Palestra Delia Lerner Jun05

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Síntese da palestra de Delia Lerner no Seminário Internacional 1 de Leitura e Escrita - Letra e Vida Ler em contextos de estudo Delia iniciou sua comunicação rendendo uma homenagem ao Programa Letra e Vida, lembrando que ela teve a oportunidade de avaliar o Profa (nome anterior do mesmo programa). Afirmou que trabalhar com muitos professores simultaneamente representa um desafio e que, por isso, resulta surpreendente que o Programa consiga trabalhar de maneira profunda e de modo eficiente, durante tanto tempo, com o conhecimento didático. Em seguida, depois de fazer um agradecimento à Emília Ferreiro - que se encontrava presente – pelas formas que sempre acha de alimentar a produção latino-americana de estudos e conhecimento sobre a alfabetização, Delia iniciou sua fala sobre as situações vinculadas à leitura em contexto de estudo. Relatou que o início do estudo sobre tais situações didáticas se deu a partir de um problema grave: o fracasso nas séries iniciais da escola secundária. Salientou que neste segmento ocorre avaliação sobre o que não se ensina (como, por exemplo, a capacidade de ler compreensivamente um texto ou fazer um resumo), o que representa um mecanismo de discriminação escolar. Portanto, ela entende que desde as últimas séries da 1 Promovido pela Secretaria Estadual de Educação. Realizado em São Paulo nos dias 15, 16 e 17 de março de 2005. A síntese foi complementada com anotações feitas durante o Seminário Internacional do Colégio Parthenon “Formar leitores para a vida toda” realizado nos dias 10 e 11 de junho de 2005, em Guarulhos.

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Síntese da palestra de Delia Lerner no Seminário Internacional1

de Leitura e Escrita - Letra e Vida

Ler em contextos de estudo

Delia iniciou sua comunicação rendendo uma homenagem ao Programa

Letra e Vida, lembrando que ela teve a oportunidade de avaliar o Profa

(nome anterior do mesmo programa). Afirmou que trabalhar com muitos

professores simultaneamente representa um desafio e que, por isso,

resulta surpreendente que o Programa consiga trabalhar de maneira

profunda e de modo eficiente, durante tanto tempo, com o conhecimento

didático.

Em seguida, depois de fazer um agradecimento à Emília Ferreiro - que

se encontrava presente – pelas formas que sempre acha de alimentar a

produção latino-americana de estudos e conhecimento sobre a

alfabetização, Delia iniciou sua fala sobre as situações vinculadas à leitura

em contexto de estudo.

Relatou que o início do estudo sobre tais situações didáticas se deu a

partir de um problema grave: o fracasso nas séries iniciais da escola

secundária. Salientou que neste segmento ocorre avaliação sobre o que

não se ensina (como, por exemplo, a capacidade de ler

compreensivamente um texto ou fazer um resumo), o que representa um

mecanismo de discriminação escolar. Portanto, ela entende que desde as

últimas séries da escola primária até as primeiras da escola secundária

existe a necessidade de tomar como objeto de ensino a leitura em

contexto de estudo.

1 Promovido pela Secretaria Estadual de Educação. Realizado em São Paulo nos dias 15, 16 e 17 de

março de 2005. A síntese foi complementada com anotações feitas durante o Seminário

Internacional do Colégio Parthenon “Formar leitores para a vida toda” realizado nos dias 10 e 11 de

junho de 2005, em Guarulhos.

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O texto difícil2 pode ser trabalhado por meio de projetos ou de

seqüências de atividades que propõem um propósito claro para a leitura.

Apresentou algumas hipóteses didáticas referentes ao trabalho com este

tipo de texto:

Só se aprende a ler textos difíceis lendo-os.

A introdução destes textos na sala de aula requer intervenções do

professor.

É preciso devolver progressivamente aos alunos a responsabilidade

pela construção de sentido do texto.

Participar de múltiplas situações em que se lê para aprender

favorece o desenvolvimento de estratégias eficazes de compreensão

e atribuição de sentido ao texto e permite aos alunos que progridam

como leitores.

A forma mais produtiva de organização da classe é a alternância de

atividades coletivas, grupais e individuais (organização ascendente e

descendente).

As seguintes condições didáticas3 foram estabelecidas para a realização

das atividades no interior de um projeto:

Conceber como conteúdos de ensino os usos da leitura e da

escrita enquanto instrumentos de aquisição de conhecimento

sobre o mundo natural e social.

Incorporar à sala de aula, desde as primeiras séries, os usos

“acadêmicos” da leitura e da escrita.

A leitura é funcional (orienta-se a um propósito valioso: a

compreensão pelo alunos, a despeito da dificuldade inicial)

2 O termo ‘texto difícil’ está sendo usado para designar aquele tipo de texto cujo autor não tem o

público infantil como destinatário e que, por isso, supõe conhecimentos que as crianças não

possuem quando se deparam com ele.

3 A pedido de uma das pessoas da platéia, Delia definiu ‘condição didática’ da seguinte maneira: o

que é necessário garantir para favorecer a aprendizagem em uma determinada situação didática

(condição didática específica) ou em um conjunto delas (quando se trata de condições didáticas

gerais).

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As crianças já têm conhecimento sobre o tema

O texto é selecionado pelo professor (sua escolha responde a

critérios didáticos que são responsabilidade do professor)

O texto apresenta problemas (quanto a seu conteúdo e a sua

forma) e para resolvê-los é necessário construir conhecimentos.

As crianças sabem que estão autorizadas a enganar-se

A atividade assume a forma coletiva primeiramente e depois é

feita em pequenos grupos, o que permite intensa intervenção do

professor

Em seguida Delia aprensentou um exemplo de trabalho com textos

difíceis que teve sua origem em uma idéia de Donald Graves: o Projeto

“Tornar-se expert em...” acerca de biografias de escritores (realizado com

turmas de 4a série).

A realização deste projeto contou com as seguintes etapas:

Situação em que o professor lê (situação de trabalho coletivo –

leitura de diferentes materiais e produção conjunta de um texto).

Situação de leitura em duplas: leitura e produção de texto sobre a

personalidade eleita para o estudo, o que inclui:

- a busca de bibliografia pertinente

- a leitura exploratória para a seleção de materiais

- a leitura dos textos selecionados

- a discussão e os acordos grupais sobre os aspectos que serão

incluídos no texto a ser produzido

- a produção de sucessivas versões de texto sobre o biografado

- revisão e aprimoramento das produções escritas

No que diz respeito às intervenções do professor nas situações de

leitura, as seguintes foram mencionadas:

- opera como leitor

- coloca questões que orientam a leitura

- ajuda a explicitar perguntas que aparecem na interação com o texto

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- aporta conhecimentos necessários a atribuição de sentido ao texto

- ajuda a detectar as marcas que o autor deixa no texto para que o leitor o

compreenda

- posterga perguntas que desviam o foco da leitura

- torna observáveis aspectos que os alunos não perceberiam por si

mesmos

- ajuda a desentranhar as intenções do autor.

Para Delia as seguintes estratégias são postas em ação nas situações de

leitura:

- avançar sem ter compreendido tudo, confiando que o que segue pode

ajudar a entender

- fazer-se pergunta e fazer perguntas ao texto

- esclarecer as questões que se tenta responder através da leitura

- antecipar o conteúdo do texto e verificar a anetcipação feita

- por em dúvida as interpretações que se vai elabrorando enquanto lê e

procura indícios para confirmá-las ou rechaçá-las

Alguns exemplos de produções escritas pelos alunos foram

apresentados. Os textos, escritos em dupla, eram parte de um texto

coletivo referente à leitura de um mesmo texto por todos da turma. Essa

produção coletiva tinha o objetivo de funcionar como um modelo da

produção que seria feita em dupla sobre outro tema do Projeto “Tornar-se

expert em ...” para compor o produto final: um fascículo de biografias de

escritores.

O trabalho coletivo tinha como tema a vida e a obra de Jorge Luis

Borges. Depois de uma pequena explanação da professora sobre o autor

cada dupla recebeu a incumbência de produzir um texto acerca de um

tema que integraria a produção coletiva final. Assim, um dos grupos ficou

encarregado de escrever sobre a relação de Borges com outros escritores,

outro sobre a cegueira do escritor, etc.

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Na primeira versão da primeira produção apresentada, que tratava da

relação do escritor Argentino com outros escritores, a professora aponta

um equívoco uma vez que Bustos Domecq (o pseudônimo adotado por

Borges e Bioy Casares quando escreviam juntos) fora citado como um

personagem. A indicação do erro pela professora levou a uma nova leitura

do texto pela dupla e a tomada da seguinte nota no canto da página:

“quando escreviam juntos assinavam como Bustos Domecq”. Esta

anotação foi incorporada ao texto quando a 2a versão foi feita, o que

mostra que os alunos o estão corrigindo em função da compreensão do

leitor.

Quanto às anotações sobre os textos, Delia comentou que as crianças

discutiam o que anotar pensando no que o destinatário podia saber/não

saber. Ressaltou ainda que a tomada de notas não deve se confundir com

o texto final, o que pode nos parecer óbvio, mas que não o é para as

crianças. Como se pode ver pelo que ocorreu inicialmente em outro projeto

(“Cosultoria”): quando as crianças tomavam nota para responder a uma

pergunta que alguém lhes havia formulado, as anotações eram tão

próximas do texto lido que parecia que “as informações não tinham

passado pela cabeça delas”. Por esta razão, algumas condições passaram

a ser colocadas. Era preciso:

Ler pelo menos dois textos sobre o tema da pergunta.

Distinguir o tempo e o espaço da tomada de notas e da produção da

resposta.

Distinguir os materiais usados para tomar nota (lápis e papel) e para

realizar a produção escrita (computador)

Preparar-se para contar para outros alunos o que havia sido

aprendido antes de planejar o texto a ser escrito (a resposta).

Fazer versões sucessivas da produção escrita, o que estava a serviço

da aprendizagem da citação (em lugar da cópia pura e simples).

Essas restições causaram um contraste claro e impressionante entre as

produções que eram feitas antes delas serem impostas e depois: se antes

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os textos dos alunos continham muitas partes copiadas e, com isso, a

linguagem usada era muito refinada porque muito próxima do texto

original, depois eles passaram a conter uma linguagem demasiadamente

coloquial, o que fez com que uma revisão fosse necessária para passá-los

para a linguagem dos textos espositivos.

Quanto aos processos de ida e vinda (escrever/ler/revisar/escrever/ler),

Delia acredita que muitas situações deste tipo contribuirão para a melhor

compreensão por parte dos alunos do que lêem e, ainda, para a

apropriação deste ir e vir entre a produção própria e a dos colegas,

podendo dialogar sobre o que escrevem e lêem.

Na seqüência foi aprensentado um outro exemplo de trabalho referente

às áreas de Língua e Ciências Sociais, este realizado na 3a série: o Projeto

“O Homem pré-histórico”, cujos produtos finais consistiam na elaboração

de um fascículo pelos alunos e em uma exposição oral. Nele a Língua

entrava como complemento, uma vez que os temas centrais pertenciam à

area de Ciências Sociais. Trabalhar em grupo e aprender procedimentos de

estudo eram os objetivos centrais do projeto.

As diretrizes para o trabalho na área de Ciencias Sociais eram:

- relação entre diferentes variáveis ou aspectos do modo de vida de um

povo

- estabelecimento de semelhanças e diferenças entre o modo de vida

dos homens pré-histórico e o nosso

- valorização dos povos pré-históricos

O trabalho foi realizado em duas etapas: uma comum (em que um

tema foi estudado coletivamente) e outra por subgrupos (temas distintos

para os diferentes grupos formados na classe).

Delia comentou que a tensão entre as diferentes centrações das duas

áreas foi muito forte da primeira vez que o projeto foi realizado. Como para

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a área de Ciencias Sociais o fio que conduzia o trabalho era o

estabelecimento de relações entre os diversos temas estudados, o produto

final resultou “terrivelmente repetitivo” (cada tema repetia os demais

devido ao foco do trabalho). Por outro lado, a importância da realização de

atividades voltadas para a elaboração de um produto escrito impedia que

se pussese esforço em compreender certos conceitos, o que se constituiu

como um problema para a área de Ciencias Sociais. Assim, algumas

decisões foram tomadas para coordenar melhor o trabalho nas duas áreas:

dedicar mais tempo ao tema comum para aprofundar o trabalho em grupo;

produção de textos com aprofundamento de aspectos que não haviam sido

estudados coletivamente (exemplos: o trabalho do arqueologo, as pinturas

rupestres, etc)

A seleção de uma cadeia de textos abordando o tema foi uma tarefa

muito difícil já que era preciso estabelecer uma hierarquia entre eles e, ao

mesmo tempo, zelar pela qualidade dos textos a serem usados. A decisão

de selecionar uma cadeia de textos para o estudo sobre o fogo foi tomada

porque ela permite que a interação com um texto leve a formulação de

perguntas que este texto não responde e, portanto, cria a necessidade de

consultar outros. A consulta a diferentes textos sobre um tema é uma

prática academica que os alunos precisam aprender.

O primeiro texto desta cadeia intitulado “Al fin el fuego” suscita a

pergunta: “O que siginifica que ‘o homem domestica o fogo’?” Por meio da

leitura dos textos seguintes, a dúvida pode ir progressivamente sendo

solucionada até que o significado desta expressão – dominar o fogo,

aprendendo a acendê-lo ou a conservá-lo quando já se encontra aceso -

possa ser descoberto.

O mesmo texto apresenta também outros problemas: um vai e vem

entre o passado remoto e o presente (“há meio milhão de anos”,

“atualmente”) e diferentes status do conhecimento histórico sobre a pré-

história (“se desconhece”, “se crê”, “se supõe”).

Outra questão que, segundo a palestrante, apareceu com muita força

refere-se à contradição que existe entre os textos. Isso foi considerado na

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seleção dos textos a serem usados com os alunos para que a idéia de que

a História é apenas uma coleção de fatos pudesse ser reformulada por

eles.

Foram apresentadas então algumas transparências de produções

escritas dos alunos nas quais foram tomadas notas sobre a leitura dos

textos usados no trabalho sobre o fogo. Dentre elas, foi destacado uma

produção escrita (que tratava de registrar o que os alunos não sabiam e

que puderam saber por meio da leitura de um dos textos da cadeia) em

que após afirmar “para mim o importante é como iluminavam as cavernas”

o aluno passava a tratar de outros temas, sem explicar como a iluminação

era feita. A professora apontava o problema e, na seqüência, o aluno

agregou “com a tocha”.

Em uma segunda produção apresentada constava a afirmação: “Os

homens quando usavam o fogo tinham que esperar erupções ou chuvas

elétricas e isto produzia fogo”. A professora anotou a seguinte questão ao

lado da afirmação: “por que eles tinham que esperá-las?” . Na segunda

versão já é possível ler: “porque não sabiam acendê-lo”, justificativa

agregada à afirmação escrita anteriormente.

Outro exemplo de trabalho que coordena as áreas de Ciências Sociais e

Língua se deu na 1a série, com o estudo sobre os indíos Mapuches. Uma

atividade integrante do projeto era a visita a um museu etnográfico. Foi

feito um pedido às crianças que tomassem nota do que o guia dizia. Em

uma das notas lê-se: “Como faziam as viagens os homens? Indios

Mapuches viviam em casas de palha”. Delia esclareceu que a pergunta e a

resposta não têm a ver porque as crianças anotavam as perguntas que

seus colegas faziam e, com isso, não tinham tempo de registrar as

respostas dadas pelo guia. Percebendo o que ocorria, a professora orientou

seus alunos a anotarem apenas as respostas e a deixar de anotar as

perguntas - as quais haviam sido formuladas anteriormente, na sala de

aula.

Por que o pedido de tomada de notas em situação de uso da linguagem

oral foi feito às crianças da 1a série? Porque há alguns anos um autor de

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literatura infantil fora entrevistado e alguns alunos da primeira série

espontaneamente tomaram notas de parte do que ele dizia. Portanto,

foram as próprias crianças que deram a idéia de que era possível fazer a

elas este pedido.

Diferentes experiências de coordenação de Ciências Sociais e Língua

levaram a colocar como problema de investigação o seguinte: como

desenvolver projetos que permitam cumprir tanto objetivos de

aprendizagem pertinentes a uma área quanto à outra? ; que condições

didáticas são necessárias para que os alunos aprendam conceitos das duas

áreas? Passou-se a realizar investigação inter-didática: como se vai

descontextualizando as aprendizagens feitas em situações de leitura? Em

muitos casos as estratégias que se constróem e as pistas a que se

recorrem estão em estrita relação com o conteúdo do texto. Quais são as

estratégias que se transferem de um texto a outro? Em que casos as pistas

usadas são generalizáveis?

Perguntas da platéia

Fale sobre a decisão de definir um produto final oral.

Delia – Quero fazer alguns comentários. Me parece que para todos nós é

muito ‘pesado’ elaborar um texto para ser publicado. A idéia de produto

final oral não tem a ver com isso, mas sim com tomar a oralidade como

objeto de ensino: aprender a preparar uma exposição oral e a realizá-la.

(...)

Como o eixo de sua fala foi a condição didática, poderia esclarecer

um pouco mais este conceito?

Delia – Encontrar formas de comunicar o conhecimento didático que vamos

elaborando é um desafio. O conceito de condições didáticas foi

imprescindível quando produzimos os documentos curriculares da

municipalidade de Buenos Aires. Tratava-se de definir o que era necessário

garantir em diferentes situações didáticas, de idéias fundamentais para

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favorecer as aprendizagens. Exemplo: em situações em que se lê para

aprender é muito importante que antes de ler determinado texto os alunos

tenham acesso as informações sobre o tema em questão, a fim de que

possam enfrentar-se com textos difíceis. Porém, isso não significa ter

resolvido todos os problemas que o texto coloca. Para afrontar-se com

estes problemas, inerentes à situação de leitura, por sua vez, é necessário

que o professor faça intervenções que favorecem as trocas entre os alunos

e, com isso, a interação com o texto. Essas que acabei de expor são

condições didáticas gerais, que servem para todos os textos difíceis, não

apenas para um único.

Algumas estratégias de leitura podem ser descontextualizadas?

Dê um exemplo.

Delia - Nós temos algumas suposições, criadas em função da experiência

escolar e da investigação acerca das situações de leitura para a

aprendizagem de conteúdos específicos. Em alguns casos se pôde

observar alguma estratégia ou pista textual que os alunos retomavam em

outras situações. No caso das estratégias há o exemplo de não ficar detido

em cada palavra que não se compreende, mas seguir lendo. Temos a

impressão de que isso se generaliza mais do que outras estratégias mais

específicas.

Quando se trabalha com texto em Ciências Sociais há aspectos do

texto que têm que ser determinados em função do que se deseja

que os alunos aprendam. Quando falou em perguntas colocadas

pelo professor a que se referiu?

Delia - O ponto de partida da tomada de notas ou da leitura não são

perguntas colocadas pelo professor. A partir da leitura se geram perguntas

com vistas a compreender seu conteúdo. Nenhum texto responde a todas

as perguntas.

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Na discussão sobre os textos o ponto de partida é a forma como os alunos

os entendem. As intervenções do professor servem para que reparem em

determinados aspectos que não observariam por si mesmos.

Já nas notas tomadas pelos alunos, as perguntas que o professor faz não

são inspiradas nas informações que o texto traz, mas nas anotações dos

alunos. O professor opera como leitor e faz as perguntas que um leitor

faria porque o texto não contém as informações que pretende comunicar.

Como é feito o trabalho de revisão? Ele acontece em todas as

modalidades organizativas?

Delia - Ele acontece no marco de um projeto no qual se produz um texto

durante um intervalo longo de tempo.

É interessante que os alunos coloquem em ação diferentes formas de

revisar, não só que faça muitas revisões. Isso favorece a autonomia do

escritor.

Diferentes coisas podem ser feitas depois da revisão que o autor faz de

seu texto antes de entregá-lo: a dupla revisa as produções individuais ou o

quarteto revisa os textos das duplas; revisão diferida (feita depois de um

“descanso” de mais ou menos duas semanas para que os alunos saiam do

ponto de vista do autor e coloquem-se no de revisor).

Em outras modalidades organizativas a revisão é menor. Sempre feita para

aprender algo sobre a escrita, há que se reler o que foi escrito.

As considerações feitas sobre a leitura valem também para o

Ensino Médio?

Delia - Valem. Nas matérias com carga horária menor no Ensino Médio as

possibilidades de dedicar tempo para que os alunos aprendam a ler são

reduzidas. O professor, que sabe dos conteúdos de sua área é o que

melhor pode ajudar o aluno a compreender os textos.

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A coordenação do trabalho da área de língua com outra área do currículo

requer tempo disponível para que os professores se encontrem fora da

classe para planejar.

A definição de uma cadeia de textos a serem trabalhados com os

alunos resulta da consideração de diversos fatores. Entre eles

estão a especificidade dos conteúdos tratados e dos recursos

linguisticos usados. Como isso é trabalhado em situações de

formação de professores de 1a a 4a séries?

Delia - Os textos eleitos são postos a disposição do professor.

É importante que o professor saiba que não pode guiar-se por um único

texto e que nas diferentes séries, de 3a em diante, as crianças têm que

consultar diversas fontes para responder um problema específico.

Não me parece impossível que um professor não especialista na área que

tem que ensinar escolha dois ou três textos que possuam informações que

complementem o que um primeiro texto diz ou que tenham informações

contraditórias. Isso é mais viável quando o professor não tem que fazer

estas escolhas sozinhos, quando pode discutir com seus pares.

Como é feito o trabalho com a gramática e com a ortografia nos

textos?

Delia - A última revisão que se faz nos textos dos alunos relaciona-se com

a ortografia (foco na estrutura superficial). Isso porque seria pedir demais

aos alunos que se centrassem simultaneamente no leitor e na ortografia.

Tanto em gramática quanto em ortografia são propostas muitas situações

de reflexão e de sistematização de conteúdos gramaticais e de conteúdos

ortográficos.

Consideramos relevante que os alunos escrevam de modo

ortograficamente correto e que reflitam sobre diferentes aspectos da

língua.

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