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PAISAGEM COMO CONCEITO: As contribuições do CBG 2014 e da 2015 AAG Anual Meeting
BARBOSA, David Tavares (1); DOMINGUES, Beatriz Velloso da Cruz (2); REIS, Gabrielle Alves (3); SILVA FILHO, Gilberto Hermínio da (4)
1. Universidade Federal do Rio de Janeiro. Departamento de Geografia
Endereço Postal: Endereço Postal: Av. Athos da Silveira Ramos, 274 - Centro de Ciências Matemáticas e da Natureza, Bloco G salas 25-27-29. Instituto de Geociências (IGEO), Departamento de Geografia
(DepGeo). Cidade Universitária, CEP 21941-916 - Rio de Janeiro (RJ). E-mail: [email protected]
2. Universidade Federal do Rio de Janeiro. Departamento de Geografia
E-mail: [email protected]
3. Universidade Federal do Rio de Janeiro. Departamento de Geografia E-mail: [email protected]
4. Universidade Federal do Rio de Janeiro. Departamento de Geografia
E-mail: [email protected]
RESUMO
A paisagem caracteriza-se como um dos conceitos mais difundidos e controversos da Geografia. Termo polissêmico, antes mesmo de conotar um conceito da disciplina geográfica, corresponde a uma noção difundida anteriormente à sistematização da Geografia. Mesmo que vinculada à ideia de observação do meio e apreciação estética do mundo, concepção amplamente difundida no meio científico, existem diversas abordagens possíveis para considerar a paisagem. Formulações teóricas justapostas em disciplinas como geografia e arquitetura, assim como concepções vinculadas às diversas expressões artísticas e ações patrimoniais. Ciente da diversidade de postulados ao estudo da paisagem, o presente trabalho apresenta como objetivo uma análise crítica da produção científica vinculada ao conceito de paisagem na Geografia, mais especificamente, no Congresso Brasileiro de Geógrafos de 2014 e na 2015 AAG Anual Meeting, nos Estados Unidos. A problematização sobre as publicações desses dois eventos se justifica devido ao caráter agregador que tais publicações apresentam para o pensamento geográfico brasileiro e americano, respectivamente. Preocupa-nos analisar como a paisagem tem sido nomeada, analisada e mobilizada segundo as diferentes tradições do conhecimento da Geografia na atualidade. Além do debate sobre as diferentes tradições teórico-metodológicas vinculadas ao debate da paisagem na geografia, buscaremos problematizar os desdobramentos práticos que tais considerações permitem ao trabalho do profissional geógrafo. Assim, a leitura teórica sobre paisagem, cerne do presente esforço, possibilitará a análise dos pressupostos paisagísticos tanto dos discursos dos profissionais geógrafos, quanto da escala de atuação desses profissionais em projetos relativos ao problema da paisagem. Para alcançar os objetivos propostos, a metodologia do trabalho será fundamentada no levantamento dos trabalhos relacionados ao conceito de paisagem, seguida da organização dos dados em função do objeto e da escala de abrangência do trabalho, acompanhada de uma análise qualitativa e quantitativa dos resultados alcançados. Este trabalho está vinculado aos projetos de pesquisa do Grupo de Pesquisa sobre Política e Território (GEOPPOL), do departamento de Geografia da Universidade Federal do Rio de Janeiro e seu projeto de pesquisa sobre as atuais dinâmicas da política da paisagem no contexto contemporâneo.
Palavras-chave: Paisagem; Geografia; Conceito; Teoria.
4O COLÓQUIO IBERO-AMERICANO PAISAGEM CULTURAL, PATRIMÔNIO E PROJETO Belo Horizonte, de 26 a 28 de setembro de 2016
INTRODUÇÃO
A paisagem caracteriza-se como um dos termos mais difundidos e controversos da Geografia.
Termo polissêmico, antes mesmo de conotar um conceito disciplinar, corresponde a uma
noção difundida anteriormente à sistematização da Geografia. Mesmo que vinculada à ideia
de observação do meio e apreciação estética do mundo (BESSE, 2006; BERQUE, 2009;
CLAVAL, 2012), existem diversas abordagens possíveis para considerar a paisagem.
Formulações teóricas justapostas em disciplinas como geografia e arquitetura, assim como
concepções de paisagem vinculadas às diversas expressões artísticas e ações patrimoniais.
A paisagem, como noção, supõe relações de interdisciplinaridade e suscita enfoques plurais
de análise e reflexão teórica (SALGUEIRO, 2000; RIBEIRO, 2007).
Conforme destaca Claval (2012), o debate sobre o termo “paisagem” na Geografia permite
uma apreensão de múltiplos pontos de vista e análise que se aproximam, mas que podem
direcionar a diferentes metodologias, formulações teóricas e apreensões distintas de uma
mesma paisagem. Perante a multiplicidade de sentidos e usos da paisagem no debate
geográfico, mas também em disciplinas correlatas, compreender como esse conceito se
insere no quadro teórico-metodológico geográfico permite-nos refletir sobre os caminhos
trilhados pela ciência e os desafios atuais de sua aplicação.
Há de se destacar que a história disciplinar da Geografia apresenta uma multiplicidade de
contribuições antigas e contemporâneas sobre esse conceito, com desdobramentos teóricos
e práticos diversos. Conforme demonstra Wylie (2009), a paisagem se apresenta como um
dos termos centrais da Geografia, sendo um dos princípios organizadores e lente
interpretativa para várias gerações de pesquisadores, mesmo que vinculado a ampla variação
do locus de pesquisa e apreensão deste conceito.
De grande influência na apreensão paisagística da Geografia, uma das primeiras, mas ainda
importante, contribuições está nas formulações do naturalista Alexander Von Humbolt que no
início do séc. XIX estimula o desenvolvimento de uma abordagem da paisagem como
interface entre natureza e cultura, com procedimentos metodológicos de comparações e
estudo das feições morfológicas nas quais o homem atuava (CLAVAL, 2012; MAXIMIANO,
2004). Igualmente, há na tradição geográfica de análise da paisagem forte influência da
perspectiva de Vidal de La Blache. Para Ribeiro (2007; 2015), a tradição vidalina está
associada com uma ideia da paisagem associada aos modos de vida tradicionais e relações
homem/natureza, cuja análise é compreendida enquanto um resultado da relação da
sociedade com seu meio, construtora de uma cultura que pode ser lida através da paisagem.
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Outra contribuição que ainda reverbera questões aos debates contemporâneos da paisagem
na Geografia corresponde aos estudos desenvolvidos por Carl Sauer sobre as relações entre
cultura e paisagem. Sauer, em sua proposição sobre o estudo das paisagens culturais,
estimulou a Geografia ao estudo das formas culturais, dos processos histórico-culturais e
relações sociais que dinamizam a paisagem (MAXIMIANO, 2004; BARBOSA, 2012). Alvo de
inúmeras críticas que denunciaram uma perspectiva estruturalista em suas análises, a
perspectiva cultural de Sauer foram enriquecidas na Geografia a partir da década de 1970,
após o cultural turn que aproximou o estudo geográfico de abordagens da semiótica,
hermenêutica, fenomenologia e das disciplinas humanísticas (BARBOSA, 2012; SAHR,
2008).
Neste momento, convém reforçar a importância histórica do conceito de paisagem à
Geografia a partir do exposto por Ribeiro (2007, p. 31-32), sobre as múltiplas abordagens do
conceito na história da disciplina:
O conceito de paisagem, apesar de ser um dos mais antigos da geografia, ainda demanda um maior esclarecimento de sua importância e função dentro da disciplina. A grande variação de acepções não só ao longo do tempo, mas convivendo dentro de um mesmo contexto histórico, muitas vezes contribui para uma confusão ao redor das definições do conceito de paisagem [...] No entanto, a profusão de acepções também demonstra como o conceito de paisagem possui uma ri queza de possibilidades que não pode deixar de ser explorada, ao preço de um empobrecimento do próprio conhecimento humano.
De Humboldt aos geógrafos da nova geografia cultural, a paisagem tem instigado a imaginação dos geógrafos, que optaram por abordá-la das mais diferentes formas. Outras abordagens devem surgir, fazendo da paisagem um conceito vivo e em construção, transformando a geografia em uma ciência dinâmica (RIBEIRO, 2007, p. 31-32).
O acúmulo histórico dessas distintas perspectivas teóricas de análise da paisagem possibilita
que, na perspectiva de Verdum (2012), se observe distintas possibilidades de leitura do
conceito na geografia: desde análises descritivas, preocupadas com a análise das
morfologias da paisagem, até análises sistêmicas (interessada em destacar a combinação
dos elementos físicos, biológicos e sociais num conjunto geográfico) e perceptivas, que
considera a paisagem como o concreto, mas também a representação, imaginação das
coisas. Ciente dessa diversidade de postulados teórico-metodológicos, este trabalho tem
como objetivo revisar de maneira crítica a produção científica atual do conceito de paisagem,
mais especificamente, no Congresso Brasileiro de Geógrafos de 2014 e na 2015 AAG Anual
Meeting, nos Estados Unidos. Essas publicações foram escolhidas devido ao seu caráter
agregador da geografia nos dois países. Preocupa-nos analisar como a paisagem tem sido
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nomeada, analisada e mobilizada segundo as diferentes tradições do conhecimento da
Geografia na atualidade.
Conforme demonstra Gomes (1996), o conhecimento corresponde a uma construção social
inserida na representação de mundo do período de sua produção, possível de ilustrar o
contexto histórico, social, político e cultural em que este saber se institui. Assim, ao
desenvolver essa pesquisa, buscamos fornecer subsídios que auxiliem na compreensão das
formulações e compreensão contemporânea, assim como os possíveis desdobramentos
teóricos e práticos que o trabalho sobre à paisagem indica ao profissional geógrafo.
Este trabalho está vinculado aos projetos de pesquisa do Grupo de Pesquisa sobre Política e
Território (GEOPPOL), do departamento de Geografia da Universidade Federal do Rio de
Janeiro e seu projeto de pesquisa sobre as atuais dinâmicas da política da paisagem no
contexto contemporâneo. Igualmente, corresponde a uma continuidade de pesquisa anterior
desenvolvida no âmbito do Grupo de Pesquisa e apresentado em comunicação oral de
edições passadas do presente colóquio (MELO FILHO et al, 2014).
METODOLOGIA
Do ponto de vista metodológico, optamos por seguir as trilhas metodológicas assumidas no
trabalho anterior desenvolvido no âmbito do Grupo de Pesquisa sobre Política e Território
(GEOPPOL/UFRJ), cujo objetivo buscou analisar os dados do encontro da AAG 2014 (MELO
FILHO et al, 2014).
O recorte analítico do presente trabalho vincula suas análises aos anais publicados pelos
encontros da American Association Geographers e da Associação dos Geógrafos Brasileiros.
A escolha dos dois eventos deu-se em função da abrangência e periodicidade de seus
encontros. No caso da AAG, o evento é realizado anualmente, contando com as contribuições
de autores de todo o Mundo, apresentando pesquisas sobre temas diversos. Já os encontros
da AGB ocorrem a cada dois anos, no modelo de encontro, e a cada 10 anos no modelo de
Congresso.
Em função da grande quantidade de resumos submetidos nos dois encontros, dividimos a
metodologia deste trabalho em três partes: 1º) um levantamento de todos os trabalhos
relacionados ao conceito de paisagem; 2º) organização dos dados em função do objeto e da
escala de abrangência do trabalho, produção de gráficos; e 3º) análise dos resultados.
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Considerando o aspecto dinâmico e polissêmico do conceito, optamos por numa primeira
etapa realizar um amplo levantamento da palavra paisagem nos anais do encontro. Assim
foram levantados os trabalhos relativos à paisagem, que foram fichados e alimentaram um
banco de dados sobre o conceito de paisagem, com as informações selecionadas: Título,
Autor, instituição, e-mail, palavras-chaves e resumo. Se as palavras “landscape” ou
“paisagem” estivessem presentes em algum desses itens, o trabalho seria catalogado.
Conforme justificado no trabalho anterior, a escolha dessas informações não foi arbitrária. A
partir da seleção desses itens acreditamos ser possível observar como a paisagem tem sido
nomeada, pensada e problematizada nos estudos geográficos (Título). Igualmente,
interessa-nos saber o percurso acadêmico e a espacialização dos autores que tem trabalhado
a paisagem (Autor e Instituição). Igualmente, a seleção dessas informações também pode nos
ajudar a compreender quais temas são associadas ao conceito de paisagem, assim como os
discursos vinculados à sua apreciação (Palavras-chaves e Resumo) (MELO FILHO et al,
2014).
Por fim, geógrafos contemporâneos têm alertado sobre a necessidade das ciências sociais e
humanas promoverem uma incursão crítica sobre a relação entre palavras e realidade, quer
seja através do estudo da semântica das palavras e as implicações de seu uso (SOUZA,
2011; 2013), quer através de uma avaliação crítica sobre os conceitos e palavras produzidos
pela ciência, interpretando-os enquanto prática social carregada por redes de poder e
intenções políticas (GREGORY, MARTIN e SMITH, 1996). Assim, a pesquisa aqui
desenvolvida se justifica na medida que permite-nos refletir sobre as práticas de produção do
conhecimento geográfico, bem como problematizar sobre a perspectiva epistemológica que
orienta nossa percepção particular desse conceito plural e multifacetado.
RESULTADOS
2015 AAG Anual Meeting
No encontro da Association of American Geographers (AAG), foram apresentados mais de mil
trabalhos. Destes, cento e treze utilizaram o conceito de paisagem. Deste total, setenta e nove
estão relacionados a área da Geografia Humana, vinte e cinco à Geografia Física e apenas
nove trabalhos apresentavam intercessão de área, sendo classificados como “híbridos”. A
partir das palavras-chaves associadas aos trabalhos da AAG, pode-se vislumbrar na Figura
01 as principais associações ao debate do termo na Geografia dos Estados Unidos. Dentre as
principais questões elencadas ao debate paisagístico do evento, observamos grande
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concentração de reflexões no debate do urbano, aos processos de mudança e transformação
de paisagens estabelecidas, assim como algumas questões da vertente cultural de análise.
FIGURA 01 – Palavras-chaves mais frequentes nos trabalhos de Geografia do 2015 AAG
Anual Meeting.
Os trabalhos da Geografia Humana trazem desde descrições da paisagem até
ressignificações e abordam temas de geopolítica, memória e patrimônio, políticas públicas,
cultura, educação e demais temas relacionados a questionamentos acerca do conceito e da
sua relação com o âmbito sócio-espacial.
Desses trabalhos, 42 abordam o conceito a partir de uma visão do meio urbano, outros 09
utilizam o conceito em perspectiva de análise das ruralidades e outros 27 tratam de temas que
se adequam nos dois meios, caracterizando, portanto, uma interface entre ambos. O restante
traz uma abordagem teórica. Com isso, conclui-se que a paisagem é um conceito amplo e
pode ser trabalhado com diversos ambientes, abrigando grandes objetos de pesquisa. Além
disso, desses trabalhos, 29 desses trabalhos utilizam a escala geral, 38 trabalham com a
escala local e apenas um aborda a nacional. Escalas regionais apenas são tratadas em 12
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trabalhos do viés físico da Geografia. Dentre os trabalhos de classificação geral, estão
inclusas as discussões sobre o conceito de Paisagem na Geografia, correspondendo a
apenas um trabalho.
Observando as palavras que mais aparecem nos títulos dos trabalhos apresentados no AAG
Annual Meeting, chama-se a atenção para as palavra Urban (urbano) e Change (mudança),
destacando como o meio urbano e as interferências e evoluções que este sofre são
importantes para o conceito de paisagem, atualmente, e para a Geografia. A figura 01,
exposta anteriormente, possibilita a apreensão das palavras mais recorrentes dos títulos de
todos os trabalhos, de acordo com o seu tamanho.
O estudo da paisagem em trabalhos Geografia Física representam apenas cerca de 21% de
total. Dos 25 trabalhos de Geografia Física, 7 abordam o conceito a partir de uma visão do
meio urbano, 8 utilizam o conceito rural e os outros 5 tratam de temas que se adequam nos
dois meios, caracterizando, portanto, uma interface entre ambos. Com isso, conclui-se que a
paisagem é um conceito amplo e pode ser trabalhado com diversos ambientes, abrigando
grandes objetos de pesquisa. Além disso, desses trabalhos, 5 desses trabalhos utilizam a
escala geral, 13 trabalham com a escala local e outros 5 abordam a escala regional. O
nacional não é visto nessas apresentações. Os temas caracterizam-se pela análise de solos,
geomorfologia fluvial e geoprocessamento.
Dentre os trabalhos apresentados nesse evento, apenas 40 possuem relação com instituições
externas aos Estados Unidos da América. Destes, destacam-se instituições do Canadá e da
Europa e é possível notar a ausência da África e do Oriente Médio nos trabalhos analisados:
há apenas um representante da Arábia Saudita. Observando as regiões oficiais
estadunidenses, a região que mais apresenta trabalhos é a Centro-Oeste (região 2, que
abriga os estados de Wisconsin, Michigan, Illinois, Indiana, Ohio, Missouri, Dakota do Sul,
Dakota do Norte, Nebraska, Kansas, Minnesota e Iowa). No entanto, as regiões Nordeste e
Sul também apresentam consideráveis participações, cada uma com aproximadamente 29%
dos trabalhos norte-americanos. Já a região 4 (Oeste), de estados como Califórnia,
Washington, Novo México, Havaí, Arizona e outros, destoa desses números, com apenas 6
artigos.
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Congresso Brasileiro de Geógrafos
Quanto aos aspectos referentes ao CBG (Congresso Brasileiro de Geógrafos), foram
identificados 35 trabalhos que utilizaram a paisagem como conceito. Destes, 11 aplicam o
conceito em estudos vinculados à Geografia Física. Os demais 24 trabalhos, que perfazem
um total de 69%, tratam de questões relativas aos estudos da Geografia Humana. Dentre os
trabalhos na perspectiva da Geografia Humana, os assuntos debatidos vinculam-se a
questões de descrições da paisagem, processos de ressignificações e/ou reestruturação,
assim como abordam temas de geopolítica, memória e patrimônio, políticas públicas, cultura,
educação. Enfim, abordam temas relacionados a questionamentos acerca do conceito e sua
possível relação com questões do âmbito sócio-espacial.
Dos 24 trabalhos vinculados à Geografia Humana, 17 tematizam o conceito a partir da
perspectiva do meio urbano. Apenas um utiliza o conceito em perspectiva rural. Os outros 06
tratam de temas híbridos, de interface com questões entre ambas perspectivas de análise.
Com isso, conclui-se que a paisagem é um conceito amplo e pode ser trabalhado com
diversos ambientes, abrigando grandes objetos de pesquisa. Ainda sobre os trabalhos
relacionados à Geografia Humana, 09 utilizam escalas de análise mais gerais, 13 trabalham
com a perspectiva da escala local e apenas um aborda a paisagem na escala nacional.
Estudos de escalas regionais encontram-se mais relacionadas em trabalhos do viés físico da
Geografia. Dentre os trabalhos de classificação geral, estão inclusas as discussões sobre o
conceito de Paisagem na Geografia, correspondendo a apenas um trabalho.
A partir da observação das palavras que mais aparecem nos títulos dos trabalhos
apresentados no Congresso Brasileiro de Geógrafos (FIGURA 02), observamos uma especial
atenção atribuída à palavra “Cidade”, destacando o meio urbano como um dos mais
importantes qualificativos de análise do conceito nos estudos contemporâneos da Geografia.
A figura 01, exposta a seguir, que apresenta as palavras mais recorrentes nos títulos dos
trabalhos, pouco difere da imagem relativa aos trabalhos da Geografia Humana (FIGURA 03).
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FIGURA 02 – Palavras-chaves mais frequentes nos trabalhos de Geografia do CBG-2014,
onde destaca-se especial relação da análise da paisagem aos estudos da cidade.
No gráfico de palavras dos trabalhos de Geografia Humana, além do destaque da palavra
“Cidade” chamamos a atenção aos termos “Ensino”, “Políticas” e “Imagens”. Desses
trabalhos, observa-se, igualmente, uma espacialização das ideias e análises da paisagem,
visto que 15 deles foram desenvolvidos por instituições da região Sudeste do Brasil, o que
corresponde a 62,5% da produção total. Os demais trabalhos dividem-se entre as regiões
Norte, Nordeste, Centro-Oeste e Sul. Associando essas palavras-chaves mais utilizadas pela
Geografia Humana, podemos observar que o estudo da paisagem dessa perspectiva está
diretamente vinculada à reflexões sobre a perspectiva do conhecimento e da prática de ensino
da geografia didática. Igualmente, percebe-se uma preocupação com a dinâmica de
transformação e políticas de intervenção em paisagens estabelecidas.
Nesses trabalhos, pode-se observar que a paisagem é discutida não somente a nível de
observação, mas com destaque para sua prática cultural, como aponta Mitchell (2002) apud
Soares (2013). Assim, a paisagem também é capaz de apontar relações de poder (MELHO
Filho et al, 2014), além de indicar evoluções ao longo do tempo. Com isso, utiliza-se de
estudos de Denis Cosgrove, a fim de analisar a “Nova Geografia Cultural”, que destaca a
presença de valores na paisagem (CORRÊA, 2001). A ação humana torna-se, então, fator
primordial no estudo da paisagem, e gera destaque aos estudos de Geografia Humana, tendo
em comum a busca de interpretar os simbolismos presentes.
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FIGURA 03 – Palavras-chaves mais recorrentes nos trabalhos de Geografia Humana do
CBG-2014, com relativo destaque aos termos “Cidade”, “Ensino”, “Políticas” e “Imagens”.
Em relação aos trabalhos vinculados à perspectiva da Geografia Física, destaca-se a
produção de trabalhos que tematizam o meio rural e aspectos de interface entre o meio
humano e físico. Dos 11 trabalhos que apresentam a palavra “Paisagem” no título e
classificados como atuantes no contexto físico, apenas três podem ser considerados como
perspectiva de análise urbana. Como temas, apresentam-se uso de geotecnologias, uso do
solo e análise da paisagem em sub-bacias, a partir da discussão de questões relativas à
natureza e meio ambiente.
Em oposição aos trabalhos de Geografia Humana, esses tratam especialmente da escala
regional (5 trabalhos) e local (4 trabalhos), enquanto apenas 2 podem ser classificados como
escala geral. Dentre esses, em contraposição aos artigos de Geografia Humana, nenhum
questionou-se sobre o conceito de paisagem, ou seja, não há críticas ao que já fora
apresentado por outros autores.
Os trabalhos de Geografia Física que abordam a paisagem, diferentemente dos de Geografia
Humana, analisados anteriormente, são bem distribuídos ao longo do país: as regiões
Sudeste, Sul e Norte colaboram com três trabalhos cada uma, enquanto o Centro-Oeste está
presente em dois e o Nordeste, em apenas um, realizado em parceria com a região Norte.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
A Geografia, ciência de complexos, apresenta um conjunto de caminhos
teórico-metodológicos com aspectos e posicionamentos singulares. A presença de diferentes
abordagens ao estudo da paisagem, com especificidades metodológicas, teóricas e
conceituais, se nos aponta divergências, também pode nos ajudar a compreender a realidade
a partir do caráter relativo e complexo das espacialidades. Além do mais, a ciência se
caracteriza em si mesmo, por ser um produto histórico e contextual, onde a pluralidade de
caminhos e de respostas corresponde à própria razão de sua existência.
Como percebe-se na análise dos dois eventos abordados, a paisagem é tematizada por
diferentes tradições da Geografia. Entretanto, ainda é pouco o espaço para diálogo,
fortalecimento de laços e problematização entre as distintas abordagens construídas nos
“dois polos epistemológicos da disciplina geográfica” – ‘polo’ do conhecimento sobre a
natureza (‘Geografia Física’) e ‘polo’ do conhecimento sobre a sociedade (‘Geografia
Humana’) (SOUZA, 2013). Se a paisagem pode ser um ponto de conexão e reflexões
conjuntas entre distintos tipos do saber/fazer geográfico, as abordagens da paisagem
verificadas ainda se encontram dispersas.
Nesse sentido, consideramos que a fragmentação das análises da paisagem se apresenta
como um problema maior que a pulverização temática dos olhares paisagísticos. A
compartimentação, a separação entre os aspectos humanos e físicos da paisagem, indica a
existência de implicações diretas nas formulações teóricas, conceituais e metodológicas
sobre a paisagem desses ‘polos epistemológicos’ (SOUZA, 2013), nomeados de “Geografia
Física” e “Geografia Humana”. Tal como esclarece Paul Claval (2012), ideias distintas do
terno paisagem não se excluem ou se sobrepõem, mas podem direcionar a diferentes
metodologias, formulações teóricas e apreensões distintas de uma mesma paisagem.
Entretanto, há de se destacar que, mais que um problema interno da disciplina, essas distintas
formulações sobre a paisagem apresenta ligações com a compreensão ampla do sentido de
paisagem no senso comum e nas disciplinas correlatas. Conforme destaca Martins (2004, p.
11), a paisagem (a partir de landscape) apresenta, do ponto de vista etimológico, a noção de
recorte que “engloba a descrição das características estáticas e dinâmicas de determinada
região, nos aspectos naturais e culturais”. Já na visão das ciências, a definição de paisagem
apresenta outras duas acepções diferentes: “espaço de terreno que se abrange num lance de
vista” – sentido utilizado inicialmente nos textos científicos, paisagem como ambiente
visualmente percebido – e a ideia de paisagem como “pintura, gravura ou desenho que
representa uma paisagem natural ou urbana” (MARTINS, 2004, p. 11).
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Assim, percebe-se que, seja na construção dos objetos de pesquisa, seja na essência das
ideias que fundamentam o olhar geográfico, a perspectiva de análise da paisagem na
Geografia continua a indicar diversas contribuições teóricas e desdobramentos práticos. Há
na Geografia um entrecruzamento e heterogeneidade dos estudos geográficos a partir da
paisagem, sendo essa pluralidade de caminhos necessários para assegurar a compreensão
da complexidade do mundo real.
Ciente da importância de se preservar essa diversidade de postulados, há que se reforçar que
quaisquer esferas que queiram reconhecer a dimensão espacial dos fenômenos (sociedade e
natureza, por exemplo), estes não se contrapõem dialeticamente, pois antes de dimensões de
análise do espaço, correspondem a aspectos vinculados ao real concreto que não se
sobrepõem uns aos outros, mas que, do contrário, encontram-se interconexas.
Por fim, acreditamos que o estudo da paisagem na Geografia precisa receber reflexões que
estabeleçam sinergias entre as partes para além da cooperação formal entre especialistas,
mas segundo uma interpretação da realidade calcada no pensamento condicional que
reconhece o caráter relativo e complexo das espacialidades e que se preocupe com a
superação da compartimentação da realidade em partes desconexas (SOUZA, 2013). A
reflexão da paisagem na Geografia pode ganhar cada vez mais credibilidade a partir da
construção de formulações baseadas no diálogo entre suas diferentes tradições, desde que o
produto final da reflexão estabeleça diálogos com a reconstrução constante do conhecimento.
REFERÊNCIAS
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