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ISSN: 1517-9257 Papéis : rev. Letras Campo Grande, MS v. 7 n. 14 p. 1-52 jul./dez. 2003

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ISSN: 1517-9257

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UNIVERSIDADE FEDERAL DEMATO GROSSO DO SUL

ReitorManoel Catarino Paes - Peró

Vice-ReitorMauro Polizer

CÂMARA EDITORIALAlda Maria Quadros do CoutoAna Maria Souza Lima Fargoni

Dercir Pedro de OliveiraJosé Batista de Sales

Maria Adélia MenegazzoPaulo Sérgio Nolasco dos SantosRita Maria Baltar Van Der Laan

Ronaldo AssunçãoVânia Maria Lescano Guerra

Ficha Catalográfica preparada pelaCoordenadoria de Biblioteca Central/UFMS

Papéis : rev. Letras / Universidade Federal de MatoGrosso do Sul. – v. 1, n. 1 (1997)- . CampoGrande, MS : A Universidade, 1997- .v. : il. ; 27 cm.

Semestral.Numeração de vols. irregular: v. 5 omitidoISSN 1517-9257

1. Literatura - Periódicos. I. Universidade Federalde Mato Grosso do Sul.

CDD-805

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APRESENTAÇÃO

Papéis – Revista de Letras da UFMS dá continuidade à orientação dos números anterioresoptando pela abertura dos artigos quanto à temática, desde que relacionados às áreas deLiteratura, Língua e Lingüística.

Abrindo esse número 14, Eliane Cunha Ferreira entrevista John Gledson para falar de seupercurso crítico pelas obras dos escritores brasileiros Carlos Drummond de Andrade eMachado de Assis.

Maria Leda Pinto analisa poemas de Manoel de Barros na perspectiva da Análise dodiscurso de linha francesa, evidenciando o trabalho poético voltado para aintertextualidade, a polifonia e a heterogeneidade discursiva.

A análise literária tem lugar com o artigo de Luiz Gonzaga Marchezan que investiga ametáfora do labirinto em Borges e Cartázar, comparando minuciosamente o processo deconstrução, os recursos e o resultado estético nos contos O jardim dos caminhos que sebifurcam e Casa tomada. O ensaio de Paulo César Thomaz volta-se para a prática poéticade Juan José Saer, no romance El antenado, ressaltando o uso dos recursos próprios dopoema no texto narrativo do escritor argentino.

A organização de um inventário crítico/bibliográfico da obra de Manoel de Barros édescrita e apresentada por Walquíria Gonçalves Béda, indicando lacunas e excessos.

A área de Língua Inglesa é contemplada nesse número com o artigo de Nadir de AssisBoralli voltado para os fenômenos de hesitação presentes nas falas de um grupo deestudantes brasileiros, sugerindo sua transitoriedade e dinamismo.

O leitor encontrará, ainda, resenha do livro de poemas de Douglas Diegues - Dá gustoandar desnudo por estas selvas, por Rosana Zanelatto Santos e resumo de dissetaçõesdo Programa de Mestrado em Letras da UFMS – Três Lagoas: Sexo e poder em Navalhana carne de Raquel de Oliveira Fonseca e Um olhar sobre os caminhos do pantanalsul-mato-grossense, de Marlene Schneider.

Profª Drª Maria Adélia MenegazzoCoordenadora da Papéis

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Publicação da

UNIVERSIDADE FEDERALDE MATO GROSSO DO SUL

Portão 14 - Estádio Morenão - Campus da UFMSFone: (67) 345.7200 - Campo Grande - MS

e-mail:[email protected]

Projeto Gráfico, Editoração Eletrônica,Impressão e Acabamento

Editora UFMS

RevisãoA revisão lingüística e ortográfica é de responsabilidade dos autores

DistribuiçãoLivraria UFMS

HUMBERTO ESPÍNDOLA‘‘Brinquedo Kadiwéu’’gravura digital18 x 14,5 cm

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SUMÁRIO

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7 O CRÍTICO E AS PAIXÕES DURADOURAS - DRUMMOND E MACHADO DE ASSISENTREVISTA COM JOHN GLEDSONPor Eliane Fernanda Cunha Ferreira

O "EU" E O "OUTRO" EM MANOEL DE BARROSMaria Leda Pinto

BORGES, CORTÁZAR E A METÁFORA DO LABIRINTOLuiz Gonzaga Marchezan

EL ENTENADO, A PRÁXIS POÉTICO-NARRATIVA DE JUAN JOSÉ SAERPaulo César Thomaz

ALGUNS ASPECTOS DO INVENTÁRIO BIBLIOGRÁFICO SOBRE MANOEL DE BARROSWalquíria Gonçalves Béda

PHENOMENA OF HESITATION IN INTERLANGUAGE SPEECH PRODUCTIONNadir de Assis Boralli

RESENHADÁ GOSTO DE PERAMBULAR POR ESTAS PALAVRAGENS DE DOUGLAS DIEGUESRosana Cristina Zanelatto Santos

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DISSERTAÇÃOSEXO E PODER EM "NAVALHA NA CARNE"Raquel de Oliveira Fonseca

DISSERTAÇÃOUM OLHAR SOBRE OS CAMINHOS DO PANTANAL SUL-MATO-GROSSENSE:A TOPONÍMIA DOS ACIDENTES FÍSICOSMarlene Schneider

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7Papéis : rev. Letras, Campo Grande, MS, v. 7, n. 14, p. 7-9, jul./dez. 2003

Entrevista comJOHN GLEDSON*

O CRÍTICO E ASPAIXÕES DURADOURAS

Drummond e Machado de AssisPor Eliane Fernanda Cunha Ferreira*

Eliane Ferreira - Em 2002, comemorou-se, na maio-ria das Universidades públicas e privadas brasileiras,o centenário de nascimento de C.D.A. Gostaria quevocê comentasse esse tipo de manifestação.John Gledson - Claro que estas datas, por mais quetenham algo de arbitrário, são importantes. No casodeste centenário, pode servir para explicar, e até re-mediar, uma situação curiosa. Drummond talvez sejao poeta erudito mais lido e amado no Brasil. Mas oque se tem publicado sobre sua poesia, sobretudo nosúltimos vinte anos, é muito pouco. Não sei explicarporquê. Pode ser um pouco a conseqüência da qua-lidade e abrangência do que se escreveu antes, e pensonos livros de Affonso Romano, Silviano Santiago, JoséGuilherme Merquior, ou do ensaio “Inquietudes napoesia de Drummond”, de Antonio Candido. Mas nãoacredito que as gerações novas não tenham algo aacrescentar. A grande exceção é o livro de VagnerCamilo, Da Rosa do Povo à Rosa das Trevas, quesaiu em 2001, e é um estudo excelente em todos ossentidos da transição entre A Rosa do Povo e ClaroEnigma.

E.F. - Como ocorreu o seu interesse pela poesiadrummondiana? Foi Drummond que o fez conhecero Brasil e apaixonar-se pelo país? Por que você mes-mo traduziu seu livro sobre Drummond e os posteri-ores sobre Machado, com exceção de Confradesde versos, foram traduzidos por Fernando Py e SoniaCoutinho?

* Eliane Fernanda Cunha Ferreira é doutora em LiteraturaComparada pela UFMG e professora visitante no Curso dePós-Graduação em Estudos Literários da UFMS –Departamento de Comunicação e Expressão/Campus deDourados.

Autor do ensaio sobre Drummond – Poesia epoética de Carlos Drummond de Andrade (Livra-ria Duas Cidades, 1981), Gledson iniciou suaspesquisas sobre a literatura brasileira com a obrado poeta itabirano. O livro foi, na sua origem, amaior parte de uma tese escrita para o Departa-mento de Literatura Comparada da PrincetonUniversity, Estados Unidos.

Em entrevista exclusiva para a Profa. ElianeFernanda Cunha Ferreira, John Gledson, “con-siderado um dos mais respeitados especialistascontemporâneos na obra de Machado de Assis”,falou um pouco de sua experiência com a leiturae análise da poética de Carlos Drummond deAndrade.

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Quando li Casa velha,e vi lá a repetição,

em forma mais mordaz,dos romances dos

anos 1870, vi que tinhaalguma coisa a

dizer sobre Machado,e aí não parei mais.

J.G. - O interesse foi se desper-tando lentamente: Drummond, ameu ver, não é poeta que suscitepaixões súbitas, como, por exem-plo (pelo menos no meu caso),Fernando Pessoa: mas uma vezdespertada, é uma paixão dura-doura. Comecei o trabalho em1970, e a tese só foi completadaem 1979: visitei o Brasil três ouquatro vezes nesse ínterim, e pas-sei um ano entre Rio de Janeiro eMinas em 1971 e 72. O conheci-mento do país foi crescendo ao longo desses anos, efoi em parte por isso que ao terminar a tese, fui atra-ído pelo lado “brasileiro” de Machado de Assis, epela crítica de Roberto Schwarz, que se baseia justa-mente nos problemas da “nacionalidade” brasileira.

Quanto à tradução, quando me propuseram a pu-blicação da tese na editora Duas Cidades, fiquei tãoentusiasmado que me candidatei à tradução. Logofui percebendo que um não-nativo não pode tradu-zir com a naturalidade que quero que meus escritostenham. Tive a sorte realmente imensa de ter emLiverpool um amigo, Elmar Pereira de Mello, querepassou tudo comigo, com muita paciência e

perfeccionismo, e devia constarnão só nos agradecimentos: foico-tradutor. Mas aprendi a lição,e nunca mais fiz a mesma boba-gem. O necessário, para mim,pelo menos, é uma colaboraçãoentre o autor e um brasileiro deconfiança.

E.F. - Você, atualmente, é pro-fessor aposentado pela Univer-sidade de Liverpool. O desliga-mento da Instituição possibilitou-

lhe dedicar mais intensamente aos estudosmachadianos. Você traduziu Dom Casmurro paraa inauguração da biblioteca latino-americana daOxford University Press, além das traduções deensaios de Roberto Schwarz (“As idéias fora dolugar”, “Nacional por subtração”, entre outros, eUm mestre na periferia do capitalismo, publica-do pela Duke University Press). Drummond pare-ce que não foi retomado por você ao longo desses20 anos que se passaram desde a publicação doseu livro. Como você explicaria seu “distancia-mento” da poesia drummondiana? Apenas 3 anosapós essa publicação, você publicaria em 1984, Thedeceptive realism of Machado de Assis : adissenting interpretation of Dom Casmurro. (Ma-chado de Assis - impostura e realismo: umareinterpretação de Dom Casmurro). Como ocor-reu essa transição do modernismo brasileiro parao “realismo” machadiano?J.G. - Creio que acontece freqüentemente essa mu-dança de um autor para outro na vida dos críticosacadêmicos. Tenho visto vários casos. Não diria queseja um distanciamento propriamente dito: Poesia epoética de Carlos Drummond de Andrade tinhaalgo de auto-suficiente, de completo para mim, comseu argumento próprio. A poesia faz parte do meumundo mental, é claro: não seria possível abandoná-la. Na verdade, depois de uma tentativa malogradade escrever sobre os anos 30, tive que ler Machadopor motivos de ensino, e li Ao vencedor as batatas,livro que de início me fascinou. Quando li Casa ve-lha, e vi lá a repetição, em forma mais mordaz, dosromances dos anos 1870, vi que tinha alguma coisa adizer sobre Machado, e aí não parei mais.

E.F. - Depois da publicação do seu livro, você conti-nuou a acompanhar a produção literária de Drummonde da fortuna crítica? Como você analisa a publicaçãoGrafite de Drummond/2002 por João Batista F. Chagas

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póstuma dos poemas eróticos de Drummond? “Comodefine Affonso Romano de Sant´Anna, “as palavrasàs vezes copulam semanticamente, e o que encon-tramos nestas páginas é o êxtase poético de um au-tor que, ao mergulhar fundo em suas próprias sensa-ções, desnuda também o leitor, que se vê frente afrente com suas próprias contradições ao pensar noslimites entre o erótico e o pornográfico, o sexo e oamor.” Você concorda com Affonso, poeta tambémmineiro?J.G. - Como disse, é estranho que se tenha publi-cado tão pouco desde, mais ou menos, 1980: o maisinteressante, fora o livro de Vagner Camilo menci-onado acima, creio que são alguns textos do pró-prio poeta, os trechos do diário, entrevistas conce-didas no fim da vida, etc. Os poemas eróticos jáconhecia na época em que pesquisava, porque cir-culavam em cópias datilografadas – na época, lem-bro que os via como extensões dos poemas amo-rosos e quase eróticos de Claro enigma etc.: po-emas dos mais lindos (e corajosos) do poeta, como“Campo de flores”, “O quarto em desordem”,“Rapto”, etc. Continuo achando que fazem parteintegrante da obra do poeta , e é só pelofrissonzinho, hoje talvez superado, de serem eró-ticos que se podem considerar à parte. De fato,como diz Affonso, nos põem frente a frente comas nossas contradições: mas os outros poemas,amorosos ou não, não fazem a mesma coisa?

E.F. - Você, como pesquisador estrangeiro, teve to-das as portas abertas para desenvolver suas pesqui-sas. Os nossos saudosos Plínio Doyle, que foi home-nageado no simpósio sobre Machado de Assis naABRALIC (2002), e Antonio Houaiss contribuírampara isso, além de Affonso Romano de Sant´Anna.O fato de você ser um pesquisador estrangeiro impli-ca em uma maior acessibilidade a arquivos menosvisitados pelos pesquisadores brasileiros?J.G . - Sem dúvida tive muita sorte, e não sei segozei de privilégios por ser estrangeiro: é bem prová-vel que sim, em Princeton e depois Liverpool me de-ram apoio financeiro. Direi duas coisas a este res-peito: devo muitíssimo a certos indivíduos, e possosalientar Fernando Py, Plínio Doyle, e o próprio poe-ta, que me acolheram com muita generosidade. Emrelação aos arquivos onde trabalhei, principalmenteo Arquivo Público Mineiro e a Biblioteca Nacional,não creio que tenha gozado de privilégio nenhum: mastenho saudades das horas e horas a fio em que fiqueisentado lá, copiando à mão dos jornais e revistas as

primeiras obras de Drummond, guiado pelas infor-mações fornecidas pelo Fernando, numa época emque xerox era coisa rara. Ainda hoje tenho essas pre-ciosidades, e foi lá que aprendi a pesquisar: não te-nho feito outra coisa com Machado, por exemplo notrabalho que faço sobre as crônicas.

E.F. - Agradeço a sua colaboração.

OBRAS DE JOHN GLEDSONPoesia e poética de Carlos Drummond de Andrade (Duas Cida-des, 1981)The deceptive realism of Machado de Assis: a dissenting interpretationof Dom Casmurro. (Francis Cairns, 1984 ).Machado de Assis: ficção e história. Trad. Sonia Coutinho. (Paze Terra, 1986).Machado de Assis - impostura e realismo: uma reinterpretaçãode Dom Casmurro. Trad. Fernando Py. (Companhia das Letras,1991).Machado de Assis: Bons Dias! Introdução e notas de JohnGledson. (Editora da Unicamp, Hucitec, 1990).Dom Casmurro (Oxford University Press, 1998).Machado de Assis e confrades de versos. (Minden, 1998).Machado de Assis: contos (antologia). Seleção, introdução e notas deJohn Gledson. (Companhia das Letras, 1998).“Uma lição de história: ‘Conto de escola’ de Machado de Assis”em A Biblioteca de Machado de Assis (2001).

Além de Machado de Assis, John Gledson tambémestudou Drummond

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Este trabalho tem o objetivo de apresentar os resultados da análise dequatro poemas de Manoel de Barros, em que procuramos dar desta-que para a intertextualidade, a polifonia e a heterogeneidadediscursiva.Tendo como perspectiva teórica a Análise do Discurso delinha francesa, procuramos conhecer as representações que o sujeitofaz de si e do mundo, por meio de seu discurso. Recorremos à contri-buição da AD porque entendemos ser esta a abordagem que — fun-damentada no princípio dialógico da linguagem defendido por Bakhtin— amplia as noções lingüísticas existentes, ao mesmo tempo em quepropõe novas noções que explicitam o caráter histórico e social dalinguagem. Por uma questão de espaço e tempo, os poemas serãoabordados a partir dos enfoques propostos, no entanto outros aspectospoderão estar no bojo dessa análise.

Palavras-chave: dialogismo – discurso –sujeito

This work has the objective to present the results of the analysisof four poems of Manoel de Barros, in which we tried to focus onthe intertextuality, poliphony and discoursive heterogeneity. Astheoretical perspective the Analysis of the French line discouse,we tried to know the representations that the subject does of itselfand of the world, through his discourse. We appeal to thecontribution from the AD because we understand this is theapproach that — based on the dialogical principle of languagedefended by Bakhtin — expand the existing linguistic notions, atthe same time that purpouse new notions that explicit the socialand historical character of the language. For a question of spaceand time, the poems will be looked from the purpoused approaches,however others aspects will be into he bulge of that analysis.

Keywords: dialogism, discourse, subject

* Maria Leda Pinto éDoutoranda daUniversidade de SãoPaulo, Professora daUEMS e daUNIDERP.

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1. IntroduçãoOs estudos lingüísticos têm avançado muito nos úl-

timos anos. Embora saibamos que a linguagem semprechamou a atenção dos estudiosos, um trabalho de pes-quisa sobre os fenômenos lingüísticos aconteceu – commaior intensidade – em grande parte dos países euro-peus, nas últimas décadas. No Brasil, o ponto alto dasdiscussões se deu a partir da década de oitenta. Muitasforam as investigações que resultaram em descobertasde novas teorias que têm dado maior consistência aesses estudos, possibilitando a retomada de concep-ções anteriores e de suas contribuições para o desen-volvimento da lingüística, como ciência da linguagem.

Essas reflexões nos permitem afirmar que a lin-güística, atualmente, possui duas vertentes principais:de um lado, a chamada lingüística do sistema ouestrutural e, de outro, a lingüística do discurso. Aprimeira tem em Saussure (2000), um dos seus prin-cipais estudiosos. Como sabemos, o pensamentosaussureano — e de todos os estruturalistas que vie-ram depois dele — sempre concebeu a língua comoum sistema lingüístico abstrato e estável. Essa foi afundamentação teórica que pautou os estudos e o en-sino de línguas por muito tempo. Uma breve olhadano processo histórico dos estudos lingüísticos e cons-tataremos que os maiores avanços, até um tempoatrás, ocorreram em aspectos da língua isolados edissociados do uso, sendo os aspectos fonéticos efonológicos, os morfológicos e os sintáticos os quemais avançaram.

O ‘‘EU’’ E O ‘‘OUTRO’’EM MANOEL DE BARROS

Maria Leda Pinto*

As últimas décadas, entretanto, têm se voltado parauma Lingüística do discurso, que surge, mais forte-mente, a partir dos estudos fundamentados nas idéiasdo teórico russo M. Bakhtin (1986). Num contrapontoà Lingüística Estrutural, Bakhtin compreende a lín-gua como algo concreto, vivo, capaz de dar conta dassituações cotidianas de uso, de modo que a lingua-gem, nesta perspectiva, é uma atividade histórica esocial. Esses estudos, que colocam o dialogismo comofundamento principal dentro de um processo deinteração verbal, rompem com o modelo estruturalis-ta e dão um novo enfoque às pesquisas lingüísticas eao ensino de línguas.

Com Bakhtin e todos os outros estudiosos que,antes dele, com ele e depois dele, defenderam/defen-dem o desenvolvimento dos estudos da linguagem apartir da análise do todo do texto, a lingüística conse-guiu romper as barreiras que limitavam seu objeto deestudo à frase fora do contexto lingüístico eextralingüístico. Esse, com certeza, se constitui emum dos maiores avanços da lingüística ocorridos nasúltimas décadas: mover-se da linguagem do sistemapara a linguagem de uso.

2. Pragmática:a linguagem em uso“A língua penetra na vida através dos enunciadosconcretos que a realizam, e é também através dosenunciados que a vida penetra na língua.”

(BAKHTIN, 1997)

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A ciência que realiza o estudo dos usos da lingua-gem é a Pragmática, compreendida e aplicada, pelosestudiosos, a partir de dois enfoques. O primeiro com-preende-a como a ciência que perpassa toda essa lin-guagem; o segundo apresenta-a, de forma mais restri-ta, como a teoria que estuda os atos de fala. Noenfoque mais amplo pode ser comparada a um guar-da-chuva que abriga/estuda as teorias e/ou aborda-gens que se propõem pensar as questões lingüísticassegundo a perspectiva do uso.

Cada uma dessas abordagens, progressivamente,possibilitou à reflexão lingüística o surgimento de no-vos conceitos e novas leituras dos já existentes. Aquestão da subjetividade em Benveniste, os atos defala, com Austin e Searle, as máximas conversacionaise a noção de implicatura de Grice, a questão das ati-vidades lingüístico-cognitivas e de composição textu-al dos psicólogos e psicolingüistas soviéticos, os ope-radores argumentativos e a intertextualidade na Lin-güística Textual, os implícitos e a polifonia de Ducrot.Entretanto, é com a Análise do Discurso, dita de linhafrancesa, que vamos saindo, mais claramente, da es-trutura fechada da língua, para pensá-la em um con-texto extralingüístico.

Os analistas do discurso, fundamentados no prin-cípio dialógico da linguagem defendido por Bakhtin,ampliam noções lingüísticas existentes, ao mesmo tem-po em que propõem novas noções que explicitam ocaráter histórico e social da linguagem. Linguagemque passa, nessa perspectiva teórica, a ser entendidacomo uma atividade de falantes concretos, históricos,reais e, por isso uma atividade histórica e social, umarepresentação da realidade.

Outras noções importantes como a de sujeito e ade discurso vão ser ampliadas pela AD. O primeiro,sendo essencialmente histórico, deixa de ser vistocomo único na instância discursiva, para deixar evi-dente seu caráter contraditório que, segundo Brandão(1994, p.46), é , “...marcado pela incompletude, an-seia pela completude, pela vontade de ‘querer serinteiro’. Assim, numa relação dinâmica entre iden-tidade e alteridade, o sujeito é ele mais a comple-mentação do Outro.”

O discurso, por sua vez, é efeito de sentidoconstruído em um processo de interação verbal. Éhistórico; é concreto; é social. É o lugar em que osujeito se constitui pela atividade de linguagem. Essaforma de pensar o discurso vai afetar um conceitofundante da AD: o de formação discursiva (FD)

[...] em que se deve reconhecer a coexistênciade “várias linguagens em uma única” e não

ao contrário, como pensavam inadequadamen-te alguns, a existência de “uma única lingua-gem para todos” Assim, uma FD não deve serentendida como um bloco compacto e coesoque se opõe a outras FDs.

(BRANDÃO, 1994, P.72)Não há, dessa forma, possibilidade de se determi-

nar um limite entre o “interior” e o “exterior” de umaFD, tendo em vista que ela se limita com outras FDse suas fronteiras são demarcadas pelos embates ideo-lógicos. Para Brandão (1994, p.72),“é assim que sepode afirmar que uma FD é atravessada por váriasFDs e, conseqüentemente, que toda FD é definida apartir de seu interdiscurso.”

Maingueneau (apud BRANDÃO, 1994) conceben-do o discurso a partir de uma heterogeneidadeconstitutiva, defende o primado do interdiscurso so-bre o discurso. Defende que a unidade de análise per-tinente se constitui em um espaço de trocas entre dis-cursos intencionalmente selecionados, determinando“o que pode e deve ser dito” e aquilo que “não pode enão deve ser dito”em dado enunciado. Considerandoo dialogismo, de acordo com Bakhtin, como o princí-pio constitutivo da linguagem, podemos afirmar queo discurso se constitui das/nas muitas vozes já ditas.É na relação, muitas vezes conflituosa, com o Outroque o interdiscurso se constitui como “... o conjuntodas unidades discursivas com as quais ele entra emrelação”(MAINGUENEAU, 1998, p.86).

Essas vozes que falam e/ou polemizam no texto,numa relação do discurso com seu Outro, trazem-noso conceito de intertextualidade que, para Maingueneau(apud BRANDÃO, 1994, p.75-6) diz respeito às re-lações intertextuais entendidas como legítimas que umaFD mantém com outras.

Essa intertextualidade pode ser compreendida emdois níveis: uma intertextualidade “interna” em queum discurso se define, em concordância e/oucontraponto, com outros discursos do mesmo cam-po; uma intertextualidade “externa” em que um dis-curso se define a partir de uma certa relação comdiscursos de outros campos. Segundo Brandão (Op.cit., p. 76) é a compreensão desses níveis que vai nosmostrar que um campo discursivo não é solitário, iso-lado, pelo contrário, o universo discursivo é determi-nado nesse tecer dos campos do saber.

Outro aspecto relevante postulado pela AD, a par-tir de Bakhtin, se refere aos gêneros do discurso. Ouso da língua, nas mais diversas atividades dos falan-tes, se constitui de enunciados que, segundo Bakhtin(1997, p.317) refletem as condições específicas e as

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finalidades de cada uma dessas esferas, não sópor seu conteúdo (temático) e por seu estilo ver-bal (...) mas também, e sobretudo, por sua cons-trução composicional.” Essas diversas formas, re-lativamente estáveis, dos enunciados são, para o au-tor, denominadas gêneros do discurso.

Há também a heterogeneidade mostrada e aheterogeneidade constituída que, através do princí-pio da alteridade, mostram como o discurso se relaci-ona com o seu “exterior”. Nessa relação, tem papelfundamental a memória discursiva, que vai possibili-tar, na tessitura que faz emergir o interdiscurso deuma FD, a evidência da concordância, da rejeição ouda transformação de enunciados de outras FDs histo-ricamente relacionadas.

Podemos afirmar, portanto, que a AD aqui focali-zada apresenta, como seu postulado de base, que oestudo da linguagem não pode estar dissociado desuas condições de produção. Segundo Barros (1994,p.5), a resolução dialógica entre uma lingüística in-terna e uma lingüística externa, proposta porBakhtin, encontra-se, por conseguinte, no centro desuas investigações”.

A análise do discurso oportuniza uma discussão quetrata o texto como um todo e, diferentemente de umapostura abstrata e fragmentada, possibilita uma refle-xão sobre enunciados concretos construídos por sujei-tos ideologicamente constituídos, pois é através do usoda língua dentro do contexto social em que vive e atua,que o homem se constitui e estabelece vínculos soci-ais com outros sujeitos e outras culturas.

A partir dessa perspectiva, que nos possibilita co-nhecer as representações que o sujeito faz de si e domundo através de seu discurso, ousamos conhecerum pouco do poeta Manoel de Barros, através daanálise de alguns de seus poemas.

3 Quatro poemas:o ‘‘Eu’’ e o ‘‘Outro’’

em Manoel de Barros“Os outros: o melhor de mim sou Eles”

Manoel de BarrosO texto, na perspectiva bakhtiniana, é tecido

polifonicamente através de “vozes” que se cruzam eestão presentes nos enunciados que se constituem noespaço discursivo entre o “eu” e o “outro”, em umarelação de identidade/alteridade, em situações con-cretas de interação. Para Bakhtin, o uso da língua seefetiva em enunciados orais e escritos, concretos e

únicos, que emanam de sujeitos, histórica e social-mente constituídos.

O enunciado concreto é definido pelo autor comoa unidade real da comunicação verbal que temno diálogo, por sua clareza e simplicidade, a formaclássica de comunicação, já que ele evidencia, de for-ma mais direta, a alternância entre os sujeitos falan-tes e a possibilidade de réplica. Além da alternânciaentre os sujeitos falantes, temos como proprieda-des desse enunciado:

a) o acabamento específico do enunciado, que seconstitui de três fatores os quais, de forma articu-lada, determinam, segundo Bakhtin, a possibilida-de de responder:a.1. ao tratamento exaustivo do tema;a.2. à intenção, ao querer-dizer do locutor;a.3. às formas típicas de estruturação do gênerodo acabamento.b) à relação do enunciado com o próprio locutore com os interlocutores da comunicação verbal.Essas propriedades do enunciado concreto nos re-

metem a um aspecto que julgamos muito importantepara a nossa análise, ou seja, a questão dos gênerosdo discurso. O fato de nos dirigirmos a alguém, anossa relação com esse alguém, o intuito de dizersobre determinado tema, nos leva à escolha da(s)forma(s) típica(s) de dizer, ou seja, à estruturação dogênero discursivo mais pertinente ao contextoenunciativo.

Definindo os gêneros do discurso como tipos rela-tivamente estáveis de enunciados, o teórico russo clas-sifica-os em gêneros do discurso primários (sim-ples, como por exemplo a réplica do diálogo cotidia-no), e gêneros do discurso secundários (comple-xos) que se constituem em contextos de comunicaçãocultural mais ampla, mais complexa, principalmentena escrita: artística e/ou científica, por exemplo.

Os gêneros secundários, no seu processo de for-mação, podem se valer dos gêneros primários, que,nessa condição, transformam-se e “perdem sua rela-ção imediata com a realidade existente e com a rea-lidade dos enunciados alheios” (BAKTHIN, 1997,p.281). Entretanto, estabelecer a distinção entre gê-neros primários e secundários é relevante teoricamen-te, pois a análise desses dois gêneros é que vai elucidare definir a natureza do enunciado:

A inter-relação entre os gêneros primários esecundários de um lado, o processo históricode formação dos gêneros secundários do ou-tro, eis o que esclarece a natureza do enunci-ado (e, acima de tudo, o difícil problema da

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correlação entre língua, ideologias e visões demundo) (BAKHTIN, 1997, p.282)Refletindo a respeito dessas considerações de

Bakhtin sobre os gêneros do Discurso, Brandão(2002,p.4) aponta dois aspectos que julga importan-tes:

1. mesmo sendo cada gênero marcado pela regu-laridade e pela repetibilidade, por isso definido comorelativamente “estável”, não é um modelo a ser se-guido literalmente, tendo em vista que essa estabilida-de é constantemente ameaçada por forças sociais, cul-turais, de restrição genérica e individuais (estilística)que determinam mudanças, apagamento ourevivescência num gênero. Esse movimento marcasingularmente os diferentes gêneros; uns mais está-veis, outros mais susceptíveis à variabilidade.

2. a dimensão intragenérica e intergenérica que umgênero estabelece com outro no espaço do texto. Aprimeira corresponde ao diálogo interdiscursivo quese estabelece entre as diferentes manifestações textu-ais de um mesmo gênero. A segunda considera que,na prática, os discursos/textos não se apresentam ho-mogêneos, ao contrário, na sua produção seintercruzam vários tipos de texto e de seqüências tex-tuais. São os gêneros, portanto, na prática, marcadospela heterogeneidade e pela interdiscursividade/intertextualidade.

Essa é a perspectiva que escolhemos para analisarquatro poemas de Manoel de Barros, em que preten-demos dar destaque para a intertextualidade, apolifonia e a heterogeneidade discursiva, se é que sepode pensar separadamente desse ponto de vista, anão ser didaticamente. Portanto, por uma questão deespaço e tempo, os textos serão olhados a partir dosenfoques propostos, no entanto, outros aspectos po-derão estar no bojo dessa análise.

Os poemas que serão analisados pertencem aogênero poético, com circulação dentro de uma comu-nicação cultural mais complexa tendo, assim, seu lu-gar nos gêneros do discurso secundário.

Entendendo, com Brandão, por intertextualidade asrelações que uma formação discursiva mantém comoutras formações discursivas, podemos olhar os poe-mas nº 5 e nº 12, de Manoel de Barros em uma rela-ção com o Salmo 23, da Bíblia, como uma intertextua-lidade externa, tendo em vista que um discurso do cam-po literário/poético estabelece uma relação com umdiscurso do campo religioso: bíblico e, também, maisespecífico da igreja católica através das expressões“monge”, “um convento”, “oratórios” (poema nº 5),“beato” e “galardão” (poema nº 12); este último é usa-do também pelos evangélicos. Trata-se de uma rela-ção interdiscursiva em que se privilegia um discursocitado e de outro campo discursivo1 ao qual o poeta se

1 Campos discursivos são espaços onde um conjunto de formações discursivas estão em relação de concorrência no sentido amplo,delimitam-se reciprocamente: assim as diferentes escolas filosóficas ou as correntes políticas que se afrontam, explicitamente ou não,numa certa conjuntura. Cf. Maingueneau (1998:19).

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contrapõe. Podemos dizer que esse contraponto écentrado no “motivo”: enquanto o salmo exalta/louvaa Deus, o poeta exalta/louva a natureza, o Pantanal, oseu espaço de vivências. Ele “endeuza” as coisas:“Pote-cru” e os seres: “Passo-triste”.

Considerando o espaço escolhido para os poemas:o livro Retrato do Artista quando Coisa – que jáno título apresenta uma intertextualidade em relaçãoao livro de James Joyce Um retrato do artista quan-do jovem – podemos compreender o discurso dopoeta, já que nessa sua obra, ele se coloca como opróprio espaço, o próprio contexto, como sendo eleaquele concerto de “vozes”, de “sons”, de “seres”. Éo próprio Manoel de Barros que afirma estar o Panta-nal dentro dele: “Não me seduz ver as paisagens dopantanal porque elas estão dentro de mim. O quepreciso é de transfazê-las” (Apud VIÉGAS, 1994,p.19) Esse transfazer é tornar-se “coisa”, ver-se comooutro ser, como nos aponta quando escolhe comoepígrafe do livro: “ Não ser é outro ser”, do Livrodo desassossego, de Fernando Pessoa. E quando afir-ma em outros espaços (p. 17) do mesmo livro que oartista Não terá mais o condão de refletir sobre ascoisas. Mas terá o condão de sê-las (grifos nossos).

Na trajetória histórica de Manoel de Barros estãopresentes, entre outros, dois campos discursivosconflitantes: a formação educacional no Colégio dosIrmãos Maristas e a sua militância no Partido Comu-nista. Ao mesmo tempo que ele quer ser “coisa”, numademonstração, possivelmente, de humildade que noslembra São Francisco de Assis e também de exaltação

à natureza: “Pedra ser, inseto ser era seu galardão.Sua casa era guardada por aves do que ferro-lhos.”/”Dava aos andrajos grandeza.”, por outrolado, destaca as mazelas da natureza e tudo aquiloque é rejeitado, abominado pela sociedade, pobre etriste: “De rato podre, vísceras de piranhas, ba-ratas /albinas, dálias secas, vergalhos de lagar-tos,/Lingüetas de sapatos, aranhas dependura-das em/Gotas de orvalho etc.etc./ Passo-triste ti-nha um gosto entre beato e bêbado/Pote-cru, eledormia nas ruínas de um convento, colocando-seao lado dos não favorecidos, a parte destruída da na-tureza pela insensatez humana.

Nesses discursos, o autor constrói a própria iden-tidade discursiva, a partir dos espaços discursivos es-colhidos, numa relação de alteridade entre o seu dis-curso e discurso(s) de campos diferentes, principal-mente tendo como fundante o discurso religioso. Po-demos dizer então que os poemas nº 5 e nº 12, emsua relação com o “outro”, com o seu exterior seconstitui de uma heterogeneidade mostrada, já que aalteridade se manifesta de forma explícita.

Já o poema a seguir, intitulado Comparamento,apresenta uma intertextualidade interna, em relação aoutro discurso do mesmo campo: o poema Catar fei-jão, de J.Cabral de Melo Neto. Podemos afirmar isso,tendo em vista que os dois textos estabelecem umacomparação entre o ato de escrever poesias e umaspecto da vida cotidiana, do contexto social de seusautores: para J. Cabral de Melo Neto o “catar feijão”,para Manoel de Barros o “percurso de um rio”. En-

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tretanto, não há citações explícitas, nem imitação naforma de apresentação do poema, embora pertençamos dois a um mesmo gênero do discurso. Temos, nes-se caso, uma heterogeneidade mostrada, não marcada.

Manoel de Barros, com certeza, leitor da obra deJoão Cabral de Melo Neto, deixa-nos ver aquilo queMaingueneau (Apud BRANDÃO, 1998, p.126) afir-ma: um discurso não se constitui sobre uma páginaem branco “...o novo não pode se enunciar senãopor um reagenciamento do que já está lá”. Temosaqui a voz do outro recuperada através do cruzamen-to da formação discursiva manoelina com outra for-mação discursiva: a de J. Cabral de Melo Neto.

Dentro de um movimento dialógico, podemos per-ceber outras ”vozes” constituindo o poema: o conhe-cimento de mundo/do seu mundo, nos versos: “Osrios recebem, no seu percurso, pedaços de pau,/fo-lhas secas, penas de urubu/E demais trombolhos. Oconhecimento literário, no que se refere à construçãodo texto poético: “As palavras, na viagem para opoema, recebem/nossas torpezas, nossas demências,nossas vaidades/ E demais escorralhas/ (...) Mas de-sembarcam no poema escorreitas: como que/filtra-das. E, finalmente, o conhecimento da relação leitor/texto: “E livres das tripas do nosso espírito”. O meutexto, nem é só a minha voz, como também, nas ins-tâncias públicas produz efeitos de sentido e tem noleitor — com sua história e sua caminhada — um co-autor, um construtor de sentidos.

Poema Nº 13Venho de nobres que empobreceram.Restou-me por fortuna a soberbia.

Com esta doença de grandezas:Hei de monumentar os insetos!(Cristo monumentou a Humildade quandobeijou os pés de seus discípulos.São Francisco monumentou as aves.Vieira, os peixes.Shakespeare, o Amor, A Dúvida, os tolos.Charles Chaplin monumentou os vagabundos.)Com esta mania de grandeza:Hei de monumentar as pobres coisas dochão mijadas de orvalho.

(BARROS, Manoel. Livro sobre nada.Rio de Janeiro: Record, 1996, p. 61.)

Numa relação interdiscursiva com discursos decampos diferentes, o poema nº13 apresenta umaintertextualidade externa, já que o autor vai buscarnesses discursos, podemos dizer que uma sustenta-ção/justificativa para o seu discurso. Quando cita Cris-to, São Francisco e Vieira, está se respaldando nosgrandes feitos de alguns sujeitos que fizeram a histó-ria do discurso religioso. Quando cita Shakespeare eChaplin, nomes do teatro e do cinema, se respalda nahistória do discurso artístico. Além desses discursos,outras formações discursivas atravessam o poema: avida dos nobres, seus fracassos e sua soberbia,explicitada no texto como uma doença.

Dessa maneira, o poema apresenta duas possibili-dades de interpretação/efeito de sentido, nessatessitura polifônica de “vozes”. Numa perspectivapolifônica da ironia, podemos entender que o “locu-tor” coloca em cena um “enunciador” que adota umaposição crítica em relação ao discurso religioso e ar-tístico que não pode assumir socialmente, tendo em

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vista que os feitos já são consagrados no contextohistórico e social da humanidade. Esse “enunciador”coloca esses feitos no mesmo patamar de uma daspiores características humanas: a soberba, que quali-fica como doentia, valendo-se do discurso citado pararefutá-lo.

A outra possibilidade de efeito de sentido tem re-lação com o discurso do poeta no seu desejo de ser“coisa”, “outro ser”. Se o poeta quer ter “...o con-dão de sê-las”( as coisas), que é preciso transfazer asua realidade (o Pantanal), embora isso possa parecerao outro uma “soberbia”, uma “doença”, ele equipa-ra todo o destaque reservado à “Humildade”, às “aves”,aos “peixes”, ao “amor”, aos “tolos”, aos “vagabun-dos” também ao que para ele tem essa mesma impor-tância: “...as pobres coisas do chão mijadas de orva-lho”, a quem sente-se capaz de monumentar.

4. Considerações finaisAo colocarmos em prática um trabalho de análi-

se de textos na perspectiva da linguagem em uso,

alguns aspectos importantes merecem ser destaca-dos. O primeiro deles foi poder constatar, através deuma análise prática de textos, as representações queo sujeito faz de si e do mundo e como isso ficaevidente nos enunciados que profere. Mesmo emum texto poético — tanto tempo compreendido pornós como uma “linguagem figurada” — está lá osujeito, seus possíveis interlocutores e o discursopoético que se construiu/constrói nesse espaçodiscursivo que se constitui entre o poeta e seu “ou-tro”, a cada leitura, a cada leitor.

Vale ressaltar também que o momento em queadentramos os textos para analisá-los, posicionando-nos como sujeito/leitor, a construção de sentido foigradativamente construída, fazendo-nos interagircom os poemas, num processo de escolhas e demobilização do universo de conhecimentos que játínhamos e de outros que tivemos de ir buscar —através da pesquisa e de muitas leituras — a fim dechegarmos aos efeitos de sentido possíveis para nósneste momento e que constituem as análises reali-zadas.

5. ReferênciasALMEIDA, João Ferreira de. A Bíblia Vida Nova. 7. ed. São Paulo: Edições Vida Nova, 1985.BAKHTIN, Mikhail. Marxismo e Filosofia da Linguagem. São Paulo: HUCITEC, 1986.––––––––. “Os gêneros do discurso” In.: Estética da Criação Verbal. São Paulo: Martins Fontes, 1997.BARROS, Diana L. P. de. & FIORIN, J. Luiz (Orgs.) Dialogismo, Polifonia, Intertextualidade. Ensaios de Cultura, n. 7. São Paulo:Editora da Universidade de São Paulo, 1994.BARROS, Manoel. Livro sobre nada. Rio de Janeiro: Record, 1996.––––––––. Gramática Expositiva do Chão.. Rio de Janeiro: Record, 1999.––––––––. Ensaios Fotográficos. Rio de Janeiro: Record, 2000.––––––––. Retrato do Artista quando coisa. Rio de Janeiro: Record, 2001.BÉDA, Walquíria Gonçalves. O inventário bibliográfico sobre Manoel de Barros ou “Me encontrei no azul de sua tarde”.(Dissertação de Mestrado). ASSIS, UNESP, 2002.BRANDÃO, Helena H. Nagamine. Introdução à análise do discurso. 3. ed.. Campinas-SP: Editora da UNICAMP, 1994.––––––––. Subjetividade, Argumentação, Polifonia. A propaganda da Petrobrás. São Paulo: Fundação Editora da UNESP, 1998.––––––––. A articulação: gêneros do Discurso e Ensino. São Paulo: USP, 2002, no prelo.MAINGUENEAU, Dominique. Termos-chave da análise do discurso. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 1998.MELO NETO, João Cabral. Antologia Poética, obras completas. 19??, p. 21-2MENEGAZZO, Maria Adélia. Alquimia do verbo e das tintas nas poéticas de vanguarda. Campo Grande-MS: UFMS, 1991.MENZES, Cynara. O Artista quando coisa. Disponível em: <http://www.secrel.com.br/jpoesia/1cynara.html> Acessado em <13 nov.2002>.PENTEADO, Márcia A. de Oliveira. Breve olhar sobre a criação lexical em Manoel de Barros. (Monografia para conclusão doCurso de Especialização em Letras). Aquidauana: UFMS, 2002VIÉGAS, Maranhão. O azul do quintal de Rodin (Entrevista). In: Onati. Revista Técnico-Científica e Cultural do CESUP. CampoGrande, MS. Nº 1, p. 19-21, set.1994.SAUSSURE, Fedinand. Curso de Lingüística Geral. São Paulo: Cultrix, 2000.

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O labirinto é uma metáfora sem referente que pode ser atualizadacom propósitos estéticos diversos. Borges, em ‘‘O jardim dos cami-nhos que se bifurcam’’, conto de 1941, utiliza-se do labirinto paraconfabular, tramar com parábolas intemporais. Cortazar, em ‘‘Casatomada’’, conto de 1951, constrói uma alegoria existencial, traman-do-a no espaço labiríntico, compartimentado, de uma casa. Para isso,ambos trabalham com a memória – intemporal, infinita, no conto deBorges; obsessiva, no conto de Cortazar e ambos elaboram uma nar-rativa sustentada pela retórica composicional do paradoxo. Compará-los, para este trabalho, será identificá-los com alguns dos seus proce-dimentos discursivos e diferenciá-los mediante a estratégia da suapoética.

Palavras-chave: conto-semiótica-retórica-espaço

The labyrinth is a metaphor without reference that might be updatedfor several aesthetic purposes. Borges, in ‘‘O jardim dos caminhosque se bifurcam’’, (The Gardens of Forking Paths), a short storyfrom 1941, makes use of the labyrinth to confabulate, plot withintemporal paraboles. Cortazar, in Casa tomada (House Taken Over),a 1951-short story, makes an existential allegory, planting it in thedivided, labyrinthine setting of a house. In order to do so, both writerswork with memory – intemporal, endless, in Borges short story;obsessive, in Cortazar’s short story. Also, both of them elaborate anarrative supported by the compositional rhetoric of paradox. Forthis study, comparing them will mean identifying them with some oftheir discursive proceedings and differing them according to thestrategy of their poetic.

Keywords: short story, semiotic, rhetoric.

* Luiz GonzagaMarchezan é professorde Literatura Brasileirano Curso dePós-graduação emEstudos Literários daFCL da UNESP -Araraquara.

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O labirinto é uma metáfora sem referente que podeser atualizada com propósitos estéticos diversos.Borges, em O jardim dos caminhos que se bifurcam,conto de 1941, utiliza-se do labiríntico para confabular,tramar com parábolas intemporais. Cortázar, em Casatomada, conto de 1951, constrói uma alegoria exis-tencial, tramando-a no espaço labiríntico, compar-timentado, de uma casa. Para isso, ambos trabalhamcom a memória – intemporal, infinita, no conto deBorges; obsessiva, no conto de Cortázar e ambos ela-boram uma narrativa fantástica sustentada pela retó-rica composicional do paradoxo. Compará-los, paraeste trabalho, será identificá-los com alguns dos seusprocedimentos discursivos e diferenciá-los mediantea estratégia da sua poética.

Segundo Borges, “Imaginar un cuento es como en-trever una isla. Veo las dos puntas, sé el principio y elfin. Lo que sucede entre ambos extremos tengo que irinventándolo, descubriéndolo” (Barone, 1996a: 50).

Cortázar, por sua vez, prefere, para a narrativa do con-to, dar ao tema “forma visual, auditiva”; fixá-las no tem-po; eliminar, da sua trama, as “situações intermédias”(1974: 157).

Para Borges, “el cuento es un breve sueño, una cor-ta alucinación” (Barone, 1996a: 50). Cortázar tem pelogênero uma “...predileção por tudo o que no conto éexcepcional...” (1974: 149) e com isso objetiva “...en-curralar o fantástico no real ...” (1974: 176).

Borges trabalha o tempo transcendente, pela viametafísica. A sua literatura inventa tempos, cria uma va-riedade temporal, conforme leremos no conto que oravamos analisar ou se atentarmos para algumas passagens

BORGES, CORTÁZARE A METÁFORA DO LABIRINTO

Luiz Gonzaga Marchezan*

abaixo, que o autor elaborou para uma palestra proferidana Universidade de Belgrano:

1-“...podemos prescindir do espaço, mas não do tem-po” (1996b: 41).2-“...o tempo é um problema essencial (...) Nossaconsciência está continuamente passando de umestado a outro, e isto é o tempo: uma sucessão”(1996b: .42).3-“...o tempo é uma dádiva da eternidade” (1996b:43).4-“...o problema do tempo nos afeta mais que osoutros problemas metafísicos” (1996b: 49).Diante disso, para Borges, a presença das coisas do

mundo nada valem; tem valor o que é eterno e o “eterno éo mundo dos arquétipos ...” (1971: 115), conforme jáapregoara em Perfis, um ensaio autobiográfico.

Borges metaforiza arquétipos: “...cada um de nóspode ser uma cópia temporal e mortal do arquétipo dohomem...” (1996b: 47), tornou a apregoar em Belgrano.E a sua predileção por metáforas é confessa: “Semprefui atraído para a metáfora ...” (1971: 115), de acordocom Perfis.

O jardim dos caminhos que se bifurcam é o oitavoconto de Ficções. Um conto policial, segundo o prólogodo autor. Acerca do gênero policial Borges também con-ferenciou: “Falar do conto policial é falar de EdgarAllan Poe” (1996b: 31).

Acontece que Poe determina os procedimentos nar-rativos do conto borgiano. A maneira como Jorge LuisBorges divisa a narrativa do conto conforme entrevê umailha, remete-nos diretamente à Filosofia da composiçãode Edgar Allan Poe, em que o autor norte-americano pro-

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põe, para todo o ficcionista, a construção de uma uni-dade de impressão no âmbito da narrativa, responsávelpela organização do percurso do sentido da história.

Nada é mais claro do que deverem todas as intri-gas, dignas deste nome, ser elaboradas em relaçãoao epílogo antes que se tente qualquer coisa com apena. Só tendo o epílogo constantemente em vista,poderemos dar a um enredo seu aspecto indispen-sável de conseqüência, ou causalidade, fazendo comque os incidentes e, especialmente, o tom da obratendam para o desenvolvimento de sua intenção(Poe, 1987: 109).O Borges atraído por metáforas elabora um conto de

maneira como avista uma ilha; delimita-o pelos seus ex-tremos e forja seus paradoxos quando, também pelosextremos, explora uma narrativa ilhada entre duas se-qüências abertas, contíguas.

O jardim dos caminhos que se bifurcam encerra umaparábola paradoxal. Parábola, primeiramente, porque oconto encerra uma imagem do Universo, dos tempos quese bifurcam “convergentes, divergentes, paralelos”(Borges, 1970: 82), e, paradoxal, porque o tempo apro-xima, simultaneamente, situações opostas. De acordocom as palavras de Stephen num diálogo com Yu Tsun,ambos, protagonistas do conto: “O tempo se bifurca per-petuamente para inumeráveis futuros. Num deles souseu inimigo” (Borges, 1970: 82).

Na ficção de Borges, portanto, o mundo é um labirin-to que “envolve o passado e o futuro” (1970: 76). O uni-verso é um labirinto em que os tempos bifurcam-se etambém as opções. O labirinto, para Borges, figurativizadonum jardim, é a referência para a sua metáfora temporal.

Borges é um seguidor de Heráclito, de acordo, ainda,com trecho da sua palestra na Universidade de Belgrano:

“Em nossa experiência, o tempo corresponde sempreao rio de Heráclito – continuamos a usar essa antigaparábola. É como se não tivéssemos avançado em tan-tos séculos. Somos sempre Heráclito, vendo-se refle-tido no rio e pensando que ele não é Heráclito porque ele foi outras pessoas entre aquele último mo-mento em que viu o rio e este” (1996b: 48).Na ficção de Borges, a verdade será a perpétua con-

tradição dos seres em mudança contínua e o labirinto areferência que representará metaforicamente um tempoque se duplica, prolifera, numa realidade vasta em que aidentidade humana é cambiante. A ficção borgiana ex-plora o mundo. Borges confabula e faz das suas persona-gens testemunhas das suas parábolas, testemunhas de ummundo de palavras, palavras que não acreditam na sínte-se do tempo. Na impossibilidade da síntese, a sua esco-lha é pelo discurso paradoxal, parabólico. A parábola éuma alegoria aberta para definições infinitas, envolvidascom acréscimos, simulações diversas e se adequa sobre-maneira com o fluxo do tempo.

O jardim dos caminhos que se bifurcam tem iníciopor meio de um documento em que faltam, de acordocom o seu narrador, duas páginas. O dado, por um lado,tem precisão, é datado e, por outro, está incompleto. Ins-tala-se assim, a visível contradição do paradoxo. Poste-rior à leitura do documento, lemos um depoimento, o deDr. Yu Tsun, chinês, agente do Império Alemão e antigocatedrático inglês, outra figura, convenhamos, paradoxal.Esse depoimento enreda o conto, a fuga de Tsun, desven-cilhando-se de Madden, espião inglês. Yu Tsun precisadespistar Madden e decifrar o nome de uma cidade in-glesa, alvo de um bombardeio do Império Alemão. Nodecorrer da fuga, Yu Tsun depara-se com Stephen Albert,depositário de dois segredos:

1 - mora no local de um labirinto, na forma de umjardim, construído pelo bisavô de Yu Tsun, mas des-conhecido da família e2 - tem o nome da cidade inglesa que o Império Ale-mão quer bombardear: Albert.No entrecruzar dos acontecimentos Yu Tsun reco-

nhece o labirinto construído pelo bisavô e mata Albert. Anotícia da morte de Stephen nos jornais e do seu assassi-no, leva o serviço secreto alemão a decifrar uma chara-da: Albert seria o nome da cidade a ser bombardeada. Noprocesso da fuga, o acaso, resultado, como quer JorgeLuis Borges, dos tempos que se aproximam, leva o Im-pério Alemão a bombardear com acerto, assim como le-vou Yu Tsun a reconhecer o labirinto edificado pelo avô,Ts’ui Pen. Yu Tsun sempre soube dos planos de Ts’ui, ode construir “...um labirinto em que todos os homensse perdessem...” (1970: 75).

Yu, Tsun no entanto, contraria os prognósticos do avô:não só encontra o labirinto, mas decifra-o, como se de-cifrasse a própria existência, sentindo-se “...por um tem-po determinado, conhecedor abstrato do mundo”(1970: 76).

Dessa maneira, o acaso faz acontecer o que Ts’ui nãoprevia, assim como leva o próprio Yu Tsun a abstrair osentido do mundo no momento em que, perseguido eprestes a morrer, visualiza o labirinto do avô.

Lemos assim, sem dúvida, uma parábola paradoxal.Como podemos perceber, o tempo na narrativa de Borgesnão tem limites e a ausência deles marca a trama do pró-prio conto. O tempo bifurca-se, assim como o labirinto.Borges, através da metáfora do labirinto, espacializa umtempo metafísico; dá sustentação para vários tempos queavizinha. Um paralelismo, paradoxal, combina várias si-tuações através da metáfora do labirinto, que instala noconto a memória borgiana, intemporal, infinita.

O conto, para Borges, “es um breve sueño, una cor-ta alucinación” (1996a: 50). Jorge Luis Borges trans-porta da manifestação dos sonhos para a sua narrativa, asseqüências de ações sem lógica do onírico que, por suavez, valoriza a memória. E o paradoxo constrói a intriga

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Borges e Cortázar seassemelham na opçãopelo paradoxo, a fim

de superarem oefeito de sentido

da hesitação,tão marcante

na narrativa dofantástico tradicional.

do conto borgiano, dividida entredois acontecimentos em que o pri-meiro encontra-se imbricado no se-gundo, de acordo com as lições deEdgar Allan Poe.

Prosseguimos, agora, comparan-do Borges com Cortázar. Os contosO jardim dos caminhos que se bi-furcam e Casa tomada trabalhamcom a memória e com o fantástico,de forma paradoxal. A memória emBorges, como vimos, inscreve-sedentro de uma totalidade espacialarquetípica, a do labirinto, o espaçode um tempo eterno. A memória em Cortázar, como ve-remos, também rompe com a linearidade do tempo, po-rém, na maneira como opõe o verossímil ao inverossímil.Cortázar, conforme já citamos, trabalha o seu tema dan-do-lhe “forma visual, auditiva”, com uma “certa predile-ção por tudo o que no conto é excepcional”. O dois con-tistas, contudo, assemelham-se na opção pelo paradoxo,a fim de superarem o efeito de sentido da hesitação, tãomarcante na narrativa do fantástico tradicional. O para-doxo, para Borges e Cortázar, contraria as expectativasde leitores sequiosos por histórias com desenlacesambígüos, e, da mesma forma, parece-nos, sustenta umaburla, outro procedimento que aproxima os dois contis-tas. O jardim dos caminhos que se bifurcam parte deuma suposta base documental. Casa tomada compõe ovolume de contos intitulado Bestiário, que, conforme di-cionário, designa um tipo de manuscrito medieval com afinalidade de desenvolver lições morais, por meio de his-tórias animais ou imaginárias. Chama-nos da mesma for-ma a atenção o fato de, em 1952, um ano após a publica-ção de Bestiário, Cortázar iniciar outro livro, Históriade cronópios e famas, que, para nós, delimitou os perfisdos protagonistas de Casa tomada. Nas Histórias decronópios e famas, os cronópios são sempre agitados eos famas, acomodados. Cortázar, como diz gostar, nesselivro “dá forma visual, auditiva” às suas personagens ima-ginárias. “Capítulos das lembranças” evidenciou-nos omodo como o contista associa as lembranças doscronópios e dos famas às suas casas. Os cronópios

“são seres desordenados e frouxos, deixam as lem-branças soltas pela casa, entre gritos alegres, e an-dam no meio delas (...) as casas dos famas são ar-rumadas e silenciosas, enquanto nas dos cronópioshá uma grande agitação e portas que batem ...” (s/d: 110)..Sobre as lembranças dos famas, diz esse mesmo ca-

pítulo, eles as “embalsamam” (s/d: 110).Casa tomada é um conto compacto. Seus protago-

nistas – o narrador, sem nome, e sua irmã Irene, dois fa-mas – têm a sua casa invadida. A história do conto é o

relato dessa invasão, um relato delembranças “embalsamadas”, julga-mos nós, em que seu personagem-narrador está todo voltado para osacontecimentos narrados apresenta-dos, numa única voz, sem sobreporno tempo impressões ou emoções.Aliás, um fama “nunca falará se nãosouber que suas palavras são asconvenientes” (s/d: 104), conta-noso Cortázar de Histórias decronópios e famas.

De acordo com a narração, Irenee seu irmão, a partir de um determi-

nado momento, suspeitam que a casa está sendo invadi-da, porém, não reagem; silentes, acuados, preferemabandoná-la, saindo ambos pela porta da rua afora.

A ficção é uma construção. Cortázar é um construtorpreciso de narrativas e delineou muito bem os seus obje-tivos com o artefato do fantástico num livro seu, de críti-ca, Valise de cronópio: “...encurralar o fantástico noreal, realizá-lo” (Cortázar, 1974: 176).

Com a intenção de realizar o fantástico e de intensi-ficar o seu efeito de estranhamento, o contista atrofiana narrativa as relações intersubjetivas. O contorno queo autor dá aos seus protagonistas é tênue; chega a nãoexistir descompasso entre os comportamentos de Irenee de seu irmão; não há diferença entre eles. Eles sebastam; sequer pensam. “Pode-se viver sem pensar”(1977: 14), chega a afirmar o narrador. De acordo coma poética cortazariana, o obsessivo se defende, esfor-ça-se para ignorar os fatos. A invasão anunciada é asimulação de uma intervenção na vida obsessivamenteacomodada de dois irmãos aristocratas, com o objeti-vo de provocar-lhes uma transformação, uma tentati-va de removê-los da situação de defesa em que se pos-tam diante dos fatos que os rodeiam. Assim, ambosficam à mercê de uma mudança, planejada por Cortázarcom a mediação do fantástico, que o contista, estrate-gicamente, busca construir, sem provocar umadescontinuidade na narrativa, “encurralando o fantás-tico no real”. Júlio Cortázar não quer uma racionaliza-ção acerca da ocorrência de uma invasão; não querconfirmá-la, nem refutá-la. Arquiteta, sim, um parado-xo que se distribui na totalidade da narrativa, susten-tando uma oposição que tensiona a substituição da es-tabilidade dos famas por uma crescente instabilidadeque os cronópios lhes provocam. Dessa maneira, tra-balha a forma argumentativa do paradoxo para a cons-trução de um desenlace fantástico. Assim, nas seqüên-cias finais da história, em detrimento das seqüênciasiniciais, acirra as obsessões de suas personagens que,cada vez mais inseguras, passam a afirmar e negar, aomesmo tempo, a existência de uma invasão no interior

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A narrativafantástica cria

uma incongruênciaentre os fatos,

a fim de criar umimpasse entre

sujeitos eobjetos.

da casa. A invasão anunciada ins-tala no comportamento dos prota-gonistas uma espera, uma esperaque, passo-a-passo, impõe-lhesperdas e interdições, diante do ce-nário de uma casa, organizadonuma seqüência de tempo para en-cenar uma despossessão. Vamosprimeiro à cena, ao seu cenário, es-tabelecido pelas lembranças embal-samadas do narrador:

Lembro-me bem da divisão dacasa. A sala de jantar, uma peçacom gobelinos, a biblioteca emtrês quartos grandes ficavam na parte mais afasta-da, a que dá frente para Rodrigues Pena. Só umcorredor, com sua maciça porta de carvalho, sepa-rava essa parte da ala dianteira, onde havia umbanheiro, a cozinha, nossos quartos de dormir e oliving central, ao qual se comunicavam os quartose o corredor. Entrava-se na casa por um sagüãocom os azulejos de majólica, e a porta-persianadava para o living. De maneira que se entrava pelosagüão, abria-se a porta-persiana e chegava-se aoliving; tinha-se, dos lados, as portas dos nossosquartos, e à frente o corredor que levava à partemais afastada; seguindo pelo corredor chegava-seà porta de carvalho, e mais adiante iniciava-se ooutro lado da casa, ou então se podia virar à es-querda, justamente antes da porta, e seguir por umcorredor mais estreito, que levava à cozinha e aobanheiro. Quando a porta estava aberta, percebia-se que a casa era muito grande; caso contrário,dava a impressão de um apartamento dos que seconstroem agora, apenas para que a gente se mexa.Irene e eu vivíamos sempre nesta parte da casa,quase nunca íamos além da porta de carvalho, sal-vo para fazer a limpeza ... (1977: 12).A casa não é vivenciada pelos famas, explorada

nos seus espaços. Os irmãos, rigorosamente, arru-mam-na, limpam-na. A sua espacialidade, porém, queoferece um pluralidade de opções para ser vivenciada,não sensibiliza a existência de Irene e do narrador. Acasa, seus caminhos, sua trama labiríntica, é umametáfora que representa a impossibilidade de interaçãodos protagonistas com o mundo. Dessa maneira, no-tamos que, no bojo do paradoxo, na exata substitui-ção de uma seqüência por outra, nasce uma alegoria.A casa, suas repartições, substituem a interioridade,os sonhos dos famas. Na amplidão da casa ressoa adiminuta interioridade dos irmãos famas. Dominarespaços é encontrar saídas, outros sentidos, e pro-mover interações. Exatamente o que eles não conse-guem realizar. A obsessão pelo enclausuramento dos

irmãos famas refreia a vitalidadepossível da sua existência. A casadesses famas representa o centroda sua segurança, da sua defesa.Os famas encontram-se imóveis,protegidos, incorporados a umaminúscula parte dos cômodos dacasa; encontram-se estagnados:evoluir é desincorporarem-se dacasa, é saírem da estagnação emque se encontram, é abandonarema casa.

O fantástico trunca o deter-minismo de uma narrativa e resiste a

uma explicação racional. Ele é uma experiência inveros-símil, uma fratura na racionalidade. O fantástico, numarranjo de probabilidades internas da narrativa, traba-lha com certos vazios, certas indeterminações, quecaminham entre a razão e a desrazão. Ele é construídopelo discurso e aceito pelo leitor. Rompe, assim, com aconvenção realista da ficção – a congruência entre osfatos, em que o conhecimento que envolve a história écompartilhado sem estranhamento com o leitor. A nar-rativa fantástica cria uma incongruência entre os fa-tos, a fim de criar um impasse entre sujeitos e objetos.

Se, por um lado, lemos na narrativa realista umacerta simetria entre as partes, por outro lado, lemosentre as partes de uma narrativa fantástica umaassimetria: em Casa tomada, a ação da invasão é tensae enfática, nas seqüências finais da história, em detri-mento das suas seqüências iniciais.

Em vista disso e de seus objetivos com o fantástico,Cortázar, como já dissemos, utiliza-se do argumento doparadoxo. Em todo discurso é no argumento que se en-contram as suas provas de veredicção. O argumento doconto fantástico prescinde de provas para a sanção dasua história; prescinde de provas que confirmem ou re-futem a veracidade da sua história. Nesse conto, o para-doxo tem o objetivo de relacionar duas situações opos-tas e manter entre elas uma coerência interna. O para-doxo é uma forma argumentativa breve que conseguequebrar uma continuidade entre seqüências narrativas.Nesse conto, o paradoxo contrasta dois segmentos danarrativa. Ao primeiro, em que os protagonistas bus-cam, de maneira obsessiva, uma estabilidade nas suasemoções do dia-a-dia, opõe-se o segundo segmento,em que os protagonistas perdem essa estabilidade nasua vivência do cotidiano e mergulham numa insegu-rança obsessiva.

Cortázar instala o paradoxo entre esses dois segmen-tos para enfatizar o segundo comportamento obsessivodas suas personagens. O comportamento desses dois fa-mas configura, no conto, as obsessões do insconscientehumano.

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Dessa maneira, trabalhando sua narrativa dentro deuma ausência de limites entre o real e o irreal, JúlioCortázar dilui, em Casa tomada, a relação deinteligibilidade entre o sujeito e o mundo. O sujeito pas-sa a se relacionar com o mundo sem reconhecê-lo e semse reconhecer nele. O sujeito olha e não vê. O seu olharnão identifica diferenças naquilo que vê, não faz sentido.Assim, Irene e seu irmão desumanizam-se. O fantásticotrabalhado por Júlio Cortázar mostra-nos uma históriaem que não existe mediações entre o sujeito e o mundo,entre o sólito e o insólito.

O paradoxo fundamenta, no conto, o diálogo insólitoentre os protagonistas. A força centrípeda das suas ob-sessões leva-os ao encantonamento na parte frontal dacasa e à diluição de suas realidades individuais. Irene eseu irmão perdem os limites do ego – eis a alegoria mon-tada pelo paradoxo. Em Casa tomada, os cronópios, pro-tegidos no âmbito do fantástico, põem fim à estabilidadeobsessiva dos famas. A invasão que os cronópios reali-zam na casa dos famas compõem uma alegoria. Num jáanunciado ambiente de demolições por que passam casa-rões de Buenos Aires, os ocupantes de uma ampla casa,de tradicional família portenha, também são demolidos:perdem a sua identidade e os seus objetos.

O argumento do discurso de Borges confunde-se comsua própria forma de narrar; agumentar, para o autor de Ojardim dos caminhos que se bifurcam, é tramar com otempo e nessa trama estão previstas suas variantesparódicas, que simulam uma ligação das suas históriascom a tradição, com a memória cultural da humanidade.Jorge Luis Borges, na verdade, filtra suas variantesparódicas pelo tempo (em diferentes épocas, com dife-rentes autores) e mantém com elas uma ligação sem ten-sões ou angústias.

Cortázar é visceral, de vanguarda, adepto doSurrealismo. A sua ficção passa por uma dedicada re-

flexão teórica. A principal, denominou-a Teoria do tú-nel, a que “destrói para construir” (1998: 49), que re-bela-se com a tradição,

...põe em crise a validade da literatura como modoverbal do ser do homem, e esse avanço em túnel,que se volta contra o verbal a partir do próprioverbo (...) denuncia a literatura como condicionanteda realidade e avança na instauração de uma ati-vidade em que o estético é substituído pelo poéti-co, a formulação mediatizadora pela formulaçãoaderente, a representação pela apresentação.(Cortázar, 1998: 50).Cortázar, ficcionista e teórico de vanguarda, justifi-

ca-se: “Surrealista é o homem para quem certa reali-dade existe, e sua missão consiste em encontrá-la ...”(Cortázar, 1998: 78). Assim, justifica o seu texto: “Arigor, não existe nenhum texto surrealista discursivo;os discursos surrealistas são imagens amplificadas ...“(Cortázar, 1998: 80).

O Surrealismo de Cortázar amplifica as imagens dofantástico na sua obra. Diante de um arranjo interno deprobabilidades, de forma pertinente, o labirinto, em Casatomada, é espacializado dentro de uma residência e tra-balhado como uma metáfora do auto-conhecimento, queinterroga as certezas das personagens, e desmantela o seucomportamento compulsivo. As imagens amplificadasde Júlio Cortázar são alegóricas.

A metáfora de Jorge Luis Borges é explícita. Olabirinto, em O jardim dos caminhos que se bifurcam,espacializa o tempo e o tempo desdobra-se eterna-mente em acasos. O tempo, para Borges, é fantásticoe a realidade ficcional tem o alcance da palavra, nas-ce da força ontológica da palavra, que institui o uni-verso borgiano. A palavra, enfim, para Jorge LuisBorges, atua sobre a imaginação e supera a finitudedo homem.

BibliografiaBARONE, O. (Org.) Diálogos Borges Sabato. Buenos Aires: Emecé Editores S.A, 1996.BORGES, JL. Cinco visões pessoais. Brasília: Editora UnB, 1996b.––––––––. Perfis. Porto Alegre: Globo/MEC, 1971.––––––––. Ficções. Porto Alegre: Globo, 1970.CORTÁZAR, J. Alguns aspectos do conto. In: Valise de cronópio. São Paulo: Perspectiva, 1974.––––––––. Do sentimento do fantástico. In: Valise de cronópio. São Paulo: Perspectiva, 1974.––––––––. Bestiário. São Paulo: Edibolso, 1977.––––––––. História de cronópios e famas. São Paulo: Círculo do Livro, s/d.––––––––. Obra crítica 1. Org. Saúl Yurkievich. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1998.POE, E.A. A filosofia da composição. In: Poemas e ensaios. Porto Alegre: Globo, 1987.

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* Paulo César Thomazé mestre em literaturahispano-americanapela Universidadede São Paulo.Atualmente lecionana Universidade SãoJudas Tadeu - SP.

Neste texto, trataremos do cruzamento entre narrativa e poesia no romance Elentenado, do escritor argentino Juan José Saer. Pretendemos, com isso, analisar osprocedimentos poéticos encontrados no texto e observar como eles se relacionam,por exemplo, com um dos núcleos da narrativa de Saer, o questionamento doestatuto do real e da escrita. Procuraremos, ainda, detalhar em que medida atransfiguração poética da narrativa, levada a cabo pelo estilo inquisitivo da personagemcentral do relato, debate as aporias dos processos significantes da linguagem. Cumpreassinalar que a composição poética do romance põe em cena o questionamento danarrativa enquanto modo de linguagem que age à distância e na ausência do objeto.Partindo do pressuposto que a proliferação de procedimentos poéticos na estrutura dotexto expressa uma procura em representar discursivamente, ainda que de modoproblemático, aspectos, qualidades e valores da experiência que a narrativa diretamentedescritiva e referencial não abarca, buscaremos abordar os efeitos de sentido alcançadospor Saer com esses procedimentos.

Palavras-chave: literatura hispano-americana;romance; narrativa poética.

In this text we will deal with the intersection of narrative and poetry in the novelEl entenado, of the Argentinean writer Juan José Saer. We intend, with this, toanalyze the poetic procedures found in the text and observe how they relate, forinstance, to one of Saer’s narrative nuclei, the questioning of the real and writingcodes. We will also try to show in what measure the Saer narrative, put intopractice by the inquisitive stvle of the main character of the narrative, debates theambivalence of significant language processes. It is also important to state thatthe poetic composition of the novel puts into scene the narrative questions as formof language which acts at a distance and in the absence of the object. Startingfrom the understanding that the proliferation of poetic procedures in the structureof the text expresses a desire to represent discursively, even if it be in the problemmode, aspects, qualities and values of the experience which the directly descriptiveand differential narrative do not cover, we will try to cover the effects of senseachieved by Saer with these same procedures.

Keywords:Spanish-American Literature, Novel, Narrative Poem

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Neste trabalho, trataremos do cruzamento entre nar-rativa e poesia no romance El entenado, do escritor ar-gentino Juan José Saer. Pretendemos, com isso, analisarbrevemente os procedimentos poéticos encontrados notexto e observar como eles se relacionam com um dosnúcleos da narrativa de Saer, o questionamento do esta-tuto do real e da escrita. Procuraremos, ainda, detalharem que medida a transfiguração poética da narrativa, le-vada a cabo pelo estilo inquisitivo da personagem centraldo relato, debate as aporias dos processos significantesda linguagem.

Cumpre consignar que a composição poética do ro-mance põe em cena o questionamento da narrativa en-quanto modo de linguagem que age à distância e na au-sência do objeto. Partindo do pressuposto que a prolife-ração de procedimentos poéticos na estrutura do textoexpressa uma procura em representar discursivamente,ainda que de modo problemático, aspectos, qualidades evalores da experiência que a narrativa diretamente des-critiva e referencial não abarca, buscaremos abordar osefeitos de sentido alcançados por Saer com esses proce-dimentos. Precisamente por essa perspectiva, PaulRicouer assinala em A metáfora viva (RICOUER, 1983)que a função poética da linguagem não se limita apenas arecriar e resignificar as palavras por si mesmas; não con-siste apenas em um trabalho sobre a linguagem. Ela con-forma, além disso, um vínculo referencial com o objetoque a linguagem meramente descritiva deixa escapar ounão pode abarcar. A interrupção da função referencialdireta e descritiva seria apenas o avesso de uma funçãoreferencial mais oculta do discurso, que é de certo modo

EL ENTENADO,A PRÁXIS POÉTICO-NARRATIVA

DE JUAN JOSÉ SAER

Paulo César Thomaz*

liberada pela suspensão do valor descritivo dos enun-ciados. É desse modo que o discurso poético traz àlinguagem significados, atributos e sentidos da realida-de que não emergem do discurso diretamente descriti-vo. Esses valores só podem ser expressos por meiodos intrincados vaivéns entre a enunciação metafóricae a transgressão regrada das resistentes significaçõesusuais de nossas palavras e de seu ordenamento.

Apesar de entender a linguagem como um obstáculono interior do discurso narrativo e reconhecer o impasseque governa a relação entre os objetos que compõem aexperiência humana e o contínuo verbal que usualmentedenominamos narrativa, a personagem protagonista doromance não apaga em definitivo o conteúdo dos signoslingüísticos que utiliza. Sem negar a complexidade e asparticularidades do modo de ser da narrativa, que é com-posta de palavras e somente de palavras, ela explora pre-cisamente esse caráter aporético da narrativa, incorpo-rando esse conflito no relato.

Isso posto, a reformulação especulativa e irônica deformas discursivas, o intenso debate sobre a representa-ção da conquista espanhola da América e da origem daAmérica hispânica, o aprofundamento da reflexão sobreo estatuto da memória e da realidade, a argumentaçãocética acerca da construção de identidades, e a antropo-fagia se fazem presentes no romance juntamente com pro-cedimentos poéticos que sublinham continuamente na su-perfície textual do relato a entranhável, complexa e pro-blemática relação existente entre linguagem e experiên-cia de mundo que o universo narrativo saeriano procuraincorporar.

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(...) a narrativa saerianaconstitui uma escrita em

que tudo o que é referênciapermanece numa

incessante eproblemática tensãoentre determinadas

matrizes de significaçãoe a dissolubilidadenegativa do nada.

Não obstante o reconhecimen-to das indeterminações dos proces-sos significantes da narrativatranspasse todo o romance, nota-mos em El entenado uma profu-são de procedimentos poéticos quedeslocam a situação discursiva dogrumete espanhol, desde certaperspectiva comprometida com ascircunstâncias históricas às quaisse remete, dessa esfera decausticidade absoluta, em que qual-quer significado ou representaçãodo campo do visível e do observá-vel não pode sobreviver como instante, ainda que fu-gaz e problemático, de significação. Na passagem doromance transcrita abaixo, a personagem protagonistaassinala a acentuada arbitrariedade e ambivalência dalinguagem indígena:

Era una lengua imprevisible, contradictoria, sin for-ma aparente. Cuando creía haber entendido el sig-nificado de una palabra, un poco más tarde medaba cuenta de que esa misma palabra significabatambién lo contrario, y después de haber sabidoesos dos significados, otros nuevos se me hacíanevidentes, sin que yo comprendiese muy bien porqué razón el mismo vocablo designaba al mismotiempo cosas tan dispares (SAER, 1983. p. 21).Apesar do narrador expressar e reconhecer a ex-

trema heterogeneidade e problematicidade de toda arti-culação discursiva significante, podemos reconhecerem meio ao estatuto ambivalente da linguagem e a essapresença de mundo obscura e quase irrepresentávelalguns procedimentos poético-narrativos que procu-ram dar forma ao relato, não obstante os obstáculoslingüísticos que envolvem sua empresa.

No espaço narrativo do romance, ao passo que a sub-jetividade da personagem se debate exaustivamente con-tra um emaranhado de imagens mnemônicas hipotéticase ambíguas, construídas por uma linguagem igualmenteaproximativa e imprecisa, uma complexa experiência demundo emerge, reivindicando firmemente um caráteraporético. Nesse exaustivo conflito entre as faculdadescognitivas da consciência e a linguagem, impresso emtecido textual que se auto-avalia continuamente, há umareelaboração intensa das estruturas e dos ritmos da nar-rativa, na tentativa de incorporar a essa malha textual aintensidade da percepção poética de mundo.

O correr poético do discurso em El entenado, que seconfigura por meio de diferentes procedimentos, comoa pontuação que organiza as unidades rítmicas e regula osom das palavras, e o uso de formas predicativas, que re-têm o deslizar das frases e, ao mesmo tempo, as dilatam,entornando a conotação do adjetivo sobre o sujeito e so-

bre a ação (GRAMUGLIO, 1984),constitui um dos principais elemen-tos da práxis literária de Saer, comoele mesmo assinala: “A partir de1960, mi trabajo literario ha con-sistido principalmente en tratar deborrar las fronteras entre narracióny poesía. (...) Mi objetivo es com-binar el rigor formal de la narraciónmoderna con la intensidad de lapercepción poética del mundo”(SAER, 1981, p. 72).

Nos esforços por desdobrar essaretórica ficcional, Saer submeteu

muitos textos, ao longo de sua práxis narrativa, a umagressivo processo de experimentação, trabalhando in-tensamente sobre a sintaxe e as estruturas do relato.Em alguns momentos, o grau de dilaceramento do dis-curso narrativo alcançou tal magnitude que deu origema textos ficcionais que podem ser caracterizados comopoesia e não-narração. Ao exacerbar a reiteração deestruturas narrativas e interromper, quase por comple-to, o encadeamento episódico, por exemplo, o escritorsantafesino ultrapassa as raias que balizam os terrenosda lírica e da prosa, vizinhança bastante discutida du-rante os anos cinqüenta e sessenta na argentina (SAER,2000, p. 5.)

Ricardo Piglia, escritor em permanente diálogo coma produção literária de Saer, assinala, por exemplo, que“su obsesión por captar el instante y describir el espaciolo llevó en su mejor libro (La mayor, 1975) a laconstrucción de narrativas que se destruyen para vol-ver a armar como si fuesen réplicas microscópicas delas máquinas polifacéticas con que siempre soñóRoberto Arlt” (PIGLIA; SAER, 1995, p. 39). A persis-tência em observar e descrever minuciosamente aquiloque é narrado, sublinhando as propriedades, formas ecores dos objetos que ocupam o espaço ficcional, apon-tada por Piglia, aproximam os textos de Saer, segundoalguns críticos, do estilo “objetivista” extremo donouveau roman francês. Por meio de descrições cir-culares que incorporam uma multiplicidade de pers-pectivas narrativas, e do obsessivo rebaixamento daação, a narrativa saeriana constitui uma escrita em quetudo o que é referência permanece numa incessante eproblemática tensão entre determinadas matrizes de sig-nificação e a dissolubilidade negativa do nada.

No entanto, embora essa escrita invista contra o contarininterrupto e orgânico, que outorga unidade ao que énarrado, e incorpore construções rítmicas e sintaxes dapoesia, ela procura não renunciar ao sentido denotativodas frases, além de partir sempre de uma zona narrativadefinida espacialmente, cunhando uma espécie de saganarrativa. Nesse sentido, o próprio Saer adverte:

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No empurrão dalinguagem para além da

esfera do referente,(...) desvela-se para

o leitor umaexperiência do

campo do visível.

Creo haber tratado de incorpo-rar relaciones más complejasentre un sistema de elaboraciónpoética (poética en el sentido dela poesía como género), y lasleyes de organización de la pro-sa, repeticiones, construcciónrítmica y producción de versosen los textos de prosa, búsqueda(por momentos) de nudos en loscuales el nivel denotativo per-siste (PIGLIA; SAER, 1995,pp. 12-13).A desconfiança com respeito às

regras de estruturação da narrativa, que fez em dife-rentes momentos com que a escrita saeriana se tornas-se destacadamente precavida, “como si sólo a travésde múltiples asedios indirectos la realidad finalmente serindiera; como si sólo una paciente textura de visionesrepetidas y cambiantes pudiera delinear en su reversola figura que captura el evanescente acaecer”(CORBATTA, 1992, pp. 564), marca igualmente osconflitos do narrador de El entenado, não obstante oromance não reproduzir esses “múltiples asedios” coma mesma intensidade que outros textos saerianos.

Apesar de não encontrarmos no romance, com amesma intensidade, as repetições, o fracionamento e adilatação da percepção do tempo em contrapartida aoestreitamento da história narrada que distinguem grandeparte da referida práxis literária saeriana, podemos ob-servar, igualmente, uma elaboração textual rigorosa queentrelaça uma narrativa acentuadamente vertical, que nãose detém em partes nem capítulos e que encerra uma su-cessão de acontecimentos romanescos, com uma lingua-gem de exacerbada intensidade simbólica e poética, queassedia e interroga os sucessos obsessivamente com in-quietações de ordem filosófica, como no trecho abaixoreproduzido:

Llegó la noche. Era una noche sin luna, muy oscura,llena de estrellas; como en esa tierra llana el hori-zonte es bajo y el río duplicaba el cielo yo tuve,durante un buen rato, la impresión de ir avanzando,no por el agua, sino por el firmamento negro. Cadavez que el remo tocaba el agua, muchas estrellas,reflejadas en la superficie, parecían estallar,pulverizarse, desaparecer en el elemento que les dabaorigen y las mantenía en su lugar, transformándose,de puntos firmes y luminosos, en manchas informeso líneas caprichosas de modo tal que parecía que,a mi paso, el elemento por el que derivaba iba siendoaniquilado o reabsorbido por la oscuridad (SAER,1983, p. 90).Nessa passagem, a personagem avança pelo rio

sobre uma canoa indígena. Há no texto uma reiteração

de elementos, que observam ummesmo ritmo, conferindo certamusicalidade à narrativa, que refor-çam a ausência de luz naquele mo-mento em torno da personagem,não obstante apontar a presença deestrelas. Em seguida, a conforma-ção da paisagem ganha outros ele-mentos que acentuam a particula-ridade dos dados referenciais exte-riores: as planícies que rodeavam apersonagem permitiam que o rioduplicasse com a mesma intensi-dade a profunda escuridão da co-

bertura celeste, além de produzir um achatamento, umadensamento do espaço narrativo. O próximo momen-to é de ruptura, de subversão da ordem denotativa danarrativa: a canoa parece, ao menos no plano das im-pressões do narrador, deslizar através do “firmamentonegro”. Irrompe então a imagem poética: desse pontoem diante o toque do remo na água transubstancia-seem movimento textual que se liberta do referente, ain-da que não o afaste definitivamente. É importante assi-nalar que o sentido denotativo não desaparece em ne-nhum momento desse trecho do texto.

No empurrão da linguagem para além da esfera doreferente, que incorpora uma súbita distensão do tempomediante a transposição da narrativa para o espaço anímicoda personagem narradora, desvela-se para o leitor umaexperiência do campo do visível. A correlação entre oespaço-tempo da personagem e os diferentes estratos dascoisas sensíveis surge apenas por meio de um firme in-tuito discursivo que quer explorar as regiões subterrâne-as dessa circunstância individual. O esmiuçamento, pormeio do tratamento poético das estruturas do texto, dosatributos que compõem esse curto instante de tempo per-mite ao leitor transitar por complexas associações me-tafóricas, por novos predicados do discurso – as estrelasque se diluem no elemento que as origina – que tornam aexperiência individual um degrau para outra, coletiva emítica.

Além disso, podemos observar no trecho um clarointuito narrativo de reforçar determinadas correspondên-cias semânticas e regularidades de sinonímia, recorren-tes e importantes em todo o texto, como o questiona-mento da origem e a ausência de luz como metáfora deuma aflitiva existência.

Devemos assinalar ainda outro recurso narrativo queacentua o vínculo entre El entenado e o conjunto de obrasque lhe antecede e que apresenta da mesma maneira omencionado caráter poético: a dilatação e intensificaçãodo espaço circundante por meio da descrição pormeno-rizada e reiterada da luz, de cores e dos elementos na-turais que o conformam, além da distensão do tempo

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O mundotorna-se, então,um conjunto de

impressões vazias,em que a

coisa-em-si estáausente.

por meio da introspecção da per-sonagem em seu mundo anímico.Não obstante a impressão de flui-dez, naturalidade e inteligibilidadedo relato de certo modo linear dogrumete, podemos notar a presen-ça de uma configuração narrativaem que os dados sensíveis referen-tes às cores e luzes ganham relevoe conformam um espaço ficcionalpleno de imagens-impressões quesublinham sobretudo o caráter sen-sível dos objetos do mundo:

En la luz tenue y uniforme, quese adelgazaba todavía más contra el follajeamarillo, bajo un cielo celeste, incluso blanquecino,entre el pasto descolorido y la arena blanqueada,seca y sedosa, cuando el sol, recalentándome lacabeza, parecía derretir el molde limitador de lacostumbre, cuando ni afecto, ni memoria, ni siquieraextrañeza, le daban un orden y un sentido a mi vida,el mundo entero, al que ahora llamo, en ese estadio,el otoño, subía nítido, desde su reverso negro, antemis sentidos, y se mostraba parte de mí o todo queme abarcaba, tan irrefutable y natural que nadacomo no fuese la pertenencia mutua nos ligaba, sinesos obstáculos que pueden llegar a ser la emoción,el pavor, la razón o la locura. (SAER, 1983, p. 71)Nesse trecho, o desdobramento do espaço

circundante e o cruzamento de temporalidades que seremetem à natureza e à psique da personagem introdu-zem e modificam, por meio do ritmo e do conteúdoadjetivo que contêm, o modo de ser e o caráter dasespeculações de ordem filosófica e metafísica da per-sonagem protagonista que despontam em seguida.

Além dessa conformação narrativa, o aparente en-cadeamento linear do relato, que se torna a cada mo-mento mais denso em razão da complexidade dos pro-cessos significantes em jogo, tem o cursoreconfigurado pelo alvoroço resultante do uso exces-sivo da lucidez e da palavra argumentativa – muitasvezes cética – por parte da personagem protagonista,no esforço hermenêutico de decifrar a si mesma e acosmovisão indígena. As interrogações acerca do sen-tido da experiência e realidade humana emergem en-tão em meio a esses espaços e temporalidades,construídos discursivamente, de forte poder simbóli-co e poético, que as matizam e contaminam. Porém,as distendidas ações discursivo-especulativas da per-sonagem protagonista que buscam atingir umapositividade não deixam de questionar concomi-tantemente o que as palavras designam e o processomesmo de significação, seu sistema de significantes esignificados.

Isso considerado, a perspecti-va gnosiológica e polêmica quequer decompor o espaço da expe-riência e que atravessa toda atessitura do relato da personagemganha corpo precisamente no mo-mento em que se duplicam os elosintermediários entre a linguagempoética e a linguagem narrativa. Ocorrer do discurso que quer pas-sar da ignorância ao conhecimen-to, que se torna mais contundenteao final do relato, desemboca numalinguagem que precisa incorporar

continuamente a poesia à narrativa, como uma forçaem luta com o tumulto insondável da realidade contin-gente, sobre a qual paira a dúvida parodiante do signi-ficado. Cito o romance:

Desde hace años, noche tras noche me pregunto,con los ojos perdidos en la pared blanca en la quebailotean los reflejos de la vela, cómo esos indios,cerca como estaban, igual que todos, de laaceptación animal, podían perderse en esa negaciónde lo que a primera vista parece irrefutable. Entretantas cosa extrañas, el sol periódico, las estrellaspuntuales y numerosas, los árboles que repiten, obs-tinados, el mismo esplendor verde cuando vuelve,misteriosa, su estación, el río que crece y se retira,la arena amarilla y el aire de verano que cabrillean,el cuerpo que nace, cambia, y muere, palpitante, ladistancia y los días, enigmas que cada uno cree, ensus años de inocencia, familiares, entre todas esaspresencias que parecen ignorar la nuestra, no esdifícil que algún día, ante la evidencia de loinexplicable, se instale en nosotros el sentimiento,no muy agradable, por cierto, de atravesar unafantasmagoría, un sentimiento semejante al que measaltaba, a veces, en el escenario del teatro cuando,entre telones pintados, ante una muchedumbre desombras adormecidas, veía a mis compañeros y amí mismo repetir gestos y palabras de las que estabaausente lo verdadero (SAER, 1983, pp. 126-127).Guiada por uma interrogação que a acossou duran-

te longos anos e desde uma temporalidade distante, apersonagem percebe diante de si o abismo cambianteque a separa do mundo exterior, a cisão entre sua sub-jetividade, consciência, e os objetos que o compõem.O mundo torna-se, então, um conjunto de impressõesvazias, em que a coisa-em-si está ausente. Diante des-ses fenômenos indeterminados e vacilantes, que ape-nas o olhar do sujeito vivifica, da inconsistência da re-alidade, a personagem declara a radical exterioridadedas coisas do mundo, culminando na suspeita da vidacomo representação, espectro ou sombra parodiante.

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Por outra parte, a desconfiança em relação aos pro-cessos de representação do real, corrente em todo otexto, está da mesma forma presente nas diferentesfigurações da história de El entenado que se constitu-em no interior mesmo do texto. A título de exemplo,citamos a Relación de abandonado escrita pelo PadreQuesada e a comedia teatral baseada em sua experiên-cia com os índios colastinés (MONTELEONE, 1985).

Há ainda outros núcleos narrativos medulares emSaer que estão presentes de forma destacada em Elentenado e dizem respeito ao caráter poético de suapráxis literária. A interdição deliberada do sentimentoconstitui um deles, e pode ser observada, por exem-plo, no absoluto não envolvimento da personagem comas demandas indígenas. Apesar do discurso poético secaracterizar por um transbordamento dos atributosretóricos que fazem referência a diferentes sentimen-tos presentes no ser humano, o exercício programáticoda ascese e da lucidez em El entenado conformamuma ordem narrativa em que a sentimentalidade nãoconstitui o único eixo para alcançar a tensão poética.

As figuras poéticas que aparecem no contínuo sim-bólico verbal elaborado pelo grumete existem sobretudoenquanto instrumentos que procuram dar conta desse pre-cipitar-se sobre a mundividência indígena e sobre a pró-pria existência da personagem. Na busca por decifrar olha-res e comportamentos, a linguagem poética torna-se im-prescindível visto que apenas por meio dela a complexa,fragmentária e ambivalente experiência dos índios e dapersonagem pode emergir.

Assim, a subsistência do sujeito atrelada ao discur-so que o constitui, a desconfiança na possibilidade deperceber a realidade, o desvelamento da deficiênciaontológica característica do tempo humano, a consci-ência como fluxo incessante de impressões e a argu-

mentação cética são elementos que neste texto confor-mam e contribuem para que o universo narrativo doromance incorpore a percepção poética de mundo men-cionada anteriormente. Dessa maneira, através da voznarrativa inquisitiva e inconclusiva do grumete, alojadaem um centro de solidão concentrado (BACHELARD,1998), que percorre a narrativa do romance desarticu-lando o tecer da intriga e vivenciando com uma aguçadapercepção a experiência do tempo, Saer reivindica cer-ta postulação especulativa da narrativa. Filosofia do co-nhecimento, antropologia especulativa, são suas pala-vras preferidas para caracterizar um discurso literárioque propõe um estatuto de realidade destacadamentemais próximo dos fluxos e vacilações da consciênciaque das convenções da escrita (CHEJFEC, 1994,p. 115 ).

Assim sendo, a apresentação especulativa do mun-do ficcional, em que tempo e espaço são abordadoscom ceticismo, a experiência discursiva adensada eesclarecida pela inteligência percorre de forma acentu-ada a sintaxe textual de El entenado. Em seu sistemanarrativo nos deparamos com uma série de procedimen-tos poéticos que conformam uma linguagem que exploraprecisamente os novos modos da presença (re-presentação) dos objetos do mundo. Ante a consci-ência de que o ser da linguagem é o não ser do objeto,resta somente a Saer se esquivar das categorias lógi-cas da escrita narrativa para abrir uma fenda no logosda leitura a fim de expressar o conjunto de relaçõessimbólicas em que consiste nossa percepção da reali-dade. A disposição seqüencial dos fatos não escondea feição dubitativa e ao mesmo tempo lírica do ro-mance, que arranca o presente dilatado da persona-gem protagonista da experiência imediata, de um es-tar no mundo orgânico e abarcável.

BibliografiaBACHELARD, Gaston. “A casa. Do porão ao sótão. O sentido da cabana.” In: A poética do espaço. São Paulo, Martins Fontes,1998, p. 50.CHEJFEC, Sergio. “La organización de las apariencias.” In: Hispamérica. Abril, 1994, pp.109-116.CORBATTA, Jorgelina. “En la Zona, germen de la praxis poética de Juan José Saer.” In: Actas del X Congreso de la Asociación deHispanistas. Barcelona, Promociones y Publicaciones Universitarias, 1992.GRAMUGLIO, María Teresa. “La filosofía en el relato.” In: Punto de Vista. Buenos Aires, nº 20, 1984, pp. 35-36.MONTELEONE, Jorge. “Eclipse de sentido: de Nadie nada nunca a El entenado de Juan José Saer.” In: Sitio. Buenos Aires, mayo,n° 4-5, 1985, pp. 153-175.RICOUER, Paul. A metáfora viva. Porto, Res, 1983.SAER, Juan José. El entenado, Buenos Aires, Alianza, 1983SAER, Juan José, Paris, 1981. In: Historia de la literatura Argentina. Buenos Aires, Cedal, capítulo nº 26.SAER, Juan José. “Sobre Literatura.” In: Cuadernos de Recienvenido. São Paulo, Humanitas, 2000.SAER, Juan José; PIGLIA, Ricardo. Diálogo. Santa Fé, Universidad Nacional del Litoral, 1995.

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* Walquíria GonçalvesBéda é doutoranda emTeoria Literária eLiteratura Comparadana FCL da UNESP -Campus de Assis.

Este trabalho apresenta uma visão geral dos resultados de nossa pes-quisa realizada como Dissertação de Mestrado (2002), que tambémreúne uma lista de referências resenhadas, visando tornar conhecidaa bibliografia crítica sobre Manoel de Barros. Buscando oferecer sub-sídios a outros pesquisadores interessados na poesia do autor.

Palavras-chave:Crítica Literária, Bibliografia, Manoel de Barros.

This paper presents a general view of the results of our masterdissertation (2002), that brings together a list of commentedreferences intending to make known the Manoel de Barros´discussed bibliography, offering subsidies to others researcherswhich are interested in the poetry of this author.

Keywords:Literary Critique, Bibliography, Manoel de Barros.

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No Brasil, ainda há muito a ser feito no campo dadocumentação bibliográfica, pois podemos constatarfacilmente a precariedade de fontes de pesquisa. Porconseguinte, realizamos um estudo que reúne umalista de referências resenhadas, visando tornar conhe-cida a bibliografia crítica sobre Manoel de Barros eoferecer subsídios a outros pesquisadores interessa-dos na poesia do autor. Essa história das opiniõessobre Barros está acompanhada por uma síntese doscaminhos adotados pela crítica literária brasileira du-rante os seus sessenta anos de produção poética.

Para complementarmos nosso estudo, fizemos adescrição e tecemos alguns comentários sobre os tex-tos, que foram organizados e arquivados de acordocom a classificação dada por nós. Realizamos umaentrevista com o poeta acerca da crítica sobre suaobra, sobre a opinião e o interesse de seus leitores.Elaboramos um índice dos periódicos pesquisados edos autores que escreveram sobre o poeta. Fizemos olevantamento numérico dos textos arquivados e o le-vantamento numérico dos textos por classificação, bemcomo verificamos a incidência desses textos década adécada (1942-2002).

Dessa forma, conseguimos reunir ao todo 549 tex-tos sobre Manoel de Barros. Todo esse material estáorganizado alfabetica e cronologicamente. O esque-ma de classificação e o número de textos arquivadossão os seguintes:

A-I: resenhas (58 textos); A-II: entrevistas (47);A-III:reportagens (294); B-I: ensaios ou monografias

ALGUNS ASPECTOS DOINVENTÁRIO BIBLIOGRÁFICOSOBRE MANOEL DE BARROS

Walquíria Gonçalves Béda*

(89); B-II: teses e livros (24); C-I: correspondênciapassiva (02); D: textos da internet; E: homenagens aopoeta (35).

Quanto aos autores, os textos recolhidos têm apresença de alguns nomes ilustres da nossa literatura,como os de Alfredo Bosi, Wilson Martins e AntonioHouaiss. Outros nomes interessantes que também fa-zem parte do rol daqueles que escreveram sobreManoel de Barros são Arnaldo Jabor, Carlos EmílioCorrea Lima, Michel Riaudel e Ênio Silveira.

Passando à análise dos títulos recolhidos, consta-tamos que os textos classificados como reportagens eincluídos na categoria A-III representam o maior nú-mero de artigos encontrados. São matérias escritas naépoca de lançamento e relançamento de livros, derecebimentos de prêmios, ou de concessão de home-nagens. Elas abordam muito mais o lado pessoal esocial do poeta. Nesses textos, o enfoque dado à suapoética é geralmente feito de maneira muitosimplificada, não justificando uma atenção mais deti-da de nossa parte. Quase sempre, são citadas idéiasjá apresentadas anteriormente por alguns estudiosos,e que foram ouvidas ou lidas por jornalistas.

Nesse conjunto de textos, e em alguns outros do-cumentos, é comum lermos certas frases que se tor-naram uma espécie de clichê ao se falar de Manoel deBarros. Vários colunistas, jornalistas e críticos o cha-maram de “o poeta do Pantanal”, o “Guimarães Rosada poesia”, “o poeta das coisas ínfimas”, “o poeta dochão”.

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A projeção deManoel de Barros namídia aconteceu em

03/out/1984, quandoMillôr Fernandes,

em sua coluna para arevista Istoé, apresentao poeta e transcreve um

de seus poemas.

A comparação com outros es-critores também é de praxe. JoãoCabral de Melo Neto, FernandoPessoa e Clarice Lispector são al-guns dos nomes mais citados, sen-do o mais freqüente e discutidodeles o do mineiro João Guima-rães Rosa. Tal comparação seráobjeto de comentário posterior.

Passando para uma outra ca-tegoria, podemos afirmar que, aoexaminarmos as resenhas, verifi-camos que é comum encontrar-mos os nomes de Berta Waldman, José MariaCançado, José Castello, Anna Regina Accioly, LúciaCastello Branco, Douglas Diegues, Maria AdéliaMenegazzo, e Sérgio Rubens Sossélla, os quais reve-lam um interesse assíduo pelas publicações barrianas.

Como trabalhos acadêmicos, podemos citar: Apoética alquímica de Manoel de Barros. Dissertação(Mestrado em Letras), 1988 e A poética do fragmen-tário: Uma leitura da poesia de Manoel de Barros.Tese (Doutorado em Letras), 1996, ambos deGoiandira de F. Ortiz de Camargo; A poética deManoel de Barros: a linguagem e a volta à infância.1992, de Afonso Castro; além de A poética de Manoelde Barros: Um jeito de olhar o mundo. Dissertação(Mestrado em Letras), 1998, de Kelcilene Grácia daSilva.

As entrevistas concedidas por Manoel de Barrossão documentos informativos sobre sua vida e suaobra; no entanto, vão além: apresentam–se impreg-nadas pela linguagem poética de seu autor. São fontesimportantes de pesquisa, visto que possibilitam a com-preensão do poeta, de suas origens, de onde provéma sua matéria-prima, seu modo de criar e as influênci-as que sofreu sua formação poética.

Dos textos classificados como biobibliográficos, omais antigo de que temos notícia data de 28/out/1942,publicado no jornal O Diário, em Belo Horizonte, efala do lançamento do livro Face Imóvel. Uma outramatéria publicada em 28/nov./1942, no jornal Cario-ca do Rio de Janeiro, também trata do lançamento deFace Imóvel e classifica o poeta como “moderno,criador de ritmos, liberto da tirania da métrica”.

A projeção de Manoel de Barros na mídia aconte-ceu em 03/out/1984, quando Millôr Fernandes, emsua coluna para a revista Istoé, apresenta o poeta etranscreve um de seus poemas. No texto, Millôr ques-tiona o silêncio da mídia e dos críticos literários arespeito de Barros, fala que fez a capa de Arranjos

para assobio, de 1982, e queaguardou a mídia se manifestar,mas saíram apenas duas “notinhas”elogiando o livro. Para ilustrar seutexto, transcreve versos do poe-ma “Sabiá com trevas”, e defendea poesia de Manoel de Barros:Estou apresentando hoje, a vocês,um poeta, Manoel de Barros, deMato Grosso do Sul. Não é umnovato. De vida tem mais de 60anos. De poesia, o dobro. Há doisanos fiz a capa de um livrinho seu,

admirável: Arranjos para assobio. Dois anos! Fi-quei esperando que a mídia se manifestasse. Queescritores especializados se manifestassem. O Su-plemento Literário Minas Gerais (honra ao jor-nal!) deu duas notas, elogiando. Foi só. “Não éum país sério” – já dizia o narigudo francês.(Millor, Istoé, 1982)Os comentários do humorista serviram de apoio

para alguns outros, como o de Otto Lara Resende, OGlobo, 18/ago/1985, e o do Jornal Moda Guaicurus,de 01/nov/1986. O texto de Millôr Fernandes foi umdos primeiros a ter repercussão, sendo que a partir deentão o poeta começou a ser mais notado. Mas afama só começaria a alcançá-lo quatro anos depois,em 1988.

Tudo começou com a entrevista intitulada “Escri-tos para el conocimiento del suelo”, publicada na re-vista espanhola El Paseante, n.º11, e escrita por CarlosEmilio Correa Lima em dezembro de 1988. Esse foium grande passo para Manoel de Barros finalmenteabandonar o anonimato.

A revista espanhola situa Manoel de Barros como“Poeta do Pantanal” e traz a tradução de sete de seuspoemas, feita por Mário Merlino. O escritor respondea perguntas sobre ter o chão como seu cosmos, sobreos detritos que servem para a poesia, sobre as árvo-res e os animais em extinção e sobre a função dopoeta no mundo de hoje:

Manoel de Barros aparece nessa publicação ao ladode estrelas da Literatura Brasileira. Depois dessa en-trevista, começa a ser considerado também no Brasilcomo um dos melhores poetas da atualidade. São es-critas várias reportagens sobre a entrevista concedidaa El Paseante, e sobre o valor que Barros passa arepresentar para a Literatura Brasileira, dentro e forado país.

Um texto que ilustra bem a propagação que teve apublicação de “Escritos para el conocimiento del suelo”

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Podemos verificar,analisando

as publicaçõescitadas, que o

curta-metragem dePizzini rendeu ao

poeta destaque namídia por pelo

menos dois anos.

é o do francês Michel Riaudel:“L’exercice poétique del’innocence”, publicado na InfosBrésil nº 44, na França, em janei-ro de 1989. Para o francês, ospoemas seduzem à primeira leitu-ra por seu modo inovador, ondehá algo de simples e de muito in-fantil. Escolhe o todo de coisasinocentes e coisas do mundo.

Outro fator que auxiliou na di-fusão da poesia de Barros nosgrandes centros e em seu próprioestado foi a produção do curta-metragem de JoelPizzini, Caramujo-Flor. A primeira notícia que se temsobre o filme data de 21/abr/1987, publicada no jor-nal Diário da Serra, de Campo Grande.

Na matéria, Barros é apontado por nomes reco-nhecidos no mundo literário e jornalístico como umdos maiores escritores e poetas do Brasil. O filme,segundo a reportagem, é uma das primeiras atitudesno sentido de propagar a poesia do sul-mato-grossenseno âmbito nacional e internacional.

Outros textos enfocam a produção do curta-metragem. Na matéria publicada no jornal O Globo,em 06/jul/1987, Gualter Mathias Neto afirma que Oinviável anonimato do Caramujo-Flor é o resgate deuma dívida nacional que começa a ser filmado porJoel Pizzini.

Na matéria publicada por Luca Miranda no Jor-nal do Brasil Central, em Campo Grande, em 12/nov/1988, lemos que o filme primeiramente recebeuo título de O inviável anonimato do Caramujo-Florpara simplesmente estimular o interesse de patrocina-dores pela produção. O elenco final foi composto porNey Matogrosso, nascido em Bela Vista-MS, que fezo papel principal; Rubens Correa, de Aquidauana-MS,e Aracy Balabanian, de Campo Grande, estrearam nocinema; Tetê Espíndola e Almir Sater cederam voz eimagem à produção do curta-metragem.

No texto “Manoel de Barros, ‘O Caramujo-Flor’,que saiu do anonimato”, publicado no Jornal do Bra-sil Central em 27/ago/1989, é noticiado que o filmejá foi premiado três vezes, e é citado como um dosmelhores curtas do Festival de Cinema de Gramado(RS).

Podemos verificar, analisando as publicações cita-das acima, que o curta-metragem de Pizzini rendeuao poeta destaque na mídia por pelo menos dois anos.Temos notícia de que, nos últimos dez anos, pelomenos doze peças de teatro foram encenadas tendo

como pano de fundo os textos deManoel de Barros. Várias referên-cias a elas podem ser encontradasnos textos recolhidos.

Ainda sobre os textos arranja-dos na categoria A-III, verifica-mos a existência de um outro fa-tor que teve suma importância nolançamento do poeta no Brasil eno exterior: a amizade e a admira-ção travada pelo filólogo AntonioHouaiss. Ele não escondia que eraum dos “fãs-famosos” do poeta e

foi o responsável por mais de duas orelhas de livroslançados por Barros.

O nome de Houaiss aparece em vários textos, ci-tado como um dos apreciadores da poética barriana,assim batizada por ele. No texto publicado na Folhada Tarde, de Corumbá-MS, em 18/set/1974, encon-tramos:

Mestre Antonio Houaiss, observando a pouca re-percussão dos livros do poeta, escreveu: ‘É incrí-vel que quem tenha atingido o seu nível dementação e formalação poética, não seja um nometrombeteado’.(Folha da Tarde, 18/set/1974)Sobre os admiradores célebres de Manoel de Bar-

ros, não deixaríamos de falar do também poeta CarlosDrummond de Andrade que, certa vez, ao ser questi-onado sobre qual o melhor poeta do Brasil, respon-deu que era Barros, cujos versos apreciava muito.Drummond é presença constante nas resenhas e re-portagens sobre o poeta pantaneiro, certamente porse tratar da opinião de um escritor que tem um valorindiscutível na poesia brasileira.

Abordaremos agora a aproximação de Barros comum grande prosador da literatura brasileira. Facilmen-te podemos constatar que a ligação de Guimarães Rosae Manoel de Barros também é muito comentada nosperiódicos e trabalhos realizados sobre o poeta. Liga-ção e semelhanças na deturpação lingüística. O poetaescreveu alguns textos contando da sua amizade comRosa e de uma viagem que fizeram ao Pantanal (Bric-A-Brac, 1989; Veja Centro-Oeste, out/1991; Veja, 05/jan/1994; Bravo, jun/1998). Conta a história que Bar-ros serviu de guia pantaneiro do prosador durante asua viagem ao Pantanal de Mato Grosso.

No texto intitulado “Uma alma com espaço abertoestimula o prazer de ler”, escrito por Márcio Vassaloe publicado na revista Lector em 1997, aparece umaentrevista realizada por Pedro Bial, na qual se diz que

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Sabemosque as entrevistas

concedidas pelopoeta apresentamlinguagem poética;

são, portanto,ficcionais.

as conversas entre Manoel deBarros e Guimarães Rosa são fic-tícias, que Manoel é poeta, pregapeças. Que o poeta foi apresen-tado a Rosa pelo embaixadorMário Callado, muito amigo dosdois. Afirma que Barros talvezseja o único sucessor de Rosa.

Apesar de ser repetidamentecomparado ao prosador, Barros jáprovou que tem seu estilo próprioe que não merece o título de “oGuimarães Rosa da poesia”, poisrotulá-lo dessa forma seria como se olhássemos umprisma somente por um lado: perderíamos parte desua beleza e encanto.

Em se tratando de Rosa e Barros, não podería-mos deixar de mencionar o estudo realizado pela Dra.Profa. Goiandira Ortiz de Camargo, da UFG. O tra-balho leva o título “Guimarães Rosa e Manoel deBarros: confluências de poética”, e foi publicado narevista Vintém de Cobre, editada na Cidade de Goiás– GO.

Neste ensaio, Goiandira Camargo faz uma aproxi-mação desses dois autores situando Barros como lei-tor do autor mineiro, e considerando, assim, ahistoricidade literária: a tradição influenciando os tex-tos novos. Segundo a professora,

Rosa, diferente de Oswald de Andrade que é umainfluência explícita nos seus primeiros livros, e deRaul Bopp, Murilo Mendes e Jorge de Lima, au-tores que, junto com a linhagem dos românticos,esboçam a genealogia poética de Barros, confi-gurando a “casualidade interna”, de que fala An-tonio Candido, representa a afinidade eletiva.(Camargo, 1999:46).A autora faz menção às entrevistas que reuniu,

publicadas em jornais e revistas, e diz que, na maioriadelas, Barros narra o encontro que teve com Rosa noPantanal, no ano de 1956. De acordo com a análisede Camargo, o tom dessa narrativa é de admiração ehumildade, e as considerações sobre a conversa quetravou com o mineiro são incomuns, prova de queestão muito mais para a criação, do que para umaconversa normal.

Sabemos que as entrevistas concedidas pelo poetaapresentam linguagem poética; são, portanto,ficcionais. E, como nos diz Camargo (1999:47), “esseencontro pode ter tido data e local, pode fazer parteda história, mas quando Barros o conta, faz parte daestória”.

Analisando alguns contos deRosa, mais especificamente “AvePalavra”, e poemas de Concertoa céu aberto para solos de ave,de Barros, Goiandira Camargoafirma que o poema “Caderno deandarilho” dialoga visivelmentecom o prosador. São transcritos ecomparados versos das duasobras.

Ao finalizar seu trabalho, a au-tora afirma que:A obra barreana cria uma sime-

tria com a de Rosa, mas como a simetria tam-bém passa pela absoluta confiança na liberdadede inventar, Barros, em momento algum, repeteRosa. Pelo contrário, Barros na historicidade li-terária, reinventa Rosa, com tal força poética eoriginalidade que instaura o lugar da consciênciade leitura no espaço da poesia.(Camargo, 1999:51-2).Entendemos, depois das leituras e considerações

feitas até o presente momento, que o resultado denossa coleta bibliográfica indica um número baixo detextos realmente críticos da obra de Manoel de Bar-ros. Constatamos que os que enfocam a vida do poe-ta, os chamados textos jornalísticos, são numerica-mente superiores aos estudos realizados sobre suapoética.

É também lamentável constatar que em certos es-tudos deparamos com reproduções de algumas ob-servações totalmente enganosas sobre a biografia doautor como, por exemplo, dados sobre o local de seunascimento e de sua moradia, além da troca (habitualno início) de Manoel para Manuel, o que acredita-mos ser uma herança de Manuel Bandeira. Ressalta-mos que os textos foram resenhados sem buscar rea-lizar correções. Todas as informações equivocadassobre o poeta podem ser verificadas com uma leituraatenta das sinopses.

Há também algumas observações simplificadas arespeito da obra barriana, com pouca presença deestudos e análises que se baseiem em teorias bemfundamentadas, e que tentem explicar ou demonstraressas observações.

Há trabalhos que, no entanto, abordam a poéticabarriana com muita precisão e qualidade. No capítuloquatro de nossa dissertação, tratamos dos estudos deMestrado e Doutorado de forma separada, com o in-tuito de auxiliar o pesquisador que esteja interessadoespecificamente nesse tipo de estudo.

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O resultado de nossacoleta bibliográficaindica um númerobaixo de textos

realmente críticosda obra de

Manoel de Barros.

Vale lembrar que nosso estu-do não previa uma análise deta-lhada e profunda dos textos queconseguíssemos arquivar, massomente servir de apoio para apesquisa dos estudiosos de Manoelde Barros.

Também tínhamos como um denossos objetivos pesquisar e veri-ficar a razão para a demora noreconhecimento literário do poe-ta, e o porquê de esse reconheci-mento ainda se fazer tímido emestudos mais críticos.

Com a leitura dos textos arquivados, em conversascom Manoel de Barros e com professores que acom-panham a poesia barriana, pudemos concluir que vári-as são as causas para a lentidão do alcance da fama edo prestígio devidamente merecidos por Barros.

Podemos apontar como principais motivos o fatode o poeta residir em uma cidade que não faz parte doeixo cultural Rio-São Paulo; a timidez excessiva doescritor, que se recusa a participar de programas deTV e a proferir palestras em Congressos de Literatu-

ra realizados pelo país afora; a não-realização de autopromoção no lan-çamento dos primeiros livros e, en-fim, a própria poética barriana, quepara muitos é incompreensível(apesar de Barros alertar: poesianão é para compreender, mas paraincorporar).

Apesar desses fatores que pre-judicaram e prejudicam muito, ouem parte, a expansão dos admi-radores da obra barriana encon-tramos hoje, no início do século

XXI, um Manoel de Barros com oitenta e seis anos,com a autoridade de quase vinte livros publicados edetentor do título de melhor poeta brasileiro em ativi-dade.

Esperamos que nosso estudo auxilie os pesquisa-dores da poética de Barros, no sentido de mostrar oque se tem estudado sobre o poeta, e orientar sobreo que ainda falta ser analisado, para que Manoel deBarros possa ser devidamente reconhecido pelos lei-tores de Poesia Brasileira, por críticos e acadêmicosde todo o país.

Referências BibliográficasCAMARGO, G. Guimarães Rosa e Manoel de Barros: confluências de poética. Vintém de Cobre. Goiás: UFGO, 1999.CARPEAUX, O M.. Pequena Bibliografia Crítica da literatura Brasileira. Ministério da Educação e Saúde, Serviço de Documen-tação. Rio de Janeiro, 1951.FERNANDES, M. IstoÉ. Rio de Janeiro, 18/set/1982.FIGUEIREDO, F. Aristarchos. Livraria H. Antunes. Rio de Janeiro, 1941.FOLHA da Tarde. Corumbá, 18/set/1974.NUNES, B. Crítica Literária no Brasil, ontem e hoje. In: MARTINS, M. H. (Org.). Rumos da Crítica. São Paulo: Editora SENAC SP:Itaú Cultural, 2000.OLIVEIRA, A. M. D. de O. Estudo Crítico da Bibliografia sobre Cecília Meireles. Universidade Estadual de Campinas. São Paulo,1988.

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* Nadir de AssisBoralli é mestra emLíngua Inglesa pelaUFSC e professorano Curso de Letrasda UFMS - campusde Dourados.

The main objective of this paper is to identify, define and analyze the signals ofhesitation present in the speech of a group of adult Brazilian English as foreignlanguage students. The relationship between the group linguistic proficiency leveland the presence of the phenomena of hesitation is discussed as well. The data forthe study was obtained from students of three different proficiency levels who wereevaluated in three different activities. The students’ mental speech productionprocesses were inferred from perfonnance and introspection data. The taxonomyemployed to identify the signals of hesitation was based on the existing types,specifically those of Faerch and Kasper (1983) and Goldman-Eisler (1972). Thegeneral results of this study indicated that although speakers basically use the samesignals of hesitation during the speech planning and execution process, theirfrequency varies according to the student’s proficiency level, suggesting that thephenomenon of hesitation in terms of types, frequency and use, is transitory anddynamic.

Keywords:English, Phenomenon, Hesitation, Strategy, Communication.

Este estudo tem como principal objetivo identificar, definir e analisar os signosde hesitação presentes nas falas de um grupo de estudantes brasileiros, adultos,aprendizes de inglês. Adicionalmente, a relação entre o nível de proficiêncialingüística do grupo e a presença do fenômeno de hesitação é discutida. Os dadospara o estudo foram obtidos de alunos de três diferentes níveis de proficiênciaque foram testados em três diferentes atividades. Os processos mentais de produçãode fala dos alunos foram inferidos a partir de dados de desempenho e introspecção.A taxonomia empregada para a identificação dos signos de hesitação foi baseadaem tipologias existentes, mais especificamente a de Faerch and Kasper (1983) eGoldman-Eisler (1972). Os resultados gerais deste estudo indicaram que apesardos falantes basicamente empregarem os mesmos signos de hesitação durante oprocesso de planejamento e execução de fala, sua freqüência varia de acordo comos níveis de proficiência do aluno, sugerindo que o fenômeno de hesitação emtermos de tipos, freqüência e uso, é transitório e dinâmico.

Palavras-chave:inglês, fenômeno, hesitação, estratégia, comunicação.

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Research in the area of speech production proces-ses suggests that there are two major processing stagesin speech: planning and execution. The former includesthe syntactic morphological structuring of an utteranceand the lexical selection, while the latter comprisesthe execution of the utterance under observance ofphonological rules (cf. Clark and Clark, 1977 andKeller, 1979.)

In the following sample of a learner’s speechproduction we can observe the phenomena of planningand execution taking place:

“This story is about – (uh) a guy – that liked to –to go, to:- (uh) – to:, to: - /lægou/ - and to swim –(mhm) and the take off, took off his clothes – andswim. But after (uh) few minutes – he, he:: looked,looked that clothes and:, and: don’t find and (uh)think, thought: where i:s my clothes?”

As can be observed, problems may appear both inthe planning and execution of speech. This littlepassage is full of signals of hesitation such as drawls,fillers, repetitions and pauses, showing that speechplanning is taking place.

In order to fill a gap in the vocabulary, the speakercreated an ‘ad hoc’ form based on his L1. The use ofthe word /lægou/ (lago in Portuguese) shows hisuncertainty about using the word ‘lake’. Observe howthe item is preceded by a series of hesitations, showingthat he is having difficulties in executing his plan.

According to Faerch and Kasper (1983), “the aimof the planning phase is to develop a plan, the execution

PHENOMENA OF HESITATIONIN INTERLANGUAGE

SPEECH PRODUCTIONNadir de Assis Boralli*

of which will result in an action which will lead to theactional goal” (p.23)

Clark and Clark (1977) call attention to the factthat the two processes are not always clearly separatedin time. At any moment planning and execution mayhave been processed simultaneously. Speakers mayhave been “planning what to say next while executingwhat they have planned moments before” (p.224). Inface of this it is hard to say where planning leaves offand execution begins. However, as Clark and Clarkassert, “despite this problem, planning and executionare convenient labels for the two ends of speechproduction. The considerations that go into planningan utterance can generally be distinguished from thosethat go into its execution” (p.224).

Faerch and Kasper (1983) point out that twosituations can be established for the occurrence ofspeech phenomena depending on whether the problemis in the planning phase or is in the execution phase.

Problems within the planning phase may occureither because the linguistic knowledge is felt tobe insufficient by the language user, relative to agiven goal, or because the language user predictsthat he will have problems in executing a givenplan. Problems within the execution phase have todo with retrieving the items or rules, which arecontained in the plan. The difference betweenanticipating fluency or correctness problems andexperiencing retrieval problems in execution is thatin the former case, it is possible to avoid getting

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...one of the best waysto learn about learners’interlanguage behaviourand to discover aboutthe mental processes

underlying suchbehaviour is to analyse

their deviantutterances...

into a problem by developingan alternative plan, whereas inthe execution phase problemsare there, and have to be solved(p.34-35)Speaking, therefore, seems to

be divided into two types ofactivities – planning and executionand there are at least two pheno-mena that can be clearly observedin the speakers’ communicativebehaviour. One is the pheno-menon of hesitation or signals ofhesitation (SHs) pauses, repetitions, fillers,drawls, which is the subject of this study and theother is the use of communication strategies (foreigni-zing, approximation, paraphrase).

Maybe because little is still known about the specificoccurrence of signals of hesitation in interlanguage (IL)speech production, no accepted definitions or typologiesof these variables were found in the literature. Thetaxonomy of SHs, for the purpose of this study, wasbased on some descriptions provided by Faerch andKasper (1983), Sinderman and Horsella (1989),Goldman-Eisler (1961 and 1972). The commonest typesof SHs mentioned by these researchers are: unfilled(=silent) pauses, filled pauses, lengthening and syllables,repetitions, self-corrections, etc.

This study was undertaken under the assumptionthat one of the best ways to learn about learners’interlanguage behaviour and to discover about themental processes underlying such behaviour is toanalyse their deviant utterances and to analyse thephenomena involved in the planning and executionphases of their speech production.

Methodology

ObjectivesThe present study has as its main objectives to

identify and to analyse the signals of hesitationcommonly found in the speech of a group of adultBrazilian learners while trying to communicate inEnglish; to discuss the possible function of these signalsin their performance and to observe if there is adifference in terms of the use of SHs according totheir proficiency level in the target language.

SubjectsThe data for the study came from a group of

Brazilian students studying English as a foreign

language. The students were alladults, their age ranging from 18to 30, and were all speakers of thesame L1, Portuguese. Twenty-fourstudents were selected for theexperiment. They were divided intothree groups and each groupcomposed of eight subjects,according to their level ofproficiency: low proficiencyspeakers (LPSs), intermediateproficiency speakers (IPSs) andhigh-proficiency speakers (HPSs).

Collection of dataStudents took part in three oral production tasks

resulting in a total of 72 speech production samples.The data were audio-taped and collected in a nor-mal language classroom. Students were told toproduce the best they could and as much languageas possible. Each task lesson lasted from 20 to 40minutes.

InstrumentsThe subjects in all three groups performed three

production tasks: a) an oral description of the sequenceof pictures (CP); b) the retelling of a story told by theexperimenter in L1 (RS) and c) the explanation offour concrete and four abstract concepts (EC). Thesetasks were selected because they have been mentionedin the literature as involving a variety of oral speechstyles and being frequently performed in real lifesituations (cf. Morrow, 1979; Pint, 1981; Shohamy,1983; Fulcher, 1987)

ProceduresThe approach followed to detect CSs was the

phenomena of hesitation reflected in the interlanguageperformance as an index of ‘how’ and ‘where’problems in planning execution are taking place (cf.Beattie and Bradbury, 1979; Dechert and Raupach,1983; Faerch and Kasper, 1983).

As in Faerch and Kasper (1983), the phenomenaof hesitation such as filled and unfilled pauses,repetitions and stretching of syllables used as “time-gaining devices for the planning of a subsequent speechunit”(Faerch and Kasper, 1983:215) or the selectionof the nest lexical item (cf. Goldman-Eisler, 1972;Seliger, 1980; Decher and Raupach, 1983; Raupach,1983; Bongaerts and Poulisse, 1989; Poulisse andSchils, 1989) was considered a useful tool to understand

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In order to obtain furtherinsights on the learners’mental activities involved

in the process, a thirdresearch tool used in

this study wasself-observation:

delayed retrospectionbased on interviews.

what goes on while learners aretrying to communicate in a secondlanguage (SL).

Many researchers (Seliger,1980; Raupach, 1983; Dechert andRaupach, 1983; Crookes, 1989;Poulisse and Schils, 1989) assertthe contributions made by thismethodological approach, but theydo not accept it as the only anddefinitive way of understanding thelearner’s mental processes ofproducing oral communication.

Poulisse and Schils (1989) assert that a satisfactoryinterpretation of learner’s speech performancerequires some introspective comments (self-observational methods) that the subjects themselvesmust give on their performance after having completedthe task. Speakers’ intuition may provide valuableinformation regarding their cognitive processes ofspeech production in the TL (tarjet language).

Because of considerable evidence that learnerscan be used as informants to offer a betterunderstanding of the internal mechanisms of theirspeech production, a second research tool used inthis study was self-observation: immediateretrospection based on a questionnaire.

The methodological framework for reaching thelearners’ mental processes in the production of speechwas based on suggestions provided by Hosenfeld(1977) (1979) Cohen and Aphek, (1981) Cohen andHosenfeld (1981) and Cohen (1984).

In order to obtain further insights on the learners’mental activities involved in the process, a thirdresearch tool used in this study was self-observation:delayed retrospection based on interviews.

As in Cohen and Aphek (1981) an externalelicitation format – namely questions on the type: “Whydid you say X?”, “Why is the type of signal of hesitationpresent in your speech?”, was used in this study. Theelicitation and response were oral in the subject’smother tongue or in the target language, depending onthe speaker’s proficiency level. In order to capturesome of the processes/strategies used by the speakers,they were asked individually by the experimenter in aretrospective session a day after and in some casestwo or three days later, to discuss and comment on theproblems they had faced while performing the task.The reason why this retrospective session wasdiscussed only a day after or some days later was theneed to have the data transcribed before interviewing

the subjects. A tape-recorder withthe students’ language taped wasused as a stimulus for the studentsto reconstruct what was going onin their minds at given moments.

Thus, the analysis of hesitationphenomena in the learners’ speechdata and an introspective analysisreflecting both immediate retros-pection: based on indirect ques-tions (questionnaire), and delayedretrospection: based on directquestions (interviews) were

considered promising approaches for understandingmental activities involved in language processing.

Analysis of dataEach session was tape-recorded and later

transcribed following the transcription symbolssuggested by Marchuschi (1986), and Heritage andAtkinson (1987).

Although the subjects were free to make theintrospective comments in their own language or inthe TL, when transcribed to this study, the commentswhich were offered in L1 were translated into English.In order to reduce the data to manageable proportions,a simple count frequency was translated intopercentages, the latter being considered sufficient forthe purposes of this study.

Results And DiscussionThe first section presents a description, definition

and exemplifications of SHs, and based on thelearners’ introspection it examines the possiblefunction of the SHs. Finally, the relation betweenlanguage proficiency and SHs is examined.

The second presents the general conclusions ofthe study, offers suggestions for the future researchand relates the implications for the findings forteaching and learning.

Below is an illustration of each of the signals ofhesitation found in the speech of the three groups(HPSs, IPSs and LPSs) when performing the threeoral activities (CP, RS and EC).

Short Pauses: These are small interruptions(0:2 to 0:5 seconds) occurring before lexical itemsor function words. They seem to be used by thespeakers as time-gaining strategies so that theycan remember, search for specific linguistic itemsto be used or substituted in the speech chain.Example:

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Subjects may havehesitated for any of thefollowing reasons: theywere thinking about thecorrect pronunciation,

selecting the mostappropriate lexical item,

trying to rememberwords.

(1) “Alligator (0:6) it’s an ani-mal who – have a – bigmouth (laugher) – a:nd –you can (you can) meet him,them, you can meet it – (uh)at Pantanal” (IPSs)Long Pauses: Pauses occurring

in the middle of sentences, they arelonger than short pauses (rangingfrom 0:5 to 0:15 seconds) and fulfillbasically the same functions ofshort pauses, namely, to solveproblems and gain time to findsolutions to linguistic problems. Example:

(2) “Flag is something that represents – a country,an state – or (uh) (0:10) an ideal” (IPS)Boundary Pauses: These are pauses occurring

at sentence boundaries (more than 0:5 seconds). Itseems this kind of strategy can give the speaker timeto formulate the next sentence. Example:

(3) “Jim was a very intelligent – man (pause) Heworked – very hard, but he didn’t earn muchmoney with his work. (IPS)Drawls: These consist of the stretching of sounds

(: :) which can give the speakers time to organizewhat will be said next. Example:

(4) “Patience – is : : - to be calm – to : : (0:5)(to : :) able to support – (eh)...” (HPS)Repetitions: These consist of repeating a word or

several words or even a whole sentence, and theymay also be used as a device to gain time in selectingthe next lexical item or the next sentence. Example:

(5) “Pride is a feeling (is a feeling) (a feeling)you have about something. You may be pride –(you may be pride) – you may be proud – yourqualities” (IPS)Fillers: These are gaps occurring in the speaker’s

speech filled by expressions such as (eh) (mhm), (er)...Example:

(6) “This story goes like – (eh) – (ah) kids (ah)there sound seems to be five kids playing hide,and (ah) – one of (ah) (one of) the kids (eh) closehis eyes...” (HPS)Gambits: The learner overtly shows that s/he is

having troubles by means of a signal like this: “I don’tknow how to say this”. Example:

(7) “Bachelor – (I don´t know) (pause) bacheloris a – man that didn’t marry” Mr (HPS)(8) “Honesty – well (laugher) How can I explainhonesty? Well honesty is a (is a) quality (is aquality)” Gr (HPS). Pm

Laughter: The use of‘laughter’ is another characteristicfeature of the learners’ perfor-mance data. It is hard to analysethe function of laughter in verbalplanning. It seems the subjectsspontaneously laugh because theyare in trouble. They perceive theyare going to employ or have justmisused or mispronounced alexical item and the laughter couldhave the special function ofdiminishing the discomfort in a

troublesome situation. In example below, the speakerdid not know or did not remember the verb ‘getdown’. After some hesitation she employed a verbbased on L1 producing /descer/.

(9) “... and he: (he) had to : (to) (pause) hehad to /descer/ (laughter) ...” Dn (IPS)

Functions of Signals of HesitationConsidering the above examples it can be observed

that the subjects are struggling to express a message.This could suggest that they are having seriousproblems in their verbal planning due to lack ofknowledge of the TL. However, the performance dataand the results obtained from the introspectiveanalysis indicate that the SHs do not just representinsufficient command of the TL but can also beinterpreted as significant aspects of the learners’ speechbehaviour. Subjects may have hesitated for any ofthe following reasons: they were thinking about thecorrect pronunciation, selecting the most appropriatelexical item, trying to remember words not readilyavailable at the time of speaking, trying to substituteitems they do not know by other ones available intheir repertoire, trying to remember grammatical rules,organizing ideas in their minds or having trouble withthe specific task of retelling the story, interpreting thepictures and looking for definitions or examples forthe concrete and abstract concepts.

It is important to point out that the data do notprovide definite or sufficient evidence why the SHsoccurred and neither were the speakers able to provideanswers or satisfactory explanations about the kind ofproblems they were experiencing while planning theirmessages. But the data can offer important insightsabout the second language learners’ behaviour. If onthe one hand they are useful indicators that the TLlearner is having difficulties to execute his/her plan, onthe other hand they are strategies used by the TL

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The learner is selectingrules and vocabularyitems s/he considersmore appropriate toexpress what s/he

needs to communicatein that situation.

learners to gain time in their searchfor lexical, grammatical orphonological items they do notremember or have not learned yet.Although no attempt was made toverify the problems ofconsciousness and un-consciousness in this study, it wasfound that there are at least threedifferent groups of speakers in thisstudy: a) the speakers who areconscious of their processes ofspeech production and are able togive some important information about CSs and SHs;b) the speakers who are not conscious of these pro-cesses and refused to talk about them and c) thespeakers who, in some specific points, are aware ofwhat happened but in other points do not know orremember the kind of problems they were having,providing confusing and ambiguous explanation abouttheir performance.

I shall now present some of the introspectiveinformation provided by: a) the high-proficiency speakers(HPSs); b) the intermediate-proficiency speakers (IPSs)and c) the low-proficiency speakers (LPSs).

A) High-proficiency Speakers“Actually I didn’t know these signs were presentin my speech and I don’t think it’s important totalk about them.”

“I don’t know. I have never thought about this.”

“When I am having trouble in expressing my ideasbecause of lack of vocabulary, I repeat the wordsor group of words until I can express my thought.Repetitions are better than pauses.”

“These signs are present even when I am speakingPortuguese. I don’t know why. I was not nervousand I didn’t feel I was insecure while talking.”

B) Intermediate-proficiency Speakers“I know they’re present in my speech but that isbecause I could not remember certain words orexpressions such as ‘esconde-esconde’.”

“I don’t know why. It is spontaneous I suppose,but perhaps it is because of lack of vocabulary.Vocabulary is my problem.”

“I pause to think. I repeat the words in an attemptof organizing the ideas and the structures. It takesme a long time before deciding if the items would

be the same that a nativespeaker would use in somesituations. I always try a men-tal organization beforespeaking.”

C) Low-proficiency Speakers“I am not sure, but perhaps Iuse them to organize thesubsequent structures. I did notknow there were so manyhesitations in my speech, but itis probably because I do not

have automatized the new language yet.”

“I know they’re present in my speech and thiscauses me embarassment. I try to avoid the pau-ses but it is very difficult because of lack ofvocabulary”. (LPS)

“I make a great effort to communicate in English,because I have problems with grammar,vocabulary and specially with the pronunciation.I’m aware of these signals. I can perceive them inmy English speech, but I can not perceive themwhile I’m speaking in Portuguese. I think thishappens because I do not have a good commandof the language”. (LPS)

“My problem is pronunciation. I’m afraid ofmaking mistakes and to sound ridiculous and thusI think a lot before deciding”.

“I have never thought about these signals in myspeech, but it is probably because I’m very afraidof making mistakes.”

From these and other statements made by the learners,I will summarize below the functions of the SHspresent in the verbal planning of the learners:1. The learner is selecting rules and vocabulary itemss/he considers more appropriate to express what s/he needs to communicate in that situation.2. The learner is trying to remember or to substitutegrammatical rules, searching for the correctpronunciation, the appropriate lexical item, clause oreven a whole sentence.3. The learner is producing language in a rather tensesituation where the concern for producing the bestlanguage possibly causes anxiety which causes thelearner to take more time to produce speech.4. The learner is having difficulties in recalling thestory, in interpreting the pictures, in organizing theideas or to find definitions for the concepts, all of

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Short Pauses are themost common SHs that

were found in thespeakers’ textual data,

implying that thisphenomenon plays a

significant role in theircommunication.

which could take a long time evenin the first language.

Language Proficiency and theUse of Signals of Hesitation

It was expected that the typeand frequency of use of SHsemployed by the subjects wouldvary according to their proficiencylevel. The results of the analysisoffered somewhat limitedconfirmation of this hypothesis.The data revealed the threegroups basically employ the same type of SHs, i.e.,the proficiency level does not determine aconsiderable difference in terms of types of SHsemployed by the subjects (see Table 1).

The frequency of use of SHs shows somedifferences between the groups. Some hesitationssuch as long pauses, boundary pauses andrepetitions are more used by LPSs (see Table 2).Others show a certain equilibrium between the groups(short pauses, drawls and gambits), but there arealso hesitations that are more frequently used by the

higher-proficiency speakers suchas fillers and gambits.

The following is a summary ofthe results presented in Tables 1and 2. Short Pauses are the mostcommon SHs that were found inthe speakers’ textual data,implying that this phenomenonplays a significant role in theircommunication. In a total of 3.903SHs found in the data, 2.249 areshort pauses distributed amongthe groups in the following way:

40% of the short pauses were employed by LPSs,32% by IPSs and 28% by HPSs. Long Pauses playa less significant role, specially among HPSs.Boundary Pauses are the least frequent SHsemployed by the groups and are almost entirely absentin the HPSs textual data (see Tables 1 and 2). Otherimportant SHS were drawls, repetitions and fillerswhile laughter and gambits were not very common.A very small difference is the employment of drawlsamong the groups was observed (see the Tables).LPSs stretched the sound (193 times) 21% more oftenthan IPSs and only (159 times) 6% more than HPSs(183 times). Of a total of 535 repetitions, 54% wereemployed by the LPSs, 26% by IPSs and 20% byHPSs. One interesting SH employed by the subjectsin this study was fillers whose presence in thespeakers performance data plays a very importantrole. In this case, there was an inversion of influenceon the proficiency level. Of a total of 280 fillers foundin the data, 51% were employed by HPSs, 24% byIPSs and 25% by the LPSs. Expressing the total SHuse in percentages, 41% percent of the SHs werefound in the LPSs performance data, 30% in the IPSsdata and 29% in the HPSs data (see Table 2), showingthat there are no remarkable differences betweenthe groups when we refer to the general results.

A probable reason to be given for the fact thatthere is no considerable differences in terms of typeof SHs among the three groups is that they may notbe a phenomenon specific to IL. According toFillmore (1979), Faerch and Kasper (1983), typicallythe learner’s L1 or even another language exert stronginfluence on the learner’s communicative behaviour.The learner may be transferring SHs from L1 to TL.There are in the literature some studies reporting thatcertain SHs such as drawls and unfilled pauses aretransferred from L1 to TL (cf. Raupach (1983) andSajavaara and Lehtonen (1980)). Although, if TL

Table 1 - Signals of Hesitation: Frequency of Employmentof each SH Type by each Proficiency Group.

Table 2 - Signals of Hesitation: Percentage of TotalEmployment of each SH Type Accounted for by eachProficiency Group.

Obs: These values are based on the data of Table 1.

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SHs may notnecessarily be

related specifically toproblem solving in IL,

they can also bedescribed as

constituting partof the subjects’

speech style.

speakers employ the same type ofSHs used in L1, they probably usethem with a greater frequency inthe TL because their lower degreeof TL automatization obliges themto improvise much more (cf.Wagner 1981; Sajavaara andLehtonen 1980; Faerch andKasper, 1983).

Summarizing, we can say thatthere are, at least, four probablereasons for the fact that thereare no remarkable differencesbetween the groups regarding the frequency of useof SHs:

1) While the lower-proficiency speakerscommunicated by means of a less complex and morereduced language system, the higher-proficiencyspeakers produced significantly more complexlanguage, and thus proportionally may have spent moretime planning. Consequently their use of SHs wasstill high. Observe below how much language HPSsused in relation to LPSs to explain what alligatormeans in English.

Alligator – is a – a an animal – very big (0:5)and strong (pause). It: - it’s – like a /krokodilo.(LPs)

Alligator is: a big animal. It is – green a:nd –very – (uh) voras. (LPs)

How to say this Alligator: well, alligator – I’mvery afraid of Alli... Alligators, becausealligators is a very ugly animal. It’s (it’s) verybig. It’s: it has a: (a) big mouth and big teeth –ani... (eh) alligators is the most important ani-mal we have in Pantanal. In Mato Grosso wehave a lot of alligators and: - (eh) (eh)alligators are being comercialized? (I don’tknow), but people are very interested in killingalligators in order to sell their skin, becauseit’s a very good article, of – (of) high qualityto make (eh) belts and: ba:gs for elegantpeople. (HPs)

Alligators is an animal (ah) you have them inpantanal (ah) lot of people are killingalligators now to: - sell this the (this) skin youknow. The, they make shoes and they makepurses of (ah) out of this skin (ah) alligatorsskins. There is a campaign now to keep thisalligators from killing. (HPs)

2) Speakers’ communicativebehaviour may be related not onlyto interlanguage problems, but alsoto the activity they have toperform (cf. Raupach, 1983)Poulisse and Schills, 1989)

3) The use of SHs may alsobe motivated by anxiety. This is inconformity with Goldman-Eisler(1961) and Butterworth (1980).Some higher-proficiency speakerscould be more worried of losingface and producing ungrammatical

utterances or mispronunciations than lower-proficiency ones and when uncertainty arises, theyprefer to think a lot before executing the plan. Seestatements below provided by two HPSs:

“I am in an advanced group, thus, I have agreater responsibility in producing good English.I am always afraid of making mistakes and tosound incompetent by my teacher. If I am not sureabout the correct grammar or pronunciation, Iwaste some time thinking before speaking. That’sprobably the reason why there are so many pau-ses, repetitions and signals of hesitation in myspeech.” (HPS)

“I still have some troubles with grammar,pronunciation and vocabulary. I prefer thinkingbefore speaking ‘cause I’m afraid of makingmistakes. I always feel a little nervous and anxiouswhen I have to communicate orally.” (HPS)

4) SHs may not necessarily be related specificallyto problem solving in IL, they can also be describedas constituting part of the subjects’ speech style. Seethe two statements (below) provided by an IPS andHPS.

“I have never thought about this, but perhaps it ismy way of speaking. I have to observe if I alsouse these signals in Portuguese.” (IPS)

“It’s my way of speaking. It happens even whenI’m speaking in Portuguese, specially when I’membarrassed or nervous.” (HPS)

Two probable explanations why there aremeaningful differences between the groups in thefrequency of use of Long Pauses, Boundary Pauses,Repetitions, Fillers and Laughters are:1) It seems obvious that the presence of long pau-ses, boundary pauses and repetition in the lower-proficiency speakers’ speech is greater than in the

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The main findingsof this study

reveal that fromlower to higherproficiency theoccurrence of

SHs isvery high.

higher-proficiency speakers due totheir inadequate command of theTL. No attempts were made toverify why only these SHs and notall of the others were more usedby the LPSs.2) It is hard to explain why thehigher-proficiency speakers usedmore fillers and laughters thanthe lower-proficiency ones. On ofthe explanations could be thatHPSs have automatized the fillersused by native speakers andlearned that this strategy is a good resource to gaintime, thus avoiding other types of hesitations. It isalso hard to explain why the higher-proficiencyspeakers laughed more than the LPSs. A possibleexplanation is that the higher-proficiency are moreaware of the mistakes they produce whilecommunicating in the TL, and laughter, as mentionedpreviously, could have the special function ofdiminishing the discomfort in a troublesome situation.However, no attempts were made by the researcherto try to find evidence for such an explanation.

The main findings of this study reveal that fromlower to higher proficiency the occurrence of SHsis very high. A detailed analysis of the data led us tothe following conclusions: a) In general, the typesof SH that occur in the LPSs data do not differmarkedly from those of IPSs and HPSs. This mayindicate that speakers of different proficiency levelsdo not have very different means of planning theirspeech and consequently there are no considerabledifferences in terms of types of SH use. b) Withregard to the frequency of SHs employed by thethree groups, it can be observed that there aremeaningful differences in the use of long andboundary pauses, repeti tions, fi llers andlaughters. Although it was expected that frequencyof use of SHs among the groups would varyaccording to the TL speakers’ proficiency, theresults of the analysis offered somewhat limitedconfirmation of this hypothesis. The informationcollected from the performance data andintrospective analysis suggests that the frequencyof the use of SHs is related not only to theproficiency level of the TL speakers, but to other

important factors such as task,style of speech, anxiety and theamount of language produced bythe speakers.

Concluding/SummaryStatements

This study has its limitationsand further research is still neededbefore drawing any definitiveconclusions. However, if we as-sume the learners of this study aretypical of adult learners of a

foreign language, the findings obtained allow us toventure the following concluding/summarystatements:

From lower to higher-proficiency, the presenceof SHs in L2 speakers’ performance is very high.They constitute part of the learners’ process ofcommunication and seem to be highly spontaneousdevices employed for some learners. Other learnersuse them consciously as devices to prepare whatcomes next. A third class of learners seems to useSHs consciously in some situations and unconsciouslyin others.

It seems that the SHs are present in the learners’speech behaviour because cognitive operations arenecessary for speech production. Speakers may behaving difficulties with the conceptual, lexical,grammatical and phonological levels or with all of themsimultaneously.

SHs do not seem to be a phenomenon specific toIL, and neither do they appear to be the result of lackof knowledge of the TL. The information collectedfrom the performance data and introspectiveanalysis suggest that the frequency of use of SHsmay also be related to other important factors suchas: influence of task, speech style, level of anxietyand the amount and complexity of language producedby the speakers.

Finally, in spite of the fact that all subjects adoptbasically the same types of SHs to produce the TL,the results of this study indicate that Brazilian learnersof English pass through phases in terms of types(small range) and frequency (large range) in the useof SHs, and thus, that TL learners’ communicativebehaviour is transitional and dynamic.

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Resenha

Dentre os objetivos implícitos de uma resenha, estáa capacidade de o analista trazer à tona os valoresestéticos do objeto artístico, que podem ser ou nãooriundos do próprio objeto. Há, no entanto, inalienávele sempre passível de (des) encontros, a perspectivafundante de cada nova leitura, afinal, o analista nãodeixa de ser um leitor, um leitor munido de recursostécnicos adequados (?) à sua tarefa, contribuindo paraa (de) formação de uma infinidade de possibilidadesde leitura, o que, grosso modo, garantiria a perma-nência das obras de arte. Residem, pois, nessa talinfinidade de possibilidades: o enaltecer encomiástico,espécie de “colunismo social-literário”, do artista ede seu rol de admiradores, não necessariamente lei-tores; a validação político-ideológica ou não da pos-tura do artista e um (quase conseqüente) esqueci-mento da obra – jogam-se água e criança fora, con-tudo, salva-se a bacia ...; a validação estética da obraper si, na tentativa de detectar os movimentos derotação e de translação do universo artístico, e por aísegue. Sigamos então “resenhando” / lendo o livrode poemas de Douglas Diegues, Dá gusto andardesnudo por estas selvas – Sonetos Salvajes.

De modo didático, enveredemos pelo mundo daforma. Douglas Diegues elegeu o soneto à maneirainglesa, ou soneto de Shakespeare, como forma deexpressão de seus versos, preferindo-o ao tipo italia-no: no soneto inglês os 14 versos estão dispostos emtrês quadras, cada qual com rima própria, e em doisversos finais, emparelhados, enquanto o modelo itali-ano se faz com duas quadras e dois tercetos. Pode-

DÁ GOSTO DE PERAMBULARPOR ESTAS PALAVRAGENS*

de Douglas Diegues

Rosana Cristina Zanelatto Santos**

* Dá gusto andar desnudo por estas selvas – SonetosSalvajes. Curitiba: Travessa dos Editores; Imprensa Oficialdo Estado do Paraná, 2002. 43p.** Professora de Literatura Portuguesa no Departamento deComunicação da UFMS - Campus de Dourados. Doutora emLiteratura Portuguesa pela USP.

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rão dizer alguns analistas: por que,para obra com título tão (aparen-temente) experimentalista, formatão decantada? O soneto pode seruma forma poética “lugar-co-mum”, mas pensemos no tempoque nos separa dos “outros” so-netos: o renascentista, o barroco,o árcade ... Não somente a lin-guagem é dinâmica como os ho-mens-leitores o são, num indíciode que “a tradição [é] semprenova”1 e não “o resultado passi-vo de (...) um conglomerado de antigos tesouros cul-turais que fortuitamente nos foram entregues pelopassado” (RÉE, 2000, p. 20). Lembremo-nos, porexemplo, do soneto (à italiana e com versosdecassílabos) O Peixe-Cachorro, de Manoel de Bar-ros, posto em seu Livro de Pré-Coisas:

Era um peixe esquisito pra cachorro: / Cruza delobisomem com tapera? / Filho de jacaré com co-bra dágua? Ou / Simplesmente cachorro deindumentos?

Era muito esquisito para peixe / E pra cachorrolhe faltava andaime. / Uma feição com boca decurimba / E o traseiro arrumado para entrega.

Se peixe, o rabo empresta ao liso campo / Umandar de moréia atravancada. / Sendo cachorronão arranca a espada?

Difícil aceitar esse estrupício / Como um peixe;ainda que nade. / Pra cachorro não cabe no pos-sível (BARROS, 1985, p. 61).Em anotações feitas entre 1902 e 1911 pelo poeta

grego Konstantinos Kaváfis, traduzidas para o por-tuguês por José Paulo Paes e reunidas no pequenovolume Reflexões sobre poesia e ética, encontra-mos a anotação 2b, esclarecedora referência ao la-bor poético entre o velho e o novo:

Um dos talentos dos grandes estilistas é fazer comque, pelo seu modo de empregá-las, palavras ob-soletas deixem de parecer obsoletas. Elas ocor-rem com a maior naturalidade nos textos deles, aopasso que nos de outros parecem afetas ou fora dolugar. Isso se deve ao tato & discernimento de taisescritores, que sabem quando - & somente quando– o termo em desuso pode ser empregado & reve-

lar-se artisticamente agradável oulingüisticamente necessário; & en-tão ele só é obsoleto de nome.Trouxeram-no de volta à vida asnaturais exigências de um estilovigoroso ou sutil. Não é um cadá-ver desenterrado (como no casode escritores menos capazes) masum belo corpo despertado de umsono longo & reparador (KA-VÁFIS, 1998, p. 59).

Douglas Diegues “traz de vol-ta” o soneto inglês, lançando mão

de temas também não tão novos, como nas quadrasiniciais do soneto 25, que nos falam da efemeridadeda carne e das doenças da alma:

melhor no saber cuantos años bocê tem / esque-cer la data de su aniversário / livrar-se de los ca-prichos otários / un dia todos terão de ir além

vanidades de la carne perecible / doenças invisíblesde la alma / praticar el arte de la calma / el imposiblesempre foi posible (DIEGUES, 2002, p. 32).

No bilingüismo poético de Diegues, estão expos-tos não somente temas recorrentes da lírica ociden-tal, mas também as “feridas abertas” na AméricaLatina pelas crises econômicas, pelos conflitosidentitários, por uma moral a um só tempo cristã ecolonizadora, pelo erotismo latente, presente, porexemplo, na paradoxal e bela “homenagem” à“ciudade morena” (Campo Grande, capital de MatoGrosso do Sul):

burguesa patusca light ciudade morena/ el fuegode la palavra vá a incendiar tua frieza / ninguémconsigue comprar sabedoria alegria belleza / vasa aprender agora con cuanto esperma se haceum buen poema

esnobe perua arrogante ciudade morena / tua in-teligência burra – oficial – acadêmica – pedante /y tu hipocondríaca hipocrisia brochante / son comoun porre de whisk con cibalena (DIEGUES, 2002,p. 8).

Voltemos ao bilingüismo. Há, inicialmente, queconsiderarmos uma série de dados estruturais queacabam cumprindo uma função social: imigração,minorias lingüísticas, isolamento socioeconômico e

1 Alusão explícita ao imprescindível ensaio do Prof. Roberto de Oliveira Brandão sobre as relações entre Retórica e Poética, com beloprefácio de Alfredo Bosi. Cf. A tradição sempre nova. São Paulo: Ática, 1976. (Ensaios; 21)

No bilingüismopoético de Diegues,estão expostos não

somente temasrecorrentes da lírica

ocidental, mas tambémas “feridas abertas”na América Latina.

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cultural, dentre outras, levandomesmo a pensar o bilingüis-mo como um fenômeno nocivo,por exemplo, às crianças deuma comunidade bilíngüe quepadeceriam fora do universoextrafamiliar. Graças aos estudossociolingüísticos, essa concepçãoestá sendo revista, passando-sea valorizar as manifestações bi-língües.

Numa perspectiva variacio-nista, a melhor situação paraestudá-lo verifica-se no caso de pessoas que falem –portanto, em estado de oralidade – duas línguas emfamília, na rua, no trabalho, enfim, em contextos so-ciais estáveis. A condição da estabilidade é de im-portância capital para estudos dessa natureza. Poroutro lado, o bilingüismo intrasituacional, isto é, aque-le marcado pela ocasionalidade, merece, no caso desua utilização na obra literária, ser interpelado comouma estratégia intencional e estilística do artista.

Caso consideremos o bilingüismo como um traçoocasional e experimentalista da obra de DouglasDiegues, veremo-nos numa via de mão dupla: a da(re) ocorrência de um fenômeno lingüístico-literáriopresente nas trovas galego-portuguesas do medievo,quando se buscava, dentre outras coisas, fixar umalíngua nacional como um índice de composição e deconfirmação de uma identidade nacional, e a da op-ção pelo “portunhol” como recurso estilístico paraescapar da mesmice e, num movimento mais profun-do, reclamar por uma identidade cultural que se “des-loque” em relação às “metrópoles contemporâneas”,aceitando-se como descentrada, fragmentada e, a umsó tempo, fundante de um pertencimento.

Stuart HALL observa que

As palavras são ‘multimodula-das’. Elas sempre carregam ecosde outros significados que elas co-locam em movimento, apesar denossos melhores esforços paracerrar o significado. Nossas pre-missas das quais nós não temosconsciência, mas que são, por as-sim dizer, conduzidas na correntesangüínea de nossa língua. Tudoque dizemos tem um ‘antes’ e um‘depois’- uma ‘margem’ na qual

outras pessoas [e outras línguas] podem escrever(2002, p. 41).

Em tempo: Dá gusto andar desnudo por estasselvas – Sonetos Salvajes é o primeiro livro publi-cado por Diegues. É necessário que acompanhemossua produção literária, a fim de observar se ele con-tinua a perambular por paragens bilíngües, para ga-nhar mais orquídeas:

nunca había, / em uma cidade idiota y fria / comoesta, imaginado que un dia/ alguém me daria umaorquídea

mi amigo chinês sabe hacer orquídeas / pero diceque ainda no chegou a la perfeiçon / percebe-seque no es um charlaton / domina la arte antiga(DIEGUES, 2002, p. 34).

Ao cabo desta “resenha” / leitura, sabemosque o livro de poemas de Douglas Diegues vale umaorquídea, afinal, “entre un cata y un clismo [o poetacria] vida nueva [que] germina dentro de lapodredumbre del capitalismo [salvaje]” (DIEGUES,2002, p. 28).

Referências BibliográficasBARROS, Manoel. Livro de Pré-Coisas: roteiro para uma excursão no Pantanal. Rio de Janeiro: Philobiblion; [Cuiabá]: Fundação deCultura de Mato Grosso do Sul, 1985.HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. Tradução Tomaz Tadeu da Silva, Guaracira Lopes Louro. 7. ed. Rio deJaneiro: DP&A, 2002.KAVÁFIS, Konstantinos. Reflexões sobre poesia e ética. Tradução José Paulo Paes. São Paulo: Ática, 1998.RÉE, Jonathan. Heidegger. História e verdade em Ser e Tempo. Tradução José Oscar de Almeida Marques, Karen Volobuef. SãoPaulo: Editora UNESP, 2000. (Coleção Grandes Filósofos)

O bilingüísmopossibilita a

(re) ocorrência deum fenômeno

lingüístico-literáriopresente nas trovasgalego-portuguesas

do medievo.

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Dissertação

Parece-nos imediato o estranhamento que Nava-lha na Carne provoca no seu leitor/ seu espectador; aprimeira atitude despertada é a de não-aceitação deque qualquer tipo de semelhança ou de relação quepossa ser estabelecida entre o universo criado na obrae a idéia que temos de civilização. Temos a impres-são de que a obra nos apresenta seres totalmente es-tranhos e desconhecidos, por vezes inimagináveis nomundo da realidade. Entretanto, esta pesquisa apontacomo tema desta obra o eterno desencontro do serhumano como o seu mundo e consigo mesmo.

O erotismo foi escolhido como linha mestra quenos abre as portas para a obra de Plínio Marcos por-que nos pareceu bastante clara a importância atribuí-da a este elemento e suas relações com a violênciaque perpassa todo o texto.

Esta pesquisa iniciou-se com o estudo do erotis-mo a partir de obras extraliterárias das áreas da Filo-sofia e da Sociologia, na busca pela compreensão dofenômeno erótico que se desenvolve ininterruptamentena sociedade ocidental e no universo de Navalha naCarne.

Na pretensão de traçarmos o percurso trilhadopor Eros na sociedade ocidental, lembremo-nos doquestionamento de Clement Rosset, a respeito da-quilo que acreditamos ser o que de fato acontece.O filósofo nos apresenta a possibilidade de que oduplo deste real venha a ser uma realidade por nósignorada.

As considerações de Pierre Bourdieu de que aspessoas, as ações e os objetos são representações pro-

SEXO E PODEREM NAVALHA NA CARNE*

Raquel de Oliveira Fonseca**

* Dissertação defendida junto ao Programa de Mestradoem Letras da UFMS (área de concentração: Estudos Literários)em 25 de setembro de 2003. Orientadora: Profª. Drª. RosanaCristina Zanelatto Santos.** Professora de Literaturas de Língua Portuguesa naUEMS – Unidade de Cassilândia.

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duzidas e direcionadas pelo podersimbólico e que se concretizam nocontexto social, levam-nos a con-siderar a sexualidade enquanto re-sultante da conjugação de elemen-tos histórico-culturais, revestidosde valores e de sentidos de cono-tação simbólica, a elementos ine-rentes à própria natureza huma-na.

Estudiosos como Herbert Mar-cuse e Michel Foucault objeti-varam as transformações a que asexualidade humana é submetida em face da civiliza-ção, da sistematização da vida social. O comporta-mento, a postura sexual encontra-se vinculada a umafunção específica e temporária que visa a alcançarum fim socialmente pré-determinado.

Por outro lado, Georges Bataille aponta uma ou-tra face do erotismo, que é o poder de fazer manifes-tar-se como uma força irrompedora que busca atingirum plano mais completo no qual o ser humano possasaciar a sua necessidade de continuidade e o seu de-sejo da imortalidade.

Otacvio Paz, por sua vez, aponta o ano de 1968como o momento em que, na sociedade ocidental, oerotismo teria usado o seu poder de explosão e dedestruição na chamada “explosão da sexualidade”. Estepoderia teria sido um acontecimento propício, favo-rável para que mudanças definitivas ocorressem naestrutura social; entretanto, pela carga simbólica querevestia os processos eróticos e pela preocupação comos regimes ditatoriais que assolavam o mundo pelaépoca, as chamas levantadas pela explosão foram apa-gadas e mesmo adaptadas aos interesses dos poderesinstituídos. Segundo Paz, em conseqüência, Eros te-ria sofrido sua descaracterização maior, perdendo anoção de alma e dos valores morais e espirituais, emdetrimento da supervalorização do corpo, da matériae do lucro.

Observando o contexto brasileiro das décadas de1960 e 1970, notamos a proliferação de obras de cu-nho social, às vezes passivas de questionamento quan-

to ao seu valor literário, conco-mitantemente ao desenvolvimen-to da dramaturgia brasileira. Se-gundo Silviano Santiago, a temáticada literatura esteve impregnada poruma racionalidade dentro da qualo indivíduo perdia seu valor pes-soal em face da contemplação dosocial.

Observamos em Navalha naCarne, enquanto obra nascida nes-te contexto, a presença imperiosade Eros, que caminha lado a lado

a uma racionalidade que a tudo abarca.Pela observação e análise das formações fônico-

linguísticas e do diálogo que se estabelece no texto,propusemo-nos a nos deter particularmente em cadapersonagem, conforme nos orienta Veltruski, consi-derando-as individualmente, como sujeitos parciais quese manifestam numa totalidade contextual e que ao serevesarem e interpenetrarem, dão origem a uma cons-trução semântica.

Verificamos pela análise da obra dramática de PlínioMarcos, que o elemento erótico é usado como recur-so na construção do seu texto; as personagens nossão apresentadas como seres sexuais; a vida sexualdas personagens tem relação direta com o curso dasações vivenciadas. Os aspectos eróticos presentes naobra são poderosas revelações dos mais diferentesaspectos da vida humana.

A racionalidade castradora do afetivo, do emocio-nal toma dimensão relevante dentro da obra porquepermeia todos os espaços, sistematizando as ações eimpedindo que qualquer manifestação da alma ou doespírito se desenvolva.

As relações que se estabelecem em Navalha naCarne são resultantes de um processo em que todasas situações, pensamentos e palavras são antecipada-mente planejados. No universo construído em Nava-lha na Carne não há liberdade de ação, não há dis-curso que não seja comprometido com a poderosasistemática que acaba por comportar todas as possi-bilidades de inovação, inclusive as sugeridas por Eros.

Verificamos pelaanálise da obradramática de

Plínio Marcos, que oelemento erótico é

usado como recursona construção do

seu texto.

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Dissertação

UM OLHAR SOBRE OSCAMINHOS DO PANTANALSUL-MATO-GROSSENSE:

A TOPONÍMIA DOS ACIDENTES FÍSICOS*

Marlene Schneider**

* Dissertação defendida, em 25-09-2002, no Programa dePós-graduação em Letras na UFMS, área de concentraçãoem Estudos Lingüísticos, como parte dos requisitos para aobtenção do título de Mestre em Lingüística.Orientadora: Profa. Dra. Aparecida Negri Isquerdo.** Professora da rede pública estadual e municipal deensino e docente da UCDBIESPAN, em Corumbá – MS.

O estudo da Toponímia1 é de suma importânciapara o conhecimento da realidade social, histórica,econômica, política e geográfica de uma região, umavez que através do estudo das designações atribuídasaos lugares podem-se recuperar aspectos subjacentesà realidade nomeada. Este trabalho apresenta resulta-dos da pesquisa realizada sobre a toponímia dos aci-dentes físicos do Pantanal2 sul-mato-grossense queobjetivou realizar o levantamento, a catalogação e oestudo dos topônimos coletados. Tomamos como hi-pótese de estudo o pressuposto de que devido à imen-sa riqueza ambiental, como a fauna, a flora e os aci-dentes hidrográficos, a realidade local seria retrata-da nas denominações dos acidentes físicos da regiãopantaneira.

As designações toponímicas foram classificadas,segundo o modelo teórico de Dick3 (1992), que abran-ge vinte e sete categorias de natureza antropo-culturale física. Além disso, foram adotadas as subdivisõesde Lima (1997)4 e Isquerdo5 (1996). Discutiram-setambém questões lingüísticas, que envolvem os cam-pos etno-dialetológico (língua de origem dos topônimos– indígena, portuguesa, outras origens, origem con-troversa, obscura ou controvertida) e histórico-cultu-ral. A análise dos signos toponímicos procurou iden-tificar manifestações da relação entre língua, culturae ambiente no processo de nomeação de acidentesfísicos da região, como as baías, os corixos, os

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córregos, os morros, as morrarias, os rios e asvazantes das oito sub-regiões do Pantanal de MatoGrosso do Sul. Para tanto, a análise dos topônimosprocurou relacionar os designativos dos acidentes fí-sicos com aspectos culturais da região pantaneira,considerando-se, pois, não somente os fatoreslingüísticos, mas também os elementos extralingüís-ticos.

Orientou o estudo a definição de Toponímia propos-ta por Dick6 (1990: 36): “um imenso complexo línguo-cultural, em que dados das demais ciências se intersec-cionam necessariamente e não exclusivamente”.

Os dados analisados foram obtidos por meio deconsulta a doze folhas cartográficas pertencentes aoMapa da Bacia do Alto Paraguai e do Pantanal doBrasil, elaboradas pelo Ministério do Exército, no anode 1982. Para subsidiar o estudo foram consultadoslivros que focalizam aspectos geográficos e históri-cos do Pantanal, obras de cunho teórico sobreToponímia e obras lexicográficas da língua portugue-sa (gerais e etimológicas) e de línguas indígenas.

No conjunto dos topônimos examinados (310topônimos), predominaram os de natureza física(52,22%), dentre esses, os zootopônimos (17,41%),os fitotopônimos (14,24%) e os hidrotopônimos(7,28%), o que confirma a hipótese inicial e é justifi-cável em função da enorme riqueza ambiental da re-gião, em termos de variedades de espécies da faunae da flora, além da diversidade de acidenteshidrográficos típicos da região pantaneira. A riquezafísica do Pantanal aparece representada com nomesde animais, como Córrego Piranha, Corixo Jacaré,Vazante do Baio; nomes de plantas, como Córregoda Piúva, Corixo Mandioca Brava, VazanteAguaçu; nomes de acidentes hidrográficos, como

Corixo Baía das Amoreiras e Vazante Riozinho. Ve-rificou-se também grande incidência de topônimosde origem Tupi entre os zootopônimos e os fitotopô-nimos, como Córrego Caetetu, Rio Piquiri, CórregoBuriti e Rio Itiquira.

Assim, o exame das designações toponímicas per-mitiu-nos confirmar que a língua sofre influências doambiente físico em que se vivem os falantes, ao mes-mo tempo em que reforça a tese de que tal influênciasó acontece no momento em que o grupo valorizaum elemento e o reporta à língua, dando nome a umacidente físico.

Já entre os designativos de natureza antropo-cul-tural (41,83 %) predominaram os hagiotopônimos(8,23%), os antropotopônimos (6,96%) e osanimotopônimos (6,33%), o que denota a importân-cia atribuída pelo denominador às crenças, à valori-zação do ser humano que busca dentro de si as forçasnecessárias para vencer os obstáculos advindos dotipo de vida próprio do ambiente pantaneiro. Assim, ariqueza cultural da região aparece representada natoponímia local, em topônimos que remetem a no-mes de santos e santas, como Corixo São Domingos,Vazante Santana, Córrego Santa Maria; a nomes depessoas, como Corixo João Leme, Córrego Benja-min, Ilha Florinda; e a estados de ânimo do denomi-nador, como Córrego Triunfo, Rio Formoso e Vazan-te Alegria.

A pesquisa comprovou, enfim, que as marcasextralingüísticas da toponímia foram relevantes parase chegar ao motivo subjacente nas denominaçõesdos acidentes físicos do Pantanal, tornando o ato denomeação motivado, pois a realidade física e culturalda região pantaneira está representada na toponímialocal de forma significativa.

1 A Toponímia é a disciplina que se ocupa do estudo dos nomes de lugares e faz parte da Onomástica. Além da Toponímia, aOnomástica também envolve em seus estudos a Antroponímia, disciplina que estuda o nome de pessoas (SALAZAR-QUIJADA,1985, p.15).2 O Pantanal sul-mato-grossense situa-se aproximadamente entre os paralelos 18 e 21 e os meridianos de 55 e 58, à Noroeste doestado de Mato Grosso do Sul, limitando-se com a Bolívia e o Paraguai, Mato Grosso e o Planalto Central Brasileiro. A área doPantanal é plana, com altitudes que não ultrapassam os 200 metros acima do nível do mar com declives entre os extremos norte e sulde 3 centímetros por quilômetro. Devido a essa característica, dois terços de seu território se transformam periodicamente em imensaslagoas que impõem os hábitos da população e da fauna local.3 DICK, Maria Vicentina do Amaral, Toponímia e Antroponímia no Brasil. Coletânea de Estudos. São Paulo:Gráfica da FFLCHUSP,1992.4 LIMA, Ivonne Alves de. A motivação religiosa dos topônimos paranaenses. In: Estudos Lingüísticos XLV Seminário do GEL.Campinas: UNICAMP, 1997, p.422-428.5 ISQUERDO, Aparecida Negri. O Fato Lingüístico como Recorte da Realidade Sócio-Cultural. 1996, 409 p. Tese (Doutorado).Faculdade de Ciências e Letras, UNESP, Araraquara, 1996.6 DICK, Maria Vicentina do Amaral. A motivação toponímica e a realidade brasileira. São Paulo: Edições Arquivo do Estado, 1990.

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