PALEONTOLOGIA E PORTUGAL · de barro , de terra , de areia , de ∫aibro , de cré , de pe- ......

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54 II - TARDE XXXV. Do Globo da Terra coniderado em i memo e da ua Atmosfera. §. I. Da Terra firme e eos montes , e das conchas do mar que neles e achaõ. [...] . Teod. Em todos os montes, como tambem nos va- les e planicies , e obervaõ diveras camadas ou bancos de barro , de terra , de areia , de aibro , de cré , de pe- dra &c. e etes bancos ou camas diveras , conervaõ ca- da uma delas a mema groura por todo o eo comprimento; [...] . Tambem e oberva contante- mente que em toda a parte , naõ ó nos vales , mas ainda no coraaõ dos montes e nos eos cumes , e en- contraõ muitas conchas e produoes do mar : alguns peixes inteiros , e muitos equeletos eos convertidos em pedras ; mas que no eo feitio ne- nhum ecrupulo deixaõ a quem e peruade que foraõ algum dia abita- dores das aguas . Eu tenho vito inumeraveis ame- joas , brebigoens , e outros maricos convertidos em pedra , e em lugares de certaõ , e altos. [...] ; e estes ma- ricos e achaõ ás vezes dentro dos mesmos rochedos ; e eles por den- tro cheios da mema materia que os cerca. Silv. Eu estou taõ admirado , que ainda me é precizo forar o entendi- mento a crer io , naõ obstante er uma coiza tetificada na face de todo o mundo por um corpo de sabios taõ serio , e taõ grave como a Academia Real de París. I - O que em fim e deve notar com particularidade n’aquella parte do globo, em que habitamos, he a pro- digioza multidaõ de conchas, perolas, otras, coraes, pei- xes petrificados, e de outras producçoens marinhas, [...]. [(29) Veja-e obre eta materia a Buff. Hiftoir.Natur. tom. I. art. 8. Vejaõ-e tambem os Autores, que elle cita, co- mo Estenon, Ray, Woodward, Escheuchzer, Bourget. Trans. Philof., Memoir. de l’Accad. &c.] [...] . Se conultarmos os AA. mais celebres, que trataraõ da theoria da Terra, acharemos, que todos elles concordaõ, em que o glo- bo terraqueo tem padecido muitas revoluçoes, e mudanças na ua uper- ficie dede o principio do Mundo até o prezente tempo [...] . Os montes, os valles, os diverfos latros horizontaes da Terra, as con- chas, os peixes, e as mais produc- çoens marinhas, que e achaõ espa- lhadas por todo o globo; [...] ; e outras imilhantes particularidades, tudo no sentir de Buffon dá evidentes motras, de que a Terra, que prezentemente nos erve de morada, fora em algum tempo proprio domicilio das agoas do Oceano. [Páginas 197-198; 204]. Em: HISTORIA DA CREAC,AÕ DO MUNDO CONFORME AS IDEAS DE MOIZES, E DOS FILOZOFOS: IL- LUSTRADA Com hum novo Sitema, e com varias Notas, e Di∫∫ertaçoens Pelo P. MANOEL ALVARES Da Congregaçaõ do Oratorio de S. Filippe Neri. [...] . PORTO: Na Officina de Francico Mendes Lima, Anno de 1762. Com todas aslicenças ne- ce∫∫arias. A Paleontologia está intimamente ligada à História da Vida e da Terra - tanto no âmbito da Biologia e Evolução, como no da Geologia. São profundas as suas repercussões no imaginário do público em geral (cujo interesse cresceu espectacularmente), na política e religião, e até na economia. História antes da História, com reflexos em Portugal desde há muito. PALEONTOLOGIA E PORTUGAL MIGUEL TELLES ANTUNES Licenciado, doutorado e agregado em Ciências Geológicas pela Universidade de Lisboa, Miguel Telles Antunes está actualmente na Universidade Nova de Lisboa, onde é Professor Catedrático, Presidente do Departamento de Ciências da Terra e Director do Centro de Estudos Geológicos. Autor de cerca de três centenas de trabalhos, publicados em doze países, a sua investigação tem-se repar- tido pela Paleontologia dos Vertebrados e Humana, Estratigrafia, Doenças endémicas com problemá- tica geológica, História das Geociências, Arqueozoologia, etc. Distinguido com vários prémios (Artur Malheiros, Pfizer, etc), é sócio da Academia das Ciências de Lisboa, membro da International Commission on History of Geological Sciences (UNESCO) e presi- dente honorário da Regional Committee on Atlantic Neogene Stratigraphy (IUGS).

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II - TARDE XXXV. Do Globo da Terra con∫ideradoem ∫i me∫mo e da ∫ua Atmosfera.

§. I. Da Terra firme e ∫eos montes , e das conchas domar que neles ∫e achaõ. [...] .

Teod. Em todos os montes, como tambem nos va-les e planicies , ∫e ob∫ervaõ diver∫as camadas ou bancosde barro , de terra , de areia , de ∫aibro , de cré , de pe-dra &c. e e∫tes bancos ou camas diver∫as , con∫ervaõ ca-

da uma delas a me∫ma gro∫ura portodo o ∫eo comprimento; [...] .

Tambem ∫e ob∫erva con∫tante-mente que em toda a parte , naõ ∫ónos vales , mas ainda no cora∫aõ dosmontes e nos ∫eos cumes , ∫e en-contraõ muitas conchas e produ∫oesdo mar : alguns peixes inteiros , emuitos e∫queletos ∫eos convertidosem pedras ; mas que no ∫eo feitio ne-nhum e∫crupulo deixaõ a quem ∫eper∫uade que foraõ algum dia abita-dores das aguas .

Eu tenho vi∫to inumeraveis ame-joas , brebigoens , e outros mari∫cosconvertidos em pedra , e em lugaresde certaõ , e altos. [...] ; e estes ma-ri∫cos ∫e achaõ ás vezes dentro dosmesmos rochedos ; e eles por den-tro cheios da me∫ma materia que oscerca.

Silv. Eu estou taõ admirado , queainda me é precizo for∫ar o entendi-mento a crer i∫o , naõ obstante ∫eruma coiza te∫tificada na face de todoo mundo por um corpo de sabios taõserio , e taõ grave como a AcademiaReal de París.

I - O que em fim ∫e deve notar com particularidaden’aquella parte do globo, em que habitamos, he a pro-digioza multidaõ de conchas, perolas, o∫tras, coraes, pei-xes petrificados, e de outras producçoens marinhas, [...].[(29) Veja-∫e ∫obre e∫ta materia a Buff. Hiftoir.Natur. tom.I. art. 8. Vejaõ-∫e tambem os Autores, que elle cita, co-mo Estenon, Ray, Woodward, Escheuchzer, Bourget.Trans. Philof., Memoir. de l’Accad. &c.] [...] .

Se con∫ultarmos os AA. mais celebres, que trataraõda theoria da Terra, acharemos, quetodos elles concordaõ, em que o glo-bo terraqueo tem padecido muitasrevoluçoes, e mudanças na ∫ua ∫uper-ficie de∫de o principio do Mundo atéo prezente tempo [...] .

Os montes, os valles, os diverfosla∫tros horizontaes da Terra, as con-chas, os peixes, e as mais produc-çoens marinhas, que ∫e achaõ espa-lhadas por todo o globo; [...] ; e outras∫imilhantes particularidades, tudo nosentir de Buffon dá evidentes mo∫tras,de que a Terra, que prezentementenos ∫erve de morada, fora em algumtempo proprio domicilio das agoasdo Oceano. [Páginas 197-198; 204].

Em: HISTORIA DA CREAC,AÕDO MUNDO CONFORME AS IDEASDE MOIZES, E DOS FILOZOFOS: IL-LUSTRADA Com hum novo Si∫tema,e com varias Notas, e Di∫∫ertaçoensPelo P. MANOEL ALVARES DaCongregaçaõ do Oratorio de S.Filippe Neri. [...] . PORTO: Na Officinade Franci∫co Mendes Lima, Annode 1762. Com todas aslicenças ne-ce∫∫arias.

A Paleontologia está intimamente ligada à História da Vida e da Terra - tanto noâmbito da Biologia e Evolução, como no da Geologia.

São profundas as suas repercussões no imaginário do público em geral(cujo interesse cresceu espectacularmente), na política e religião, e até na economia.

História antes da História, com reflexos em Portugal desde há muito.

PALEONTOLOGIA E PORTUGAL

MIGUEL TELLES ANTUNES

Licenciado, doutorado e agregado em CiênciasGeológicas pela Universidade de Lisboa, MiguelTelles Antunes está actualmente na UniversidadeNova de Lisboa, onde é Professor Catedrático,Presidente do Departamento de Ciências da Terrae Director do Centro de Estudos Geológicos. Autorde cerca de três centenas de trabalhos, publicadosem doze países, a sua investigação tem-se repar-tido pela Paleontologia dos Vertebrados e Humana,Estratigrafia, Doenças endémicas com problemá-tica geológica, História das Geociências, Arqueozoologia,etc. Distinguido com vários prémios (Artur Malheiros,Pfizer, etc), é sócio da Academia das Ciências deLisboa, membro da International Commission onHistory of Geological Sciences (UNESCO) e presi-dente honorário da Regional Committee on AtlanticNeogene Stratigraphy (IUGS).

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Eug. E quem levou aî taõ prodigioza multidaõ deconchas ?

Teod. A con∫equencia imediata e nece∫aria , qued’aqui ∫e tira , é que por e∫es lugares andaraõ as aguasdo Mar.

Silv. I∫o foi ∫em duvida obra do Diluvio univer∫al.

Teod. E∫a é a comua opiniaõ ; porém é daqueles , quene∫te ponto naõ tem meditado com vagar. [...] Mas comevidencia ∫e mo∫tra que o Diluvio naõ podia meter as con-chas , e peixes lá pelo cora∫aõ dos montes , [...] ; e mui-to menos introduzilas dentro dos me∫mos rochedos. [...] .

Teod. Di∫corre Mr. de Buffon de outro modo ; e querque tenha avido grandi∫ima mudan∫a no Globo da Terra,de ∫orte que grande parte do que oje é Terra firme muitosanos fo∫e Mar; e pelo contrario , muita parte do que oje éabita∫aõ de peixes , fo∫e algum dia regiaõ de omens. [...] .

[Texto redigido como uma peça de teatro, na formade discussão entre três personagens - Teodoro, Silvanoe Eugenio; páginas 404-407].

Em: RECREASAÕ FILOZOFICA, OU DIALOGO Sobrea Filozofia Natural , para inftruc-∫aõ de pe∫oas curiozas, que naõ frequentáraõ as aulas. PELO P. TEODOROD’ALMEIDA da Congrega∫aõ do Oratorio de S. Fili-peNeri , e Socio da Real Sociedade de Londres [Conforme1ª pág. do Tomo I]. TOMO VI. E ULTIMO Trata dosCeos e do Mundo. LISBOA. Na Oficina de MIGUEL RO-DRIGUES, Impre∫. do Emin. Senhor Cardeal Patriarca. M.DCC. LXII. Com todas as licen∫as nece∫arias , e PrivilegioReal.

Introdução

O recrudescimento do interesse público suscitadopela Paleontologia é geral. É, também, óbvio em Portugal,país rico de fósseis desde tempos que antecedem o iní-cio da Era Paleozóica, há cerca de 600 milhões de anos(Ma). Jazidas do maior interesse ocorrem de Norte a Sul.Entre outras, são notáveis as de trilobites e outros fós-seis do Ordovícico de Valongo, as goniatites e vegetaisdo Carbonífero, os dinossauros da Lourinhã, os verte-brados miocénicos de Lisboa, a fauna, marinha e ter-restre, associada a um dos últimos homens de neander-thal da Gruta da Figueira Brava ...

A Paleontologia é fundamental para a compreensãoda Vida no passado e da sua Evolução. Porque a Vidase modificou no decurso dos tempos, e porque os seusvestígios muito esclarecem quanto à cronologia e aosambientes do passado, a Paleontologia desempenha pa-pel fundamental no concernente às Ciências da Terra eà Geologia Estratigráfica em particular. Esta é uma dassuas vertentes fundamentais, a par de outra, a que con-cerne às Ciências da Vida.

Muito há que dizer acerca da Paleontologia e Portugal,até porque o interesse vem de longe. Não é por acasoque transcrevemos, à cabeça, textos (plenos de actuali-dade para a época) de dois padres da Congregação doOratório - a que havia sido cometido papel de relevo noensino através, nomeadamente, do portentoso Colégiode Nossa Senhora das Necessidades, em Lisboa, funda-do por D. João V. Não faltam ecos de obras estrangei-ras de qualidade, nem observações pessoais. Como nou-tros países, havia em Portugal uma elite culta, ainda quefosse abismal o fosso que a separava da maior parte dapopulação. No que segue, trataremos de elementos deíndole geral. No entanto, sempre que possível e a pro-pósito, o enfoque privilegiará exemplos e problemasconcernentes a Portugal.

O Homem e os fósseis, antes da Renascença

A Paleontologia assenta no estudo dos vestígios,coetâneos, de seres que viveram e suas actividades:os fósseis, cuja existência foi, há muito, notada pelo

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Fig. 1 - Teodoro d’Almeida (1722-1804).

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homem. Invocam-se a Antiguidade clássica e inter-pretações de filósofos, algumas com boa aproximaçãoda verdade. Porém, fósseis (às vezes utilizados e mes-mo trabalhados) haviam sido colhidos muito antes, emtempos pré-históricos. É conjectural a finalidade detais colheitas, talvez relacionada com significado má-gico ou com aplicação como adorno, ou outra. Registemosdentes de tubarão do período Miocénico (ca. de 24 a5 Ma) encontrados na necrópole neolítica de Aljezur,alguns do gigantesco Carcharocles megalodon - bemantes de o dinamarquês Niels Stensen (1638-1686) terdemonstrado a verdadeira natureza de tais fósseis [glos-sopetrae, ou “línguas de pedra”, que cairiam na Terraem noites sem luar, segundo Plínio o Antigo (23-79AD)], graças a comparação com os de um grande tu-barão branco (Carcharodon carcharias), capturadoem Livorno, Itália, em 1666, do qual havia dissecadoa cabeça.

Desde tempos imemoriais, a farmacopeia chinesarecorreu a fósseis, “dentes de dragão” e outros. Dissodeu conta o jesuíta e Académico, João de Loureiro, empublicação póstuma (1799, Memórias da Real Academiadas Ciências de Lisboa) : caranguejos fósseis (Loureiroaludiu ao próprio processo de fossilização) eram co-lhidos na Cochinchina e largamente exportados. Serviamcomo "absorbente" «interiormente nas febres, nas dysen-terias, nas diarrhéas, nos tenesmos, ...», e «externamen-te saõ uteis nas inflamações, e apostemas». Loureiro,notável pela sua obra botânica acerca da Cochinchina(onde viveu décadas, só retornando a Lisboa após ofim da governação do Marquês de Pombal), pode legi-timamente ser considerado pioneiro da Paleontologiana Europa.

Estudos mais sistemáticos surgem na Antiguidade.Muitas vezes, fósseis de óbvia origem marinha em sítiosno interior chamaram a atenção - preocupações que semantiveram até muito mais tarde. Anaximandro (ca. 570AC) detectou conchas em rochas, significando que a ter-ra fora antes coberta pelo mar; deduziu que toda a vidaanimal descendia de seres marinhos. Xenófanes (570-480AC), que colhera plantas e conchas fósseis na ilha deParos, considerava os fósseis como “produzidos outro-ra, na vasa, quando a terra se dissolvia nas águas domar”. Há a registar acrescentos de Pitágoras e Anaxágoras(ca. 450 AC).

Fig. 2 - Dentes de tubarão miocénico (de Aljezur) referidos por Estácioda Veiga, 1866.

Fig. 3 - Niels Stensen (Stenon, ou Stenonis).

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Heródoto, célebregeógrafo (ca. 440 AC),descreveu fósseis que ob-servou no Egipto (entreeles as “moedas de pe-dra”, ou nummulites, su-postamente lentilhas comque eram alimentados osconstrutores das pirâmi-des); chegou a conclu-sões que não se afastammuito das de Xenófanes.

Filósofos gregos ul-teriores assumiram posi-ções distintas, basica-mente de três tipos:

• para Aristóteles (384-322 AC), o Mundo éeterno; a perenida-de resulta do equilí-brio entre destruiçãoe simultâneo rejuve-nescimento. A ideiade evolução não temcabimento, o que sereflecte na aprecia-ção dos seres vivos (na visão metódica e, ao tempo,enciclopédica) de Aristóteles. Rejeitava a origem ge-ral no mar. Além dele, o seu discípulo Teofrasto for-mulou teoria segundo a qual as formas do cresci-mento de plantas e animais eram determinadas naTerra por uma “virtude plástica”; esta explicaria a ori-gem dos fósseis - como pedras que acidentalmentecresceram. Também eram tomados por ludus natu-rae - jogos da natureza. Este conjunto de ideias foilargamente aceite até o séc. XVIII.

• para os Estóicos, oMundo estaria desti-nado a perecer.Porém, a decadên-cia não excluiria re-generação. Haveriaeterno retorno dosseres.

• enfim, os Epicuristasadmitiam que oMundo morre e serestaura periodica-mente, sem retorno.

A mitologia gregaconsiderava os gigantescíclopes, com um só olhofrontal, o que parece re-lacionado com achadosde crânios de elefantesanões que povoaram ilhasdo Mediterrâneo; toma-va-se a abertura nasal, ameio da região frontal,pela “órbita”.

O caso, relacionado com a lenda de Ulisses e do gigan-te cíclope, Polifemo, cujos despojos (elefantinos!) haviam si-do encontrados numa caverna perto de Trapani, foram re-feridos pelo grande poeta Giovanni Boccaccio (1313-1375).

"Ossos de gigantes" eram (Suetónio o diz) coleccio-nados pelo imperador Augustus. Afinal, o culto das gran-des ossadas não se restringe à televisão e aos dinossau-

Fig. 4 - Cadeça de tubarão branco e as glossopetrae, segundo Stensen, 1667.

Fig. 5 - (Original) dentes superiores e inferiores, face externa (de adul-tos, com posições semelhantes nas mandíbulas) de tubarão branco,Carcharodon carcharias (actual, Mediterrâneo) e de Carcharocles me-galodon (Miocénico médio, Chelas/ Lisboa).

Fig. 6 - (Original) caranguejos trazidos da Cochinchina por João deLoureiro e oferecidos "ao sabio exame" da Academia das Ciências deLisboa; provêm das margens do rio Suong Muòi ko, província deGua'ng Binh no antigo reino da Cochinchina (Vietname meridional).[Quatro caranguejos figuram entre os fósseis escolhidos em 1808 (pa-ra o Muséum de Paris) por E. Geoffroy Saint-Hilaire do “Cabinet deNotre Dame de Jésus”, ou seja, o Museu Maynense - depois integra-do na Academia das Ciências; tudo leva a crer que se tratasse de par-te da amostragem trazida por Loureiro, pois não há qualquer notíciareferente a essa época de outros achados de caranguejos fósseis].

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ros ... , passando de permeio a procura do unicórnio naAlemanha renascentista, e a descoberta do giganteTeutobochus, rei dos teutões derrotado por Marius, ge-neral romano. Neste caso, são restos de dinotério, doMiocénico superior, ca. 10 milhões de anos (Ma), des-cobertos em França em 11 de Janeiro de 1613 e exibi-dos em feiras, etc. - "moyennant finance" (o detentor departe do espólio, o cirurgião Mazurier, fez bom dinhei-ro!). Dúvidas acerca do seu valor terão pesado nos con-selheiros de Luís XIII, que não se apropriou dos muitopublicitados ossos.

Ainda no Mundo romano, há referências a fósseispelo grande poeta Ovídio (43AC-16AD):

... Eu digo, algumas das terras mais firmes,flutuavam no mar

e as águas se converteram em terras;e os moluscos marinhos ficaram a jazer longe do mar.

Plínio o Antigo, testemunha da destruição de Pompeia,exprimiu ideias semelhantes.

Para a Cristandade dos primeiros séculos, não eraestranha a evidência de restos de animais marinhoslonge do mar; constituía clara demonstração de acon-

Fig. 7 - Calcário constituido por Nummulites (grandes foraminíferosdo Paleogénico), figurado por Michele Mercati (1541-1593).

Fig. 9 - Representação medieval - Ulisses cegando o Cíclope (Chr. dePisan, Bibl. Nationale, Paris).

Fig. 8 - Elefantes anões das ilhas mediterrâneas, derivados de Elephas antiquus (o mais pequeno dos quais, Elephas falconeri - cuja altura ao gar-rote era de apenas 0.9 m - pouco excedia o porte de um porco); (à direita) crânio de elefante anão do Quaternário da Sicília, vista anterior mos-trando a pretensa "órbita única do cíclope”.

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tecimentos relacionadoscom o Dilúvio e suas ví-timas. Eusébio de Cesareia(263-339) tomou os pei-xes do Cretácico doLíbano como prova deo Dilúvio ter coberto osmais altos cumes dasserranias.

Também chegaramecos à Península Ibérica,até aqui despercebidosem Portugal. É o casodo reputado discípulode Santo Agostinho,Paulus Orosius (Bracara,hoje Braga, Portugal -ca. 385? a 423, talvez so-brevivendo mais tarde;autor da primeira tenta-tiva de História Universal numa perspectiva cristã): re-fere a frequente ocorrência de pedras com moluscos e

ostras em montes longedo mar, dando teste-munho do Dilúvio. Orósioé largamente citado naobra de Santo Isidoro,Arcebispo de Sevilha(560-636), muito res-peitada na Idade Médiae de consulta funda-mental para os estudio-sos cristãos.

O conhecimento dosantigos gregos declinouna Grécia. A Escola deAtenas foi extinta peloimperador bizantino,Justiniano. Muito nãofoi perdido graças, emespecial, a árabes, ju-deus e persas; dentre

estes, avulta Abu ibn Sina (980-1037; conhecido naEuropa cristã por Avicenna), filósofo e naturalista, atra-

vés de cujas obras perspassam conhecimentos ante-riores. Estes chegam aos meios cultos medievais, aomenos parte, por intermédio do Califado de Al-Andaluz.Ideia importante, quiçá herdada de Aristóteles, era ada desconhecida vis lapidificativa, capaz de lapidifi-car restos de animais e plantas. As traduções em latimde textos árabes, produzidas em Toledo após a ocu-pação (1085) por Afonso VI de Leão e Castela, con-tribuiram decisivamente para a difusão de conheci-mentos e ideias. A “virtude plástica” (vis plastica) dosantigos prevaleceu como interpretação até tarde naIdade Média.

O fio condutor do pensamento grego, com relevopara o de Aristóteles, ficou ligado a Córdova e, depois,a Toledo; a obra de ibn Sina influenciou, entre outros,o notável naturalista, Albertus Magnus ou Albert vonBollstädt (1193-1280), o "Aristóteles da Idade Média".Provincial dos dominicanos, deslocava-se muito em vi-

Fig. 10 - (Original) Deinotherium giganteum na bacia do Tejo, fins do Miocénicomédio / ca. 13 milhões de anos (Ma); proboscídeo com defesas só na mandíbula.

Fig. 12 - (Original) peixe teleósteo do Cretácico do Líbano.

Fig. 11 - Página de título do panfleto publicitário de Mazurier, Histoirevéritable ... (1613).

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sitas a conventos no espaço alemão; observou e des-creveu, em obras que chegaram até nós. É pesada a in-fluência aristotélica, sem que isso signifique ausência deposicionamento pessoal, de alguém, como ele, dotadode espírito crítico. Admitiu que restos de plantas e ani-mais podem ser convertidos em pedra sob a influênciade agentes petrificantes.

Em suma, e no concernente ao que aqui interessa -a Idade Média não foi período de muita luz, nem tão ne-gativo quanto se poderia pensar atendendo ao desdémpela Ciência em certos meios eclesiásticos.

Pouco sabemos, neste domínio, quanto a Portugal.Fósseis foram notados e até utilizados, como o troncosilicificado de conífera cretácica a servir de pelourinhoem Pederneira, cerca da Nazaré.

Caso notável é o da Pedra da Mua, junto da ensea-da de Lagosteiros, a Norte do Cabo Espichel. A área erafrequentada desde o Paleolítico, como atestam instru-mentos líticos. Referência literária existe desde o poemaOra maritima, da autoria do procônsul Rufius FestusAvienus (séc.IV), sob a denominação de Cempsicum ju-gum (os Cempsi habitavam a região). Terá, então, sidolocal de culto? Sabemos de outras recuperações de sítiossagrados, servindo sucessivamente as religiões que seforam implantando. Na área, há indícios islâmicos (Azóia)e culto cristão documentado desde 1250, possivelmenteanterior. A lenda relatada "em banda desenhada" nos pai-neis de azulejo da capela (implantada no séc. XV e queprecedeu a Igreja setecentista de Nossa Senhora do Caboou Santa Maria da Pedra da Mua), presente na tradiçãopopular, diz que Nossa Senhora ou a Sua imagem de-sembarcaram, subindo a arriba a dorso de mula (= mua,em português antigo). Tanto assim que as pégadas "da

Fig. 13 - Albertus Magnus (1193-1280).

Fig. 14 - (Original) pistas de dinossauros do Jurássico superior de Lagosteiros: vista de conjunto, vendo-se a Igreja de Nossa Senhora do Cabo; (àdireita) pormenor.

Fig. 15 - (Originais) pistas de dinossauros cretácicos de Lagosteiros:conjunto, mostrando, ao fundo, o Cabo Espichel, com extensa pistade grande dinossauro.

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mua" lá ficaram - um con-junto espectacular de pis-tas de dinossauros queparecem sair das águas.Além das que se vêemna enseada, à superfíciede camadas do Jurássicosuperior (ca.145 Ma), háoutras do Cretácico (ca.125 Ma), com pistas dedinossauros diversos.

O Homem e os fós-seis; a Renascença

Muito mudou com aRenascença. Leonardoda Vinci (1452-1519),além de artista, distin-guiu-se na Ciência e naTécnica. Afirmou que asconchas fósseis viveramnos próprios locais an-tes ocupados pelo mar.Ideia semelhante foi de-fendida por BernardPalissy, ceramista fran-cês (1510-1590; hugue-note, o que lhe valeu pri-são na Bastilha, ondemorreu), contra o pen-samento obsoleto, vi-gente na Sorbonne (visplastica- ludus naturae).Admitiu que certas es-pécies desapareceram(espécies perdidas).

Aspecto importantefoi a ideia prevalecenteem cristãos desde, pelomenos, Tertuliano (ca.200), a de os fósseis serem incon-testável prova do Dilúvio - ideia que se manteve até o sé-culo XVIII, e entre cujosadeptos se conta MartinhoLutero (1483-1546).

Em Itália, foram múl-tiplas as contribuições.O médico do papaClemente VIII, MicheleMercati (1541-1593) des-creveu fósseis das co-lecções do Vaticano (vi-de Fig. 7); reconheceu overdadeiro carácter das"ceraunias ou pedras doraio" como artefactos lí-

ticos, por ele reportadosa uma antiga idade doMundo entre Adão eTubalcaim.

No espaço germâni-co, Conrad Geßner (1516-1565) descreveu e figu-rou numerosos petrefactos- "pedras figuradas" -, en-tre as quais ouriços domar (ver adiante as "pe-dras com uma cruz e san-gue"). Para Geßner, osfósseis eram compará-veis a seres viventes, deque seriam restos.Escreveu, a propósito dedentes de peixe fósseis"que proviriam, de umamaneira ou de outra, decadáveres de algum ani-mal, ou seriam conse-quência de um impulsocriador da Natureza", eque a Terra seria capazde gerar por si mesma.Sem certezas, admite queos fósseis têm algumacoisa em comum com asestrelas, o Sol, a Lua ouquaisquer elementos.

Por outro lado, o cé-lebre Georg Bauer, maisconhecido pelo nome la-tino de Agricola (1494-1555), admitia claramenteque fósseis derivavam deseres vivos; para ele, man-tinha-se a questão, de

primeiro plano, sobre o modo como se verificou a pe-trificação, que explicava pela acção de um suco lapidi-

ficante (succus lapides-cens). A sedimentaçãodecorria a partir das águas,formando-se fósseis gra-ças a um suco terrestreengordurado (materiapinguis), ao calor e aofrio.

O Diluvialismo fezcarreira até o crescentedescrédito, a partir demeados do séc. XVIII.Porém, houve interpre-tações mais realistas, das

Fig. 16 - (Originais) pistas de dinossauros cretácicos de Lagosteiros: pista de di-nossauro terópode, carnívoro e pégada (a 4ª da série) mostrando a forte impres-são dos dedos com fortes garras.

Fig. 17 - (Originais) pistas de dinossauros cretácicos de Lagosteiros: reconstituiçãode Iguanodon (de que há impressões dos pés e da cauda, em repouso) em áreaemersa, próxima do litoral, protegida ao largo por uma barreira de corais (pintu-ra de J.P.Martins Barata sobre esboço do autor).

Fig. 18 - "Pedras do raio" - machados de pedra polida e outros instrumentos líti-cos, figurados por Mercati.

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quais salientámos as de Stensen, entre outras dignas denota. Destaquemos as de Robert Hooke (1635-1703),membro da Royal Society. Opôs-se à clássica interpreta-

ção (que considerava extravagante) de os fósseis seremo resultado de uma vis plastica ; mais extravagante ain-da seria a génese devida a influências celestes. Enfim,Gottfried W. Leibniz (1646-1716) declarou que os fósseisnão são ludus naturae mas restos de antigos seres vi-vos; e, tendo em conta espécies perdidas, admitiu (qua-se temerariamente, na época) que as grandes transfor-mações sofridas pelo Globo foram acompanhadas portransformações em grande número de formas de Vida -ou seja, admite, uma ideia transformista. É, de algum mo-do, um precursor do evolucionismo.

Voltando a Portugal, não dispomos de elementosacerca do que porventura fosse ensinado, em particularna Universidade de Lisboa após a instauração por D.ManuelI da cátedra de Filosofia Natural. Algum conhecimentohaveria; só assim se explica a refutação por Garcia deOrta (Coloquios dos Simples, ...) da afirmação de Andréde Laguna segundo a qual teria “sido encontrado ummarfim fóssil e mineral”, visto nada haver mais longe daverdade. Sabia que o marfim utilizado na Índia era, emparte, importado da África oriental - mas ignoraria quemuito marfim fóssil (de mamute) vinha sendo explora-do na Sibéria e daí exportado.

Outro caso: as "pedras com cruz e manchas de san-gue", miraculosas, com que teriam sido lapidados osSantos Mártires de Lisboa: Verissimo, Maxima e Júlia, jo-vens irmãos martirizados ao tempo do imperador Diocleciano,ca.303-304. São objecto de culto anterior à nacionalida-de, em Santos-o-Velho (Lisboa) - perto do sítio onde oTejo terá arrojado à praia os cadáveres - na igreja fun-dada por Afonso Henriques e, após transladação em 1490,no mosteiro de Santos-o-Novo. Estão referidas pelo me-nos desde 1610, por Miguel Leitão de Andrade: «...se temachado muitas pedras, ... que são quasi como hum ovopequeno amassado, e com huma cruz de Malta d'umabanda, e da outra relevadas, e em algumas delas goti-nhas de sangue, ... ». Um dos pioneiros da Geologia por-

Fig. 19 - Estampa de Geßner mostrando "petrefactos": cristais (2 dequartzo), machados de pedra polida, artículo isolado e pedaço de pe-dúnculo de crinoide, 4 dentes isolados e 2 placas dentárias de peixesactinopterígios, 1 rostro e 3 fragmentos rostrais de Belemnites (cefa-lópode mesozoico), 4 radíolas de ouriços do mar, 2 ouriços regularese 2 irregulares.

Fig. 20 - Hemiaster scutiger (vista dorsal) - ouriços do mar do Cretácico (ca. 95 Ma) de Alcântara, Lisboa. A disposição das áreas ambulacrárias einterambulacrárias lembra uma cruz; crostas de minerais ferruginosos levaram à interpretação como manchas de sangue dos Santos Mártires.

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tuguesa, Carlos Ribeiro (1813-1882) escrevia, em 1871,«...pelos annos de 1820 a 1824, na egreja de Santos oVelho em Lisboa, quando se celebrava a festa dos SantosMartyres, orago da freguesia, expunham ali em bande-jas muitos exemplares de echinodermes fosseis bem con-servados, dizendo-se aos devotos que estas pedras eramas mesmas com que os inimigos da nossa Fé tinham ape-drejado, nas praias contiguas á egreja, os referidos SantosMartyres». Na verdade, trata-se de ouriços do mar, algunscom pátina ferruginosa vermelha, comuns nas rochascretácicas vizinhas; ouriços semelhantes ao penúltimoda fila inferior da estampa de Geßner.

O ocaso das "pedras figuradas"e do Diluvialismo

O interesse pelos fósseis manteve-se no séc.XVIII.Um dos interessados foi o Professor de Medicina deWürzburg, Johannes Bartholomäus Beringer (1667-1740), que reunia uma colecção pagando a colectoresda área. Alguns "fósseis" eram lindos - flores, borbo-letas, salamandras e até rãs em cópula e letras hebrai-cas. Só que não passavam de intrujice: artefactos gra-vados em pedra, secretamente, por encomenda de umrival na Academia. Sem se aperceber, Beringer publi-cou em 1726 um livro com a respectiva descrição, su-pondo-os cristalizados nas rochas por acção do Sol. Averdade e o descrédito vieram logo depois. Beringerpassou o resto da vida a comprar a edição, tendo des-truído quase todos os exemplares, hoje raridade bi-bliográfica.

A ideia da vis plastica saiu ainda mais ferida.Explicações científicas iam ganhando terreno, deixan-do menos lugar para fantasias; se é que isso se podedizer, porque fantasias desbragadas, quando não falsi-dades, enchem programas de televisão (decerto combom resultado económico) deformados por sensacio-nalismo. Publicitar asneiras é pecha que se vê mais doque o bastante.

Textos e citações anteriores dão conta da enormeprojecção do Diluvialismo. Mais famoso exemplo nãohá: em Öhningen, perto do Lago Constança, na Suiça,foram colhidos fósseis do Miocénico superior, incluindoum esqueleto descrito em 1726 pelo naturalista de Zurique,Johann Jakob Scheuchzer (1672-1733). Seria, nem me-nos, de uma testemunha do Dilúvio, o Homo Diluvii tes-tis: "filho da danação, por causa de cujos pecados a ca-tástrofe [o Dilúvio] atingira o Mundo inteiro". A descobertadeu brado. Chegou ao conhecimento de um dos princi-pais fundadores da Anatomia Comparada e da Paleontologia,Georges Cuvier (1769-1832), que demonstrou, sem a mí-nima dúvida, que o esqueleto do homem vitimado peloDilúvio não passava de uma salamandra gigante, afimdas que ainda sobrevivem (mal, porque são apreciadas

Fig. 21 - "Pedras falsificadas de Würzburgo" da colecção de J.B.Beringer,figuradas na sua obra. Fig. 22 - Estampa de Scheuchzer representando o Homo diluvii testis.

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como petiscos preciosos nas gastronomias chinesa e ja-ponesa). Desaparecia, assim, um dos mais retumbantesargumentos de cariz diluvialista.

Fantasia e desenvolvimento científico,extinção dos dinossauros

A Ciência requer objectividade, sem excluir intui-ção e, às vezes, algum traço de fantasia na medida emque aponte para modelos aceitáveis - se os factos osnão refutarem. Lembremos a visão redutora mas amiu-de justa de René Descartes (1596-1650): de dúvida, commenos peso na produção de hipóteses. Fantasias, sem-pre as houve. Exemplo recuado no tempo, a procurado unicórnio, reconstituido por Otto von Guericke(1602-1686) (Burgomestre de Magdeburgo - o conhe-cido inventor dos "hemisférios de Magdeburgo", queaderiam fortemente ao associá-los a um dispositivo pa-ra fazer vácuo). Possivelmente inspirado em Geßner,associou um crânio de herbívoro a um "corno" frontalcomprido e ponteagudo, cerca de 20 vértebras, objec-tos não identificados, 2 grandes omoplatas e 2 mem-bros anteriores.

O desenvolvimento científico assume crescente im-portância no século XVIII. Na Biologia, entre outros,destacam-se o naturalista sueco Carl von Linné (1707-1778), cuja classificação dos seres vivos (10ª ediçãodo Systema Naturae, 1758) é essencial como ponto departida da Sistemática; e o Intendente do Jardin desPlantes de Paris, Georges-Louis Leclerc, conde deBuffon (1707-1788).

Buffon é autor da portentosa Histoire naturelle, mui-to lida em Portugal: a maior enciclopédia no género atéo século XIX, onde era muito bem apresentado o maisamplo conhecimento dos animais. Assumiu posições re-volucionárias quanto à idade da Terra, para ele muitomais recuada do que as então admitidas a partir da Bíblia.

Fig. 23 - A "reconstituição" do unicórnio por von Guericke baseadaem ossos e objectos provenientes de Quedlinburgo.

Fig. 24 - Unicórnio, segundo Geßner (1553).

Fig. 25 - O conde de Buffon.

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Com habilidade consumada, lidou com oposições daIgreja e com polémica levantada pela Sorbonne. Iniciouverdadeiramente a Paleontologia, ao demonstrar que osfósseis correspondiam a espécies "perdidas" (extintas),reflectindo, também, descobertas na América de masto-dontes semelhantes - mas distintos - dos do AntigoContinente. Migrações animais e a génese de espéciesdiferentes (degeneradas, ou às vezes aperfeiçoadas) emregiões para onde houve emigração serviram de base aum esboço de transformismo (que só viria a impor-se apartir de Lamarck, graças à evidência paleontológica).Enfim, inseriu pela primeira vez o homem na história ge-ral do Mundo; nas épocas da Natureza, teria sido criadoem último lugar: "veio tomar o ceptro da Terra só quan-do ela se tinha tornado digna do seu Império".

A instituição da Paleontologia muito deve a GeorgesCuvier (1769-1832), para quem as extinções eram cau-sadas pelas "revoluções" sofridas pelo Globo; tambémao fundador da Paleobotânica, Adolphe Brongniart (1801-1876) e a William Smith (1769-1839), observador práti-co, que muito contribuiu para o conhecimento da ver-tente estratigráfica da Paleontologia. Muitos mais teriacabimento citar.

A Paleontologia teve desenvolvimentos espectacula-res graças, também, a progressos noutros domínios cien-tíficos. Recordaremos: a anatomia; a química; o conhe-cimento dos processos geológicos e de fossilização; oDarwinismo e seus desenvolvimentos; a transposição pa-ra o passado de dados ecológicos a nível do indivíduoe seu modo de vida, ou de comunidades; tectónica deplacas e paleobiogeografia; o conhecimento da evolu-ção e seus processos, momente quando é possível re-presentar a evolução de toda a Vida numa única árvorefilogenética, ramificada; a filogenia (que tem aproveita-do da análise cladística, da distribuição no tempo de for-mas cuja evolução possa ser bem caracterizada, e dascomparações entre proteínas e sequências do ADN); odesenvolvimento ontogénico e a embriologia; as moda-lidades de evolução (condicionada pelo isolamento depopulações) dentro de linhas evolutivas (gradualismo fi-lético), ou devida a especiação (equilíbrio intermitente);estatística; etc.

A Paleontologia é Ciência antiga e moderna, con-servando todo o interesse e suscitando crescente inte-resse do público, até porque é, de certo modo e em re-lação à Vida, uma História de antes da História. O quenão exclui fantasia, excitante (como em filmes e sériestelevisivas, "dramatizadas" de forma que se procura amais rendível) ainda que, não raro, faltando à verdadeou deformando-a. Explicações da extinção dos dinos-sauros, há-as as mais desvairadas, recorrendo até a agres-sões por extraterrestres. Insiste-se no fim catastrófico dosdinossauros (esquecendo as aves, que os representam)em consequência do impacto de um meteorito ... o querendeu um prémio Nobel ... mais ou menos em parce-ria com concentrações anómalas de irídio (não gerais) e

com vulcanismo, cuja influência nada teve de decisivo.Voltamos ao Catastrofismo de Cuvier, com as revoluçõesdo Globo. Que drama!

Esquece-se que:

• grande parte dos dinossauros (e os maiores de to-dos) estavam extintos bem antes do final do Cretácico,em boa parte em relação com um fenómeno de am-plitude mundial: a transgressão marinha (a maior desempre após o Paleozóico) no Cretácico, há ca. de100 Ma, a qual impôs grandes modificações paleo-geográficas e climáticas. Extensas áreas continentaisficaram reduzidas a ilhas, diferenciando-se faunas depequenos dinossauros, alguns minúsculos; mesmoos de maior porte estão longe dos gigantes do Jurássicosuperior e Cretácico inferior. Assim sucedeu comáreas hoje integradas na Península ibérica, como evi-denciam estudos sobre jazidas do final do Cretácico,entre elas as do País vasco e de Aveiro e Taveiro, emPortugal.

• a extinção não foi simultânea onde quer que foipossível reconhecer em pormenor a sucessão dasfaunas do Cretácico terminal, e que as extinções,graduais, são perfeitamente explicáveis através dosmecanismos biológicos face à pioria climática, comgeneralizado abaixamento de temperatura, verifi-cada antes do termo do Cretácico (há cerca de 65Ma). Esta situação penalisou sobretudo animais eplantas tropicais e, em particular, os animais nãohomeotérmicos, i.e. com temperatura corporal cons-tante - como os mamíferos e, dentre os dinossau-ros, as aves.

• nem sequer se tem de pé a correlação com quedasde meteoritos, incluindo uma pretensa queda ao lar-go da costa portuguesa (!); nem sequer com o quecaiu nas Caraíbas/ Golfo do México (Chicxulub),apesar das grandes dimensões, com diâmetro da or-

Fig. 26 - (Original) dente de Taveirosaurus costai, pequeno dinos-sauro, do Cretácico terminal de Taveiro. O comprimento máximo pou-co excede 1 mm.

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dem de 200 quiló-metros. A idade detal impacte nem se-quer é adequada pa-ra explicar as duasvagas de extinçãoverificadas no pe-ríodo Maastrichtiano,último do Cretácico,uma ca. de 5 e ou-tra ca. de 3 milhõesde anos (com a de-saparição de 5 fa-mílias de dinossau-ros) antes do limiteCretácico-Paleocénico;as 10 famílias res-tantes, correspon-dendo a 12 a 14 es-pécies, últimas das últimas, apagam-se ao longodos derradeiros 3 milhões de anos. Nada distosustenta a extinção catastrófica, pois o intensostress ecológico pode causar naturalmente extin-ções em alguns milhares de anos, isolando popu-lações com possibilidades de sobrevivência cadavez mais escassas.

Um pouco dePaleontologia em

Portugal

Tratámos com maiordesenvolvimento de es-tudos paleontológicosque interessam aPortugal (ANTUNES,1986 e 1992, onde po-dem ser encontradosmais pormenores des-de os primórdios atéca. de 1980).

Apontámos João deLoureiro (1799) comopioneiro, após Buffon

mas antes das obras fun-damentais de Cuvier. Aobra em causa apareceisolada, num autor quetambém tratou do ho-mem - relacionando-ocom o orangotango, ha-bitante de regiões ondeesteve. Justificadamente,permanece alta reputa-ção como botânico. Deresto, a associação dabotânica e dos caran-guejos fósseis descritospor Loureiro tem um de-nominador comum, preo-cupações de carácter mé-dico e aproveitamentocomo medicamento. O

paralelo manteve-se, porquanto as primeiras pesquisasem Paleobotânica em Portugal se devem a um médicoafamado, como veremos.

Acrecentemos alguns dados inéditos. A redesco-berta na Academia das Ciências de Lisboa, por nós, dematerial de origem brasileira, incluindo nódulos compeixes cretácicos (bem como animais naturalizados),

parece significar que sãorestos de colecções uti-lizadas para apoio dasaulas que aí se realiza-ram, na Aula Maynense,desde fins do séc.XVIII.O espólio está no mes-mo edifício, o Conventode Jesus, que havia si-do equipado com ricaBiblioteca, sala de aulae o Museu Maynense -graças sobretudo a freiJosé Mayne (1723-1792),franciscano da OrdemTerceira. O Gabinete deHistória Natural, desti-nado ao apoio de acti-

Fig. 27 - A crise associada ao limite Cretácico-Terciário: passaram mamíferos (e orato Mickey), mas não os dinossauros não avianos.

Fig. 29 - Idem, reconstituição segundo J.G.Maisey (1991).

Fig. 28 - Nódulo com peixe -Vinctifer comptoni (Agassiz, 1841) da Formação Santana(Cretácico); antiga colecção da Academia das Ciências de Lisboa. É um dos peixesmais frequentes na Formação Santana (Chapada do Araripe, Ceará, Brasil).

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vidades pedagógicas, foi por ele colocado sob admi-nistração da Academia (1792).

O edifício foi alocado à Academia das Ciências apósa extinção das ordens religiosas em 1834. Entretanto, pa-ra lá transitou (1836) espólio do Real Gabinete da Ajudanão requisitado por Etienne Geoffroy Saint-Hilaire aquan-do da invasão de Portugal comandada por A. Junot em1807-1808. Foram, então, levados fósseis para Paris.Ficaram restos de um acervo muito rico, transferido (1866-1867) para a Escola Politécnica de Lisboa, o qual viria aser quase todo destruído aquando do incêndio de 17.03.1978.Incluia importantes colecções recolhidas no Brasil porAlexandre Rodrigues Ferreira (1765-1815), que longa-mente aí actuou. As suas sucessivas missões não o leva-ram ao Ceará - donde provêm abundantes nódulos compeixes (e outros fósseis) cretácicos- mas podem ter-lhechegado indirectamente.

Seja como fôr, podemos reportar a origem de taisfósseis ao tempo de Rodrigues Ferreira; e, portanto, con-cluir que as primeiras colheitas científicas de fósseis noCeará, hoje mundialmente célebres, resultam de ex-plorações portuguesas (a presença de peixes fósseis bemconservados no Nordestedo Brasil foi dada a co-nhecer ao mundo cien-tífico, primeiramente,pelos naturalistas báva-ros J.B. von Spix e C.P.F.von Martius, que esti-veram no Brasil em 1817;publicaram referências,com figura, em 1828).No Ceará, tais fósseis es-tão relacionados com su-perstições; há quem re-jeite ofertas de nódulosfossilíferos, receando fi-car também petrificado![Informação do ilustrecearense, EmbaixadorDario Castro Alves, quemuito agradecemos].

Há sumárias refe-rências a fósseis, de pou-co interesse, em comunicação de José Bonifácio deAndrada e Silva (1763-1838), o impulsionador da reacti-vação da mina de ouro da Adiça (Fonte da Telha), an-tes do regresso ao Brasil (1819) - onde desempenhoupapel relevante no processo de independência. Com maissignificado surgiu uma memória do barão Wilhelm Ludwigvon Eschwege (1777-1855), um dos sucessores de JoséBonifácio na Adiça, e longamente residente em Portugal.Publicada (1831) pouco após a expulsão do autor peloregime miguelista, inclui, nomeadamente, figuras de ru-distas (lamelibrânquios recifais, com conchas particular-mente robustas) do Cretácico dos arredores de Lisboa -

alguns ainda se conservam na Academia (observaçãoinédita). A mesma memória inclui "Additamentos ouNotas" de Alexandre António Vandelli (1784-1859; filhodo lente de Coimbra e, depois, Director do Museu daAjuda, Domingos Vandelli - 1735-1816) e duas estampassuplementares. A.A.Vandelli, ao figurar restos de cetá-ceos e de peixes miocénicos, que identificou com boaaproximação, surge como pioneiro da Paleontologia dosvertebrados em Portugal. No entanto, o seu esforço nãoteve continuidade. Politicamente conotado com o ladoperdedor, teve que exilar-se (1834) para o Rio de Janeiro,sem retorno.

Outra fase de pesquisas, a que chamámos «ciclo in-glês», resultou de Daniel Sharpe (1806-1856). VisitouPortugal cerca de 1830 e viveu em Lisboa entre 1835 e1838. Observou e colheu fósseis, que refere. Obteve,também, colaboração de paleontólogos qualificados -J.W. Salter, G.W. Sowerby, Charles J.F. Bunbury, etc.Desportista, matou-o uma queda de cavalo.

Outro inglês, James Smith, esteve em Portugal antesde Junho de 1841, quando apresentou comunicação comum anexo onde G.W.Sowerby descreveu novas espécies

a partir de fósseis mio-cénicos da região de Lisboa.

Enfim, as qualidadesde dinamização e de co-laboração evidenciadaspor Sharpe materializa-ram-se numa obra (1853)acerca do Buçaco (Onthe Carboniferous andSilurian Formations ofthe neighbourhood ofBussaco in Portugal).Entre os colaboradores,como Sharpe, Salter, RupertJones e Bunbury, figuraCarlos Ribeiro, implica-do na pesquisa de car-vão no Buçaco, o qualviria a ser um dos maisnotáveis geólogos por-tugueses. Ribeiro, apósaventuras galantes em

parte relatadas pelo seu amigo que foi - nem menos -Camillo Castello Branco, casou com uma senhora pa-rente próxima do industrial José Victorino Damásio (queexplorou as minas de carvão do Cabo Mondego). Comcarreira militar comprometida pela implicação no cercodo Porto, em 1847, ao lado dos revoltosos (que cederamatravés da Convenção de Gramido, pese que honrosa-mente), Ribeiro criou uma alternativa que passou pelafrequência da Academia Politécnica do Porto. Os ava-tares da política e da força armada fizeram um grandegeólogo ... que, aliás, foi sendo promovido na hierarquiamilitar até general.

Fig. 30 - Estampa IV de A.A.Vandelli (aditamento à memória do Barão de Eschwege,1831) figurando “tres caveiras petrificadas”, atribuídas a “huma baleia”, a “hum Physeter”,e a “outra especie de Physeter” - crânios de cetáceos do Miocénico da Adiça.

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A (2ª) Commissão Geológica

Em muitos casos, e neste, a Academia das Ciênciasdesempenhou papel da maior valia. Reformulada no rei-nado de D. Maria II, promoveu a constituição de orga-nismos visando o bem público. Seus pareceres favorá-veis levaram à instituição de uma Commisão Geológica,em 1848, cuja responsabilidade foi cometida a um fran-cês, Charles Bonnet. Foi extinta em 1855.

Em 1857, outra Commissão viria a ser constitui-da em torno de duas personalidades marcantes, comoDirectores: Francisco António Pereira da Costa (1809-1889), Lente titular da 7ª cadeira (Mineralogia e Geologia)da Escola Polytechnica de Lisboa, e Académico muitoactivo; e Carlos Ribeiro. Adjunto da maior valia foi JoaquimFilippe Nery Delgado (1835-1908). Ribeiro (sobretudohomem de terreno) e Pereira da Costa (mais devotado àinvestigação em gabinete) mantiveram excelente cola-boração até desinteligên-cias de saias - disputa deuma governanta, de queuma relíquia "fóssil" eraum estratégico e decrépi-to canapé que o nossoAmigo Georges Zbyszewskinos mostrou, num escon-so do velho edifício doConvento de Jesus, sededos Serviços Geológicos.J.F.Nery Delgado (1905)afirmaria, pudicamente,desconhecer o que todossabiam, a razão das de-sinteligências - que liqui-daram Pereira da Costacomo investigador e, glo-balmente, tiveram funes-tos resultados.

Pereira da Costa con-seguira (e sobretudo o no-tável zoólogo José VicenteBarbosa du Bocage, tam-bém sócio da Academia elente da Escola Politécnica),por Decreto de 16.03.1858,a transferência das colec-ções (em boa parte pro-venientes do Museu daAjuda) da Academia dasCiências para a EscolaPolitécnica. Conseguiriatambém, por Decreto de23.12.1868, a suspensãoda Commissão Geológica,a transferência do seu es-pólio para a Escola

Politécnica, e mesmo a competência para a redacção daCarta Geológica de Portugal. Vitória em grande parte efé-mera; o Governo seguinte produziu outro Decreto, de18.12.1869, a restaurar, com outro nome, a Commissão- aquele organismo que ficou conhecido por ServiçosGeológicos de Portugal (nome que foi alterado algumasvezes, agora englobado no Instituto Geológico e Mineiro).

Interessa sobremaneira considerar a actuação daCommissão Geológica na década da sua existência, apartir de 1857. Vimos quão pouco havia sido realizadoem Portugal no âmbito da Paleontologia - geralmenteem relação com a Academia das Ciências. Surgia então,pela primeira vez mas com certo peso e condições, umorganismo português a tratar especificamente de Geologiae Paleontologia.

Pereira da Costa produziu obra de vulto. Não obs-tante haver contributos antecedentes, em grande partede estrangeiros, Pereira da Costa pode ser considerado

pioneiro da Paleontologia(e da Arqueologia) emPortugal. Dentre as suasobras, destacam-se asmemórias, com tradu-ção em francês, sobremoluscos miocénicos,de Lisboa e do Algarve,com realce para os damagnífica jazida deCacela. Descreveu for-mas novas para a Ciênciae estabeleceu judicio-sas comparações commaterial da Bacia deViena, entre outras. Asestampas têm excelen-te qualidade; nem to-das chegaram a ser in-cluidas nos volumes,aguardando um textoque Pereira da Costa ja-mais viria a produzir.Foram nulas, do pontode vista da investiga-ção, as cerca de duasdécadas após a crise emque actuou na EscolaPolitécnica.

Pela primeira vez,Pereira da Costa publi-cou elementos acercada fauna das jazidas me-solíticas de Muge, ex-ploradas por CarlosRibeiro. No mesmo âm-bito prosseguiram ostrabalhos deste, com

Fig. 31 - Pereira da Costa, F.A. - Estampa XXVII do 2º caderno de MOLLUSCOSFOSSEIS/ GASTEROPODES DOS DEPOSITOS TERCIARIOS DE PORTUGAL (1867),editado pela COMMISSÃO GEOLOGICA DE PORTUGAL, mostrando, em particular(6.a-c, 7.a-b), um dos fósseis mais notáveis do Miocénico de Lisboa (Margueira):Pereiraia gervaisii (Vézian).

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menos incidência em Paleontologia; e começaram os deNery Delgado, importante como paleontólogo, autor deexcelente trabalho acerca da Gruta da Furninha (Peniche),que explorou, e de valiosas obras acerca do Paleozoico.

Correspondendo a solicitação de Pereira da Costa,foi publicado o primeiro trabalho de investigação emPaleobotânica de autor português (antes, havia peque-nas contribuições de Bunbury): o famoso médico BernardinoAntónio Gomes, filho (1806-1877), a importante e bemilustrada memória (1865) Flora fóssil do terreno carbo-nífero das visinhanças do Porto, Serra do Bussaco, eMoinho d'Ordem proximo a Alcacer do Sal, aproveitan-do, decerto, colheitas de Carlos Ribeiro.

No conjunto, a obra da 2ª Commissão Geológica po-de ser considerada como altamente meritória.

Os Serviços Geológicos e seu apogeu;divulgação da Paleontologia

O bom trabalho realizado no seio da CommissãoGeológica veio a ter continuidade após o Decreto de18.12.1869, a restaurá-la com outro nome e sem Pereirada Costa - aqui designada por Serviços Geológicos dePortugal. Na última fase da vida, Carlos Ribeiro muito sededicou ao homem fóssil. Conhecedor dos depósitos ter-ciários do Ribatejo, convenceu-se da existência humanamuito antes, nas «formações miocene e pliocene» combase em seixos que supôs talhados, os "eólitos". No con-texto da divulgação da obra de Charles Darwin acercada origem das espécies, a descoberta de "missing links"entre o homem e os de-mais antropóides era ten-tadora. Daí a designação(pelo sábio G. de Mortillet)de Homo simius ribeiroipara o desconhecido au-tor dos supostos arte-factos. O assunto mere-ceu aceso debate aquandoda 9ª sessão do CongressoInternacional de Antro-pologia e Arqueologiapré-histórica (Lisboa,1880). Aos membrosantecedentes da Com-missão Geológica, CarlosRibeiro e J.F.Nery Delgado,viriam a juntar-se outros,com realce para [Léon]Paul Choffat (1849-1919),suiço, cuja carreira de-correu em Portugal desde 1878. Foi especialista dos ter-renos mesozoicos, com abundante produção no campoda Paleontologia. Além de Choffat, são de lembrar emespecial Jorge Cândido Berkeley Cotter (1845-1919), quedesenvolveu o estudo do Miocénico de Lisboa; Wenceslau

de Sousa Pereira de Lima (1859-1919), cultor da Paleobotânica;e uma plêiade de estrangeiros, autores de valiosas obras,com ilustração da mais alta qualidade, que prestigiaramo País e os Serviços Geológicos - superando largamen-te os contributos portugueses, possivelmente pouco es-timulados. O último terço do séc.XIX e os primeiros anosdo séc.XX representam um apogeu da Paleontologia emPortugal, ainda que o número de cultores portuguesestenha sido muito limitado.

Sobreveio decadência acentuada, para o que contri-buiram a morte do excelente animador que foi NeryDelgado, em 1908, e as de Choffat e de Cotter, em 1919.

É profundo o contraste entre o que foi mostrado e aactuação, a bem dizer nula (ao menos quanto a investi-gação), da Universidade de Coimbra e as demais escolassuperiores (Escola Politécnica de Lisboa, AcademiaPolitécnica do Porto). Exceptua-se a actuação, no Porto,de Wenceslau de Lima, também no plano pedagógico,com a actualização que promoveu - enquanto a políticao não desviou (foi Ministro dos Estrangeiros de D. Carlose Primeiro-ministro no reinado de D.Manuel II, entre ou-tros cargos). O marasmo nos estabelecimentos de ensi-no superior manteve-se até a retoma, na década de 1930,animada por João Carrington Simões da Costa (1891-1982).

No entanto, o Ensino superior teve apoios ao mais al-to nível. D.Pedro V (1837-1861) protegeu a Politécnica.Decerto facilitou a transferência de colecções para aí, cons-tituindo o que poderia, à semelhança da generalidade dospaíses, vir a ser um Museu Nacional de História Natural.Aliás, a problemática mantém-se, pelas mesmas razões: se

é Nacional não pode per-manecer sob a tutela deuma Universidade. Se as-sim continua, não tem(nem terá) gabarito a ní-vel nacional. Tem de terpersonalidade própria (co-mo reconheceu a Academiadas Ciências em 1855: «oMuzeu he pela propriaindole uma instituiçãoáparte» - Rómulo deCarvalho, 1981). O êxitodo Museu nacional deArqueologia bem podeservir de exemplo.

D. Luís I (1838-1889)prosseguiu o apoio aoMuseu da Politécnica, oque também se verificoucom D. Carlos I (1863-

1908). Avulta, em 1862, a oferta da colecção da CasaReal, incluindo a magnífica colecção, organizada em se-quência cronológica, oferecida a D.Pedro V pelo gran-de paleontólogo Alcide d'Orbigny (1802-1857) - ardeuem 1978! O Museu da Escola Politécnica beneficiou de

Fig. 32 - Número de artigos de Paleontologia publicados entre 1885 e 1930 nasComunicações dos Serviços Geológicos de Portugal (a mais importante revista por-tuguesa nesta área); o óbvio decréscimo é muito mais acentuado se considerarmosas Memórias editadas pela mesma instituição, nenhuma depois de 1910 (25 antes,na maioria entre 1885 e 1900).

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meios que permitiram, além do mais, a compra de fós-seis e quadros didácticos à casa Krantz (Bonn), sob aégide de Pereira da Costa e sucessores imediatos. O ele-mento mais activo terá sido o Naturalista Jacinto PedroGomes; além dele, Choffat teve ensejo de adquirir em

Londres (Novº de 1888) um dos fósseis mais apelativos- esqueleto de veado gigante da Irlanda, Megaceros hi-bernicus, que viria a perder a espectacularmente orna-da cabeça no incêndio (1978) do edifício da Rua da EscolaPolitécnica. Meios alocados à Academia Politécnica doPorto permitiram aquisições (muitas no estrangeiro) im-pulsionadas pelo Professor Aarão de Lacerda.

Do ensino superior e dos museus, algo terá restadoquanto à divulgação da Paleontologia. Talvez os refle-xos mais notórios tenham sido os de R. Bordallo Pinheiro- com humor, a comparar veneráveis instituições a "mons-tros ante-diluvianos", ou ao "Homem Terciário" portu-guês; é notória a influência da controvérsia em torno dos

Fig. 33 - Caricatura de R. Bordallo Pinheiro em O António Maria de30 de Setembro de 1880: Carlos Ribeiro e o "HOMEM TERCIARIO POR-TUGUEZ".

Fig. 34 - Caricatura de R. Bordallo Pinheiro: O simiesco “avô com-mum”, ao sabor das ideias surgidas na esteira do darwinismo acercados “missing links” e do homem como “descendente do macaco” (in-vocado por Carlos Ribeiro, que defendia a presença de vestígios dohomem terciário - o Homo simius ribeiroi - “lança do alto do nivel ter-ciario miocéne a sua benção paternal e agradecida sobre o contenta-mento geral”.

Fig. 35 - Caricatura de R. Bordallo Pinheiro: "O exercito (antigo mastodonte)", além de outros mimos “paleontológicos”.

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pretensos homens da Era Terciária. Com efeito, para ogrande artista, republicano de todos os costados, o pró-prio rei (designado por Homo caudatus atendendo àcauda do manto de arminho) representava um anacro-nismo, uma das “sobrevivências do homem paleontoló-gico”.

Crise, hiato e renovações

Ao apogeu centrado nos Serviços Geológicossobrevieram tempos de crise, com produção escassa ede modesto valor. Neste contexto, lembremos algumaobra do Professor da Universidade Técnica de Lisboa,Ernest Fleury (1878-1958). Há, também, que registar con-tributo interessante do Professor da Universidade deLisboa, Francisco Luís Pereira de Sousa (1870-1931), so-bre goniatites do Carbonífero do Alentejo e Algarve.

A produção de investigação paleontológica portu-guesa quase desceu a zero. Houve verdadeiramente umhiato.

Uma renovação foi desencadeada por Carrington daCosta. A sua produção científica foi muito limitada, co-mo o ouvimos reconhecer, mas foi acompanhada de in-centivo a outros. Polos fundamentais desta renovação,ainda que com características diferentes, foram CarlosTeixeira (1910-1982), na Universidade do Porto e essen-cialmente na de Lisboa; e Georges Zbyszewski (1909-1999), nos Serviços Geológicos de Portugal.

Carlos Teixeira é figura fundamental nas primeirasfases da sua carreira, pelo que produziu e pelo que in-centivou. Foi o primeiro paleontólogo português comreputação e projecção internacionais após Nery Delgado,

para não recuar até Pereira da Costa, em tempos em quea Paleontologia não gozava do favor do público. Soa-nos talvez como anedota o episódio que nos foi conta-do pelo Professor João Manuel Cotelo Neiva (1917-): en-quanto Teixeira partia xistos na mira de obter fósseis noCarbonífero dos arredores do Porto, Neiva, que o acom-panhava, ficou encarregado de desfazer as desconfian-ças de um proprietário local, explicando que aquele eratolo, mas que o deixassem entretido, porque não faziamal. A qualidade da obra que apresentou como disser-tação de Doutoramento na Universidade do Porto, OAntracolítico continental português (1944) está patenteao vermos os seus resultados geralmente confirmadosem revisões ulteriores. Além de copioso trabalho - jus-que ad mortem - interessou vários em pesquisas pa-leontológicas, após o ingresso na Universidade de Lisboa.

Devem-se alguns contributos ao Professor do InstitutoSuperior Técnico, Décio Sequeira Santos Thadeu (1919-1995), autor de trabalhos sobre trilobites, etc.; e à anti-ga Junta de Investigações do Ultramar (Instituto deInvestigação Científica Tropical).

Nos Serviços Geológicos de Portugal merece realcea dupla Zbyszewski - Octávio da Veiga Ferreira (1917-1997). Realizaram obra dispersa. Além de muitíssimo tra-balho pessoal, Zbyszewski, privilegiando o seu País denaturalização, promoveu colaborações francesas (algu-mas de muito boa qualidade), a quem passou muitos dosmelhores temas de trabalho disponíveis - criando situa-ções pouco estimulantes para outrem em Portugal, atra-vés do esvaziamento de temas que teriam podido de-senvolver. Além das numerosas publicações que produziram,Zbyszewski e Veiga Ferreira muito enriqueceram o MuseuGeológico da instituição que serviam.

Apesar de algumas acções anteriores, pode consi-derar-se que o lançamento da Micropaleontologia emPortugal - da maior importância - se deve, fundamental-mente, a Jaime Martins Ferreira (1927-) e a ArménioTavares Rocha (1923-1985), que trabalharam sobre fora-miníferos.

Fig. 36 - Caricatura de R. Bordallo Pinheiro: O "Homo cauda-tus" (o rei D.Luís).

Fig. 37 - Carlos Teixeira (foto M.T.Antunes, Agosto de 1970).

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Entretanto, a renovação do sector de Geologia naUniversidade de Coimbra resultou no campo da Paleontologia,onde não existia tradição prévia. Dentre os seus obrei-ros destacam-se Gumerzindo Henriques da Silva (1926-1983) e António Ferreira Soares (1935-). Trabalharam,sobretudo, em moluscos mesozoicos e cenozoicos, abor-dando temas concernentes a Portugal e antigos territó-rios ultramarinos.

Na Universidade de Lisboa, o interesse pela Paleontologiaesmoreceu - nem menos que por parte do Catedráticodo pelouro, C. Teixeira. Abandonou a Paleobotânica,que lhe grangeara reputação internacional. Produziu pu-blicações de Paleozoologia, depois nem isso. A sua nãoassumida desistência teve efeitos perniciosos, acompa-nhada que foi do desencorajamento de outros (que des-viava para outras tarefas), de obsolescência, da reduçãodo ensino da Paleontologia praticamente só à vertenteestratigráfica, a par de um erro fundamental - a quebrade ligação com a Biologia e consequente redução drás-tica do espaço de Ensino e de Investigação, de que foiprincipal responsável.

Desenvolvimentos mais recentes e perspectivas

Sem cairmos em juizo de causa própria, mas corres-pondendo à verdade, notaremos que a UniversidadeNova de Lisboa implantou um núcleo particularmenteprodutivo no âmbito da Paleontologia, integrado, de iní-cio, por alguns paleontólogos de Lisboa, além do autordestas linhas. Todos aqueles vieram aí a doutorar-se, pe-lo que a área da Paleontologia teve aí, deste ponto devista, mais resultados do que em qualquer outra insti-tuição em Portugal. Tem vindo a ser mantida intensa co-laboração internacional.

Dentre os principais assuntos abordados destacam-se amonites do Jurássico (Rogério Rocha, Beatriz Marques),Paleobotânica e Palinologia (João Cardoso Pais), ostra-codos (António Nascimento), vertebrados e sua icnolo-gia, que temos desenvolvido desde o estudo da espec-tacular jazida do Cretácico inferior de Lagosteiros (1976)- vide Figs. 14-16 - (M. Telles Antunes, João Luís Cardoso,

Carmen Fernandez, Ausenda Balbino, Octávio Mateus),Paleontologia humana (M. Telles Antunes e A. SantinhoCunha). Muitos dos temas abordados dizem respeito àbacia lusitânica, às bacias terciárias do Baixo Tejo e deAlvalade, e ao Algarve. Têm tido impacte considerávelna melhoria do conhecimento estratigráfico e da carto-grafia geológica do País. Outros investigadores têm co-laborado ou aí completado a sua formação, alguns dasuniversidades de Aveiro, Coimbra e Évora.

Em Coimbra, assuntos de tanto interesse como oJurássico do Cabo Mondego e correspondentes dadospaleontológicos foram objecto de estudos de Maria HelenaHenriques. Depois, Pedro Callapez veio a afirmar-se naárea da malacologia, do Cretácico ao Quaternário.

Na Universidade de Évora foi constituido um núcleode Paleontologia, encabeçado por Ausenda Cáceres Balbino.

Fig. 38 - Publicações de Carlos Teixeira em Paleobotânica, Paleozoologiae Geologia ao longo da sua carreira.

Fig. 39 - Spiniferites bentorii (Rossignol, 1964) Wall & Dale, 1970, umdinoflagelado do Miocénico superior da Ribeira da Lage, Península deSetúbal (segundo J. Pais e Lígia Sousa; foto em microscopia electró-nica de varrimento).

Fig. 40 - Pokorniella lusitanica Nascimento, ostracodo do Miocénicoinferior de Lisboa.

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No Porto, tem havido actividades a apoio ao Parquede Valongo, em cujos arredores se contam jazidas detrilobites e outros fósseis, sobretudo do Ordovícico (ca.de 500 a 435 Ma). Avulta, no entanto, a monumentaledição, coordenada por Manuel João Lemos de Sousa,onde é invocada a sombra tutelar de Wenceslau deLima; nela se procede, em especial, à revisão do ri-quíssimo espólio paleobotânico do Carbonífero por-tuguês.

Em Lisboa, assumiu relevância António MarcosGalopim de Carvalho (1931-), que desenvolveu gran-de actividade quanto à divulgação da Paleontologia(dinossauros, sobretudo), à conservação de sítios e suamusealização - com realce para a Pedreira do Galinha(Torres Novas), com pistas de dinossauros jurássicos.É, com colaboradores, responsável pela dinamizaçãode acções de natureza paleontológica na Universidade

de Lisboa, em especial no Museu Mineralógico eGeológico.

Epílogoactualidade e perspectivas

Grandes filmes e séries televisivas, além da divulga-ção por outros meios, vieram agitar o público acerca daPaleontologia. Tudo teve reflexos por esse mundo. Assiste-se a esforços de publicidade, nem sempre séria - pro-blema que é geral, mas que se agrava em países ondefalte suficiente contraponto de crítica. Tenta-se aprovei-tar o interesse público (muitas vezes vítima de difusãoincompetente, às vezes aldrabada, procurando êxito ba-rato). Um pedaço de rabo de dinossauro pode ser ele-vado aos píncaros, com sensacionalismo que nada jus-tifica. Porém, há que não esquecer a componente essencial,que é a Investigação de qualidade.

É tarefa difícil e a pecar por omissões, de que pe-dimos escusa, referir uma situação que ainda não po-de ser vista de uma perspectiva histórica. Lembramoscolecções de trilobites, etc. do Ordovícico (Arouca;Parque Paleozóico de Valongo) e de goniatites noCarbonífero do Sul do País; a inventariação palinológi-ca no Centro de Estudos Geológicos da UNL; estudossobre icnologia dos dinossauros, no Museu de HistóriaNatural da Universidade de Lisboa; o trabalho realiza-do no âmbito do GEAL/ Museu da Lourinhã, com apoiocientífico da Universidade Nova de Lisboa, ao recolhero que hoje deve ser o mais rico espólio de dinossau-ros em Portugal, com especial destaque para a melhorjazida europeia (senão mundial) de ovos e embriões dedinossauros jurássicos; os mamíferos do Eocénico ba-sal de Silveirinha (Baixo Mondego), permitindo com-parações com a América do Norte - possíveis por nãoestar completa a abertura do Atlântico; trabalho sobreo quase inesgotável Miocénico de Lisboa; faunas doQuaternário e a importância dos últimos neandertais; eda pesquisa acerca dos homens do Mesolítico e sur-preendentes resultados acerca da morte e seus rituais.

Fig. 41 - (Original) pégada tridáctila de rinoceronte, que escorregouao pisar excremento (fóssil - coprólito); Miocénico médio, ca. de 15Ma/ Olival da Susana, Charneca do Lumiar (Lisboa).

Fig. 42 - Dentes de pequeno tubarão, Paragaleus antunesi, do Miocénico terminal (ca. de 5 Ma) de Vale de Zebro e Esbarrondadoiro (bacia deAlvalade, Alentejo), segundo A. Balbino.

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As perspectivas de desenvolvimento do conheci-mento paleontológico em Portugal merecem optimismo.Parece estar para breve legislação acerca da protecçãode sítios paleontológicos; e foi, pela 1ª vez, incluída umaárea interdisciplinar de Estudos Paleontológicos entre asque foram postas a concurso para Projectos de Investigação(SAPIENS PROJ99).

Fig. 45 - Associação "simbólica" de fósseis de uma bacia sedimentarsofrendo influências marinhas e continentais, arenito argiloso comfragmentos de mandíbula de pequeno veado (Procervulus dichoto-mus) associado a um pedaço de valva de ostra - Miocénico médio,Olival da Susana, Charneca do Lumiar.

Fig. 43-44 - Bloco com postura de ovos de dinossauro terópode, alguns contendo esqueletos de embriões, do Jurássico superior de Pai Mogo(GEAL/ Museu da Lourinhã); dimensões do bloco, 75x78 cm (Memórias da Acad. Ciênc. Lisboa, t.XXXVII, 1998, p.107); (44) ovo com esquele-to embrionário, a meio e à esquerda na Fig. 43.

Fig. 46 - Dente de neandertaliano extraído de cadáver e com incisõesparalelas, de significado desconhecido - Gruta da Figueira Brava(Arrábida), ca. de 30 000 anos (escala: x2,4).

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A Paleontologia continua bem viva. Constitui abor-dagem essencial, porque posicionada no tempo, de itemsfundamentais como a História da vida, a evolução, pa-leoambientes, e relações com a História da Terra; o quese passou pode deixar entrever o futuro. Afinal, é fonteinesgotável do imaginário público - também em Portugal.

Fig. 47 - Crânio feminino (vistas anterior e lateral direita), ca. de35 a 40 anos aquando da morte, com lesões traumáticas de alta vio-lência que provocaram a morte, mostrando, em especial, duas pro-fundas incisões de cada lado do frontal, provavelmente para es-calpe. Fig. 49 - Crânio masculino, ca. de 20 a 25 anos, com vestígios de lesões

traumáticas suficientes como causa mortis, mostrando um desenho (a ver-melho) em asterisco (representando talvez o Sol?) resultante de cortes nocouro cabeludo e de subsequente hemorragia ao longo dos cortes.

Fig. 50 - (Original) crânios mesolíticos de Muge (ca. 7000 anos), re-velando acções, provavelmente rituais, relacionadas com a morte.Crânio do sexo masculino, ca. de 13 a 16 anos, vistas laterais esquer-da e direita, esfacelado ("abolachado"), mostrando a impressão do va-rapau e numerosas fracturas (fracturas por contra-golpe do lado di-reito, que estava assente no solo).

Fig. 48 - Crânio associado a vértebras cervicais (vista lateral esquerda),masculino, ca. 30 anos, com marcas de escalpe, esfacelado à bordoadae com manchas ferruginosas atribuíveis a hemorragia, confirmadas pe-la caracterização de vestígios de proteínas, ganga com cinza (cadáverparcialmente queimado, como usual nos sítios mesolíticos de Muge).

SUGESTÕES DE LEITURA

ANTUNES, M. TELLES (1986) - Sobre a História da Paleontologia emPortugal. HISTÓRIA E DESENVOLVIMENTO DA CIÊNCIA EM POR-TUGAL/ II volume. Publ. do II Centenário da Academia das Ciênciasde Lisboa, p.773-814.

ANTUNES, M. TELLES (1992) - Sobre a História da Paleontologia emPortugal (ca. 1919-1980). HISTÓRIA E DESENVOLVIMENTO DA CIÊNCIAEM PORTUGAL NO SÉC. XX. Publ. do II Centenário da Academia dasCiências de Lisboa, p.1003-1026.

ANTUNES, M. TELLES, Editor (1998) - Colóquio - Paleoambientes doJurássico superior em Portugal/ Geologia, vegetação, ovos & dinos-sauros, mamíferos. Memórias da Academia das Ciências de Lisboa,Classe de Ciências, tomo XXXVII, 153 p.

ANTUNES, M. TELLES (1999) - Dinossauros e Portugal/ Dois ca-sos menos conhecidos. Ciências da Terra (UNL), Lisboa, nº13,p.59-69.

ANTUNES, M. TELLES & CUNHA, A. SANTINHO (1991) - SANTOSMÁRTIRES DE LISBOA/ ESPÓLIO OSTEOLÓGICO DE SANTOS-O-NO-VO. Câmara Municipal de Lisboa. 57 p.

BERNIER, R. (1975) - Aux sources de la Biologie. Les Presses del'Université du Québec/ Masson et Cie Éditeurs - Paris, 264 p.

ZIEGLER, B. (1984) - Kleine Geschichte der Paläontologie. StuttgarterBeiträge zur Naturkunde, Serie C, Heft 19, 32 p.