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PAPEL DA INICIATIVA PRIVADA NOS SISTEMAS DE PROTEÇÃO SOCIAL E A CONCRETIZAÇÃO DOS DIREITOS DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS SOCIAIS RÔLE DE L'INITIATIVE PRIVÉE DANS LES SYSTÈMES DE PROTECTION SOCIALE ET LA CONCRÉTISATION DES DROITS DES DROITS FONDAMENTAUX SOCIAUX Suzani Andrade Ferraro Manoel Messias Peixinho RESUMO O presente artigo objetiva discorrer sobre a atuação dos particulares na prestação de serviço público. Para alcançar esse propósito, faz-se um estudo das origens e desenvolvimento da proteção social e participação da iniciativa privada, em que se estuda a função da família, do Estado e dos grupos profissionais ou corporativos na prestação de serviços de assistência social às camadas socialmente excluídas. No segundo capítulo analisou-se a crise da seguridade social e as reformas previdenciárias com a ampliação da participação da iniciativa particular no setor público. Nessa linha de reflexão, destacou-se que a Constituição brasileira de 1988 ampliou bastante a cobertura de benefícios sem contrapartida, o que provocou uma crise no sistema de seguridade brasileira. No terceiro capítulo foi abordada a participação da iniciativa privada no o sistema de seguridade social brasileiro. Nessa linha de reflexão, destacou-se que a Constituição Federal de 05/10/1988 reformulou todo o sistema de seguridade social e reuniu as coberturas de previdência, assistência e saúde, regulando-as com princípios e objetivos básicos e fundamentais do Estado Social de Direito: justiça social, bem- estar social, primado do trabalho, solidariedade e, em especial, dignidade da pessoa humana. Nesse sentido, a matéria que até então era tratada no mesmo capítulo dos direitos trabalhistas passou a integrar o título “Da ordem social” com a abrangência dos artigos 193 a 204. No capítulo quarto foi feita uma reflexão sobre as modalidades de participação privada nos sistemas nacionais de proteção social com o destaque de que a Constituição brasileira previu, explicitamente, a participação de entes não-estatais na concessão de prestações relativas à seguridade social. Ressalte-se que a participação dos particulares nas ações de seguridade social ocorre tanto na qualidade de delegatário do Estado, com a prestação de serviço público, * Trabalho publicado nos Anais do XIX Encontro Nacional do CONPEDI realizado em Fortaleza - CE nos dias 09, 10, 11 e 12 de Junho de 2010 3385

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PAPEL DA INICIATIVA PRIVADA NOS SISTEMAS DE PROTEÇÃO SOCIAL E A

CONCRETIZAÇÃO DOS DIREITOS DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS SOCIAIS

RÔLE DE L'INITIATIVE PRIVÉE DANS LES SYSTÈMES DE PROTECTION

SOCIALE ET LA CONCRÉTISATION DES DROITS DES DROITS FONDAMENTAUX

SOCIAUX

Suzani Andrade Ferraro

Manoel Messias Peixinho

RESUMO

O presente artigo objetiva discorrer sobre a atuação dos particulares na prestação de serviço

público. Para alcançar esse propósito, faz-se um estudo das origens e desenvolvimento da

proteção social e participação da iniciativa privada, em que se estuda a função da família, do

Estado e dos grupos profissionais ou corporativos na prestação de serviços de assistência

social às camadas socialmente excluídas. No segundo capítulo analisou-se a crise da

seguridade social e as reformas previdenciárias com a ampliação da participação da iniciativa

particular no setor público. Nessa linha de reflexão, destacou-se que a Constituição brasileira

de 1988 ampliou bastante a cobertura de benefícios sem contrapartida, o que provocou uma

crise no sistema de seguridade brasileira. No terceiro capítulo foi abordada a participação da

iniciativa privada no o sistema de seguridade social brasileiro. Nessa linha de reflexão,

destacou-se que a Constituição Federal de 05/10/1988 reformulou todo o sistema de

seguridade social e reuniu as coberturas de previdência, assistência e saúde, regulando-as com

princípios e objetivos básicos e fundamentais do Estado Social de Direito: justiça social, bem-

estar social, primado do trabalho, solidariedade e, em especial, dignidade da pessoa humana.

Nesse sentido, a matéria que até então era tratada no mesmo capítulo dos direitos trabalhistas

passou a integrar o título “Da ordem social” com a abrangência dos artigos 193 a 204. No

capítulo quarto foi feita uma reflexão sobre as modalidades de participação privada nos

sistemas nacionais de proteção social com o destaque de que a Constituição brasileira previu,

explicitamente, a participação de entes não-estatais na concessão de prestações relativas à

seguridade social. Ressalte-se que a participação dos particulares nas ações de seguridade

social ocorre tanto na qualidade de delegatário do Estado, com a prestação de serviço público,

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quanto nas hipóteses de exploração de atividade econômica, em regime de direito privado,

ainda que submetido à regulação e fiscalização estatal.

PALAVRAS-CHAVES. SEGURIDADE SOCIAL. PREVIDÊNCIA. PAPEL DA

INICIATIVA PRIVADA NOS SISTEMAS DE PROTEÇÃO SOCIAL.

CONCRETIZAÇÃO DOS DIREITOS DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS SOCIAIS

RESUMÉ

Présent article objectif discourir sur la performance des particuliers dans la prestation

d'intérêt public. Pour atteindre cette intention, il se fait une étude des origines et un

développement de la protection sociale et une participation de l'initiative privée, où s'étudie

la fonction de la famille, de l'État et des groupes professionnels ou corporatifs dans la

prestation de services d'assistance sociale aux couches socialement exclues. Au second

chapitre il s'est analysé la crise de la sécurité sociale et les réformes previdenciárias avec

l'élargissement de la participation de l'initiative particulière dans le secteur public. Dans

cette ligne de réflexion, s'est détaché que la Constitution brésilienne de 1988 a élargi

beaucoup la couverture de bénéfices sans contrepartie, ce qui a provoqué une crise dans le

système de sécurité brésilienne. Au troisième chapitre a été abordée la participation de

l'initiative privée dans l'o système de sécurité sociale brésilien. Dans cette ligne de réflexion,

il s'est détaché que la Constitution Fédérale de 05/10/1988 a reformulé tout le système de

sécurité sociale et s'est réunie les couvertures de providence, l'assistance et la santé, en

réglementant elles avec des principes et objectifs basiques et fondamentaux de l'État Social de

Droit: justice sociale, bien-être social, primat du travail, solidarité et, en particulier, dignité

de la personne humaine. Dans ce sens, la matière qui jusqu'à alors était traitée au même

chapitre des droits travailleurs a commencé à intégrer le titre « de l'ordre social » avec

l'abrangência des articles 193 à 204. Au chapitre quatrième a été faite une réflexion sur les

modalités de participation privée dans les systèmes nationaux de protection sociale avec la

proéminence dont la Constitution brésilienne a prévu, explicitement, la participation de

l'initiative privée dans la concession de prestations relatives à la sécurité sociale. Il se

rejaillisse que la participation des particuliers dans les actions de sécurité sociale se produit

de telle façon en la capacité de delegatário de l'État, avec la prestation d'intérêt public,

combien dans les hypothèses d'exploration d'activité économique, dans régime de droit privé,

malgré soumis au règlement et à la surveillance d'état.

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MOTS-CLÉS. SÉCURITÉ SOCIALE. PROVIDENCE. RÔLE DE L'INITIATIVE PRIVÉE

DANS LES SYSTÈMES DE PROTECTION SOCIALE. CONCRÉTISATION DES

DROITS DES DROITS FONDAMENTAUX SOCIAUX

INTRODUÇÃO

O presente artigo objetiva discorrer sobre a atuação dos particulares na prestação de

serviço público. Para alcançar esse propósito, faz-se um estudo das origens e desenvolvimento

da proteção social e participação da iniciativa privada, em que se estuda a função da família,

do Estado e dos grupos profissionais ou corporativos na prestação de serviços de assistência

social às camadas socialmente excluídas.

No segundo capítulo analisou-se a crise da seguridade social e as reformas

previdenciárias com a ampliação da participação da iniciativa particular no setor público.

Nessa linha de reflexão, destacou-se que a Constituição brasileira de 1988 ampliou bastante a

cobertura de benefícios sem contrapartida, o que provocou uma crise no sistema de

seguridade brasileira.

No terceiro capítulo foi abordada a participação da iniciativa privada no o sistema de

seguridade social brasileiro. Nessa linha de reflexão, destacou-se que a Constituição Federal

de 05/10/1988 reformulou todo o sistema de seguridade social e reuniu as coberturas de

previdência, assistência e saúde, regulando-as com princípios e objetivos básicos e

fundamentais do Estado Social de Direito: justiça social, bem-estar social, primado do

trabalho, solidariedade e, em especial, dignidade da pessoa humana. Nesse sentido, a matéria

que até então era tratada no mesmo capítulo dos direitos trabalhistas passou a integrar o título

“Da ordem social” com a abrangência dos artigos 193 a 204.

No capítulo quarto foi feita uma reflexão sobre as modalidades de participação

privada nos sistemas nacionais de proteção social com o destaque de que a Constituição

brasileira previu, explicitamente, a participação de entes não-estatais na concessão de

prestações relativas à seguridade social. Ressalte-se que a participação dos particulares nas

ações de seguridade social ocorre tanto na qualidade de delegatário do Estado, com a

prestação de serviço público, quanto nas hipóteses de exploração de atividade econômica, em

regime de direito privado, ainda que submetido à regulação e fiscalização estatal.

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1.ORIGENS E DESENVOLVIMENTO DA PROTEÇÃO SOCIAL E PARTICIPAÇÃO

DA INICIATIVA PRIVADA

A família, o Estado e o grupo profissional ou corporativo realizaram durante muitos

séculos a prestação de assistência aos indigentes e excluídos socialmente. Ao lado da família e

do Estado, surgiu outro grupo social de assistência aos excluídos, que era o grupo corporativo

ou profissional1. Com este, a assistência assumiu a forma de assistência mútua que se revestiu

de características de uma espécie “previdência coletiva privada”, em que a cotização, o

mutualismo praticado pelos membros do grupo social constituiu o fundo de reserva para a

distribuição da assistência entre os associados. No Brasil, a Constituição brasileira de 1988

instituiu um modelo de seguridade com a adoção dos princípios da universalidade,

uniformidade e equivalência dos benefícios e serviços e eqüidade e solidariedade na forma de

participação no custeio, entre outros.

A Igreja Católica, em 1891, imbuída de ideias de solidarismo, resolveu lutar pela

implementação de uma ação estatal em favor dos excluídos socialmente, com a reivindicação

de salário justo e a criação de um aparelho assistencial2.

A proteção social para Mozart Victor Russomano3“tem sua história ligada a duas

tendências inatas no homem: a poupança e a caridade. Ela nasce do ponto de vista de cada

indivíduo, da necessidade de amealhar o necessário à segurança do futuro; mas vai além e,

do ponto de vista de terceiros, resulta de um sentimento caritativo de solidariedade, que se

manifesta na assistência aos necessitados”.

A professora Zélia Luiza Pierdoná4 classifica a história da proteção social em quatro

fases que se desenvolvem de forma cumulativa: assistência privada, assistência pública,

previdência social e seguridade social. A primeira fase se desenvolveu até o advento da Lei

dos Pobres (Inglaterra 1601) cuja proteção social era feita de forma privada, sem a

participação do poder público. A sociedade, nela incluída os trabalhadores, cuidava de sua

1 GOMES, Orlando e GOTTSCHALK, Elson. Curso de Direito do Trabalho. Rio de Janeiro, Forense, 1995,

p.472. Esses grupos corporativos existiam desde a mais remota antiguidade. Na Grécia, as “hetairas” e os

“Eranos”, sociedades de fins político, religioso ou profissional , praticavam em certa medida, a assistência

mútua entre os sócios, sobretudo com o fim de assegurar a sepultura. Em Roma, com o mesmo e pela mesma

técnica do mutualismo, existiam os “Collegia “ 2 Cf. Encíclica Rerum Novarum , de Leão XIII, e na Quadragésimo Ano, de Pio XI.. 3 RUSSOMANO, Mozart Victor. Curso de previdência social, Rio de janeiro, Forense, Pelotas: Universidade

Federal de Pelotas, 1979, p. 02. 4 PIERDONÁ, Zélia Luiza. A Proteção Social na Constituição. Revista de Direito Social n. 28. Notadez, Porto

Alegre, 2007, pp.

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própria proteção, por meio da própria família, bem como de associações mutualistas, as quais

reuniam recursos para proteger os participantes quando do advento de situações de

necessidade, a exemplo de morte, invalidez, doença etc. Também existiam entidades

caritativas e religiosas que socorriam os necessitados. A segunda fase começou em 1601, com

a promulgação, na Inglaterra, a Lei dos Pobres, que garantia a prestação de auxílios aos

necessitados. Com isso, o Estado passou a prestar assistência, tornando-a oficial e pública. A

partir de 1883, na Alemanha, iniciou-se a terceira fase com a criação do seguro social

(previdência social) para prover as necessidades daqueles que exerciam atividade remunerada

e de seus dependentes, por meio de um sistema de seguro obrigatório de cuja administração e

custeio participam o próprio Estado, os segurados e os empregadores. A quarta fase se

desenvolveu com o reflexo da segunda guerra mundial, quando o governo britânico, em 1941,

criou uma comissão com o objetivo de fazer uma investigação completa dos sistemas

existentes de seguro social e serviços afins para recomendar mudanças no sistema de proteção

social.5.

A comissão denominou “seguridade social” o conjunto de proteção social, na qual se

incluía o seguro obrigatório, o seguro voluntário, a assistência social nacional e a criação de

serviços gerais de saúde, bem como a manutenção do emprego como condição necessária ao

êxito da seguridade social. A seguridade social se caracteriza pela extensão da proteção a toda

a população6. Segundo José M. Almansa Pastor

7, o relatório ofereceu nova visão inspirada na

ideia central de liberação das necessidades por meio de uma adequada e justa redistribuição

de rendas. Nessa nova visão, o sistema não pode reduzir-se a um mero conjunto de seguros

sociais, antes deve haver concomitantemente aos seguros à assistência nacional, um serviço

nacional de saúde, a ajuda familiar e seguros voluntários complementares.

No Brasil, com a promulgação da Constituição de 1988, foi instituída a seguridade

social, nos moldes inspirados por Beveridge e pautada pelos princípios da universalidade,

uniformidade e equivalência dos benefícios e serviços e eqüidade e solidariedade na forma de

participação no custeio, entre outros.

O art. 194 da CF preceitua que a seguridade social compreende um conjunto

integrado de ações de iniciativa dos poderes públicos e da sociedade destinado a assegurar os

direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social. Em seu parágrafo único,

5 BEVERIDGE, William Henri. Seguro social y serviços afines: informe de Lord Beveridge. Título Original:

Social insurance and allied services. Madrid: Centro de Publicaciones del Ministerio de Trabajo y Seguridad

Social, 1989. 6 OLIVEIRA, Moacyr Velloso Cardoso de. Previdência social: doutrina e exposição da legislação vigente, Rio

de Janeiro: Freitas Bastos, 1987, p. 10. 7 PASTOR, José M. Almansa. Derecho de la seguridad social, 7ed. Madrid: Tecnos, pp. 73 e 74.

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estabelece os princípios aplicáveis à seguridade social, aos quais devem ser acrescidos os

enunciados do caput do art. 195 e § 5º, enquanto o seu financiamento está previsto no art. 195.

As normas referentes à seguridade social formam o sistema da seguridade social que

está enunciado nos artigos 194 a 204 da Constituição. Esse sistema está inserido, por sua vez,

no Título VIII da Constituição “Da Ordem Social”. A seguridade social, assim como as

demais áreas da Ordem Social, tem como base o primado do trabalho e como objetivos o

bem-estar e a justiça sociais (art. 193 da CF). O art. 193 tem estrita relação com os

fundamentos (art. 1º, III e IV) e os objetivos (art. 3º, I e III) do Estado brasileiro. O

fundamento “valor social do trabalho”, expresso no inciso IV do art. 1º é a base da “Ordem

Social” e o primado do trabalho e da ordem econômica.

A Emenda Constitucional n. 20/98, de 15/12/1998 alterou o sistema de previdência

social no Brasil porque previu, resguardada a previdência básica, de natureza pública,

universal e compulsória, um modelo de previdência complementar e preencheu uma lacuna

que ainda persistia no ordenamento jurídico brasileiro.

A Emenda Constitucional n. 41, de 19/12/2003 representou um aprofundamento das

alterações iniciadas pela EC n. 20/1998 que levou em conta um processo de mudanças feitas

nos sistemas previdenciários em praticamente todos os países do mundo. A justificativa para a

mudança estrutural da previdência social com alterações profundas foi, dentre outros fatores:

o aumento de expectativa de vida e a redução de natalidade das últimas décadas; e,

principalmente, fatores que dificultam o financiamento de regimes previdenciários com base

no sistema de repartição.

Nesse sentido, o governo federal propôs uma reforma direcionada a um sistema

previdenciário básico e universal, orientada a todos os trabalhadores brasileiros vinculados à

iniciativa privada ou à administração pública.

2. A CRISE DA SEGURIDADE SOCIAL E AS REFORMAS PREVIDENCIÁRIAS

COM A AMPLIAÇÃO DA PARTICIPAÇÃO DA INICIATIVA PARTICULAR NO

SETOR PÚBLICO

A Constituição Federal de 1988 ampliou bastante a cobertura da Previdência Social,

o que levou a instalação de uma crise no sistema de seguridade brasileira. No início da década

de 1990 foram concedidos benefícios sem qualquer contrapartida contributiva. O direito a um

salário mínimo concedido a uma multidão de trabalhadores rurais que vivia em regime de

economia familiar e que, basicamente, não contribuía para a previdência social, majorou

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significativamente o orçamento da previdência agravado pelo aumento de 70% (setenta por

cento) das aposentadorias por idade pagas pelo sistema.

As ECs n. 20/1998 e n. 41/2003 trouxeram mudanças que afetaram, frontalmente, o

regime de todos os trabalhadores e afetarem o Regime Geral da Previdência Social e o

Regime dos Servidores Públicos, ou seja, dois regimes distintos e com características

próprias. Tais alterações introduzidas pelas reformas provocaram em mudanças estruturais

nos sistemas de previdência, especialmente em relação aos servidores públicos. Ademais, o

novo modelo previdenciário preencheu lacunas até então existentes que deu ênfase ao caráter

contributivo e à necessidade de equilíbrio financeiro e atuarial, além de estabelecer normas

gerais para a organização e o funcionamento dos regimes próprios de previdência nos âmbitos

federal, estadual, municipal e distrital8.

As reformas do sistema de seguridade social se inserem em um contexto de rápidas e

violentas transformações mundiais nos campos demográficos, econômico, político-

institucional e social, conforme se viu no tópico anterior. No Brasil, uma das variáveis que

estimulou o processo de reforma previdenciária foi a dinâmica demográfica, que se

caracteriza com o acelerado envelhecimento populacional decorrente do aumento da

longevidade e da diminuição das taxas de fecundidade, aliada a crescentes valores de

expectativa de vida na data da aposentadoria.9

Acresça-se, ainda, que a diminuição do número de filhos, bem como a inserção da

mulher no mercado de trabalho, exigiram modificações no panorama de demandas de

proteção social e redundaram em uma revisão nos conceitos que norteiam a estrutura dos

planos de benefícios.

Além dos aspectos demográficos, as mudanças no mercado de trabalho estão

intimamente relacionadas à necessidade de reforma do sistema previdenciário. No campo

econômico, o desemprego estrutural é um problema crônico. Embora o Brasil tenha taxas

relativamente baixas de desemprego, a informalidade e, possivelmente, o subemprego são

extremamente elevados no mercado de trabalho e são fenômenos duradouros nos últimos

anos. A informalidade é conseqüência, dentre outros fatores, dos altos encargos incidentes

sobre salários no mercado formal. Ressalte-se que o contingente de trabalhadores sem vínculo

8 FERRARO, Suzani Andrade. As Emendas Constitucionais 20/1998 e 41/2003 e o Equilíbrio Financeiro e

Atuarial nos Regimes de Previdência Social. Dissertação de Mestrado defendida em agosto de 2007 pela PUC-

SP – Pontifícia Universidade católica de São Paulo, p. 42. 9 Fonte estatística: IBGE, Diretoria de Pesquisa. Departamento de População e Indicadores Sociais. Elaboração:

Secretaria de Previdência Social/Ministério da Previdência Social.

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empregatício e os trabalhadores autônomos passou ao longo da última década por um

processo de flexibilização das relações de trabalho, a partir da reestruturação das empresas.

Ademais as tecnologias poupadoras de mão de obra são uma constante em um mundo de

mercados competitivos e globalizados. Portanto, trata-se de um fenômeno estrutural de

mercado que exige o redesenho das políticas públicas em todo o mundo, inclusive no Brasil.10

O professor Wagner Balera11

leciona, com pertinência, que as Emendas

Constitucionais n. 20/1998 e n. 41/2003, apesar de tentarem unificar os regimes de proteção

social e eliminarem diferenças entre os riscos a que estão sujeitos os trabalhadores, a despeito

do regime jurídico a que pertençam, obstam a aplicação do princípio da igualdade, pois serão

aplicados tratamentos distintos a situações iguais. Nesse sentido, entende que as diferenças

existentes entre os reconhecidos regimes de proteção social devem ser gradativamente

eliminadas, a fim de que a universalidade da cobertura e do atendimento.

3. O SISTEMA DE SEGURIDADE SOCIAL BRASILEIRO COM A PARTICIPAÇÃO

DA INICIATIVA PRIVADA NO DESEMPENHO DA ATIVIDADE ECONÔMICA

A Constituição Federal de 05/10/1988 reformulou todo o sistema de Seguridade

Social e reuniu as coberturas de previdência, assistência e saúde, regulando-as com princípios

e objetivos fundamentais do Estado Social de Direito: justiça social, bem-estar social,

primado do trabalho, solidariedade, e, em especial, dignidade da pessoa humana. Nesse

sentido, a matéria que até então era tratada no mesmo capítulo dos direitos trabalhistas passou

a integrar o título “Da ordem social”, que abrange os artigos 193 a 204. O constituinte

originário, ao organizar a seguridade social, traçou, no artigo 194, parágrafo único, os

seguintes objetivos a serem observados pelo poder público:

Art. 194: A seguridade social compreende um conjunto integrado de ações

de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade, destinadas a assegurar

os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social.

Parágrafo único. Compete ao Poder Público, nos termos da lei, organizar a

seguridade social, com base nos seguintes objetivos:

I – universalidade da cobertura e do atendimento;

II – uniformidade e equivalência dos benefícios e serviços às populações

urbanas e rurais;

10 Fonte dos dados estatísticos: Pesquisa Mensal do Emprego (PME/IBGE). Elaboração: Secretaria de

Previdência Social/MPS. 11

BALERA, Wagner. “Aspectos gerais da reforma previdenciária”. Revista de Direito Social, n. 10. Porto

Alegre: Nota 10, 2003a, p. 14.

* Trabalho publicado nos Anais do XIX Encontro Nacional do CONPEDI realizado em Fortaleza - CE nos dias 09, 10, 11 e 12 de Junho de 2010 3392

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III – seletividade e distributividade na prestação dos benefícios e serviços;

IV – irredutibilidade do valor dos benefícios;

V – eqüidade na forma de participação no custeio;

VI – diversidade da base de financiamento;

VII – caráter democrático e descentralizado da administração, mediante

gestão quadripartite, com participação dos trabalhadores, dos

empregadores, dos aposentados e do governo nos órgãos colegiados.

(Redação dada pela Emenda Constitucional 20, de 1998.)

A previdência social é direito fundamental social assegurado a todos os trabalhadores

e seus dependentes e visa garantir recursos nas situações em que não poderão ser obtidos

pelos próprios trabalhadores, em virtude de incapacidade laboral (efetiva ou presumida). No

entanto, reveste-se também em dever, uma vez que exige a contraprestação direta do segurado

para que ele e/ou seus dependentes possam fazer jus às prestações previdenciárias.

A previdência compreende a proteção obrigatória e facultativa e abarca todos os

trabalhadores que estarão vinculados ao regime geral ou aos regimes próprios. O regime geral

é abrangente e residual e tem por finalidade proteger todos os trabalhadores, com exceção

apenas daqueles vinculados aos regimes próprios, os quais são instituídos pelos respectivos

entes federativos para dar proteção previdenciária aos seus servidores titulares de cargos

efetivos.

Assim, a proteção obrigatória se dá pelo regime geral e pelos regimes próprios dos

entes federativos, sendo que os citados regimes excluem-se mutuamente e por meio destes

dois regimes o Estado viabiliza a todos os trabalhadores o acesso à previdência e, com isso,

aqueles que vivem com o fruto do trabalho estarão protegidos nas contingências geradoras de

necessidades.

Dessa forma, por intermédio deste ramo da seguridade social, o Estado garante aos

cidadãos que as situações de necessidades serão amenizadas pelos benefícios previdenciários.

Para isso, o poder público exige contribuições num determinado período de tempo e garante

ao segurado e/ou a seus dependentes prestações previdenciárias (benefícios e serviços).

O direito à saúde é um direito fundamental prestacional que exige ações positivas dos

poderes públicos. Por outro lado, reveste-se, também, de dever fundamental, na medida em

que exige a sua promoção por parte de todos os membros da coletividade.

A Constituição estabeleceu, no art. 196, que a saúde é direito de todos e dever do

Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de

doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua

promoção,proteção e recuperação. Os preceitos constitucionais relativos à assistência social

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estão nos artigos 203 e 204, sendo regulada pela Lei Orgânica da Assistência Social (Lei nº

8.742/93), além de outras que visam atingir políticas sociais.

A Constituição dirige a assistência aos necessitados, o que por si só já afastaria a

exigência de contraprestação direta por parte dos beneficiários, conforme expressamente

prescreve o texto constitucional (caput do art. 203). A Assistência Social é um importante

instrumento da seguridade social no que se refere à efetividade do princípio da universalidade,

enunciado no art. 194, parágrafo único, inciso I, uma vez que o Estado, independentemente de

qualquer contraprestação, proporciona cobertura às situações de necessidade.

Nas palavras de Marcelo Leonardo Tavares, a assistência social12

“é um plano de

prestações sociais mínimas e gratuitas a cargo do Estado para prover pessoas necessitadas de

condições dignas de vida. É um direito social fundamental e, para o Estado, um dever a ser

realizado por meio de ações diversas que visem atender às necessidades básicas do indivíduo,

em situações críticas da existência humana, tais como a maternidade, infância, adolescência,

velhice e para pessoas portadoras de limitações físicas”.

3.1 OBJETIVOS E PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DA SEGURIDADE SOCIAL

PARA A PARTICIÇÃO DA INICIATIVA PRIVADA

A seguridade social tem o propósito fundamental de proporcionar aos indivíduos e às

famílias a tranqüilidade de saber que o nível e a qualidade de suas vidas não serão

significativamente diminuídos, até onde for possível evitá-lo, por nenhuma circunstância

econômica ou social. O que interessa ao sistema de seguridade social não é garantir o padrão

de vida do indivíduo, mas, tão-somente, assegurar-lhe condições mínimas de sobrevivência

digna.

Sendo assim, pela definição constitucional já mencionada, é possível observar que a

seguridade social objetiva assegurar saúde, previdência social e assistência social. Pode-se,

então, dizer que a seguridade social é gênero, da qual são espécies a saúde, a assistência e a

previdência social.

O art. 193 da CF/1988 constitui o trabalho a base primeira da ordem social e significa

que o sistema de seguridade social – tendo seu objetivo interligado ao da ordem social –

estará pautado em ações que estabeleçam como prioridade o trabalho. O primado do trabalho

é o passo fundamental para que sejam alcançados o bem-estar e a justiça sociais.

12

TAVARES. Marcelo Leonardo,. Previdência e Assistência Social – Legitimação e Fundamentação

Constitucional Brasileira. Rio de Janeiro: Lúmen Júris. 2003. p. 186.

* Trabalho publicado nos Anais do XIX Encontro Nacional do CONPEDI realizado em Fortaleza - CE nos dias 09, 10, 11 e 12 de Junho de 2010 3394

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A incorporação, pela primeira vez, de conceito vigoroso e peculiar à proteção social

como o de seguridade social ao texto da Lei Maior respondeu, à época, às expectativas da

sociedade organizada de ampliação do estoque de direitos sociais associados à cidadania, que

traduziu a sensibilidade do constituinte diante da situação preexistente.

O bem-estar e a justiça sociais são valores supremos da sociedade e merecem total

prioridade. Esta prioridade surge por meio da proteção ao trabalho e a proteção faz com que

se atinja à justiça materail. Todo e qualquer desenvolvimento da sociedade deverá ter como

meta a redução das desigualdades sociais.

Como se verifica, a valorização do trabalho é a condição para a obtenção da

dignidade da pessoa humana e se constitui princípio basilar da Carta Constitucional de 1988.

Assim, para que seja alcançado o bem-estar social, a Constituição Federal elenca no art. 6º os

direitos sociais: educação, saúde, trabalho, moradia, lazer, segurança, previdência social,

proteção à maternidade e à infância e a assistência aos desamparados.

Portanto, somente por intermédio da articulação de ações entre o Estado e a

sociedade, o bem-estar poderá ser alcançado (art. 194 da CF/1988), pois, a seguridade social –

combinação da igualdade com a solidariedade – proporciona equivalente quantidade de saúde,

de previdência e de assistência a todos quantos necessitem de proteção, poder-se-á dizer

daquele momento histórico: o bem-star e a justiça estão concretizados.

4. MODALIDADES DE PARTICIPAÇÃO PRIVADA NOS SISTEMAS NACIONAIS

DE PROTEÇÃO SOCIAL

O art. 194 da Constituição brasileira dispõe que a seguridade social compreende um

conjunto integrado de ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade destinados a

assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social. Neste sentido,

entende-se que as ações da seguridade social constituem deveres não só do Estado, mas de

toda sociedade. Acresça-se, ainda, que a Constituição Federal reconhece, também, no § 7º do

art. 195, a participação de entidades beneficentes de assistência social na realização de ações

da seguridade social.

Além de entidades beneficentes, a Constituição Federal prevê, também, dispositivos

que instituem, explicitamente, a participação de entes não-estatais na concessão de prestações

* Trabalho publicado nos Anais do XIX Encontro Nacional do CONPEDI realizado em Fortaleza - CE nos dias 09, 10, 11 e 12 de Junho de 2010 3395

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relativas à seguridade social13

. Assim, ao analisar o capítulo da “Ordem Social” da

Constituição Federal de 1988, no que se refere à saúde dispõe os art. 197 e 199:

Art. 197. São de relevância pública as ações e serviços de saúde, cabendo

ao Poder Público dispor, nos termos da lei, sobre sua regulamentação,

fiscalização e controle, devendo sua execução ser feita diretamente ou

através de terceiros e, também, por pessoa física ou jurídica de direito

privado.

Art. 199. A assistência à saúde é livre à iniciativa privada.

§ 1º - As instituições privadas poderão participar de forma complementar

do sistema único de saúde, segundo diretrizes deste, mediante contrato de

direito público ou convênio, tendo preferência as entidades filantrópicas e

as sem fins lucrativos.

§ 2º - É vedada a destinação de recursos públicos para auxílios ou

subvenções às instituições privadas com fins lucrativos.

Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança

e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à

alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à

dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária,

além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação,

exploração, violência, crueldade e opressão.

§ 1º - O Estado promoverá programas de assistência integral à saúde da

criança e do adolescente, admitida a participação de entidades não

governamentais e obedecendo os seguintes preceitos:

Observa-se, assim, que a Constituição estabelece a participação de entidades privadas

na execução de ações no setor da saúde e prevê, inclusive, que essa atuação é livre à iniciativa

privada. No que se refere à previdência social, a Constituição dispõe sobre a participação de

sujeitos privados no § 10º do art. 201, no art. 202 e nos §§ 14 e 15 do art. 40, relativo ao

regime de previdência privada:

Art. 201. A previdência social será organizada sob a forma de regime geral,

de caráter contributivo e de filiação obrigatória, observados critérios que

preservem o equilíbrio financeiro e atuarial, e atenderá, nos termos da lei,

a: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998)

(...)

13PULINO, Daniel. Regime de Previdência Complementar: Natureza Jurídico-Constitucional e seu

desenvolvimento pelas entidades fechadas. Tese de Doutorado defendida em dezembro de 2007 pelo Programa

de Doutorado em direito da Pontifícia Universidade católica de São Paulo, p. 28

* Trabalho publicado nos Anais do XIX Encontro Nacional do CONPEDI realizado em Fortaleza - CE nos dias 09, 10, 11 e 12 de Junho de 2010 3396

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§ 10. Lei disciplinará a cobertura do risco de acidente do trabalho, a ser

atendida concorrentemente pelo regime geral de previdência social e pelo

setor privado. (Incluído dada pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998)

Art. 202. O regime de previdência privada, de caráter complementar e

organizado de forma autônoma em relação ao regime geral de previdência

social, será facultativo, baseado na constituição de reservas que garantam o

benefício contratado, e regulado por lei complementar. (Redação dada pela

Emenda Constitucional nº 20, de 1998)

§ 1° A lei complementar de que trata este artigo assegurará ao participante

de planos de benefícios de entidades de previdência privada o pleno acesso

às informações relativas à gestão de seus respectivos planos. (Redação

dada pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998)

§ 2° As contribuições do empregador, os benefícios e as condições

contratuais previstas nos estatutos, regulamentos e planos de benefícios das

entidades de previdência privada não integram o contrato de trabalho dos

participantes, assim como, à exceção dos benefícios concedidos, não

integram a remuneração dos participantes, nos termos da lei. (Redação

dada pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998)

§ 3º É vedado o aporte de recursos a entidade de previdência privada pela

União, Estados, Distrito Federal e Municípios, suas autarquias, fundações,

empresas públicas, sociedades de economia mista e outras entidades

públicas, salvo na qualidade de patrocinador, situação na qual, em hipótese

alguma, sua contribuição normal poderá exceder a do segurado. (Incluído

pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998)

§ 4º Lei complementar disciplinará a relação entre a União, Estados,

Distrito Federal ou Municípios, inclusive suas autarquias, fundações,

sociedades de economia mista e empresas controladas direta ou

indiretamente, enquanto patrocinadoras de entidades fechadas de

previdência privada, e suas respectivas entidades fechadas de previdência

privada. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998)

§ 5º A lei complementar de que trata o parágrafo anterior aplicar-se-á, no

que couber, às empresas privadas permissionárias ou concessionárias de

prestação de serviços públicos, quando patrocinadoras de entidades

fechadas de previdência privada. (Incluído pela Emenda Constitucional nº

20, de 1998)

§ 6º A lei complementar a que se refere o § 4° deste artigo estabelecerá os

requisitos para a designação dos membros das diretorias das entidades

fechadas de previdência privada e disciplinará a inserção dos participantes

nos colegiados e instâncias de decisão em que seus interesses sejam objeto

de discussão e deliberação. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 20, de

1998).

* Trabalho publicado nos Anais do XIX Encontro Nacional do CONPEDI realizado em Fortaleza - CE nos dias 09, 10, 11 e 12 de Junho de 2010 3397

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Art. 40. Aos servidores titulares de cargos efetivos da União, dos Estados,

do Distrito Federal e dos Municípios, incluídas suas autarquias e

fundações, é assegurado regime de previdência de caráter contributivo e

solidário, mediante contribuição do respectivo ente público, dos servidores

ativos e inativos e dos pensionistas, observados critérios que preservem o

equilíbrio financeiro e atuarial e o disposto neste artigo. (Redação dada

pela Emenda Constitucional nº 41, 19.12.2003)

§ 14 - A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, desde que

instituam regime de previdência complementar para os seus respectivos

servidores titulares de cargo efetivo, poderão fixar, para o valor das

aposentadorias e pensões a serem concedidas pelo regime de que trata este

artigo, o limite máximo estabelecido para os benefícios do regime geral de

previdência social de que trata o art. 201. (Incluído pela Emenda

Constitucional nº 20, de 15/12/98)

§ 15. O regime de previdência complementar de que trata o § 14 será

instituído por lei de iniciativa do respectivo Poder Executivo, observado o

disposto no art. 202 e seus parágrafos, no que couber, por intermédio de

entidades fechadas de previdência complementar, de natureza pública, que

oferecerão aos respectivos participantes planos de benefícios somente na

modalidade de contribuição definida. (Redação dada pela Emenda

Constitucional nº 41, 19.12.2003)

Com relação à assistência social, a Constituição aduz no art. 204 que:

Art. 204. As ações governamentais na área da assistência social serão

realizadas com recursos do orçamento da seguridade social, previstos no

art. 195, além de outras fontes, e organizadas com base nas seguintes

diretrizes:

I - descentralização político-administrativa, cabendo a coordenação e as

normas gerais à esfera federal e a coordenação e a execução dos

respectivos programas às esferas estadual e municipal, bem como a

entidades beneficentes e de assistência social;

Verifica-se, assim, que é inegável a participação dos particulares na seguridade

social, inclusive para execução das ações previstas no art. 194 da CF.

Finalmente, para melhor entendermos o papel da iniciativa privada no desempenho

da atividade econômica na seguridade social, torna-se importante distinguir se as ações

desempenhadas pelos sujeitos privados estão incluídas na categoria de serviço público de

atividade econômica.

4.1 DISTINÇÃO ENTRE SERVIÇO PÚBLICO E ATIVIDADE ECONÔMICA

* Trabalho publicado nos Anais do XIX Encontro Nacional do CONPEDI realizado em Fortaleza - CE nos dias 09, 10, 11 e 12 de Junho de 2010 3398

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A definição de serviço público não é consensual doutrinariamente14

em

razão de a expressão ter um forte conteúdo ideológico.15

A despeito da imprecisão

terminológica com finalidade exclusivamente didática, pode-se definir serviço público como

prestação material reconhecida como serviço público, criada por ato normativo de

autoridade pública competente (constituição, lei em sentido formal e ato administrativo) e

pela jurisprudência, que visa à satisfação de determinado bem ou valor considerado de

interesse coletivo, prestado pelo estado ou por delegatário16

.

A Constituição Federal, no Título VII, referente à Ordem Econômica, divide a

atividade dos particulares em dois grandes grupos de atividades: de um lado as atividades

exercidas pela iniciativa privada, as atividades econômicas, e, de outro lado, as atividades

exercidas pelo Estado (serviços públicos).

Assim, o art. 173 da Constituição Federal dispõe que a exploração da atividade

econômica deverá ser exercida pelos particulares, salvo exceção (casos de segurança nacional

e monopólio), ex vis dos artigos 177 e 21, inciso XXIII, in verbis:

Art. 173. Ressalvados os casos previstos nesta Constituição, a exploração

direta de atividade econômica pelo Estado só será permitida quando

necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse

coletivo, conforme definidos em lei.

Já o art. 175 da CF aduz que os serviços públicos são de competência do Poder

Público, sendo permitido aos particulares nos casos ali previstos:

Art. 175. Incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob

regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação

de serviços públicos.

A exploração de atividade econômica é atribuição dos particulares, contudo pode ser

exercida pelo Estado nos casos previstos nos art. 21, XXIII e 177 da CF), enquanto os

serviços públicos são de competência do Poder Público, porém aos particulares é possível a

14 COLSON, Jean-Fhilipe. (Org). Droit public économique. Paris. L.G.D.J, 1996, p. -45. 15 Registra Cármen Lúcia Antunes Rocha que o Principado de Mônaco tem “como base de sua economia um serviço público de natureza amoral – O Cassino de Monte Carlo, fonte de toda a sua receita e empregando 80%

de seus servidores.” Cf. ROCHA, Cármen Lúcia Antunes. Concessão, permissão de serviço público no direito

brasileiro. São Paulo: Saraiva, 1996, p. 21. De outro lado, o autor francês Marcel Waline afirma que no conceito

clássico de serviço público resta um núcleo essencial reconhecido pela jurisprudência francesa, qual seja: não é

qualificada de serviço público a atividade estranha ao interesse público, a exemplo da exploração de cassinos.

Cf. WALINE, Marcel. Précis de droit administratif. Paris: Éditions Montechrestien, 1995, p. 457. 16 PEIXINHO, Manoel Messias. Serviços públicos delegados, fonte de custeio e direitos fundamentais. Revista

da Faculdade de Direito de Campos, Campos dos Goytacazes, RJ, v. 8, n. 10, p. 111-128, jan./jun. 2007.

Disponível em: <www>. Acesso em: 6 out. 2009.

* Trabalho publicado nos Anais do XIX Encontro Nacional do CONPEDI realizado em Fortaleza - CE nos dias 09, 10, 11 e 12 de Junho de 2010 3399

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delegação nos casos previstos no art. 175 da CF). No entanto, para maior compreensão da

matéria, é necessário definir o que é serviço público.

Na definição de Celso Antonio Bandeira de Melo17

, a definição de serviço público

envolve dois elementos: o material e o formal. O substrato material do conceito de serviço

público consiste no oferecimento pelo Estado aos administrados utilidades que o Estado

assume como próprias e necessárias à sociedade, em um dado momento histórico e, desta

forma, não pertencem à livre iniciativa. O substrato formal é decisivo e consiste na submissão

dos serviços a um regime de direito público consagrador de prerrogativas de supremacia

especiais, regime jurídico administrativo - devendo o Estado assegurar a satisfação dos

interesses públicos a eles atinentes.

Assim, para Celso Antonio Bandeira de Melo existem: 1. As atividades que são da

alçada dos particulares, as econômicas; 2. As atividades que são de da responsabilidade do

Estado (não econômicas), os serviços públicos; 3. E, as atividades que podem ser exercidas

por uns e por outros.

Eros Roberto Grau18

conceitua Serviço Público como atividade explícita ou

supostamente definida pela Constituição como indispensável, em

determinado momento histórico, à realização e ao desenvolvimento da

coesão e da interdependência social.

Entende Grau que serviço público é uma espécie de atividade econômica em sentido

amplo, pois tanto a atividade econômica no sentido estrito como serviço público estão

voltados à satisfação de necessidades mediante utilização de recursos escassos, que podem ser

de bens ou serviços.

Ao contrário do Celso Antonio Bandeira de Melo, Grau entende que a caracterização

de uma atividade (econômica no sentido amplo) como serviço público depende de um

elemento finalístico material e nega a existência de um elemento formal, ou seja, da

submissão a um regime jurídico específico para identificar um elemento como de serviço

público.

4.2 PARTICIPAÇÃO DOS PARTICULARES NA SEGURIDADE SOCIAL NA

CONDIÇÃO DE PRESTADORES DE SERVIÇOS PÚBLICOS E EXPLORADORES

DE ATIVIDADE ECONÔMICA

17 MELLO. Celso Antonio Bandeira, Curso de Direito Administrativo. Malheiros:São Paulo. 2005. 19ª edição,

pp. 635-637 18 GRAU. Eros Roberto, A Ordem Econômica na Constituição de 1988. São Paulo:Malheiros, 2006, p. 136

* Trabalho publicado nos Anais do XIX Encontro Nacional do CONPEDI realizado em Fortaleza - CE nos dias 09, 10, 11 e 12 de Junho de 2010 3400

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A participação dos particulares nas ações de seguridade social, de acordo com a

distinção constitucional entre atividades econômicas e serviços públicos ocorre, em alguns

casos, simplesmente como colaborador do Estado que desempenha verdadeiros serviços

públicos submetidos ao regime jurídico de direito administrativo e em outras hipóteses,

exploram atividade econômica em regime de direito privado, ainda que submetido à regulação

e fiscalização estatal.

Dessa forma, na impossibilidade material do Estado atender a sociedade, deve fazê-lo

por meios indiretos com a colaboração de particulares. Assim, os particulares prestam

serviços públicos e são delegatários do Estado e submetidos ao regime jurídico de direito

público.

A atuação dos particulares no setor de saúde com a prestação de serviços públicos

quanto na exploração de atividade econômica está disposto na Constituição Federal, no § 1º

do art. 199, que estabelece que as instituições privadas poderão participar de forma

complementar do sistema único de saúde, segundo diretrizes deste, mediante contrato de

direito público ou convênio, tendo preferência as entidades filantrópicas e sem fins

lucrativos. Neste caso, configura-se a prestação de serviços públicos de saúde, mantidas as

diretrizes constitucionais do setor, como gratuidade e o acesso universal como dispõe o art. 7º

e 4319

da lei 8080/90 e o art. 24 que abaixo se transcreve:

Art. 24. Quando as suas disponibilidades forem insuficientes para garantir

a cobertura assistencial à população de uma determinada área, o Sistema

Único de Saúde (SUS) poderá recorrer aos serviços ofertados pela

iniciativa privada.

Portanto, nos casos em que as instituições particulares prestam serviço público de

assistência à saúde há verdadeira exploração de atividade econômica, ou seja, a iniciativa

privada é um relevante instrumento de satisfação de direitos públicos subjetivos em razão da

insuficiência das disponibilidades públicas, apesar de haver o dever do Estado na prestação de

19 Lei 8080/90. Art. 7º As ações e serviços públicos de saúde e os serviços privados contratados ou conveniados

que integram o Sistema Único de Saúde (SUS), são desenvolvidos de acordo com as diretrizes previstas no art.

198 da Constituição Federal, obedecendo ainda aos seguintes princípios: I - universalidade de acesso aos

serviços de saúde em todos os níveis de assistência; Art. 43. A gratuidade das ações e serviços de saúde fica

preservada nos serviços públicos contratados, ressalvando-se as cláusulas dos contratos ou convênios

estabelecidos com as entidades privadas.

* Trabalho publicado nos Anais do XIX Encontro Nacional do CONPEDI realizado em Fortaleza - CE nos dias 09, 10, 11 e 12 de Junho de 2010 3401

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serviço de saúde (art. 197 da CF) para cumprir os princípios da universalidade plena, do

acesso igualitário, da integridade e da gratuidade que marcam o regime Constitucional.20

Por conseguinte, quando a Constituição reserva à livre iniciativa a atuação privada no

setor de saúde (caput do art. 199), não se pode dizer que a saúde passa a ser um serviço

privado. Na verdade, há uma exploração privada de um serviço público de saúde que

continua a ser regulado e regulamentado pelo Estado, ainda que as instituições privadas sejam

autorizadas pelo poder público por disposição legal (lei 8080/90) a explorarem, a título

privado, o serviço de saúde:

Art. 20. Os serviços privados de assistência à saúde caracterizam-se pela

atuação, por iniciativa própria, de profissionais liberais, legalmente

habilitados, e de pessoas jurídicas de direito privado na promoção,

proteção e recuperação da saúde.

Art. 21. A assistência à saúde é livre à iniciativa privada.

A saúde suplementar está disciplinada na lei 9.656 de 03.06.1998 e a sua regulação e

fiscalização estatal estão a cargo da Agência Nacional de Saúde – ANS, autarquia submetida

a regime especial, criada pela Lei. 9.9961, de 28.01.2000 e vinculada ao Ministério da Saúde

como disposto no art. 197 da Constituição Federal:

Art. 197. São de relevância pública as ações e serviços de saúde, cabendo

ao Poder Público dispor, nos termos da lei, sobre sua regulamentação,

fiscalização e controle, devendo sua execução ser feita diretamente ou

através de terceiros e, também, por pessoa física ou jurídica de direito

privado.

Portanto, a saúde é serviço público que nos termos do art. 197 é delegado

constitucionalmente à iniciativa privada para que seja explorada e financiada por recursos

particulares dos próprios usuários dos serviços de assistência à saúde suplementar ou, então,

por seus empregadores, e prestada por sujeitos particulares autorizados pelo Poder Público a

comercializar planos particulares de saúde em regime de direito privado.

A atuação dos particulares no setor de Assistência Social ocorre nos termos do art.

204 da Constituição Federal:

Art. 204. As ações governamentais na área da assistência social serão

realizadas com recursos do orçamento da seguridade social, previstos no

art. 195, além de outras fontes, e organizadas com base nas seguintes

diretrizes:

20 PULINO, Daniel. op. cit. pp. 55-85.

* Trabalho publicado nos Anais do XIX Encontro Nacional do CONPEDI realizado em Fortaleza - CE nos dias 09, 10, 11 e 12 de Junho de 2010 3402

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I - descentralização político-administrativa, cabendo a coordenação e as

normas gerais à esfera federal e a coordenação e a execução dos

respectivos programas às esferas estadual e municipal, bem como a

entidades beneficentes e de assistência social;

Nessa hipótese, os sujeitos particulares são delegatários do Estado e desempenham

função de caráter público, mas não há espaço algum para qualquer empreendimento privado

no setor, em razão da definição de atividade econômica. Na hipótese, deve o particular agir

em estreita colaboração com o poder público.

Vale ressaltar que o prof. Wagner Balera21

arrola como participantes das ações

assistenciais as Santas Casas de Misericórdia, as entidades filantrópicas ou Entidades

Beneficentes de assistência, as OSCIP’s, os serviços sociais autônomos como SESC, SESI,

SENAT, SENAR.

Também na área de previdência social ocorre a atuação dos sujeitos particulares tanto

em colaboração com o poder Público, quando desempenharem atividades em nome do Estado

na prestação de serviços públicos, quanto na exploração da atividade econômica em regime de

direito privado, ainda que submetido à regulação e fiscalização estatal com ou sem fins

lucrativos.

Na previdência social, a atuação dos sujeitos privados no desempenho da função

pública ocorre como concessionários ou permissionários de acordo com a disciplina das Leis

8.212/91 e 8.213/91, em pelo menos 03 (três) situações: a) no pagamento, pelas empresas, de

salário-família a seus empregados de baixa renda; b) no pagamento de salário-maternidade

diretamente pelas empresas às seguradas empregadas que lhe prestam serviços; c) nos casos

em que a previdência firma convênios com empresas, sindicatos ou entidades de aposentados,

e passa a exercer o exercício de atividades de concessão e manutenção de benefícios

previdenciários do regime geral de previdência social. A previsão legal destes serviços está

disposta nos artigos 67, 68, 72 e 117 da Lei 8.213/9122

.

21 BALERA. Wagner, Sistema de Seguridade Social. São Paulo:LTr, 2006, pp. 106, 112, 121 e 123.

22 Lei 8.213/91. Art. 67. O pagamento do salário-família é condicionado à apresentação da certidão de

nascimento do filho ou da documentação relativa ao equiparado ou ao inválido, e à apresentação anual de atestado de vacinação obrigatória e de comprovação de freqüência à escola do filho ou equiparado, nos termos

do regulamento. (Redação dada pela Lei nº 9.876, de 26.11.99). Art. 68. As cotas do salário-família serão pagas

pela empresa, mensalmente, junto com o salário, efetivando-se a compensação quando do recolhimento das

contribuições, conforme dispuser o Regulamento. Art. 72. O salário-maternidade para a segurada empregada ou

trabalhadora avulsa consistirá numa renda mensal igual a sua remuneração integral. (Redação dada pela lei nº

9.876, de 26.11.99). Art. 117. A empresa, o sindicato ou a entidade de aposentados devidamente legalizada

poderá, mediante convênio com a Previdência Social, encarregar-se, relativamente a seu empregado ou

associado e respectivos dependentes, de: I - processar requerimento de benefício, preparando-o e instruindo-o de

maneira a ser despachado pela Previdência Social; II - submeter o requerente a exame médico, inclusive

* Trabalho publicado nos Anais do XIX Encontro Nacional do CONPEDI realizado em Fortaleza - CE nos dias 09, 10, 11 e 12 de Junho de 2010 3403

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Pela leitura dos dispositivos legais supramencionados, percebe-se que a função

pública deveria ser exercida diretamente pelo INSS, Instituto Nacional do Seguro Social, no

entanto passam a ser exercidas pelas empresas com a qual os segurados estão vinculados e

que, apesar de desempenhar a função do Poder Público, não arcam com os custos das

prestações pecuniárias, pois a lei estabelece um mecanismo de pronto ressarcimento.

Sendo assim, a empresa exerce, verdadeiramente, função pública correspondente ao

exercício de serviço publico de previdência social e no interesse exclusivo de toda

coletividade. Ademais, quando a empresa firma convênios para o exercício da função pública,

atua como verdadeiros agentes público.

Os sujeitos privados também poderão atuar em matéria previdenciária com a

prestação de atividade econômica, conforme disposição constitucional prevista no art. 202 e

nos os §§ 14 e 15 do art.40:

Art. 202. O regime de previdência privada, de caráter complementar e

organizado de forma autônoma em relação ao regime geral de previdência

social, será facultativo, baseado na constituição de reservas que garantam o

benefício contratado, e regulado por lei complementar. (Redação dada pela

Emenda Constitucional nº 20, de 1998).

Art. 40. (......)

§ 14 - A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, desde que

instituam regime de previdência complementar para os seus respectivos

servidores titulares de cargo efetivo, poderão fixar, para o valor das

aposentadorias e pensões a serem concedidas pelo regime de que trata este

artigo, o limite máximo estabelecido para os benefícios do regime geral de

previdência social de que trata o art. 201. (Incluído pela Emenda

Constitucional nº 20, de 15/12/98)

É importante ressaltar que os §§ 14 e 15 do art. 40 da Constituição dispõem sobre o

regime de previdência complementar para os servidores públicos federais titulares de cargo

complementar, encaminhando à Previdência Social o respectivo laudo, para efeito de homologação e posterior

concessão de benefício que depender de avaliação de incapacidade; III - pagar benefício. Parágrafo único. O

convênio poderá dispor sobre o reembolso das despesas da empresa, do sindicato ou da entidade de aposentados

devidamente legalizada, correspondente aos serviços previstos nos incisos II e III, ajustado por valor global

conforme o número de empregados ou de associados, mediante dedução do valor das contribuições

previdenciárias a serem recolhidas pela empresa.

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efetivo, que serão instituídas pelas pessoas políticas, cuja finalidade restringir-se-á à gestão

dos planos de benefícios na modalidade de contribuição definida, isto porque o modelo de

previdência complementar consolidado no Brasil tem seus fundamentos no direito privado,

pois visa à acumulação de poupança no presente, acrescida dos rendimentos das aplicações

nos mercados de capitais, financeiros e mobiliários, para gerar rendas no futuro, destinadas a

complementar a aposentadoria daqueles que verteram contribuições ao sistema. Nesse caso,

fica evidente a natureza privada desta poupança23

.

Diante da nova ordem constitucional, o professor Wagner Balera leciona que:

Integram o quadro de componentes do Sistema de Seguridade Social brasileiro

os entes de previdência privada. Servem, os entes supletivos, como estruturas

de expansão do arcabouço de proteção, formando, como se costuma dizer em

Francês, segunda rede de seguridade social, em estreita colaboração com o

Poder Público, no interior do aparato do bem-estar. Mas não perdem os

traços característicos que são peculiares às pessoas privadas24

.

Neste caso, os particulares atuarão em matéria previdenciária para complementar a

cobertura de necessidades básicas da coletividade para desenvolverem ações sob a disciplina

privada, contratual, negocial submetida à regulamentação e à fiscalização do Poder Público,

como agentes econômicos, ainda que colaborem na proteção social.25

CONCLUSÃO

A atuação da iniciativa privada na proteção social adveio historicamente com

uma mudança de paradigma do Estado. Após a fase do Estado Liberal mínimo, que negava a

intervenção do Estado para equilibrar as forças de mercado e minorar as injustiças sociais, e

do Estado de Bem Estar Social, que idealizou um modelo interventivo capaz de satisfazer

todas as necessidades humanas, a função do Estado, ainda que continue fortemente

intervencionista, passa a ser mais consensual.

23 FERRARO, Suzani Andrade. Fundo de Pensão do Servidor Público: Um modelo de Parceria Publico

Privada. In PEIXINHO, Manoel Messias e CARNEN, Dóris. Âmbito de Aplicação das Parcerias Público Privadas no Direito Brasileiro. Rio de Janeiro: Lúmen Júris. 2009. p 277. 24 BALERA, Wagner. Curso de direito previdenciário. Homenagem a Moacyr Velloso Cardoso de Oliveira. 5

ed. São Paulo: LTR, 2002ª, p.61. 25 PULINO, Daniel, op. Cit. Pp. 84-85

* Trabalho publicado nos Anais do XIX Encontro Nacional do CONPEDI realizado em Fortaleza - CE nos dias 09, 10, 11 e 12 de Junho de 2010 3405

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A consensualidade exige a busca de parcerias entre os setores público e

privado para a satisfação tanto do Poder Público quanto da iniciativa privada. Os recursos

públicos que tenham se tornado escassos para a plena satisfação das políticas públicas,

viabilizadoras, por sua vez, dos direitos fundamentais, impulsionaram o Poder Pública na

busca de parcerias com a iniciativa privada para atrair investimentos privados e novas

tecnologias. A iniciativa privada, por sua vez, encontrou no Estado um parceiro indispensável

para alocação de investimentos e, naturalmente, o retorno dos recursos investidos mediante

contratos de longo prazo.

A iniciativa privada é uma parceira imprescindível do Estado na prestação de

serviços públicos, principalmente aqueles relacionados à concretização dos direitos

fundamentais, a exemplo da saúde, educação, seguridade social, saneamento básico etc.

A Constituição estabelece a participação de entidades privadas na execução de ações

no setor da saúde e prevê, inclusive, que essa atuação é livre à iniciativa privada. No que se

refere à previdência social, a Constituição dispõe sobre a participação de sujeitos privados no

§ 10º do art. 201, no art. 202, e nos §§ 14 e 15 do art. 40, relativo ao regime de previdência

privada.

A participação da iniciativa privada nas ações de seguridade social, de acordo com a

distinção constitucional entre atividades econômicas e serviços públicos ocorre, em alguns

casos, simplesmente como colaborador do Estado, que desempenha verdadeiros serviços

públicos, submetidos ao regime jurídico de direito administrativo e, em outras hipóteses,

exploram atividade econômica em regime de direito privado, ainda que submetido à regulação

e fiscalização estatal.

REFERÊNCIAS

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