Papos Coletivos

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João Pessoa / 2015

1º título da Imbuá Papelaum, editora colaborativa de livros com capas de papelaum pintadas e costuradas artesanalmente!

1ª edição do livro Papos Coletivos, Luiz Víctor, composto por 24 tex-tículos que versam sobre o andar de ônibus, ilustrações por Lizi Cor-reia. Fonte Gill Sans MT, papel offset 75g, tiragem de 50 exemplares.

À Tancredo Fernandes

[email protected]

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Os “papos coletivos” são nossos e de todo mundo. O corre-corre, as angústias, a labuta, o cansaço, os prazeres, a ordem e a desordem, as maneiras inventadas pra passar o tempo, as estórias imaginadas como as estórias vividas como as estórias que se ouve dizer, os conselhos dados e recebidos, os dilemas, a imitação do cotidiano são meus, seus e de todo mundo. A licença que peço é pra escolher o local de onde reproduzir todo esse universo: do assento de um ônibus lotado embalando carreira, voltando pra casa; difícil de escrever nesse empurra-empurra e meia-luz,

as personagens circulando, as palavras correndo passageiras...

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qualquer hora de ônibusquem não passa desperto

leva tombo de sono!

“vai descer!”

o coletivo é um rombo no egoísmo da senhora,no cisma do “vai descer!”, se segura com as duas mãos.

“é na próxima.”

“puta que pariu!”,o mole da cordinha é instrumento musical???

“é nessa agora.”“faz assim: para ali mais na frente por causo do esquisito.”

‘causo’ do esquisito, concordanocausa esquisita, do outro jeito, mas nem é:

“é que tá teno muito assalto!”

“paro sim, vovó.”

papos

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na mesma, dois magrela, deizano de idade, dividem um giro de roleta.“é que somos meio-estudantes, as vez vai pra aula, as vez não”,

uma explicação.meio-estudantes, cada um uma metade,

explicados meia-boca prum troncho de beiço do cobrador.

“algum abençoado pra emprestar o cartão?”“hoje tá bem menas gente.”

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tudo querer é um assento pra se sentarou um degrau pra não se subir: sentar.

sentar no chão, se desse.

“desce aqui e pega outro, começa com três, pergunta pra alguém na parada.”

“mãe, olha um cirne na lagoa? cirne voa não?”“é de brinquedo, ou sei lá.”numa freada tá levando boi.

“deixe seu cartão junto de telefone não que ele bagunça o chips do cartão.”

a outra que tentou cinco vez, aproximando bem direitinho,pra na sexta descobrir faltano centavos pro giro.

“vai descer!”

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tudo querer é um assento pra se sentarou um degrau pra não se subir: sentar.

sentar no chão, se desse.

“desce aqui e pega outro, começa com três, pergunta pra alguém na parada.”

“mãe, olha um cirne na lagoa? cirne voa não?”“é de brinquedo, ou sei lá.”numa freada tá levando boi.

“deixe seu cartão junto de telefone não que ele bagunça o chips do cartão.”

a outra que tentou cinco vez, aproximando bem direitinho,pra na sexta descobrir faltano centavos pro giro.

“vai descer!”

sabença

“mataro foi dois, ontem, na linha do trem.”“uns peste, tudo envolvido”

um jovem trabalhador mete a cabeça na janela.cochilando seu trajeto, assustou com um ‘clanque!’:o pega-vento do teto fechado num repente.começou foi chuva.

“abafado demais! abre por um menos um dedo aí da janela!”o prejuízo vem algumas paradas à frente, no estio:a moça sentada no assento do corredor afasta, mas avisa a estudante:“tá molhado o banco.”“tem problema não.”inda de pé, tira da bolsa o cadernoe arranca quase uma matéria de folhas pra fazer de assento.

os rabiscos caquiados no papel encharcam!“menina, tinha coisa escrita aí”, a moça.“eu sei, esse assunto eu já sei.”seu passatempo até chegar em casa vai ser seguir o picote das folhas,as que permaneceram enxutas, sem danificá-las.

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passatempos

prezando pela uniformidade do passar-tempoo vendedor de jornais oferece seu produto pela janela.

três compradores, todos do mesmo lado do ônibus, equidistantes

um na cadeira da frente, um no meio, outro na parte traseira.

têm início uma leitura em cânone.lá na frente, o moço lê a primeira página

logo, a moça do meio; logo, o senhor de trás.

o arbítrio mela a sincronia:o moço parte pra os dois meninos que assassinaram em algum lugar.

a moça pros sete erros.o senhor pro ensaio fotográfico sensacional.

no coletivo, cada um é um no manuseio de coisas afins,mesmo manuseio passageiro.

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dilemas

depois da roletana fronte da jovem lê-se a angústia:“que lado é o lado do sol?”por que nunca sabe isso?em que momento guardará essa certeza pra sua vida coletiva?

é de manhã. no seu trajeto“que lado é o lado do sol?”na fileira esquerda, apenas um assento disponível, na janela.na direita, um banco todo, dois lugares.“que lado é o lado do sol?”

agora, o sol está na direita,mas em que curva, em qual altura o jogo vira?vira? qual lado garante menos castigo de raios na cara?se tivesse tempo pra decidir.mais à frente, na outra parada, tem gente que só quer saber de sentar.ela quer sentar, mas com poréns. isso porque hoje tem oportunidade de ostentar poréns.

“que lado é o lado do sol?”depois da reflexão - o apito do ônibus já vai avisando outra paragem -

chuta na fileira esquerda.

erra.vinte minutos de ardido no rosto como punição.

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estanque

parada passa o tempo

devagar,

sério.

sentadinho ou de pé.reclamando da demora,

cochichando internamente os afazeres do dia,se tem almoço em casa,

se pega direto pro turno seguinte,se ainda tem crédito no cartão.

parada bem seria aproveitada se fizesse jus ao nome:uma paragem na lógica extra-labutar!

um descanso coletivo!não a angústia de

“passa todos, só não passa o meu!”

quer uma ação melhor do que parar?se instalassem redes de canto a canto,

dispusessem livros, lápis, papel pra espera,fazer poesia no parar.

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direções

“para perto do posto?”“para perto daquele restaurante que cai água pelas parede?”“para perto do fórum?”“motorista, para perto daquela praça que tem?”

“eita, a bichinha desceu agora ó! era na outra, rapaz!”

“para perto daquela estauta das pomba?”“cobrador, para perto do liceu? vou fazer um inzame, é por ali.”

“tou fazeno a linha aqui pela primeira vez.”

“certo! mas para perto do cemitério?”“num tem aquela mata do buraquinho? para perto?”

“fasta um pouquinho preu passar, carai!”TTSSSSHHHH!!!

“quebrou.”“desce tudinho pra pegar o de trai!”

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favores

a panfletista, depois do dia em pé, quer tudo ser sentar.perde a disputa, sem sorte ou força na aglomeração do pé da escada.

“alguém há de (pelo menos!) segurar mia bolsa!”

se chega perto de um dos bancosanimando no rosto uma expressão

de quem vai morrer em poucos instantes:nada.

a estudante sentada catuca o celularseu colega pedreiro cochila os esforços do dia.

consegue avançar pra perto de outra dupla descansadafazendo um teatro de ajustar as alças da bolsa combinado com um suspiro forte de enfado:

nada.pro casal ali sentado, nada além deles mesmos,

numa ligação sem parada de olhos e papo.

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não deu nem metade do caminho.

outra tentativa, vale-tudo, com resmungo alto:“ai, como tou cansada...”

uma moça solit-dária acolhe o apelo“quer que segure a bolsa, senhora?”

“por favor.”

mesmo que um chumbo apoiado no colo.“sem querer me meter, mas a senhora vem levando o que nessa

bolsa?”“setenta e três panfletos e uma jaca mole pro meu tonho.”

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conselhos

o ônibus imbicando num pé de ladeira...emperra segundos.

“eita, vai voltar, sobe não!”rompem palmas e risadagem quando consegue subir.

momentos depois:“e eu num cochilei ontem na direção?”, motoristaem bom som, comentário-despojo com o cobrador

“queria ver se cochilasse nessa ladeira.”

a secretária cinquentona aconselha a vendedora de verão“no trabalho, a pessoa tem que ser ruim!

pode ser muito boazinha não!”a orientada lamenta é os tormentos do gerente...

“nem pode baixar cabeça também não!”--

uma esposa reclamante conversa dissabores do seu matrimônioa amiga advoga pelo seu bem-estar

“só a graça! bote na justiça! tu tem algum bem?”

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sem advertência, uma colega de duração vinte minutos de trajeto

entra no assunto ‘cabelo’, pegando no da outra“fosse tu, eu alisava, mulher.”

--o rapaz tenta convencer o senhor,

logo o senhor que encoivara seus vinténs num baú pra ir torrando aos poucos,

do quão seguras são as contas bancárias“e num faz medo não?”

“é tudo na mais perfeita ordem!”--

se tiver chance, a moça vai dizer que a calcinha da outra está toda na rua.

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imundície

o túnel deixa o escuro momentos.no breu, o sentido mais vivo é o cheiro.

logo ali, perto da chinela, um verde azedo empapado. a poesia do lodo é fazer escorregar,

seu crescer é duma idade úmida e descuidada.

a barata é dona da sujidade do ônibus,convivendo numa paz por dentro dos forros.

uma espiga de milho descaroçada rola da roleta até as cadeiras altas.

a criança sem costume faz porcaria“mainha, eu vomiti!”

numa seis e meia apertada, os perfumes individuais travam guerras.ganhou a moça da inhaca doce abala-quarteirão.

lá vem voltando o sabugo de milho das cadeiras altas até a roleta.

o túnel deixa o escuro momentâneouma armadilha suja de sentidos.

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achismos

parece que vai faltar água amanhã.“diz que morreu um jumento na estação de tratamento.”“diz que estourou um cano grande ali perto do viaduto.”“diz que vão só limpar mesmo as caixa d’água, parece.”

que trânsito é esse?“diz que teve uma barroada ali, morreu uns três.”

“diz que é os estudante no mei da rua por causo do aumento das passagem.”

“diz que tão reformando a pista pra caber mais carro.”

fedor danado.“diz que é lodo transbordado da lagoa.”

“diz que vem daquele senhor ali, um papudo coitado.”“diz que é esgoto fazendo o caminho de volta.”

todo assunto motiva opinião de ‘ouvi dizer’.

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encargos

no corredor do coletivoa vendedora de amendoim é prática no bordão de venda

“bora?”, mostrando os saquinhos.o desenrolar do ambulante se precisa natural

“boa tarde, senhores passageiros.”--

o estudante parece canso de saber que jesus tem um plano na vida dele.

--a cabeleireira censura a aposentada:

deu esmola prum senhor de cartela de remédio vazia na mão“tem doença não, isso eu conheço, joga tudo no bicho.”

--na cabeça da aposentada,

o preço do espremedor de laranja tá pela hora da morte,mas é seduzida num rompante de paixão pela simpatia do vendedor

“é só girar aqui na laranja, assim!, e espremer todo o suco da laranja, assim!”

compra dois, um pra presente.

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negociante bem-informado evita ladainha“dez centavos, qualquer moeda...”

pelo contrário, tenta personalizar cada viagem com um contexto único“esse é o décimo quinto ônibus que tou tomando hoje, pessoal, e...”

--a senhora jura ter escutado um sem número de vezes

aquele rapaz falante pedir dinheiro pra comprar refrigerante pra revender;já tinha o isopor, faltavam as bebidas.

também jura que num outro diajá tinha as bebidas, faltava o isopor.

Page 22: Papos Coletivos

passatempos

“pra governador, tu vai votar em quem?”“em tal.”

“cabra safado daquele, rapaz!”“eu tou desrespeitando seu candidato?”

“ele quer é pra ele e pra família dele!”

passatempo coletivo em época de eleiçãoé enfeitar o santinho do candidato com chifre,

brinco, bigode e falta de dente.

os estudantes comparam seus figurões macaqueados“é o satanás é?”

“o meu tá faltano um lacinho aqui na cabeça, peraí...”

no sinal, a moça faz malabarismo com a bandeira do candidato.a panfletista fomenta os gênios dos maquiadores de políticos

entregando a figurinha do engravatado num papel bom de riscar.

com a mesma matéria-prima,a estudante reproduz uma dobradura.

larga-a no banco, imaginando felicidade duma criança passageiradando de cara com um pássinho de papel.

o número do candidato se divide nas asas de um cirne azul de origami.

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meninices

menino inquieto,doze anos de idade passados por sete pra não pagar passagem.

delgado,burla roleta que é um perito.

--controlando três crianças, segurando dois sacos,

ignorando o celular apitandouma mãe ainda acha espaço pra comentar com outra:“me emocionei com a qualidade da creche, mulher.

tem até um jardim!”--

a criança quer, precisa entender porque o cabelo do estudante é tão longo e duro.

conclui – sozinho! - ser legal.“quero deixar meu cabelo assim, mainha.”

“quando você tiver sua própria casa e seu próprio dinheiro.”, educadamente.

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por um momento, na cabeça de um pai ex-bodoqueirocontrapõem-se a moderna pistola de soprar bola de sabão

ao cano antigo de soprar bola do pé de mamão.--

num instante íntimo, a mãe canta com seu filho“a dona aranha subiu pela parede...”

“caiu! ajuda a dona aranha!”--

o pai explica ao seu filho porque não paga a passagem:“é i ah-ai é i-pé-ci-al.”

--na volta pra casa, o menino, contente de ter tirado suas fotos 3x4,sugere à mãe que na próxima vez leide também vá tirar retrato

para os documentos dela.“mas leide é um animal, filho, ela não precisa de documento.”

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chamadas

a senhora atende o celular“oi, amiga! tou ouvindo nadinha, tou no ônibus!”

puxa a cordinha até o nível da cintura.“apitou? vou descer ali antes da padaria, meu filho.”

o perito de máquinas tranquiliza a mãe pelo telefone“demitiram uns vinte hoje; foi; fiquei com medo que só;

graças a deus, fiquei.”não vai jantar.

“vou direto pra autoescola.”

o artesão cuida de sua família através do aparelho“diga a ele que não precisa comprar mais não

que já tou com a receita.”“é dois pra tomar, é dois, viu? isso! são dois comprimidos.”

“ele disse que tem que cuidar senão dá uma pneumonia, uma bronquite.”

a estudante se desencontra instantaneamente dela mesma quando esquece o celular em casa.

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normas

o construtor civil, contente de conseguir assento,banco dando azo a cochilo bom até perto de casa,se irrita - das profundezas de sua canseira! -

com o jovem curtindo um som nas alturas“isso não pode não, rapaz! agora é lei, se pegue na lei, vá na lei!”

a indiferença do dj se iguala à frustração de quem protesta.--

duas comadres de assento varam conversas sobre temas variados“por mim, era pra pegar esses bandido, enfileirar eles tudo e fuzilar!”

a mãe, pálida, pensa mudar de assunto, porque o filho desceu pro presídio tem três dias.

--por um momento, no oco do quengo cansado do estudante goro

contrapõem-se sua roupa confortável anticaloraos motivos práticos de ter de vestir uma calça

pra assinar documento em órgão público.--

o motorista desdenha dum cangueiro“respeitar as leis de trânsito ninguém quer, né?”

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resmungos

a senhorinha sacoleira da parada conversa só:

“já me estresso com os problema de nervo que tenho e cadê os õibu? umas meia-hora que tou nessa parada, por baixo, meia-hora; soubesse num tinha nem descido no mercado só pra comprar boldo, se bem que é um santo remédio, umas folha e louro também pra o chá que vou fazer hoje; o padre reza uma missa de sétimo dia hoje pra minha irmã e não chega um õibu! faliceu nova demais, quem le-vou foi o cigarro; eu digo do cigarro é que tem que saber fumar, eu fumo tem trinta e três anos diariamente e faço tudo: trabalho, ando. sobrasse um dinheirinho eu ia comprar até um carro pra dirigir, tiro minha carteira rápido, ficar dependendo de õibus! dá nessa espera

de hoje aqui. passou algum que começa com seis já?”

“passou agorinha o da senhora, nem parou.”

“num diga isso não...”

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passatempos

o menino espera o pinote na lombada do trajeto que bem conhece,sentado na última cadeira, se querendo suspenso.

hoje vai ser bem alto que tem um pé-de-tijolo na condução.vai voar, tocar no teto depois do embalo da ladeira e da lombada.

“é agora, é agora, é agora!”TSSSSSSSSHH! TAN-DAN!

--a senhora gosta quando o sinal tá fechado e se vê ipê maravilha em flor da janela.

--o tratante espera as curvas pra relar nas moças.

vá relar nela ali, na gorda feirante“vem sentar perto de mim, bebê, pra tu ver o que é que tu ganha.”

--o mergulho que a empregada doméstica dá nos fones de ouvido

é tão forte e profundoque respingam ruídos nos passageiros ao seu redor.

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(des)enganos

o rastro do caminhão de lixo engana a aposentadaacusa com os olhos pum duma mocinha fardada.

encanador na cintura tem cano serradorela na moça, vira ‘cabra-safado’.

o troco era pra dezcobrador deu pra vinte.

o rapaz pensou que ia pro centrodeu foi uma volta completa nas beiradas da cidade.

depois de quarenta minutos parado na paradasoube que o ônibus não parava ali.

assustado do cochilo, o estudante corre pra descer,mas ainda é duas quadras mais pra frente.

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primeira vez na linha motorista já queimou cinco paradas.

o senhor grisalho censurado achava que a gratuidadeera a partir dos cinquenta e cinco e meio, uma idade madura.

o brilho de uma bala embrulhada seduz o meninoé chiclete mastigado em reembrulho.

a barata tonta embaixo do assento se acha protegida do esmagamentonem está, o menino mira a sola da chinela

TTRESHH!

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ebriedade

o feirante dopado de fumaçao pedinte dopado de pedra

a senhora dopada tarja pretao bacharel dopado de lei

o estudante dopado de pretensãoo cobrador dopado de farinha

e pra ficar na linha todos vão noiar!--

um papudo, quase desfeito, se pendura numa das cadeiras altas, cochilando sempre.

“normalmente vem fazeno baderna o caminho todo, hoje nem se firma...”

--o motorista tenta espantar um ciclista bêbado da pista“ói mermo a mazela no mei da rua. sai da frente!”

Page 32: Papos Coletivos

as vezes não se quer passar sóbrio por momentos que parecem não passaro arrastar do transporte leva a paragens

onde nem sempre se quer estar

os traços tornados torpes, dóceisou acelerados no derredor

a realidade tremelicando, tornada outrao ilusório não necessariamente ruimclima eufórico pra que se evite um

“que droga!”

Page 33: Papos Coletivos

cansaço

o ronco da senhora espanta todos.o menino sugere cutucá-la pra fazer parar.

“deixa a pobre...”

impossível descansar!no rapaz, paradinho, se segurando com as duas mãos

a única articulação que se mexe é a do pé do pescoçoa cabeça pescando, um sugado de baba de vez em quando.

cinco horas da manhã, o menino ainda dorme na camadeitado no seu território de três assentos.

qualquer hora de ônibusquem não passa desperto

leva tombo de sono!

Page 34: Papos Coletivos

planos

estudantes amigas de longa data animam seus projetos

“quando tu for morar só tu vai querer casa ou apartamento?”

“ainda vou me decidi-me.se eu for morar só só mesmo, assim, solteira,

pode ser apartamento, menos trabalho. mas se eu arranjar uma pessoa, vou preferir uma casa.o que eu não gosto muito é de vai pra lá, vem pra cá.”

“vai querer ter filho?”

“assim, vou! tenho na cabeça isso.mas pode ser que não, também.

vai que num ache um pai que preste.”

Page 35: Papos Coletivos

“vai querer universidade?”

“se ela me quiser também, eu quero.vou fazer um curso grande, uma engenharia

gosto de inventar as coisas.”

“e carro? tu vai querer ter carro?”

“mulher, quem não quer?ninguém merece isso aqui não

chei de trepeça.”

Page 36: Papos Coletivos

dilemas

dum lado o motoristao que guia, conduz ao destino.

do outro, o cobrador o que recebe pelo passeio pro bolso dum terceiro.

são parceiros, seus trabalhos se conjugam prum serviço de leva e traz“sabe guega? aquele motorista do boné que tava lá na garagem ontem?

corno feliz ali, a dona faz o que quer!”

prum serviço de leva e traz tambémna satisfação do transportar coletivos de pessoas.

“valeu, motô.”“bom serviço, meu irmão.”

--na cabeça da senhora, simpática a hierarquias

se instaura um dilemaquem manda no ônibus? o motorista ou o cobrador?

Page 37: Papos Coletivos

quando tem um desordeiro pra expulsar, a última palavra é de quem?

quem pega pela gola e enxota na calçada, com toda razão?

quem autoriza entrada pela porta que não dá na roleta?o motorista que abre a porta TSSHH!?

ou o cobrador que bate a moeda no cano TIMTIM!?

quem manda no ônibus?

se fosse a senhora que mandassetinha canto pra todo mundo

e o assento era com uma engenhoca massageadora.gratuito.

quem bagunçasse pulava fora.

Page 38: Papos Coletivos

utopias

a secretária se pergunta se vai viver um futuro em que os carros vão voar.

fica imaginando o céu de pôr pipocado de automóvel.na sua fantasia modernosa,

os ônibus descem os passageiros em qualquer ponto.gostaria hoje de ter preferência, a chave-mestra das direções.

num arranque, o coletivo ganha céu, transpõe canteiros.num repente, pousa suave bem na porta de casa.

se despede-se“obrigado, motorista.boa noite, cobrador.

bom trajeto, passageiros.”no futuro, não vai precisar sair xingando todo mundo.

Page 39: Papos Coletivos

circulares e

“outro dia sonhei que tava num ônibus, pra pegar outro ônibus, pra pegar outro ônibus.”

“eu pego esse aqui todo santo dia.”

o menino é feliz de ter aprendido a amarrar os sapatos.os desamarra só pra amarrar de novo.

“eu aprendi, num foi, mainha?”“unhum...”, assistindo na tv do coletivo o quão bom é o carro da propaganda.

“vai descer!”

no meio do transporte não se alcançam fins!tudo é condução, as certezas que se pregam não são absolutas

tudo é passageiro.

o baticum dos corações das pessoas é passageiro!o viço da pele vaidosa é também:

subiu numa parada jovemvai descer no ponto final, em pelanca.

Page 40: Papos Coletivos

“vou dar um giro no circular só por dar.”ninguém dá.

o fim que se quer é o transporte de aqui de onde estouatéééé onde se quer ou se deve estar.

eu dei um giro no circular, só por dar.e, quando penso voltar pro mesmíssimo local,

já não é!

duas paradas antes a senhora me ensinou a fazer um ponto de tricô,aprendi com o cobrador como faz pra ser rápido numa fila de banco

e com a criança como se faz pra rir de um rosto que some e aparece, some e aparece...

o coletivo de passageiros é a palavra ‘permanente’.

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