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PAISAGEM CULTURAL: ESTUDO SOBRE SÃO GONÇALO DO RIO DAS PEDRAS/MG
SILVA, ELCIONE LUCIANA DA.
Mestrado em Ambiente Construido e Patrimônio Sustentável – Escola de Arquitetura/UFMG [email protected]
3° COLÓQUIO IBERO-AMERICANO PAISAGEM CULTURAL, PATRIMÔNIO E PROJETO - DESAFIOS E PERSPECTIVAS
Belo Horizonte, de 15 a 17 de setembro
RESUMO:
A ampliação do conceito de patrimônio cultural vem criando uma reflexão maior sobre a identificação dos bens relevantes para a humanidade e exigindo novas políticas voltadas para sua preservação. A proteção do patrimônio que antes se limitava a bens culturais tangíveis e intangíveis, incluiu outros elementos essenciais para a proteção do patrimônio cultural alinhado a outras políticas setoriais, buscando também a conservação integrada das cidades, (patrimônio ambiental urbano). Assim, não só o patrimônio edificado torna-se objeto de conservação, mas sim o seu entorno, considerando-se desta forma as relações entre o homem, o meio ambiente e a sua cultura. Este trabalho busca abordar sobre a evolução da noção da Paisagem Cultural e as dificuldades da gestão e proteção destas paisagens culturais. Este trabalho busca ainda identificar elementos e características que apontem esta categorização, estudando o distrito de São Gonçalo do Rio das Pedras, distrito de Serro/MG, que representa um exemplo de relação do homem e o meio natural. Palavras-chave: Patrimônio; Paisagem Cultural e Gestão da paisagem.
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Belo Horizonte, de 15 a 17 de setembro
Discussões sobre a Categoria da Paisagem Cultural A Convenção para Proteção do Patrimônio Cultural e Natural foi criada pela Organização das
Nações Unidas para Educação, Ciência e a Cultura (UNESCO) e aprovada na Reunião de Paris
em 1972. Com o objetivo de implementar a Convenção e permitir a inscrição e gestão da Lista, foi
criado em 1976 o Comitê do Patrimônio Mundial e os primeiros sítios foram então inscritos em
1978.
RIBEIRO (2007) reforça que segundo as linhas gerais da Convenção aprovada em 1972, esses
bens poderiam ser inventariados e classificados para inscrição de duas maneiras diferentes a
partir do valor a eles atribuídos: como patrimônio natural ou como patrimônio cultural.
Ainda segundo RIBEIRO (2007) no texto da Convenção, desde o início, nota-se um antagonismo
entre as categorias cultural e natural, reflexo de um pensamento que por essa época já
começava a se tornar anacrônico. Essa divisão refletia a ideia de que, para muitos dos
conservacionistas da natureza, quanto menos interferência humana houvesse numa área,
melhor ela seria qualificada; assim também, para muitos arquitetos, historiadores da arte e
outros cientistas das áreas humanas, os monumentos e estruturas, prédios e ruínas, eram vistos
como fenômenos isolados (FOWLER, 2003). Na verdade, essa concepção refletia a própria
origem bipartida da preocupação com o patrimônio mundial, oriunda de dois movimentos
separados: um que se preocupava com os sítios culturais e outro que lutava pela conservação
da natureza.
As paisagens aceitas eram paisagens rurais, o que refletia a mudança de atenção que era dada
à evolução dessas paisagens na Europa. Foi então a análise feita por arqueólogos, geógrafos e
especialistas ambientais que influenciou o pensamento de que seria um equívoco enxergar as
paisagens culturais como um fenômeno exclusivamente eurocêntrico. (FOWLER, 2003)
Outros autores reforçam que a natureza é fruto da evolução e intervenção humana e, portanto
não poderíamos julgá-la como uma natureza intocável. Levanta a questão de saber se são ou
não, de fato, selva (EVERDEN 1992 apud Mitchell; Melnick, 2012), Já que as comunidades
indígenas e nossos antepassados poderiam já ter influenciado na construção de tal paisagem.
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No entanto, verificando a existência de bens que podiam ser classificados nas duas categorias,
foi posteriormente criada a classificação de bem misto, para aqueles que tinham sua inscrição
justificada tanto por critérios naturais quanto culturais, mas sem que a integração entre ambos
fosse necessariamente objeto de análise ou de valoração. Com o passar dos anos, o
desenvolvimento de disciplinas como a ecologia política e a discussão em torno de categorias
como a de desenvolvimento sustentável provocou uma valorização no contexto internacional das
relações harmoniosas entre os homens e o meio ambiente (RIBEIRO, 2007).
Segundo Carl Sauer (1925), “a Paisagem Cultural é criada por um grupo cultural a partir de uma
paisagem natural. A cultura é o agente, a área natural é o meio, a paisagem é o resultado”. Deste
modo Sauer vincula definitivamente a paisagem à ação humana, podendo entender-se a
paisagem cultural como o registo desta ação sobre o território natural.
Foi em resposta a esse contexto que a categoria de paisagem cultural começou a ser pensada
mais fortemente pela UNESCO. E a partir de 1992, o conceito de paisagem cultural foi
incorporado como uma nova tipologia de reconhecimento dos bens culturais.
O conceito de Paisagens Culturais reflete uma preocupação maior com os conflitos ambientais e
alterações nas paisagens, causadas pelas modificações ocorridas nas formas de vida e nos e dos
usos tradicionais do território.
Segundo RIBEIRO (2007) a vinculação entre paisagem e patrimônio cultural não é recente, mas
vem ganhando especial destaque, nas últimas décadas, em determinadas áreas, através da
noção de paisagem cultural. De acordo com as Diretrizes Operacionais para a Implementação da
Convenção do Património Mundial, paisagens culturais representam as "obras combinadas da
natureza e do homem".
De acordo com o International Council of Monuments and Sites (ICOMOS) - 2009, a inscrição da
Paisagem Cultural como bem se dá por considerá-las ilustrativas da trajetória histórica da
sociedade humana e seus assentamentos sobre a influência de contingências físicas e/ou
oportunidades apresentadas pelo ambiente natural, bem como pelas sucessivas forças social,
econômica e cultural, que nelas interferem.
No Brasil, a Paisagem Cultural se institui como instrumento de preservação patrimonial do
Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, estabelecido pela Portaria nº 127, de 30 de
abril de 2009. Sob a perspectiva da Instituição, o objetivo da declaração de Paisagem Cultural
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Brasileira é conferir um selo de reconhecimento a porções do território nacional, onde a inter-
relação entre a cultura humana e o ambiente natural confere à paisagem uma identidade singular.
Essa certificação funcionaria como meio de estabelecer normas para a gestão e uso da
paisagem, tendo em vista sua defesa, manutenção e melhoramento de sua qualidade.
Diferentemente de um processo de tombamento, a decisão para a contemplação de determinado
local sob tal designação parte da população diretamente envolvida.
Considerando os objetivos da chancela da Paisagem Cultural e a importância que o meio natural
possui no cotidiano da comunidade de São Gonçalo do Rio das Pedras, apresento este trabalho
que busca identificar características que contribuem para a noção da Paisagem Cultural,
considerando a relação dos moradores com a seu meio natural. A seguir será apresentado um
breve histórico sobre a importância da paisagem de São Gonçalo do Rio das Pedras para se
entender a sua história, o modo de vida, o uso do território e a formação da comunidade São-
gonçalense.
A PAISAGEM ENQUANTO PATRIMÕNIO CULTURAL:
Caso de São Gonçalo do Rio das Pedras
Segundo Lazzarotti (2003) uma paisagem pode ser considerada “patrimônio” a partir do momento
em que é singular, em que as suas qualidades únicas. Essa singularidade pode decorrer de duas
referências: do apelo ao "solo", ou seja, à valorização do que se vê (a paisagem em sentido mais
estrito ou usual) e do apelo ao "passado", ou seja, à historia única que fez o lugar.
O distrito de São Gonçalo do Rio das Pedras está localizado em Serro/MG, região Nordeste de
Minas Gerais a 300 km da capital mineira. A paisagem da região é acidentada, pré cambiana,
com serra e rochas metamórficas e quartzíticas. O solo nas serras e chapadas é de areias e
cascalho, coberto de cerrado e campos limpos.
Observei, abaixo das raízes da erva, leve camada pedregosa notosa em outros lugares,
mas que não oferecia sinais característicos tão pronunciados. Dão-se o nome de burgalhão;
consiste em seixos quartzosos, comumente angulosos, e, muitas vêses, em quartzo solido
que não tem mais de quatro a cinco polegadas de espessura. Esta camada não parece ter
sido formada na mesma época' nem pelos os mesmos meios que o cascalho, do qual eh
constantemente separada por outra camada de terra vegetal, de espessura desigual; tem
mais tem aspecto de delgada camada de quartzo, posteriormente quebrada em fragmentos
inumeráveis. (MAWE, 1944, pag. 211).
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Teve sua origem ligada à exploração mineral na primeira metade do século XVIII. Em 1732, ano
da descoberta dos diamantes na região, algumas pessoas já viviam ali, muitas delas trabalham
no garimpo ainda no seu auge.
Mawe (1944) em sua passagem pela região vindo do Serro (antiga Vila do Príncipe) em direção à
São Gonçalo retrata como era a comunidade, que na época em decorrência da mineração era
composta principalmente por negros.
Fiz as quatro léguas através de uma região estéril e escalei varias montanhas. Ao fim do dia, alcancei
uma eminencia, da qual eu avistei um grupo romântico de casas semelhantes a um labirinto ou a uma
cidade negra da África. Descemos a colina, e nos aproximamos do lugar, já era noite. Conduziram-me,
a casa maior que as outras, soube que estava em São Gonçalo, a primeira exploração de diamantes que
se encontra no Sêrro Frio. Encontra-se, ha algum tempo em declínio e emprega cerca de duzentos
negros. (MAWE, 1944, pag. 209)
Localizada dentro do antigo Distrito Diamantino, São Gonçalo do Rio das Pedras também sofreu
com as restrições impostas pela coroa portuguesa, assim que houve confirmação da existência
de pedras preciosas na região. No distrito de Milho Verde, distante 6 km existia um quartel de
fiscalização da Coroa Portuguesa. Todas as pessoas residentes ou não da região deveriam
pernoitar neste Quartel e serem rigorosamente examinadas para terem direito de passarem em
direção à cidade de Serro vindo de São Gonçalo do Rio das e Pedras e em direção à Diamantina
vindo da cidade de Serro.
(...). As leis são tão severas que, quem quer que seja encontrado fora da grande estrada, estará sujeito a ser detido como suspeito e submetido a exames e interrogatórios, que acarretam muitas vêses embaraços e demoras. (MAWE, 1944, pag. 209)
Essas restrições, contudo desestimulou a vinda de novos moradores e, mesmo, a permanência
de muitos daqueles que se dedicavam à extração do ouro, o que certamente foi um óbice ao
desenvolvimento do distrito. (MARQUES, 2009).
Submetido a uma administração particular não somente aos estrangeiros, mas ainda aos nacionais, o Distrito Diamantino forma como que um Estado a parte, no meio do vasto império do Brasil (SAINT-HILAIRE, 1974, pag. 13)
Às pessoas residentes no Serro do Frio e terras demarcadas, que neles têm casas, roças, lavras, ofícios ou negócios, ordeno: que no tempo de quinze dias contínuos, contados da publicação deste Regimento, se apresentem ao intendente-geral: que este, ouvindo os administradores e o fiscal, depois de haver procedido a um rigoroso exame, pelo qual conste que são pessoas ocupadas com boa-fé nos sobretidos ministérios, lhes conceda licença por bilhetes, por ele assinados, para se conservarem nos lugares de suas respectivas residências. (ESCHEWEGE, 2000, pag. 158)
São Gonçalo do Rio das Pedras chegou a ter um intendente de diamantes, que ali residiu por
volta de 1809. A mineração foi uma atividade importante durante ainda boa parte do século XIX.
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Depois o distrito converteu-se em centro comercial de relativa importância nos inícios do século
XX, pois por ali transitava grande número de tropas que conduziam gêneros alimentícios,
atendendo à demanda do mercado de Diamantina. Ainda é possível encontrar um antigo rancho
para pouso de tropas, o único preservado em Minas Gerais. (Fundação João Pinheiro, p. 14,
2003)
“Lembrança daquele monte de burros. Me vem o barulho dos sininhos mostrando que estava chegando as tropas. Eu estava nova”. (moradora de São Gonçalo do Rio das Pedras, 2013)
São Gonçalo do Rio das Pedras assim como outras regiões mineradoras passou pela estagnação
do ouro e também utilizou a agricultura e pecuária como alternativa de renda.
Na segunda década do século XX, instalou-se em São Gonçalo uma companhia para a
industrialização de vinho. Como a atividade industrial não vigorou, a produção caseira de vinhos
se mantém na comunidade. Muitas pessoas cultivam parreira de uva em seus quintais e outras
frutas que são utilizadas na fabricação do vinho como jabuticaba, abacaxi, gabiroba, etc. A
produção de doces caseiros feitos com frutas variadas, como banana, mamão, goiaba, abacaxi
também é importante para a economia local.
Muitos moradores ainda têm a agricultura como principal fonte de renda e para subsistência,
produzem seus próprios alimentos, como é o caso do fubá de milho. Utilizam o antigo moinho,
localizado no centro do distrito. Os graus de milho são moídos por uma espécie de “tijela de
pedra” com outra roda de pedra fixa por cima. A moagem ocorre forma bastante lenta para não
esquentar o fubá e interferir no seu sabor e textura. A água que passa por baixo do moinho
movimenta o eixo que gira uma pedra sobre a outra ocorrendo à moagem do milho. Assim, se faz
o fubá que é utilizado na produção de bolos, angu de fubá e outras iguarias. Uma pessoa da
comunidade fica responsável pela chave do moinho que está disponível para qualquer morador
que queira utilizar.
São Gonçalo é anterior a 1732, o que faz supor que já teria sido erigida a sua capela (hoje a
igreja Matriz) que serviu ao culto religioso dos primeiros habitantes, como acontecia nos arraiais
pioneiros da época da mineração. Com o desenvolvimento da atividade mineradora era comum
que os moradores cuidassem da construção de uma igreja maior. A construção desta capela está
ligada a uma lenda de achamento da imagem de São Gonçalo, contada por moradores.
“Ele é importante. O povo preserva muito. Ele foi encontrado no pé de Goiaba e levado em procissão para Milho Verde, pois só á tinha Igreja. Daí ele voltava misteriosamente e daí as pessoas tomaram providências de construir uma Igreja de São Gonçalo aqui. (Moradora de São Gonçalo do Rio das Pedras, 2013)
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A comunidade de São Gonçalo é muito religiosa. Anualmente se comemora o dia do Padroeiro da
comunidade (Janeiro) e a tradicional Festa de Nossa Senhora do Rosário que é celebrado no
mês de outubro com a participação de grupos de congados de Milho Verde e do Serro. Todos os
anos também, a comunidade homenageia o dia de falecimento do Padre Geraldo que morou
durante muito tempo na comunidade e que segundo, vários religiosos e devotos, realizou
diversos milagres. Este está sepultado no interior da Igreja de Nossa Senhora do Rosário. A
comunidade também recebe romarias de algumas regiões do Estado de Minas Gerais que vêm
homenagear o padre milagreiro.
O distrito mantém muitas de suas características originais das vilas setecentistas, como casas em
estilo colonial construídas com técnicas de construção em adobe. Ainda possui um dos conjuntos
arquitetônicos mais preservados da região, incluindo monumentos históricos religiosos.
Foto 01: Ruas de São Gonçalo do Rio das Pedras Foto 02: Ruas de São Gonç. do R das Pedras Fonte: Arquivo SECTUMA/Serro Fonte: Arquivo SECTUMA/Serro
Foto 03: Rua Direita Fonte: Elcione Silva
Foto 04: Casarão na rua Direita Fonte: Elcione Silva
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Monumentos históricos Proteção
Igreja Matriz de São Gonçalo
Estadual – IEPHA/MG Decreto nº. 20.581/80 de 26/05/1980.
Característica
Construída em 1787, conforme inscrição pintada na igreja. Em janeiro há a festa de São Gonçalo, que atrai grande número de pessoas. A capela mor tem belíssima pintura no forro e a qualidade do trabalho mereceu destaque de especialistas, por possuir pinturas da transição entre as fases barroco e rococó.
Rancho de Tropas
Conselho Deliberativo do Patrimônio Decreto nº. 839 de 31/3/2000.
Característica
É considerado um dos últimos ranchos de tropas a preservar sua unidade e características arquitetônicas originais, apesar de a venda ter sido adaptada ao uso residencial e de ter sofrido alterações.
Igreja de Nossa Senhora do Rosário Conselho Deliberativo do Patrimônio. Tombada em 29 de novembro de 2007.
Característica
Suas linhas construtivas supõem tratar-se de
edificação do período colonial. A Capela é bem
inserida no conjunto urbano, tendo área livre na
frente, com árvore e cruzeiro de madeira. Possui
peças de talha bastante despojada,
presumivelmente do séc. XIX. A Imaginária é de
pequeno porte, é de boa qualidade.
Tabela 01: Monumentos tombados no distrito de São Gonçalo do Rio das Pedras
Foto 05: Largo do Rosário (pedras) Fonte: Elcione Silva
Foto 06: Igreja Matriz de São Gonçalo
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Além do seu conjunto histórico preservado, a região ainda é cercada por áreas de preservação
ambiental: Parque Estadual do Pico do Itambé, Área de Proteção Ambiental das Águas Vertentes.
O distrito está localizado no Monumento Natural Várzea do Lajeado e Serra do Raio, o que
demonstra a beleza paisagística da região. Muitas destas áreas possuem trilhas originais que
foram utilizadas durante o período colonial para o transporte de pedras preciosas e por tropeiros.
São Gonçalo do Rio das Pedras faz parte da Rota da Estrada Real e também recebeu viajantes,
como Spiux e Martius e Auguste Sain Hilaire que deixaram relatos importantes sobre a região,
principalmente em relação ao aspecto paisagístico e diversidade biológica.
Para ir de Itambé a Vila do Príncipe, segui a estrada real que vai de Vila Rica a Tijuco; mas, apesar do nome pomposo que tem, essa estrada, muito menos frequentada que a de Rio de Janeiro a Vila Rica não é, em certos lugares, mais que uma picada tão estreita, que às vezes se tem dificuldade de seguir-lhe o traçado. (SAINT-HILAIRE, 1975, pag.130)
Além da beleza da paisagem, é possível encontrar diversas espécies de fauna e flora. As plantas
especialmente foram citadas por Auguste de Saint-Hilaire. É possível perceber que algumas
pessoas da comunidade possui um notório saber sobre os usos das plantas e ervas medicinal.
Como o distrito não possuía facilidades de acesso até a cidade de Serro, muitas vezes os
moradores recorriam ao uso das plantas e ervas medicinal.
Ainda sobre os relatos de Saint Hilaire, este reforça que os arraiais que se formavam durante a
exploração de pedras preciosas geralmente eram provisórios. Muitos destes apresentavam pouco
índice populacional e por isso possuíam um aspecto de abandono. No caso do distrito de São
Gonçalo do Rio das Pedras, as imposições da Coroa Portuguesa para entrada e saída para a
sede da Comarca do Serro Frio e para o arraial Tijuco (atual Diamantina) muitas vezes
comprometia o desenvolvimento local e a vinda de moradores.
Situada a oeste da grande cadeia, e a pequena distância dela, toda a região que se estende até Vila do Príncipe é ainda montanhosa, e as florestas, que a cobriam outrora, deram lugar, em muitos pontos, a imensas pastagens de capim gordura. Não se vislumbra, por assim dizer, o menor sinal de cultura; por toda a parte tem-se sob os olhos o aspecto do deserto, e muitas vezes, o do abandono. (SAINT-HILAIRE, 1975. pag.
130)
Os trechos “reais” hoje são reconhecidos no Brasil como parte da memória do período de
exploração de pedras preciosa. A existência destes trechos é importante como testemunho de tal
período para formação da comunidade de São Gonçalo do Rio das Pedras e para entender a
cultura local. Existem ainda vestígios de pontes construídas com pedras entre Milho Verde e São
Gonçalo, trilhas feitas com pedras, demonstrando que estes caminhos foram frequentemente
utilizados antes da abertura de uma estrada mais larga e acessível aos nossos carros
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atualmente. A própria comunidade guarda na lembrança aspectos históricos ligados à mineração
contados pelos pais e avós.
Dona Elídia, 105 anos relata que lembra quando as tropas chegavam de Diamantina e iam em
direção ao rancho de tropas, ainda preservado na região e que guarda na memória o som dos
sinos das mulas que acompanha a tropa. Os tropeiros repousavam e no dia seguinte seguiam
viagem. Segundo ela, o pai foi tropeiro e sempre viajava para levar mercadorias para outras
cidades.
Foto 07: Trecho da Estrada Real entre Serro a Diamantina Fonte: Google Earth, adaptação própria
Seja caminhando ou à cavalo, muitos moradores ainda utilizam estas trilhas construídas mato a
dentro. Como é o caso da trilha entre Capivari a São Gonçalo do Rio das Pedras, totalizando 11
km. Neste trecho é possível avistar o Pico do Itambé que serviu de referência para os
exploradores e viajantes; a Serra da Bicha, localizada próxima à comunidade de Capivari e a
Serra do Raio, próximo a São Gonçalo do Rio das Pedras. Como este trecho está localizado
dentro da área de preservação, existe uma enorme diversidade biológica e de recursos hídricos.
Existem outras trilhas localizadas a 5 km do distrito de São Gonçalo do Rio das Pedras. Uma das
mais conservadas é a trilha próxima à ponte do Rio Jequitinhonha. Segundo os moradores locais
essa trilha também foi utilizada para o transporte de pedras preciosas até a cidade de
Diamantina.
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O Rio Jequitinhonha representa marcas do período de mineração. Alguns garimpeiros
pernoitavam em lapas próximas ao Rio para que pudessem ficar mais próximas do Rio para fazer
o garimpo.
Alguns moradores, ex-garimpeiros e filhos de garimpeiros, revelam sobre as técnicas utilizadas
durante a exploração das pedras preciosas na região. O que demonstra que a cultura garimpeira
encontra-se enraizada na comunidade e que o período colonial junto com o garimpo foram os
responsáveis pelo surgimento de pequenos povoados que até nos dias de hoje guardam
lembranças deste período.
Recentemente houve uma proposta de candidatura da Estrada Real como Paisagem Cultural de
Minas Gerais junto a UNESCO. Este processo contou com o apoio do Instituto Estrada Real que
tem como objetivo de promover o desenvolvimento integral do turismo sustentável na Estrada
Real.
É possível perceber que a paisagem de São Gonçalo do Rio das Pedras fornece informação
acerca das relações que se estabeleceram ao longo do tempo entre cultura e o meio natural.
Contribuindo ainda para a compreensão da história local. É neste contexto que as paisagens são
consideradas como património cultural, pois se trata de uma constante evolução que se utilizam e
se legam as futuras gerações.
A região pode ser vista como lugar de memória em função das características históricas e
originalidade dos monumentos, da forma como ocorreu a ocupação urbana. Representa ainda um
determinado tipo de vida e de lugar que constrói uma cultura urbana caracterizada por vários
elementos como o uso das ruas, tipo de calçamento das ruas em pedras, técnicas de construção
de casas com o adobe, a existência de trilhas que contam história da região, a religiosidade
marcante, o conhecimento da comunidade em relação ao uso de plantas da região, ao cuidado
com a biodiversidade para a sustentabilidade da comunidade etc. Integrada a esta cultura urbana
está o usufruto de um espaço urbano privilegiado em termos de fruição da paisagem ao entorno.
Gestão da Paisagem em São Gonçalo do Rio das Pedras: oportunidades e
desafios
Como refere Metchild Rossler, a inscrição no Património Mundial de sítios enquanto “Paisagens
Culturais” tiveram importantes efeitos na interpretação, apresentação, e gestão desses territórios.
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Os processos de candidatura conduziram a uma melhor percepção dos seus valores nas
comunidades locais, muitas vezes devolvendo (ou dando novo) orgulho, permitindo o reviver e o
reabilitar de tradições ancestrais.
O distrito de São Gonçalo do Rio das Pedras possui imóveis tombados pelo IEPHA/MG que
necessitam de obras de restauração de elementos artísticos e conservação preventiva, como a
Igreja Matriz de São Gonçalo e Igreja do Rosário. Torna-se necessário ainda evitar a
descaracterização da paisagem histórica e natural desses povoados. Deverão ser tomadas
medidas que garantam uma conservação da paisagem urbana que devido ao grande incentivo ao
turismo realizado ultimamente na região em decorrência de melhorias de acesso, tem contribuído
para as construções irregulares de casas que não condizem com as características locais.
O Conselho Deliberativo de Patrimônio Cultural do Serro junto com o apoio de outros órgãos
municipais tem o desafio de preservar não só o patrimônio tangível, mas também o patrimônio
intangível. É importante ressaltar que o conhecimento da paisagem cultural pressupõe uma
especial atenção ao património intangível, que é porventura aquele sobre o qual dispomos de
menos informação. A reinterpretação da paisagem cultural passa pelas recolhas etnográficas, por
ver e ouvir as populações locais, descobrir os últimos representantes de um saber
consuetudinário. (NUNO; COSTA, 2009)
As belezas dos cenários naturais nas proximidades do distrito de São Gonçalo do Rio das Pedras
estão relativamente bem preservadas. Entretanto, existem alguns conflitos ambientais na região,
já que por estar inserida em áreas de preservação ambiental é imposto pelos órgãos ambientais
algumas restrições ao modo de vida da comunidade local que sempre esteve muito ligada ao
extrativismo da flora local e à caça. Deve-se ressaltar que a criação destas Unidades de
Conservação sempre vem apoiar a conservação da natureza. Porém, é necessário um diálogo
maior com a comunidade local para que esta possa conviver com o meio natural de forma
sustentável. Outras ameaças ambientais são as carvoeiras, a mineração e os garimpos, bem
como a extração da candeia e da flora natural, queimadas para a atividade agropecuária, a
plantação de braquiária para pastagens.
É importante ressaltar que para que a paisagem cultural seja preservada deve-se proteger das
culturas tradicionais, diversidade biológica e economia sustentável através da conservação com
base na comunidade. (MITCHEL; MELNICK, 2012). A comunidade é a principal atora nesse
processo de valorização e conservação da paisagem.
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Outro aspecto importante é em relação à conservação urbana integrada, deve-se considerar o
dinamismo da paisagem, incluindo a interação entre cultura e natureza. Para tanto, é necessário
que instituições ligadas a preservação do meio natural, cultural e da gestão do território trabalhem
em conjunto para viabilizar esta conservação integrada. É importante ressaltar que com a
evolução da paisagem cultural, é exigido mudanças e novos padrões para avaliação e gestão da
paisagem cultural, o que influencia nas políticas estaduais e municipais, assim como
organizações, que estão envolvidos com o reconhecimento de paisagem cultural e conservação.
Portanto, para alcançar a conservação integrada e da paisagem cultural é necessária a
participação de todos os envolvidos com a cultura e o meio natural, inclusive a própria
comunidade.
REFERÊNCIAS
DIÁRIO OFICIAL DA UNIÃO – Seção 01 – Nº 83, terça-feira, 5 de maio de 2009, p. 17 – PORTARIA Nº 127, de 30 de abril de 2009.
ESCHWEGE, Wilhelm Ludwig Von. Brasil, novo mundo, Vol. II. Tradução Myriam Ávila. Belo
Horizonte: Fundação João Pinheiro, 2000. Introdução de Friedrich E. Renger.
FOWLER, P.J. World Heritage Cultural Landscapes 1992-2002. UNESCO, World Heritage Centre. 2003
ICOMOS – Internacional Council on Monuments and Sites. World Heritage Cultural Landscapes. UNESCO-ICOMOS Documentation Centre. Setembro 2009. Disponível em <http://www.international.icomos.org/centre_documentation/bib/culturallandscapes.pdf. > Acesso em 10 de julho de 2014. LAZZAROTTI, Olivier (2003) -"Tourisme et patrimoine: ad augusta per angustia", Annales de Géographie, 629: 91-110 apud ALMEIDA, Antonio Campar de. Paisagem: um patrimônio e um recuso. Ed. Campo das Letras, Coimbra, 2006. MARQUES, Daniel Anilton Duarte. Estrada Real: Patrimônio Cultural de Minas Gerais (?) – Um estudo de Diamantina e Serro. Tese de Mestrado. Universidade de Brasília, 2009. MARTINS, Nuno; COSTA, Cláudia. Patrimônio, paisagens culturais, turismo, lazer e desenvolvimento sustentável. Parques temáticos vs parques patrimoniais. Revista Nº Temático – Turismo e Patrimônio. Turismo 2009 MAWE, John. Viagens ao interior do Brasil, principalmente aos distritos do ouro e dos diamantes. Tradução de Solena Benevides Viana, introdução e notas do Clado Ribeiro de Lessa. Zélio Valverde, Rio de Janeiro, 1944. Nora Mitchell and Robert Z. Melnick, ‘Shifting paradigms: new directions in cultural landscape conservation for a twenty-first-century America’, in Ken Taylor and Jane L. Lennon, eds., Managing Cultural Landscapes (London and New York: Routledge, 2012), pp. 232-252.
3° COLÓQUIO IBERO-AMERICANO PAISAGEM CULTURAL, PATRIMÔNIO E PROJETO - DESAFIOS E PERSPECTIVAS
Belo Horizonte, de 15 a 17 de setembro
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