PANORAMA HISTÓRICO DA PESQUISA EM LÍNGUA INDÍGENA NO MATO ... · último tópico fueran...
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PANORAMA HISTÓRICO DA PESQUISA EM LÍNGUA INDÍGENA
NO MATO GROSSO DO SUL
Letícia Reis de Oliveira (UEMS)
Taís Turaça Arantes (UEMS)
Nataniel dos Santos Gomes (UEMS)
RESUMO: O Brasil conta com cerca de 185 línguas indígenas, porém, de acordo com a UNESCO
(Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e a Cultura), uma boa parte delas está em
perigo, vulneráveis ou em situação crítica. Muitas línguas foram se extinguido com o passar do tempo,
consequências que vem desde o período colonial até a atualidade, há vários fatores que ocasionaram a
morte de seus falantes nativos. Os estudos sobre as línguas indígenas ajudam a registrar, identificar a
origem de cada uma delas e consequentemente a ações à sua sobrevivência, revelando assim a
importância dos estudos linguísticos na área. Fatores como os mencionados anteriormente contribuem
para que esse tipo de pesquisa cresça, tanto que no Brasil existem núcleos de estudos voltados para o
assunto. Dessa forma o presente trabalho busca apresentar um panorama histórico de como são
desenvolvidas as pesquisas sobre línguas indígenas, com um olhar também voltado para as culturas desses
povos. No último tópico foram abordadas questões de duas dessas línguas presentes no estado de Mato
Grosso do Sul – MS, que são: Terena e Kadiwéu, pelo fato de estarem inseridas no Atlas da Unesco como
línguas que estão em perigo.
Palavras-chave: Terena; Kadiwéu; Língua Indígena; pesquisa linguística
RESUMEN: Brasil cuenta con un gran número de cerca de 185 lenguas indígenas, pero de acuerdo con
la UNESCO (Organización de las Naciones Unidas para la Educación, la Ciencia y la Cultura), una buena
parte de ellas están en peligro de extinción, vulnerables o en situación crítica muchas lenguas fueran
extinguido con el tiempo pasado, consecuencias que vienen desde el periodo colonial hasta la actualidad,
hay varios factores que llevaron a la muerte de sus hablantes nativos. Los estudios sobre las lenguas
indígenas ayudan a registrar, identificar el origen de cada una de ellas y en consecuencia las acciones por
su supervivencia, lo que revela la importancia de los estudios lingüísticos en el área. Factores como los
mencionados anteriormente contribuyen para que
este tipo de pesquisa crezca, tanto que en Brasil existen núcleos de estudios centrados a este tema. De esa
forma el presente trabajo busca presentar un panorama histórico de como son desarrolladas las pesquisas
sobre las lenguas indígenas, con una visión también convertida para las culturas de estos pueblos. En el
último tópico fueran abordadas cuestiones de estas lenguas presentes en el Estado de Mato Grosso do Sul
– MS, que son: Terena y Kadiwéu, porque se insertan en el Atlas de la UNESCO como lenguas que están
en peligro.
Palabras-clave: Terena; Kadiwéus, Lenguas Indígenas; pesquisa lingüística
Introdução
A pesquisa em Língua Indígena é muito mais complexa do que pensamos, pois
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assim como todas as línguas é necessário levar em consideração a cultura, e voltar um
olhar para ela de forma individualizada, ou seja, não é recomendado que o pesquisador
use outras línguas para fazer comparação de estrutura, como as não indígenas. No
entanto, apesar dos desafios, como o acesso as etnias, a necessidade de materiais e
financiamento para que o trabalho seja realizado, mesmo assim é necessário que as
línguas indígenas sejam objetos de pesquisas, pois muitas delas correm o risco de serem
extintas, por possuir poucos falantes e registro, como o Guató, o Terena e o Kadiwéu
localizadas no Mato Grosso do Sul.
Devido o perigo dessas línguas serem extintas, como apontado em pesquisas
pela UNESCOi, que apresenta um quadro que aponta algumas dessas línguas presentes
em território brasileiro, por isso ressalta-se que muitas línguas se perderam por não
haver estudos e registro sobre as mesmas. Nesse aspecto se desenvolve o papel
importante do linguista, pois o mesmo pode coletar dados e isso pode funcionar como
uma maneira de conservar a língua.
Outra questão é de como existe uma visão estereotipada da cultura dos índios,
pois não é incomum escutar algumas afirmações, sem nexo, sobre ela, tais como: o
índio é preguiçoso, que ele não planta, que não precisa de terra e nem pode desfrutar de
confortos, como de ter uma casa, um carro, coisas que os “homens brancos” têm.
Contudo o que realmente acontece a falta de aprofundamento no quesito de conhecer a
cultura deles, ou seja, os não índios tentam julgar pela forma que interagem na sua
própria cultura, na qual os valores são diferentes. E sabe-se que para a pesquisa de
língua indígena é extremamente necessário entender a cultura e as individualidades de
cada etnia indígena.
Logo, o que influenciou a escrita do presente trabalho foi à intenção de
demonstrar um panorama histórico da pesquisa acerca das línguas indígenas, uma vez
que existem diversos estudos sobre o assunto no Brasil e fora do país. E o fato disso
acontecer contribui como uma forma de preservar a língua dos povos nativos.
Para o desenvolvimento do trabalho foram elaborados três tópicos para uma
melhor apresentação da pesquisa realizada, sendo que o primeiro trata de maneira ampla
sobre a cultura indígena e de como começou a existir os registros da língua. Em um
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segundo momento é apresentado os estudos no Brasil, visto que se faz necessário
explicar os troncos das famílias e de como alguns registros ajudam a preservar a língua
indígena. No terceiro tópico o recorte será especificado para as línguas do estado de
Mato Grosso do Sul – MS, e serão trabalhadas as três: Terena, Kadiwéu e Guató.
Menciona-se aqui que a escolha dessas três línguas não foi por acaso, pois as mesmas
estão em perigo e compreendemos a importância de se trabalhar com as três. Menciona-
se também que durante o processo de escrita do trabalho foi utilizada a abreviação LI
para o termo Língua Indígena e a construção do trabalho se pautou em pesquisadores
comprometidos com a língua indígena.
1. Cultura e língua indígena
Ao pensar sobre esses dois aspectos, cultura e língua, a última como sendo algo
que caracteriza e registra a cultura de um povo, seja esse registro de forma oral ou
escrito, é importante desmistificar algumas questões, como por exemplo, a visão
idealizada que se tem dos povos indígenas. Para isso recortamos a fala de um indígena
da etnia Tikuna – situada na região do alto do Solimões, no Amazonas - que faz uma
reflexão sobre pensamentos comuns sobre os povos nativos brasileiros.
Quando pensamos no índio, a primeira imagem que vem a mente é aquela do
homem nu, guerreiro com arco e flecha nas mãos, de olhos puxados, cabelos
lisos e de rosto e corpo pintados. Há nessa imagem um misto de belo e
exótico, ora idealizador ora preconceituoso. (CATACHUNGA. 2008 p.55).
A visão idealizada foi uma das mais divulgadas por meio do romance brasileiro,
sobretudo quando se trata do autor José de Alencar, e mediante a esses estereótipos
equivocados que se constroem dos nossos ancestrais. Dessa forma quando pensamos em
cultura e língua indígena se faz necessário retomar as questões histórias de colonização
do Brasil. Por meio dos conhecimentos históricos que nos é transmitidos nas escolas,
aprendemos que os portugueses ao chegarem em terras brasileiras encontraram nativos,
que hoje conhecemos como os povos indígenas. Lembramos que pelo fato de não
“servirem” para o trabalho escravo, são popularmente conhecidos, desde aquele
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período, como “preguiçosos”. É necessário refletir a respeito da diferença cultural
desses povos, visto que não podemos compará-los ao homem branco, pelo fato de haver
um equivoco, pois o povo indígena não busca produzir em longa escala, ou seja, ele
produz para ele mesmo, apenas o necessário. “Os povos indígenas têm uma economia
de subsistência e não lucrativa. O que parece incomodar a visão capitalista dos
madeireiros, garimpeiros e dos amantes do capitalismo, este sim, selvagem.”. (GOMES,
2009, p. 01)
Com relação ao conceito do homem branco a cerca do indígena, nos deparamos
com uma série de preconceitos gerados pelo fato da sociedade acreditar que os índios
devem viver, exclusivamente, em ambientes “naturais”, ou seja, fora do contexto
urbano. Saber que o indígena usufrui de benefícios sociais garantidos
constitucionalmente gera certa inconformidade e trás á tona novamente o pensamento
de que os mesmos não trabalham. Abaixo uma explicação sobre esses benefícios:
Do governo federal vêm auxílios e bolsas, tais como Salário Maternidade,
Bolsa Família, aposentadorias e salários, além das atividades praticadas pelos
dois órgãos federais de auxílio ao indígena: a Funais (Fundação Nacional do
Índio) e a Funasa (Fundação Nacional da Saúde). Dos governos estaduais e
municipais vêm projetos desenvolvimentistas, apoio para projetos locais, além
da educação e saúde, operacionalizados na esfera municipal. O universo
indígena brasileiro está em franco transformação social por diversos motivos,
e poucas etnias continuam alheias a este processo. (SILVA et Alli, 2008, p.10)
O que se faz necessário compreender é que esses benefícios são uma forma de
ajudá-los a viver com qualidade, pois atualmente eles estão inseridos em outro contexto
que não é o originário deles. Dessa forma para a melhor adequação dos mesmos se faz
necessário essa ajuda, já que eles adaptam a sua cultura a um novo ambiente social, eles
tanto se esforçam para serem inseridos que muitas vezes quando eles deixam o ambiente
da “tribo” em rumo ao meio urbano, ele aprende a língua portuguesa, que hoje é
considerada a segunda língua.
À medida que o indígena se aproxima de um contexto distinto e urbanizado,
ele se insere em um ambiente onde é facilmente discriminado por não se
adequar ás exigências sociais locais. Isso gera um misto de frustração em
relação ao meio e anseio por encontrar uma medida de concordância entre ser
índio e ao mesmo tempo poder ser respeitado e usufruir do novo que juga bom.
(SILVA et Alli, 2008 p 11)
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Pode-se atribuir esse fato á decorrência da colonização portuguesa, ao chegarem
ao Brasil e encontrarem aqui os nativos e ao perceberem que a cultura e língua desses
povos eram diferentes, mas isso não foi empecilho e eles rapidamente encontraram
meios para “educá-los”, ressaltamos então, as missões jesuíticas. Veiga nos explica
como os jesuítas se apropriaram da língua indígena na tentativa de catequizá-los.
Vejamos abaixo:
[…] para aproximarem sua cultura da cultura indígena os jesuítas produziram
estratégias pedagógicas nada convencionais. Com o objetivo de conhecer o
“outro” e “realizar a educação das vontades”, os padres combinaram escrita,
expressão corporal e oralidade nas ações educativas, chegando a aprender o
idioma dos índios – em especial a língua “mais falada na costa”, o tupi-
guarani,que denominaram língua brasílica.
Assim, os padres passaram a realizar as pregações nas missas e ensinar orações
em idioma brasílico, além de cantos religiosos e cantigas portuguesas. O
recurso á oralidade cantada foi muito utilizado e encontrou boa receptividade
entre os índios, cuja a cultura valoriza o canto e a dança. (VEIGA. 2007, p. 57)
A língua foi uma forma que eles encontraram para conseguir uma aproximação
dos índios. Nota-se também que nesse período não houve respeito sobre a cultura
indígena, uma vez que eles tiveram que aprender os modos da cultura portuguesa.
Recordamos aqui que foi nesse período que houve uma das iniciativas jesuíticas mais
ousada voltada para o campo da escrita, ou seja, a criação da primeira gramática do
tupinambá: a Arte da gramática da língua mais usada na costa do Brasil, organizada
por Anchieta. Mesmo manuscrita foi utilizada em colégio, tal como: Colégio da Bahia,
porém sua primeira versão impressa é de 1595. Quase um século depois, a mesma obra
foi utilizada pelo padre Antônio Vieira, que em seus Sermões, fez uma sinterização do
processo de elaboração das regras gramaticais: ouvir a língua percebê-la, reduzi-la à
gramática e aos preceitos e só então estudar e pronunciar. Tudo isso facilitou quando os
jesuítas chegaram ao Brasil, pois os ajudaram a entender a língua local. (VEIGA, 2007,
p.58)
Outro ponto que deve ser mencionado á respeito das línguas indígenas é que
existia uma grande diversidade delas no período colonial, não era somente o tupi-
guarani, que na verdade é uma família linguística, composta por línguas como o
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tupinambá, o guarani e outras, que prevalecia no Brasil. Em suma, que muitas outras
línguas estavam presentes, mas se perderam pela questão da escravidão e outros
motivos que levaram os membros dos povos indígenas morrerem.
É provável que na época da chegada dos primeiros europeus ao Brasil, há
quase quinhentos anos, o número das línguas indígenas fosse o dobro do que é
hoje. A redução teve como maior causa o desaparecimento dos povos que as
falavam, em consequência das campanhas de extermínio ou de caça aos
escravos, movidas pelos europeus e por seus descendentes e prepostos, ou em
virtudes das epidemias de doenças contagiosas do Velho Mundo, deflagradas
involuntariamente (em alguns casos voluntariamente) no seio de muitos povos
indígenas; pela redução progressiva de seus territórios de coleta, caça e plantio
e, portanto, de seus meios de subsistência, ou pela, assimilação, forçada ou
induzida , aos usos de costumes dos colonizadores.
Naturalmente, o maior número de línguas indígenas desapareceu nas áreas que
foram colonizadas há mais tempo e mais intensamente, constituídas pela região
Sudeste e pela maior parte das regiões Nordeste e Sul do Brasil.(RODRIGUES,
2002. p. 19).
Rodrigues explica na citação acima como algumas línguas foram extintas no
período colonial. Mas essa questão sobre o desaparecimento de algumas línguas
indígenas não está restrita somente a esse período, pois ainda há um grande número
delas que estão em perigo no Brasil. O Atlas Interativo de Línguas em Perigo no Mundo
organizado pela UNESCO (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência
e a Cultura), existe atualmente cerca de 190 línguas indígenas que estão em perigo,
entre elas podemos citar: Terena e Kadiwéu1. Duas línguas de tribos indígenas que
habitam no Mato Grosso do Sul, estado no qual focaremos para uma maior abordagem
da situação das pesquisas de LI.
2. Pesquisa de língua indígena no Brasil
O estudo sobre as línguas indígenas no Brasil começou no período da
colonização com o intuito de catequizar os índios, esse interesse pelas diversas línguas
que aqui já existiam, visavam um interesse da colônia, e não se pensava em algo que
1 Informações retiradas do Atlas Interativo de Línguas em Perigo no Mundo, organizado pela Unesco.
Disponível em: http://www.unesco.org/culture/languages-atlas/index.php?hl=en&page=atlasmap.
Acesso em 24 de junho de 2013, às 09:44.
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pudesse contribuir para uma melhor qualidade de vida dos nativos e desenvolvimento
deles. Mesmo assim foram estudos iniciais e de grande contribuição para as pesquisas
atuais possam se desenvolver e aprofundar suas análises.
No passado as informações e dados linguísticos sobre as línguas indígenas
brasileiras pertenciam ao registro dos etnógrafos, principalmente no século
XIX, e as obras jesuíticas a um passado ainda mais remoto. Queremos dizer
os primeiros contatos científicos com as línguas indígenas foram feitos
através de missionários nos tempos da colonização, com grande repercussão
para os estudos da atualidade. (GOMES, 2009, p. 2)
Diante dessa constatação é equivocado desconsiderar completamente o trabalho
que os jesuítas desenvolveram, como aqueles de análise das línguas Tupi da costa que
hoje estão extintas, no entanto, o problema que podemos detectar das pesquisas desse
período é a supervalorização do Tupi a ponto de torná-lo padrão, o que
consequentemente contribuiu para o apagamento de muitas outras línguas indígenas
existentes naquele período. E a tentativa de criar uma língua geral a fim de facilitar a
exploração das terras brasileiras a partir de uma melhor comunicação, pois tanto índios
como também os não índios se utilizavam dessa língua para se comunicar.
Desvalorizar algumas línguas e valorizar outras é o mesmo que dizer que todo
índio é igual e possuem os mesmos costumes e preservam as mesmas culturas, o que na
prática percebemos que não ocorre. Um exemplo disso é os xetá que vivem da caça,
mesmo sendo pertencentes à mesma família dos Tupinambás e esses caracterizam-se
por serem agricultores, essa diferença simples irá exercer grande influência na
construção das línguas desses dois povos indígenas. Por isso que a língua está
estritamente vinculada à cultura, aos usos e costumes de um povo, e não seria diferente
quando se tem a intenção de pesquisar uma LI.ii
O que ocorre é que quando um pesquisador volta o seu olhar para as questões de
línguas indígenas, é preciso que ele esteja consciente de que é fundamental dissociar a
cultura do homem branco e olhar o índio por ele mesmo, ao invés de compará-los a
outra etnia como algumas pessoas costumam fazer. Dessa forma se percebeu que a
própria denominação “indígena” é uma generalização, pois são diversas etnias que se
diferem entre si no Brasil.
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O próprio termo indígena é resultado de nosso simplismo ao imaginarmos um
grupo homogênio, com anseios e necessidades semelhantes, ao passo que as
mais de 250 etnias indígenas brasileiras formam um universo pulverizado e
heterogêneo, linguística, cultural e socialmente. (SILVA et Alli, 2008, p.11)
Atualmente no Brasil, mais de 70% dos índios estão no Amazonas (55 mil),
Mato Grosso do Sul (30 mil), Roraima (23,4 mil), Mato Grosso (16,3 mil), Pernambuco
(15,8 mil), Maranhão (12,1 mil) e Pará (11,3 mil). Os demais 65 mil índios (28,4%)
estão no resto do país. Não há índios no Piauí nem no Rio Grande do Norte. Perto de 90
% dos índios vivem nas regiões Norte (45,46%), Centro-Oeste (22,36%) e Nordeste
(20,13%).iii
Quando pensamos especificamente nas línguas precisamos atentar para os vários
troncos e famílias linguísticas algumas delas são: a família Tupi-Guaraní, Tronco Tupí,
Tronco macro – jê, Família Karíb, as famílias Aruák e Arawá, família Guaikurú, família
Múra, família Katukína, família Tukáno, família Makú, família Yanománi e as línguas
isoladas que não se encaixam em nenhuma família ou tronco por ser difícil detectar
semelhanças linguísticas, ou seja, de mesmo parentesco genérico como aponta
Rodrigues.
As línguas presentes nesses trocos ou famílias foram unidas em um mesmo
grupo por meio de comparações linguísticas e das semelhanças que elas apresentam
entre si, muitas vezes, por estarem próximas, ou devido às guerras entre as tribos,
tiveram contato o que causou uma “mistura” proporcionando essas aproximações
linguísticas.
Outro dado importante é que muitas das línguas indígenas aqui no Brasil são as
influências que sofreram com outras línguas desde a colonização. Além do contato com
a língua portuguesa também podemos perceber influências do espanhol, pois muitas das
LI situam-se em regiões de fronteira como acontece com as línguas da família Karíb que
estão na região das guianas brasileira, francesa e inglesa além de fazerem fronteira com
a Venezuela.
Mesmo diante de tantas pesquisas linguísticas no Brasil sobre as LI, ainda se faz
necessário que muitas línguas sejam transcritas, muitas ainda possuem documentação
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vaga e que pouco contribuem com dados para pesquisas. Um desafio na pesquisa de LI
é o fato de que algumas línguas possuem poucos falantes, o que dificulta a coleta de
corpus para posterior análise e transcrição da língua. Há casos em que os índios foram
exterminados em regiões de minas de ouro e hoje eles se recusam em falar suas línguas
por acreditarem que seus irmãos morreram por não saberem o português, um exemplo
disso são os Tupinikín que hoje de acordo com Rodrigues (2002) só falam língua
portuguesa.
3. Pesquisa sobre as línguas indígenas de Mato Grosso do Sul
O tópico tentará explicar como se dá a pesquisa da língua indígena referente á
alguns pontos do estado de Mato Grosso do Sul – MS. Porém, esse recorte será feito
sobre os Terenas e kadiwéus. Essa escolha se deu pelo fato de serem duas línguas que
estão em perigo. Mas antes de falar sobre as pesquisas iremos explorar um pouco sobre
o povo (onde estão) e a língua deles.
3.1. Terena – Povo e Língua
De acordo com a Tabela de Territórios Indígenas em MS, disponível na revista
Tekoha2, organizada pelo Ministério Público Federal em Mato Grosso do Sul, o povo
Terena está espalhado pelo estado. Ressaltando que a tabela foi elaborada com os dados
da Funai – Campo Grande em 2010. O quadro abaixo tem por objetivo demonstrar os
locais que o povo Terena ocupa:
Terra Indígena Município
Água Limpa Campo Grande / Rochedo
2 Disponível em: http://www.prms.mpf.mp.br/servicos/sala-de-imprensa/publicacoes/tekoha-3-dia-do-
indio-2012-mpf-ms/TEKOHA-III-Tabela-Povos-Final.pdf. Acessado em 26 de junho de 2013, às
10:01.
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Aldeinha Anastácio
Buriti Dois Irmãos do Buriti / Sidrolândia
Buritizinho Sidrolândia
Cachoeirinha Aquidauana/ Miranda
Dourados Dourados
Kadiwéu Corumbá / Porto Murtinho
Lalima Miranda
Limão Verde Aquidauana
Nioaque Nioaque
Nossa Senhora de Fátima Miranda
Pilade Rebuá Miranda
Taunay/ Ipegue Aquidauana
O quadro apresenta os locais onde os terenas estão e suas terras, sobre a origem
do povo Terena existem várias histórias, pois ela está ligada com as histórias de outros
povos indígenas, como também do homem branco, africanos e consequentemente de
seus descendentes. Pode-se conhecer também o seu passado pelo produto de cultura
material, como a tecelagem e cerâmica que revelam costumes antigos e hábitos.
(BITTENCOURT et LADEIRA, 2000)
O site Povos Indígenas no Brasil3, traz em sua página sobre os Terenas que a
língua desse povo é da família linguística Aruák. Explica que a língua terena é falada
pelas pessoas que atualmente se reconhecem como Terena. Porém, há uso desigual da
língua, algumas aldeias utilizam mais que outras. Bittencourt e Ladeira também
explicam a origem da língua pela Aruák:
3 Disponível em: http://pib.socioambiental.org/pt/povo/terena/1041. Acessado em 26 de junho de 2013,
ás 13:45.
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A língua falada pelos terena conserva elementos em comum com a língua
usada pelos Laiana e pelos Kinikinau e que, embora com algumas diferenças,
permite reconhecer que ele pertence a uma língua de origem comum
denomianda Aruák. A identificação dessa língua comum é importante porque,
por intermédio dela, podemos saber um pouco sobre a origem dos Terena e
localizar o lugar onde vivem e viveram em outros tempos. Pode-se conhecer o
lugar de origem das pessoas porque as línguas têm elementos comuns e pode-
se perceber que cada povo recebe várias influências no contato com outras
populações. Com a convivência são acrescentadas novas palavras, alterando
constantemente a língua original. Quando uma comunidade se separa, a
convivência entre as pessoas diminui e, em consequência, aumentam as
diferenças fala dos habitantes desses lugares. (BITTENCOURT et LADEIRA,
2000, p. 12)
3.2 Kadiwéu – Povo e Língua
Os Kadiwéus são conhecidos como índios cavaleiros e guerreiros, pois sua
história é carregada de conflitos com outros indígenas e não-indígenas, inclusive eles
têm a sua importância na história do antigo estado do Mato Grosso, hoje dividido e
denominado Mato Grosso do Sul pois eles lutaram na guerra do Paraguai, foi então que
Dom Pedro II lhes deu a terra que possuem até hoje. (SILVA, 2004, p. 40 apud SOUZA,
2012, p. 21).
A Tabela de Territórios Indígenas em MS apresenta que os Kadiwéus ocupam
uma terra em Corumbá/ Porto Murtinho e esse povo são um total de 1.346 (Funasa,
2009). Segundo Rodrigues, a língua Kadiwéu faz parte da família Guaikurú que se
localiza numa região mais oriental.
Terra Indígena Município
Kadiwéu Corumbá / Porto Murtinho
As demais línguas da família Guaikurú encontram-se na região ao Sul do
Amazonas, já o Kadiwéu é a única ao leste do rio Paraguai, e provavelmente devido ao
seu distanciamento das línguas da mesma família ela seja a mais distinta delas. Confira
alguns exemplos retirados da obra de Rodrigues (2002), sobre a família Guaikurú:
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Português Kadiwéu Toba
Pedra wetiGa Koma’
Sangue Lawodi Tagoq
Casa Diimigi ma’
É perceptível as diferenças que o Kadiwéu apresenta com relação ao Toba, se
pensarmos nas semelhanças que há entre as línguas de outras famílias como, por
exemplo, a Aruák, por isso é necessário que cada língua seja vista e estudada em suas
particularidades.
3.3 Guató – Povo e Língua
Segundo Costa não há uma origem ao certo dos Guatós, o que a linguista relata
em sua tese é que eles são “(...) filhos legítimos do Pantanal. Com a extinção das tribos
Guaxarapós e Paiaguás, os Guatós ficaram conhecidos, historicamente, como os últimos
índios canoeiros do Pantanal, por excelência, pois viviam quase sempre sobre a água,
em suas canoas usadas para o transporte” (Costa. 2010, p. 20).
Essa língua possui alguns estudos, um dos pioneiros no Brasil a citá-la em sua
obra foi Aryon Rodrigues em 1970 e posteriormente por seu orientando Adair Palácio
em 1984. A perda dessa língua é consequência da tentativa de unificação da LI ainda no
Brasil colônia, por isso em um de seus trabalhos sobre os Guatós, Palácio (2004, p. 162)
afirma que nesse período: “acredita-se que havia cerca de 50 falantes, e desses, apenas
20 a 30 eram falantes ativos.” O pesquisador ainda aponta que a maior parte desse povo
era bilíngue Guató e Português.
Sobre a situação linguística Postigo (2009. p.27): “Os guató são monolíngues em
Português e após algumas iniciativas da Secretaria de Educação e da Funai, estão
utilizando saudações e algumas palavras em guató, pois apenas alguns idosos são
bilíngues em Português – Guató.”
Dessa língua se tem alguns registros, teses, documentos e até mesmo dicionário,
mas mesmo assim corre o risco de ser extinta devido a influências do espanhol, devido
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ao fato de estarem na fronteira com a Bolívia. O fato de haver poucos falantes e a
dificuldade que os pesquisadores encontram em coletar dados devido à localização em
que a etnia vive, onde só se tem acesso de barco e pelo fato de os informantes serem
poucos também são fatores que contribuem para o apagamento da língua.
Considerações Finais
A partir das informações pesquisadas e apresentadas neste trabalho, pode-se
constatar que as pesquisas de LI ainda são escassas, mas há um número significativo de
pesquisadores que dedicaram e continuam a dedicar suas vidas ao estudo das mesmas.
É notório que muitos são os desafios que permeiam uma pesquisa de Língua indígena,
pois requer o esforço de profissionais de várias áreas do conhecimento, como
historiadores, antropólogos e linguistas para que o trabalho seja completo, porque uma
pesquisa sobre qualquer língua requer conhecimentos sobre o povo e a sua cultura.
Pode-se constatar que ainda há muito a ser pesquisado quando se refere à língua
indígena, pois muitas delas estão se apagando devido à falta de falantes e ao
sufocamento provocado pela cultura do homem branco, que faz com que muitos
indígenas não queiram falar suas línguas maternas, apenas o português.
O intuito dessa breve pesquisa era apontar algumas questões a respeito da
pesquisa em LI, pois há mais de 180 línguas e muitas ainda precisam ser pesquisadas e
transcritas, apontar o valor de cada uma e os riscos que algumas delas correm por falta
de pesquisa, como as do Mato Grosso do Sul, Terena, Kadiwéu e o Guató. Para que
essas línguas permaneçam só um caminho, a pesquisa, a elaboração de materiais e a
educação dos indígenas em suas línguas maternas, para que se resgate um dos aspectos
que representam a cultura e identidade das etnias indígenas.
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Acesso em 24 de junho de 2013. iiInformações sobre as distinções de culturas entre tribos indígenas com línguas pertencentes ao mesmo
tronco foram retiradas do livro de Rodrigues. iii
Informações retiradas do artigo de Nataniel dos Santos Gomes: “A SIL e os estudos das línguas
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