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    Para comear um

    projeto de pesquisaJos Luiz BragaDoutor em Comunicao pela Universidade de Paris 2 (Institut Franais de Presse).Professor titular no Programa de Ps-Graduao em Comunicao (mestrado e doutorado)da Unisinos. Desenvolve pesquisa sobre os sistemas crticos da mdia e sobre a interfaceComunicao-Educao.E-mail: [email protected]

    Fazer pesquisa solicita uma diversidade de reflexes e gestos mais ou

    menos complexos. por isso que no vamos diretamente a campopara inves-tigar fazemos antes um cuidadoso planejamento, o qual se expressa em umprojeto de pesquisa. Como o projeto vai se desenvolvendo ao longo do prpriotrabalho de investigao (no paramos nunca de planejar), podemos chamaras fases iniciais de pr-projeto ou, mais inicialmente ainda, de uma proposta depesquisa. Assinalo que estou enfocando particularmente esse planejamentoinicial: a proposta.

    Quero enfatizar a particular centralidade, nesse planejamento, do proble-ma de pesquisa. S pesquisamos porque temos dvidas a respeito de algumaquesto do mundo. lgico portanto que as dvidas que temos (e que sero

    expressas no problema da pesquisa a realizar) devem comandar todo o trabalhode investigao desde a busca das teorias e conceitos relevantes at a observa-o da realidade (coleta de dados), o tratamento desses dados e as conclusesou inferncias , que correspondem ao conhecimento desenvolvido a partir doproblema que nos moveu a investigar.

    Geralmente os manuais de metodologia de pesquisa enfatizam como pontode partida para investigao uma hiptese de pesquisa. Esta se baseia na afirmao(hipottica, justamente) que seria investigada a fim de confirmarmos, ou no,se efetivamente corresponde aos fatos. Consideramos que, nas pesquisas quali-tativas, essa insistncia pode levar a equvocos.

    A pretendida necessidade da hiptese de pesquisa leva a um esforo dopesquisador para apresentar alguma coisa que seja aceita como tal. Como nssempre temos idias, impresses e propostas referentes aos temas que nos interes-sam (e que nos motivam a pesquisar), fcil decidir que uma dessas proposies nossa hiptese. Tipicamente, entretanto, se trata de premissas ou de sacaes(nodicionrio Houaiss: idia, inveno, lampejo. Refere-se ao habitual anglicismoinsight). Os lampejos correspondem quelas idias explicativas ou interpretativasque acabamos descobrindo de modo espontneo por nos envolvermos con-tinuadamente com um tema, por experincia prtica ou por leituras.

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    O processo do insight, ou lampejo, seria o seguinte. Trabalhamos com umassunto qualquer (por exemplo, questes referentes esttica publicitria ou violncia na TV, entre outras). Observamos o que as pessoas fazem e dizem,lemos a respeito. De repente percebemos perspectivas que ningum parece ter

    ainda notado o nosso insight. Como estamos pretendendo fazer uma pesqui-sa, a forte tendncia tomar essa idia como nossa hiptese nos propomos apesquisar para ver se ou no verdadeira.

    Dificilmente seria uma boa hiptese. Trata-se talvez de um bom ponto departida. Mas se o final da investigao nos levar de volta a ele, apenas fizemos umcrculo para chegar ao lugar de onde samos, confirmando o que j sabamos.

    Seria possvel dizer (alguns pesquisadores nessa situao efetivamente odizem): Mas talvez a gente acabe provando que a hiptese no verdadeira e,portanto, h realmente alguma coisa a investigar. Alm de ser frustrante fazeruma pesquisa apenas para provar que estamos errados, isso dificilmente ocorre-r. Primeiro, porque, motivados pelo insight, trabalharemos tendencialmente

    paraprovaressa idia gerando uma cegueira involuntria para todos os dadosque a contrariem. Segundo, porquanto provavelmente uma idia gerada porforte envolvimento com a situao mesmo verdadeira(isto , vlida para o espaoe conjuntura em que foi proposta) e se sustenta pela prpria constatao ao vivo,sem precisar de pesquisa para o demonstrar.

    No estou sugerindo que se jogue fora aquela idia brilhante(seria frustran-te, no ?), mas apenas que ela no seja usada como hiptese de pesquisa. Maisadiante faremos sugestes de bom uso para os insights(se eles existirem). Con-tudo, desde j assinalamos que no preciso ter idias brilhantes iniciais,fulguraes conceituais ou propostas salvadoras.

    s vezes voc tem em mos (se tiver, mas no necessrio) umahiptese detrabalho. Esta, diferente da hiptese de pesquisa, usada como base para organizara observao. A questo (ou problema da pesquisa) pode tomar ento a seguinteforma: se esta hiptese verdadeira (e trabalharemos como se fosse), o quepoderemos descobrir sobre os processos em pauta, estando munidos de talafirmao? Note que aqui no vamos investigara hiptese, mas sim tom-la deantemo como verdadeira e us-la como modo ou instrumento para direcionaras observaes.

    Para evitar, em uma proposta de pesquisa, confundir premissas, lampejos ehipteses de trabalhocom hipteses de pesquisa, talvez a melhor ttica, para oiniciante, seja a de no apresentar nenhuma hiptese pretendida como depesquisa. Em vez disso, apresente diretamente seu problema de pesquisa.

    A DVIDA E A CURIOSIDADE COMO BASEDissemos que ter lampejos, idias brilhantes iniciais e hipteses de pesquisa

    no necessrio. Outra coisa, entretanto, fundamental: curiosidade. precisoestar curioso a respeito de uma situao ou tema. Ou seja: deve-se ter dvidas,reconhecer que no sabemos alguma coisa sobre a questo de nosso interesse.

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    por isso que um problema de pesquisa toma, freqentemente, a forma deuma pergunta. O que ser que...?; Como tal coisa se caracteriza?; Que sentidotem...?; Por que tal processo acontece?; Que diferenas existem entre...?;Quais as formas diversificadas e variaes de tal processo comunicacional?.

    No espao da comunicao ou da educao, no difcil encontrar proble-mas, situaes problemticas, dificuldades, estmulos curiosidade. O espao dacomunicao, para voc, pode estar relacionado a uma formao em determinadarea (jornalismo, publicidade, relaes pblicas, audiovisuais); a um campo deinterface (outras formaes sociais/culturais com percepo de questescomunicacionais); a uma experincia profissional correlata; a leituras sobrequestes pertinentes; ou at mesmo simples situao de usurio interessado damdia (espectador de programas de TV, leitor de jornal, usurio da internet,aficionado de filmes cinematogrficos etc.). Na educao, os problemas prticosde obter aprendizagem, de aprender, de organizar e gerir atividades de ensinopodem estar ligados a todas as atividades humanas e sociais.

    Ora, no qualquer no saberque pode gerar diretamente pesquisa. Vamosafastar alguns no saberesa fim de evitar riscos. Primeiro, aqueles que, paraserem supridos, basta uma ida biblioteca. Eu no sei uma poro de coisas,entretanto, posso prever que algumsaiba (tipicamente: o especialista, o profes-sor, os livros). Nossas dvidas, a, no levam pesquisa, mas ao estudo. Claroque, em uma pesquisa, aparecem tambm questionamentos, que sero resolvi-dos na biblioteca ou em consulta a especialistas. Mas no formam o eixodapesquisa. So complementares.

    Alm disso, faa outra triagem: distinga problemas de conhecimentode proble-mas prticos. So os primeiros que direcionam pesquisa. Um problema prtico

    pede soluo, a qual geralmente desenvolvida por meio de interferncias noambiente mesmo das situaes problemticas, tipicamente profissionais (O quefazer para que...?; Como obter mais qualidade em tal processo?; Como evitarequvocos de tal tipo?; Como resolver com mais eficincia este processo?).

    Quando tais problemas de situaoso mais complexos, talvez seja necess-rio mais do que agir diretamente e a queremos trazer aportes cientfico-tecnolgicos.Podemos ento escrever elaboradas propostas, bem baseadas em conhecimentoacadmico, para o encaminhamento de solues. Ainda assim, no se trata depesquisa. Certamente podemos pensar em pesquisas de desenvolvimento, feitas emzona intermediria entre a pesquisa de conhecimento e aes propositivas pr-

    ticas. Essa possibilidade no ser entretanto aqui estudada.Ficaremos, ento, com os problemas de conhecimento: o que preciso sabersobre tal situao?; O que deveremos descobrirsobre ela para que nosso conhe-cimento da realidade em foco seja ampliado?.

    Como se pode perceber, podemos derivarum problema de pesquisa de umproblema prtico. Dada uma situao-problema na realidade, se essa situao suficientemente complexa, em vez de procurar e propor solues concretasimediatas, tentaremos direcionar a reflexo para: como aprofundar meu co-nhecimento sobre essa situao antesde buscar solues?.

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    O trabalho de aprofundar conhecimentos seria a pesquisa acadmica. Nocaso de um mestrado, resultar em uma dissertao. As solues concretas podemser decorrentes da dissertao, mas j no fazem parte dela. Sero, se for o caso,expectativa para depois; e resultado de aplicaes posteriores dos conhecimen-tos obtidos sobre a realidade social.

    Por outro lado, no precisamos partir diretamente de situaes problem-ticas da realidade. Podemos comear com preocupaes e curiosidades maisabstratas ou conceituais, com dvidas sobre o sentido das coisas. Neste caso, porm,no se esquea em algum momento na elaborao de seu projeto de rela-cionar essas questes com uma realidade especfica. Pois no se investigam abstraes.Salvo nas pesquisas especulativas (mais prprias do trabalho em Filosofia ou nosespaos mais rarefeitos das fronteiras epistemolgicas das Cincias Humanas eSociais, que exigem longa formao e experincia prvia em pesquisa), trabalha-remos tipicamente com investigaes sobre questes relacionveis diretamente realidade social/expressional da comunicao ou da educao.

    Muito bem... at aqui tivemos excluses (do tipo no faa isto). O que nopermite avanar-se muito, porque a questo no o que no fazer, mas sim o quefazer sobre o que no sabemos, sobre nossa curiosidade, que se deve expressar emum no saberespecificado, para gerar pesquisa.

    PARA COMEAR A CONSTRUIR O PROBLEMA DA PESQUISASabemos, ento (aproximadamente), o tipo de problema que nos interessa

    para fazer pesquisa, em torno de um tema de nosso interesse. Mas ainda notemos certeza de como elaborar e expressar um problema de pesquisa.

    claro que naturalmente no h receitas para isso. Constri-se um proble-ma de pesquisa de muitas e muitas formas diferentes. Alm disso, construir umproblema de pesquisa no corresponde simplesmente a descobrir a questoe aescrever. um processo de elaborao que se pode desenvolver em vrias fasesdiferentes da prpria pesquisa evoluindo medida que estudamos autores,fazemos pr-observaes e pensamos metodologicamente sobre como abordarnosso objeto.

    Mas nossa questo aqui felizmente bem mais simples. Trata-se apenasde prefigurar um problema de pesquisa; em dar a partida, em ter umquestionamento inicial em que se agarrar para poder depois, j na pesquisa, dar

    outros passos.Faamos ento o seguinte.Como primeiro passo, escreva tudo o que voc j sabesobre o tema de seu

    interesse. Inclua a dados de experincia prtica, observaes casuais que tenhafeito sobre o objeto que lhe chama a ateno, leituras recentes, leituras ad hoc(ou seja, j realizadas em decorrncia de estar pretendendo elaborar uma pro-posta sobre o tema). No se esquea de incluir, claro, aquelas idias fulguran-tes, as sacaes referidas antes (se existirem, mas lembrando que no sonecessrias).

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    Lembre-se tambm de identificar as diferentes origens do que voc j sabe(leituras, experincia etc.). No caso de leituras, no se esquea de citar osautores, livros, nmero das pginas.

    Note: esse texto no ainda o seu projeto. apenas um documento prepa-ratrio, uma pea para ficar nos bastidorese que no ir cena. Sinta-se livre,portanto, para escrever o que quiser, da forma que preferir. Nenhum professorvai ler isso voc estar escrevendo para si mesmo.

    S o fato de ter alinhado essas proposies, se voc tem sorte, j lhe terdeixado cheio de dvidas. Supere aquelas existenciais, as referentes a sua com-petncia para tratar do assunto e para fazer pesquisa, e selecione apenas as quedizem respeito ao prprio objeto.

    Passemos ento ao segundo passo da elaborao sempre nos bastidores,sempre escrevendo apenas para voc. Utilize as dvidas percebidas, mobilizesua curiosidade e comece a escrever perguntas; tudo que voc consiga pergun-tar. Nesse momento, no se preocupe se so relevantes ou no, se so brilhan-

    tes ou simples. uma fase de brainstorm(se no sabe o que , que tal ir aodicionrio?). O prmio aqui no para as boas questes, mas para a maiordiversidade.

    Voc poder ento passar ao terceiro passo, que , naturalmente, a crticadas perguntas. Distinga as que expressam apenas falta de informao e de maioresestudos. Voc desconfia que esse conhecimento j existe em algum lugar e queprecisar dele para fazer avanar a pesquisa, mais tarde. Guarde cuidadosamen-te tais perguntas para que o ajudem a procurar informaes, mas perceba queelas no comporo diretamente seu problema de pesquisa.

    Separe ainda as questes prticas, isto , aquelas que pedem solues con-

    cretas, aes, propostas diretas sobre o que fazer. Esse conjunto no tem usocentral para a construo do problema de pesquisa. Mas reserve-as para umasegunda rodada de brainstorming. Verifique a se no possvel derivardelasdvidas de conhecimento. Alm disso, se so perguntas prticas complexas e rele-vantes, podem servir como meta posterior pesquisa, ou seja, a pesquisa buscarconhecimentos que sejam depois teis para encaminhar solues para os pro-blemas de realidade(e isso deve, mais tarde, ser indicado em sua proposta).

    Discrimine tambm as perguntas para as quais voc j tem resposta. fundamental ser muito sincero com voc mesmo. A resposta pode ser aquelasacao que voc gostaria muito que fosse a concluso da pesquisa mas a no

    vale, porque esta j estaria concluda antes de ser comeada. Pode ser, ainda,que a resposta seja uma proposio argumentativa elegantemente direcionadapela pergunta. Nesse caso, trata-se do que chamamos depergunta retrica, ou seja,ela no pede uma resposta, como uma questo comum, apenas encaminha umargumento. Exemplo: Seriam os usurios de TV passivos diante da programa-o que recebem? encaminhando a resposta: No, pois percebemos quecada espectador reage diferentemente aos programas, gerando variadas inter-pretaes. Logo, esto ativamentefazendo interagir seus repertrios pessoais(variados) com o que diz e mostra a programao.

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    Para o caso das perguntas que j tm ou presumem respostas, veja se asproposies feitas na primeira fase de nosso exerccio (alinhar tudo o que vocj sabe sobre o tema) mais ou menos coincidem com as respostas implcitas. Emcaso negativo, pense em transferir esse material para aquele documento prepa-ratrio, j agora na forma de propostas afirmativas e no mais interrogativas.

    Separe ainda as questes amplas demais, muito genricas e vagas, que vocno consiga relacionar a uma busca especificadade conhecimento. Lembre-se deque voc vai investigar(ou seja: vai olharsistematicamente um pedao da reali-dade) para procurar encaminhamentos para seu problema. Assim, perguntasmuito amplas ou vagas no so pertinentes ou voc no saberia o que olharna realidade; ou teria que observar uma realidade muito ampla, diversificada ecomplexa (e no daria tempo).

    Por exemplo: Comoa comunicao miditica modifica os processos deaprendizagem tradicionalmente ancorados no livro?. Interessantssima questo.Entretanto, no diretamentepesquisvel. Se eu tiver suficiente experincia na

    rea (interface comunicao/educao) e as leituras adequadas, poderei escre-ver um belo ensaio em, digamos, dois meses de trabalho. Mas no conseguireiinvestigara questo diretamente nesse nvel de abrangncia, nem mesmo em dezanos de pesquisa.

    Distinga o conjunto acima, mas no jogue fora essas perguntas. Elas talveztenham forte utilidade para definir o horizonte em funo do qual o problemapode ser construdo. por isso que insisti antes na palavra diretamente. Poisquem sabe indiretamente signifique questes relevantes. Voc poder entotentar derivar perguntas mais especficas a partir delas nesse caso, mantenhaas questes gerais como seu horizonte e construa o problema em torno das

    especficas. possvel que voc tenha, no seu elenco, algumas perguntas do tipo sim/

    no.So aquelas que oferecem apenas uma possibilidade binria exclusiva deresposta: ou uma coisa, ou outra. raro (embora no impossvel) que essasquestes sejam bom eixo de pesquisa. Primeiro porque, quando so to drama-ticamente contrapostas, j temos uma preferncia por uma das alternativas (oque nos remete s perguntas com respostas prontas). Depois, porque a realida-de sociocultural e o sentido das coisas dificilmente so to simplificados parapermitir dualidades mutuamente excludentes. Alternativamente: ou a contra-posio justamente simples, e no exige pesquisa, ou caso antes de tomada

    de posio do que de busca de conhecimento, e no exige pesquisa.O mais freqente que uma pergunta desse tipo na verdade esteja reduzin-douma realidade mais complexa, que no deveria portanto estar sendo apreen-dida em termos deou isso ou aquilo. E a, qualquer que seja a alternativa resultanteda investigao sim ou no , torna-se pobre ou claramente falseadora dasituao.

    Assim, se voc tem alguma pergunta elaborada dessa forma, em vez dedescart-la, procure derivardela questes mais sutis ou complexas do tipoComo?, que se mantm abertas, pois podemos encontrar diversos como em

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    vrios nveis (ou seja, diferentes modos e formas de um processo ou fato). Ou,ainda, tente perguntas como: Que diferenas podem ser percebidas [em algu-ma coisa que parece em geral monoltica]?. E tambm: Que semelhanaspodemos encontrar [em coisas que parecem diferentes ou isoladas entre si]?. claro que interrogaes dessa natureza dependem de que j estejamos descon-fiados das diversidades (ou das similaridades, na segunda alternativa). Mas noteque a questo no H diferenas internas na situao dada como monoltica?(resposta sim ou no). Procurar diferenas e variaes decorre da prvia perspec-tiva do sim e a busca ser de quais?, questo aberta descoberta.

    Feitas as distines anteriores, voc deve ter agora um conjunto (mesmopequeno) de perguntas mais ou menos especficas, mais ou menos indicadoraspara o trabalho de investigao (observao, trabalho de campo, exame detextos e materiais audiovisuais obteno de dados).

    Se forem muito poucas e voc sentir que esto ainda fraquinhas, tente umasegunda rodada de gerao de perguntas novas ou derivadas das perguntas

    amplas, das perguntas prticas e das do tipo sim/no. Ao final de um certoexerccio nessa direo, tendo chegado a um conjunto de questes mais oumenos aceitas (por voc mesmo, claro), passaremos ao exerccio seguinte que ser nossa quarta fase, a de sistematizao das perguntas.

    Note que no preciso ter um grande nmero de interrogaes para construirum problema de pesquisa. melhor mesmo que sejam poucas, pois o importante a consistncia do conjunto e, particularmente, sua relevncia e possibilidade deefetivamente demarcar a curiosidade que voc tem sobre o assunto.

    Como quarto passo, procure ento organizaras perguntas mais relevantese secundrias; mais amplas e mais especficas; independentes entre si ou relacio-

    nadas; relacionadas em paraleloou por subordinao; mais tericasou mais volta-das para a busca de dados etc.

    Os modos de organizar vo depender, claro, do conjunto especfico dequestes que voc gerou. O objetivo principal, aqui, ultrapassar o nvel deperguntas soltase chegar a um padro de consistncia em que se perceba umconjunto integrado, internamente relacionado, de perguntas.

    Faa isso como um jogo de armar tente uma alternativa, um desenho,e depois outro e outro, at ficar satisfeito. No fique, porm, satisfeito cedodemais: brinque um pouco com as possibilidades.

    No decorrer do processo, possvel que voc tenha a tendncia de

    reformular algumas questes, de criar outras, de substituir alguma coisa. Sinta-se vontade: as perguntas so suas.No quinto passo, quando tiver chegado a um conjunto mais ou menos

    consistente, veja se consegue escrever um pequeno texto para explicar o que tal conjunto, por que ele interessante, como efetivamente configura suacuriosidade sobre o tema.

    No preciso insistir que esses exerccios so iterativos, isto , podem (edevem) ser reiterados, em um processo de ida e volta entre: as proposiesiniciais sobre o tema; as perguntas (em sua variedade de tipos); a crtica das

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    perguntas; o conjunto de construo de consistncia no questionamento; e otexto sobre o interesse das perguntas.

    Os documentos elaborados nas diferentes fases do exerccio no so aindaa proposta de pesquisa, porm constituem aqueles documentos preparatrios, debastidores. Mas ao chegar a um conjunto consistente de perguntas (para suasatisfao) e conseguir o texto explanatrio sobre seu questionamento, voc terento os materiais necessrios para comear a escrever a proposta. Faa, assim,um texto claro, pensando em um leitor que possa compreender seu projeto.Use o que for possvel e interessante, dos documentos preparatrios, no textoda proposta. Lembre-se de que voc no est escrevendo um artigo; dessa forma,evite respostas antecipadas e um tom de terminalidade. Mantenha o texto abertopara futuros desenvolvimentos e no esconda suas dvidas.

    No se preocupe excessivamente com o atendimento desses passos, comose fossem uma receita rgida. Tome suas prprias decises. Tais indicaes sogenricas, e sua construo de problema especfica. Voc pode, ento, se

    sentir mais produtivo deixando de lado alguma coisa e inventando outras tticas.

    RELAES ENTRE PROBLEMA E OBSERVAOEm uma fase inicial, os desenvolvimentos tericos e o planejamento da

    observao podem ser ainda bastante preliminares. No momento e com rela-o construo do problema de pesquisa , quero apenas chamar a atenopara duas ou trs idias bsicas sobre relaes entre o problema de pesquisa eo trabalho concreto de investigao.

    Deve haver uma forte coerncia entre o problema de pesquisa e a percep-

    o da realidade (investigao propriamente dita). Mesmo que a previso deta-lhada das verificaes a serem feitas corresponda a uma etapa posterior deplanejamento, importante pensar desde j no que voc pretende observarsistematicamente.

    Primeiro, para prefigurar o que ser seu trabalho de campo. Voc vai entre-vistar pessoas? Quantas? Onde? Examinar produtos miditicos(programas de TV,sitesde internet, fotografias)? Acompanhar experincias pedaggicas? Quais,quantas, segundo que perspectivas? Ir observar diretamente pessoas em atividadeno mundo real (interagindo na internet, o pblico de um festival de cinema,uma redao de jornal, uma escola)? Que situaes especficas interessam? Como

    vai observar (participando do grupo, apenas olhando, fazendo perguntas)? Paraobter que tipos de dados?Como se v, uma listagem seria infinda. Pensar em suas alternativas espe-

    cficas relevante, porque essa vai ser a investigaopropriamente dita. Vococupar uma boa parte do seu tempo fazendo tais coisas e no deve serapanhado de surpresa, na hora da investigao, sem saber direito o que fazer,nem descobrir de ltima hora que aqueleproblema exige certas observaes.

    Mas h uma outra razo para pensar nisso desde o comeo. Voc devedecidir se as observaes que est pensando em fazer so coerentes com o

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    problema de pesquisa que comeou a construir. Aquele problema, apresentadodaquele modo, ser adequadamente gerador de conhecimentos atravs dessasobservaes?

    Assim, prefigurar as observaes um bom teste para a qualidade da cons-truo do problema. Caso as observaes imaginadas no paream estar bemarticuladas com o problema, tente decidir se outras seriam melhores, mais ajus-tadas. Mas tambm possvel que as observaes pretendidas sejam interessan-tes. Neste caso, faa uma boa reviso em suas perguntas para ajust-las ao trabalhoinvestigativo que est querendo fazer. Elas sero aperfeioadas, ajudando adesenvolver o problema de pesquisa.

    Voc ter, assim, iniciado concretamente seu projeto de pesquisa. Apartir da, as buscas tericas viro a servio do projeto e no como abstraodesconectada. Pode ser um bom comeo.

    Resumo: O presente artigo, dirigido aestreantes em pesquisa, trata dos movi-mentos reflexivos e construtivos iniciaispara desenvolver um projeto. Depois depropor que a habitual insistncia em hip-teses de pesquisa pode levar a equvocos,quando se trata de pesquisas qualitativas,enfatiza o trabalho preliminar de constru-o do problema de pesquisa. Explicitacaractersticas mnimas de um problemaadequado, afastando tipos de proble-ma pouco promissores. Apresenta ento,sobre esta base, indicaes prticas paratal construo, atravs de um exerccio emcinco passos ou fases. Finalmente relacio-na a previso da observao (investigaopropriamente dita) com a construo doproblema.

    Palavras-chaves: projeto de pesquisa, pro-blema de pesquisa, investigao.

    Abstract: This article, addressed to be-ginners in research, comments on theconstructive initial movements to developa project. After proposing that the usualclaim forresearch hypothesismay lead toflaws in qualitative research, it emphasizesthe preliminary work of constructing theresearch problem. It lists basic charac-teristics of an adequate problem, discar-ding non-promising types. Upon that basis,it proposes some topics on problemconstruction, by means of a five steps exer-cise. Finally, it suggests a relationshipbetween the plan of observation (theinvestigation itself) and the constructionof the problem.

    Keywords: research project, researchproblem, investigation.