Para Além Dos Dogmas
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Para além dos dogmas
Qui, 08 de Maio de 2014 10:36 Frei Betto :: O Globo
Participei, de 1º a 4 de maio, do Encontro Nacional de Juventudes e Espiritualidade Libertadora.
Reuniu cerca de 400 pessoas em Fortaleza, a maioria com menos de 30 anos. A notícia triste foi
a transvivenciação, em Goiânia, dia 2, de Dom Tomás Balduino, bispo dominicano defensor de
indígenas e sem-terra.
Há, hoje, uma busca difusa por espiritualidade. Porém, os sedentos não encontram com facilidade
o caminho do Poço de Jacó (João 4).
Até o surgimento do cristianismo, as religiões se prendiam a limites étnicos, culturais e territoriais.
O apóstolo Paulo universalizou a proposta de Jesus, estendeu-a a todos os povos sem
precisarem renunciar a suas identidades culturais.
Por que espiritualidade e não propriamente religião? Espiritualidade e religião se complementam,
mas não se confundem. A espiritualidade existe desde que o ser humano irrompeu na natureza.
As religiões são recentes, datam de oito mil anos.
A religião é a institucionalização da espiritualidade, como a família o é do amor. Há relações
amorosas sem constituir família. Há espiritualidade sem identificação com religião. Há, inclusive,
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espiritualidade institucionalizada sem ser religião, caso do budismo, uma filosofia de vida.
As religiões, em princípio, deveriam ser fontes de espiritualidade. Em geral, elas se apresentam
como catálogos de regras, crenças e proibições, enquanto a espiritualidade é livre e criativa. Na
religião, predomina a voz exterior, da autoridade religiosa. Na espiritualidade, a voz interior, o
“toque” divino.
A religião é instituição; a espiritualidade, vivência. Na religião há disputa de poder, hierarquia,
excomunhões, acusações de heresia. Na espiritualidade predominam a disposição de serviço, a
tolerância para com a crença (ou a descrença) alheia, a sabedoria de não transformar o diferente
em divergente.
A religião culpabiliza; a espiritualidade induz a aprender com o erro. A religião ameaça; a
espiritualidade encoraja. A religião reforça o medo; a espiritualidade, a confiança. A religião traz
respostas; a espiritualidade, perguntas. Religiões são causas de divisões e guerras;
espiritualidades, de aproximação e respeito.
Na religião se crê; na espiritualidade se vivencia. A religião nutre o ego, uma se considera melhor
que a outra. A espiritualidade transcende o ego e valoriza todas as religiões que promovem a vida
e o bem. A religião provoca devoção; a espiritualidade, meditação. A religião promete a vida
eterna; a espiritualidade a antecipa. Na religião, Deus, por vezes, é um conceito; na
espiritualidade, experiência inefável.
Há fiéis que fazem de sua religião um fim. Ora, toda religião, como sugere a etimologia da palavra
(religar), é um meio de amar o próximo, a natureza e a Deus. Uma religião que não suscita
amorosidade, compaixão, cuidado do meio ambiente e alegria serve para ser lançada ao fogo.
Há que se cuidar para não jogar fora a criança com a água da bacia. O desafio é reduzir a
distância entre religião e espiritualidade. E não abraçar uma religião vazia de espiritualidade nem
uma espiritualidade solipsista, indiferente às religiões.
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Há que fazer das religiões fontes de espiritualidade, amor e justiça. Jesus é exemplo de quem
rompeu com a religião esclerosada de seu tempo e vivenciou e anunciou uma nova
espiritualidade, alimentada na vida comunitária, centrada na atitude amorosa, na intimidade com
Deus, na justiça aos pobres, no perdão. Dela resultou o cristianismo.
Quem pratica os ritos de sua religião, acata os mandamentos e paga o dízimo, mas é intolerante
com quem não pensa ou crê como ele, pode ser um ótimo religioso, mas carece de
espiritualidade. É como uma família desprovida de amor. A espiritualidade deveria ser a porta de
entrada das religiões.
*Publicado originalmente em http://oglobo.globo.com/sociedade/para-alem-dos-dogmas-
12415633#ixzz317u1XUwK
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