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PAINEL CIÊNCIA & CULTURA • Março/2013 3 Nº 75 Março/2013 VERDE Brasil tem nova versão para sua legislação ambiental Brasil tem nova versão para sua legislação ambiental CÓDIGO

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Revista Laboratorial do Curso de Jornalismo da Unimep

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PAINEL CIÊNCIA & CULTURA • Março/2013 3

Nº 75Março/2013

VERDEVERDEBrasil tem nova versão para sua

legislação ambiental

Brasil tem nova versão para sua

legislação ambiental

CÓDIGO

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4 PAINEL CIÊNCIA & CULTURA • Março/2013

Informações:(19) 3124.1676

[email protected]

Jornalismo

Sintonia com as novas linguagens e tecnologias de comunicação. Compromisso com a ética e a

qualidade da informação.

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Curso avaliado com4 estrelas pelo Guia do Estudante e Conceito 4

no Enade/MEC.

Unimep

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CARTA DO EDITOR

PAINEL CIÊNCIA & CULTURA • Março/2013 5

EXPEDIENTE

Órgão Laboratorial do Curso de Jornalismo da Unimep

ReitorGustavo Jacques Dias Alvim

Diretor da Faculdade de Comunicação Belarmino César Guimarães da Costa

Coordenador do Curso de JornalismoPaulo Roberto Botão

EditoraRosemary Bars Mendez

Editores ExecutivosMariana Bittar

Editor de FotografiaFábio Mendes

RedatoresAriane Precoma, Carla Oliveira,

Fábio Mendes, Isis Renata, Janaina Ferreira, Jessica Lopes, Jessica Polliani

Coracini, Marina Izabel Pereira Campos, Matheus Calligaris, Mylena

Arruda, Natália Paula Mendes, Paloma Barbosa, Patrícia Peixoto

Milão, Vanessa Martins Marcelino, Vinícius Andriota Montebello.

Diagramação e Arte FinalSérgio Silveira Campos

(Lab. Plan. Gráfico)

Foto de CapaFábio Mendes

Correspondência Faculdade de Comunicação

Campus Taquaral, Rodovia do Açúcar, km 156 - Caixa Postal 69

CEP 13.400-911 Telefone: (19) 3124-1677

Acesse nosso site:www. soureporter.com.br

A produção da revista PAINEL sempre reflete um momento de criatividade dos

alunos da Faculdade de Jornalismo da Unimep. Nesse processo, a identificação

com os temas envolvendo a comunidade acadêmica pesa ao se discutir a pauta e,

portanto, inicia-se a ordenação do conteúdo jornalístico. Só essa etapa vale para

a experiência inicial do fazer jornalismo e acaba por representar o pensamento de

cada estudante sobre a importância dos assuntos tratados, assim como o enfoque

e as fontes selecionadas para compor este conteúdo.

Nessa edição da revista, por exemplo, o leitor vai encontrar reportagens foca-

das no meio ambiente. Reúne informações sobre a situação do destino do lixo de

Piracicaba, que é transportado para Paulínia; relata como é realizado o descarte

correto de pilhas e baterias de aparelhos eletrônicos. A reportagem principal, capa

da edição, apresenta as consequências para o Brasil com as alterações efetuadas

no Código Florestal, votadas no ano passado pelo Congresso Nacional, depois

de polêmicas e discussões envolvendo ambientalistas e ruralistas; retrata ainda

a história de vida de Waldomiro Ivers, dedicada à recuperação da fauna e flora de

suas fazendas, hoje exemplos de projetos de reflorestamento.

Outro tema em destaque nessa edição é a cultura. A primeira matéria refere-se

‘ao som da terra’, duplas que cantam músicas de raiz e que se apresentam no

Sesi da Vila Industrial, todos os domingos de manhã, para um público cativo do

bairro. A importância das redes sociais como ferramentas de difusão de projetos

culturais que buscam financiamento é o gancho da reportagem sobre crowdfun-

ding. Os traços ingênuos da arte naif apresentam as obras e as histórias de seus

artistas; e as bandas independentes contam as dificuldades que enfrentam para

conseguirem financiar seus projetos e falam sobre as apresentações alternativas

que realizam em igrejas e em bares.

A arte produzida com material retirado do lixo é o enfoque da reportagem

com a artista Naná Hayne, que tem sua obra divulgada em diversos continentes.

O envolvimento de aprendizes de músicos é a pauta realizada com os alunos do

Conservatório Dramático Musical Doutor Carlos de Campos, que fica em Tatuí –

também conhecida como a capital da música. Os alunos contam suas histórias

de horas de estudos para dominar os instrumentos musicais.

Nessa edição, há ainda uma reportagem sobre os índices de violência em

Piracicaba, a partir dos dados da Secretaria de Segurança Pública do Estado de

São Paulo. Temas relacionados à comportamento também integram o conteúdo

da Painel, com foco para doação de sangue, a opção pela comida vegetariana e

tratamentos alternativos para o desequilíbrio emocional.

A todos uma boa leitura.

Experiência em sala de aula

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Mariana Bittar

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Newman Ribeiro Simões nasceu em 1947 na cidade de Pindora-ma, interior de São Paulo, e reside em Piracicaba há 45 anos, desde que começou a cursar Agronomia na Esalq/USP. Com

mestrado em Estatística, também pela USP, lecionou matemática em cursos superiores. Desde 1972 é professor e diretor pedagógico do Colégio CLQ, no ensino médio e preparatório para os vestibulares. Ocupou cargos públicos na prefeitura de Piracicaba, nas secretarias de Administração e de Cultura. Poeta, escreveu o livro Ilogicamente e, por editoria própria o livro A morte canta no canto de um conto. Em 2008, foi vencedor do Prêmio Escriba de poesias. Desde 1985 faz parte do Projeto Falando da Vida, um grupo de amigos que se encontra uma vez por ano para fazer um show beneficente. Nesse período, o grupo já arrecadou uma estimativa de 350 mil dólares.

NEWMANELE É PROFESSOR DE MATEMÁTICA,

APAIXONADO POR FÍSICA,

ENVOLVIDO COM MÚSICA, ARTE E CULTURA, ALÉM DE ORGANIZAR O GRUPO FALANDO

DA VIDA

e suas paixões

Com casa lotada, Falando da Vida canta

para 1.900 pessoas

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Painel: Na sua avaliação de edu-cador como se encontra a educação atualmente no Brasil?

Newman Simões: A educação se encontra num estado crítico, in-felizmente. No Brasil hoje, além do desvalor da educação, no aspecto global não há política educacional que defina metas a alcançar; as coisas são feitas a toque de caixa para consertar situações que exigem uma reflexão mais profunda. Não há formação de mestres para poder educar. Estão aí as Escolas que não conseguem formar turmas de licenciatura de Química, Física, Matemática e Português. Então não vejo como melhorar a curto prazo e falo isso com muita dor no coração.

Painel: Quais os pontos que ainda faltam mudar para que a educação alcance um patamar melhor?

Newman: É preciso começar pela base, no ensino fundamental, e estabe-lecer objetivos claros, através de uma política educacional com metas, crité-rios de avaliação, etc. Tentar consertar quando o estudante está entrando na faculdade tardio, a universidade é um local de excelência no conhecimento. É inútil formar profissionais sem uma formação básica e consistente. É pre-ciso valorizar os professores, estimular

mais a carreira e, sobretudo, assumir que é pela Educação que se pode ter esperança de formar cidadãos cons-cientes, críticos e participantes da construção de uma grande nação.

Painel: Hoje em dia muitas fa-mílias têm adotado o método de educação em casa, não matriculando seus filhos nas escolas. Qual a sua avaliação sobre esse assunto? Educar em casa afeta o aprendizado?

Newman: Eu acho que é um de-sespero das famílias, que chegaram ao ponto de não acreditar na educação que o Estado fornece para seus filhos. Existe toda uma metodologia, estudo,

psicologia para se tratar com o aluno. Não se pode dar educação de uma família diferente da outra, afinal uma nação é formada por cidadãos, e cidadãos têm regras comuns para estabelecerem a teia social. É preciso ter algo em comum que vai nortear a relação das pes-soas na sociedade. Existe sim uma parte da educação que é feita em casa, mas é na Escola, com orien-tação do Estado, que se prepara o indivíduo com vistas a desempenhar seu papel em função da sociedade.

Painel: O senhor é diretor de uma escola particular em Piraci-caba. Como avalia a questão das cotas para escolas públicas em universidades públicas?

Newman: Não gostaria de fa-lar, nesse pouco espaço da questão sempre preconceituosa que sempre aparece na discussão em relação às cotas de Universidades. Quando anunciaram que iam destinar 50% das vagas para quem estudou em escola pública, eu pensei “real-mente está regredindo”. Quando eu entrei na Esalq eram 95% das vagas preenchidas por alunos bem preparados pelas escolas públicas. Pense nisso, o ensino fundamental e o médio eram fortes e de qualidade. É preciso ter coragem e corrigir os erros lá na base. O descaso e a inconsistência no trato da política educacional não podem ser corrigi-das com medidas paliativas e dema-gógicas que passarão a comprome-ter ainda mais o já estado crítico da formação dos profissionais de nível universitário.

Painel: O senhor já fez parte do PV (Partido Verde) teve uma vida política atuante. Hoje, como avalia a política no país?

Newman: Tanto quanto a edu-cação, está desanimador. Por conta dessa má formação, o pessoal não enxerga objetivos, perde-se o sentido da caminhada social. Se a segurança pública, por exemplo,

Em 1967, Newman Ribeiro Simões, começou a cursar Agronomia na Esalq/USP

No Brasil hoje, além do desvalor da educação, no aspecto global não há política educacional que defina metas a

alcançar

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longe. Duas coisas interessantes com isso: primeiro a tecnologia que con-segue passar uma imagem de tamanha distância e com tanta nitidez; a outra é o recado que isso dá para a humani-dade: naquele pontinho azul em que vivemos, nós e mais sete bilhões de pessoas, é preciso saber cuidar muito bem para não deteriorar de maneira irreversível nossa qualidade de vida. Então, na palestra eu falo: “isso é um motivo forte para sermos humildes. Quando se pensa que nesse pontinho azul, vagando no imenso cosmo, tem tanta gente, tem de ser respeitado como o único lugar que o ser humano pode para viver”. Isso é motivo de orgulho pois parece que o Universo deu-se a si próprio uma mente e um coração ao fazer do Homem o ponto mais alto da evolução. O belo e curto poema, dito pelo primeiro astronauta, Yuri Gagarin: “A Terra é Azul”, afinal deu o grande sentido ecológico, pois

não está boa, tentar melhorar cons-truindo presídios, policiando cada vez mais as ruas e, entretanto cresce o número de meliantes. Parece que a impunidade é regra no país. Não há uma formação educacional sem preceitos éticos, morais que condu-zem a vida do cidadão. E a política é responsável por isso. A crise, não só no país mas em boa parte do mundo, é essencialmente uma crise da política.

Painel: E como avalia as de-núncias mais freqüentes de casos de corrupção no Brasil? Estamos passando por um processo de lim-peza ou temos mais corruptos do que no século XX?

Newman: Não sei se aumentou a corrupção ou se os jornalistas fi-caram mais eficientes e começaram a divulgar mais os fatos. É depri-mente ouvir falar que sempre foi assim no Brasil, mas só agora está mais visível. Se a crise é política, como falei, não se pode deixar que a política seja depreciada pela ação negativa de homens públicos. Há que se dar um outro rumo no trato da coisa pública, impedindo que os laços sociais se deteriorem de vez. Não se pode conceber que a imen-sa maioria dos trabalhadores que recolhem impostos sustentem uma máquina administrativa ineficiente e corrupta e incapaz de devolver ao cidadão o que lhe é de direito.

Painel: Hoje os jovens têm se envolvido cada vez mais com as causas socioambientais. Como o senhor avalia essa mudança de comportamento dos mais novos em relação ao meio ambiente?

Newman: Isso é uma coisa interessante e eu acho que vai ser crescente essa preocupação, porque mesmo frente a tudo isso que é negativo, o jovem procura o novo, o estímulo para caminhar e não tem medo de sonhar. As escolas, de maneira geral, mesmo com dificul-dade em passar conteúdo, levantam essa preocupação de manutenção

e cuidado com a natureza. Quando eu faço palestras com essa moçada procuro despertar neles a valorização da Vida. Há uma foto interessante, tirada de uma nave não tripulada, que há oito anos foi lançada para ir ao final do sistema solar, que em termos cósmicos é aqui pertinho. Quando ela passou ao lado de Saturno enviou para Terra uma foto, em que mostra os anéis desse planeta e um pontinho azul, bem

É inútil formar profissionais

sem uma formação básica

e consistente

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por trás desse azul não se enxergam fronteiras, diferença de raças, o sangue derramado nas guerras.

Painel: Em sua opinião qual o problema ambiental mais grave que estamos vivendo?

Newman: São inúmeros, porque você não pode falar em problema ambiental sem colocar o homem. Ele é um problema, não só por causar desequilíbrios. Enquanto brilhar nele a ganância, o pensamento de conquista e competição severa, vai criar uma sociedade em que tudo é mercadoria, inclusive sua própria dignidade.

Painel: Como um país pode ser desenvolvido e equilibrado ecologi-camente? Teríamos uma saída?

Newman: Tem, mas é preciso atitu-de, vontade política e é preciso ter um norte muito além das disputas pequenas que ocorrem entre os partidos para aga-

salhar falsas lideranças com perspectiva de defender os interesses próprios. Está aí o exemplo do Código Florestal. Pouco discutido; pontos polêmicos votados na calada da noite; interesses merca-dológicos colocados acima de qualquer preocupação com a sustentabilidade do equilíbrio ecológico. Sem uma grita contra esse tipo de oportunismo institu-cionalizado corremos o risco de perder a oportunidade de estabelecer, com a responsabilidade de todos, uma visão mais positiva para assegurar o futuro. A reconstrução, o resgate do capital natural perdido só poderá ser feito a um preço muito alto, sacrificando gerações... se é que será possível.

Painel: Além de um educador, o senhor também é músico. O que significa a música na sua vida? Como surgiu a sua paixão por música?

Newman: Na verdade eu tenho dois irmãos, que são músicos de verda-de. Meu pai também era músico, e eu sempre convivi no meio cultural. Na Esalq, participava muito do departa-mento cultural do Centro Acadêmico. Sinceramente, vou contar uma coisa: nos ensaios do Falando da Vida se eu ameaçar cantar alguma música eles me expulsam da sala; eu desafino até para bater palma. Quando eu era criança, os pais costumavam colocar os filhos para fazer música, aprender algum instrumento, o que era um costume extremamente salutar. Você não vira músico sozinho e também não conse-gue virar músico se for imposto algo

para o qual você não tem dom. Minha professora gostava de me colocar por último nos recitais de piano porque ela dizia que eu to-cava com muita emoção. Mas essa muita emoção era o medo terrível de não conseguir fazer nada. Eu ti-nha dificuldade de gravar a melodia e se caísse aquela partitura da minha frente eu não sabia buscar nenhuma nota de ouvido.

Painel: E a sua paixão por Ma-temática? Qual a ligação da mate-mática com a música na sua vida?

Newman: Não tanto a paixão por matemática, eu tenho paixão por dar aula. Sinceramente eu teria prazer maior se eu desenvolvesse a astrofísica, mas a oportunidade que me surgiu foi dar aula de matemáti-ca. A minha paixão mesmo, quan-do estudante secundário, foi por biologia e muito por essa paixão, principalmente a botânica, é que eu vim fazer Agronomia na Esalq. E quando eu estava na faculdade per-cebi que a Agronomia é muito mais ampla do que conhecer somente a botânica. Essa ligação que falam que existe entre a música e mate-mática, que tem compasso tanto por tanto, eu nunca percebi e nunca fiz essa ligação. A minha paixão pela música e pela matemática não tem nada a ver com algo cartesiano e sim com sentimentos que possam despertar alguma emoção em mim.

Painel: A Lei nº 11.769, alte-ra a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) — nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996 — torna obrigatório o ensino de música no ensino fundamental e médio nas escolas públicas e particulares. Até que ponto estudar música é positivo?

Newman: Na época em que eu fiz até o ginásio, tinha no meu currículo aula de música e eu não deixei de ser desafinado por causa disso. Querer ensinar tudo e colocar tudo no currículo é querer fazer uma pessoa gostar de camarão,

Nos ensaios do Falando da Vida se eu ameaçar cantar alguma música eles

me expulsam da sala; eu desafino até

para bater palma

Mariana Bittar

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de jiló e de quiabo, dando a eles o mesmo valor e sabor. Para quê isso? Tem um período na vida estudantil que você tem que estudar o básico, sem uma base de álgebra e aritméti-ca não se faz nada com engenharia ou em outra área de exatas. Da mesma forma, se você não teve boa alfabetização e boa formação de gramática, vai ter deficiências na escrita e interpretação de qualquer tipo de texto. Não creio que obrigar o estudo de música, ou de qualquer outra disciplina da área das artes seja o caminho correto para despertar o interesse do aluno e, muito menos, que seja a melhor forma de mostrar a importância e o valor desse aspecto de aprendizado, que é conduzido essencialmente pela emoção.

Painel: Ser artista ajuda de alguma forma a relação com os alunos? O senhor é famoso? Como é a reação deles em ter um profes-sor que é uma estrela local?

Newman: Não sou famoso, não. Sou conhecido pelo grande número de pessoas que são hoje profissionais com nível superior e que foram meus alunos. Às vezes, eu os vejo

assustados quando me veem envolvido com música e com show. E às vezes eu exagero um pouco na dança no final de cada show, pois me envolvo de verdade. Acho que mereço viver aquela alegria do público. Então, às vezes, os alunos estranham que eu possa ser tão alegre sendo professor de matemática.

Painel: Como foi o processo de criação do Projeto Falando da Vida? Desde quando o projeto existe? Por que o nome Falando da Vida?

Newman: A gente tinha o costume de no colégio quinzenalmente, sempre as sextas-feiras, fazer um intervalo maior, em que se tinha um espaço para a apresentação de grupos musicais de alunos, professores e funcionários. E, um dia três professores e três alunos se reuniram e fizeram um showzinho. De-pois começamos a fazer uma coisa que os alunos não tinham costume, mas eu e meu irmão fazíamos em Pindo-rama, que era serenata. Na década de 80 fazer serenata em Piracicaba, uma cidade grande, era raridade (embora houve outros tempos uma tradição muito rica de serenatas aqui), mas a gente fazia e o pessoal gostava muito. E um dia, pensamos “poxa, vamos reunir alguma coisa, estamos com um repertório bom, vamos pegar alguns poemas, textos e músicas de autores nacionais e nos apresentar no teatro”. E deu certo, mais de meia casa no tea-tro e muitos pediram bis. No começo

o nome do grupo era Grupo Seresta que apresentava o show Falando da Vida, mas com a apresentação de dois shows percebemos que não íamos só declamar poemas e cantar músicas de seresta e sim cantar músicas de grande reconhecimento e também falar da vida. O grupo iria muito além de uma simples “tocação” de música. A gente falando daquilo que gostava quando era jovem, seria impossível não tocar o coração dos jovens atuais.

Painel: Qual o foco do projeto Fa-lando da Vida? Como o grupo decide o repertório e o roteiro do show? Como é o processo de criação? Quem é o responsável pela direção e produção?

Newman: Sempre no final do ano nos reunimos para agradecer o ano vivido, entre o Natal e o Ano Novo. E aí a gente começa pelas sugestões de músicas e, às vezes, que independente de um saber a sugestão do outro, o próprio grupo vai sentindo que tem uma linha condutora. Um exemplo claro disso foi a virada do século. O que se podia trabalhar como tema? A paz, porque assim como se deseja na passagem do ano, na virada do século

Essa ligação que falam que existe entre a música e matemática, que

tem compasso tanto por tanto, eu nunca percebi e nunca fiz

essa ligação

Às vezes a gente passa a sonhar com

uma sociedade mais harmoniosa,

socialista, sem diferenças utópicas,

e isso um dia iremos alcançar

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também o que mais se deseja é a paz. Outro exemplo foi quando o músico Zé Roberto, conhecido como Zero, trouxe um poema do irmão que é escri-tor para ser usado em algum show. Eu li o texto e percebi que aquele poema não era para ser usado em um show e sim se fazer um show baseado no poema. Era um texto belíssimo sobre criança, então fizemos um tema rela-cionado à infância, desde músicas de ninar até as músicas atuais que falam de criança. Quando fizemos 25 anos o tema do show foi Canções de Momen-tos, uma síntese da nossa trajetória. O responsável pela direção e produção sou eu mesmo, junto ao André Cillo que me ajuda muito.

Painel: Na maioria dos shows vocês tocam Beatles. Qual a ligação dos Beatles com o Falando da Vida? E por que optaram por tocar Beatles esse ano?

Newman: Como eu percebi que o pessoal estaria muito compromissado e ia sobrar muito pouco tempo para en-saios e inovações, comecei a pensar em algo que pudesse facilitar os ensaios, porque é só recordar. O 1º show de

Beatles foi em 91, mas já tocamos em Americana, Campinas e Limeira, nas Festas das Nações para 25 mil pessoas, no shopping para 11 mil pessoas, no Engenho Central para seis mil pessoas; tocamos também quando inaugurou a Passarela Pencil e em 2007 no Teatro da Unimep. A escolha de Beatles esse ano (2012) teve um motivo forte e independe disso ou daquilo é que foi inaugurado o Teatro do Engenho, e o palco abre para o público externo, o que é inédito. O público fica ao ar livre, com os armazéns e árvores lindíssimas a sua volta e fomos convidados para inaugurar esse espaço. Fiquei super empolgado, só conseguia enxergar um repertório ali, Beatles. Tinha que ser Beatles. Mas infelizmente os valores pas-saram de nossos orçamentos e tivemos que escolher outro espaço e achamos o Clube de Campo. Além disso, comemora os 50 anos do lançamento do primeiro sucesso dos Beatles (Love me Do) e 45 anos do emblemático Sgt Pepper.

Painel: O dinheiro arrecadado com o show desse ano será revertido para a Avistar. Por que o grupo resol-veu ajudar essa ONG? Quais as ONGs que já foram beneficiadas?

Newman: As ONGs que já foram beneficiadas foram o Lar Betel, Casa do Bom Menino, Creche São Vicente de Paula, C.S.Cáritas, Escola Passo a Passo, Liga Feminina de Combate ao Câncer, APASPI, Associação Viva a Vida, Cheche Branca de Azevedo, Apae, Fundeca, Nupron, VACCIP, Aliança de Misericórdia, Escola Passo a Passo e o Projeto Ilumina. Eu vi um vídeo do trabalho que a Avistar presta para 48 deficientes visuais e vi uma manifestação de pessoas da diretoria dizendo que receberam um terreno da prefeitura para construir a sede, mas por conta da lei eles têm um prazo para construção e a sensibilização é grande para cumprir esse prazo. E nos propusemos a ajudar essa ONG.

Painel: Como é para o senhor fazer parte do grupo musical? O Falando da Vida possui uma variedade enorme de músicos, como é a interação entre vocês?

Newman: Não consigo explicar esse sentimento. Há uma vaidade própria de conseguir organizar o evento, eu colaboro para que esse grupo esteja junto, e isso me dá muito satisfação. Qualquer orquestra se não tiver harmonia não executa nada. Agora a har-monia não precisa pasteurizar a personalidade do grupo, cada um tem a sua individualidade, como é na sociedade, pois se você tirar a característica que marca a indivi-dualidade daquela pessoa, você o mata, ele passa a fazer parte como peça de qualquer coisa que não se tem condição de chamar de grupo humano ou de relações humanas so-ciologicamente bem definidas. No grupo há gostos musicais diferentes que a gente consegue harmonizar, pensamento político totalmente diferente, formação profissional diferente e isso que é bonito. Às vezes a gente passa a sonhar com uma sociedade mais harmoniosa, socialista, sem diferenças utópicas, e isso eu tenho certeza que um dia iremos alcançar, porque não se faz progresso senão em busca disso. E isso se você tiver a oportunidade de exercitar em um grupo pequeno já é um grande passo.

Painel: E se um dia esse grupo acabar, o que levará de bom para sua vida?

Newman: Eu vou levá-lo para sempre, portanto ele nunca terá um fim. Uma vez que a gente terminou o show eu falei “então, tchau gen-te”, e a multidão falava “ah, porque parou, parou por quê?”, daí me ocorreu em dizer o seguinte: “Eu vou falar alguma coisa e vocês vão completar, senão a gente não toca a última música”. Aí eu falei assim: “a gente vai tocar a última música, porque tudo que é bom dura...”, a plateia toda “pouco”, e repetiu isso umas duas, três vezes, então eu completei: “Poxa, vocês esque-ceram uma frase tão simples... tudo que é bom dura o tempo suficiente para se tornar inesquecível”.

Fotos: Mariana Bittar

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12 AMBIENTE SATURADO Todo lixo coletado em Piracicaba vai

para Paulínia. O custo do transporte em 2011 foi de R$ 9 milhões pagos pela Sedema à empresa Delta Construções S/A.

16 TECNOLOGIA DESCARTÁVEL Empresas se especializam na coleta

de lixo eletrônico. No Brasil há o descarte de 100 toneladas de computadores por ano.

18 ENTRE DOIS MUNDOS Naná Hayne faz arte com material

retirado do lixo. Sua obra percorre vários lugares da Europa e dos Estados Unidos.

20 CÓDIGO FLORESTAL A polêmica envolvendo a mudança

na legislação ambiental do Brasil representa os interesses do mercado por trás de cada reivindicação.

26 UMA PESSOA CONSEGUE FAZER A DIFERENÇA

Waldomiro Ivers conseguiu transformar sua fazenda numa área de preservação ambiental com o plantio de mais de 100 mil espécies.

28 O SOM DA TERRA Os amantes da música sertaneja de

raiz e cururu se reúnem todos os domingos no palco do Sesc para a transmissão do programa da Rádio Educadora AM.

32 CROWDFUNDIG: QUANDO A UNIÃO FAZ A ARTE

Artistas independentes conseguem apoio financeiro por meio das redes sociais e lançam seus trabalhos no mundo da cultura.

34 TRAÇOS INGÊNUOS O estilo Naif revela talentos da arte

popular, que alimentam as tradições folclóricas.

38 DIFICULDADES E PRAZERES DO MUNDO DA MÚSICA

Bandas independentes revelam os desafios enfrentados para ter reconhecimento público.

41 À PROCURA DO TOM Estudantes eruditos dedicam horas

para aprimorar suas técnicas musicais.

45 INSEGURANÇA PÚBLICA 33 pessoas por dia sofrem algum tipo

de violência em Piracicaba, segundo dados da Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo.

48 AÇÃO QUE SALVA VIDAS O Brasil é responsável pela doação

de 3,5 milhões de bolsas de sangue por ano.

50 VERDE NOS OLHOS DA ALMA Ser vegetariano passou a ser um

estilo de vida em busca de melhorias na saúde.

52 A BUSCA PELO ALTERNATIVO Tratamentos alternativos oferecem

curas de dores, equilíbrio psicológico ou emocional.

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OPINIÃO

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FáBio Mendes

fabiohmendes@gmailcom

Tentar explicar a violência acometida nas cidades torna-se um desafio com um quadro pouco otimis-ta de melhorias ou soluções. A cultura da violência

está impregnada em nós. Ver alguém levando um tiro no cinema é tão ou mais banal quanto uma declaração de amor. Os jornais, se não mostrar a realidade dos fatos com a onda de violência, talvez não venda a notícia.

Numa viagem ao passado, bem antes do futebol, na época romana, a diversão dominical era assistir os consi-derados miseráveis serem devorados por leões. De volta ao presente, não é de se espantar o desejo pela tragédia. E quase sempre continuam os miseráveis a estamparem as mídias. Tudo dentro de um “momento”, como disse o governador Geraldo Alckmin. Outro político, Paulo Maluf, disse que bandido bom é bandido morto.

Segundo denúncia de organizações brasileiras à Comissão Interamericana de Direitos Humanos, em Washington, entre 2003 e 2009, a polícia matou 11

mil pessoas no Rio de Janeiro e em São Paulo. E os suspeitos deixam de ser suspeitos, por estarem mortos. O problema é quando a bala perdida se encontra em nossa direção. Cadê as autoridades? E os impostos? Sim, a reclamação é justa. O Estado deve garantir a segurança de todos os cidadãos. Como nem sempre pode cumprir, às vezes, uma pessoa importante (leia-se rico) morre e a comoção é imediata. Novas grades e seguranças parti-culares, carros blindados e acessos restritos. E batemos palmas para, quem sabe um dia, poder estar tão seguros quanto estes homens.

O mercado precisa da violência. Vender armas dá lucros. O Instituto Internacional de Estudos da Paz de Es-tocolmo mostrou, em pesquisa, que o EUA corresponde a 60% do mercado mundial de armas do mundo: são 860 mil empregos no setor bélico. Desta forma transformou o Iraque e Afeganistão em estados terroristas. A diferença entre o passado e o presente é tecnológica. Na formação humana as conquistas caminham devagar, temos muito a evoluir. Somos esse ser paradoxo ao querer a violência longe da pele, mas próxima dos olhos.

O mercado da violência

Mariana Bittar

[email protected]

Uma mistura de sonhos, desafios e medos estão pre-sentes no imaginário dos jovens. Muitos possuem energia e talento para enfrentar o dia a dia e, por

meio da atuação social, criam suas identidades, planejam o futuro e se inserem de forma positiva na sociedade, questionando e transformando o mundo em que vivem.

E essa é a juventude que se mostra cada vez mais preo-cupada com as questões socioambientais, como fica claro na pesquisa com duas 2 mil pessoas realizada pelo Instituto Brasileiro de Opinião Pública e Estatística (Ibope), a pedido da Confederação Nacional da Indústria (CNI). A análise revela que jovens com 16 anos ou mais se preocupam com o assunto, passando de 80%, em 2011, para 94%, em 2012.

Não há um consenso da população em relação ao res-ponsável pela poluição ambiental. 38% dos entrevistados elegeram a indústria como maior vilã para o aquecimento global, mais de 20% apontaram o cidadão como responsável e para 18% os governos tiveram a maior parcela de culpa. De acordo com a pesquisa 71% disseram evitar o desperdício

de água e quase 60% garantem economizar energia.A maioria dos brasileiros está disposta a pagar mais

caro por produtos e moradias ambientalmente corretas, mas de acordo com os dados só 18% efetivamente mo-dificam seu consumo em prol do meio ambiente.

Em 2003, ao longo da I Conferência Nacional Infan-to-Juvenil pelo Meio Ambiente, notou-se que a temática ‘meio ambiente’ tinha um forte potencial de mobilização, o que permitiu a criação de coletivos jovens, formados por grupos informais que reúnem jovens representantes ou não de organizações e movimentos que têm como objetivo se envolver com as questões ambientais. Com a finalidade de desenvolver atividades relacionadas à melhoria do meio ambiente e da qualidade de vida, pensando em um mundo a partir da sustentabilidade.

Isso mostra a mudança gradativa do comportamento de um país em meio à crise em diversos pontos, como educação, política e segurança. Agora, o avanço na cul-tura ambiental tem seu start com a obrigatoriedade das escolas e universidades estudarem questões ambientais, o que representa incentivo à conscientização e à disposição para se lutar por um país socioambientalmente correto.

Os interesses estão mudados

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HÁ CINCO ANOS, PIRACICABA PAGA PARA DEPOSITAR LIXO EM PAULÍNIA

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Jessica Polliani coracini

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Por lei, os municípios brasileiros devem erradicar os lixões de seus territórios até agosto de 2014.

Essa obrigatoriedade está no decreto nº 7.404 de 2010, da Lei nº 12.305, que institui a Política Nacional de Re-síduos Sólidos (PNRS). A gestão desses resíduos resolveria problemas como o vivenciado hoje por Piracicaba, que pre-cisa pagar para retirar todo o material coletado no município e depositá-lo no aterro licenciado da Estre, de Paulínia. Uma situação que se configura na cida-de desde janeiro de 2007 sem previsão de resolução imediata.

O aterro de Piracicaba, iniciado em 1976, foi desativado por determinação da Companhia de Tecnologia de Sane-amento Ambiental (Cetesb) em 2007. Localizado no bairro Pau Queimado, com uma área de aproximadamente 147 mil metros quadrados, tornou-se praticamente um lixão a céu aberto na década de 80, quando 88 catadores sobreviviam da coleta de materiais para vender (papéis, plásticos, latas entre outros) e restos de alimentos.

O engenheiro e gestor de resíduos da Secretaria de Defesa do Meio Am-biente de Piracicaba (Sedema) Ludmar Antonio Romanini explica que o aterro pode ser dividido em duas etapas: ater-ro novo e aterro velho. Como não se previa o apagão dos recursos naturais, o antigo aterro não tinha camada de impermeabilização; depois planejou-se cobertura, taludes, drenagem do choru-me. “Dizer que não tem infiltração no solo é mentira, reconhece. Depois, foi colocada uma manta por baixo, plane-jada a captação de gás e principalmente a drenagem de chorume. Em janeiro de 2007, quando atingiu o limite de capacidade de armazenagem, por de-terminação da Cetesb que considerava o local inadequado e precário, deveria ser desativado.

HÁ CINCO ANOS, PIRACICABA PAGA PARA DEPOSITAR LIXO EM PAULÍNIA

Romanini conta que a prefeitura tentou terceirizar o gerenciamento dos resíduos coletados na cidade, abriu concessão, mas o tribunal de contas exigiu uma Parceria Público-Privada (PPP) para a construção de um novo aterro para o município. Após três pro-cessos, a parceria foi firmada em agosto de 2012 com o Consórcio Piracicaba Ambiental, um contrato de 20 anos e investimento de R$ 99,4 milhões. Em contrapartida, a empresa deverá receber cerca de R$ 730 milhões dos cofres públicos durante a vigência do contrato. A empresa será responsável pela recupe-ração e encerramento do aterro, porque na verdade o encerramento ainda não aconteceu até hoje, confirma o gestor de resíduos da Sedema.

O lixo produzido por 370 mil habi-tantes começou a ser transportado para um aterro particular, em Paulínia. Hoje, no Pau Queimado, há um barracão onde os resíduos são despejados à espera de transporte, conhecido por transbordo. O lixo percorre todos os dias mais de 60 quilômetros de distância.

O engenheiro Felipe Galdino Stipp Neto da Piracicaba Ambiental, hoje responsável pelos resíduos produzidos no município, explica que o transbordo é realizado desde quando a prefeitura conseguiu a Licença de Operação (LO) com a Cetesb, em agosto de 2012 e válida até 2017. Por ser uma área já degradada é mais fácil para a prefeitura pedir à Cetesb a LO no local do que ar-riscar degradar uma outra área, revela.

Além do encerramento do aterro, Piracicaba Ambiental se encarrega de levar o lixo até um aterro licenciado, hoje em Paulínia. “No aterro tem um fiscal da prefeitura e um da empresa responsável pelo destino dos resíduos. A prefeitura fis-caliza a quantidade de lixo transportado e a Cetesb fiscaliza o transporte”, explica Romanini. A Cetesb foi procurada para esclarecer dúvidas a respeito das ativida-des que ainda acontecem no aterro, mas não respondeu as questões.

SATURADO

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O secretário municipal de Defesa do Meio Ambiente de Piracicaba Francisco Rogério Vidal afirma que a PPP do lixo é prioridade. “O desa-fio é aplicar integralmente a política nacional. O aterro continua gerando passivos, recebendo rejeitos e há 35 anos está vivo, produzindo chorume e gases”, observa. Ele aponta para outro desafio pertinente à questão do lixo que é tentar minimizar a produção e melhorar o processo de triagem.

O PNRS orienta os municípios na elaboração do plano de gestão. Devem incluir, por exemplo, a previsão de audiências públicas com a comunidade local para discutir questões relacio-nadas ao lixo como estratégia para por fim aos lixões e a construção de um aterro ambientalmente adequado. Em 2009 aconteceu o 1º Fórum de Gestão de Resíduos. Celise Romanini, da equipe do Núcleo de Educação Am-biental (NEA), lembra que ocorreram mudanças no projeto ambiental em vigor para atender a lei federal. “O mu-nicípio entregou o plano antes do prazo determinado pelo Ministério do Meio Ambiente”, afirma Celise. O plano ela-borado pela prefeitura para formalizar a PPP do lixo, ainda em formato de edital, continha 15 propostas que não atendiam as exigências do PNRS.

As discussões pautaram quatro encontros na Escola Superior de Agri-cultura Luiz de Queiroz (Esalq/USP) e no último fórum ficou decidido que seria encaminhada a representação ao Ministério Público Estadual sobre as inadequações do edital de Resíduos de Piracicaba (PPP do Lixo), elaborado pela Prefeitura Municipal, em relação às Leis Federais 12.305/2010 (Política Nacional de Resíduos Sólidos) e 11.445/2007 (Po-lítica Nacional de Saneamento Básico) e outros dispositivos legais relacionados à gestão de resíduos sólidos.

O vereador Jose Antonio Fernandes Paiva (PT) entende que a sociedade ci-vil teve mais maturidade e responsabili-dade ao discutir o PNRS e a destinação de resíduos do que o Poder Executivo. Em sua opinião, “o Executivo viu o fórum muitas vezes como adversário e não como um contribuinte importante para a consolidação de uma política local”. Segundo Paiva, “o edital trata

Descarte irregular de lixo e entulho representa ameaça ao meio am-biente. Quem flagrar esse tipo de crime deve fazer a denúncia anônima

pelo número 156. O município também oferece serviço de remoção gratuita de entulho para a população. Para requisitar o serviço é pre-ciso ligar para o número 156, que atende de segunda à sexta-feira das 08h às 17h ou solicitar os serviços e-mail: [email protected]

Os veículos com gaiolas não podem trafegar na rodovia, por isso ocorre o despejo no barracão do aterro

35% dos materiais que compõem o lixo urbano poderiam ser reutilizados

muito mais o interesse da prefeitura do que a real necessidade de gestão de resíduos no município”. Para ele, não ter adotado as linhas gerais do fórum foi um equivoco político e garante que “a Câmara voltará com esse debate”.

Quatro promotores de três promo-torias diferentes, Alexandra Facciolli Martins e Ivan Carneiro Castanheiro do Grupo de Atuação Especial de Defesa do Meio Ambiente (Gaema), Fábio Salem Carvalho (Meio Ambien-

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te) e João Carlos de Azevedo Camargo (Patrimônio Público) entraram em agosto de 2012 com um processo de improbidade administrativa contra o prefeito Barjas Negri para barrar as operações. Eles entendiam que o con-trato da PPP assinada pela prefeitura apresentava 15 irregularidades, entre elas o direcionamento do edital, a falta de uma agência reguladora do lixo e o não cumprimento de pontos da Política Nacional de Resíduos. O juiz Wander Pereira Rossette Júnior negou o pedido do MP para a suspensão imediata do contrato.

Custos - Levantamento feito pela Sedema em 2011 mostra que a empresa responsável pelo transporte do lixo, a Delta Construções S/A, recebeu R$ 9 milhões por ano para conduzir e tratar o resíduo coletado em Piracicaba, sendo que em 2007 recebeu R$ 5,8 milhões, um aumento de 35%. A assessoria da Sedema explica que o valor teve reajuste pela inflação que, no tempo de vigência do contrato, foi de quase 18%.

Com isso, a remoção e tratamento do lixo que custava R$ 67,15 por to-nelada passou para R$ 79,02 em 2011. Por dia, em média, são recolhidas

atualmente 239 toneladas de lixo na cidade, o que resulta numa produção média de 650 gramas por habitante, índice acima da média nacional, que é de 500 gramas per capita diariamente. Por mês, cada piracicabano produz, em média, 19,5 quilos de lixo.

Para Maria Guiomar Carneiro Tommasiello, especialista em educação ambiental, o lixo tornou-se um proble-ma de gestão pelos anos de abandono e descaso público. “O problema é que são anos de descaso para com o ambiente e agora não temos recursos para se fazer tudo de uma vez só”. O tema meio ambiente está mais pre-sente nas escolas, “mas parece que se cristalizou no Brasil uma visão de edu-cação ambiental ecológica, isenta de aspectos políticos. O que é ruim, pois a educação ambiental, não é neutra, é ideológica, apoiada em valores e inte-resses”. Ela acredita que sempre faltou vontade política. “Durante décadas, as prefeituras se limitavam a recolher o lixo e a jogar num local distante, nos chamados lixões”.

Em Piracicaba, dos 68 bairros no município, 64 são assistidos com o serviço de coleta seletiva, segundo Ludmar Antonio Romanini, porém revela que “dos 35% que poderiam ser reutilizados, são recolhidas 800 gramas por dia, ou seja, 200 toneladas por mês, somando apenas 6% do que po-deria ser reutilizado. É muito pouco”.

No contrato assinado, a Piracicaba Ambiental deverá construir o aterro na estrada Piracicaba-Limeira, próxima à divisa de Iracemápolis, área de 500 mil metros quadrados, localizada no bairro das Palmeiras. O projeto total está orçado em R$ 420 milhões ou R$ 2 milhões e 300 mil por mês. Em três anos, com o início da operação da Central de Tratamento de Resídu-os, a redução de resíduos, logística reversa, coleta seletiva e reutilização de resíduos darão início a uma nova etapa. “Ao lado da Usina pretende-mos dispor apenas o que for rejeito. Realizaremos o composto ou adubo, que poderá ser comercializado após estudo do Ministério da Agricultura, o metano irá gerar o biogás, evitando a emissão do metano na atmosfera, e futuramente adequando-se nesse processo, conseguiremos a geração de energia elétrica”, acredita Felipe Neto.

O vereador Paiva revela que “exis-tem técnicas muito mais eficazes do que a delineada pela empresa que ganhou a licitação e cabe agora uma fiscalização junto com a sociedade civil para que o PNRS seja respeitado na sua integra.” O secretário Rogério Vidal diz que a matéria orgânica será transformada em energia. “É um salto e seremos um dos primeiros municí-pios do Brasil a implantar uma usina de tratamento, cumprindo o que deter-mina a legislação federal”, promete.

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Caminhão de transbordo, que hoje é pesado no Aterro licenciado da Estre, em Paulínia

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Vinícius andriota MonteBelo

[email protected]

Todos os anos são vendidos cerca de 60 milhões de celulares e 18 milhões de computadores

no país, mas o que pouca gente sabe é para onde vão esses equipamentos que não têm mais uso. Alguns deles ficam largados em casa, outros são comercializados, mas eles raramente têm um descarte correto.

Cerca de 100 toneladas de com-putadores são abandonadas por ano no território brasileiro. O volume só é menor que o da China (cerca de 300 mil toneladas). O Brasil tem população estimada em aproximadamente 194 ha-bitantes, enquanto a China tem mais de 1 bilhão de habitantes. Cada brasileiro joga fora o equivalente a 0,5 kg de lixo eletrônico por ano enquanto cada chi-nês descarta 0,23 kg. Por isso, o Brasil é considerado o país emergente que mais produz lixo eletrônico per capita, ou seja, por habitante, e ainda assim, não há um planejamento eficiente sobre como tratar todo esse lixo eletrônico, também chamado de lixo tecnológico, composto por baterias, celulares, pilhas, computadores, geladeiras entre outros aparelhos eletrônicos.

A produção do lixo eletrônico resultou na Lei Federal nº 12.305, aprovada em 2010, que obriga o descarte adequado para os resíduos eletroeletrônicos. No Estado de São Paulo foi promulgada em 2009, a Lei

CONSUMIDORES FAZEM FILA PARA COMPRAR NOVOS ELETRÔNICOS ENQUANTO MILHÕES DE PRODUTOS VIRAM LIXO

Tecnologia

Estadual 13.576 que institui normas e procedimentos para a reciclagem, gerenciamento e destinação final desse tipo de resíduo. No papel está tudo óti-mo, mas a realidade é bem diferente.

Segundo a ONU, o Brasil descarta

por ano 96,8 mil toneladas métricas de computadores e 2,2 mil toneladas de celulares. A ONU alerta que o Brasil não está preparado para lidar com essa situação: o tratamento desse tipo de lixo precisa ser mais frequente. Po-rém, o governo federal não tem uma avaliação completa desse problema e faltam informações sobre esse tipo de lixo para a população.

O lixo tecnológico descartado de forma incorreta é ainda mais prejudicial ao meio ambiente do que o lixo comum, pois contém metais pesados como chumbo, cromo, cádmio e mercúrio, além de outras substâncias que tam-bém possuem alto grau de toxicidade e podem causar contaminação ambiental do solo, água e ar. Além dos danos am-bientais, essas substâncias podem causar sérios danos à saúde. Maria Guiomar Carneiro Tommasiello, coordenadora do Núcleo de Educação em Ciências (FACEN) da Unimep, faz um alerta so-

DESCARTÁVEL

Ponto de coleta de celulares e MP3 players na Galeria Unimep, resultado de campanha entre as empresas Oxil e Metagreen com a universidade

Pilhas comuns são frequentemente descartadas junto com o lixo doméstico e podem contaminar o meio ambiente

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bre a seriedade do assunto: “A manifes-tação dos efeitos tóxicos está associada à dose e pode distribuir-se por todo o organismo, afetando vários órgãos. Atacam o sistema reprodutivo, nervoso, imunológico e causam câncer”.

Segundo ela, a contaminação por metais pesados é difícil de ser iden-tificada. “As alterações no organismo podem ocorrer ao longo dos anos”, frisa. Porém, em casos em que a conta-minação ocorre em grande escala, com efeitos agudos, e causam problemas de saúde em muitas pessoas, o problema é mais fácil de ser identificado pois será investigado pelas autoridades.

Um caso como esse aconteceu al-guns anos atrás na cidade de Paulínia. A Shell Química do Brasil se instalou naquela cidade em 1977 e foi interdita-da em 2003 por ter contaminado a área residencial nos arredores da empresa. Apesar de ser um caso que não se trata de descarte de lixo eletrônico mas sim

de lixo industrial, a contaminação foi causada por várias substâncias diferen-tes, inclusive algumas que podem ser encontradas no lixo eletrônico, como alumínio, cobre e cádmio. As vítimas tiveram tumores hepáticos e de tiroide, alterações neurológicas, dermatoses, rinites alérgicas e disfunções gastrointes-tinais, pulmonares e hepáticas.

Outro registro trágico e conhecido foi o acidente radiológico de Goiânia, também conhecido como “acidente com Césio-137”: Em 1987, catadores de um ferro velho local encontraram um aparelho de radioterapia (que devia ter sido descartado de forma correta) em um hospital abandonado. Os catadores abriram a máquina e encontraram den-tro dela um pó que brilhava no escuro. Maravilhados com o a beleza do pó, eles o distribuíram para amigos e parentes.

O pó era Césio-137, altamente ra-dioativo. O número oficial de mortes é de quatro pessoas, mas a Associação de

Vítimas do Césio-137 estima um nú-mero de 81 mortes e contaminação de 1,5 mil pessoas. Guiomar Tommasiello explica que em caso de aparelhos con-taminados por radiação, a fiscalização é realizada pela CNEN (Comissão de Energia Nuclear) que fiscaliza e orienta o uso e o descarte corretos. “Embora no Brasil, o tratamento desse tipo de lixo ainda seja pequeno, a maioria dos países da Europa, além da Coréia do Sul e do Japão, já faz a reciclagem em grande escala”, compara.

Por todos esses motivos, é fun-damental que o lixo eletrônico seja descartado corretamente. A maioria dos produtos eletrônicos podem ser reciclados, inclusive baterias de celu-lar (os modelos recentes não são tão nocivos quanto as baterias antigas) e até mesmo máquinas de raio-X, que só emitem radiação quando estão ligadas.

Algumas empresas que realizam esse serviço no Brasil são a Ativa -Re-ciclagem de Materiais Ltda. e SanLien – Gerenciamento de Resíduos. Na região de Campinas existe a Oxil - Manufatura e Destinação de Resíduos, em Paulínia, que trabalha com o lixo tecnológico das indústrias em terri-tório nacional, por meio de diversos parceiros logísticos e coleta cerca de 400 toneladas de material por mês.

Em alguns casos as indústrias enviam os resíduos até a Oxil, e em outros, a empresa vai até a indústria para fazer a coleta. Também realiza campanhas em pontos estratégicos com lixeiras para recolher MP3 players e celulares sem uso, instaladas no campus Taquaral da Unimep. Esse tra-balho tem parceria com a Metagreen Desenvolvimento de Equipamentos e Armazenamento de Resíduos, empresa que desenvolve as lixeiras espalhadas pela universidade.

A gerente comercial da Oxil, Marina Lopes explicou que, depois de coletado, os eletrônicos são desmontados e separa-dos por tipo de material, que é desmon-tado e separado para ser encaminhado à reciclagem Os processos de desmonte exigem alto grau tecnológico de meta-lurgia, além de planejamento e pessoal especializado, para eliminar o perigo de contaminação do trabalhador.

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Mylena arruda

[email protected]

Pensar arte e lixo parece uma ideia desconexa. Afinal, constituem-se como opostos. Arte está ligada

a criação, a beleza, e a harmonia. E lixo é o que representa o lugar para onde vai tudo que não significa mais nada. De acordo com Joseph Beuys, considerado um dos mais influentes artistas da segunda metade do século XX, a arte deve funcionar como um tipo de ciência da libertação. E talvez, tenha sido nesse sentido, que a gama de artistas que despontam atualmente se pautaram. Não há medo de ousar, e essa coragem criativa torna possível a apropriação do lixo, como uma ideia material para as criações.

No Brasil, apesar dos passos tími-dos, os designers têm atingido qualida-des tão singulares em suas produções, como é o caso de Naná Hayne, uma renomada designer de São Paulo, que transforma lixo eletrônico em diversos tipos de trabalhos artesanais.

Metamorfose global - Não são pou-cos os artistas que transformam o país em uma referência. O lixo utilizado em prol da arte faz famosos inter-nacionalmente, como Jaime Prades, Vic Muniz, Debora Muszkat e Flávio Rossi. Também está nesse caminho a

MATERIAL RETIRADO DO LIXO FAZ SURGIR NOVO TIPO DE ARTE CONTEMPORÂNEA

artista Naná Hayne que fez fama na Itália, Espanha, Alemanha, Holanda e Nova York. Apesar disso, a expansão no Brasil não a deixa muito satisfeita. “Considero pequena por falta de oportunidades”, aponta.

A história de Naná começou há 10 anos, com uma impres-sora que teimava em não funcio-nar. Após inú-meras tentativas desplugando e replugando os cabos, em um acesso de raiva incontrolável, deu um puxão e os arrebentou, o que permitiu a ela descobrir a existência de fios colori-dos. “É verdade que um artista não pode ver um colorido que para”, diz. Dessa forma, ela deu vida ao que seria seu primeiro trabalho. Removeu os cabos, desencapou os fios, modelou uma boca em massa plástica numa tela, agregou o cabo e adicionou pin-celadas e aerografia. Da experiência, um aprendizado, Naná garante que “sempre existe o lado bom das coisas”.

E assim começou a carreira da artista que passou a utilizar o lixo tecnológico como matéria prima para

seus trabalhos. Os materiais chegam a ela por meio de doações de técnicos em informática. Quando não recebe exatamente o que precisa, Naná re-corre ao que denomina de lixões de informática, na Rua Santa Ifigênia, em São Paulo, onde compra uma pá de diskets, uma medida referente à pá da construção civil e custa R$1,00.

Na produção, Naná mantém o foco em reutilizar. Além do lixo tec-

Entre dois mundos

Bocanet/junho de 2002.

É o primeiro trabalho de Naná

com lixo eletrônico; no detalhes, boca modelada

em massa plástica, cabos coloridos, e aerografia

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nológico, conforme surge inspiração, agrega outros tipos de materiais. Sua arte é versátil. “Andar pela cidade observando caçambas, ou mesmo o chão, pode render opções incontáveis. Caminhar pelo bairro paulistano do Brás, por exemplo, é uma festa para quem gosta de reutilizar. É muito lixo a ser transformado”.

Os processos envolvidos na con-fecção dos objetos são ecologicamente corretos. E nenhuma das peças oferece risco à saúde. Dependendo do tipo de criação, os processos podem variar, mas, algumas etapas são constantes, como a desmontagem das peças, a separação dos componentes, a orga-nização por semelhança e tamanho, a remoção dos pontos de solda e a higienização dos objetos.

Após os processos, segue-se a cria-ção que, no caso de Naná, é espontânea. “Não consigo explicar meu processo criativo. Ele simplesmente acontece. Às vezes, olhando para um pedaço de suca-ta; às vezes acordo com uma nova ideia ou começo a colocar algo em prática e no final mudei tudo”. Desses insights, surgem opções de produtos como telas, esculturas, troféus, painéis, objetos de decoração, bolsas e peças de bijuterias como anéis, colares e brincos.

Os clientes que consomem esse tipo de trabalho são aqueles que se pode chamar de conscientes. De acordo com Naná, esse público é naturalmente atraído por arte. Para ela, a consci-ência ecológica tem aumentado, mas o respeito pelo trabalho não. “A falta de respeito pelo trabalho do artista/artesão é enorme em quase todo o mundo, mas no Brasil beira à revol-ta”. Ela acredita que esse problema é ocasionado pelos grupos que se apro-veitam do tema preservação global para desenvolver o marketing verde de maneira não verdadeira.

Na carreira, a artista prossegue com os mesmos sonhos, conseguir patrocí-nio para poder colocar em prática mui-tas de suas ideias e atingir mais pessoas para a eco-educação. Naná ministra cursos, oficinas e organiza mostras.

“Eu trabalho com reutili-zação. Reciclagem é um

processo industrial. Eu sou adepta do exem-plo, acredito que é o modo mais simples de alguém aprender sobre o que quer que

seja, e, no caso da edu-cação socioambiental,

não é diferente”, frisa.

A artista Naná Hayne, e algumas de suas criações a partir do lixo eletrônico “Reutilizar nada mais é que prolongar a vida.”

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FáBio Mendes

[email protected] BarBosa

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A votação parlamentar para apro-var as alterações no Código Florestal Brasileiro, nos últimos

dois anos, foi um momento conturba-do e um marco na história do país. As discussões das leis ambientais do país foram diariamente expostas para a opinião pública. Mas equivocadamente, a sociedade acreditou que este seria o primeiro passo para uma política de preservação e manutenção dos meios naturais. Porém, o histórico desta dis-cussão é longo e revela os interesses de

DEPOIS DE UMA DÉCADA DE DISCUSSÕES, O BRASIL TEM UMA NOVA VERSÃO DE SUA LEGISLAÇÃO AMBIENTAL

mercado por trás de cada reivindicação.A primeira edição do Código Flo-

restal Brasileiro foi um decreto federal redigido em 1934 com o auxílio de naturalistas e tinha como foco a con-servação dos ecossistemas naturais e de todos os tipos de vegetação nativa. Em 1965, esse decreto passou por uma atualização, devido às descobertas de novos combustíveis, ao uso de outras fontes de energias e pela conscienti-zação ambiental que já começava a aparecer. Por conta desta proposta a Lei 4.771 foi sancionada e finalmente foi criado o Código Florestal Brasileiro que esteve vigente até maio deste ano.

Mesmo com vigor significativo esta resolução ambiental não foi respeitada

CÓDIGO FLORESTAL:

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pela situação em que a agricultura vivia no momento. “No período de publicação da lei, estava ocorrendo nos países desenvolvidos, a Revolução Verde. Um amplo programa idealizado para aumentar a produção agrícola, por meio do melhoramento genético de sementes, uso intensivo de insumos industriais, mecanização agrícola e re-dução do custo de manejo. Esse avanço tecnológico instalou-se no Brasil na década de 80, de forma muito agres-siva, onde produzir era melhor que preservar, tendo o seu auge na década de 90”, conta a engenheira agrônoma Luciana Coicev.

Os ambientalistas previam os im-pactos negativos que este modo agres-sivo de produção poderia acarretar e a preocupação com o meio ambiente culminou na ECO-92 (Rio 92). Essa conferência realizada pela a Organi-onferência realizada pela a Organi-zação das Nações Unidas (ONU), no Rio de Janeiro, foi o ícone da chegada “onda verde” em terras brasileiras, pois tinha como objetivo conciliar o desenvolvimento socioeconômico com a proteção do meio ambiente.

Os movimentos da década de 90 sensibilizaram a sociedade e reavivou o sentimento em relação à natureza, às florestas e aos rios. Mas foi a partir dos anos 2000 que o tema novamente virou pauta na Câmara dos Deputados. O projeto em trâmite durante o ano de 2012 foi elaborado inicialmente em 1998, pelo deputado de Rondônia

Sérgio Carvalho (PSDB). Em abril de 2010 o projeto de reformulação do Código Florestal foi finalizado pelo deputado federal Aldo Rebelo (PCdoB) e levado à votação na Câmara dos Deputados no ano seguinte.

Depois de várias tentativas de membros do PV (como Marina Silva, Alfredo Sirkis e Dr. Aluízio) e do PSOL (entre eles Ivan Valente e Chico Alen-car) em adiar a votação e de promover intensas negociações, na noite de 24 de maio de 2011, o texto básico foi apro-vado por 410 votos a favor, 63 contrá-rios e uma abstenção. Encaminhado ao Senado Federal, neste momento com a relatoria do senador Jorge Viana (PT), no dia 6 de dezembro de 2011 o projeto foi acatado sendo que das 86 emendas apresentadas, 60 foram rejeitadas e 26 aceitas.

Devido à requisição de modifi-cações, novamente o texto voltou à avaliação dos deputados na Câmara, contudo em 25 de abril de 2012 a versão reelaborada atendendo a antiga demanda ruralista como flexibilizar a ocupação de matas ciliares (faixa de mata paralela aos cursos d’água), foi acolhida com 274 votos a favor, 184 contra e duas abstenções. E finalmente ficou sujeita a análise da presidente Dilma Rousseff que, no dia 25 de maio de 2012, sancionou esta nova versão do Código Florestal Brasileiro, a Lei nº12. 651, que contém 84 artigos, 12 vetos e 32 modificações decretadas pelo Congresso Nacional.

Nos dias 18 e 25 de setembro de 2012 foram aprovadas respectivamen-te a Medida Provisória, contendo as alterações solicitadas pela presidente, na Câmara dos Deputados e no Senado Federal. Depois desse longo processo estava nas mãos da presidente dar um ponto final nas negociações, requeren-do mais correções ou sancionando o texto na íntegra. Após o vencimento da Medida Provisória, no dia 18 de outubro, foi publicado no Diário Oficial da União os nove vetos presi-denciais. Dentre eles, o veto total do 83º referente a revogação das antigas alterações do Código Florestal como a Lei nº4.771 de 1965 e a Lei nº 7.754 de 1969. Além da anulação da Medida Provisória nº 2.166-67 de 2001.

CÓDIGO FLORESTAL:

Reserva Legal do município de Apiaí

Fotos: Fábio Mendes

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forma ambientalmente inadequada”, contesta Samanta.

O meio ambiente e a produção agrícola dependem muito um do outro e é preciso, em curto prazo, encontrar um método de conciliá-los. A susten-tabilidade humana está sujeita a esse equilíbrio. “Não se pode produzir sem preservar e também não se pode

tros de Mata Ciliar ou em Área de Preservação Permanente que foram negligenciados por capri-chos políticos”, rebate.

Consequentemente, as duas bancadas também possuem interesses e ex-pectativas completamente opostas em relação ao novo Código e durante todo o desenvolvimen-to de sua reformulação, ambas se atacaram. Os ambientalistas acusam os ruralistas de reivindicar leis mais flexíveis com o intuito de facilitar o descumprimento e a ter-ceirização das mesmas. “A lógica da mudança do Có-digo Florestal foi baseada em dois itens principais, em terminar com o passivo ambiental e de não cum-prir nada relativo a ele. Assim poderiam colocar dentro da lei uma série de itens que obrigariam a sociedade, por meio de pagamento de serviços ambientais, a custear a existência de qualquer tipo de preservação. Para traçar um paralelo, é como se a partir de hoje eu tivesse que pagar um imposto para cada cidadão que tem um catalisador em seu carro por estar protegendo o ar”, conta o professor do Labo-ratório de Ecologia e Res-tauração Florestal da Esalq/USP, Sergius Gandolfi.

Do outro lado, a ban-cada ruralista questiona o sentimentalismo que está sendo criado em torno dos movimentos ambientais e de seus ativistas. “Entendo que a polêmica maior foi criada pela sociedade urbana que desconhece a realidade do campo e romantiza a questão ambiental. O Brasil tem 512 anos de história e uma ocupação que nem sempre teve o meio ambiente como norteador. Até as políticas públicas orientaram de

Os vetos parciais dos artigos 4º, 15º, 35º 61º- A e 61º- B estão relacio-nados com as recomposições das áreas de preservação permanente (APPs) e suas propriedades. Já a suspensão do parágrafo 6 do artigo 59º, que trata da implantação do Programa de Regularização Ambiental (PRA), foi a respeito do prazo de 20 dias, após a adesão, para que proprietário rural se regularize ambientalmente. Novamen-te o texto será avaliado pelo Congresso Nacional e promete mais polêmicas, pois as alterações são referentes aos temas mais discutidos pelas bancadas ambientalistas e ruralistas.

O histórico burocrático e regado de discussões inflamadas, percebe explicitamente a importância, tanto ambiental quanto social, de haver um conjunto de leis que assegure os meios naturais. Um dos destaques desse pro-cesso foi a rivalidade entre ruralistas e ambientalistas que mesmo após tantas negociações ainda não conseguiram entrar em um consenso.

De acordo com a advogada espe-cialista em direito ambiental e con-sultora jurídica da Frente Parlamentar da Agropecuária Samanta Pineda, o “novo” Código foi construído de forma democrática e intensamente debatido pela sociedade de um modo que nunca foi feito antes e que juridica-mente significa segurança e clareza de regras. “Não houve qualquer redução de proteção ao que já era resguardado. Ao contrário, alguns locais ficaram mais protegidos que anteriormente, como o caso dos mangues. O que ocor-reu foi a divisão entre o que já está em uso e o que não está”, explica.

Em contrapartida o engenheiro florestal e pesquisador da Embrapa - Meio Ambiente (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária), Laerte Sca-navaca, afirma que o Código Florestal representa um atraso e um risco para as florestas, para a biodiversidade e para a agricultura. E até prevê que as novas modificações podem fazer com que o Brasil de celeiro mundial passe a ser importador de alimentos. “É um retrocesso em todos os sentidos. A mudança foi política e não técnica. Temos 40 anos de pesquisa no Setor Florestal que sustentavam os 30 me-

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preservar sem produzir. Para isso, mais que a criação de leis, sua rigidez ou fle-xibilização, é extremamente necessário o envolvimento de todos os seguimen-tos da sociedade”, completa Coicev.

Polêmicas – A votação desta atua-lização do Código Florestal Brasileiro foi polêmica. Mas as modificações mais

discutidas estão relaciona-das à redução das Áreas de Preservação Perma-nente (APP) e da Reserva Legal (RL). Mas o que elas representam neste cenário ambiental? Pri-meiramente, as Áreas de Preservação Permanente são de acordo o próprio Código Florestal (Artigo 4º, inciso I), as faixas mar-ginais de qualquer curso d’água natural e seu prin-cipal objetivo é criar uma barreira protetora em volta do mesmo. “A mata ciliar funciona como um filtro, primeiro impede grandes fluxos rápidos de água para dentro do rio, segura a terra evitando que caia dentro da calha do mesmo, descontamina a água captando o excesso de adubos e degrada os agrotóxicos. Quando se acaba com a mata ciliar isso desaparece e as con-sequências são a falta de proteção para a fauna e a flora, degradação dos cur-sos d’água, assoreamento dos rios e contaminação da água”, explica Gandolfi.

No Código de 1965, os limites de APPs às mar-gens dos rios variavam de 30 a 500 metros de acor-do a largura mínima do curso d’água a partir do leito maior. A nova ver-são do Código continuou com a mesma variação das margens ciliares, porém a largura é contabilizada desde a borda da calha do leito regular. Ou seja, se

considera a margem natural de rios a partir do fio de água e não mais o nível mais alto dos cursos. Outras modifica-ções incluídas pela Medida Provisória nº571/2012, votada no dia 25 de maio de 2012, estão relacionadas à redução das APPs por meio da recomposição das faixas marginas baseada no módulo fiscal de cada imóvel rural.

Essa ‘escadinha’ incontestavelmen-te colaborou mais com os ruralistas, pois se focou na condição social. “A redução foi adotada por um caráter social, tão importante quanto o am-biental. O critério social foi opção do governo por uma questão de justiça. A eficácia ambiental certamente será melhor do que a de hoje, pois todos terão que recuperar pelo menos a metragem exigida de acordo com o tamanho da propriedade o que hoje em muitos casos não existe”, ressal-ta Samanta. Porém não agradou os ambientalistas que não consideraram essa redução uma boa estratégia para recompor as matas ciliares. “É balela esta legislação proposta. Ela permite que a propriedade seja dividida em módulos fiscais, de modo que não seja necessária a recomposição eficaz, o que é um absurdo”, indigna-se Scanavaca.

Os conceitos de Áreas de Preser-vação Permanente e Reserva Legal frequentemente são confundidos, principalmente depois das recorrentes alterações. Segundo o Código Florestal (Artigo 3º, inciso III), a Reserva Legal corresponde à área localizada no inte-rior de uma propriedade ou posse rural, ressalvada a de uma APP, com a função de assegurar o uso econômico de modo sustentável dos recursos naturais do imóvel rural, auxiliar a conservação e a reabilitação dos processos ecológicos e promover a conservação da biodiversi-dade, bem como o abrigo e a proteção de fauna silvestre e da flora nativa.

Segundo a legislação do Código de 1965, na Amazônia Legal a Reserva Legal deveria ser correspondente a 80% em área de floresta, 35% em área de cerrado e 20% nas demais regiões do país. Na realização do cálculo da Reserva as APPs eram excluídas, além de ser exigida a averbação em cartório. A nova proposta continuou com os mesmos porcentuais de RL nas deter-minadas áreas, porém permite incluir as APPs no cálculo se a soma dela com a vegetação nativa forem maiores que 80% do imóvel em áreas de floresta da Amazônia Legal e maiores que 50% nas demais regiões. Também foram isentos de recompor a RL, os proprietários de imóveis de até quatro módulos fiscais, além da permissão de exploração

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é de 44 milhões de hectares e das re-servas legais ainda não instituídas pelos proprietários correspondem a 43 mi-lhões de hectares. O resultado são 87 milhões de hectares não conservados que equivalem a 21 vezes a área de soja plantada no Paraná.

Segundo Gandolfi, a região de Piracicaba já sofre com os danos conse-quentes da ausência de leis ambientais mais rígidas aliadas ao descumpri-mento das mesmas. “Em 1986, no município de Iracemápolis o reser-vatório de abastecimento público foi totalmente assoreado. Então a cidade

perda de estudos referentes à susten-tabilidade e à preservação dos meios naturais. Já temem danos significativos que irão comprometer a qualidade da água e os biomas brasileiros. “Os efeitos estão relacionados à biodiversidade, à preservação da água, recarga e alimenta-ção de aquífero, À manutenção das flo-restas, tanto da Reserva Legal que deve ser tratada de acordo aos seus biomas”, resume Schimidt.

Conforme estudo realizado por Gerd Sparovek, professor da Esalq/USP, o déficit de vegetação natural nas Áreas de Preservação Permanente

econômica da Reserva dependendo da aprovação do Sistema Nacional do Meio Ambiente (Sisnama).

Outra mudança significativa em relação a RL foi o afastamento da averbação à margem da matrícula do imóvel, por meio da nova prática de registrá-lo no Cadastro Ambiental Rural (CAR). De acordo com Coicev, o registro no CAR deixa o produtor rural em uma situação mais confortável, embora represente um subsídio maior do Governo para fiscalizar e regulari-zar ambientalmente as propriedades rurais. “O Cadastro Ambiental Rural promete ser uma ferramenta para au-xiliar no planejamento da propriedade e na recuperação de áreas degradadas. Por conseguinte irá auxiliar o mapea-mento das áreas com potencial para a formação de corredores ecológicos e a conservação dos demais recursos naturais, contribuindo para a melhoria da qualidade ambiental”, ressalta.

Porém esse sistema também apre-senta brechas para burlar as leis, pela realização do Cadastro de ser respon-sabilidade exclusiva do agricultor. “Talvez isso facilite a questão buro-crática, porque a averbação no capital de registro era bastante burocrática e custosa, nem todos tinham condições de fazer isso. Eu acredito que fragiliza a fiscalização, pois é o produtor rural que está exercendo todo o trabalho de controle desse processo”, contrapõe o diretor da ONG Florespi (Associação de Recuperação Florestal da Bacia do Rio Piracicaba e Região) Ricardo Otto Leão Schmidt.

Efeitos futuros – Após várias ne-gociações e propostas, a reformulação do Código Florestal Brasileiro está com seu final cada vez mais próximo. Porém pouco se sabe sobre o que será feito pós-sanção, principalmente sobre as consequências que virão. Muitas expectativas foram criadas, tanto positivas quanto negativas, mas o que realmente pode-se esperar após o novo Código Florestal?

Os ambientalistas veem a atualização como um retrocesso de mais de 20 anos de governança ambiental e cerca de 50 anos de trabalhos em termos de proteção e recuperação de áreas. Além de uma

Luciana Coicev diz que a área ocupada pela plantação de cana-de-açúcar no Brasil é de 8,7 milhões de hectares, pouco em detrimento com os 140 milhões de hectares de áreas degradadas do país

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ficou sem água, teve que desassorear e reconstruir o reservatório. Muito provavelmente isso é um padrão em toda região, porque no final da década de 80, o reservatório de abastecimento público do bairro Ártemis (em Piraci-caba) também foi assoreado. Outro fator é que deixaram de captar água no Rio Piracicaba na década de 90, pois já se encontrava em um alto nível de degradação”, conta.

Para agravar a situação ambiental no Brasil, Gandolfi considera um as-pecto ainda mais nocivo: o aquecimen-to global. “Todas as previsões colocam

que o clima não vai mudar significa-tivamente, mas sim haverá períodos de muita chuva e longos períodos de estiagem. Nessa circunstância, vai ter uma concentração das chuvas e uma precipitação dos processos erosivos em direção aos cursos d’água. Então o que se avizinha lá na frente se as perspectivas de aquecimento global se tornarem reais o processo, que já é ruim agora, provavelmente vai se tornar muito pior” prevê.

Outro motivo de desacordo é em relação à região amazônica, devido a sua importância ambiental que pode ser ameaçada. “A Amazônia é uma bacia sedimentar formada por solos li-xiviados da Cordilheira dos Andes, ou seja, são solos lavados, extremamente pobres em nutrientes. Todas as exu-berâncias da floresta são sustentadas pela camada de matéria orgânica que levou milhares de anos para se formar. A floresta, por ter ciclo de vida longo e sistema radicular profundo, consegue captar os nutrientes trazidos pelas chu-vas e deste modo enriquece o solo com o passar dos anos”, explica Scanavaca.

Ainda de acordo com o pesquisador da Embrapa se esse ciclo for quebra-do a Amazônia está condenada a se transformar num deserto como o do Saara, e os efeitos serão irreversíveis. “Esqueça preço e logística, todo adubo existente no mundo é insuficiente para recuperar os solos da Amazônia. Se ela virar deserto, o resto do Brasil virará um semiárido, pois em São Paulo, por

Para Schmidt o maior avanço do Código foi a sociedade entender o que são áreas de preservação permanente; ao lado pasto em Área de Preservação Permanente

exemplo, temos em média 1500 mm de precipitações por ano, se cair pela metade será 750 mm/ano, que é o clima do semiárido”, finaliza.

A bancada ruralista inicialmente apoiou as mudanças na legislação am-biental com a esperança de que essas alterações tanto preservasse o meio am-biente quanto se adaptasse e colaborasse com a realidade da produção agrícola e/ou pecuária. Mas ao decorrer da refor-mulação questionou alguns artigos que não seriam viáveis financeiramente de serem cumpridos. No dia 28 de agosto de 2012, quando a Medida Provisória estava prestes a ser votada, o deputado federal Valdir Colatto (PMDB) divulgou que o custo referente à implantação das novas resoluções seria de R$ 1 trilhão ao longo do tempo. Esse dado faz parte do estudo realizado pelo procurador da Fazenda Nacional, Luiz Moraes e pelo economista especializado em Gestão do Agronegócio, André Meloni Nassar.

A consultora da Frente Parlamentar Samanta Pineda acredita que a nova versão prioriza tanto a preservação quanto à condição social do agricultor e prevê duas consequências principais: “A primeira é a melhoria na proteção das APPs, mediante o incentivo de recuperação. Segundo o aumento de investimentos em tecnologia e produ-ção causada pela segurança jurídica com o estabelecimento de regras claras que a diminuição das punições trará”.

A engenheira agrônoma Luciana Coicev também é otimista em relação a nova versão do Código Florestal e presume que os efeitos das alterações serão favoráveis. “Prevejo efeitos benéficos de caráter ambiental e so-cial provocados pelas alterações no Código Florestal. Desde que venham acompanhados de mecanismos para seu cumprimento. Pois o que estamos vendo hoje apenas como ‘abertura para o aumento do desmatamento’, pode servir para desmembrar as quadrilhas das propinas, dá tempo para os programas ambientais e de educação ambiental surtirem efeitos e criar nos produtores a consciência da regularização, dando-lhes mais fôlego para os ajustes necessários. Enfim pode colaborar para a produção com sustentabilidade”, disse.

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Janaina Ferreira

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Ultimamente é perceptível a to-dos que a natureza está sendo destruída, porém há pessoas que

se preocupam com o futuro e procuram fazer a diferença sozinha. Como o citri-cultor e ambientalista de Limeira, inte-rior do Estado de São Paulo, Waldomiro Jorge Ivers de 78 anos, que começou entre 1988 e 1989 o reflorestamento das matas ciliares de suas propriedades, entre elas a chácara do Pinhal com 22 alqueires; o sítio Mirim com 15 alqueires e, a mais conhecida, a chácara Laranja Azeda com 31 alqueires, utilizada para o cultivo da citricultura.

Neto e filho de pioneiros da área da citricultura do município, Ivers herdou os bens e dá continuidade ao trabalho de seu avô e padrinho Jorge Carlos Ivers, e seu pai, Arthur João Ivers, ambos falecidos. Porém, o projeto de reflorestamento não se limita somen-te na cidade em que vive: o projeto também é realizado em sua fazenda, em Goiás (Catalão), e nas terras que ficaram para seus irmãos em Mogi Guaçu e Aguai, reflorestadas por ele. “Onde eu ando nessas propriedades eu vejo um pedaço que plantei, exemplos de coisas maravilhosas”, declara Ivers.

Com os 20% das terras reflorestadas e mais os 30 metros dos córregos e rios também dentro da lei, o diretor de Agri-cultura e Abastecimento de Limeira e en-genheiro agrônomo, Thiago Mercuri, ex-plica “por se tratar de uma mata ciliar, ela já é uma área de preservação permanente (APP), protegida por lei, portanto pode ser considerada uma reserva ambiental”.

De origem alemã e irlandesa o ci-tricultor aprendeu desde pequeno com sua mãe, Ilíria Hergert Ivers, de quem herdou a paixão pelas plantas, como cul-tivar desde as sementes, plantar e cuidar do meio ambiente. “Minha mãe sempre admirou e gostava mexer com plantas. E isso veio comigo”, afirma Ivers.

WALDOMIRO IVERS REFLORESTOU A MATA CILIAR DE SUA PROPRIEDADE E PLANTOU

MAIS DE 100 MIL ÁRVORES

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Até 2005, ele contabilizou mais de 100 mil árvores plantadas somente na chácara Laranja Azeda e, como continua com o trabalho do plantio de árvores em todas suas propriedades, não soube

dizer quantas mudas foram plantadas no total. A diversidade de sementes é grande. No começo de seu trabalho, conta, “algumas mudas foram ganhas de amigos para completar uma área

Sim, uma pessoa consegue fazer a diferença

Waldomiro Ivers, citricultor que plantou mais de 100 mil árvores

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que estava faltando”, já que as suas na época não eram suficientes. Além dos pomares, há diferentes espécies de ár-vores, como eucalipto, pau-brasil, ipês, jacarandá paulista, araucária, jatobá, jequitibá branco e algumas espécies de outros países como Índia e África.

Motivação - Sempre apegado às tradições de sua família, desde pequeno Waldomiro Ivers trouxe consigo os en-sinamentos e a paixão pelas plantas que aprendeu com sua mãe. Por esse motivo, ao ver a natureza ser destruída e, preocu-pado com a poluição dos rios da região do bairro do Pinhal (bairro rural em Limeira), começou a se dedicar à recupe-ração da mata ciliar de suas propriedades e do Ribeirão Pinhal, que cruza a região incluindo a chácara Laranja Azeda.

Em meados de 1988, quando come-çou com o seu projeto, Ivers conheceu o presidente da ONG PreservAção (Associação de Proteção do Meio Ambiente de Limeira) e neurocirurgião Joaquim Nogueira da Cruz Neto e o engenheiro agrônomo Marco Pareja. Por intermédio de um dos membros da ONG, o engenheiro agrônomo, Lauro Pedro Jacinto Paiva foi conhecer o seu trabalho de semear mudas. De acordo com Ivers, Cruz o Pareja foram essenciais em seu projeto. “São duas pessoas muito importantes em minha vida, pois me incentivaram a expandir o meu trabalho e a continuar semeando minhas próprias sementes”.

Com pessoas importantes da ci-dade ao seu lado e o motivando para continuar com o projeto do reflores-tamento de suas terras, o trabalho de Waldomiro Ivers se tornou conhecido em Limeira e região, além do estado de Goiás. Essa iniciativa também trouxe benefícios para a cidade, como relata o engenheiro agrônomo e diretor de Agricultura e Abastecimento de Limeira Thiago Mercuri. “Um ótimo exemplo são as nascentes que existem nas matas que estavam mortas e rea-

Sim, uma pessoa consegue fazer a diferençaparecerão por causa das árvores ali plan-tadas”, avisa.

O citricultor teve seu trabalho reco-nhecido com prê-mios e o troféu Fu-magalli, tradicional premiação do muni-cípio que tem como objetivo homenagear e incentivar pesso-as que se destacam em diversas áreas. E o mais recente e importante Prêmio Parceria Verde e Azul, do governo do Estado de São Paulo, destaque na categoria ação local por uma causa global. “Esse momento foi muito feliz. Nós estamos danificando a nossa natureza e se todos fizessem um pouco, seria bom e faria uma grande diferença”, afirma. “Eu estou do lado daqueles que mais preservam”.

Waldomiro Ivers também tem orgu-lho de nunca ter precisado comprar ou vender uma de suas mudas. “Nenhuma das minhas mudas foram compradas, mas sim semeadas por mim. E não tenho nenhum centavo por muda vendida”, conta. Com a ajuda de seus funcionários trabalha diariamente em suas terras, cui-dando, semeando, e depois de plantadas as árvores. E, como ele mesmo diz, “a natureza se encarrega do resto”.

Disseminando sementes - Por iniciativa própria e com o intuito de passar os seus conhecimentos, o am-bientalista Ivers, uma vez por mês abre as portas de suas propriedades para visitações. Nessas visitas que, em sua maioria são escolas infantis, as pessoas aprendem passo a passo sobre como semear até a plantar a muda; conhecem e entram na floresta para ver de perto espécies raras. “Quando são crianças, as visitações acontecem na chácara do

Pinhal e no sítio do Mirim, por ser mais perto da minha residência.”, comenta. “Uma criança que aprende como seme-ar, passar as mudinhas para o saquinho, nunca esquece”. Um exemplo dessas crianças é o engenheiro agrônomo Thiago Mercuri. Hoje com 32 anos se considera uma semente plantada por Ivers. “Quando criança em uma visita da escola onde eu estudava fui conhecer o trabalho dele e desde então virei um apaixonado por árvores. Hoje também faço palestras de educação ambiental com crianças da quarta série e os levo para conhecer a propriedade do senhor Waldomiro”. explicou falou.

Durante o passeio, Ivers também aproveita para contar sobre a história de sua família, e a ensinar, incentivar e explicar o bem que a preservação pode fazer pelo o ambiente em que se vive. “As ventanias, tempestades e catástrofes naturais que vemos hoje são consequên-cias da destruição da natureza.”, explica.

O citricultor permite que estudos científicos sejam realizados em suas ter-ras, por professores e estudantes univer-sitários. A propriedade mais usada para essa finalidade é chácara Laranja Azeda, por causa de suas riquezas naturais, já demarcadas pelos pesquisadores.

Parte do Ribeirão Pinhal que cruza a chácara Laranja Azeda

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Marina izaBel Pereira caMPos [email protected]

“Um aplauso para João Pires e Bete ... este casal insepa-rável: afinal, eles gostam e

merecem”, descontrai o apresentador Mendes Neto. Este é um pequeno tre-cho de um dos versos recitados entre uma apresentação musical e outra do programa O Som da Terra, que é trans-mitido ao vivo do Sesi da Vila Industrial, todos os domingos das 10h ao 12h, pela rádio Educadora AM de Piracicaba.

PROGRAMA DE RÁDIO COM AUDITÓRIO REÚNE AMANTES DE MÚSICA SERTANEJA DE RAIZ E CURURU

No ar, oSOM DATERRA !

“Vou contar uma ‘passage’ Da história da ‘viage’ De Cristo nosso senhor a essa terra de ‘mirage’”E agora fique atento Porque vai soar aqui dentro o som de uma canção:”João Batista, quando tava no sertão,Foi criado no deserto com a triste solidãoGafanhoto ele comiaPorque lá não tinha pão.Foi por isso que ele veioE sentadinho numa pedraEle pregava o seu sermão.Mas logo veio Jesus Cristo conversar com o JoãoE pra ele disse então: ‘Devo ser batizado com sua próprias mãoPra fazer cumprir a minha profecia E fazer você cumprir sua missão”

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O grupo Recordação Sertaneja emociona a

platéia com canções de 1970 e 1980; ao lado,

a platéia aplaude os cururueiros

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Em tom de descontração e num clima para lá de familiar, Mendes Neto e Reinaldo Garcia (que em setembro substituiu o produtor Adair Doniani, mais conhecido como Samaritano) apresentam o programa e animam uma plateia assídua e apaixonada por música sertaneja de raiz e por cururu, canções versadas e criadas no improvi-so na qual se usam elementos presentes no contexto da cantoria.

O Som da Terra é um resgate dos tradicionais programas de rádio da primeira metade do século XX, trans-mitido ao vivo e com plateia, tal como nos áureos anos do rádio do Brasil. Segundo o locutor Mendes Neto, o programa está no ar há 27 anos e há 13 é produzido no palco do Sesi. Os pri-meiros locutores foram Santo Pavaneli e Luis Carreteiro, depois passou para José Moacir Bombo e Samaritano e, em 2007, com a morte de Moacir Bombo, Mendes Neto passou a apresentar o programa ao lado de Samaritano.

Os idealizadores do programa, segundo Mendes Neto e Reinaldo Garcia, foram Santo Pavaneli, José

Moarcir Bombo e o Samaritano. De acordo com os apresentadores, o que levou à sua criação foi a paixão pela música caipira, já a ideia de levá-lo para o palco do Sesi foi para reunir aman-tes da música sertaneja de raiz para compartilhar essa paixão e contribuir para se descobrir novos talentos. “A satisfação de poder fazer um programa como este é saber que a música caipira ainda está viva no coração de muitas pessoas”, afirma Reinaldo Garcia. “Um dos nossos objetivos, além levar música de qualidade à população, dar espaço e chance para novos talentos, é não deixar morrer a música sertaneja de raiz, a música caipira, pois ela conta a nossa história, a história do homem do interior, do homem do campo, que é simples, batalhador, companheiro e trabalhador”, explica Mendes Neto.

O programa é dividido em três partes. Na primeira, sobem ao palco cantores de Cururu acompanhados do violeiro Milo da Viola, Mingo do Pandeiro e da pequena Luana Violeira, uma garota de apenas 10 anos que é amante de moda de viola e de cururu.

“Eu gostava de música caipira e quem me ensinou a tocar viola foi o Milo. Sem ele, eu não seria nada e não saberia nada”, diz. Luana vai ao Sesi todos os domingos. “A adoro tocar”, fala empu-nhando a viola com orgulho. O violeiro Milo lembra que a chegada da menina deu um novo brilho ao lugar. “É sangue novo e isso nos dá grande felicidade, porque vemos que a moda de viola pode encantar qualquer pessoa e de qualquer idade. Essa é uma música bela, forte, tem verdade, emoção e a gente percebe que ela toca o coração daquele que ouve”, explica Milo emocionado.

Os trovadores sobem ao palco e compõem suas canções no improviso fazendo versos com o nome de alguém da plateia, que ouve animada e atenta. No recinto, quase todos se conhecem e os versos soam como pequenas homena-gens, como demonstrações de amizade e carinho de uns para com os outros. Can-tores, apresentadores e plateia parecem formar uma grande família apaixonada por música caipira. Cada pessoa nova que chega é recebida e acolhida por todos que a fazem se sentir em casa.

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Em Pernambuco aconteceu a pri-meira transmissão de rádio no Brasil, no ano de 1919, porém a primeira emissora surgiu no Rio de Janeiro em 1922. Nessa época, no entanto, só as elites tinham o aparelho, pois os custos da transmissão e do equipamento eram muito caros para a população. Ao longo da década de 20, porém, foi se tornando um objeto desejado pela população e foi, aos poucos, se espalhando pelos la-res brasileiros. Na década de 30, o presi-dente Getúlio Vargas emitiu um decreto permitindo que o rádio pudesse receber anúncios publicitários de produtos e serviços e, devido a isso, o aparelho se tornou acessível e popular rapidamente.

A partir daí muitos brasileiros adquiri-ram o equipamento e iniciou-se a era de ouro do rádio no Brasil.

Os programas, que antes eram ape-nas educativos e destinados às elites, começaram a se diversificar e a atender um público diversificado. Nasceram as primeiras produções dirigidas às massas, um misto de informação, diversão, entretenimento. Nesse mes-mo período, surgiram os primeiros programas de auditório que permitiam a participação popular e isso fez com que o sucesso do rádio só aumentasse.

Em meados dos anos 30, em função desses programas de auditório, apare-ceram os primeiros ídolos do rádio:

A segunda parte do programa fica por conta dos versos com temas que giram em torno da religiosidade e da cultura caipira. Os recitadores emocio-nam o auditório com belas criações. “Os versos recitados aqui são criados por nós mesmos, ou recontamos aqueles que nos foram passados pelos nossos pais e avós, que sabiam uma grande quantidade deles”, conta Luiz Valerio cantor de cururu e recitador de versos.

Na parte final do show, sobem ao palco cantores de moda de viola para apresentarem sucessos do passado acompanhados por Milo, Luana e Min-go do Pandeiro. “Aqui no palco a gente canta Milionário e José Rico, Zilo e Zalo, Gilberto e Gilmar, Leo Canhoto e Robertinho e tantos outros que foram sucesso e estão na mente e nos corações de muita gente. Algumas canções são verdadeiros hinos, se imortalizaram”, diz Tony Mensageiro cantor caipira.

A plateia entoa todas as canções e ovaciona emocionada os cantores pela lembrança dos tempos da mocidade. “Todas essas músicas me fazem lembrar da época em que eu era moça nova. A gente ia nos bailes e só podia dançar com quem nosso pai deixasse e ele vi-giava. Foi num desses bailes que conheci meu primeiro amor que nunca esqueci, mas meu pai não deixou a gente namo-rar”, conta dona Marcela Siqueira que diz que a canção “Meu Primeiro Amor” cantada por Cascatinha e Inhana a faz lembrar dessa época. “Não se faz mais ‘modas’ como antigamente minha filha, aquelas músicas faziam doer o coração da gente”, conta Rosa Aguado.

Alguns gostam tanto do programa que é compromisso certo em suas agen-das aos domingos de manhã. “Aqui eu tenho cadeira fixa, não perco e nunca perdi nenhum programa. Seu Mendes diz até que sou parte da história do programa, sou uma peça daqui sabe”, brinca Maria Francisca Narcisa. “Sempre vimos, não perdemos, nós somos casados há mais de 30 anos e ouvir essas canções nos faz lembrar dos nossos tempos de mocidade, do tempo do nosso namoro e de quando a gente se conheceu”, conta o casal João e Maria Alves.

Ao final de todo programa, os apresentadores realizam o sorteio de uma cesta básica para as pessoas da

platéia. Essa parte não é transmitida no programa de rádio. É um momento de descontração, há uma interação entre todos. “Os alimentos que compõem a cesta são providenciados por nós mes-mos e pelos meus patrocinadores e os do Samaritano”, explica Mendes Neto.

Segundo ele, o programa é mantido pelos patrocinadores de cada apresenta-dor. “O que mantém o programa, além da paixão que o Samaritano e eu temos pela música e pelo rádio, são os patrocina-dores. Não visamos lucro nenhum. Para mim está tudo empatado, eles nos dão espaço e nós fazemos o programa com muita vontade”, revela o apresentador.

O rádio no Brasil

Programas de rádio com auditório é um modelo de transmissão típico dos anos de ouro do rádio no Brasil. Eram transmissões ao vivo com artistas que sacudiam a plateia e deixavam todos com o ouvido colado no rádio. Com a chegada da TV no Brasil esses programas migraram para a televisão. Hoje, porém, emissoras de rádio do Brasil a fora resgatam os tradicionais programas de auditório.

Além da Educadora AM – Piracica-ba com O Som da Terra, esse formato foi adotado no Rio de Janeiro, no auditório histórico da Rádio Nacional, por onde passaram os nomes da música

O cantor caipira Tony Mensageiro ensaia antes da apresentação; ao lado, no palco do Sesi, Mingo do Pandeiro, Luana Violeira e Paloma tocam para cantor de cururu José Branco

Fotos: Marina Izabel Pereira Campos

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Francisco Alves, Carmem Miranda, Orlando Silva, Araci de Almeida, Sil-vio Caldas, Linda Batista. No ano de 1936 foi inaugurada a primeira grande emissora do Brasil, líder de audiência por duas décadas inteiras: a Rádio Nacional. Na década seguinte, foi esta emissora a responsável pela época áurea dos programas de auditório, que se tornaram febre e fez despontar as cantoras de rádio Marlene, Emilinha Borba e Ademilde Fonseca.

Com a chegada da televisão no Brasil, o rádio perdeu espaço e a época de ouro entrou em declínio. O rádio começou a sofrer transformações no formato, nas produções e na linguagem.

Os programas de auditório migraram para a televisão e desapareceram. Tudo se modificou e a programação foi alte-rada para necessidades mais regionais e para programas de transmissão musical, o que fez surgir as primeiras emissoras de frequência modulada, as FMs.

Com a internet, a transmissão ra-diofônica começou a ocupar as ondas da rede virtual, com dispositivos para ouvir músicas em arquivos comprimi-dos e com a transmissão ao vivo pela web. Chegou o tempo da convergência dos meios de comunicação e atualmen-te quase não é mais possível falar de rádio sem falar de telefonia, transmis-são de imagens, voz e dados.

dos anos de 1950. O programa Zoa-som está no ar desde agosto de 2010; é transmitido toda quinta-feira, às 14h, pela rádio MEC AM, produzido por jovens, para o público jovem.

De acordo com uma das coor-denadoras do projeto e repórter de plateia do Zoasom, Clara Araújo, a ideia de fazer o programa nasceu na própria Rádio MEC em parceria com a ONG Criar Brasil. Com o tempo, por meio de encontros com jovens universitários, a ideia foi ganhando forma. O Zoasom é apresentado por Laura Zandonadi e Jorge Freire e, na programação, há apresentação de

bandas independentes, com debates de diversos temas, porém relaciona-dos ao universo jovem. Conta com a presença de convidados que discutem o assunto a com a plateia e responde as perguntas do twitter. “Fazer um programa de rádio, ao vivo e com platéia, é um desafio muito divertido. Temos prazer em fazer aquilo e acho que isso transparece nas vozes que são ouvidas. Parece estranho pensar em um programa de rádio voltado para jovem, principalmente quando a gente pensa que esse programa vai ao ar por uma emissora AM. Mas acreditamos que o rádio é um veículo

fundamental de comunicação e que, por isso mesmo, não pode haver es-paços vazios”, avalia Clara.

O programa não para após o tér-mino da edição, o conteúdo vai para as redes sociais e a discussão continua com os internautas e integrantes do programa pelo site: www.zoasom.com.br e pelo twitter @zoasom.

A CBN (Central Brasileira de Notícias), das organizações Globo, tem em sua grade dois programas que são transmitidos com plateia: ‘Fim de Expediente’ e ‘No Divã do Gikovate’. O primeiro é ancorado pelo ator Dan Stulbach, pelo escritor José Godoy e pelo economista Luiz Gustavo Me-dina. ‘Fim de Expediente’ aborda temas culturais, econômicos, políticos e comportamentais, apresentado todas as sextas-feiras. Na última sexta-feira do mês ou em ocasiões especiais é apresentado ao vivo, com platéia, no Teatro Eva Herz, da Livraria Cultura Conjunto Nacional, em São Paulo, com direção artística de Stulbach.

‘No Divã do Gikovate’ é apre-sentado pelo médico psiquiatra Flávio Gikovate, gravado no teatro Eva Herz, com a participação do público. O programa é gravado às terças-feiras, às 18h, e vai ao ar aos domingos, às 21h, pela CBN. Ao longo da transmissão, o médico fala sobre temas diversos relacionados ao comportamento humano e responde perguntas da plateia sobre relaciona-mentos afetivos, sexo, comportamen-to, medos e expectativas.

No Rio Grande do Sul, na cidade de Venâncio Aires, pela rádio Venâncio Aires, AM 910, é apresentado todas as sextas-feiras, às 21h, o programa ‘Gente Nossa’ que está no ar há mais de 15 anos. O programa também conta com auditório e tem uma versão itinerante: uma vez por mês é apresen-tado num local da cidade, como em estacionamentos de supermercados, bares, sedes comunitárias, em salões de festas de escolas. As gravações reúnem, em média, 100 pessoas nos auditórios em cada apresentação. Os conteúdos giram em torno de apresentações musicais, comentários, brincadeiras, piadas e propagandas comerciais lidas pelo apresentador Victor Rosa.

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Jessica loPes [email protected]>

Não é difícil encontrar um ar-tista com uma boa ideia em mente e sem nenhum dinheiro

no bolso. Apesar de apresentar seu pro-jeto a possíveis patrocinadores, poucos lhe dão o devido crédito por diversos motivos tais como o desejo de retorno financeiro imediato (e não a médio ou longo prazo) ou, simplesmente, a falta de atenção a alguém desconhecido pela mídia. E engana-se quem pensa que apenas ideias fadadas ao fracasso são rejeitadas. J.K Rowling, autora da série Harry Potter, e Stephen King, um dos autores mais bem pagos do mundo, receberam diversos ‘nãos’ antes de encontrarem pessoas que acreditassem em seus trabalhos.

Ideias artísticas e culturais são perdidas em meio a burocracias tão comuns e, principalmente, pelo motivo que desanima a maioria dos criadores independentes: falta de verba. Por isso, é preciso buscar novas maneiras de arrecadar dinheiro para, finalmente, tirar o projeto do papel. Com essa ideia em mente, Perry Chen, Tancey

Strickler e Charles Adler, criaram, em 2008, o primeiro site para realizar o crowdfunding: www.kickstarter.com (que em português significa, literal-mente, ‘pontapé inicial’).

Apesar do conceito já existir na prática há tempos, por meio de eventos destinados à filantropia ou mesmo na construção da Estátua da Liberdade, um dos primeiros exemplos virtuais de colaboração diz respeito ao sistema Linux, concorrente da Microsoft, que é produzido e aperfeiçoado por seus próprios usuários. No caso do cro-wdfunding realizado por meio de sites, o conceito aplicado é diferente dos anteriores, sendo que o que vale é o ‘tudo ou nada’, ou seja, caso o número mínimo de doações não seja atingido, o dinheiro volta integralmente para seu respectivo colaborador.

Com uma plataforma simples e de fácil navegação – padrão que se mantém até hoje na maioria dos sites dedicados ao crowdfunding – mesmo com pouco mais de três anos de exis-tência, o site já conta com mais de 31 mil projetos bem-sucedidos, número que aumenta todos os dias. Ainda de acordo com o site, apenas no ano de

2011 foram arrecadados cerca de US$ 99 milhões (cerca de R$ 200 milhões), que custearam 11.836 projetos, sendo que destes, 80% contêm um vídeo de apresentação. E a tendência é conti-nuar crescendo, já que até outubro de 2012 o número de projetos que ultra-

CROWDFUNDING:

ARTISTAS INDEPENDENTES ENCONTRAM NO FINANCIAMENTO

COLETIVO A SOLUÇÃO PARA A FALTA DE

PATROCÍNIO

ARTE

Auto-retrato do artista limeirense Ricardo Tokumoto,(ao lado), mais conhecido como Ryo

Projeto do artista Mundano, colore e equipa carroças de catadores de materiais recicláveis

quando a união faz

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passaram a arrecadação de US$ 100 mil chegou a 301 (destes, 13 atingiram a meta de US$ 1 milhão). As categorias que mais arrecadam fundos são música, filme e vídeo e artes.

No Brasil, atualmente, 350 projetos já ganharam vida, enquanto outros 76 estão no ar, tudo isso graças aos esforços de três estudantes Diego Borin Reesberg, Daniel Weinmann e Luís Otávio Ribeiro, que em 17 de janeiro de 2011 fundaram o catarse.com. O Catarse é um site com software livre, ou seja, qualquer pessoa pode desen-volver um site de crowdfunding a partir dele. Segundo Diego, a plataforma é uma verdadeira “vitrine para proje-tos criativos”. Os critérios para ter o projeto aceito incluem a produção de um vídeo explicativo, prazos definidos para o término do projeto (começo, meio e fim), benefícios não-individuais (seja um grupo de pessoas ou uma comunidade), recompensas associadas ao projeto, realidade do orçamento apresentado e, claro, um resultado criativo. Porém, o principal ponto diz respeito ao próprio criador, que deve divulgar a ideia para seus contatos por meio de redes sociais e também off--line, mobilizando conhecidos para a conclusão do projeto.

Entre os maiores sucessos do Catar-se estão o financiamento de R$ 52 mil para o primeiro CD d’A Banda Mais Bonita da Cidade, de Curitiba, famosa pelo vídeo Oração, que ultrapassa 10 milhões de acessos no YouTube e ain-da o projeto Pimp My Carroça – um projeto social fabuloso, segundo Rees-

berg – que em junho de 2012 modificou car-roças, acrescentando a elas itens que ga-rantam a segurança

dos catadores e personalidades

por meio de artes feitas por brasi-leiros par-ticipantes.

Organizado pelo grafitei-

ro Mundano, o valor arreca-dado, graças

ao crowdfunding, foi de R$ 63.950, alcançando R$ 25.750 a mais do que os R$38.200 iniciais.

Para aqueles que colaboraram, existem recompensas, que ficam sob a responsabilidade do criador do pro-jeto. Essas recompensas podem ser a inclusão do nome do colaborador nos créditos, a cópia do material (livro, CD ou DVD), camisetas, bottons ou ingressos para o espetáculo que con-seguiu seu financiamento. No entanto, o Catarse não garante a realização do projeto, pois segundo Reesberg, “os próprios realizadores querem demais que aquele projeto aconteça, geral-mente é o projeto da vida deles ou algo desse nível”. A melhor maneira de ajustar essa dificuldade é por meio dos apoiadores, que “podem e devem cobrar os realizadores para que o pro-jeto aconteça”, finaliza.

Outro projeto bem sucedido é o do ilustrador e quadrinista limeirense Ricardo Tokumoto, que arrecadou R$ 33.059, mais que o dobro do valor esti-pulado inicialmente para o lançamento do livro com a coletânea das melhores tiras “relativamente engraçadas publi-cadas todos os dias”, como ele mesmo as define. O material encontra-se publicado no site: www.ryotiras.com. Como o valor mínimo foi arrecadado em apenas duas semanas – embora a estimativa de Tokumoto fosse de dois meses – o livro aumentou o número de páginas, passando de 140 para 212. A divulgação do projeto aconteceu prin-cipalmente por meio de redes sociais como Facebook e Twitter, ferramentas

utilizadas pela maioria dos criadores do Catarse, e do coletivo Pandemônio, que reúne nomes de peso no cenário de quadrinhos nacional. “Minha satis-fação não veio só da confirmação que o projeto seria realizado, mas de ver o tanto de pessoas que se mobilizou para tal. É algo que vale mais que qualquer coisa”, disse Tokumoto.

Tokumoto conheceu o site por meio dos amigos Eduardo Damasceno e Luís Felipe Garrocho, os responsáveis pelo projeto Achados e Perdidos – primeiro projeto de quadrinhos a ser financiado no Catarse – e como era frequente os pedidos de fanzines que já estavam esgotados, teve a ideia de compilar todo o material num projeto de financiamento coletivo, sendo que “a ideia do crowdfuding caiu como uma luva”, pois havia uma demanda clara e se tratava de um material já conhecido, explicou. O artista, que possui produções independentes em seu currículo como fanzines e o livro Ovelha Negra (lançado com Daniel Werneck), afirma que “uma grande vantagem é que a relação entre o públi-co e o autor é muito mais direta”, o que resulta na quebra de algumas monopo-lizações, pois apesar de não ser um caso geral, o financiamento coletivo mostra existir alternativas de publicação que funcionam bem, e “veio só a ser mais uma possibilidade pra quem deseja ver suas ideias tomarem vida.”

Porém, nem todos os projetos al-cançam o valor estipulado. Por motivos que incluem a falta de informação necessária para alcançar mais adeptos ou baixa divulgação, existem projetos não financiados. Além do Catarse.com, o Brasil possui diversos exemplos de crowdfunding. Há o Vakinha, que vai desde a arrecadação para compra de iPod’s até auxílio para abrigos de animais; o Mobsocial, que traz shows de bandas internacionais para o Brasil, como a banda Misfits com seu som horror-punk para três shows no país; o Showzasso, que atualmente reúne recursos para trazer Josh Rouse, que tocou no festival SWU em 2011; e o Queremos, que já trouxe Belle e Sebastian, Primal Scream, Two Door Cinema Club, Nouvelle Vague, Foster the People, The Gossip entre outros.

Diego Reesberg é um dos fundadores do maior site de financiamento coletivo do Brasil

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carla oliVeira

[email protected]

Desde os tempos das cavernas, o homem procura meios de expressar seus pensamentos e

sentimentos, e, como a escrita ainda não havia sido inventada, foi preciso buscar maneiras de manifestar tudo isso: deu-se, então, a criação da arte. Utilizando as paredes de pedra das suas casas, as pessoas retratavam imagens mostrando suas tarefas diárias, como a caça. Hoje em dia, não muito distante dessa realidade, elas continuam bus-cando expressar suas emoções, ideias e fatos do cotidiano pela arte, manifesta-da na escrita, na fala, dança, canto ou desenho. Esse é o caso da arte naïf que, mesmo não muito conhecida, tem sua história e suas características.

A palavra naïf, que vem do fran-cês e traz o significado literal, para as pinturas e esculturas, da arte in-gênua: de técnica autodidata, livre, espontânea, rude e frequentemente popular. Segundo a artista plástica Marilia Woltzenlogel de Azevedo Grillo, programadora cultural e artes visuais do Serviço Social do Comércio (Sesc) de Piracicaba, a arte naïf é uma apresentação de pinturas de um modo livre, sem as amarras da perspectiva e com cunho fortemente narrativo e

Traços

ARTE NAIF RETRATA A CULTURA BRASILEIRA, ESTIMULA ARTISTAS POPULARES E CULTIVA TRADIÇÕES FOLCLÓRICAS

simbólico. “Com intenso colorido, os artistas, sem formação, criam obras consideradas ingênuas, que mostram uma realidade natural e, ao mesmo tempo, fantasiosa, baseadas também na fonte da arte popular, valorizando as raízes da arte e da cultura”, explicou.

O precursor do estilo foi o francês e inspetor alfandegário, Henri Rousseau, em 1900. Rousseau, que nunca frequen-

tou nenhuma escola de artes, sempre ouvia histórias de diversos lugares do mundo durante seu trabalho, e, com essas descrições de culturas diferentes, buscava, nas horas livres, retratar o que havia ouvido. Na época, apenas eram considerados artistas aqueles que pos-suíam formação acadêmica relacionada às artes, o que não era seu caso, tendo, assim, suas obras desvalorizadas.

ingênuos

Foto

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arla

Oliv

eira

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Em 1931, 21 anos após o falecimen-to de Rousseau, a arte naïf começou a ser reconhecida no Brasil por meio das telas autodidatas do artista José Bernar-do Cardoso Junior, o Cardosinho. Em 1951, outro representante importante da época, Heitor dos Prazeres popu-larizou a arte naïf. Carioca, Prazeres recebeu o prêmio de terceiro lugar como artista nacional na 1ª Bienal Inter-nacional de São Paulo. No ano seguinte, o artista teve uma sala especial desti-

nada exclusivamente às suas obras. “A partir de então, as ideias que cercavam o que era chamado de arte naïf foram incorporadas pelas instituições de arte, ampliando os espaços para este tipo de represen-tação”, acrescentou Marilia. Presente em diversos países, não há uma região específica onde essa arte se manifeste, podendo ser encontrado artis-tas em Roraima, ou até mesmo no centro urbano paulista. Mas por representar, normalmente, tradições e costumes de regiões, festas e eventos populares, muitas obras naïfs carregam o cunho religioso do nordeste brasileiro, o artista sendo ou não nordestino.

Esse é o caso do mineiro Welivander César de Carva-lho, conhecido como Willi de Carvalho. Nascido em Montes Claros, desde criança gostava de desenhar e criar brinquedos no quintal de sua casa. “Os pa-litos e grampos da minha mãe se transformavam em outros objetos, no lugar dos brinque-dos, que não tínhamos”, disse. O artista contou que a época em que começou realmente a fazer arte foi quando passou a visitar o conservatório de música de Montes Claros, onde aprendeu muito sobre vertentes da arte

(música, teatro etc.). Em suas obras, Willi de Carvalho trabalha com a es-cultura tridimensional com miniaturas, retratando, na maioria das vezes, festas populares mineiras, religiosas e profa-nas, catopés, caboclinhos, marujadas, reinado e congada. “As pessoas andam tão agitadas, sempre conectadas nos celulares e computadores, e ficam somente naquele universo: casa, tra-balho, trabalho, casa”, explicou. “A vida ficou muito caótica, as cenas que eu busco mostrar em minhas esculturas é daquele povo feliz do interior, o dia a dia daquela gente, e a riqueza que é poder conversar, dialogar, frente a frente com o outro”, acrescentou.

Mas ele já fez trabalhos retratando o cotidiano das cidades grandes, como

Obra “Retrato Íntimo”, de Enzo Ferrara. No desenho, artista segura o retrato de Henri Rousseau; à esquerda, tintas, paletas e pincéis detalhados, obra do artista exposta na 11ª Bienal Naïfs do Brasil; ao lado, Ferrara com roupa de cigano, a fim de representar as suas origens paternas

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é Enzo Cícero Tiago Aparecido de Lima, conhecido como Enzo Ferrara. Jovem de 28 anos, Ferrara nasceu em São Paulo, mas há 8 anos mora em Santo André e, além de trabalhar como bartender, garçom e cozinheiro, mantém um ateliê em Mogi das Cruzes e participa de vários debates sobre a cultura e políticas culturais.

Segundo Ferrara, os desafios não são só para os artistas naïfs, mas para toda forma de produção de arte no país, seja visual, acadêmica, popular, artesanato, esculturas, fotografias, teatro, cinema ou dança. “O apoio à cultura é terrível, tudo que se fez até hoje é muito pouco, estamos desampa-rados tanto pelo poder público quanto da iniciativa privada”, exclamou.

Em suas pinturas, Ferrara busca dar voz àqueles que são marginaliza-dos, como os negros, gays, ciganos e comunidades carentes. “Também gosto de retratar as diversas culturas brasilei-ras, como a caipira e a cultura noturna de rua”, disse. Visto por alguns como um artista naïf urbano, por nunca ter pintado temas como lavouras e plan-

tações (característica bastante presente no estilo), o primeiro contato de Enzo Ferrara com a arte se deu quando tinha 7 anos. “Minha mãe chegou em casa com alguns porta-joias em formato de chapéu e tínhamos um pouco de tinta azul e vermelha, e pintamos os porta--joias; eu, minha mãe e minha irmã”, contou. “Estávamos pintando como se fosse uma brincadeira, e, sem querer, misturei a tinta azul com a vermelha, transformando-as em roxo, e essa trans-formação, aos meus olhos – uma criança de periferia, pobre e sem perspectiva de um futuro melhor –, pareceu um passe de mágica”, acrescentou. A partir de então, o artista começou a se encantar ainda mais com a pintura e o desenho, ganhando, aos 9 anos, um jogo de tintas para tecido que usou para pintar panos de prato para vender em feiras.

o da capital paulistana. “Ao mesmo tempo em que gosto do interior, eu não deixo de lado o caos de São Paulo, onde tudo acontece”. O início da sua criação em miniaturas se deu em 1996, quando o curitibano Hélio Leites, ao ver sua maquete em um cenário teatral, o incentivou a continuar criando nesse estilo. Após o incentivo de Leites, Willi de Carvalho se dedicou exclusivamente para a criação. “Eu procuro usar todos os materiais possíveis, principalmente os recicláveis”, contou.

Roberto Rugiero, colecionador de arte e marchand (profissional que tem como atribuição intervir no processo de distribuição da produção de um artista) de São Paulo, descobriu a arte de Carvalho e disse que suas obras se encaixavam na arte popular, pois não gostava do termo naïf. “Sou um artista popular”, disse Carvalho, “mas se me chamarem de artista naïf também não me importaria”, complementou.

Outro artista naïf que, mesmo apresentando as características do segmento em suas obras, se diferencia da maiorias dos artistas desse estilo,

Carla OliveiraCa

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livei

ra

Obra de Enzo Ferrara, buscando pelo nome do percussor da arte naïf no mundo, Henri RousseauI

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A primeira obra naïf de Ferrara foi produzida em 2003, a qual retratava a Festa do Divino na velha Mogi das Cruzes. “Na ocasião, eu acreditei que tinha criado uma coisa nova, e só al-guns anos depois, quando conheci o ar-tista plástico e naïf, Nerival Rodrigues, que conheci a arte naïf e descobri que não estava sozinho, que tinham muitos artistas espalhados por todo o país”, complementou. Segundo o jovem pau-listano, ele se considera um artista naïf ao pé da letra, principalmente por se identificar com outros artistas do seg-mento e se encaixar nas características que muitos apresentam, como o perfil autodidata, a origem humilde, a influ-ência da cultura e tradições populares, o colorido e a valorização de temas éticos, que agregam valores àqueles que observam suas obras. “Hoje vejo

a arte naïf de forma, aparentemente, ingênua, mas só a primeira vista: ela pede um segundo olhar, permitindo sempre uma nova interpretação do que está sendo exibido na obra”, explicou.

Ferrara também busca conhecer a arte naïf e, mais do que apenas pes-quisar, escrever um livro sobre. “Os artistas contemporâneos ainda têm um certo preconceito estético com nós, artistas naïfs, como se fôssemos ignorantes; o que não fica bem nos dias de hoje, já que todos podem ter acesso a internet e pesquisar sobre o tema”, protestou. Em seu livro, Ferrara analisará a produção da arte naïf no Brasil, como o momento histórico e os locais onde foram produzidas, a fim de entender a realidade de cada artista. “Consegui reunir o nome de muitos artistas naïfs brasileiros a partir da

década de 1920; no momento, somos mais de 600 artistas oficiais”, contou. Suas intenções são dar voz ao artista, com uma linguagem clara e popular, e ampliar a visão que se tem sobre a arte naif na história das artes plásticas.

Atualmente, os artistas naïfs conse-guiram ter mais reconhecimento não só no Brasil, mas em diversos países, principalmente por terem, há 17 anos, o Museu Internacional de Arte Naïf. Criado pelo francês radicado no Rio de Janeiro, Lucien Finkelstein, o museu conseguiu recolher, apenas em cinco anos, mais de dez mil obras em seu acervo. Os artistas também podem exibir seus trabalhos na Bienal Naïfs do Brasil, realizada no Sesc Piracicaba, que chegou a sua 11ª edição em 2012, quando Enzo Ferrara ganhou um dos prêmios incentivos oferecidos pela ins-tituição com sua obra “Retrato Íntimo”.

Neste ano, a exposição recebeu inscrições de 536 obras, de 268 artistas, naturais de 20 estados brasileiros, mas apenas 55 artistas e 70 obras foram sele-cionadas. Entre elas está Brasil Sertão Po-pular, de Willi de Carvalho, que retrata várias danças e manifestações do sertão popular do Brasil, como os Guerreiros de Alagoas, a dança paraense carimbó, o bumba meu boi, entre outros.

Escultura tridimensional de Willi de Carvalho, “Brasil Sertão Popular”; ao lado, o artista trabalhando em seu ateliê

Miguel Aun

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Matheus calligaris

[email protected]

Músicos de bandas indepen-dentes sonham em viver ape-nas de suas bandas ou apenas

com trabalhos relacionados à música, mas nem sempre isso é possível. Para uma banda ter sucesso é preciso se em-penhar em trabalhos, como gravações de CDs e clipes. Assim, a banda pode ganhar espaço e fãs. É por isso que os músicos que sonham em viver só de mú-sica precisam ter outros empregos para poder financiar suas bandas e seguir em busca de seus sonhos.

Esse é o caso de Renato Cardoso, tecladista da banda de rock católico Santhuário. Para ajudar nas finanças da banda, ele se formou em educação física. “Atuo na área há quatro anos como professor de musculação com o sonho de poder um dia viver apenas da música.”. A banda existe há sete anos e lançou seu primeiro EP em 14 de abril de 2012 com o nome Existe Esperança. Um EP (extended play) é um disco com poucas faixas, entre quatro e oito, tendo entre 15 e 35 minutos no total.

Para a gravação, o Santhuário teve um investimento de R$ 5 mil. Isso por-que para gravar um disco gasta-se com aluguel de um estúdio, pagamento de um profissional para fazer a mixagem e a masterização (edição e finalização), as artes de capa e a produção dos dis-cos para fazer as gravações dos CDs. Gravar uma faixa demora: grava-se um instrumento separado do outro e em tempos diferentes, para depois juntar todos e o vocal em uma música. Após fazer as gravações das músicas é preciso que um técnico de som edite e finalizar o áudio.

No momento, Santhuário grava as músicas para o seu primeiro CD, com previsão de estreia para 2013, mais

gastos para os integrantes da banda. “Hoje, mesmo com vendas de camise-tas e a venda do próprio EP, a banda ainda não consegue se sustentar e com isso existe uma vaquinha. Quando necessário, há vendas de rifas e pizzas para poder alcançar os projetos da banda”, afirmou Cardoso. A banda lançou também o clipe da música Des-pertar, uma das faixas do EP, que pode ser visto no canal do YouTube: www.youtube.com/santhuariocanal.

É comum às bandas independentes terem amigos que ajudem nas realiza-ções de seus projetos. A banda Sexo, de Americana, teve ajuda para a gravação

das suas músicas. Willian Samuray, gui-tarrista, contou que 90% da produção do CD é realizada por ele e o outro integrante, o baixista Igor Coimbra. Para gravar outros instrumentos eles tiveram a ajuda de amigos de outras bandas que colaboram com o que for preciso. Essa ajuda se estendeu à gravação do EP, fotos e clipes. As músicas da banda de rock eletrônico e psicodélico podem ser ouvidas no site www.soundcloud.com/sexo.

Samuray afirmou que não tem enfrentado problemas com dinheiro e que a maior dificuldade é com o nome da banda. “Esses dias, meu vizinho

Dificuldades e prazeres do mundo da músicaMÚSICOS E BANDAS INDEPENDENTES SABEM QUE VIVER DE MÚS ICA NÃO É FÁCIL E PRECISAM ENFRENTAR MUITOS OBSTÁCULOS

Mat

heus

Cal

ligar

is

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quis saber como chamava a banda, eu respondi Sexo. A reação foi igual a de muitas pessoas, um choque instantâ-neo”. O nome da banda sem duvidas é polêmico, mas Samuray explicou a origem dele. “Surgiu com a procura por um nome simples e de impacto. No início pensamos em vários nomes que poderiam ser chocantes, mas quando surgiu Sexo, um nome simples e forte, foi um choque que durou dias. Nos questionamos o porquê do cho-que para algo natural do reino animal e compramos a nossa própria ideia. Afinal é pra isso que o nome Sexo passou a servir”.

Outra banda de Americana é a The900, que desde 2005 tem tocado rock´n roll. De acordo com o guitarrista e vocalista da banda Laio Carvalho, as

dificuldades enfrentadas são de arru-mar shows com o valor adequado para a banda se bancar. Ele investe todo o seu salário que ganha como cinegrafista da Rede TV+, porém para Carvalho essas dificuldades deixam tudo praze-roso e conta a satisfação que o grupo teve em ganhar o prêmio de 1º Lugar, no ano de 2011, no festival de rock de Indaiatuba, prêmio investido na The900.

A banda já lançou três EPs, sendo o primeiro em 2007 com o título Deixe os Bons Tempos Voltarem; em 2010 o Volume 2 e em setembro de 2012, seu terceiro EP, Queimando Vivo. A The900 tem preferência em gravar EPs, foi o que contou o vocalista. ‘Todo mundo gosta de gravar um CD. Só

que se pôr no papel quanto se gasta para gravá-lo, o tempo que leva, a gente pensou em lançar EPs com menos faixas, mas

quantidades de

Dificuldades e prazeres do mundo da músicaMÚSICOS E BANDAS INDEPENDENTES SABEM QUE VIVER DE MÚS ICA NÃO É FÁCIL E PRECISAM ENFRENTAR MUITOS OBSTÁCULOS

músicas para renovar em menos tem-po.” As músicas do novo EP podem ser escutadas no site oficial da The900: www.the900.com.br

A banda também conta com Alan Coelho na guitarra, Kleber Bovo no baixo e backing vocal e com a baterista Nara Maciel. A The900 participou de um programa da web, Take One Ses-sion, uma produção da Urgência Fil-mes e da Milestone Studio, que mostra a banda tocando a música Queimando Vivo. A direção foi de Thiago Altafini que vai gravar primeiro clipe da banda com a Urgência Filmes.

Uma banda que apareceu há pouco tempo no cenário independente é a Sambalanço Social Clube. O nome surgiu por causa de um gênero musical do começo da década de 60, o samba-lanço. De acordo com Plinio Bortoleto, idealizador da banda responsável pelo vocal e violão, esse nome caracteriza bem o que a banda faz. “Um samba só que mais balançado”. O projeto tem dado certo. Com nove integrantes, lançou em janeiro de 2012 o primeiro EP intitulado Zen. O grupo planeja lançar em 2013 o novo CD, pois tem três músicas de autoria própria que tocam em seus shows. Plinio revelou os próximos passos. “Hoje temos to-cado no estado de São Paulo, Minas e Paraná. Queremos no ano que vem pelo menos dobrar nossa média de shows, nos consolidando nos lugares que já tocamos e levando nosso show para novas cidades, estados e quem sabe países”.

A banda de reggae Rabo Jah Raia é um experiente grupo de Piracicaba, que dividiu o palco com músicos como O Rappa, Natiruts, Planta e Raiz, Tribo de Jah, Maskavo, Cassia Eller, Lulu Santos, Zé ramalho, Jota Quest e Os Paralamas do Sucesso. Fizeram shows que lotaram as casas, gravaram dois

Beibe no centro tocando zabumba

durante a gravação do clipe Forró em

Brasília, música de protesto aos

políticos brasileiro

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CDs, um DVD de um show e agora estão gravando seu primeiro clipe. Entretanto, mesmo com o sucesso e muitos fãs, enfrenta dificuldades como outras do cenário independentes. Ro-drigo de Marco, vocalista e guitarrista, falou sobre a principal dificuldade do Rabo Jah Raia. “Você chega a uma idade que você tem responsabilidades. Eu tenho minha filha para cuidar, se fosse depender só do Rabo Jah Raia não daria para viver. A galera não dá o valor que o músico merece. Você entra no seu carro a primeira coisa que faz é ligar o som, e tem o trabalho de um músico ali, que trabalhou com outro músico e gravou no estúdio de outro músico”.

Rodrigo também contou como planeja continuar na ativa, já que as gravações de um novo CD não estariam nos planos do grupo, pois seria preciso gastar cerca de R$ 10 mil. “A gente pen-sou, vamos gravar uma música, fazer um clipe, lançar na internet, disponibilizar para todo mundo ouvir e conforme for a repercussão a gente vai gravando outras músicas e lançando”. A banda está gra-vando o seu novo clipe da música Deixa o Dia Amanhecer com a produtora de Piracicaba Z3 Studios; terá a direção de Cadú Brito e Maurício Trez Ottani.

Não é fácil para as bandas indepen-dentes conseguir se manter e começar a despontar entre as grandes bandas do mundo musical. Porém, uma banda de forró caipira de Piracicaba tem conse-guido crescer desde o seu surgimento há sete anos. É o Quinteto Dona Zaíra que tem como vocalista e tocador de

zabumba Rafael Paschoalini Arthuso, mais conhecido como Beibe. A banda tem como base o forro pé-de-serra, mas gosta de misturar outros estilos brasileiros em suas músicas, como o choro, o samba de raiz, coco, maracatu e música caipira.

O primeiro CD aconteceu em 2008 com o nome Forró de Dona Zaíra e, em 2012, lançou o segundo, Tomé Forró. Em novembro realizaram uma turnê pela Europa e tem conseguido se manter com os shows. Ao contrário de outras bandas independentes que precisam investir em suas bandas, os integrantes da Dona Zaíra conseguem tirar lucros. Beibe explicou como funciona as finan-ças do quinteto. “A gente se organiza

como uma empresa. Temos quantias de shows por mês, têm as contas da banda, tem a nossa retirada e o nosso caixa. Hoje, a gente consegue viver da nossa música, ter o nosso salário e vivemos o sonho de ser músico”

O interesse por fazer forró come-çou com o sucesso do forró universitá-rio. “O forró que a minha geração co-meçou a ouvir foi com o universitário, com Falamansa e o Bicho de Pé, letras que sempre falaram de positividade. A gente começou a pesquisar de onde veio esse forró e a ouvir Gonzagão (Luiz Gonzaga), Jackson (Jackson do Pandeiro) e o Dominguinhos”, conta Beibe. No segundo disco a banda con-tou com a participação de Domingos em uma das faixas, também contou com Hermeto Pascoal e a participação do violeiro e contador de causos Paulo Freire, que declarou a poesia Xico Bi-zerra, escrita especialmente para o CD.

Dona Zaíra já gravou dois clipes, o primeiro é a música Tome forró, faixa principal do disco de mesmo nome, di-rigido por Paul Domingos. O vídeo teve uma forma diferente de lançamento, pri-meiro web, em série de quatro capítulos no canal do YouTube da banda, www.youtube.com/donazaira1. O segundo clipe foi uma produção da Z3 Studios. Com direção de Cadú Brito e Maurício Três Ottani, o vídeo foi da música Forró em Brasília, uma critica aos políticos do Brasil. O clipe foi lançado em 07 de outubro. As músicas e o trabalho da banda podem ser vistos no site oficial: www.donazaira.com.br

Nara Maciel, Alan Coelho, Laio Carvalho e Kleber Bovo querem transmitir os ideais de uma banda de rock

Fotos: Matheus Calligaris

Rodrigo de Marco enquanto tiver forças vai viver apenas da música

Renato Cardoso ganhou seu primeiro teclado com 11 anos e hoje com 26 anos busca o sonho de viver apenas de sua banda

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Patrícia Peixoto Milão

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Localizada a 140 quilômetros da capital paulista, a cidade de Tatuí é conhecida mundialmente por

ter em seus limites o Conservatório Dramático Musical Doutor Carlos de Campos (CDMCC), o maior da América Latina. Mas além de abrigar as paredes da instituição a capital da música abriga sonhos.

Atravessando estados, estradas e fronteiras, os 2.400 alunos são de ori-gens diversas: 20 estados brasileiros, da

América Latina (principalmente Peru e Paraguai), Estados Unidos, Japão e França. Mas toda essa mistura partilha um único objetivo: querem viver de música. “Eu considero aqueles que par-ticiparão de um público, aqueles que terão a música como hobby, aqueles

que poderão ser músicos profissionais e, de vez em quando, um diamante a ser lapidado”, aponta o maestro João Carlos Martins sobre as possibilida-des para o futuro de um estudante de música. Em Tatuí o objetivo é só um, formar profissionais.

A rotina exige esforço e dispo-nibilidade. Durante a semana para encontrar os estudantes músicos e musicistas, quando não em sala, é provável achá-los na arquibancada de uma quadra de skate, que agora é utilizada de garagem, em que estudam música erudita.

Mais peculiar que o lugar é a for-ma. Eles compartilham o local, mas não a música. Ou seja, uma série de instrumentos, ritmos, tons e melodias coexistem no que talvez sobreponha ao barulho paralelo do caos urbano,

SONHAR EM VIVER DE MÚSICA

VAI ALÉM DO CARICATO

SENSO COMUM DA BOEMIA E FALTA DE

COMPROMISSO

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Apostando numa relação afetiva com os alunos, a professora Zoraide Mazzulli busca não só incentivar o avanço musical, mas estabelecer vínculos

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migrando para um mundo particular não menos desorganizado e alto em decibéis. “Eu não conseguia estudar. Demorei uns dois meses para me concentrar”, conta o flautista Weslei Sampaio do Amapá, que vive em Tatuí há um ano e meio. “Mas também de-pois que consegue, toca em qualquer lugar”, finaliza.

Morando em Macapá, Weslei teve contato com a música desde a infância, mas foi quando o maestro João Carlos Martins, em uma viagem ao estado, o viu tocar com 17 anos, que a primeira oportunidade profissional apareceu. “Teve a inauguração de um teatro e eu fui convidado para tocar. Ele (o maestro) gostou e me disse ‘eu vou te levar para São Paulo para estudar’ e me trouxe”, conta Weslei que por um ano foi apadrinhado pelo maestro.

Ingressando no início de 2012 no conservatório, ele tem mais dois anos de curso para se formar. Vive numa república com mais cinco meninos, sobrevivendo com a bolsa do conserva-tório – mensalmente recebe mil reais, tendo de cumprir uma grade adicional de nove horas semanais - e há oito meses não vê a família. As dificuldades não são apenas essas.

A violinista e cantora lírica Cyntia Revolledo está há cinco estudando no Brasil. Ela é peruana e tentou uma vaga na instituição com mais 14 com-patriotas que haviam sido encorajados por amigos peruanos que já moravam em Tatuí. Fora o choque natural de culturas, com o passar do tempo, a rotina tornou-se intensa e, consequen-temente, desgastante.

Ela começou cursando violino e a grade regular do conservatório que contém canto coral, teoria musical e história da música. Hoje, além destes, cursa canto lírico – que é um curso específico, assim como um instrumen-to – e é bolsista, o que a faz cumprir a grade extra. Cyntia também está se graduando em música em Piracicaba (80 km de Tatuí) tendo de viajar todos os dias para as aulas e cumprir estágio em uma escola além de, invariavel-mente, ter apresentações nos finais de semana. “Não é fácil. Até o semestre passado estava tudo bem, mas nesse estou começando a sentir o peso. É

mais questão de tempo, não dá para fazer tudo como eu quero”, explica enfatizando sua busca per-feccionista.

A saudade, que por ser de outro país é a primeira dificuldade que se imagi-na ter, ela não sofre tanto porque vai ao Peru nas férias de julho e janeiro e por contar com um apoio extra. “Eu tenho quatro mães aqui no Brasil. Quatro famílias que eu conheci e que se eu precisar de alguma coisa, eu ligo para eles e me ajudam”, conta Cyntia que, a princípio, desconfiou da característica acolhedora dos bra-sileiros, mas agora se rende ao país, pretendendo continuar aqui depois de terminar os estudos. “Pessoas cálidas,

de mão aberta (estendida)”, define.Esse papel materno não é cargo

exclusivo das mães dos amigos, mas também é ocupado pelas pessoas que convivem diretamente com os alunos. Alice de Fátima Martins é inspetora, trabalha na instituição há 14 anos. “A gente fica como mãe. Tem até uma aluna que eu falo que ela é minha ‘filha loirinha’”, conta. “Eu venho

A Banda Sinfônica Jovem se apresenta ao público na Praça da Matriz, tendo no repertório choro, popular e erudito

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a ser mãezona deles. Me preocupo, principalmente com os que vem de fora”, afirma sobre a relação com os alunos a professora de piano Zoraide Mazzulli, que desde 1971 trabalha no conservatório. “‘Você se alimentou hoje?’, é a primeira pergunta que eu faço. Eu fico preocupada. A mãe não está aqui, alguém tem que cobrar. porque essa molecada se você não ficar

Toda primeira e segunda semana de janeiro é divulgado no site do Dramático Musical Doutor Carlos de Campos,de Tatuí (conservatorio-detatui.org.br), a relação de vagas abertas e período de inscrição para o ano letivo que se inicia em fevereiro. No ato da inscrição é informado data e horário da primeira fase de seleção: a percepção auditiva.

Os aprovados são convocados para a fase final: prática. “O fagote, por exemplo, não é um instrumento muito conhecido no Brasil e é muito menos procurado do que o piano. Então nesses casos a gente admite idades mais avan-çadas”, esclarece o assessor pedagógico da instituição Antonio Ribeiro sobre o ingresso de pessoas sem conhecimento musical prévio que costuma ter o limite etário de nove anos.

Mantido pela Secretaria Estadual do Estado de São Paulo, estudar no CDMCC é gratuito tendo cursos de instrumento e seus diferentes estilos, canto MPB, canto (lírico, coral e MPB), artes cênicas (atuação, figurino, sonorização, iluminação), regência, educação musical para educadores e luteria (fabricação, ma-nutenção e conserto de instrumen-tos). Em julho, um novo processo de ingresso é aberto, com número menor de vagas, seguindo as mesmas características do início do ano.

Para os formandos o diploma, que não é reconhecido pelo MEC (Minis-

tério da Educação), é uma questão de opção. “Desde que o Conservatório foi criado não houve uma preocupa-ção para que a escola fosse filiada ao MEC e dá graças a Deus de não ser. Porque o MEC encara o ensino de música no nível médio, o nível que se pretende de educação musical, que é o nosso, muito engessado e muito antigo”, afirma Ribeiro.

A autonomia em ser uma “escola livre” é justificada pela qualidade. “Aplica a sua abordagem e o seu pro-grama e sua política pedagógica de acordo com o que é mais interessan-te pra escola, pros alunos baseado em outras escolas importantes do resto do mundo e se houvesse algum tipo de ligação com o MEC isso não seria possível”, afirma.

Através de uma parceria pro-posta pelo Centro Paula Souza uma alternativa para o reconhecimento formal foi desenvolvida. Hoje o curso técnico em Música ou Luteria (de acordo com o curso que realiza) na Escola Técnica Salles Gomes, em Tatuí é uma opção de certificação. Uma alternativa, não uma solução, já que para cada curso são 32 vagas e não é uma graduação obrigatória.. “O aluno que está no último semestre da vida dele aqui no Conservatório, isso também se ele tiver concluído o ensino médio, presta um vestibular interno para ingressar no curso téc-nico”, finaliza o Assessor.

Primeiras escalas

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Alunos interagem durante ensaio

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em cima eles esquecem de comer, só comem porcariada”, descreve.

Porém, a maior parte dos alunos não é bolsista e não mora em Tatuí. Caso de Rodrigo Silvestre, clarinetista, que vai todas as terças e quintas de Itapevi para a capital da música (123 km de distância), chega às 6h30 e ter-mina sua rotina de compromissos às 17h30. “Vou tentar a Banda Sinfônica. É bem difícil. De zero a dez, é um oito de dificuldade”, esclarece o estudante sobre a prova de bolsas.

Mas ainda que consiga, ele não moraria em Tatuí, mantendo a rotina de viagens. “Tenho uns oito alunos”, conta Rodrigo que se mantém com música sendo professor na Escola Mu-nicipal de Música de Itapevi e músico na Banda Sinfônica de Itapevi.

Além dos vindo de longe, a cidade tem em seus próprios aspirantes da música. A família de Lucas Rodrigues da Costa é uma delas. Terceiro de cinco irmãos, todos passaram pelo conser-vatório. Fora o mais velho, os quatro continuam ligados à música sendo que ele e mais duas irmãs já se decidiram definitivamente, inclusive, com planos em conjunto. “A gente tem um projeto de montar um trio, provavelmente para o ano que vem: Trio Rodrigues.”, conta Lucas.

A sintonia foi semeada desde a in-fância, já que a música é algo natural na família. Os cinco irmãos iniciaram contato com o meio pelos pais, antes mesmo de serem alfabetizados – a mãe toca órgão e o pai é flautista na igreja em que frequentam. “Quando a gente toca entre irmãos é mesma coisa que jogar a bola sem pensar no parceiro do lado. Simplesmente você sabe que ele está lá para você tocar a bola. Você pode até virar bicicleta que a bola vai estar lá na hora”, expressa Lucas.

Também de Tatuí, Maria Soares Vieira da Silva tem seus três filhos sonhando com a música. A iniciativa de colocá-los no meio veio de uma vontade da juventude. “O meu sonho era ser professora de piano”, conta Maria. O marido, Pedro da Silva, é autodidata em violão.

Em todas as apresentações que os fi-lhos estejam lá no canto está ela, com os estojos gigantes em que são colocados o

trombone da filha Kethin, e as trompas dos filhos Weslei Leonidas e Waleson. Terminado os aplausos, eles vão até a coxia de onde pegam o lanche oferecido aos músicos e todos circundam a mãe com os comentários e brincadeiras.

Mesmo sendo alunos no maior conservatório da América Latina, não foi de lá que veio a oportunidade de cruzarem os continentes. Integrantes da Banda de Metais Lyra Tatuí, Ke-thin fez sua primeira apresentação internacional na Europa, passando pela Alemanha, Espanha e Holanda. Roteiro que, posteriormente teria mais duas chances de fazer. Seu irmão mais velho Weslei, viajou duas vezes. Fora as viagens interestaduais para o Rio de Janeiro e Brasília.

E todo o zelo com os instrumentos, além do cuidado de mãe, vem do fato de, com exceção da trompa de Wes-

lei, os dois trombones de vara usados por Kethin e a trompa de Waleson são emprestados. “Às vezes eu estou esperando eles e alguém me pergunta onde está o carro, eu falo que o carro está nas costas”, brinca Maria já que o preço médio de um trombone, por exemplo, é de cinco mil reais.

No cotidiano dos estudantes, a relação não só entre os alunos, fun-cionários e amigos, mas também dos alunos para com o conservatório é visível. Eles estudam de seis a oito horas por dia, seja num banco no meio do caminho em que todos terão que passar ou numa área isolada frente ao portão. Enquanto uns estudam, outros conversam ou fazem graça. É como se o músico formasse pequenos mundos que se conecta a todos e não se atrapa-lha com nenhum. “O músico é feliz”, define Alice de Fátima Martins.

integrante do Conservatório e Banda de Metais Lyra Tatuí, Kethin já foi três vezes à Europa e viaja pelo Brasil inteiro

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ariane PrecoMa

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A violência atingiu 33 pessoas por dia em Piracicaba no período de janeiro a setembro de 2012.

Os dados são da SSP (Secretaria de Segurança Pública) do Estado de São Paulo. Essa realidade assusta. A velo-cidade com que os números avançam intimida ainda mais a população. Isso porque o desenvolvimento econômico e industrial aliado ao crescimento dos municípios gera aumento de renda e de desigualdade social, atraindo os olhares da criminalidade.

DADOS OFICIAIS APONTAM MAIS DE 10 MIL VÍTIMAS DE VIOLÊNCIA EM PIRACICABA, EM NOVE MESES

inSegurança Pública Os crimes de maior incidência na

cidade são contra o patrimônio, espe-cificamente furtos e roubos, seguidos por lesão corporal, tráfico de drogas e, por último, os crimes contra a vida (ho-micídios dolosos, culposos e tentativas de homicídio). Nesse ano foram regis-trados 1.440 furtos de veículos, contra 981 no mesmo período de 2011. A diferença de 459 veículos representa um aumento de 47,8%.

Para o delegado assistente da seccional de Piracicaba Ricardo de Abreu Penteado Fiore, o número de furtos está ligado diretamente à frota veículos da cidade. “Piracicaba, além de ser muito populosa, alimenta uma das maiores frotas de veículos da região. Isso faz com que os números sejam mais visíveis. Outro motivo, e que eu diria que pode ser considera-do o principal, são os desmanches“,

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apontou. Hoje, mais de 250 mil ve-ículos circulam por ruas e avenidas de Piracicba, média de duas pessoas por carro, de acordo com dados da Fundação Seade (Sistema Estadual de Análise de Dados).

Para o delegado Wilson Lavorenti, coordenador da Dise (Delegacia de Investigações Sobre Entorpecentes) e DIG (Delegacia de Investigações Gerais), a única forma de enfrentar o problema de segurança é criar uma resposta articulada entre a Polícia Civil e a Polícia Militar. “Nós temos que ter trabalhos convergentes e simultâneos de fiscalização de desmanches e fecha-mento de locais clandestinos. Vistorias daqueles veículos colocados à venda e peças para revendas, locais de revenda de motos que não são desmanches e a repressão propriamente dita a esses setores”, explicou.

Alto índice de lesão corporal culpo-sa ou mesmo homicídio culposo (ambos decorrentes de imprudência) por aci-dentes de trânsito, também podem ser associados a grande frota de veículos da cidade. Em nove meses, foi registrado uma média de seis vítimas por dia, ou seja, 1.714 vítimas com lesões corporais e mais 39 vítimas de homicídio.

Pela análise dos dados mostrados pela Secretaria de Segurança Públi-ca, as lesões corporais causadas por acidentes de trânsito são maiores que as lesões causadas por algum tipo de violência, seja ela no âmbito culposo ou doloso. Essas lesões são classificadas desde leves, até graves e gravíssimas.

No mesmo período, foram registrados 1.397 casos de lesões corporais dolosas e cinco casos de culposas, sendo quatro delas no mês de setembro.

Para Ricardo Fiore, os números citados acima refletem o grau de co-nhecimento da população em relação ao registro de boletim de ocorrência. “Não existe mais aquela subnotificação que fazia com que a população deixas-se de registrar porque tinha dificulda-de. A população está mais instruída e procurando mais os seus direitos. Hoje já temos delegacia eletrônica, que registra ameaças, furto de veículos e documentos”, explicou.

No entanto, o ex-delegado José Renato Martins, coordenador do curso de Direito da Unimep (Universidade Metodista de Piracicaba), explica que os números apresentados em dados estatísticos não são todos reais. Entre a realidade de massa dos crimes que de fato ocorrem no dia a dia e os dados que são repassados à sociedade há um longo caminho. “Cifra negra ou obs-cura, é onde a informação se perde, ou seja, nem todos os crimes postos em prática são levados ao conhecimento das autoridades”. Um exemplo é o tráfico de drogas. Não se registra bole-tim de ocorrência nos casos de drogas, somente quando é pego em flagrante. Isso faz com que exista “uma enorme cifra negra”, segundo o coordenador.

O Brasil enfrenta hoje sérios pro-blemas com o tráfico de drogas. Crime esse que, por sua vez, cumpre o papel de vendas de entorpecentes

e o direcionamento para prática de outros crimes. Piracicaba não está fora deste contexto. Este ano, de janeiro a setembro, foram registrados 478 casos de tráfico de drogas.

De acordo com José Renato Mar-tins, o roubo, o latrocínio, a lesão cor-poral e os homicídios são muitas vezes estruturados por meio do tráfico. “O exemplo é o furto, que gera receptação, sem contar os problemas de lesões e ho-micídios que estão ligados a confrontos por pontos de tráfico ou dívidas com traficantes,” acentua.

O delegado Wilson Lavorenti se diz contrário a existência de duas estrutu-ras policiais para atuar na segurança pública. Para ele, esse sistema já passou da hora de ser revisto. “Não é possível, aliás, soa estranho, que duas institui-ções com metodologias próprias de trabalho, falem somente o necessário, que por mais que conjugue esforços não sejam a mesma polícia”, critica.

Em sua opinião, a premissa de trabalho está completamente errada. “Acredito que as políticas públicas de segurança, independente do viés po-lítico partidário, têm que ser revistas de tempo em tempo, pois só essa polí-tica pública não satisfaz, nem aqueles que são destinatários, a sociedade, e nem aqueles que devem executar a política pública propriamente dita,

Delegado critica si stema policial

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Para Wilson Lavorenti, a forma de enfrentamento das drogas é que deve entrar em questão. “Existem duas formas de enfrentamento, a de repressão e de política de redução de danos, qual nosso estado exerce atra-vés, por exemplo, da justiça terapêutica e a despenalização para porte e uso de entorpecentes”, explicou. Ainda segundo ele, a contextualização das drogas se enquadra muito mais em questões de políticas públicas do que no trabalho de repressão policial. “A falta de estrutura adequada para a pre-

Delegado critica si stema policialos policiais. Se não satisfaz a nenhum dos dois alguma coisa tem que ser revista”, defensa. O delegado critica a existência do ‘melindre político’ de achar que rever política ou adaptar as necessidades significa erro político. “A criminalidade é dinâmica. Quando se fala em enfrentamento de criminalida-de tem que se pensar em duas formas de executar o trabalho. Temos a cri-minalidade de massa, que é cotidiana, furto, roubo, as do dia a dia. E temos a organização criminosa”, descreve e avalia que o estado se prepara para combater a criminalidade de massa, mas não a organizada. “Para mudar esse quadro é necessário uma política pública articulada. É necessário que o Ministério Público se faça presente de forma convergente”, prega.

venção, como locais apropriados para remeter os usuários ou familiares que buscam ajuda das autoridades, estão se restringindo única e exclusivamente na questão de repressão”, frisa.

Lavorenti ressalta existir uma linha de pensamento que consiste no fato de visualizar o usuário como uma vida que necessita de tratamento psicológico. “É uma questão também de saúde pú-blica e não só de segurança pública”, frisa. José Renato Martins compartilha da mesma opinião e acredita que o trabalho tem que partir do campo operacional - como os policiais - em parceria com o campo social.

Mais além do sentido estatístico, estão os crimes contra a vida. Consi-derados crimes sazonais, são difíceis de enfrentar, pois giram em torno de motivações particulares, como ódio, ci-úmes ou mesmo questões mercenárias. “É difícil de antecipar o incidente do crime de homicídio. No entanto aqui na cidade temos um projeto de reen-genharia da Polícia Civil com a junção do Dise, que é o narcótico e a DIG,

responsável do patrimônio e crime con-tra a vida. Nesses últimos seis meses já foram esclarecidos cerca de 30 crimes. É claro que quando se tem uma vida que perdeu parece pouco, mas no que tange a autoria, apresenta um resultado satisfatório”, esclareceu Lavorenti.

Quando se trata de estupro, os maiores incidentes estão dentro do am-biente familiar, ou com algum grau de afinidade, segundo o delegado Ricardo Fiore. Para ele, os dados registrados, 31 casos de janeiro a setembro, significa, de certa maneira, maior confiança das vítimas para denunciar. “Na maioria das vezes as vítimas se sentem envergo-nhadas, acuadas, ou mesmo não denun-ciam, pois em muitos casos dependem do sustento dentro de casa”, afirmou.

Formação - A segurança de Piraci-caba envolve a Polícia Militar, Polícia Civil e a Guarda Municipal. Segundo dados disponibilizados pelo vereador Laércio Trevisan Junior, hoje a Guarda Municipal conta com cerca de 400 efetivos. Na formação da Polícia Civil estão 42 investigadores, 44 escrivães, sete delegados nos distritos, três nos plantões, três na formação da Dise e DIG, cinco na seccional e três na De-legacia da Mulher. Já a Polícia Militar conta com 380 efetivos. Os números oficiais de efetivos não foram disponi-bilizados, pois as instituições alegam sigilo por motivo de segurança.

Em 2006, foi criado na cidade o Departamento de Polícia Judiciária do Estado de São Paulo Interior – Deinter 9 Piracicaba, formado por 52 municípios, com estimativa de atendimento a três milhões de habitantes e divididos por uma região macro de seis cidades: Pi-racicaba, Americana, Limeira, São João da Boa Vista, Casa Branca e Rio Claro.

Com o desmembramento da cidade de Piracicaba do Deinter 2 Campinas, Renato Fiore garante que houve melho-rias. “Essa divisão da chefia e a aproxi-mação da chefia das cidades menores, tem facilitado o acesso a recursos, a própria divisão administrativa e do pessoal. Mas a nossa luta continua para melhorar a estrutura da Polícia Civil, tanto nas instalações, como na qualida-de de atendimento e melhor qualidade de trabalho para os policiais.”

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natália Paula Mendes

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Cerca de 92 milhões de doações de sangue são realizadas anu-almente em todo o mundo,

sendo o Brasil responsável pelo reco-lhimento de 3,5 milhões dessas bolsas, ou 1,9% de brasileiros doadores. Apesar de o índice estar dentro dos parâmetros aconselhados pela Organi-zação Mundial da Saúde (OMS), de 1% a 3% da população, o número ainda é considerado ideal.

O Estado de São Paulo tem cerca de 100 postos de coleta de sangue, sendo 40 deles na capital. Em média, os hemocentros do estado costumam coletar 75 mil bolsas de sangue por mês, 400 delas doadas no banco de sangue de Americana e 1.300 bolsas de Piracicaba. Nas duas cidades a tipagem sanguínea mais coletada é O+ e A+.

Para aumentar as doações, em 14 de junho de 2011 foi publicado no Diário Oficial da União uma ampliação na fai-xa etária dos doadores para que jovens entre 16 e 17 anos também possam doar sangue. Para incentivar ainda mais as doações, em cumprimento a Lei Federal nº1075 de 27/03/50 e Lei Estadual nº 3365 de 06/06/56 o doador passou a ter o direito a abonar um dia de serviço no ano, se apresentar atestado da doação. Além disso, há decretos municipais que asseguram benefícios aos doadores de sangue como atendimento preferencial e isenção na taxa de inscrição em con-cursos públicos.

Há ainda propostas de incentivo, como no estado do Espírito Santo, para a isenção do pagamento de duas taxas de inscrição para vestibular por ano, desconto de 50% em ingressos inteiros para exposições e peças de teatro, des-conto de 50% em taxas de matrícula de cursos superiores reconhecidos pelo

AÇÃO QUE SALVA VIDASHEMONUCLEOS

REALIZAM TODOS OS ANOS

CAMPANHAS PARA REPOSIÇÃO

DO BANCO DE SANGUE

TIPO SANGUINEO RECEBE DE DOA PARA

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A- A- / O- A+ / A- / AB+ / AB –

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AB+ A+ / A- / B+ / B-/ AB+ / AB- / O+ / O- AB+

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O+ O+ / O- A+ / B+ / AB+ / O+

O- O - A+ / A- / B+ / B-/ AB+ / AB- / O+ / O-

COMPATIBILIDADE SANGUINEACOMPATIBILIDADE SANGUINEA

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Ministério da Educação, desconto de 5% na compra de livros didáticos e tam-bém nos casos de empate em resultados de concursos públicos, desde que a regra esteja prevista no edital da prova.

As campanhas de doações, reali-zadas anualmente no país, também procuram conscientizar as pessoas sobre a importância de se doar san-gue. O Corpo dos Bombeiros tem um papel importante nessas campanhas. Com a ideia de dar mais ênfase às comemorações ao Dia do Bombei-ro, a corporação iniciou em 2004 a campanha “Bombeiro Sangue Bom”. A ação resultou num aumento de 1.173 doações para 43.009 doações. Desse número, 487 doações são de Americana e 33 doações de Piracicaba. A campanha acontece em julho, um dos mais críticos do ano, quando os estoques de sangue apresentam queda de até 30% nas doações por causa do inverno e férias. Nesse período, é comum gripes e resfriados, o que impossibilita a doação.

Em 2012, trabalhadores em busca de aumento salarial usaram a doação de sangue como forma de protestar e para aumentar a visibilidade da causa. Em agosto os funcionários da Compania de Engenharia de Tráfico de São Paulo ao doar sangue de forma coletiva, não tiveram descontos no dia não trabalhado. A greve da Polícia Federal (PF), também em agosto, pro-moveu coletivamente e como forma de protesto uma doação de sangue, reclamando do posicionamento do governo, que teria declarado que os trabalhadores possuem “sangue azul” por estar em greve mesmo com salários acima da média.

Muitos outros trabalhadores se tornam voluntários coletivamente por meio de campanhas criadas nas empre-sa. Esse é o lema da Suzano Papel e

Celulose, de Limeira, que desde 2004 incentiva seus colaboradores a doarem sangue. Em 2011, contribuíram com 149 doações. Em outubro de 2012, a empresa contou com a participação de mais de 55 voluntários, 24 delas feitas no banco de sangue de Americana.

Para o responsável pelo programa de Qualidade de Vida da empresa, Marcelo de Mello Martins, gerente executivo de Segurança Saúde Ocupa-cional, apoiar iniciativas como essa é um ato de cidadania que pode salvar vidas. “Doar sangue é um ato simples e de grande importância, pois não há substituto para o sangue humano, só a doação pode salvar vidas”.

COMO DOAR SANGUE

A doação de sangue segue as orientações do Organização Mundial de Saúde: os homens podem doar a cada 60 dias e mulheres, 90 dias. Somente os bancos autorizados podem receber essa doação. Em Americana, o banco funciona no Hospital Municipal (Avenida da Saúde, 415 – Jardim Nossa Senhora de Fátima , fone: 3468-1739) e, em Piracicaba, o hemocentro fica na Avenida Independência, 953 – Bairro Alto (fone: 3422-2019).

Os requisitos básicos para doação:

• Estar em boas condições de saúde.

• Ter entre 16 e 67 anos.

• Pesar no mínimo 50 kg.

• Estar descansado (ter dormindo no mínimo 6 horas nas últimas 24 horas)

• Estar bem alimentado e ter evitado alimentos gordurosos nas 4 horas que antecedem a doação.

• Apresentar documento original com foto emi-tido por órgão oficial. (Carteira de Identidade, Cartão de Identidade de Profissional Liberal, Carteira de Trabalho e Previdência Social).

SALVA VIDAS

Como fazer - O processo de doação de sangue segue oito etapas que duram no máximo uma hora: cadastramento, triagem clínica, entrevista confidencial e o lanche. Após o sangue ser coletado, as bolsas são analisadas para testar seis tipos de doença infecciosas. Depois, é fracionada em quatro componentes: hemácias, plasma, plaquetas e criopre-cipitado (fatores de coagulação) que, armazenados em temperaturas corretas e de acordo com os componentes, du-ram de três dias a um ano dependendo. Para a enfermeira Francieli Vansei, doar sangue é primordial na família. “Já deparei com situações de emergência onde a doação de sangue tinha que ser momentânea, pois o estoque de sangue não sanaria a necessidade. Infelizmente, nenhum parente da vítima ajudou por medo. É necessário haver conscientiza-ção, pois não se trata de algo vicioso, rotineiro e nem prejudicial”, enfatiza.

O estagiário têxtil Jheison Kléber Teodoro é doador assíduo. Sua primeira doação aconteceu há três anos, quando seu tio, que realizou uma cirurgia car-díaca, necessitou de voluntários para contribuir com o hospital. A partir dessa data, Jheison tornou rotineira a ação humanitária. “É bom saber que de forma simples, podemos salvar vidas”, afirma. Assim como ele, vários doadores se conscientizam da emergência. Simo-ne Tavares doou sangue pela primeira vez em outubro deste ano para ajudar um companheiro de trabalho que tinha leucemia. Para ela, a doação será roti-neira a partir de agora. “Sempre que possível doarei sangue”.

Recipientes utilizados para coletar o sangue que passará por nova análise

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isis renata

[email protected]

A semelhança vai além de qual-quer coincidência. As palavras verde e vegetariano estão liga-

das pelo senso comum do natural e do vegetal, reforçando a ideia de ve-getarianismo, dieta antiga que ganhou força na atualidade por diversas razões. Ela envolve desde a consciência por uma saúde melhor ao protesto contra violência animal. Acredita-se que o homem pré-histórico era vegetariano. No Egito, por volta de 3200 anos A.C, o vegetarianismo foi adotado por reli-giosos que acreditavam que não comer carne facilitava na reencarnação. Com a evolução, o homem descobriu o fogo, que aliado a caça, gerou a inclusão da carne em sua dieta. Embora esse alimento tenha se tornado comum, o vegetarianismo mostra que a carne pode ser substituída por um complexo de frutas, legumes e grãos, que acom-panham o tradicional arroz e feijão. No Brasil, a adesão ao vegetarianis-mo aponta números em crescimento. Segundo pesquisa publicada no dia primeiro de outubro de 2012, pelo Instituto Brasileiro de Opinião Pública e Estatística (IBOPE), 15,2 milhões de brasileiros se declaram vegetarianos. Isso corresponde a 8% da população do país. O instituto escolheu proposi-talmente esta data, por se comemorar o dia Mundial do Vegetarianismo. A pesquisa aponta a cidade de São Paulo com o maior número de vegetarianos: são mais de 792 mil pessoas, o que corresponde a 7% do total.

FILOSOFIAS DE VIDA QUE ADERIRAM AO HÁBITO DA ALIMENTAÇÃO

VEGETARIANA, DE CHEFES DE COZINHA

À NUTRÓLOGOS

E quais seriam os motivos desse crescimento? Podem ser enumeradas algumas razões do vegetarianismo, entre elas: melhorias para saúde, filo-sofia de vida, violência contra animais, indústria da carne, movimentos ativis-tas, eventos envolvendo profissionais da saúde, socialistas e ambientalistas.

A Sociedade Vegetariana Brasileira (SVB), fundada em 16 de agosto de 2003, é pioneira em movimentos ve-getarianos, com objetivo de divulgar que a dieta seja uma opção alimentar benéfica para a saúde humana, dos animais e do planeta. Em 2009, a enti-dade lançou a campanha Segunda Sem Carne, em parceria com a Secretaria do Verde e Meio Ambiente de São Paulo. A campanha propõe não comer carne na segunda-feira.

A razão disto é que o final de sema-na do brasileiro em geral é recheado de churrasco e as pessoas tendem a comer alimentos mais leves na segunda, e mostra opções alimentícias ao onívo-ro. A SVB também lançou um Guia de Restaurantes Segunda sem Carne, catalogando os locais que aderiram à campanha.

Em Piracicaba, o Veículo de In-tervenção pelo Direito Animal (Vida) promove diversas ações envolven-do o vegetarianismo. “Realizamos eventos, como passeatas, palestras, oficinas de culinária vegana, até mes-mo uma ação mais direta como foi o vídeo Rodeio, a Crueldade Revelada. O nosso objetivo é conscientizar e educar para o veganismo”, explica a engenheira florestal e integrante

NOS OLHOS DA ALMAVERDE

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do Vida Nathalia Mota Ribeiro. A profissão atuante também pode influenciar na dieta vegetariana. É o caso de Eric Slywitch, vegano e especialista em nutrologia. Seus olhos verdes revelam um olhar mais

crítico para quem consome carne. O primeiro contato com a

dieta vegetariana aconte-ceu na adolescência, por meio da filosofia oriental ao mesmo tempo que cursava medicina. Atu-almente, trabalha em dois hospitais em São Paulo, coordena o De-

A American Dietetic Association descreve o vegetariano como a pessoa que não consome carne de qualquer espécie (bovina, suína, peixes, ave) ou qualquer produto que a contenha. A dieta vegetariana se abre em três vertentes:

• Ovolactovegetariano: Pessoa que não consome nenhum tipo de carne, mas inclui ovos e leite em sua alimentação. Esta é a forma mais popular de vegetarianismo.

• Lactovegetariano: Pessoa que não consome nenhum tipo de carne nem ovos, mas inclui leite e derivados do leite (laticínios).

• Vegano: Excluem de sua alimentação todos os produtos de origem animal, como carnes em geral, ovos, mel e gelatina. Evitam o uso de couro, lã, seda e de outros produtos de origem animal.

partamento de Medicina e Nutrição da Sociedade Vegetariana Brasileira (SVB) e escreveu os livros Alimentação sem carne - guia prático e Virei vegetariano. E agora?

O nutrólogo revela que o onívoro, ao se tornar vegetariano, demonstra mudanças em sua vida. “Observo o estilo de vida da pessoa e a sua forma de se posicionar frente ao mundo, es-pecialmente ao que se consome, como se cuida e na forma de lidar com os outros seres vivos”, descreve.

Porém, o onívoro que deseja mudar seu hábito alimentar precisa, antes de tudo, pesquisar seus próprios gostos alimentares e fazer uma relação com os alimentos de uma dieta vegetariana. “O importante é saber que carne não é substituída por ovos ou laticínios, mas por feijões, que inclui ervilha, lentilha e grão de bico, não se esquecendo dos cereais como arroz e milho, frutas e as hortaliças e legumes. Vegetariano não precisa comer somente soja”, afirma.

Com pesquisa feita e alimentos selecionados, o vegetariano acaba por descobrir que ele mesmo pode virar o cozinheiro. E quem sabe até profissional, como é o exemplo da chefe de cozinha Tatiana Navega. Vegetariana há mais de três anos, Tatiana declara que sua mu-dança alimentar se deu por conta de seu metabolismo. “Percebi que quanto mais eu diminuía a carne, mais meu organis-

mo funcionava bem, ficava mais disposta”. Atualmen-te, ela trabalha em um bu-ffet que tem como proposta um cardápio variado, com mais opções de pratos sem carne. “A pessoa a escolher esse tipo de cardápio não

vê como vegetariano, e sim como uma variedade”, revela Tatiana. Outra regra seguida por ela é evitar desperdício de comida e trabalhar com a menor quan-tidade de material descartável.

Um cardápio vegetariano é facil-mente encontrado nas redes sociais. O site Vista-se, (http://vista-se.com.br), há cinco anos na rede e adminis-trado por Fábio Chaves, contém várias indicações de links, além de divulgar agenda de encontros, palestras e even-tos. Chaves participou da Semana Ve-getariana da Unicamp, em Campinas, realizada em setembro, e disse que o objetivo é falar sobre veganismo prin-cipalmente a quem não é vegetariano, para atingir o público que precisa de informações sobre o tema.

O publicitário Rafael Carneiro, que também tem olhos verdes, declara que a carne está fora de questão há mais de quatro anos, por condenar a crueldade e a morte de animais. “Se eu tenho a opção de comer algo que não vá precisar matar outro ser, irei fazer isto”. Estevam Boraschi sentiu na pele o significa de sacrificar um animal. Como estudante de veterinária teve matérias sobre frigorífico e matança de animais. “Eles mostram vídeos sobre como é feito salsicha e a mortadela. Aquilo me chocou. Eu já não comia muita carne vermelha, mas naquele dia eu tirei totalmente a carne da minha alimentação”, conta.

Boraschi, que também tem olhos verdes, não se esquece do que viu e confessa se alimentar sem culpa. “A carne prejudica a saúde. Já foi comprovado que é uma das causas do câncer e faz mal para os animais e para o meio ambiente”.

NOS OLHOS DA ALMA

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Tatiana Navega tem paixão

pela cozinha e realização profissional

com seu Buffet

O vegetariano Estevam Boraschi e a ausência

de culpa na hora da compra de alimentos Fo

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Vanessa Martins Marcelino

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“A cura está ligada ao tempo e, às vezes, também às circunstâncias”, já dizia o

filósofo grego Hipócrates, significando que o ser humano faz parte de toda natureza, portanto os males do corpo estão relacionados ao equilíbrio que se tem com o meio que se vive. Hipó-crates fundou a medicina ocidental e inspirou a medicina alternativa, termo usado para tratamentos ainda não validados cientificamente, ou seja, a ciência não comprovou sua eficácia.

Porém, há vários centros e clínicas de tratamentos alternativos com os mais variados métodos, os quais ofere-cem cura de dores, equilíbrio psicológi-co ou emocional e até mesmo paciência e atenção ao dia a dia. Uma dessas práticas conhecida é a Yoga, que existe há cinco mil anos. A professora Rita de Cássia Mello começou a trabalhar com o tratamento alternativo há 20 anos e hoje atende homens e mulheres que a procuram por inúmeros problemas, sendo a ansiedade o principal.

Entre as várias técnicas da Yoga, Rita diz usar mais a meditação, para trabalhar a concentração e a elevação dos pensamentos em ideias positivas, posturas, exercícios físicos leves que contam com o equilíbrio em algumas posições, como a pranayama que é a respiração controlada ou alongamen-tos e relaxamento, pensamentos neu-tros e entrega total. Ela acredita que ao se praticar essas sequências pode-se

DORES CRÔNICAS, DESEQUILÍBRIO EMOCIONAL OU A NECESSIDADE DE RELAXAR LEVAM AS PESSOAS PARA TRATAMENTOS NÃO CONVENCIONAIS

atingir o psicofísico, o psicossomático e lidar com a mente, corpo e espírito.

Alguns tratamentos são reconhe-cidos e considerados alopáticos (con-vencionais), como a acupuntura que é um método terapêutico de neuromo-dulação periférica originário da China e, desde 1995, reconhecida no Brasil como especialidade médica pelo Con-selho Federal de Medicina.

A Sepacc (Sociedade de Estudos e Pesquisas da Acupuntura Clássica Chinesa) explica que esse tratamento sintetiza na inserção da agulha que estimula as terminações nervosas livres existentes na pele e nos tecidos subja-centes, principalmente nos músculos. A mensagem gerada por esses estímu-los chega ao sistema nervoso central, desencadeando uma série de reações mediadas por neurotransmissores, que bloqueiam a passagem do estímulo do-

loroso, minimizando o processo de dor.A medicina alternativa está sempre

em busca do reconhecimento, porém os terapeutas desses tratamentos desta-cam a importância que esses processos

A busca pelo alternativo

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alternativo

podem obter se forem praticados como com-plemento da medicina alopática, como afir-ma o terapeuta Dio-go Rasure: “sempre deixamos bem claro que as pessoas devem procurar antes um mé-dico convencional que possa ver o proble-ma do paciente, mas

muitas pessoas já cansadas de longos tratamentos com remédios e análises, procuram a medicina alternativa e acreditam que talvez consigam obter resultados mais rápidos ou melhores.”

E há muitos tratamentos. Proprietário de uma clínica de medicina alternativa, Diogo Rasure trabalha com cristais, pois acredita na força positiva para os chacras, vitais do corpo humano; cromoterapia, conceito simplificado da aplicação das cores na saúde dos homens, por meio de ondas de luz que se aplica em pessoas, animais e plan-tas; reiki, positivação de energias por meio da força vital; aromaterapia com receitas de essências para ajudar no problema que a pessoa tenha; florais, essências de plantas e flores.

Paciente há mais de um ano da terapia de florais, Larissa Freitas diz que sempre foi ansiosa. Com isso, teve arritmia cardíaca e pressão alta. Com o tratamento alternativo ficou mais calma, relaxada, regularizando seus batimentos cardíacos e a pressão arterial. Ela faz acompanhamento uma

vez a cada 30 dias e cada sessão é de aproximadamente 50 minutos. Nas visitas à clínica descreve o que sente, o que a incomoda, e a partir disso re-cebe as essências florais, uma solução líquida natural de uma ou mais plantas e flores, comprada em farmácia de homeopatia.

Para exercer a terapia alternativa Diego Rasure e Rita De Cássia se espe-cializaram na área e, mesmo não sendo tratamentos invasivos, sem contra indicação, realizam um diagnóstico in-dividual até chegar ao melhor método para ajudar o paciente.

A terapeuta Laís Pimentel trabalha há cinco anos com reflexologia, com duas linhas técnicas, uma ligada à medicina chinesa, incluída aos meri-dianos, e outra ligada à fisiologia e aos estímulos nervosos. É fundamentada no fato de que há pontos nos pés que estimulam cada parte do corpo, o que leva o sistema nervoso a agir e a cor-rigir problemas na homeostase, que é a capacidade do organismo de se reequilibrar. Assim, o cérebro manda antiinflamatórios e analgésicos naturais para lugares do corpo que precisam.

Dores musculares, tensões e stress são as principais reclamações dos pacientes que procuram o tratamento alternativo. Laís explica que a reflexo-logia atua em pontos ligados ao corpo todo, com possibilidades de se obter melhoras de diversas doenças. Ela costuma atender de 20 a 40 pessoas por semana, com consultas que variam de 30 minutos a uma hora. “Quando o paciente relata que se sente melhor, sem dores, mas relaxado ele está dis-pensado”, sustenta. Porém, devido à correria cotidiana é comum o paciente retornar com dores e tensões. “O ideal é que se o paciente se sentir melhor, ve-nha quinzenalmente ou mensalmente, mas não deixe de vir”, ressalta.

Laís salienta que os resultados da reflexoterapia não param de ser pes-quisados para comprovar sua eficácia e ter aceitação na medicina tradicional. Para isso, os profissionais contam com a Associação Brasileira de Reflexotera-pia e Pesquisa (ABRP), presidida por Osni Tadeu Lourenço. “Há trabalho muito denso para que avancemos nas pesquisas”, finaliza.

Na yoga se faz alongamento, exercícios físicos e respiratórios no qual relaxará o físico e controlará o stress e a ansiedade

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ARTIGO

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Paulo aFFonso leMe Machado *

Em 24 de maio de 2012, foi promulgada a Lei 12.651 sobre as florestas. No mesmo dia, a Presidenta da República emitiu ve-

tos a alguns artigos dessa Lei e publicou a Me-dida Provisória 571. Os meios de comunicação continuaram a chamar a nova Lei de “Código Florestal”, mas no novo texto legal não consta mais essa expressão, como constava em 1965.

A destruição e/ou o perecimento das flores-tas e dos seres humanos podem configurar um atentado à função social e ambiental da proprie-dade, através de seu uso nocivo. O ser humano, por mais inteligente e mais criativo que seja, não pode viver sem as outras espécies vegetais e animais. Estamos conscientes de que sem florestas não haverá água, não haverá fertilidade do solo; a fauna depende da floresta, e nós – seres humanos – sem florestas não viveremos. As florestas fazem parte de ecossistemas, onde os elementos são interdependentes e integrados.

O procedimento de votação da nova Lei teve uma grande participação da população brasi-leira. Eu mesmo fui convidado e participei de audiências públicas na Câmara dos Deputados e do Senado Federal. Um dos principais pontos de discórdia estava no tamanho das áreas de preservação permanente, dizendo os parlamen-tares chamados “ruralistas”, que essas áreas prejudicam o desenvolvimento da propriedade rural, diminuindo a sua lucratividade.

Antes de mais nada é preciso acentuar que as florestas de uma propriedade rural não são de interesse somente de seus proprietários , mas constituem “bens de interesse comum a todos os habitantes do País”. A nova Lei de florestas faz com que proprietários rurais, governo e sociedade civil devam pensar, sentir e agir em comunhão para gerenciar ou manejar esses bens. A noção de “interesse

comum” supera a caracterização de um bem como “privado” ou “público”. A concepção de “interesse comum”, já introduzida em 1965, na Lei 4.771, encontra seu ápice na Constituição da República de 1988, com a conjunção da garantia da propriedade com a da função social da propriedade (artigo 5º) constando que essa função somente se realiza com a realização simultânea da pre-servação do meio ambiente e a exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores (artigo 186).

As áreas de preservação permanente – APP indispensáveis, entre outras, são as das beiradas dos rios, chamadas matas ciliares, e as das montanhas em determinadas altitudes. Quem escolhe a existência dessas florestas é a própria natureza, cumprindo aos seres humanos inteligentes respeitar esses espaços territoriais, evitando, assim, a seca e o entu-pimento das calhas dos rios e o deslizamento dos morros. A localização e o tamanho das áreas de preservação permanente não devem ter relação direta com o tamanho das pro-priedades rurais. Enganaram-se os parlamen-tares e o governo ao permitirem diferenças entre as APP conforme a propriedade rural seja de pequeno porte, médio ou grande. Não se colocou, com clareza e adequação, o problema das despesas da manutenção e da reposição das florestas das APP. É preciso esclarecer-se o papel de toda a sociedade brasileira nas APP, fazendo-se com que os proprietários rurais as conservem, mas não faltem efetivamente programas financeiros governamentais. Com a legislação adotada não haverá sustentabilidade ambiental e as gerações futuras pagarão a conta dessa im-previdência e incontrolada ganância.

* Paulo Affonso Leme Machado é Professor de Direito Ambiental na UNIMEP – Universidade Metodista de Piracicaba e autor do livro Direito Ambiental Brasileiro.

A nova lei florestal brasileira e a sustentabilidade ambiental

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58 PAINEL CIÊNCIA & CULTURA • Março/2013

Nº 74Novembro/2012

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