe emprestam o mesmo valor.

ANDIU: MAUROIS, por exemplo, acentua que "a Magna Carta es-teve longe de ser um documento popular. tanto que no foi traduzidapara o ingls antes do sculo XVI, tendo sido jurada no sculo XIII".

No foi - de frisar-se - apenas esse retardamento na traduodo latim para o ingl9 que retratou a carncia de seu carter popular.Retratou-a, sobretudo, o fato de que, dos sessenta e sete artigos quenela se contm, apenas doze beneficiavam o povo. Os restantes diziamrespeito ao clero e nobreza ... E retratou, ainda, aquela carncia ofato de que foi legitimamente consagrada cinqenta e dois anos apsseu juramento por JOAO BEM TERRA...

R. Inf. leglll. lra.mel ti. 17 n. 68 aut./". 1980 9

De resto, nem sempre foi dispensado quele documento o respeitodevido. Lesaram-no muitas vezes. Ignoraram-no ou relegaram-no a umsegundo plano em no raras ocasies.

No entanto, apesar de tudo e apesar de todos, a Magna Carta teveo dom de impor-se, ainda no decurso do perodo medieval, esquemati-zando princpios que se inseriram no panorama jurdico da Inglaterra eque estenderam sua influncia aos demais pases ocidentais.

Em derradeira anlise, em pleno sculo XIII, o esprito jurdico edemocrtico do povo ingls ofereceu ao mundo os alicerces do consti-tucionalismo, entregando aos povos livres a Carta - modelo das li-berdades constitucionais.

3. Estado Moderno

As divergncias que, durante o perodo medieval se sucederam, me-diante atritos entre Igreja e Estado, prejudicaram a serenidade in-terna e externa dos povos. Das lutas - como se infere, externas e in-ternas -, surgiu uma nova organizao estatal, firmada na teoria doMercantilismo, e que caracterizou o denominado Estado Moderno.

A humanidade despertou para grandes e marcantes realizaes ar-tsticas e filosficM. A cultura, enclausurada era medieval, rompeubarreiras e expandiu-se, eivada de concepes greco-romanas. Era oRenascimento que despontava, assinalando a primeira etapa de umaoutra poca que seria marcada, posteriormente, pelo absolutismo.

Este, por sinal, mergulha suas razes no sculo XVI, eis que os in-convenientes da organizao feudal foram ento compreendidos emsua exata extenso. Formularam-se novas teorias e doutrinas. Repon-taram os nomes de MAQUIAVEL e de BODIN.

Conforme ensina AFONSO ARINOS DE MELO FRANCO, por viade conseqncia, firmaram-se, ento, entre outros, os seguintes pon-tos principais:

a) centralizao do poder do Estado, pondo fim s estruturas me-dievais~

b) soberania do Estado, com as caracteristicas peculiares poca;

c) limitao do poder estatal (autoUmitao), mediante a fixaode normas fundamentais.

De todo este contexto, haveriam de surgir mais desvantagens doque benefcios.

Favoreceu-se a ditadura de CROMWELL, na Inglaterra, e condu-ziu-se o Absolutismo ao exagero, que haveria de chegar a seu clim8Xlem Frana, durante o reinado de LUS XIV.

10 R. Inf. legisl. Bra.lia a. 17 1lI. 68 oul.! 1980

Entretanto, no sculo seguinte, JOHN LOCKE (apontado como o"pai das idias liberais"), ao publicar seu livro Ensaio sobre o GovernoCivil, em 1690, deu expressivo passo rumo a um regime verdadeira-mente constitucional e democrtico.

As teses que defendeu e que se tornaram clssicas, influenciaramo pensamento de vrios doutrinadores. Principalmente, o de MONTES-QUIEU (CHARLES DE SECONDAT). Este imprimiu-lhes maior nitideze amplitude, dando bases exatas ao ideal juridico-politico daquele mo-mento histrico e apontando o rumo que nortearia as revolues norte-americana e francesa do sculo XVIII, sobretudo atravs das pginasde Do Esprito das Leis.

Foram, na realidade, os filsofos iluministas, adeptos da teoria doliberalismo - que sucederia, no plano terico, a teoria do mercanti-lismo - que delinearam os alicerces do Constitucionalismo Clssico, es-truturador do moderno Estado de Direito. Dentre eles, distinguiram-seVOLTAIRE, ROUSSEAU, SIEYES.

FRANOIS MARIE AROUET, Le Jeune, filho de abastada fam-lia parisiense, desde os 23 anos de idade, tornou-se assduo freqenta-dor da priso da Bastilha, onde reivindicava a liberdade do povo. Sobo pseudnimo de VOLTAIRE (anagrama construdo, como sabido, comseu prprio nome), ficou conhecido como um dos elementos mais re-presentativos do chamado "Sculo das Luzes". Homem de esprito pene-trante e irnico, de conhecimentos polimorfos, no foi somente o fil-sofo da Histria, mas, tambm, mordaz inimigo da Igreja. Influencia-do pelas idias de LOCKE, tendia para uma monarquia esclarecida.No sendo propriamente um democrata, afirmava, contudo, que os ho-mens so dotados, pela natureza, de direitos iguais quanto liberdade, propriedade e proteo das leis.

JEAN-JACQUES ROUSSEAU simboliza, na verdade, um precursorna dimenso das teorias polticas. Pouco teve de moderado, chegandosua influncia, inclusive, a um dos perodos mais radicais da RevoluoFrancesa - o da Conveno. Foi, de lembrar-se, o nico iluminista apropor o sufrgio universal como a forma de garantir a liberdade detodos, idia que expe, a par de tantas outras, no Contrato Social.

Enfim, EMMANUEL J. SIEYES, abade, formulou com preciso aTeoria do Poder Constituinte, em seu notvel panfleto - Que o Ter-ceiro Estado?

Atravs dele, colocou expressiva tnica sobre a necessidade da Cons-tituio escrita, obra do Poder Constituinte Originrio, autnomo e, emprincpio, incondicionado.

Seu livro, enfim, serviu de pano de fundo ao esprito revolucio-nrio do povo francs, em sua luta contra o absolutismo. Simbolizou,numa palavra, de acordo com MANOEL GONALVES FERREIRA FI-LHO, o manifesto da Revoluo Francesa, estando para esta, como est.o de MARX para a Revoluo Russa.

R. In'. legi.l. Ira.ma a. 17 n. 68 out./dez-. 1980 11

Ainda naquela fase de luta contra o antigo regime, sallentaram-se os que ajustaram a doutrina econmica ao liberalismo.

Enquanto, pois, o mercantilismo no chegou a formular uma dou-trina econmica, o liberalismo econmico constituiu-se na primeira es-cola de economistas, teoricamente estruturada.

Entre os principais economistas, salientaram-.se QUESNAY, fun-dador da Escola, GOURNAY, a quem se atribui a clebre frase - "lais-sez falre, laissez passer" -, e ADAM SMITH, escocs, realizador de umaverdadeira fundamentao terica do capitalismo contemporneo.

Foi nesse perodo, em 1751, que dois iluministas, DIDEROT eD'ALEMBERT, conseguiram reunir os trabalhos de 130 doutrinadorese tericos, na obra A Grande Enciclopdia das Cincias, das Artes e dosOficios.

Erigira-se, ento, um decisivo marco na luta contra o absolutismoe, consoante ARNALDO iFASOLI FILHO, muito especialmente, contra aopresso exercida pelo clero e que fora colocada em cheque, tanto nasregies metropolitanas, como nas colnias.

Ainda naquele lapso de tempo, o absolutismo europeu embebeu-sedas idias propagadas pelos filsofos iluministas. Acataram~nas diversossoberanos, resultando da reformas de carter social. Houve, nestes pa-ses, a "reforma do Estado pelo Estado".

Caracterizou-se este movimento como sendo o "despotismo escla-recido", cujos mais famosos representantes foram FREDERICO II, daPrssia; CATARINA lI, da Rssia; JOS II, da Austria e o Marqus dePombal, em PortugaL Embora os soberanos - ou ministros - tenhamendossado as teses iluministas, dando origem a um regime de governotpico do sculo XVIII, no fundo, visaram a assegurar a continuidadede seu poder, j agora ajustado s novas contingncias histricas.

Ao fim e ao cabo, porm, o sculo XVIII escoava-se, conduzido pelateoria do liberalismo, pela Filosofia Racionalista, pelo constituciona-lismo.

Nascia o Estado Contemporneo.

4. Estado Contemporneo

Marcou o Estado Contemporneo a dominncia das Constituiesescritas, nele repontando, como j tivemos oportunidade de observar, ainfluncia decisiva dos movimentos revolucionrios norte-americano efrancs.

12 R. Inf. legill. BrClllia a. 17 n. 68 oul./dp. 1980

A Declarao dos Direitos do Homem e do Cidado, de 1891, embo-ra no prioritria no tempo, foi a grande fonte inspiradora de normas,que, hoje, simbolizam mais do que um patrimnio histrico, mais doque um patrimnio da pessoa humana, porque representam um patri-mnio da prpria humanidade.

Tiveram incio, quela poca, os "ciclos constitucionais", que nosmostram, em sew detalhes, o evolver do constitucionalismo.

"Ciclo constitucional", como no-lo assevera PINTO FERREIRA, a srie de fenmenos harrnonicamente desenvolvidos num determinadoEstado, em seu plano estrutural, e que se caracteriza por sua autenti-cidade, pela marca peculiar, pelo fato de apresentar-se como modeloante outros Estados.

1: de observar-se que houve um "ciclo constitucional" muito antesdo perodo que nos encontramos a visualizar, ou seja, o ingls. Suas ori-gens encontram-se, consoante observamos. na Idade Mdia, traduzin-do-se sua especificidade, de maneira primordial, pela influncia dos cos-tumes, dos usos e das tradies, cmentados ao largo dos sculos, quevieram a criar a tcnica da monarquia parlamentar.

Os "ciclos constitucionais" paralelos ou sucessivos, individualiza-dos mas no exclusivos, como foi aquele, tiveram suas razes, insis-timos, no sculo XVIII.

Bem no-lo comprovam o "ciclo constitucional norte-americano" -do qualadveio a tcnica da repblica presidencial e federativa, bem co-mo a afirmao definitiva do controle judicial da constitucionalidadedas leis e o "ciclo constitucional francs", que apresentou ao mundo atcnica da repblica parlamentar, eis que ambos - ciclos constitucio-nais norte-americano e francs - so coincidentes, de alto a baixo, como surgimento do constitucionalismo.

Posteriormente, na organizao constitucional dos povos, insinua-ram-se outros "ciclos constitucionais".

H, destarte, o "ciclo constitucional germnico", iniciado aps aPrimeira Grande Guerra e que provocou a superao da democracia U-beral, afirmando os novos direitos, os direitos econmicos e sociais. Numapalavra, a democracia social.

E h, ainda, como refere o jurista, o "ciclo constitucional soviti-co", cujas origens tambm, semelhana do anterior, se encontram pr-ximas de ns, porquanto se iniciou com a Revoluo Russa de 1917.Tendo .estabelecido o socialismo proletrio e a planificao estatal, peculiar URSS e aos pases por ela influenciados, econmica e polltlea-mente, no se tendo amoldado, em sua essencialidade, por contrastesideolgicos, s democracias ocidentais.

R. IlIf. legill. IhOllia a. 17 68 out./de.ll. 1910 11

5. Considerao final

Resumida e superficialmente, este foi o caminho seguido pelo cons-titucionalismo, ao longo dos tempos.

Partindo de formas simples, atingiu, progressivamente, maior com-plexidade e amplitude maior. Alcanou sua caracterizao cientficapara, nos tempos atuais, chegar generalizao de suas teorias.

Ressaltou-se, portanto, o predomnio das Constituies escritas so-bre o ordenamento jurdico de cada Estado - com todas as conseqn-cias positivas que da advm -, afirmando-se, como j o acentuamos,o constitucionalismo.

Atravs deste ligeiro retrospecto, podemos concluir que as conquis-tas dos povos democrticos tm suas origens no Direito dos povos de r0-das as pocas, sendo, numa palavra, a sntese das realizaes sociais, ju-rdicas e polticas da humanidade.

Por tudo isto - por seu sentido e por sua alta valorao -, afir-mado hoje, ser confirmado no amanh. Tudo porquanto, em que peses inelutveis mutaes e adaptaes s novas necessidades, o consti-tucionalismo esteve sempre sublinhado por um denominador comum:o de buscar a efetiva realizao do Direito e a adequao da Liberdade- abstratamente considerada - s exigncias fundamentais do serhumano.

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RUSSOMANO, Rosah - C1ll'8O de Direito Constitucional. Rio, Ed. FreitasBastos, 1978.

14 R. Inf. leglll. Braslia o. 17 n. 68 oul./dez. 1980

Reflexes sobreo princpio da separao de poderes:o "parti pris" de Montesquieu

JOS GERALDO DE SoUZA JUNIORPeBqu1Ba.dor e Integrante do programade p6s-gra,duao em DIreito e Estado

da UnB.

SUMARIO

I - Introduo

TI - Alguns aspectos da evoluo do problema

m - Um breve reparo histricoIV - O parti prls de Montesquieu

V - Constdera6es ftnat8

I - Introduo

Toda a doutrina do liberalismo est sustentada no dogma da separao depoderes e, de modo bem cristalizado, o seu ingresso formal na estrutura positivadas Constituies data da Constituio francesa, que repete o artigo 16 da De-clarao dos Direitos do Homem:

"Toda sociedade que no assegura a garantia dos direitos nem aseparao de poderes no possui Constituio."

O liberalismo e, bem assim, o princpio de separao, que o seu esteio,sofreram, historicamente, embates e vicissitudes que alremram sobremodb suavalorao, marcando-lhes fases caractersticas enquanto evoluo do pensa-mtnto e da prtica constitucional. Do sculo XVIII aos dias de hoje, a ptinada Histria alterou o matiz do princpio, envolvendo-o no halo idealizado dasconstrues que se ligam luta pelos ideais de liberdade poltica. Sem dvida,representou o seu papel histrico. Agora, necessrio que se tenha claro, asua qualidade de tcnica submetida aos requisitos novos de equilbrio politicoe acomodao a esquemas constitucionais, cuja doutrina j no assenta emrazes preponderantes de formalismo, sob pena de que ele venha a se tomar

R. In'. lei'''. IMlma a. 17 n. 68 o.....II1u. 1980 11

a contradio dos direitos SOCIaIS, em condies de ser utilizado como meca-nismo eficiente de todas as foras conservadoras e reacionrias em oposio concretizao destes direitos, como tcnica obstrncionista do avano e do p~gresso das instituies.

Sob este aspecto, o constitucionalismo moderno afasta-se da direo doindividualismo tradicional, favorecido e amparado pela separao clssica ~claramente, enveredada pelos caminhos do social - "ao sopro do socialismo"como j antecipara RUI -, visando no apenas a afianar ao homem os seusdireitos fundamentais perante o Estado (princpio liberal), mas sobretudo aresguardar a participao do homem na formao da vontade do Estado (prin-cipio democrtico) e a conduzir o aparelho estatal para uma democracia efetiva,que pressupe nOvas tcnicas de distribuio de poderes, de resto, o nicomodo de realizar o princpio de que "todo o poder emana do povo".

11 - Alguns aspectos da evoluo do problema

O principio da separao dos poderes no resiste, em confronto de teoriasmais modernas, ou mesmo, diante de algumas tcnicas presentes em textos cons-titucionais, defesa do seu rigor doutrinrio ou de sua romntica tradio.

Destas tcnicas, que alguns consideram sistema de freios e contrapesos,constituindo um mecanismo corretivo dos efeitos do princpio da separao,podem ser extrados exemplos que assinalam a tendncia da prtica constitu-cional, voltada para a busca de equilbrio da estrutura de poder do Estado.

O veto, a aprovao de determinadas nomeaes, o controle da consti-tucionalidade das leis, o indulto, o processo legislativo compreendendo a ela-borao de leis delegadas, de decretos-leis, a substituio do Congresso ou desuas Casas aos Tribunais, no julgamento de determinados crimes, especialmenteos de responsabilidade, o estabelecimento de regras de funcionamento, atravsde regimentos, entre vrios outros exemplos, atestam o mecanismo de inter-ferncia e de interpenetrao das esferas de competncia do Legislativo, doExecutivo e do Judicirio, demonstrando a inexistncia de paredes doutrinriasque os conservem, CCI!lOO ilhas ou como arqujplagos, na melhor~ alheios realidade constitucional, para j no falar dessa outra realidade mais con-creta que compreende a sntese de mltiplas detenninaes - econmicas,sociais e politicas -, sugerindo os ntidos contornos do poder, efetivamenteconsiderado. Ainda no semestre passado, tive o ensejo de discorrer sobre opapel dessas foras sociais, neste sentido de poder criador.

Os tericos do Estado, modemamente, afastam-se, pois, desse tipo deesquema mecanicista ou estratificador da ordem poltica. Se se pode criticar oaceito de suas elaboraes, no se pode, de outra parte, deixar de reconhecerque as suas concepes evolvem para acentuar a solidariedade ntima dasinstituies polticas e demonstrar que o Estado moderno est revitalizado deprincpios mais profundos e democrticos que reconciliam a personalidade como poder.

De um lado, sustentando a preservao da unidade do poder, est o pu-blicista alemo JELLINEK, que afirma a indivisibilidade do poder, pois este

16 R. f"'. f.gi... Brallicl a. 17 n. 68 out.Jdu. 1980

no se divide subjetivamente, nem mesmo como atiVlidade; o que se divide oobjeto do poder, ao qual se dirige a atividade estatal. Quando muito h divisode competncia; nunca, porm, diviso de poderes.

De outro lado, aparecem os defensores da separao relativa, com supre-macia do Legislativo, que reconhecem a separao subjetiva de rgos quelevam a efeito as distintas funes estatais, de vez que a completa separaode poderes levaria dissoluo da unidade estatal e ao dilaceramento do corpodo Estado (BLUNTSCHLl). Tais defensores das doutrinas chamadas orga~nicistas, entre eles SAVIGNY e GIERKE, sem embargo da honestidade comque a abraaram e sustentam e do amor que tenham liberdade, no puderamevitar as crticas que se lhes fizeram aos fundamentos pelo que conteDham delimitao liberdade individual e de favorecimento ao arbtrio absolutista.

De toda sorte, o cerne do problema hoje, ressalvadas as solues que noextrapolam o sentido nominalista que nelas se contm, essa questo oon~vertida da liberdOOe contra o Estado ou, de outro modo, da liberdade no Estado.De maneira que a tendnoia OOJlItempornea a de procurm- formas de supe-rao que constituam uma ordem qualit&tivamente su.perior deii:aDizao pOl-bica do E~o e que rompam com o fOlTIl3lismo jurdico ense' de incomu-nicabilidades pretensas em benefcio de um processo real e prameipao anvel poltico. A nvel da superao da antinomia indivdu~Estaao, reporto-me tentativa de interpretao do papel das foo-as SOOia.'i5 como fonte do Direito.A nvel concreto das tendncias atuais de soluo vivel desses cemas, oalvitre parece encaminhar-se para as altemativoas de formas ~ taristas,mais conrentneas .s exigncias do Estado moderno.

De qualquer maneira, o alcance compreensivo de todos estes problemasnunca ser cabal enquanto no se tiver precisado o "parti pris" de MONTES.QUIEU e as categorias que este tenha estabelecido para pensar a Histria quevivia e a realidade que pretendia interpretar.

IH - Um breve reparo histrico

:E: clebre o texto contido no Captulo VI, do Livro XI, Do Esprito dasLeis, e bem conhecida a teoria que pretende que todo bom governo h quedistinguir rigorosamente o Legislativo do Executivo e do Judicirio. Bem C~nhecido, tambm, o fato de que MONTESQUIEU, para a sua racionalizaodoutrinria, havia se inspirado na anlise da realidade poltica e constitucionalinglesa que j adotara o princpio. A ressalva questo da fonte vem a pr~p6sito do eventual estabelecimento do "parti pris" de MONTESQUIEU, pois,como se sabe, alguns renomados pensadores tm pretendido que MONTES-QUIEU, para a elaborao das bases tericas do princpio, ou bem laborousobre um equvoco de interpretao e, neste caso, o mais fecundo equvoco dahistria das idias polticas (v. MIRKINE-GUETZ:E:VITCH), ou distorceu,deliberadamente, essa mesma realidade, servindo talvez a determinados inte-resses de classe.

Adiante meu propsito tentar estabelecer tal "parti pris". Antes, neces-srio um retrospecto da situao histrica em que germinaram essas idias.

R. Inf. I.,ill. Brallia a. 17 n. 68 out.l.... 1980 17

Conforme descreve BNAVIDES, a Inglaterra, com os seus bares e suanobreza nunca ofuscada, no abolira o feudalismo e o rei no lograra ainda,ou jamais, abater a aristocracia e sujeit-Ia ao seu domnio, como no continente,onde o monarca, depois de destruir a supremacia feudal dos fidalgos, se colocaraostensivamente em contraposio s classes no privilegiadas. :e que nas ilhasbritnicas os bares feudais se aliaram ao povo, para combater as pretensesdo absolutismo real, precisamente ao contrrio do que se deu na Europa, onde(} rei teria pactuado com as classes populares para everter a independncia, aliberdade e o poderio da nobreza, liquidando-a politicamente.

Entre o rei e o povo j no medeava, pois, aquela aristocracia feudal decabea erguida, seno fidalgos pensionistas da munificncia real, aduladorescortesos que conservavam to-somente (} pomposo brilho de seus ttulos e quealimentavam sua pretensa altivez na tradio j deposta das antigas g16riasfeudais.

O hiato profundo que se formou entre (} rei e (} povo, depois de abatida,portanto, a independncia poltica da nobreza, deu revoluo liberal-demo-crtica europia feio inteiramente distinta daquela que ocorreu na Inglaterra.

Os povos europeus pediam tambm a liberdade tanto quanto o ingls.E no exemplo das bem sucedidas reivindicaes inglesas do sculo XVII, queinstauraram definitivamente o sistema liberal, buscavam a base terica de suasaspiraes.

Foram encontr-Ia ao engendrarem a tcnica da diviso de poderes, poisa unidade do poder, Se abertamente esposada, como na Inglaterra, por parte daaristocracia, implicaria, no continente, em sua remoo do monarca para opovo. Queriam assim evitar que o poder recasse no povo. Estabelecida. aantinomia roberano-povo, do seio deste destaca-se uma clalSSe: a burguesia. Estapretende escalar o poder, amparando-se constitucionalmente na tcnica sepa-ratista.

Este quadro, pintado com palavras talvez um pouco adjetivas de BONA-VIDES, presta-se, contudo, a permitir a observao do procedmento doutri-nrio e poltiro de MONTESQUIEU de modo a definir a que fins serviu a suateoria.

IV - O "parti pis" de MONTESQUIEU

EISENMANN o autor da tese de que a teoria de MONTESQUIEU, emuito particularmente o conhecido captulo sobre a Constituio da Inglaterra(Do Esprito d& Leis'?:' VI, Liv. Xl), engendrou um verdadeiro mito: Omim da oopM'ao dos eres. O derio politico propagado par geraes detratadistas, divulgando o seu gnio uma teoria do equilbrio aos poderes, detal modo dispostos que o poder seria o limite do prprio poder, leva coinci-dncia de um regime, no qual seria rigorosamente assegurada esta separaodos poderes. Assim, exis tiriam trs poderes: o Executivo (o rei, os seus minis-tros), o Legislativo (a cmara baixa e a cmara alta) e o Judicirio (o corpode magistrados). Cada poder recobriria exatamente uma esfera pr6pria, isto, uma funo prpria, sem qualquer interferncia. Cada poder sacia assegurado

18 R, Inf. ragi... BrosliCII CII. 17 n. 68 out./dez. 1980

em cada esfem por um rgo rigorosamente distinto dos outros rgos. No sno se poderia conceber nenhuma interferncia recproca de um poder sobreo outro, como nenhum membro de um poderia ser responsvel perante o outro.

EISENMANN, entretanto, demonstra que esta teoria no existia emMONTESQUIEU pela leitura de seus prprios textos, onde aparece:

1. Que o Executivo interfere no Legislativo, porque o rei goza do direitode veto - "Se o Poder Executivo no tem o direito de vetar os empreendimen-tos do corpo legislativo, este ltimo seria desptico porque, como pode atribuira si pr6prio todo o poder que possa imaginar, destruiria todos os demaispoderes" (Do Esprito das Leis, VI, XI, pg. 186).

2. Que o Legislativo pode, em certa medida, exercer um direito de vigi-lncia sobre o Executivo, pois controla a aplicao das leis que votou e, semque se trate de "responsabilidade ministerial", pode pedir contas aOs ministrosperante o Parlamento - "Porm, se num Estado livre, o Poder Legislativo nodeve ter o direito de sustar o Poder Executivo, tem o direito e deve ter afaculdade de examinar de que maneira as leis que promulga devem ser exe-cutadas. Esta a vantagem que este govemo possui sobre o de Creta e o daLacedemnia, onde os cosmos e os foros no prestam contas de sua adminis-trao" (Do Esprito das Leis, VI, XI, pg. 186).

3. Que o Legislativo interfere seriamente DO Judicirio, pois, em trscircunstncias particulares, erige-se em tribunal: em todas as matrias, os no-bres, cuja dignidade necessrio proteger de todo o contato com as opiniesdos magistrados populares, sero julgados pelos seus pares da cmara alta; emmatria de anistia; e em matria de processos polticos, que sero julgadosperante o tribunal da cmara alta, sob a acusao da cmara baixa - "Ospoderosos esto sempre expostos inveja e, se fossem julgados pelo povo, nofruiriam do privilgio que, num Estado livre, o mais humilde cidado possuide ser julgado pelos seus pares. Cumpre, portanto, que os nobres sejam levadosno diante dos tribunais ordinrios da nao, mas diante da parte do corpolegislativo composta de nobres" (Do Esprito das Leis, VI, Xl, pg. 187); "Po-deria acontecer que a lei, que ao mesmo tempo clarividente e cega, fosse emcertos casos muito rigorosa... ];;, portanto, a parte do corpo legislativo, quenoutra ocasio dissemos ser um tribunal necessrio, que aqui tambm neces-sria; l:abe sua autoridade suprema moderar a lei em favor dela pr6pria,pronunciando.a menos rigorosamente do que ela" (Do Esprito das Leis, VI,XI, pg. 187); "Poderia ainda ocorrer que algum cidado, nos negcios pbli-cos, violasse os direitos do povo, cometendo crimes que os magistrados estabe-lecidos no saberiam ou no pocleriam punir. Porm, em geral, o Poder Legis-lativo no pode julgar e pode ainda menos neste caso especfico, em que seapresenta a parte interessada que o povo. Assim, o Poder Legislativo s6 podeser acusador. Mas diante de que ele acusaria? Rebaixar-se-ia diante dos tri-bunais da lei, que lhe so inferiores e compostos, alm disso, de pessoas que,sendo povo como ele, seriam impressionadaS pela autoridade de to poderosoacusador? No; para conservar a dignidade do povo e a segurana do indivduo, mister que a parte legislativa do povo faa suas acusaes diante da partelegislativa dos nobres, a qual no possui nem os mesmos interesses que ele,nem as mesmas paixes" (Do Esprito das Leis, VI, XI, pgs. 187-188).

R. Inf. Ill9i.l. Brllllia a. 17 n. 68 oul.'.... 1980 19

A primeira demonstrao de EISEN:MANN, com exemplos extrados doprprio texto de MONTESQUIEU, revela que com tais interferncias j noaparece to pura a propalada separao. Mas, ele vai mais adiante, procurandodemonstrar, com igual mtodo, que em MONTESQUIEU no se tratava deseparao, mas de combinao, de fuso, e de ligao dos poderes - "Eis,assim, a constituio fundamental do governo de que falamos. O corpo legis-lativo, sendo composto de duas partes, uma paralisar a outra por sua mtuafaculdade de impedir. Todas as duas sero paralisadas peIo Poder Executivo,que o ser, por sua vez, pelo Poder Legislativo. Estes trs poderes deveriamformar uma pausa ou uma inao. Mas como, pelo m:Mmento necessrio dascoisas, eles so obrigados a caminhar, sero forados a caminhar de acordo"(Do Esprito das Leiy, VI, XI, pg. 188).

O fato que, com esta demonstrao, EISENMANN leva a compreender,ainda COm as palavras de MONTESQUIEU - "O poder de julgar no deve seroutorgado a um Senado permanente, mas exercido por pessoas extmdas docorpo do povo, num certo perodo do ano, de modo prescrito pela lei, paraformar um tribunal que dure apenas o tempo necessrio. Desta maneira, opoder de julgar, to terrvel entre os homens, no estando ligado nem a umacerta situao, nem a uma certa profisso, torna-se, por assim dizer, invisvel enulo" (Do Esprito das Leis, VI, XI, pg. 182), primeiro que o Poder Judiciriono um poder no sentido prprio e, em segundo lugar, que existem realmentedois poderes: o Executivo e o Legislativo. Dois poderes, mas trs potnaias- "Assim, em Veneza, ao grande conselho cabe a legislao; ao pregai, a exe-cuo; aos quarantia, o poder de julgar. Mas o mal que esses tri6unais dife-rentes so formados por magistrados do mesmo corpo, o que quase faz comque componham o mesmo poder" (Do Esprito das Leis, VI, XI, pg, 182): orei, a cmara alta e a cmara baixa, ou, em outras palavras: o rei, a nobrezae o povo, para colocar em cena as figuras do pacto a que antes se referiu como texto de BONAVIDES.

Tomando essas consideraes de EISENMANN, o filsofo francs LOUISALTHUSSER interpreta muito judiciosamente e com muito melhor argumen-tao: aqui, diz ele, que EISENMANN mostra de maneira muito convincenteque o verdadeiro objetivo de MONTESQUIEU precisamente a combinao,a ligao destas trs potncias. ~ que se trata, assevera, em primeiro lugar, deum problema politico de relaes de foras e no de um problema jurdicorelativo definio da legalidade e das suas esferas. Assim se esclarece ofamoso problema do governo moderado. A moderao, a verdadeira moderao,no nem a estrita separao dos poderes nem a preocupao e o respeitojurdico da legalidade. A moderao (recorde-se o trecho j citado sobre Ve-neza) uma coisa completamente diferente: no o simples respeito pelalegalidade, o equilbrio dos poderes, isto , a diviso dos poderes entre aspotncias, e a limitao ou moderao das pretenses de uma potncia pelopoder das outras. E afinal, conclui ALTIlUSSER, a famosa separao dospoderes no passa da diviso ponderada do poder entre potncias determinadas:o rei, a nobreza, o povo,

Neste passo preciso ter em mente o reparo histrico que se fez linhasatrs com o auxlio de BONAVIDES e, sobretudo, aquela indagao quanto aos

20 R. Inf. legisl. Braslia a. 17 n. 68 out./dez. 1980

fins a que servia o Senhor BARO DE LA BMDE ET DE MONTESQUIEU.A concluso de BONAVIDES, aparentemente simplista, segundo a qual MON-TESQUIEU abraav~ a soluo intermediria, relativista, que, de um lado,afastava o despotismo do rei, e, de outro, no entregava o poder ao povo,embora verdadeira, no est justificada consistentemente. A resposta deALTHUSSER , alm de tudo, interessantemente criativa. E ele a coloca, apartir de uma pergunta em tudo pertinente: em benefcio de quem se faz adiviso? Contentando-se em revelar, sob as aparncias mticas da separaodali poderes, a operao real de uma diviso dos poderes entre diferentes foraspolticas, corre-se o risco de alimentar a iluso de uma diviso natural que seexplica por si e responde a uma eqidade evidente. Passou-se dos poderes spotncias. Mudaram os termos? O problema continua o mesmo: tratase semprede equilbrio e de diviso. Este o ltimo mito a denunciar.

O que pode esclarecer o significado desta diviso e dos seus pressupostos, bem entendido, o fato de em MONTESQUIEU se tratar de combinao depotncias e no de separao de poderes, de se examinar quais so, entre todasas interferncias possveis de um poder sobre outro, entre todas as combinaespossveis dos poderes entre si, as interferncias e as combinaes absoluta-mente excludas.

A primeira combinao excluda, a.ponta ALTHUSSER, que o Legislativopossa uSl.lJ'lXU" os poderes do Executivo: o que, por si, consumaria de imediatoa perda da monarquia no despotismo popUlar - "O Poder Executivo, comodissemos, deve participar da legislao atravs do direito de veto, sem o queseria despojado de suas prerrogativll.5. Mas se o Poder Legislativo participarda execuo, o Poder Executivo estar igualmente perdido" (Do Esprito i1aILeis, VI, XI, pg. 188); "se no houvesse monarca, e se o Poder Executivofosse confiado a certo nmero de pessoas extradas do corpo leg!slativo, nohaveria mais liberdade" (idem). Entretanto, a inversa no verdadeira, poisMONTESQUIEU admite que a monarquia possa subsistir e mesmo conser-var a sua moderao, se o rei detiver, alm do Executivo, o Poder Legislativo- "Na maior parte dos reinos da Europa, o governo moderado, porque o prn.cipe, que tem os dois primeiros poderes, deixa a seus sditos o exerccio doterceiro" (idem).

A segunda combinao excluda, prossegue ALTHUSSER, mais clebre,mas, tida por demasiado evidente, , por esse fato, mal compreendida. Dizrespeito deteno do Judicirio pelo Executivo, pelo rei. A, ele ainda seapia no texto de MONTESQUIEU - "'Nos Estados desp6ticos, o pr6prio prn-cipe pode julgar. No o pode nas monarquias: a Constituio seria destruda,os poderes intermedi.J,ios dependentes, wniquilados" (Do Esprito das Leis,Capo V, Livro VI, pg. 103), fazendo-o a prop6sito de demonstrar, no caso,que basta aproximar esta exclUSo e a sua razo (se o rei julga, os corpos inter-medirios sero aniquilfldoo), por um lado, da disposio que chama os nobresperante o nico tribunal dos seus pares, por outro lado, das desgraas cujoprivilgio o dspota reserva aos grandes. para se perceber que esta clusulaparticular, que priva o rei do poder de julgar, interessa antes de mais pro-teo dos nobres contra o arbtrio poltico e jurdico do prncipe.

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Razo por que, atento pergunta que se autoformulara - em vantagemde quem se opera a diviso? -, postula avanar a sua soluo. t que, consi-deradas no j as foras invocadas na combinao de MONTESQUIEU. masas foras reais que existem efetivamente, verifica-se. forosamente, que a no-breza ganha com o seu projeto duas vantagens considerveis: enquanto classe.toma-se diretamente uma fora poltica reconhecida na cmara alta; torna~setambm, no s pela clusula que exclui do poder real o exerccio da atividadejurisdicional, como pela que reserva este poder cmara alta, quando osnobres esto em causa, urna classe cujo futuro pessoal, a posio social, os pri-vilgios e as distines so garantidos contra as violncias do rei e do povo.Desta forma, na sua vida, nas suas famlias e noS seus bens, os nobres estaroao abrigo tanto do rei como do povo. No se poderia garantir melhor as con-dies de perenidade de uma classe decadente a quem a histria arrancavaas suas antigas prerrogativas e j as disputava.

A contrapartida destas certezas uma outra certeza, finaliza ALTHUSSER,mas desta vez para uso do rei: a certeza de que o monarca ser protegido peladefesa social e poltica da nobreza contra as revolues populares; a certezade que no se encontrar na situao do dspota abandonado, s, em face doseu povo e das suas paixes. Se o rei quiser compreender a lio do despo-tismo, compreender que o seu futuro vale bem uma nobreza.

V - Consideraes finais

A anlise althusseriana parece brigar com a anlise de BONAVIDES sobrea direo do pacto ps-feudalismo. Todavia, a oposio apenas aparente,porque o que a Histria tem revelado que a antinomia perpetuada a queope o soberano ao povo. Ficar sempre a dvida quanto a saber se MONTES-QUIEU queria o poder para os fidalgos decadentes ou para a burguesia ascen-dente. O fato que a interpretao que ele, distorcidamente, emprestou Constituio inglesa serviu aos fins da revoluo incipiente e ao descontenta-mento que lavrava contra o despotismo opressor.

BIBLIOGRAFIA

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FERREIRA, Luis Pinto - Teoria Geral do Estado, 1l volume, Edio Saraiva,So Paulo, 31!o edio, 1975.

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22 R. Inf. regiar. Brallio a. 17 n. 68 aut.J4.~. 1980

Sobre os direitos humanosno Estado intervencionista

Desembargador ALCINO PINTO FALcO

1. Consideraes preliminares. Da interveno do E8UukJ, no tempo e no espao

o Estado moderno, a partir da 1~ Guerra Mundial - de que resultou um"nouveI esprit conomique et social", no dizer do magiar F. DE KIRLY (1)-, coloriu-se de imerveocionismo, a ponto de a dristrlno entre um pais de outro- dos mais ou menos intervencionistas - residir apenas em apurar o grau deintensidade de uma mesma tinta, quer a de cor pastel, quer a de tonalidademais viva, mas sempre sendo a mesma cor. Certo, uns ainda procuram maltizar

3.9 Painel do 1.9 Congresso Brasileiro de Direito Constitucional, em So Bernardo docamPO, SP, aos 24 de junho de 1980. Tema central do Congresso: "Reconstitucionallzaodo Pais". O presente trabalho foi elaborado para a interveno oral do Autor. (Prazode quinZe minutos, concedido a cada membro do Painel,)

(1) Cf. sua. contribuio, em Reeaeil d'Etudes sur les SOUFCes du Droit en I'Honneurde FI'aJl9CIis: Geny, tomo m, pg. 111.

R. Inf. legisl. Bralla a. 17 n. 68 out.l"z. 1980 23

a fachada com cores de liberalismo do sculo passado, mas no interior o quese depara nada mais ser do que intervencionismo crescente, como se com issose mudasse a realidade das coisas ... Os Estados Unidos so um exemplo disso,como, com preciso, adverte KARL LOEWENSTEIN (2), com sua inconcussaautoridade, pois que jurista que assiste e leciona, quer naquele pas, quer nonatal, ao impugnar uma crena bem difundida no exterior (weit verbreiteteClaube) de que os E-stados Unidos conrtinuem a ser o pllJI'aso da liwe empresa,o que s6 em mui limitada medida corresp,onde aos fatos ("nur in sehr begrenz-tem Ausmass den Tatsachen entspricht').

De fato, naquele vasto pas, por vezes paradoxal, contraditrio, a pontode poder ser acusado de cultivar uma hipocrisia "dirigida", o intervencionismose depara com freqncia cansativa em numerosos setores; uma tradio colo-nial inglesa, que remontar aos tempos de CARLOS I, de regular numerosasprofisses e atividades, fixando-lhes os ganhos, tudo taruando, a ponto de oautor norte-americano WALTON H. HAMILTON (3) ser levado a afirmarque, "no tempo de Lorde HALE, todas as atividades abrangidas pelo que nschamamos comrcio, eram pblicas e todas sujeitas a controle de preos" -uma tradio insular a permitir que os Estados (antigas colnias) norte-ame-ricanos legislassem minuciosamente sobre preos (uma relao de leis de oitodos treze Estados nos fornece a Harvard Law Review, vaI. 33, pg. 838).

Claro que essa tradio, como conseqncia das idias liberais triunfantescom a Revoluo Francesa, veio a ser suspensa, na Amrica do Norte, comonos outros pases, dando foros de cidade ao '1aissez-faire" do liberalismo eco-nmico. Suspensa, mas no abolida - pois COm a crise posterior 1~ Guerraafinal, l nos Estados Unidos, tambm veio o "New Deal", fazendo funcionara todo vapor a mquina intervencionista do Estado (j agora, principalmente,o Federal, pois que os problemas a enfrentar ultrapassavam a linha raiana dossingelos Estados), concluindo-se que a vetusta Constituio Federal, atravsda aparentemente pouco importante "commerce clause" nela inscrita, continhauma fonte de poder suficiente para o intervencionismo federal. Expressiva-mente, entre muitos que observam o fenmeno, ROBERT L. STEIN, queescreveu uma longa e exaustiva monografia sobre aquela clusula ('), observa

(2) Com grande nfase, em seu estudo vindo lume em Arehiv des otfentUchen Re-ehts, voI. 86, pg. 408. Por igual, ANDR:d: et SUZANNE TONC, em Le Sy,temeCoDl!ititlltionnel des ~tsUnJa d'Amriqne, voI. I, pgs. 200/215, observam que,no obstante continuar &. repetir-se que "o que bom para os negcios cons-titui o bem da nao", a praxe outra, a do crescente Interv:enctonlsmo (1econtrOle admlnistrattf sur l'conomfe nationale, contrle qui va se dvelopperpeu peu, non sa.ns -coups d'ailleurs, et donner au droit amrtcaln et fi. l'-conomie amrica1ne un de leurs trafts les plus orfginaux).

(3) &mudo sob o tltulo "Affectatlons with a pubUc lnterest", publicado no voI. 39(930) do YaIe Law .Joumal, pgs. 1.089 a 1.094.

No vi esse nmero do aludido perfdico, tendo tirado a passagem transcrita deCases OD PubUc UtlUty ReruJation, segunda ed1io, pg. 15), editados e anotadospor F'RANCIS X. WEI.CH e outros.

(4) Sob o tltuIo "The oommeroe clause a.nd the national economy", vindo luz naHanard Law Bevlew (&nO de 1946) e posteriormente integrando o volume "se-lected Es.says on ConstltutlonaI Law", editado pela mesma revista.

24 R. Inf. legisl. Braslia G. 17 n. 68 oul./dez. 1980

inicialmente que, ... quer seja do agrado ou no dos advogados e juzes, afilosofia e a teoria econmica sucumbem aos fatos, desde que o pblico sejaafetado; quando este comea a sofrer, como resultado de uma irre!rtrita liber-dade de empresa, apela por socOrro nica organizao protetora de que dis-pe, o Governo" .. e quando os protestos se tomam suficientemente fortes, , ,o Congresso intervm (Congress aeted)" - rematando seu opulento traballiocom a observao de que esse revigoramento da clusula, na verdade, umarestaurao de exerccio de Poder Legislativo, j admitido no texto da velhaConstituio, segundo o que j teriam imaginado os que escreveram a clusula(as understood by those who wrote it) e conforme ao esprito com que foiredigida a velha Constituio (in which it was written). Por isso, a interven-o legislativa atravs de ampla interpretao dos poderes nsitos na clusulaser uso de poderes antigos, sem constituir nova doutrina (any novel doctrine),ficando, porm, o trao marcante (que, penso eu, serve para distinguir deoutros regimes, em que a interveno imperativa ou pelo menos program.-tica) de que a clusula no compele o Congresso a intervir, apenas afastaobstculos no caminho do processo democrtico (impediments in the way ofthe democratic process).

Sem dvida h, e sempre se depararo, saudosistas do "laissez-faire" ealguns indo ao extremo de profetizar a sua volta, como o conhecido ERNESTOJ. P. BENN, ainda nesta segunda metade do sculo sustentando (): "Pararetomar o exemplo do termmetro, assim como a sade no pode ser readqui-rida manipulando-se a coluna do mercrio, da mesma forma a prosperidadeno se obter jamais forjando os preos de maneira inaturaL Os homens pol-ticos, aps a Guerra, se acomodaram com a convico de que a doutrina do1aissez-faire", como qualquer outra humana, ter sem dvida suas imperfeies,mas depois de vinte anos de planificaes que resultaram na destruio com-pleta do comrcio de ultramar e reduo relevante de quase toda espcie decomrcio, a moda poltica do futuro set' provavelmente endereada a tom-Iamoda do dia," (Grifos meus.)

Refere-se esse autor, que pode ser tido como claro representante da orto-doxia antiintervencionista, aos quatro lustros posteriores paz de Versalltes,mas a moda que, como figurinista, pretendeu viria a ressurgir ainda nopassa de um anseio pela volta aos tempos de ouro (da Inglaterra, compreen'"de-se), eis que o interveneionismo lanou razes fundas e pegou para expandir-se mundo a fora, apenas com a diferena de matiz ou grau, a que me referi,inicialmente.

Essa opinio susotranscrita, de ~onomista saudoso do passado, encontracontra-argumentao juddica na exposio feita por GEORGES SCELLE, oinsigne mestre do Direito Pblico (8) :

(5) Cf. n Governo Moderno e Ia sua 1Da'ereDu necU Alfari Pl'inti, Dott. A. Giuffril- Editore, 1948, pAg, 106. No prefcio a e8$8, edio Italiana roi enf.tico. dizendoque o seu livro "... spezza una. lanela per 11 ritomo ali'economia pol1ticll. orto-dessa deI dlclannovesimo secolo, mediante 1& quale la Oran Bretagna dlvennegrande, potente e prosperai" E o resto do Mundo, o atual 3. Mundo? ..

(6) Cf. sua Interveno, Da Conferncia. reallzada em julho de 1937. na SOrlJonne,pela "A.sSOC1ation Jurldfque Internatlonale", publicados os trabalhOS no volume~OD de. Prinoipee de LiberU, Paris. 1938. O trecho transcrito l-se s p_ginas 18 e 19,

R. Int. Jerhl. 8raaiJhr a. J7 11. 68 0"./4ft. 1980 25

"M. le Professem Georges SCELLE - Mesdames et Messieurs.Est-il vrai qu'au point de vue du droit, certains d'entre nous, certainesdoctrines juridiques aient quelque responsabiJit dans rtat de chosesextrmement dangereux et inquitant que nous proccupe aujourd'hui.On nous aecuse, au nom du libralisme. On naus dit: "Cette rgres-sion des principes de Jibert individueIle, dans les diffrentes Consti-tituons, dans le droit public et priv, elle est, en partie, votre oeuvrecar, enfin, bien avant les Etats totalitaires, bien avant les Etats quifont du socialisme d'Etat, vaus faisiez, vOus aussi, de l'interventiondu socialisme, et c'est vaus qui avez donn le branle cette closion,d'ailleurs monstmeuse, de doctrines contre lesquelles vous tes obligs,aujourd'hui, de combattrel" le voudrais protester contre cette accusa-fion. La rgression des libelts publiques et prives De me parait pasdu tout la consquence soit des principes d'intervention, soit desprincipes du socialisme. L'intervention a t motive par une certaineraction contre des abus, je ne dirais pas du rgime individualiste,mais plutt capitaliste. L'intervention est intervenue pour remdieraux atteintes portes l'gaIit, la vritahle galit juridique, par lefait de la dtention capitaliste des moyens de produetion et du pou-voir de fait qu'elle confrait certains capitalistes de rduire nantla libert conomique, la Jibert juridique de l'individu, la libert dela pense, de l'action, de l'association et de l'activit politique."

Mas, nestas consideraes preliminares, no h como deixar de algo dizersobre a Sua, tida como fortaleza inexp'ugnvel do liberalismo. De fato, emcerto sentido, ainda o pas, seno do 'Iaissez-faire", pelo menos do "laissez-passer", o que no significa que no faa seu intervencionismo, protetor pornecessidade do setor agrcola (s em fins de 1958 a Sua aderiu, "provisoria-mente", ao GATT, cuja criao datava de 1947), dadas as suas condiesclimticas e topogrficas desfavorveis, que elevam l os custos da produoagrcola, fazendo com que o Governo Federal se voit contraint d'agir dansune large mesure par des interventions directes propres regulariser le march, protger la population paysanne et lui venir eu aide" (7). No prprio setorbancrio (sem os extremos ou intensidade de grau a que no Brasil estamosacostumados) acabou, pela presso dos fatos, por impor-se o intervencionismo;assim, esclarece mOMAS HOLENSTEIN (8), a crise dos anos trinta fez CO-gente a interveno federal, atravs de medidas excepcionais, que permaneceram, porm, em vigor. Apesar de o citado autor terminar seu estudo otimista-mente, achando que felizmente no havia sinais de que o problema bancrioem futuro prximo viesse a sofrer nova crise aguda, achava, com boa prudn-cia, ser recomendvel se fizessem estudos, no perodo tranqilo, para aprimorara legislao intervencionista e t-la mo se, de novo, a Sua tivesse queenfrentar nova orise bancria (wenn sich vieder einmal Kri'Stmers

A Suposlao otimista, por desdita, se desmentiu atravs de nova criseanos aps; mas a legislao nova, recomendada pelo professor helvtico, final.mente foi editada na Sua, em 1971/12, inclusive visando proteo da moeda(houve, para isso, necessidade de nova redao ao nQ 4 do art. 31 da Consti.tuio Federal), Da, poder afirmarse, com o parecer mais recente do Profes-sor B. KLEINER, da mesma "Hochschule St. Gallen", que a nova legislaose tomara imperativa, pois que bancos suos teriam padecido ruinosas pres-ses "ab externo", atravs de controle estrangeiro (9),

De tudo que acima alinhei eu, parece-me poder tirarse por concluso que,contrariando esperana e muitos, dificilmente o Estado contemporneo deixarde ser intervencionista (mais ou menos, mas sempre intervencionista), sucumbindo presso dos fatos. O exemplo que nos fornece a economia agrcola por demais expressivo, tanto assim que o prprio Mercado Comum Europeu(E.W.G.) - que, entre os seus princpios bsicos e razo at de ser, pe nafrente de todos os iaissez-passer" - no caso dos produtos agrcolas teve queadmitir novos mecanismos (mas que implicam modalidade de intervencionis-mo), como o da fixao dos preos mnimos, o da compra (e revenda, se sevier a mostrar til) de excedentes etc. (10).

Ainda cama ponto introdutrio impende-me lembrar a lio corrente (11),de todos sabida, que acentua que - no obstante certos autores alemes maisantigos (BOHM, OTTLILJENFELD, p. ex.) darem o sentido de "economiacoletivista" ao termo composto "Planwirtschaft.., isto , economia planificada- pode haver uma economia, base de planos, sem ser coletivista, mesmoporque no h que confundir planismo com economia dirigida, j que estapode surgir sem ser planificada (mas todo planismo oficial, ao inverso, implicaem intervencionismo estatal). Como interveno com dirigismo, mas sem pla-nificao, talvez fosse de classificar a rgida regulamentao dos tempos deCARLOS I, suso-referida, e a dos tempos do absolutismo portugus, a que mereferirei ainda no presente trabalho (regulamentao das velhas Ordenaesdo Reino); mas o exemplo atual mais comum e visvel se depara no mundofinanceiro, onde certos Bancos Centrais - segundo um princpio de reao,mas no necessariamente consoante um plano de ao - se permitem fixar astaxas de desconto, as de captao de depsitos (CDB - "taux d'avance"), olimite dos frutos civis do dinheiro, tomar medidas de defesa da moeda, orien-tar e manipular a poltica do chamado open market, controlar a poltica de

(9) Cf. seu livro Die Ge8ebl'ebUDl' ber datl Bankwesen in Bund und Kantonen.Zurique, 19'12, pig. 12; toda a atual legislao e praxe sAo analisadas no livro,nAo cabendo faz-lo aqui. O tntervenclonismo Slo no se limita a esses doisramos (agrfcola, b8.nc.rto). mas (por medidas impostas pelos fatos e adotadassem o serem "de ga1et de coeur", isto , de peito feito, de boa vontade), abrangetambm o ramo hoteleiro, relojoeiro e outros mais (cf. ERWIN RUeR:, Schwel-zertsehesV~t. 3." edio, voI. lI, pg. 147).

(lO) Cf. BODO BORNER, seu artigo "Das Interventionssystem der landwirtschaftll-chen Marktordnung der E. W, G.", republlcado no volume Studien zum Deut-lIChen 1lDd EmopAl8cllen Wlrt8chaftllrecbt. 1973. pgs. 177 e segs.

(11) Cf. P. SCHEURER, fUho - ''P1anisme conomique et hautes tudes commerclales",publicado no volume BecaeD de TraVIMD. editado pela Faculdade de Direito daUniversidade de NeuchAtel, por oeasiI.o do seu centenrio, pgs. 2&'1/291.

R. Inl. legisl. Brasilio o. 17 ft. 68 out./do. 1980 27

compra e venda de divisas e dos metais nobres, exigir reservas mnimas, altean-do ou baixando seu teto inopinadamente - tudo conjunturalmente, via deregra (12).

So meios de ao, de que o Estado moderno, na sua funo de reguladorda conjuntura, faz uso freqente; da autor recente (la) iniciar seu livro, jhoje de leitura obrigatria no tema, escrevendo; "La plupart des pays capita-listes industriels utilisent tout ou partie de ces moyens d'intervention."

Venho-me limitando a exemplos de pases integrantes do atual Mundo Ocidental, que se dizem cultivar o prestante Estado de Direito - no me pare-cendo que, dada a subordinao do tema aos DIREITOS HUMANOS, hajaespao para examinar o que ocorreu nos Estados nazi-fascistas, retr6grados,cuja base filosfica no ava qualquer possibilidade de falar-se em direitoshumanos como limite ao exerccio do intervencionismo; tampouco quanto aoregime sovitico e seus assemelhados, embora neles se possa falar em direitoshumanos, mas com sentido e contedo nem sempre coincidente com o que secompreende ocidentalmente e no obstante - COmo bem j revelou o men-cionado F. SCHEURER, filho ( pg. 264 do estudo citado) - "... l'idologiecOmmuniste directement inspire e Marx et d'Engels fut au dbut fortloigne de la notion de discipline et de l'esprit de systeme que comportel'ide d'un plan conomique" - "c'est sous l'empire de la famine que les diri-geants de l'URSS se sont rsolus envisager des mesures qui les mirentd'ailleurs en contradiction avec les principes mmes de la Rvolution d'oetolxe".Assim, a presso dos fatos que l ter feito adotar o intervencionismo e paraficar at os dias de hoje, com rigidez maior do que nas pases de Estado deDireito, em que o plano valer apenas direito formal, sendo apenas prospectivo,o que no se d no sovitico, que vale direito material e essencialmente obri-gat6rio (14 ).

Concluindo este captulo: o intervencionismo uma exigncia dos temposatuais, e o jurista com ele tem que conviver. Os bons ou maus xitos do siste-ma devem ser atribudos ao fator humano - boa ou m seleo do pessoalgovernamental e no ao princpio em si. Repou\Sa o bom xito do inJtervencionismo prospectivo na eredibaidade da pafavra oficial; se se deve almejarque o plano prospectivo venha a funcionar cOm a preciso de um rel6gio, maisimperativo do que isso, para obter a adeso dos destinatrios, que imponhacredibilidade. Nenhum planismo, meramente programtico, "consentido (emanttese ao sovitico, como slIsodito) poder impor~se aos setores privados, seainda, nos dias que correm, for verdadeiro aque1e conceito em voga na poca

(12) Pode ocorrer - e mesmo desejvel, que tudo isso coincida com uma determi-nada planificao, mas nem sempre ser assim. O que certo que com a abol1Aodo padro ouro o automatismo do mercado (em que se podia repetir que " ... laBanque ne ftJ:e pa.s le taux. eUe le constate" e que a funo da politica monetriaera passjva) cede presso da moeda (pape)) ma.n1pu1ada. por isso passando apolitica monetria a ser ativa. E de tal ordem so as injunes do Banco CentralQue a liberdade dos banqueiros pode ser classificada como simples concesso(diese Freiheit also ledigl1ch einer Konression), como, com autoridade, realaELMAR KINDERMANN (Die Anfeehtang von kredUpolitischen Beschltissen derBundesbank, 1947, pg. 49).

(13) Cf. ROBERT SAVY, Droit Public Economlque, segunda edio (1977), pg. 2.(14) Cf. GERARO FARJAT, Droit Economique, 1,& edio (1971), pgs. 321 e sega.

28 R. Inf. legisl. Braslia a. 17 n. 68 out./dez. 1980

de D. FRANCISCO MANUEL DE MELO, que, nos Re16gios Falantes (1~),ps na boca do relgio da cidade a mordaz observao de que " ... a ns outrosos relgios todos nos crem, e nenhum nos adora; por isso o pintor, agudamentepintando um rel6gio s avessas, quis dizer que os Ministros todos os adoram,mas ningum os cr".

E, por derradeiro, os precedentes de interveno (dirigismo) dos tempos deLorde HALE e feudais do nOsso direito reincola no se coadunam com ospressupostos que informam o recebido pelo Estado moderno, no obstanteenganosas aparncias. Assim, as velhas Ordenaes do Reino de Portugal (nasua parte que hoje diriamos de direito administrativo) regulam em minciaspreos, traes, profisses e multido de coisas - chegando, no que tocava repartio das carnes e forma dela, a Ordenao (L. T. 68, 4Q ) a dizer" ... fazendo dar a carne e reparti-la pelos ricos e pobres ... , havendo cadLl umcomo merece" e, quanto ao pescado ( 12), ". . . o reparta segundo o pescadofor, de maneira que os ricos e os pobres hajam todos mantimento".

O "havendo cada um como merece" hoje seria uma postulao de extremaesquerda; mas o que ento se queria dizer era o oposto, como se v da auto-rizada opinio de LOBO (Manuel de Almeida e Souza) - o qual (16), comfulcro no espanhol BOVADILLA, esolarecia:

"Parece que nesta. parte teve o nosso legislador em vista aquelapolicia dos romanos, que quis coibir o luxo da comida dos pobres ersticos, que podem alimentar-se na sade com alimentos grosseiros, eque deu preferncia de maior merecimento aos ricos e de naturezadelicada; aquelas palavras "havendo cada um como merece" no seique possam ter outra inteligncia. Esta talvez seria a prtica destereino, que teve em vista o d,tado BOVADILLA, quando 3iSsim o ares~tou, ainda que no nacional Se esta polcia romana se praticasse rigo-

(15) Cf. Aplocos DiaJogais, edio diplomtica, d~ F. NERY, Rio de Janeiro, 1920,pg. 7. Assim, p. ex.. o planlsmo oficial isentar de tributos certos ganhos paraincentivar determinados investimentos e aodepols, retroativamente, impor sobretais ganhos uma contribuio compulsria - dar razo ao Relgio da COrtee pr por terra o principio da cred1billdae ...

(16) Cf., NObs .. Melo, vol. I, edio da Imprensa Oficial de Lisboa. de 1868, p.gs.315/31'1. Naturalmente a esSa ou quejanda. teoria - que afronta a igualdade (di-reito humano) - que Gll. VICENTE, na farsa "Quem tem farelos?" (verso198) quis pr em ridJculo, ao invocar o dito em voga de que ", _. vilo farto, pdonnente" ...

sem dvida os tempos mud&ram e hoje seria wn riso sustentar ser critrioadmissivel restrIngIr O OODSUmO de qualquer veniaga. tendo apenas em vista oshaveres ou "status" do consumidor.

Mu se ningum poderia. hoje defender tio injlsta teoria, isso no Impede queela &Inda encontre prticas sIm1la.res, COJD desapreo do princpio da igualdade. Re-firo-me, por exemplo, tentativa de f~ diminuir o COI1SlIIDO de gasoUna atravsde eleV8e8 exageradas e suoessl.vas do J)re9O, o que no traz quaIquar repercussocom respeito ao consumo daS pes$088 de maior capacidade financeira.., pesando to-sno bolso do vilAo.. Ou ao que se permitiu nla faz mUito: diminuir o teor degordura do leite tipo popular para d1S&bnular a.. elevao do preo ...

se tais anama11&s no ferem .. IeDll.billdade de algum economista, o mesmonIo se dar em relaio ao SOC1lOlO OU Juri5ta.

R. Inf. 1.llal. Br.alla CI, 17 n. 6Saut./d.... 1980 29

rosamente, no veramos em Portugal uma tal carestia de gados e faltadeles para as agriculturas. Mas eu vejo ser irremedivel o mal."

Como se v, filosofias opostas; o que pode ocorrer que aparea nos diaspresentes algum plebeu ou filho de vilo europeu - raciocinando como fidalgoou pessoa principal, impondo prticas que firam os princpios de igualdade,que a Idade Maia no defendia e assim fugindo de um dos fins que justifi.cam o intervencionismo moderno, isto , "remdier aux atteintes portes l'galit", como bem frisa G. SCELLE, j citado.

2. Os direitos humanos (1.) no Estado interoencionista. A igualdade

A locuo "direitos humanos", apesar de comportar divergncias conceituais,tem no princpio da igualdade um ponto que parece sobranceiro departiode opinies e, pois, quanto a esse princpio, o do intervencionismo, jamais comele se dever pr em conflito, se se observar aquela sua finalidade (acentuada,por G. SCELLE) e sua razo de ser (o de remediar aos insultos igualdade) o

Respeitando a igualdade, no se dever ter O intervencionismo comoopressor, no se supor ter campo para ferir os direitos humanos; mas umacoisa o princpio terico c outra a sua aplicao concreta (18), o que - alm

(17) A locuo "direitos humanos", hoje em voga, alm de ter um alcance controverti-do, pennitiria supor direitos que no fO&Sem hwnanos (direitos desumanos, Que &liud, infelizmente todos sabem existir). No comporta a natureza deste trabalhoe o tempo concedido para a sua exposio uma maior explanao sobre o ponto,que de conceituao, mas por igual de semntica. Minha preferncia seria peladesignao de "direitos do homem" ou, melhor, "direitos fWldamentais do hOOlem".No vou alongar-me sobre isso (que daria espao a uma intennlnvel discussAo,talvez sem levar a resultado tiD, reportando-me ao que escrevi como contribuiomodesta para a coletnea Estudos Juridicos em Bonn. de Soriano Neto, publicadapela Faculdade de Diretto da Universidade do Recife (Recife, 1959, vol. I,pgs. 579/594), sob o titulo "Dos direitos e garantias individuais". Devo assinalarque o atual Diploma Constitucional, ao prever o art. 163 a favor da Unlo afaculdade de interveno no domnio econmico, diz, expressamente: "assegura-dos os direitos e garantias individuais", pondo fim a wna controvrsia a que davamargem o texto do art. 146, que dizia teria ela "por limite os direltos fundamentaisassegurados nesta Constituio". Em minha Constituio Anotada (vol. m, pgs.10 e segs.) interpretei a referncia, inclusive de acordo com a sua gnese, como re-ferente aos direitos e garantias individua.1S, dando margem a uma viva, posto quehonrosa e elegante, divergncia de parte do jurisconsulto SEABRA FAGUNDES(pai), ao qual aderiu, ento, GERALDO BEZERRA DE MENEZES (O Direito doTrabalho na ConstJtuiio BnudIeira de 1~ pg. 30), de acordo, alis, com suaposio politica, no simptica a direitos individuais contra o Estado; a meu favor,FERNANDO WHITAKER (Democraeia e Cultura, 2\< edio, pgs. 106/107).

(8) Aqui seria de invocar J. J. ROUS6EAU (cf. Contrato Sootal, na fiel traduo deL. M. PEREI&A BRUM, L. I, Capo IX, nota final, pg. 29): que se estar1,l. emface "de autoridade de governos maus", em que a igualdade ser apenas aparentee ilusria. se o Governo for bom, praticando a igualdade, no poder. sua inter-veno ser tida como opressiva... Em conceituao mais moderna, prefere-se mal-tratar o principio da igualdade (por exemplo, no caso do aumento do preo da.gasolina com o fim de restringir o consumo, atravs de aumento do preo, a Quej me referi). li: que h que distinguir na imposio de encargos e restries aaplicao esttica da igualdade (statische Gletchbehandlung), cega para as dife-renas de fortuna, da dinmica (dyna.mLsche Gleichbehandlung), que as leva emconta, servindo para diminUir os desnveis entre abastados e poles da fortuns(cf. ROMAN HERZOG. AllgemeJne Staatelehre, 1971, pg. 381).

30 R. Inf. legi.l. Bra.Iia a. 17 n. 68 out./dozo 1980

da diferena de conceituao sobre o que se entende como direitos humanos- parece-me justificar a razo de ser do painel.

Mas como a igualdade no o nico pressuposto da legitimidade do inter-vencionismo, pode este no chofrar aparentemente esta (impondo uma medidapara todos e no apenas para alguns) e, no entanto, vir de encontro a outrodireito, tambm daqueles que se devam incluir entre os "humanos". Por exem-plo, a liberdade individual, no que toca at prpria faculdade de reproduoda espcie (planejamento familiar).

Aqui, o intervencionismo - e parece que poder vir cOmo imposio dosfatos, pela desproporo crescente entre proliferao da espcie e estagnaodas colheitas - se depara com o princpio da liberdade individual, a que nscom justificada razo, como ocidentais, devemos todas as homenagens, e nos com ele, mas tambm com o mandamental religioso do "crescei e multipli~cai-vos" (binmio que no pertence ao jurista interpretar, mas sim ao telogo,isto , se a clusula prev um proliferar sem condies de aumentar-se em a:l-Ma e corpo ou se o primeiro tenno condiciona o segu'OOo), infellzmente nadaindicando que venha tomar a chover man sobre populaes famintas. Essasombria espectativa de tal necessidade de intervencionismo faz com que o ju-rista a ele dedique especial ateno, dentro da sua misso histrica de sentinelada liberdade e defensor dos direitos individuais, no bastando consideraes deordem tcnica ou cientfica Para justificar um planismo coercitivo, que poderdescambar em odioso vexame; basta pensar na famosa lei de esterilizao na-zma, cientificamente defensvel e que, no entanto, veio a constituir mancha dasmais negras daquele oprobrioso regime totalitrio. O planismo h de repousarem meios "consentidos", no imperativos: na educao, na ilustrao dos desti-natrios, em bem lanada propaganda, e fazer ver a certas camadas, ainda eris-tentes em regies pobres e atrasadas do Pas, que no mais negcio famlianumerosa para mais tarde obter vantagens atravs do trabalho assalariado dosfilhos, em regies do Pas carentes de mo.de-obra no qualificada ... Em apli-car sistematicamente em todo o Pas a legislao penal, no que toca ao dever dealimentar, criar e educar os filhos, o que (se feito com a constncia devida)ser um meio de desestimular a irresponsabilidade de muitos, sem violao dodireito humano da liberdade.

Pretender impor um planismo oficial sobre a famlia, sem consentimento,sem conscientizao da necessidade e da utilidade, alm de violncia, sercaminhar para o malogro do plano. Ningum hoje, por motivos teolgicos oude liberalismo exaltado, entre ns ir insurgir-se contra a vacinao obrigatria(o que hoje as massas reclamam a falta ou m prestao do servio pblicoa respeito); e, no entanto, por falta de preparao da populao, a medida noncio do sculo provocou desordens na ento Capital da Repblica, como nosculo passado levara (MARIA DA FONTE ... ) Portugal guerra civil medi-da imposta, a bem da sade pblica, sem a necessria preparao dos povos esem p6r.-se de acoroo com frao obscU'rantista do clero interamnense. No en-tanto, nem l, nem aqui, tais providncias hoje motivariam mais qualquer pro-

R. Inf. legisl. Brm. a. 17 n. 68 out./tlez. 1980 31

testo e seria tido como insensato, perante a opinio pblica, quem fosse contraessas medidas. Dado o consentimento da opinio pblica, amadurecida e es-clarecida - aquilo que num determinado momento histrico pode ser tido COmocontra o direito humano -, com a evoluo e correr dos tempos pode perfeita~mente ser tolerado e praticado, j que o conceito no imutve~ como comrazo concluram os professores catlicos da "Pax Romana" alem, comO bemrealou o Senador AUGUST WIMMER (111): "Se uma ao ou omisso do Es-tado constitui violao do direito humano, depende especialmente tambm dascondies de tempo e de meio, do estad.o de civilizao de um povo ou dahumanidade" (Oh eio staatliches Tun oder Unterlassen Menschenrechtsverlet-zung ist, hngt engstens auch von den Zeit und Milieubedingung, von derKulturlage eines Volks oder der Menschheit ab).

Neste terreno, enquanto no houver uma atterao na concepo domi-nante nas camadas populares, principalmente das regies mais atrasadas e po-bres do PaIs, qualquer interveno do Estado ter que ser feita com cautelasespeciais, e o que RUI BARBOSA, em discurso no Senado (em 10 de novembrode 19(4), disse (posto que hoje sem qualquer repercusso no que toca a vaci-nas, em razo do melhor esclarecimento das populaes) teria eco profundoe suscitaria reaes de alcance imprevisvel: "at pele que nOs investe podechegar a ao do Estado. Que a polcia pode lanar mo gola do casaco dequalquer cidado, encadear-lhe os punhos, lanar-lhe ferros aos ps, mas introduzir-Ihe nas veias, em nome da higiene pblica, as drogas da sua medicina,isso no pode, sem abalanar-se ao que os mais antigos espotismos no ousaram e isto porque a "medicina do seu corpo, cOmo a do seu esprito, lhe per-tence" (20),

3. Concluso

Numa interveno de quinze minutos, na impossibilidade por isso mesmode apreciar a abundante casustica que o tema do intervencionismo comportafrente ao Direito Constitucional (21), limitei-me a tratar de dois aspectos edar linhas gerais aos princpiOS da igualdade e da liberdade, que me parecemimportantes e de atualidade, dentro dos limites impostos pelo painel.

(19) Cf. seu artigo "Was sind Mensehenreehte und wie steht der Christ dazu", na co-letnea de estudJOs Dle Menscbenreebte In ehristlicber SJcht, editados por incum-bncia da Pa:I: Boma.na em unio com o Kat.boU8cben AltlldemJkene:rband, sob adirelo do prprio WIMMER, q,ue pg. 4 trata do ponto a que me refiro UI> texto.

(20) Vinte anoa depois, estas palavras do grande orador do liberalismo serviram parafundamentar sentena do ento jillz de Niteri, Dr. OLDEMAR DE SA PACHECO,cons1derando boa a recusa. de um interno em nosocOmio em pennttlr a extrao,para exame de lues, do liquido cefalorraquidiano (cf. Pandetas Brasileiras, ano de1926. segunda parte, pgs. 78/80).

(21) Toda essa caslStica o tema da portentosa coletl\nea de estudos. vinda . luz soba direo de ULRICH SCHEUNER, sob o ttulo DIe StaaWche Elnwb1l;lID&' aut clieWirIehatt, Athenium Verlag, 1971.

32 R. Inf. 18111,1. Irltlla li. 17 n. 61 oul./" 1980

Imunidades parlamentares

Jos ALFREDO DE OLIVEIaA BARACHO

Diretor da Faculdade de Direito da Uni-versidade FederElI de MinEIs CerElis

SUMARIO

1 - Introduo

2 - Origem do instituto. Evoluo no Direito COmpanldo

3 - Natureza juridica

4 - Prerrogativa. das Casas Legislativas e de IeUS membros

5 - Espcies de Imunidade.

6 - Extenso

7 - As Imunidades no Direito brasileiro

8 - Licena

9 - As Imunidades dos Deputados ell1aduals e Vereadores

1 - Introdulo

No momento em que examinamos as modificaes estruturais doEstado constitucional democrtico, muitas delas determinadas pela cres-cente interveno na ordem poltica, econmica e social, certos temasque tiveram sua elaborao mais prxima atravs do Direito Constitucio-nal ou do Direito Parlamentar clssico, provenientes do sculo XIX, levam-nos s indagaes sobre a validade dos exames tradicionais da imunidadeparlamentar.

As anlises da concepo tradicional da instituio, seu fundamento ecaracteres demonstram que surgiu como prerrogativa necessria inde-pendncia do Poder Legislativo (1).

\ 1) BROSSARD. Paulo - "Bibliografia sobre ImunIdades Parlamentares", BoleUm da BlblioMclI da C""',,dOIl DapUlsdos, Bruma, jan.labrll, 1969, "01. 17, n.O 1, pp. 217/218.

R. Il'If. legill. Brallia a. 17 1'1. ,. ouC./dllz. 1980 33

A terminologia e o conceito no so uniformes entre os doutrinado-res e os textos legais para a denominao adequada das garantiasdestinadas proteo dos membros do corpo legislativo. A reunio dasprotees so denominadas prerrogativas, privilgios, franquias ou imuni-dades nos estudos que examinam o assunto.

RAUL MACHADO HORTA aponta a freqente associao entre imunI-dades e privilgios, pelo que: "As imunidades, na linguagem difundidados publicistas, so privilgios parlamentares." O constitucionalista bra-sileiro acentua:

"A aproximao no de boa tcnica, e ainda encerra adesvantagem de atrair impugnao fundada em principio nuclearda organizao democrtica e republicana, como o da igual-dade de todos perante a lei. RUI BARBOSA j observou, a prop6-sito do privilgio parlamentar, que fcil "desmoralizar umainstituio, pregando-lhe o cartaz de privilgio" f~).

Prerrogativas parlamentares, e no privilgios parlamentares, otermo adequado, que afasta ou neutraliza criticas superficiais, alm depermitir o abandono de sua natureza estamental. A doutrina italianaconsolidou 3. expresso "guarentigie parlamentar", sem qualquer compla-cncia com o vocbulo incorreto.

Essas garantias especificas ocasionam derrogaes do Direito comum,sendo que no exame de suas origens institucionais no Direito ingls surgemexpresses como "freedom of speech", "freedom from arrest". Na Franaocorrem denominaes como "irresponsabilit" e "inviolabilit", sendo quena Itlia consagra-se "insindicabilit" e "immunit", ao passo que na Es-panha impe-se a nomenclatura "nviolabilidad" e "inmunidad".

"Esta terminologa espafola arranca sin duda de la francesa.lo que ha sido con frecuencia fuente de confusiones. La decla-raci6n de la AsambJea francesa de que sus miembros seraninvlolables por sus votos y opiniones, recogida por los constitu-yentes deI Doce, dar el nombre de inviolabilidad a lo que anFrancia se lIamar irresponsabilidad, mientras la inviolabilidadfrancesa recibir en Espana el nombre de inmunidad.

No hay consagraci6n legal de las denominaciones, pero sIuna inequvoca aceptaci6n por la prctica parlamentaria y por ladoctrina. Pese a ello, no as infrecuente la confusi6n derivada detranscribir la terminologa francesa.

Fijada la terminologia, antecipemos un concepto de ambasgarantas: la inviolabilidad es la prerrogativa de que gozan losrepresentantes parlamenfarios de no ser sometidos a procedi-miento alguno por las opiniones y votos que emitan en el ejerciciode SUB funciones. Y la inmunidad, objeto de este estudio, la

(2) HORTA, Raul MaChado - "Imunldadall Parlamentaree", Re"l'" da Faculd.e d. Dlrallo. UnlverllldadeFederal de Minas Gerais, Belo Horizonte, n,D 7 (Nova fase), oulubro 1967, pp. 69/70.

34 R. Inf. legisl. Braslia a. 17 n. 68 aul./dez. 1980

prerrogativa por la que dichos representantes no podrn ser pri-vados de Jibertad ni sometidos a procedimientos que puedanculminar en dicha privacin, sin ai previo consantimiento de laCmara a que pertanezcan" (8).

A garantia de independncia dos Congressos, Parlamentos, Assem-blias Nacionais frente aos demais poderes merece especulaes no mo-mento em que so questionados vrios dos posicionamentos do Estadocontemporneo. Como postulado racionalista da organizao do poder einstrumento de soberania do Corpo Legislativo, quando este sente-se repre-sentante exclusivo da soberania, surgem as imunidades em muitas dasexplicaes doutrinrias. A hipertrofia do Executivo e muitas vezes aslimitaes impostas ao Legislativo podem criar crises de relacionamentoentre os mesmos, com discusses em torno das formas de atuao doslegisladores e at que ponto podem, em defesa da representao quelhes destinada, utilizar o mandato popular na fiscalizao e crtica dogoverno. Essas circunstncias demonstram a atualidade do tema queprincipalmente em certos regimes deve ser melhor apreciado no intuito,inclusive. de definir as formas e o exercicio da representao poltica.

ATTILlO BRUNIALTI, de h muito, ao estudar as prerrogativas, privi-lgios e franquias, acentuava que a controvrsia no Direito Constitucionalsobre a natureza e tendncia ao arbtrio do Poder Executivo associa-se questo das prerrogativas dos membros do Parlamento e da prpria insti-tuio. Vrios so os questionamentos que decorrem da definio dasprerrogativas parlamentares. bem como as indagaes em torno dos ele-mentos que servem para indicar a sua natureza e alcance. RUY SANTOSaponta que, de modo geral, devemos distinguir na imunidade:

"a) se privilgio pessoal ou no;

b) se possvel a sua renncia;

c) a que poderes legislativos protege:

d) se absoluta ou no;

e) se possvel sua suspenso" (~).

Vrios desses debates ocorrem nos estudos que tratam do assunto,conforme apontaremos no decorrer desta exposio.

2 - Origem do instituto. Evolulo no Direito Comparado

As origens da proteo de membros do Parlamento surgem atravsde vrias indicaes, que procuram determinar os primeiros sintomas de

(3) CAMPOAMOA, Alfonso Fern"n.."1e;r;-Mlranda - "la Inmunldad Parlamentaria en la Aclualidad'" Ihvl....de E.tudloa Polltlcl. Instituto :ia Eatudlos PoUllcOII. Madrid, n.G 215. aet.lout., 1971. p. 208.

(

sua elaborao prtica e doutrinria. ATTILlO BRUNIALTI menciona otempo de ETHELBERTO (860) como o do despertar desse princpio jurdi-co, enquanto que BLACKSTONE localiza na poca de EDUARDO, o Con~fessor (1042), as suas primeiras manifestaes, justamente no local quepode ser cognominado como o de bero do regime representativo.

Existem referncias aos "Tribuni Plebis" do Direito Romano, que sebeneficiam com sistema anlogo. A funo e a pessoa dos mesmos eramsagradas, do que decorriam a inviolabilidade e a santidade de suaspessoas. Apesar dessa referncia histrica, permanece a afirmativa deque as origens das imunidades decorrem do Direito britnico e da Revo-luo Francesa:

"Lorsque "on recherche l'origine historique d'une institu-tion parlementaire, ir est deux sources qui viennent immdiate-ment I'esprit: la coutume britannique et 1789" (l.

Autores como WIGNY e SOUUER, apesar de utilizarem o termo "invio-labilidade", esto acordes em reconhecer que a palavra inexata.

Entretanto, convm salientar que a instituio da imunidade parla-mentar ser sempre justificvel e essencial para que o Poder Legislativopossa exercer suas funes sem ser inquietado pelos Poderes Executivoou Judicirio" (6).

Como antecedentes so indicadas as manifestaes do Direito ingls,na proteo liberdade da palavra. No caso de HAXEY, quando da pro-posta de um "bill", que tinha o objetivo de reduzir as despesas da CasaReal, aprovado pela Cmara dos Comuns, em 1397.

HAXEY era deputado e foi condenado como traidor, salvando-se porinterferncia do Arcebispo ARUNDEL, seno iria sofrer a pena de morte (7).

Como fonte, ainda, relaciona-se a proclamao do Parlamento ingls,em 1512, quando foi votada lei decidindo que qualquer processo dirigidocontra um membro do Parlamento em razo de um "bill", discurso oudeclarao qualquer sobre uma matria no Parlamento seria consideradonulo e de nenhum efeito.

Em 1541 o presidente da Cmara fez incluir a liberdade de palavracomo um dos privilgios do poder, atendendo resoluo da Cmara dosComuns e da Cmara dos Lordes declarando que a lei de 1512 era deordem geral, aplicvel a todos os