Painel 74

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Nº 74 Novembro/2012 CURA A GALOPE Ecoterapia é indicada na recuperação de doenças física e mental Ecoterapia é indicada na recuperação de doenças física e mental PAINEL CIÊNCIA & CULTURA • Novembro/2012 3

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Revista Laboratorial do Curso de Jornalismo da Unimep/2012

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Nº 74Novembro/2012

CURA A GALOPEEcoterapia é indicada na recuperação de doenças física e mentalEcoterapia é indicada na recuperação de doenças física e mental

PAINEL CIÊNCIA & CULTURA • Novembro/2012 3

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Informações:(19) 3124.1676

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Jornalismo

Sintonia com as novas linguagens e tecnologias de comunicação. Compromisso com a ética e a

qualidade da informação.

Acesse nossos sites:

unimep.br/jornalismo

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jornalunimep.blogspot.com.br

Curso avaliado com4 estrelas pelo Guia do Estudante e Conceito 4

no Enade/MEC.

Unimep

4 PAINEL CIÊNCIA & CULTURA • Novembro/2012

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CARTA DO EDITOR

Os leitores recebem hoje mais uma edição da revista Painel, produ-

zida pelos alunos matriculados no 6º. semestre de Jornalismo. É o

primeiro contato deles com o texto de revista, com a necessidade de se

trabalhar a informação de maneira mais aprofundada, com dados quanti-

tativos e qualitativos, com análises de especialistas sobre o tema pautado,

sempre levando em conta a relevância e a importância do que se produz.

É um aprendizado e, como tal, tem oscilações no ritmo desses futuros

jornalistas que precisam dar conta das dezenas de atividades acadêmicas

e até mesmo as relacionadas ao mundo do trabalho que estão inseridos.

Para que esse número fosse concluído e levado para a impressão foram

quatro meses, com aulas todas as semanas e orientações sobre o enca-

minhamento da pauta, enfoque da reportagem, fontes selecionadas. Um

ritmo que faz com que qualquer redação, incluindo a redação acadêmica,

sofra momento de estresse, de cansaço e até mesmo de desconfiança de

que tudo dará certo. Não é fácil, como nenhum outro trabalho que enfrenta

seus desafios cotidianos para conseguir atingir o objetivo proposto.

Os alunos de Jornalismo da Unimep enfrentaram com garra esse

desafio e atingiram as metas estabelecidas já nas primeiras semanas de

agosto. Por isso, a classe entrega a Painel a todos com a certeza de que

se esforçaram para fazer o melhor de si. A qualidade editorial pode ser

conferida ao folhear suas páginas, além de se debruçarem para ler textos

com vários estilos, alguns mais literários, outros mais informativos, mas

todos inseridos no contexto da atualidade, situações vivenciadas cotidia-

namente e que são apresentadas, discutidas e avaliadas, como projetos

educacionais que se destacam em escolas da cidade; tratamentos alterna-

tivos – em destaque a ecoterapia -, ou histórias de pessoas que superam

suas deficiências e se realizam profissionalmente; iniciativas para ajudar

o meio ambiente focado na coleta de óleo de cozinha, ou os problemas

enfrentados por aqueles que precisam de um doador de órgãos.

Enfim, as pautas da Painel estão ricas de informações que ajudam a

todos a entender a realidade que vivemos nesse século.

Boa leitura!

Processo de aprendizado

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EXPEDIENTE

Órgão Laboratorial do Curso de Jornalismo da Unimep

ReitorGustavo Jacques Dias Alvim

Diretor da Faculdade de Comunicação Belarmino César Guimarães da Costa

Coordenador do Curso de JornalismoPaulo Roberto Botão

EditoraRosemary Bars Mendez

Editores ExecutivosSara Pizzol

Suzana Carrascosa Sotorolli

Editor de FotografiaGustavo Annunciato

RedatoresAna Paula Rosa, Beatriz Bernardino,

Camila Figueiredo, Camila Piacentini, Camila Tatiê, Carolline

Beraldo, Denis Fernando dos Santos, Eduardo Marins, Fernando Carvalho, Horácio Busolin Júnior, João Vitor Fedato, Fabiana Barrios,

Felipe Limonge, Laila Braghero, Mariana Balam, Wagner Gonçalves.

Diagramação e Arte FinalSérgio Silveira Campos

(Lab. Plan. Gráfico)

Foto de CapaLaila Braghero

Correspondência Faculdade de Comunicação

Campus Taquaral, Rodovia do Açúcar, km 156 - Caixa Postal 69

CEP 13.400-911 Telefone: (19) 3124-1677

Acesse nosso site:www. soureporter.com.br

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Gustavo annunciato

[email protected] sara Pizzol

[email protected] suzana carrascosa storolli

[email protected]

Nascido em Araras, Carlos San-ches, passou em medicina na Unicamp no ano de 1987. Em

1993, quando se formou, decidiu seguir carreira na área de cirurgia pediátrica. Sua paixão em ajudar, fez com que se in-teressasse pelo projeto Expedicionários da Saúde, que consiste em uma viagem de médicos e enfermeiros para Amazônia a fim de atender as famílias indígenas que carecem de atendimento médico. Os profissionais, cerca de 55 pessoas, são voluntários e se organizam em nú-cleos de especialistas em odontologia, ginecologia, oftalmologia, cirurgia, en-fermaria, anestesia, pediatria e técnicos de enfermagem da própria região. Todo o trabalho da ONG está no site http://www.expedicionariosdasaude.org.br/

PROJETO LEVA MÉDICOS E ENFERMEIROS À AMAZÔNIA PARA ATENDER ÍNDIOS QUE

PRECISAM DE CIRURGIAS

EXPEDICIONÁRIOS: NÃO SÓ DE SAÚDE, E SIM DE AMOR

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Painel: Qual a diferença entre ser Expedicionário da Saúde e Médicos sem Fronteiras?

Carlos Sanches: São duas coisas completamente diferentes. Não existe vínculo formal entre essas duas orga-nizações. Existe um vínculo informal, essa experiência de montar um centro cirúrgico dentro da selva com tudo o que tem, depois desmontar tudo e ir embora. É uma tecnologia que a gente tem e que eles não conheciam, não faziam desse jeito. É um sonho do médico Ricardo Afonso Ferreira, coordenador e um dos idealizadores do projeto, que a gente possa fazer essa experiência ser algo como eles fizeram no Haiti. A gente precisa de um lugar estável, para montar gerador, construímos cabana, e depois colocam a barraca embaixo dessa cabana, fazem a infraestrutura com água, energia elé-trica para montar um centro cirúrgico, com ar condicionado, com material

de esterilização, com o mesmo grau de segurança como se você estivesse operando aqui em Araras. Tudo na base do voluntariado.

Painel: Como é realizado esse tra-balho? Qual a periodicidade?

Sanches: De uns seis anos para cá, as expedições se tornaram mais freqüentes, duas vezes ao ano, uma na cheia e uma na seca. Sempre em áreas distantes onde não têm infraestrutura médica. Faz-se primeiro uma busca, um contato com o pessoal da região, unem as diversas etnias e tribos, conversam, definem o melhor lugar com estrutura mínima, para atender todo esse povo que vem junto com a família de barco e vão ficar um, dois ou três. Tem o pessoal da aldeia e o pessoal que vem da região. Isso é feito em conjunto com as associações dos indígenas, normal-mente assim como a gente tem aqui a Diretoria Regional de Saúde (DIR de antigamente), no Amazonas você tem os Distritos Sanitários Especiais

Indígenas, os DISEIs. Cada DISEI tem muitas etnias, onde o pessoal vai de barco, carro ou avião para prestar assistência. Sempre tem muita dificuldade, porque é tudo voluntário, é tudo doado. Algumas empresas de porte internacional começaram a enxergar isso como uma coisa muito séria e doaram equipamentos caríssimos para a gente levar. O aparelho que usam no Hospital Einstein para fazer ca-tarata é o mesmo usado para operar os índios.

Painel: Esses equipamentos são usados somente para esse projeto?

Sanches: Depois que acaba cada expedição, os equipamentos ficam guardados em um depósito. A estrutura logística é extremamen-te complexa. Montar um centro cirúrgico não é simples. Você tem cinco toneladas de material, entre barraca, equipamento elétrico, bisturi elétrico, ultrassom. Tem consultório dentário, consultório ginecológico; monta-se tudo isso, desmonta-se e põe em caixas. Cada caixa com um número de romaneio e com uma lista do que tem lá dentro. Tudo é controlado em um banco de dados, dividimos bem as tarefas. No centro cirúrgico, no atendimento, na farmácia, no con-sultório ginecológico e consultório dentário têm um notebook e é tudo feito por wifi. Todo prontuário é eletrônico.

É um trabalho para montar um centro cirúrgico, com material de

esterilização

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ga, eram os evangélicos, então entre os índios tinha um deles que virou pastor e montou um gerador, uma parabólica, com TV LCD e ficava o dia inteiro pregando. Eles têm as crenças nativas, e também têm algumas influências de ordem religiosas de igrejas, os batistas, o pessoal presbiteriano teve muita in-fluência na Amazônia, a igreja católica e agora os neo pentecostais. O índio tem uma característica de inocência, se você chega e começa a falar com seu dom da oratória você os convence. Um outro problema é a parte da política. Muita coisa de ruim aconteceu com eles, porque a política contaminou o jeito de viver deles. Teve um cara que me falou, lá em Santa Isabel do Rio Negro, que estava sentado e trabalhava com o pessoal da saúde local. Ele falou que até uns três anos atrás, chegava fim de tarde, todo mundo voltava da roça, tomava banho e ficava batendo papo.

Painel: Qual é a realidade das

comunidades que são atendidas?Sanches: São lugares onde eles

não têm o material. Não têm rique-za, não têm bens, não têm diferença econômica. O que é importante é ser quem você é, o que você ajuda às pes-soas. Você vê a subsistência deles que é base de mandioca. Há lugares que a família toda tem uma casinha de mandioca... ficam picando, ralando e fazendo a farinha. Os objetos não têm dono, é de quem precisa usar.

Painel: Quais principais doen-

ças vocês tratam nos índios?Sanches: O que a gente percebeu

foi problema de catarata, porque a incidência de quem mora perto da li-nha do Equador, é muito alta, e com 50 anos não enxerga quase nada. Também cirurgia de hérnia, porque tanto os homens quanto as mulhe-res, fazem muita força. Também se faz cirurgia de cistos, tumores, nada que seja arriscado do ponto de vista anestésico e cirúrgico, que precisem estar internados. Fazemos cirurgias que se recuperam rápido, com baixo risco de complicação. Temos resul-tados muito bons. Já são três mil cirurgias realizadas.

Painel: Como eles se vestem para as consultas e cirurgias?

Sanches: Depende o lugar que

você está, eles mudam as vestimentas. Teve aldeia que a gente foi que eles iam de shortinho, camiseta e havaiana, e teve lugar que a gente foi que eles andavam de sunga e depois mudavam. Eles vêm para a consulta com roupa de missa. Eles são organizados. Você vai nas casas e tudo está organizado, pelo menos nas comunidades que a gente passou eles são extremamente zelosos.

Painel: Já foi algum representante de religião em alguma expedição?

Sanches: Esse é um assunto de-licado. Taracuá, que foi essa última expedição que fizemos, era uma missão jesuíta. Os jesuítas estiveram por lá desde o século XVII e construíram, pintaram, bordaram com os índios. Depois vieram os salesianos, numa virada de século, e construíram igreja e escolas. Na comunidade dos Sai Cinza, que era no sul do Pará, em Jacareacan-

As aldeias maiores têm enfermeiro, as aldeias

menores têm agente de

saúde

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Eles fazem uma mistura, pegam o remédio do

branco e levam para o pajé benzer

Depois colocaram gerador, televisão, e agora o pessoal fica assistindo televi-são. Os meninos índios têm os cabelos cortados igual do Neymar. Você fala, está errado? Não, porque ele está ven-do na televisão.

Painel: Qual a reação dos indígenas quando vocês chegam para ajudá-los?

Sanches: No começo há certa re-lutância. Nos caiapós, por exemplo, é um pessoal muito afastado do dia--a-dia do branco. Em Parintins, no rio Andirá, a gente foi em uma escola indígena, o pessoal da região veio para ser tratado. Eles já tinham mais con-tato, inclusive as doenças do branco: diabetes, hipertensão. Eles têm um receio inicialmente, mas conforme o tempo vai passando, você vai vendo que a demonstração de gratidão vai acontecendo. Quando a gente foi no município de Jacareacanga, que é no sul do Pará, a gente foi na comunidade Sai Cinza, que são os índios que brigam por causa da Belo Monte. Eles pintaram quase todo mundo no último dia. Usam os padrões que eles mesmos fazem de tecelagem com palmeira, o padrão do desenho eles reproduzem na pele. Nessa expedição, que foi em novembro de 2011, no final eles fizeram uma dança, ficamos em fila todo mundo, e eles cumprimentaram todo mundo, um por um em agradecimento. Foi muito emocionante. Você vê que eles tinham uma coisa de doação, de carinho.

Painel: Os índios aceitam re-

médios do “branco” ou somente as próprias ervas?

Sanches: É interessante, eles fazem os dois. Eles fazem uma mistura, pe-gam o remédio do branco e levam para o pajé benzer. Tem essa preocupação

das ervas, o pajé muitas vezes está presente, visita o centro cirúrgico, faz oração, dança, reza. Eles man-têm a tradição do pajé, e conversan-do com os agentes de saúde a gente descobre que eles têm um agente de saúde para todos. É um cara que aprendeu a ler e escrever, que ajuda no parto, dá ponto, dá inje-ção, dá remédio. A gente vê alguns enfermeiros índios extremamente capacitados, gente muito boa e com muita vontade de aprender. Pro-curamos nas expedições, fazer um cursinho de medicina amazônica. O centro cirúrgico vai até 8h da noite, então 9h tem uma palestra. Cada dia é um profissional que fala da sua área, tirando dúvidas sobre esses assuntos, porque é importante reco-nhecer as doenças, falar sobre desi-dratação, desnutrição. Eu conversei com um enfermeiro de lá, ele sabia mais que alguns recém-formados de medicina daqui. Aqui você chama o SAMU, em 5 minutos eles chegam, e lá você chama ajuda e em 5 horas eles aparecem de barco.

Painel: Vocês têm aparelhos de exames para os índios?

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André François

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gastar direito. Falta sim dinheiro na saúde, não sei números exatos, mas o investimento público de saúde que o Brasil faz é muito aquém que outros países desenvolvidos ou no mesmo nível de desenvolvimento, gastam. A saúde no Brasil só não é um caos completo porque existe uma medi-cina complementar. A saúde pública realmente é muito complicada. Você tem locais que têm excelência, mas por méritos próprios, por dedicação de pessoas e algumas ilhas de excelência como o Incor por exemplo, porque tem muita verba e o pessoal vai se tratar lá. Quem tem o poder, destina dinheiro para lá para poder quando precisar, ir lá e ter lugar. A USP, Uni-camp são excelentes lugares que você tem condição de ser bem tratado, mas é para pouca gente, não é para todo mundo. A grande maioria que precisa

Sanches: Tudo o que você imaginar! Tem eletrocardiograma, ultrassonografia, há também o apa-relho de faco para fazer a catarata. A gente tem monitor, oxímetro, eletrocardiógrafo, os equipamentos cirúrgicos como anestesia, moni-torização. Temos também Raio-X para os dentistas.

Painel: Houve alguma história dos pacientes de lá que te emo-cionou?

Sanches: A história do menino que perdeu a perna. Eu conversei com o pai dele e disse que o meni-no perdeu a perna com uns 7 ou 8 anos. Depois que perdeu a perna o menino pulava igual o saci. Nota-se a tristeza por perder a perna, mas a alegria do menino estar vivo, e ainda mais de saber que a gente ia levar ele junto para por a prótese. Parecia que ele tinha ganhado na loteria. A gente vai e recebe orien-tação da organização para levarmos coisas para eles, levamos brinque-dinhos, bexigas, pulseiras mas não é recomendado levar doces nem dinheiro. Dessa vez eu levei um monte de pulseirinha de plástico, bexiga e fui dando para as crianças e foi uma festa! Eu normalmente faço isso no consultório também (risos).

Painel: Como era sua vida antes

e agora, depois da expedição?Sanches: Eu sou muito sortudo

por poder fazer isso além daquilo que é meu dia-a-dia normal e fora do que eu estou acostumado, e mesmo assim estar fazendo o que eu gosto, fazendo de um jeito cor-reto. Muda a energia da gente. Faz bem, é como se você desse uma zerada, descarrega tudo que está de ruim guardado, e volta limpinho. Quando você passa por experi-ências assim, e quando fazemos essas viagens, você passa a ver as coisas diferentes. Um pouco mais de paciência, um pouco mais de entendimento que algumas coisas são do jeito que têm que ser. Você

tem que mudar, o que você pode mu-dar, aquilo que cabe a você. E esperar que o seu exemplo possa mudar os outros. Que os outros se mudem por si só, que você contagie aqueles que estão ao seu redor. Tanto que eu não convido ninguém para ir, as pessoas é que falam “quero ir com você”.

Painel: Profissionais de outras áreas podem se inscrever no projeto?

Sanches: Existe uma possibilidade, porque o trabalho não é só fazer as cirurgias, tem nutricionista que vai para dar comida para todo esse povo. No caso de ser uma pessoa que admira o trabalho ou somente quer conhecer, possivelmente tem que custear a sua despesa.

Painel: A OSCIP (Organização Social Civil de Interesse Público) é financiada por algum órgão?

Sanches: Existem doações, você pode ver que no site tem parceiros, como a Positron que é uma empresa de alarmes de Campinas, a Força Aérea que faz o transporte de Manaus para as comunidades, Embaixadas da Finlân-dia, Austrália, Nova Zelândia, órgãos diplomáticos que doam equipamento; e outras empresas que doam equipa-mento, fio, estufas de esterilização. Temos arrecadação, as camisetas que usamos, empresas aéreas que doam as passagens. Tem um hotel em Manaus que doa as nossas diárias.

Painel: Qual sua opinião sobre a

saúde pública no Brasil?Sanches: Dinheiro tem, só falta

Você tem que mudar, o que

você pode mudar é aquilo que cabe

a você

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de atendimento sofre e vai sofrer cada vez mais se a política de saúde pública não mudar, porque as pessoas estão se formando como médicos, cada vez com menos experiência. Precisa da residência para a complementação e poder aprender a trabalhar, porém não tem residência para todo mundo. E ai vai saindo um monte de médico que precisa trabalhar. Plantão de pronto--socorro, de postinho, tem plantão de monte sobrando. Mas qual a resolutividade dessas pes-soas? Qual o treinamen-to que eles tiveram? Qual orientação eles tiveram? Eles viram alguém fazendo e aprenderam a fazer igual? Então você tem questionamentos que passam pelo financia-

mento da saúde pública, pela capaci-tação na formação dos médicos e pelas condições impostas.

Painel: Se você fosse o responsá-

vel pela saúde do Brasil, o que você faria para melhorar?

Sanches: Se você quiser mudar a saúde, na minha humilde opinião, você não vai mudar isso de hoje para amanhã, isso vai ser percebido daqui a 20 anos. Primeira coisa para mu-dar: eu vou na escola e vou dar uma escola decente. Para o moleque do pré-primário, para a criança do funda-mental, para o cara do colegial, para a faculdade, para a residência. Então eu vou demorar nesse ciclo, 20, 22 ou 25 anos para ter a formação que eu preciso para ter o resultado. Na escola, eu criaria uma Cadeira de Saú-de e ensinaria o que é febre, ensinaria como lavar as mãos, quando se está do-ente o como é que se

faz, ensinaria como faz massagem e reanimação. Ensinaria que saúde é igual educação. Fora isso, quando você vai capacitar ou ensinar o jovem que vai ser médico, o lado técnico é importante, mas o lado humano é muito esquecido. Valori-zar a parte humanística da formação do médico. É difícil falar isso para um menino de 22 ou 23 anos, mas deve haver um jeito de conversar com a juventude, atingir esse lado mais humanista para que as pessoas entendam que a doença é uma for-ma daquele ser humano expressar uma dificuldade ou modificar o comportamento que ele está pas-sando naquela fase da vida dele. O lado humano da saúde precisa ser resgatado. Dinheiro é importante? Com certeza. A saúde virou uma coisa laica, as pessoas que mexem com saúde, não têm nada de sacer-dote, mexem cada vez menos. Tem muita coisa que é mais business na saúde. Aliás, muito do dinheiro que antes ia para remuneração médica, hoje vai para o bolso das operadoras de saúde. Então pensar em melhorar a saúde pública, é me-lhorar a educação, melhorar o lado

humano da medicina, melhorar a remuneração das pessoas que

trabalham de forma decen-te. A educação à população, você começa a ter interações que vão levar a um efeito, que vão formar uma massa

crítica, e vão reverter em uma coisa boa. Eu acho que sim.

O lado humano da

saúde precisa ser realmente

resgatado

Fotos: Gustavo Annunciato

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12 A NATUREZA CURA O trabalho desenvolvido na

equoterapia auxilia no tratamento de doenças físicas e mentais, como coordenação motora e melhorias na fala

17 FERRAMENTAS PARA FORMAR CIDADÃOS MELHORES

Professores desenvolvem projetos alternativos e complementares no processo de educação formal

19 EM UMA SÓ VOZ Coral integra pessoas de

diferentes culturas e ajuda na expressão de seus sentimentos

21 AGORA É ESPORTE Sempre apontada como dança

sensual, Pole Dance assume o formato de fitness e ganha espaço em campeonatos esportivos

24 PARA FAZER BONITO EM 2016 Clubes brasileiros procuram

novas talentos em várias modalidades para os Jogos Olímpicos de 2016

28 VAI UM CAFEZINHO AÍ? O café é o produto mais

consumido pelo brasileiro, mas o grão de melhor qualidade é reservado para exportação

31 UM CONTO QUASE DE FADAS As notificações de violência à

criança e ao adolescente revelam a dura realidade vivida no Brasil e o desrespeito ao ECA

sum

ário

33 COLETA DE ÓLEO CONSCIENTE Óleo usado não é para ser jogado

fora: empresas investem na coleta para produção de ração animal, bicombustível e produtos químicos

35 SUSTENTABILIDADE ECONÔMICA

Para preservar o meio ambiente, comunidades e profissionais da construção civil defendem uso de material reciclado e casas sustentáveis

40 ALÉM DO QUE SE VÊ Um radialista e um fotógrafo

cegos são exemplos de inclusão social na área da comunicação

44 OFÍCIOS NÃO RESISTEM ÀS GERAÇÕES

Profissões tradicionais no século XX começam a desaparecer do cenário econômico

48 PROCURA-SE DOADORES O medo e o preconceito ainda

impendem a redução da fila de espera de órgão humano para ser transplantado

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OPINIÃO

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sara Pizzol

[email protected]

Em pleno século XXI é estranho quando al-guém desconhece as palavras acessibilidade e inclusão. Esses termos são usados para in-

dicar a possibilidade de qualquer pessoa usufruir dos benefícios de uma sociedade. Não seria diferente no caso de pessoas portadoras de necessidades especiais, deficientes ou portador de qualquer problema, que precisam do próximo para um começo, um início para que seu destino seja trilhado por ele mesmo, atraves-sando obstáculos e preconceitos. Porém, se realmente a prática seguisse a teoria, eliminaríamos os fatores que os recriminam e excluem, principalmente, do mercado de trabalho.

Segundo a Constituição Federal, os direitos destes cidadãos são claros, para que assim não haja qualquer tipo de discriminação. No ato da admissão, na maior parte dos casos, há uma repulsa do contratante para empregar um deficiente. Porém, não é por falta de leis

que os Portadores não estão inseridos no mercado de trabalho. A lei 8213/91 de 24/07/91, em seu artigo 93 é clar: “A empresa com 100 (cem) ou mais empregados está obrigada a preencher de 2% (dois por cento) a 5% (cinco por cento) dos seus cargos com beneficiários reabilitados ou pessoas portadoras de deficiência”.

Se a lei garante o emprego, a sociedade tem que abrir espaços os portadores de deficiência. A inclusão e acessibilidade fazem com que estas pessoas sintam-se realizadas, satisfeitas por serem reconhecidas pelo tra-balho. A confiança aumenta e seus interesses se tornam mais criativos e a adequação das funções às próprias possibilidades aumenta cada dia que passa.

Como podemos educar a sociedade para que os olhos que recriminam hoje, confortem no amanhã? Para que isso aconteça, a educação sem recriminação tem que começar dentro de casa, na educação familiar. E claro, o governo brasileiro deve buscar cada dia mais alternativas e recursos para atender suas necessidades básicas. Portanto, qualquer pessoa com deficiência, merece espaço, pois somos todos iguais perante a lei.

Afinal, somos todos iguais

suzana carrascosa storolli

[email protected]

O que é a vida sem o amor? O amor entre seres humanos, brancos, negros, amarelos, índios, todas as raças e credos. Esse amor

da solidariedade, da boa vontade e do carinho! No estado de São Paulo existe um grupo de voluntários chamado Expedicionários da Saúde, que pratica o bem aos índios do Norte do país, através de suas especialidades na área médica.

Nós, editores da Paine,l nesse semestre, entrevis-tamos um cirurgião pediátrico da cidade de Araras (Carlos Sanches, conhecido como Carlão) que já tratou de muitos índios da Amazônia e de outras partes do país. É impressionante ver o carinho da equipo, ao cuidar dos índios necessitados do Brasil.

Esse projeto, que é uma Organização Social Civil de Interesse Público (OSCIP), recebe ajuda

de importantes órgãos do mundo pelo constante crescimento, e é mantida pelo espírito das pessoas que se propõem a ajudar. O personagem das pági-nas amarelas emocionou-se muitas vezes durante a entrevista, lembrando das viagens, cirurgias e precariedade vivida pelos amazonenses. Expressa-va um sentimento puro e olhar inocente de quem nasceu para fazer o bem. O medo de cada índio em enfrentar uma cirurgia, os atentos olhares ao sentir a presença do homem branco, a esperança de cura para seus familiares e amigos; tudo misturava-se à fé indígena em cada expedição, e foi transformando--se em um projeto que deu certo e agrega novos voluntários a cada ano.

O verdadeiro sentido da palavra altruísmo está crescendo no Brasil, exemplo disso é a participação ativa da sociedade em instituições. Quem sabe as-sim, com atitudes exemplares, faremos um mundo diferente e um futuro melhor para toda a nação.

Esperança indígena

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João vitor Fedato

[email protected] BraGhero

[email protected]

Considerada uma terapia em grupo, a equoterapia ampara o tratamento de doenças físicas

e mentais por meio da interação do praticante com o cavalo, trabalhando a ampliação da coordenação motora, equilíbrio, postura e melhorias na fala, além de desempenhar o resgate da autoestima. Surgiu quando cavalos passaram a ser “ferramenta” principal na reabilitação de soldados.

Na realidade, a história data de muito antes, 400 a.C., quando Hipó-crates, considerado pai da medicina, utilizou o cavalo para regenerar a saúde de seus pacientes. A equote-rapia chegou ao Brasil em 1989, a partir dos trabalhos realizados pela Associação Nacional de Equoterapia (Ande-Brasil), como auxílio às terapias convencionais, mas só foi reconhecida pelo Conselho Federal de Medicina oito anos depois.

Segundo a psicóloga da Socieda-de Hípica de Limeira e Equoterapia Daiany Bauduino, a atividade equo-terápica de equilíbrio é tão ampla que mexe com o emocional, ansiedade e

estresse, trabalhando tudo ao mesmo tempo: “É uma terapia lúdica, em que o desenvolvimento é muito mais rápido do que em uma terapia conven-cional”, explica.

A atividade é indicada a portadores de síndromes, deficiências físicas, men-tais, auditivas ou visuais. Silvia Helena das Neves, mãe de Eduardo, que tem atrofia cerebral – o que prejudica seus movimentos e o andar – conta que o filho pratica equoterapia há dois anos e meio e desde então apresenta expres-sivas melhoras no quadro de equilíbrio. “Quando ele entrou aqui era muito difícil colocá-lo no cavalo, para ele segurar do lado”, lembra Silvia, que diz sentir prazer em acompanhar o jovem de 18 anos durante as sessões: “Eu gosto de vê-lo montar, ele fica tão feliz”, comenta.

Em todos os centros de Equoterapia os praticantes comparecem às sessões uma vez por semana com duração de 30 minutos. Segundo a pedagoga e equitadora Ketilli Faber, meia hora em cima do cavalo corresponde à meia hora de caminhada humana, e isso, para um cadeirante ou acamado é essencial já que substitui a caminhada natural que o deficiente não consegue realizar.

Disfunções neurológicas, autismo, esquizofrenia e psicoses também são

diagnósticos que podem ser minimiza-dos a partir da equoterapia. Pacientes com outros tipos de comprometimen-tos sociais e emocionais, de postura, insônia, estresse, labirintite e até mesmo problemas escolares procuram essa terapia interdisciplinar. “O trata-mento pode trabalhar com crianças hiperativas e com déficit de atenção, sendo possível obter resultados rápidos e significantes”, assegura a pedagoga.

Bárbara Moura tem paralisia cere-bral e pratica terapia complementar há oito anos. A avó Luzia Estevan descobriu a atividade por meio de uma amiga que trabalhou no Centro de Equoterapia da Escola Superior de Agricultura Luis de Queiroz (Esalq/USP). Ela diz que a neta não gosta de falar, mas quando chega a quinta-feira (dia da sessão) fica toda empolgada. “A Bárbara tinha muito medo das coisas, de rojão, chuva, cachorros, e hoje ela está bem melhor”.

A Sociedade Hípica de Limeira e Equoterapia, de Limeira, é parti-cular e trabalha atualmente com 44 praticantes. Desses, mais de 10% são

INCENTIVO, ALEGRIA E RESULTADOS ATRAVÉS DA

A natureza

CURAEQUOTERAPIA O cavalo passa por

treinamentos específicos, com materiais utilizados nas sessões para que ele se acostume com a bola, por exemplo

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PAINEL CIÊNCIA & CULTURA • Novembro/2012 15

filantrópicos. O investimento por pra-ticante é de R$ 250,00 mensais, mas alguns pagam com descontos ou são apadrinhados por empresas. “A busca por novas empresas e apoiadores é feita dia a dia”, revela Ketilli, que vende rifas, pizzas e realiza diversos eventos na hípica para ajudar prati-cantes. “Infelizmente a fila de espera é muito grande e se renova a cada ano”, afirma.

A idade mínima para praticar a equoterapia é aos três anos, sem limi-te máximo. O paciente que iniciar o tratamento passa por uma avaliação física, psicológica e anamnésica e, em alguns casos, é necessária uma bateria de exames complementares. A triagem dura até um mês. Durante a avaliação é apontado o profissional que irá acompanhar o praticante junto ao guia do cavalo. A cada seis meses acontece uma reavaliação para saber se o objeti-vo foi alcançado e se é possível trocar de profissional, a fim de dar início ao trabalho em outro comprometimento.

No Centro de Equoterapia Es-perança, em Tietê, a terapeuta ocu-

pacional Amanda Baggio enfatiza que durante a triagem também é decidido qual material será adaptado na terapia: “Nós temos a manta com duas alças e a manta com uma alça só.Então fazemos uma avaliação para sabermos qual mate-rial é mais indicado àquele praticante”.

Amanda esclarece que o papel da

terapeuta ocupacional na equoterapia se deve à integração sensorial, que é tanto a audição quanto o tátil. “A gente pede para o praticante passar a mão no cavalo, sentir a crina, as diferentes texturas”, assinala. O foco principal do trabalho equoterápico é em cima do cavalo, mas também há a possibilidade de trabalhar com a criança sem que ela esteja propriamente montada. “Nós já fizemos sessões dando banho no cavalo e isso trabalha a integração sensorial, principalmente com crianças que têm hipersensibilidade nas mãos ou ampu-tados, porque com a temperatura da água trabalha-se a sensação térmica”.

O Centro de Equterapia Esperança é uma iniciativa da Secretaria da Edu-cação com a Secretaria de Agricultura, Abastecimento e Meio Ambiente da ci-dade, ou seja, todos os tratamentos são gratuitos, totalizando 30 praticantes, entre munícipes e crianças encaminha-das pela Secretaria da Educação.

Para a fonoaudióloga da Escola Superior de Agricultura Luis de Quei-roz (Esalq/USP), de Piracicaba, Renata Luccas, atualmente a equoterapia tem mais reconhecimento e é cada vez mais indicada por médicos. “Hoje, os médicos têm uma visão diferente da atividade, porque os resultados estão aparecendo e as melhoras são signifi-cantes”, constata. “Porém, assim como acontece em outras áreas, sempre pode evolucionar, e existem diversas teorias que ainda não foram colocadas em

A equoterapia é considerada uma terapia em grupo, porque reúne profissionais de áreas que se complementam

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prática. Isso ajudará na evolução da atividade”, pondera.

O Centro de Equoterapia da Esalq trabalha tanto com praticantes particu-lares como também mantém vagas para pessoas carentes, em parceria com a Secretaria da Saúde de Piracicaba. Além disso, as terças-feiras o projeto atende um grupo de esquizofrênicos do Centro de Atendimento Psicossocial (CAPS). No total a Esalq realiza o tratamento em 70 praticantes, com expectativa de abrir mais dois períodos de atendimento, a fim de zerar a fila de espera.

A mãe de Julia, Iolanda de Melo diz que a filha pratica equoterapia em Piracicaba há dois anos e tem ansiedade para comparecer às sessões, tanto que nem consegue dormir no dia anterior. “Ela já começa a se preparar e até sepa-ra a cenoura para trazer para o cavalo”, conta. Julia nasceu com hidrocefalia e isso afetou a coordenação motora. Iolanda conta que o médico queria colocá-la na cadeira de rodas. “Ela não andava e tinha muita dificuldade para falar”, lembra. “Hoje, minha filha anda sozinha e fala bem melhor, frequenta a escola regular de ensino e isso para mim é muito importante”.

É fato que a equoterapia vem se aprimorando e ganha destaque cada vez maior entre as diversas terapias de rea-bilitação existentes. O tratamento, que pode ser considerado diferente do con-

vencional, tem o animal de grande porte como instrumento principal, que sente quando o praticante está com medo e por isso precisa se perceber como parte e abraçar seu papel de doação.

Por conta desses fatores, as di-vergências de opiniões a respeito da equoterapia existem e permeiam os centros. A fisioterapeuta da Sociedade Hípica de Limeira e Equoterapia An-dressa Martins acredita que a técnica pode ser substituída e é capaz de se sustentar sozinha. “É lógico que a

gente consegue fazer coisas na fisio-terapia convencional que em cima do cavalo o fisioterapeuta não consegue, mas só a equoterapia em si tem dado um bom resultado, alcançando muitos benefícios”, reconhece.

A fisioterapeuta do Centro de Equo-terapia Esperança Heluiza Lovatto afir-ma que a equoterapia é complementar. Para ela, crianças com transtorno do déficit de atenção com hiperatividade (TDAH), por exemplo, precisam ser acompanhadas por psicólogos fora do centro. “A reabilitação é um conjunto, nenhuma terapia faz nada sozinha”, ex-plica. “O Conselho Federal de Medicina reconhece a equoterapia assim com a acupuntura, ou seja, nenhuma delas faz milagre sozinha”.

Deixando as opiniões de lado, outro fato comprovado diz respeito ao vínculo que se cria entre cavalo e praticante, algo que pode ser cla-ramente percebido quando o animal é substituído. Quando os praticantes não perguntam sobre o animal, são os pais que questionam a mudança, pois sabem da importância que o contato direto com o cavalo tem no desenvol-vimento psíquico do praticante, que se torna mais carinhoso, amoroso, tranquilo e feliz. “A equoterapia é uma atividade que todas as prefeituras têm capacidade de oferecer”, afirma o se-cretário de Agricultura, Abastecimento

Ande-Brasil é a responsável pela regulamentação dos centros de equoterapia e oferece a atividade como meio de reabilitação, educação e inserção social

Profissionais se unem para ajudar os pacientes durante a terapia

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e Meio Ambiente da cidade de Tietê e engenheiro agrônomo Humberto Bor-toletto de Arruda. O projeto foi criado pelo veterinário e criador de cavalos há 35 anos, Paulo Lenzi, e por Arruda. “Com as primeiras doações fundamos o Centro de Equoterapia Esperança, em janeiro de 2011”, completa.

A equoterapia trabalha em meio à natureza. O praticante não vai a um tratamento e sim para se divertir. Desde o momento em que a criança, o jovem ou adulto chega ao centro ele é estimulado, seja no momento de buscar o cavalo na baia, dar uma cenoura ao animal, estimular o conhecimento de objetos ou quantidade de cores. Quando o praticante sai andar com o cavalo a natureza é observada. As sensações são trabalhadas, os desejos, sentimentos, e o cavalo, que por vezes causa medo nas pessoas, encanta o paciente, construindo aí uma relação de amizade entre homem e animal insubstituível e impagável.

Treinamento do cavalo - Quem acompanha um tratamento de equote-rapia e se surpreende com o portador de necessidades especiais em cima de um cavalo, não imagina os treinamen-tos rigorosos que o animal passou para poder contribuir no desenvolvimento dessa pessoa. Afinal, a imponência do bicho pode assustar no visual. A forma clássica e dócil com que ele conduz os

O número de centros especiali-zados na atividade de equoterapia cresce a cada ano no Brasil. Entre-tanto, nem todos são certificados na Ande-Brasil, associação responsável pela criação, institucionalização, divulgação, reconhecimento e certificação dos centros. “A regu-lamentação parte de um estatuto e nós o seguimos, porque é a nível nacional”, explica a fisioterapeuta do Centro de Equoterapia Esperan-ça, Heluiza Lovatto.

Os centros filiados são para pessoas jurídicas de direito público ou privado, que aplicam o método equoterápico dentro de princípios técnico-científicos e éticos. Já os Centros Agregados são aqueles que, de acordo com o estatuto da Ande--Brasil, ainda necessitam de prazo para o cumprimento das exigências para a filia-ção definitiva. A agregação tem caráter temporário, sendo um período para a adequação aos critérios de

Regulamentação dos centrosfiliação. O prazo definido pelo estatuto é de doze meses, findo o qual o centro poderá requerer, justificando, a prorrogação deste prazo por mais 12 meses.

Regularização da Equoterapia - A equoterapia é um “método te-rapêutico e educacional que utiliza o cavalo dentro de uma abordagem interdisciplinar, nas áreas da saúde, educação e equitação, buscando o desenvolvimento biopsicossocial da pessoa com deficiência”. Esta é a proposta do projeto de lei do Senado Federal, nº 264 de 2010, do ex-senador Flavio Arns (PSDB-PR). O texto será examinado pela Co-missão de Assuntos Sociais (CAS) em Brasília. Em outubro de 2012 o projeto entrou para discussão, já

que está pronto para a pau-ta na comissão, mas fo-ram adiadas a discussão e

a votação da matéria. Após aprovação, ele será enviado

à Câmara dos Deputados.

Pacientes com outros tipos de comprometimentos sociais e emocionais, de postura, insônia, estresse, labirintite e até mesmo problemas escolares procuram essa terapia interdisciplinar

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Fotos: Laila Braghero

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praticantes da equoterapia não deixam dúvidas sobre os resultados que podem ser alcançados.

E para cumprir bem a função na qual foi designado, o cavalo passa por uma sessão de testes intensivos, tudo para garantir a segurança e eficácia no tratamento dos praticantes da equote-rapia. “O cavalo não pode ter nenhuma reação brusca. O treinamento é à base de exercícios que fazemos com eles, apresentando os materiais utilizados na terapia e que possivelmente podem causar sustos”, frisa o equitador da Esalq, Denílson Chiquito.

A equoterapia oferecida pela Esalq possui dez cavalos, a maioria é obtida através de doações, o que representa uma atenção ainda maior no treina-mento, pois a forma de adestramento do animal é desconhecida. Outro fator importante é que os animais mais ve-lhos têm preferência. “Esses animais não têm aquilo que nós chamamos de ‘barda’, ou seja, não têm tanto fôlego para saírem pulando ou dando coice, diferente dos potros, os cavalinhos mais novos”, ressalta Denílson.

Para o técnico agropecuário espe-cializado em equitação, horsemanship, rédeas e equoterapia, graduando em medicina veterinária, Denis Chiquito, o cavalo para esse fim precisa ser um animal que aceite ser guiado e conviver com outros cavalos, e que, principal-mente, aceite o contato com o homem. Ele destaca que o treinamento é mi-nucioso: “Quando preciso de algum cavalo o Paulo Lenzi separa alguns, domados já, com histórico, e eu vou até a fazenda dele”, conta. “Nós analisamos os cavalos juntos, aí fazemos desde colo-car um simples cabresto no animal, até montá-lo e guiá-lo, para vermos qual será o comportamento dele e perante outros animais”, completa o guia.

Ao contrário de Denílson, Denis Chiquito acredita que o que realmente influencia é a índole do cavalo e não a idade: “Tem cavalo com quatro ou cinco anos, que são jovens ainda, e que estão com ‘gás’, mas também tem os que já estão mais tranquilos”. O técni-co afirma que acertar na escolha parte da sensatez: “Logicamente irei optar sempre pelo cavalo mais tranquilo, não pela idade, e sim pelo comportamento

dele em si”, justifica.Ainda sobre as etapas de treina-

mento, Denis ressalva que somente após ser selecionado um animal com boa índole, fácil de trabalhar, ele é levado ao centro com essa margem de segurança e passa a ser trabalhado em pista, mas sem praticante em cima, no mesmo horário que as sessões estive-rem acontecendo. “Com isso, o cavalo começa a interagir com todo mundo, com vozes, barulhos, outros animais passando, sol, poeira, vento, o ambien-te em si, árvores balançando, os pais conversando, as crianças levantando as mãos. Tudo faz parte de um ambiente que para ele é novo”, detalha.

Todos os dias, antes da primeira montaria, os profissionais do centro de Tietê montam o cavalo para terem

certeza se ele está bem, e quando não está ele é substituído por outro, e pos-teriormente é feito um trabalho para desentressá-lo, visto que um animal desse tamanho, em que sua natureza consiste em correr em vales, pastos e ficar sempre solto, quando confinado em uma baia 3x4 acumula muita ener-gia e principalmente estresse.

Valores - O custo para manter um animal é alto. Tudo depende do que ele faz, do porte, sobretudo o tempo que ele trabalha por semana. A psicóloga da Sociedade Hípica de Limeira e Equote-rapia Daiany Bauduino contabiliza que os gastos mensais com o aluguel da baia giram em torno de R$ 250,00. Segundo ela, um cavalo de porte consome em média 3,5 kg de ração e 8 kg de feno, chegando a um gasto de R$ 800,00 por mês. “Sem contar com as despesas de troca de ferraduras e veterinários, que elevam ainda mais este cálculo”.

No Centro de Equoterapia Esperan-ça, de Tietê, os profissionais trabalham hoje em dia com cinco cavalos, todos presenteados pelo criador de cavalos Paulo Lenzi. As rações são doadas por uma produtora de rações e todo o feno é doado por duas fazendas e uma indústria.

Para as crianças praticantes da Equoterapia na Esalq, a escola dispõe de um pônei: “A intenção é fazer a aproximação entre criança e animal, sem montá-lo. Desta forma, evitamos que ela se assuste com o porte do ca-valo e acabe se desinteressando pela equoterapia”, conclui Denílson.

Secretário da Agricultura, Abastecimento e Meio Ambiente de Tietê, Humberto Bortoletto de Arruda implantou a terapia em sua cidade

Nos centros de equoterapia o guia do cavalo é responsável pelo bem estar e treinamento do animal

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Beatriz Bernardino

[email protected] carol Beraldo

[email protected]

Resgatar raízes culturais, criar laços de afeto com a comuni-dade, inovar na metodologia de

ensino e valorizar brinquedos tradicio-nais. Embora os avanços tecnológicos sejam marcantes e invadam as salas de aula com seus recursos atrativos como o popular Facebook, que con-quista cada vez mais adeptos sedentos para pertencerem a um grupo social, a educação ainda encontra maneiras alternativas para formar cidadãos.

Na escola estadual Monsenhor Jeronymo Gallo, localizada na Vila Resende, a educadora Dinah Eliana Gimenes Castilho criou o projeto “Somos Caipiras Sim, de Piracicaba”. A proposta teve inicio em 2000 e tem seu foco nos alunos do 6° e 7° ano, que desenvolvem durante o período letivo atividades relacionadas ao conheci-mento da tradição caipira, mostrando suas raízes culturais.

O tema do projeto varia a cada mês e os alunos além do contato

bibliográfico que é feito por meio de pesquisas na bi-blioteca da escola, buscam informações na internet e saem a campo para enriquecer o resultado do trabalho. O conhecimento além dos muros da escola amplia os hori-zontes dos estudantes e contribui para seu desenvolvimento como cidadão. “Nada se compara a sair da sala de aula para que o aluno sinta e veja o que estamos abordando, é outro universo que contribui para que eles se tornem cidadãos melhores”, relata Dinah que tem a pretensão de expandir o projeto para outras escolas estaduais.

Os estudantes já conheceram a tradição de Santa Olímpia, Santana, Ártemis, Tanquinho, Festa do Divino, Festa de São Benedito. O trabalho

resulta na produ-ção de maquetes,

seminários, ofici-nas com degustação

de comidas típicas, e apresentações de dança. A

educadora está satisfeita com o empenho dos alunos. “Eles ficam muito animados e muitas vezes até se emocionam”, conta.

Criado em agosto de 2003 pela Secretaria de Estado da Educação, o Programa Escola da Família que transforma as escolas da Rede Esta-dual de Ensino em um local de lazer e aprendizado para a comunidade aos finais de semana, além de oferecer ati-vidades que tiram as crianças das ruas ampliando seus horizontes culturais, aproxima toda a família que participa despertando suas potencialidades.

O Programa Escola da Família não

CIDADÃOS

FERRAMENTAPARA FORMAR

MELHORESAo contrário do que se

pensa, o ensino não se baseia apenas na tecnologia, mas em práticas alternativa

Gabriel que está no último ano do maternal, se diverte com o tradicional balanço feito com pneu

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beneficia apenas os moradores da co-munidade: o aprendizado se estende também aos educadores, que fazem com que as ações que promovem a cidadania tornem-se realidade. O pro-fessor de educação física formado pela Unimep (Universidade Metodista de Piracicaba), Antonio Marin Júnior, co-nhecido como Magoo, participa desde 2006 como professor coordenador do PEF (Programa Escola da Família). Atualmente o educador desempenha esta função na Escola Estadual Profes-sor Angelo Franzin, em Águas de São Pedro, interior de São Paulo.

As atividades oferecidas gratuita-mente para a população aos finais de semana dividem-se em quatro eixos: saúde, esporte, trabalho e cultura. Os interessados podem participar de ofi-cinas de mosaico, decoupage, tear, re-ciclagem, informática, internet, dança, pintura entre outras. Além de formar cidadãos, o PEF faz com que laços de afeto sejam criados. “Fico feliz quando crianças, adultos e pessoas da terceira idade se interessam pelas atividades e enxergam nelas uma oportunidade para aprender. Dessa forma vejo o meu tra-balho valorizado”, afirma o educador.

Com o Programa Bolsa-Universida-de, uma parceria entre o Governo do Estado de São Paulo e as Instituições de Ensino Superior por meio da Secretaria de Estado da Educação, o ingresso na vida acadêmica pode acontecer de ma-neira facilitada. A Secretaria de Estado

da Educação custeia 50% do valor da mensalidade do curso de graduação, até o limite de R$ 310,00, enquanto o restante é assumido pelas instituições de Ensino Superior. Em compensação o bolsista desenvolve em escolas esta-duais ou municipais aos finais de sema-na, atividades relativas ao seu curso de graduação ou que sejam compatíveis com suas habilidades pessoais.

Formado em engenharia de produ-ção, Paulo Henrique da Silva, concluiu seus estudos por meio do Programa Bolsa-Universidade, que integra o Programa Escola da Família. O volun-tário era responsável pelas atividades esportivas na Escola Estadual Professor Dionetti Callegaro Miori, em Piracica-ba. Apesar das dificuldades encontradas no início do programa, Paulo Henrique não desistiu do seu plano de carreira. “Em determinadas situações pensei em desistir, mas com o passar do tempo a interação com as crianças e o trabalho em equipe com os outros universitários, minimizaram as dificuldades e o pro-grama começou a fazer parte da minha vida”, relata o engenheiro.

Esta experiência fez com que ele, que atualmente não exerce mais o tra-balho no PEF, valorizasse os pequenos detalhes da vida. “Lembro-me que uma das crianças disse que gostaria muito que os pais a tratassem em sua casa como nós a tratávamos no programa, onde um simples sorriso ou um abraço forte era motivo de felicidade”, declara.

Inovando no método de ensino, a escola Waldorf Novalis, localizada no bairro Monte Alegre em Piracicaba, segue os princípios de Rudolf Steiner, que além de filósofo e educador foi o fundador da Pedagogia Waldorf, a qual tem embasamento na concepção de desenvolvimento do ser humano. O aprendizado nesta pedagogia começa na vivência, segue para a alma e dela para o conceito. Por meio de atividades diferenciadas, cultiva-se o querer agir, o sentir e o pensar respeitando a indi-vidualidade do aluno, que apresenta características de acordo com sua faixa etária, desta forma, um mesmo assunto nunca é dado da mesma maneira em idades diferentes.

Educando atualmente 250 alunos, a Waldorf Novalis não se insere no mesmo contexto das escolas particu-lares, pois não têm fins lucrativos. Os recursos para manter o espaço vêm da contribuição feita pelos pais em con-junto com atividades organizadas pela Associação Pedagógica Novalis que é composta por famílias, para arrecadar fundos destinados para atender as necessidades das crianças.

Do 1° ao 9° ano os alunos contam com atividades como aulas de alemão, inglês, euritmia, prática específica da pedagogia Waldorf que integra música, poesia e movimento corporal, artes manuais entre outras. Os brinquedos pedagógicos integram as opções de lazer na Novalis. A individualida-de de cada aluno é reforçada pela administradora da escola Laudicéia Perin. “Equilibrar o pensar, o sentir e o querer é trabalhar nas relações de desenvolvimento humano”, afirma.

O professor universitário e fotógra-fo Paulo Roberto Heise tem os filhos Raul e Gabriel matriculados na escola Novalis. Ele e sua esposa, a atriz Ma-rina Henrique, se identificaram com a proposta pedagógica e com os valores focados no ser humano. “Na Waldorf o aluno é um ser humano e não um cliente, a criança é criança e não um mini adulto”, comenta Heise. Ainda sobre a pedagogia o professor ressalta a participação efetiva dos pais na edu-cação dos filhos. “Nós participamos de comissões, eventos e mutirões, nós vivemos a escola”, complementa. Os cachecóis produzidos no tear manual são doados para a Instituição do Câncer em Jaú

Beatriz Bernardino

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FeliPPe limonGe

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A prática musical em grupo sempre esteve ligada às ado-rações religiosas. Por esse

motivo muitos ainda pensam que cantar em coral têm relação com a igreja ou que os coralistas só cantam músicas eruditas. Mas se percebe hoje que esse velho estigma está mudando e o canto coral pode ser suporte de bem estar e de aprendi-zado, já que sua pratica exige apenas um fundamento: ouvir ao outro.

No Brasil, o canto coral surgiu ainda no período colonial e nas décadas de 40 e 50 do século XX ganhou destaque nacional com o maestro Heitor Villa Lobos e seus concertos ao ar livre. Hoje, em todo país são inúmeros os encon-tros e festivais de corais. Em Pira-cicaba, por exemplo, 38 corais par-ticipam da vida cultural da cidade. O município conta, inclusive, com o projeto de lei, número 6.475, de primeiro de junho de 2009, que assegura a realização do Enacopi

(Encontro Nacional de Corais de Pi-racicaba). A sexta edição, realizada em junho deste ano, contou com 87 corais vindos de todos os cantos do país, com repertórios de Bossa Nova a Pop Rock.

Além dos corais tradicionais, com todos os coralistas parados com as pastinhas das partituras nas mãos, há também os corais cênicos, que não apenas soltam a voz, mas se expressam com o corpo. E não é só nesses encon-tros musicais que o canto coral mostra sua força: a música em grupo está em diversos lugares e de diferentes formas.

A psicóloga Rita Cardoso parti-cipa do coral de uma associação que representa entidades comerciais de Piracicaba. Rita diz ter uma experiên-cia prazerosa e que o canto coral traz conhecimento por meio da interação com outras pessoas, além de fascinar pela satisfação em perceber a beleza da produção coletiva. “O canto em grupo

EM UMA SÓ VOZO segredo de cantar em coral está na arte

de ouvir o outro

não é algo simples ou isolado, exige disciplina, consciências corporal e de respiração. É um processo de autoconhecimento e amadureci-mento”, declara.

O estudo produzido pelo psi-cólogo Rafael Costa comprova que a arte e a criação podem ser suportes para o bem estar dentro da empresa. Segundo a pesquisa, no contexto empresarial os corais têm cada vez mais espaço, por ser uma atividade de promoção à saúde do colaborador e de seus familiares e por ser visto como forma de publi-cidade estratégica encontrada pela empresa, já que os corais carregam o seu nome em suas apresentações.

David Ercolin participa do coral da multinacional em que atua. Para ele, a pratica musical dentro da empresa traz inúmeros benefícios. Os ensaios acontecem duas vezes por semana e o grupo se apresenta em diversos eventos. “Após um dia estressante de trabalho, quando começamos o aquecimento vocal, toda tensão acumulada nos ombros, costas e também na cabeça vão se

O Coral Vozes da Caterpillar que se apresenta em diversos encontros de corais pelo país

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findando”, conta David. No coral da empresa podem participar não apenas os funcionários, mas também seus familiares, ampliando assim a atuação da instituição dentro da casa e na vida do colaborador.

Nas universidades públicas e priva-das o canto coral também está presen-te. A Esalq/USP (Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz) mantém o grupo vocal Coral Luiz de Queiroz, composto por alunos de graduação e pós-graduação, servidores docentes e não docentes, seus dependentes e pessoas da comunidade. O coral é regido pela maestrina Cíntia Pinotti, graduada em regência pela Unicamp (Universidade Estadual de Campinas). Cíntia começou a reger aos 16 anos e cantou na Estônia com coralistas de 54 países. “Esse maravilhoso instrumento que ganhamos de Deus, a voz, integra pessoas em suas diferenças, em suas ri-quezas culturais e espirituais”, declara.

A prática do canto pode também descobrir talentos nunca antes pensa-do. Foi o que aconteceu com Guilher-me Martin, aluno de pós-graduação em Ciência e Tecnologia de Alimentos da Esalq e integrante do Coral Luiz de Queiroz desde 2009. Guilherme foi convidado pela regente Cíntia Pinotti para atuar na opereta Juriti, de Chi-quinha Gonzaga, um projeto realizado pela EMPEM (Escola de Música de Piracicaba Ernest Mahle), que estreou no dia 18 de abril de 2012. “Atuar e cantar ao mesmo tempo foi extre-mamente difícil, principalmente para mim, que nunca tinha trabalhado com teatro”, lembra o esalquiano. Apesar da inexperiência teatral, ele fala que o desafio de participar desse projeto foi gratificante e transformador. “Passei a observar mais as pessoas, suas formas de se expressar, seus sentimentos. O convívio com toda a equipe me des-pertou para detalhes que no dia-a-dia deixamos passar em branco e que podem aumentar nosso senso crítico”, relata o estudante.

Outra forma de perceber o poder da música coletiva é quando ela está engajada em projetos sociais, usando o canto coral como oportunidade para o crescimento pessoal. O Coral Infanto Juvenil São Mário é uma obra

assistencial dos Colégios Salesianos Dom Bosco de Piracicaba e tem como participantes alunos do Oratório São Mário, vindos de famílias de baixa ren-da, moradores de bairros periféricos e violentos da cidade. A regente Malu Canto, graduada pela Faculdade de Música da USP, fala com entusiasmo sobre como é trabalhar nesse projeto. “Quando formamos o coral, combina-mos em consenso que para permanecer no grupo era preciso obedecer a quatro regras básicas nos ensaios: saber ouvir, participar, respeitar e olhar para a re-gente. A partir disso começou o proces-so de transformação comportamental e cada vez mais os jovens cantores se esforçam para permanecerem no coral”, frisa a regente.

A história do menino de 15 anos, Ronaldo Passos, ex-aluno do Oratório São Mário, é uma prova de que o conto coral auxilia no processo de educação. O garoto passou de aluno indisciplina-do a um super star na comunidade do oratório. Incentivado por uma amiga a entrar no coral, Ronaldo revela que no início não gostava, até que em um dos ensaios a regente Malu apresentou uma música com vários personagens, entre elas, uma velhinha. Era preciso alguém para interpretá-la e ninguém conseguia. Ronaldo aceitou o desafio e agradou. Algo tão simples e, ao mesmo tempo, transformador. Foi um verdadeiro sucesso. “A música da velhinha era pra fazer as pessoas rirem e quando eu fazia todos paravam para me ver. O coral é para distrair. A velhinha fez com que ficasse mais divertido e fui mais aceito pelos colegas”, declara Ronaldo.

COMO PARTICIPAR DE UM GRUPO DE CANTO CORAL EM PIRACICABA?

Em Piracicaba existem corais de empre-sas, de colégios, de igrejas, de terceira idade, infantis e de adultos. Há clubes, Escolas de Música e Universidades que mantém seus corais anualmente.Alguns corais que participam da vida cultural da cidade de Piracicaba são:

• Coral Vozes da Caterpillar• Coral ACIPI• Coral Fermentec• Coral Dom Bosco• Coral Luiz de Queiroz• Coral Unimep• Coral Cristóvão Colombo• Coral Infanto Juvenil São Mário• Coral da Escola de Música Ernest Mahle• Coral do Colégio Atlântico• Coral Baronesa de Resende• Coral do Colégio Piracicabano• Coral da Pastoral da Criança• Coral Novalis• Coral Reuna• Coral da Coopep• Coral do Projeto Guri• Coral Momento Musical• Grupo Vocal Liga Leve

O garoto Ronaldo Passos que integrou o coral do Oratório São Mário.

Gustavo Annunciato

Guilherme Martin na apresentação da opereta Juriti

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Pole Dance destaca a

sensualidade feminina, mas é modalidade

esportiva com campeonatos

mundiais

mariana Balam

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Barra vertical, equilíbrio, força e flexibilida-de. Assim pode ser descrito o novo esporte brasileiro: o Pole Dance. A acrobacia conhe-

cida como dança sensual se transformou em mo-dalidade esportiva há aproximadamente três anos no país. Assumindo o formato fitness, o primeiro campeonato ocorreu em 2009, em Curitiba, pela atleta consagrada da categoria, Grazzy Brugner. Em 2011, São Paulo sediou o primeiro campeona-to brasileiro oficial. Neste ano, o segundo torneio paulista ocorreu em agosto e incluiu a categoria masculina. A competição internacional está na sua segunda edição no Rio de Janeiro, intitulada como Pole Dance World Cup, e ocorreu em novembro. No evento esportivo, atletas de 24 países compe-tem nas categorias amadoras e profissionais.

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uma junção de dança e movimentação acrobática e tem como material básico de trabalho a barra fixa ou giratória”, acrescenta.

Sobre a evolução do Pole Dance aos dias de hoje, Vanessa explica que “os movimentos realizados sob a barra são os mesmos, o que difere na maioria das vezes é o figurino e a maneira como a dançarina compõe a estrutura cênica dando uma conotação mais sensual ou não a sua performance. A forma sensual não é deixada 100% de fora”, garante.

Para o fisiologista do Esporte Clube XV de Novembro Piracicaba Sérgio Camarda, o Pole Dance tem caracterís-ticas esportivas. “Se a atividade possui regras que permitem a competição e ainda estão federadas, pode-se dizer que é uma modalidade esportiva. Con-tudo, creio que o maior benefício será como mais uma opção de exercícios nas academias, com objetivo de pro-mover saúde e bem estar”, completa.

Porém o passado do Pole Dance ain-

da gera preconceito. “Quando trouxe a técnica para Americana, sofri muito preconceito. Não dá para negar o pas-sado, é inerente a sensualidade dele. Para desmistificar, as pessoas devem assistir a uma aula”, completa Jessica Tancredi, a professora de danças con-temporâneas, tecido aéreo, focaliza-dora de danças circulares sagradas e demais aparelhos circenses.

Para Vanessa, o esporte vai além do passado. “O público procura as escolas pela vontade de aprender. Po-demos dizer que acabou essa história de só dançar para o marido. Noventa por cento do público que procura as escolas e são levados pela vontade de aprender uma atividade divertida e prazerosa, que tenha desafios como é o caso das acrobacias e possa dar con-dicionamento e deixar o corpo legal”, completa.

Camarda lembra que ninguém deve ter preconceito em relação à atividade. “No meu ponto de vista, acho que não precisa ter. A popularização nas aca-

O Pole Dance é uma dança e ginástica que teve origem ligada à prática do Mallakhamb, que significa homem de força, uma espécie de yoga praticada em um poste de madeira e com cordas, ginástica tradicional indiana. A atividade existe desde o século XII e a disciplina esportiva existe há aproximadamente 250 anos. A prática invadiu os circos, que promo-viam inúmeras acrobacias inusitadas, chamadas de Tour Fair Shows. Esses shows viajavam de cidade em cidade divertindo multidões. Nos cabarés, a dança deixou de ser considerada uma forma de atividade física e ganhou sensualidade e coreografias.

A partir do ano 2000, a atividade se desenvolveu em gêneros diversos, do exótico ao pole fitness evoluído em 2006, que permitiu as mulheres comuns a utilizarem-se da técnica den-tro das suas rotinas diárias de fitness. Mais recentemente, o Cirque du Solei passou a utilizar performances basea-das nos poles chineses. Inspirados com a façanha, homens também começaram a utilizar a técnica e possuem números acrobáticos em shows pelo mundo.

A modalidade ganhou mais adeptos após a exibição das novelas Dance, Dance, Dance, exibida na Band, e com as performances da personagem Alzira, interpretada por Flávia Alessandra, na novela ‘Duas Caras’ (2007 - 2008), na Rede Globo de Televisão. “O Pole Dance tornou-se esporte com o início da atividade em academias e campeo-natos. Hoje, atraí pessoas de diferentes idades e profissões. Cerca de 90% vêm em busca de uma atividade física e mui-tas delas acabam competindo”, explica a presidente da Federação Brasileira de Pole Dance, Vanessa Costa, que foi uma das julgadoras do campeonato mundial, em 2010, na Suíça.

O estúdio Moov, pioneiro em Ame-ricana, iniciou as atividades em 2010. A diretora e instrutora de Pole Dance, Jessica Tancredi, explica que em 2009, o público geral desconhecia a diferen-ciação de pole fitness do pole sensual. “Foi com a ajuda de campeonatos que os praticantes mostraram às pessoas a diferença entre os formatos. O fit-ness na região foi reconhecido como esporte há um ano e meio. O fitness é

O equilíbrio é o principal requisito para se aventurar nesse esporte, que exige força e concentração

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demias, frequentadas por estudantes e profissionais ligados a diversos setores da sociedade, demonstram que se exis-tir preconceito será por parte de pou-cos com a tendência a desaparecer”.

Experiência - Com trabalho intenso e auxílio de Jessica, Marília Camargo quebrou paradigmas e alcançou o pri-meiro título da região. A educadora física, que pratica o esporte há 12 anos, ficou em 1º lugar na categoria amador do Campeonato Pole Battle 2012, em julho. “Foi algo que não esperava. Após um convite feito pela Grazzy Brugner, durante um workshop no Estúdio, me inscrevi. O torneio possui duas barras

e conta com movimentos improvisa-dos, além de música surpresa. Os dois concorrentes recebiam notas no total de cinco pontos. A minha sorte foi que na final, caí com Billie Jean do Michael Jackson, que sempre foi meu estilo”, relata alegre pela conquista.

O troféu é exibido a todas as alunas da academia. “Vemos uma conquista desta e temos vontade também de par-ticipar. Faço Pole Dance há um ano e o vejo como meu esporte preferido no momento, meu hobby, onde posso cui-dar de mim, do meu corpo”, comenta a praticante, Stela Martorini. A mesma opinião compartilha a estudante Bruna Freire. “Eu já faço pilates, mas acho o Pole Dance mais divertido, pois desa-fiamos a gravidade. Consegui muita força nos braços e colecionei muitas manchas rochas”, diverte-se.

Há pessoas que se apaixonam pela modalidade e se especiali-

zam, como é o caso de Ana Paula Barbosa. “O pole

entrou na minha vida como quem não queria nada e agora não me vejo sem ele. Profis-sionalizei na área e continuo aperfeiço-ando as técnicas para crescer cada dia mais. Quero continuar tra-

balhando e estudando por muito tempo. Ele

virou minha vida, é o que me dá motivação e traz tran-

quilidade, paz, amor, felicida-des e conquistas desde fevereiro

de 2011”, diz alegre a praticante do estúdio Moov.

Ainda em Americana, mas em outra academia, treina a Marilene Pomin. A guarda municipal pratica a atividade há mais de dois anos na academia Kessie Bianco. “Possuo o nível básico e intermediário. Mas ainda tem muito preconceito, quando as pessoas ouvem falar em Pole Dance, elas já imaginam que você dança em boates ou faz pro-gramas. Não é isso, é um esporte como qualquer outro. Em uma competição se avalia o nível de perfeição com que as acrobacias são feitas”, frisa. “O Pole Dance é minha fonte de inspiração. Uso para manter minha qualidade de

vida. è uma forma de mostrar que a gente é sempre capaz de superar nossos limites e medos”.

Não só em Americana, mas em Limeira, as acrobacias atraem jovens de todas as idades. Para a proprie-tária e professora da Academia Pole Dance Art Fitness Amanda Zambi, as academias registram grande procura. “Aumentou muito, pois as pessoas estão reconhecendo a atividade como esporte, além dos benefícios corporais. Mesmo não tendo restrições de idade, as participantes devem ser bem moni-toradas e se exercitar de acordo com sua realidade. Entre minhas 45 alunas, a mais nova tem 12 anos e a mais velha 53. A autoestima melhora, pois eu me senti mais disposta, mais mulher e mais comunicativa também”, explica. “Eu sou um caso de que o Pole Dance me deixou mais feminina”.

Amanda também organiza o pri-meiro evento da categoria na região. I Fest Pole Fitness aconteceu em novembro, no Nosso Clube, com a participação de alunas de Limeira. “Mostramos às pessoas como o esporte é maravilhoso”, completa.

Para quem se interessou pela mo-dalidade, os benefícios físicos são inú-meros. Cerca de 400 calorias perdidas por hora. “O número corresponde a uma sessão de musculação ou aulas de danças, ambas com a duração de 1 hora. A vantagem é ter mais uma alternativa de exercícios resistidos, como a musculação ou treinos TRX. Para os que desejam fazer atividades físicas regularmente visando o bem estar e saúde, o interessante é mesclar exercícios resistidos com atividades aeróbias, como a caminhada, corrida, ciclismo e natação. Um educador físico poderá orientar como mesclar estas atividades para que sejam desenvol-vidos os músculos em conjunto com o sistema cardiopulmonar”, explica o fisiologista Sérgio Camarda.

Porém com tanto exercício físico, o aparecimento de manchas roxas são normais. “São resultados de traumas numa determinada articulação ou musculatura. Para minimizar estas lesões, é essencial que os praticantes sejam bem orientados por profissionais competentes.”, frisa Camarda.

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denis Fernando dos santos

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Em 2016, o Brasil receberá pela primeira vez uma edição dos Jo-gos Olímpicos e com o objetivo

de realizar boa campanha em casa, o Governo Federal prevê investimento de 2,76 bilhões na preparação de atletas. Para cumprir a meta de terminar entre os dez melhores colocados na classificação geral, o Ministério do Esporte apresenta planos de incentivo ao aperfeiçoamento dos representantes brasileiros, como o “Brasil Medalhas”, lançado em setembro, que disponibiliza bolsas com teto de R$ 15 mil para atletas medalhistas, R$ 10 mil para técnicos e R$ 5 mil para profis-sionais multidisciplinares, como fisiotera-peutas, médicos e psicólogos. O projeto também prevê uma bolsa de até R$ 20 mil para a compra de equipamentos e materiais esportivos para cada atleta.

Em algumas modalidades, a renova-ção dos atletas é tratada com urgência, já que os atuais representantes não estarão mais em atividade em 2016. É o caso da ginástica artística, que garantiu apenas uma medalha nas últimas duas edições e vive o fim da geração dos irmãos Hypóli-to e de Daiane dos Santos, e do atletismo, que era garantia de conquistas para o país desde 1992, mas voltou de Londres sem nenhuma medalha.

Outras modalidades, como o basquete feminino, passam por um enfraqueci-mento não só no país, mas também ao redor do mundo. No Brasil, a Liga de Basquete Feminino (LBF) foi criada há dois anos como tentativa para fomentar novos talentos e revitalizar a modalidade.

Apesar da situação difícil do espor-te brasileiro, as modalidades coletivas

foram as que mais se destacaram em Londres, chegando às finais no vôlei de quadra feminino e masculino, no vôlei de praia masculino e no futebol masculino. O basquete masculino não conquistou medalha em Londres, mas voltou aos Jogos Olímpicos após permanecer 16 anos fora e surpreendeu ao ficar entre os cinco melhores colocados. Agora, a esperança de uma campanha histórica dentro de casa, em 2016, é real porque o atual elenco da seleção brasileira passa por uma pequena reformulação. Assim, o espaço para jovens jogadores está aberto e a corrida pelas poucas vagas já começou. Já o vôlei segue em ascensão no Brasil, segundo a mídia especializada, o status de segundo esporte na prefe-rência nacional vem devido aos anos de campanhas vitoriosas. Os êxitos, tanto nos campeonatos da modalidade, quanto nas últimas edições dos Jogos Olímpicos, consagraram as categorias masculina e fe-minina, algo raro dentre as modalidades esportivas no país.

Além do espetáculo nas cerimônias e da perfeita organização do evento, o Brasil tem a missão de escrever uma bela história através do esporte nos Jogos Olímpicos do Rio, em 2016. Revelar atletas talentosos e preparados para con-quistar medalhas em menos de quatro anos é o maior desafio que o país tem pela frente. Colaborando para o fortale-cimento de algumas modalidades, cidades da nossa região se destacam na formação de atletas. É o caso de Americana através do basquete feminino, Campinas através do vôlei feminino e masculino, Limeira através do basquete masculino e de Pi-racicaba que têm uma promessa para a ginástica artística. Um bom trabalho a ser feito para fazer bonito em 2016.

APÓS FRACASSOS EM LONDRES, BRASIL AUMENTA INV ESTIMENTO NA PREPARAÇÃO DE ATLETAS OLÍMPICOS

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APÓS FRACASSOS EM LONDRES, BRASIL AUMENTA INV ESTIMENTO NA PREPARAÇÃO DE ATLETAS OLÍMPICOS

Para fazer bonito em 2016Destaque na região, o basquete de Limeira tem uma

promessa para a modalidade: Matheus Dalla, de 21 anos. Com 1,98m de altura, o ala nasceu em Lajeado (RS) e chegou à cidade do interior paulista há quatro anos para atuar nas categorias de base da Winner/Kabum Limeira. “No Sul não temos a visibilidade, competitividade e es-trutura que encontramos em São Paulo. No começo, sofri com a saudade dos meus familiares e amigos, mas a re-cepção que tive foi suficiente para uma boa adaptação”.

Em 2011, o atleta não ganhou o tempo de qua-dra necessário para se adaptar a categoria adulta, por isso, foi emprestado ao Vila Velha, do Espírito San-to. Na nova equipe, teve a oportunidade de jogar o Novo Basquete Brasil (NBB) como titular e ganhar mais experiência. Jogou 28 partidas e obteve mé-dia de 12 pontos, 3.8 rebotes e 1.3 assistências por jogo. Fechou a temporada como cestinha e segundo maior reboteiro do time, sendo apontado pela mídia especializada como a revelação do campeonato.

Foi convidado pelo técnico Ruben Magnano para treinar com a seleção brasileira na preparação para os Jogos Olímpicos. Dalla não foi para Londres, mas ganhou confiança e passou a ser conhecido pela tor-cida como uma das esperanças da modalidade para os próximos anos. “Foi um momento incrível. Tive a oportunidade de aprender com um dos melhores téc-nicos do mundo e com jogadores que se destacam nos EUA, Europa e Brasil. Vestir a camisa da Seleção Bra-sileira foi realização de um sonho, motivo de muito orgulho. Mas, foi apenas a primeira etapa. Agora, vou trabalhar bastante para voltar a usá-la mais vezes”.

De volta ao basquete paulista, agora é peça funda-mental na renovação da Winner/Kabum Limeira para a atual temporada. “Foi tudo muito rápido. Em pouco tempo, muita coisa aconteceu. Eu tento encarar tudo como fruto do trabalho que fiz até hoje, mas sempre pensando que tenho muito ainda para aprender. Partici-par dos Jogos Olímpicos do Rio em 2016 é uma meta e vou lutar com todas as minhas forças para alcançá-la”.

MATHEUS DALLA

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A meio de rede Andressa Picussa é uma das respostas para a procura por novos talentos da recém criada equipe do Vôlei Amil, de Campinas. Com 23 anos, a curitibana de 1,94m de altura chegou à cidade do interior paulista em julho deste ano e luta por uma vaga no time titular, comandado pelo técnico campeão olímpico, José Roberto Guimarães. “Foi apresentado todo o projeto e toda a estrutura que a equipe teria aqui. Sob o comando de um técnico que realiza treinamentos na sele-ção que fazem diferença, com certeza, faria aqui também”.

O projeto de Vôlei Bernardinho, em Curitiba (PR), foi o local do primeiro contato da atleta com a modalidade. Aos 18 anos foi contratada pelo Minas Tênis Clube, de Belo Ho-rizonte (MG), que defendeu por três anos. “Meu maior desafio foi sair de casa. Eu era muito tímida e tinha certo receio de ser estranha num lugar onde as pessoas já se co-nheciam. Mas, eu conheci pessoas maravilhosas nessa época e tudo se tornou muito mais fácil para minha adaptação”.

Em 2008, na categoria juvenil, aconteceu sua primeira con-vocação para a seleção brasileira, mas nas vésperas do cam-peonato mundial da categoria, foi cortada. Situação que a motivou para aumentar a carga nos treinamentos em busca de uma nova chance, que aconteceu em 2011, com a seleção de novos na conquista da medalha de prata na Copa Yeltsin, na Rússia. “Minha primeira convocação foi emocionante, não po-deria ser diferente. Minha reação foi pegar o telefone e ligar para minha mãe e para o meu irmão para contar a novidade. O corte me deu mais força e ânimo para treinar e, consequen-temente, ter uma nova oportunidade de defender o Brasil”.

Com três finais seguidas de Campeonato Paulista e dois terceiros lugares na Superliga Nacional de Vôlei, Andres-sa tem mostrado evolução e sonha com vaga na seleção bra-sileira em 2016. “O meu maior sonho é participar de uma Olimpíada, ainda mais sendo no Brasil. Seja em jogos ou em treinos, eu estou sempre pensando em melhorar, assim me preparo mais pela briga por uma vaga na seleção”.

Com apenas 10 anos, o pira-cicabano Diogo Brajão Soares é a esperança da região na ginás-tica artística. Mas, diferente dos demais atletas que sonham com a participação no Rio 2016, o garo-to já sabe que não estará lá devido à regra da Federação Internacio-nal de Ginástica Artística, que estabelece idade mínima de 16 anos para participação nos Jogos Olímpicos. “É triste não poder ir, vou ter que esperar mais oito anos. Mas, vou me preparar du-rante esse tempo para buscar uma vaga nas Olimpíadas de 2020”.

Inspirado na irmã mais velha, Adrielle Soares, Diogo começou a frequentar a academia Pira Olím-pica, em Piracicaba, com apenas dois anos. Mas, foi aos quatro que

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No basquete feminino a aposta é Tássia Carcavalli, de 20

anos. Nascida em São Paulo (SP), a armadora de 1,80m de altura, teve passagens pelo Círculo Militar, CFE Janeth e EC Pinheiros, até chegar à equipe do ADCF Unimed, de Americana, em 2007. “Foi um início de carrei-

ra muito difícil. Morava e estudava de um lado da

cidade e treinava em outro. Sempre acompanhada de minha mãe, saía de casa às cinco da manhã e retornava às onze da noite. Quando cheguei a Americana, tive que me acostumar com o ritmo mais calmo do interior. Hoje, me sinto em casa nessa região”.

A atleta foi convocada para a Seleção Brasileira pela primeira vez aos 15 anos e logo conquistou sua primeira medalha: prata no Sul Ame-ricano do Equador, em 2007. Foram mais quatro premia-ções nas categorias de base até chegar à sua primeira chance na seleção principal, nos Jogos Pan-Americanos

de Guadalajara, em 2011, no México. “Ela tem um poten-cial muito grande e representa a juventude de uma geração em desenvolvimento. Será uma das responsáveis por trazer o basquete de volta ao cenário mundial”, afirmou a Direto-ra de Seleções Femininas e ex-atleta, Hortência Marcari.

O melhor momento em sua carreira aconteceu quando foi convocada pelo técnico Luís Tarallo para participar dos Jogos Olímpicos de Londres em 2012 com a seleção principal. Na competição a armadora marcou dois pontos em três partidas. “Foi inesquecível. Na Vila Olímpica, eu parava para refle-tir sobre aquele momento maravilhoso da minha vida. Passei por tanta dificuldade no começo da carreira, que confesso não me imaginar participando de um evento daquele porte”.

Em Americana obteve um começo de temporada promis-sor. Coleciona médias de 9.5 pontos, três assistências e dois rebotes por jogo, números que a creditam para a lista das 15 mais eficientes da competição. “Eu me preparo bastante para garantir um futuro de sucesso no basquete. Já participei de uma Olimpíada, mas não estou satisfeita. Quero compe-tir e também conquistar uma medalha no Rio em 2016”.

iniciou a prática da modalidade incentivado pelos pais e pelo pro-fessor da academia, Daniel Bis-chalchin. “Eu comecei a treinar porque eu copiava em casa todos os movimentos que minha irmã praticava. Sempre achei a ginás-tica artística um esporte muito legal. Meus amigos só falam de futebol. Alguns até tentam me imitar, mas nunca conseguem”.

Logo em sua primeira com-petição oficial, aos nove anos, sagrou-se campeão Paulista, no Individual Geral da categoria Pré-Infantil. Menos de um mês depois, voltou a se destacar e foi campeão brasileiro na mesma categoria, que reúne garotos de 9 a 11 anos. “A primeira coisa que eu pensei após meu primeiro

título foi que eu era o melhor de São Paulo. Depois, eu me lembrei da minha família, que sempre me incentivou a treinar. Mas, a festa de comemoração em casa só aconteceu depois que eu fui campeão brasileiro”. Nos Jogos Abertos do Interior, ficou na segunda colocação na classificação geral, mas nesta competição, os adversá-rios tinham até 16 anos. “O

Diogo tem um futuro promissor. Ele com-

pete com atletas mais velhos de igual para

igual, brigando pelo título em

todas as competi-ções que disputa”,

afirmou Bischalchin.Com treinos de duas

horas de duração, de segunda a sexta-feira, o ginasta já tem uma rotina de atleta profis-sional com objetivo de se tornar uma estrela no espor-te. “Eu quero ser o melhor do mundo e ainda ganhar uma medalha olímpica”.

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camila FiGueiredo

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O café já passou de vilão a moci-nho, tanto na história, quanto na economia e também na

saúde. O que não muda é a paixão do brasileiro por esta bebida, que inicial-mente, foi conhecida como o vinho dos islãos, isso porque a bebida alcoólica é proibida na religião, assim o café virou mania entre os seguidores de Maomé. Foi em Meca, no século XVI, que os grãos começaram a se espalhar pelo mundo, e cinco séculos depois um dos principais produtos exportados pelo Brasil.

O fato é que muitas pessoas não sabem de onde vem o café e, muito menos, qual a sua importância para a economia brasileira. O tradicional cafezinho, servido na maioria das casas e estabelecimentos brasileiros, pode ter conotações diferentes: não é somente saboroso ou estimulante, mas um com-panheiro que sempre esteve enraizado na cultura nacional.

De acordo com a pesquisa de 2010 do IBGE (Instituto Brasileiro de Geo-grafia e Estatística), o café foi o pro-duto mais consumido pelos brasileiros, ganhando dos tradicionais arroz, feijão e carne bovina. Segundo dados da Abic (Associação Brasileira da Indústria de Café), o café é a segunda bebida mais consumida no mundo, ganhando dos aclamados refrigerantes de cola, chás

e sucos, perdendo o primeiro lugar somente para a água.

O Brasil é o maior exportador e produtor de café, embora não seja o maior consumidor. Para o engenheiro agrônomo, professor e doutor da Esalq/USP (Es-cola Superior de Agricultura/ Uni-versidade de São Paulo) Ricardo Shi-rota, “o Brasil não precisa ser o maior consumidor, pois já consumimos interna-mente quase a metade da produção”.

Apesar do consumo no país, os melhores cafés são ex-portados, ficando para os brasileiros os de pior qualidade. Qual explicação para isso? De acordo com o barista Julio Godoy esse fato tem relação com a história. O convênio de Tau-baté; conjunto de leis¸ de 1906, que tinham como objetivo a valoração do café; dizia em seu segundo artigo que “os governos contratantes, por meio de medidas adequadas, procurarão dificultar a exportação para o estran-geiro dos cafés inferiores ao tipo 7, e favorecer, no que for possível, o desen-volvimento do seu consumo no país.”

Shirota afirma que o problema que o Brasil enfrenta é o valor do produto e para isso há outra explicação. “O consumidor lá fora paga um preço maior. Tipicamente se vendia café mais barato de qualidade inferior no mercado doméstico, porque o poder aquisitivo no Brasil era mais baixo e pegava o café de valor agregado maior e, portanto, de preço maior no merca-do internacional”.

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DO CAFEZAL À XÍCARA, A TRAJETÓRIA DA SEGUNDA BEBIDA MAIS CONSUMIDA NO MUNDO

Julio Godoy explica tam-bém que “nos anos 80 o café

foi atrelado à cesta básica, e como ela é tabelada, o dono da fazenda perdeu o interesse de vender um café de qualidade, já que no preço quem mandava era o governo”.

A bebida é classifica-da como boa ou ruim de

acordo com o especialista em degustação da Cocapec (Coope-

rativa de Cafeicultores e Agropecua-ristas) Glayker Bucci da Silva. “O café se divide em bebida dura e mole, ou seja, o café de bebida mole é o espe-cial, o bom café, e o de bebida dura, o pior café. Em preço de saca, pode diferenciar em 70 reais”, explica Silva.

A volatilidade de preço tem a ver com a localização. “Temos diferentes realidades. Não podemos comparar a infraestrutura do Sul de Minas com Ron-dônia. Temos infraestrutura de primeira e outras regiões sem nenhuma”, garante o gerente de Comunicação e Marketing da Cooperativa Cooxupé Jorge Florên-

cio Ribeiro Neto, que desde 2006 atua em conjunto com a indústria mundial desenvolvendo programas voltados à produtividade de café. O objetivo é a preservação do meio ambiente, respeito ao trabalhador e agregação de valor ao produtor e seus associados.

Em 2011 a Cooxupé exportou 2,4 milhões de sacas de café de 60 quilos, sendo 1,7 milhão de cafés certificados ou verificados, dentro das normas es-tabelecidas internacionalmente. Desde que o mercado do café existe, o melhor produto não fica no Brasil. Para o gerente de Marketing e Comunicação da Cooxupé, a realidade é que o po-der aquisitivo do mercado brasileiro é baixo. No exterior, os cafés mais finos obtêm preços além do que o mercado nacional pode pagar.

A vizinha brasileira Colômbia não sofre de rótulos ruins. Seu café tem uma visão internacional privilegiada, porém contestada pela gerente de ma-rketing da torrefadora Morro Grande de Piracicaba, Lia Hofling. “O café co-lombiano tem a vantagem da colheita manual, os grãos são escolhidos, e só

os maduros são colhidos. Não é lenda que o café colombiano é muito bom, é muito bom mesmo, mas o brasileiro não perde em nada”, porém o barista Godoy discorda de Lia ao dizer que o café colombiano é sim melhor que o brasileiro, que tem sua colheita feita por máquinas, que não seleciona os maduros do verde, sendo assim uma colheita não uniforme.

Diferente da Colômbia, o Brasil tem uma gama de qualidades que atendem os mais diversos países con-sumidores, sendo também o país mais competitivo, devido ao seu avanço tec-nológico. “O Brasil representa 30% de todos os blends no mundo”, completa Ribeiro Neto.

Mas se engana quem acha que o café sempre foi bom assim. De acor-do com Shirota, o café brasileiro era considerado ruim, porém atualmente é visto com boa qualidade e tem como vantagem produzir uma variedade de grãos. “A cafeicultura tão concreta em relação ao os outros cafés do mundo que ninguém consegue competir com o nosso país”, completa.

O Brasil tem uma liderança natural e tem se modernizado cada vez mais. Dados da Abic mostram que o país é hoje o maior exportador. Mesmo com enfraquecimento da economia interna-cional, o café conseguiu se manter na liderança e não foi atingido pela crise. Segundo dados da Cecafé (Conselho dos Exportadores de Café do Brasil), em 2011, foram exportados 33.455 milhões de sacas, seguido pelo Vietnã, com 14.229 milhões e pela Colômbia com 7.822 milhões. Dentre as varieda-des do café, os que têm mais saída são Arábica 82%, Solúvel 9,9%, Robusta 8% e Torrados e moídos 0,2%

Nesse cenário, os principais países importadores do café brasileiro são os Estados Unidos, Alemanha e Itália, mas isso não significa que os países emer-gentes estão desprezados do mercado brasileiro. A expectativa da Cecafé é que até 2020 aumente em 5% ao ano o consumo do café nesses países. Para Shirota, os países formados pelo Brics (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul), apenas a Rússia e China são interessantes para o mercado brasileiro de café. Dados da OIC (Organização

DO CAFEZAL À XÍCARA, A TRAJETÓRIA DA SEGUNDA BEBIDA MAIS CONSUMIDA NO MUNDO

A Abic criou um Programa

Qualidade do Café que o classifica entre gourmet,

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Internacional do Café), em 2011, mostram que o Brasil foi quem mais produziu (43,154), seguido do Vietnã (18.500) e Colômbia (8.500).

Mitos - Na área da saúde, o café que sempre foi considerado como prejudicial, começou a ganhar nova roupagem, de acordo com o médico professor da Unifesp e gerente dos médicos do Hospital Israelita Albert Einstein, Constantino Fernandes. “Os benefícios passam pelo combate à depressão e pelo efeito antienvelheci-mento, que é dado pelos antioxidantes que o compõem”, mas ressalta ainda que o excesso deve ser evitado: pode-se beber no máximo três xícaras por dia.

Para aqueles que acreditam ser uma bebida viciante, a médica endocrino-logista e professora da Unifesp, Ana Menezes, diz que “o café ou a cafeína não são considerados drogas de abuso, nem há consenso entre órgãos mun-diais de saúde acerca de dependência de café ou de cafeína”. Completa dizendo que “esta história de ‘viciado em café’ é uma falácia e um exagero falado por leigos”.

O café não é considerado uma bebida comum. Muitos acreditam que ele tem o poder de revelar o futuro. Esta técnica é a cafeomância, que faz revelações por meio dos desenhos formados na borra. A cafeomancista Valéria Kassolares explica a técnica da vidência. “O café não deve ser coado, então a pessoa toma o líquido e en-quanto isso faz a pergunta que deseja saber a resposta; ela mentaliza e vira a xícara sobre um pires. Os desenhos e o

local onde estiverem na borra revelará o que a pessoa quer saber”.

Do Grão ao pó - O café antes de chegar à mesa passa por diversas etapas, uma delas é a torrefação. E no torrefa-dor não só se torra, mói e empacota o produto. Todo um trabalho é feito antes desse processo, sendo o primeiro a composição do blend, que é combina-ção de grãos, como uma receita, pois o café, dependendo de seus processos de cuidado e chuvas podem variar o sabor. “Se comprássemos sempre da mesma fazenda, o mesmo grão, safra após safra, não ia dar a mesma bebida. Isso porque o café, mesmo dando no mesmo local, de repente pode chover mais na época da colheita e isso vai interferir na bebida”, explica Lia Hofling.

A torrefação é o processo seguinte ao blend. No Brasil, criou-se uma cul-tura de se consumir café extraforte, que consiste numa torra maior dos grãos “para mascarar defeitos”, explica

Godoy. Fato afirmado pelo agrôno-mo e gerente de comercialização da Cocapec, Anselmo Magno de Paula, ao dizer que esta é uma artimanha do comércio e alerta: “fujam dos cafés fortes e extrafortes”.

A última parte do processo é a mo-agem ou granulação. Diferentemente dos outros países, no Brasil o costume é de moer muito o café, para dar uma bebida mais saborosa, pois como ex-plica Lia, “quanto mais fininho o pó é mais superfície para cair água e estar extraindo a bebida”. Porém esta téc-nica é abolida pelo maior comprador de café, os EUA, que têm como cultura consumir o ‘chafé’, bebida mais rala.

Na história brasileira, o café teve grande importância. As exportações do produto começaram a alavancar quando o Haiti, o maior exportador na época, começou sua guerra de indepen-dência. Antes disso, a produção cafeeira no país era voltada para o mercado interno. No século XIX, o Brasil já se perpetuava entre os maiores exporta-dores de café do mundo. Porém, nem tudo foi perfeito nesta história, com a crise de 1929 com a queda da bolsa de Nova York, o café sofreu um golpe, tendo como saída a queima de estoques e a erradicação de vários pés.

Para garantir o futuro do café brasilei-ro no mercado exterior, Ricardo Shirota aponta que devem ser realizadas mudan-ças. “Acho que o Brasil poderia melhorar o processamento. Nós tínhamos que fazer algo como a Alemanha que é a maior ex-portadora de café do mundo, compra café dos outros, inclusive do Brasil, processa, embala e agrega valor”, destaca.

Julio Godoy escolheu ser barista por sentir falta na cidade de uma boa cafeteria em Piracicaba

No Brasil são plantados cerca de 2,3 milhões de hectares de café

Fotos: Fabiana Barrios

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WaGner Gonçalves

[email protected]

O Estatuto da Criança e do Ado-lescente, criado em 1990, tem como precursor o Código de

Menores, de 1979, prevendo que as necessidades das crianças e adolescen-tes sejam tratadas com prioridade, pela promoção de seus direitos, por meio das políticas públicas de educação, saúde e habitação. Os direitos contidos em cada um dos 267 artigos do ECA devem ser respeitados.

Porém, a realidade está distante da lei. Segundo dados da Vigilância e Violências e Acidentes (Viva) do Mi-nistério da Saúde, divulgado em maio de 2012, registram 14.625 notificações de violência doméstica, sexual, física e outras agressões, contra crianças me-nores de dez anos de idade. Segundo o apontamento, a violência sexual é o segundo maior índice, com 35% das notificações, próximo dos casos de negligência ou abandono, que repre-sentam 36%.

Em pesquisa na região, em seis municípios, os casos de estupros regis-trados em 2011, segundo a Secretaria de Estado da Segurança Pública, foram 302 contra 178 registrados apenas no primeiro semestre de 2012. As cidades são Americana, Hortolândia, Limeira, Piracicaba, Rio Claro e Santa Bárbara.

Piracicaba teve o segundo menor índice de violência sexual durante 2011, com 14,40 casos a cada 100 mil habitantes, ao todo 53 casos. Perde, porém, para Santa Bárbara d’Oeste que apresentou 23 casos, o equivalente 12,71 a cada 100 mil habitantes. De acordo com a conselheira tutelar Ra-faela Paulilo, este demonstrativo não é satisfatório e ressalta ser de extrema importância o trabalho para que o número seja reduzido. O conselho, em que atua, faz cerca de 80 atendimen-tos diários, envolvendo denúncias de negligência, como ainda abuso contra a criança ou adolescente.

Rafaela conta que há medidas de proteção em casos de suspeita de violência e, após apuradas, faz-se o boletim de ocorrência e há o encami-nhamento ao Centro de Referência Especializado de Assistência Social

(Creas). “O trabalho individual ou em grupo junto aos psicólogos visa amenizar os efeitos que uma criança foi exposta sendo, indispensável a pre-sença da família durante este período”, conta. Santa Bárbara d’Oeste investe em programas, como o Projovem des-

tinado a jovens entre 15 e 18 anos e, o Centro de Integração Municipal da Criança e Adolescente (Cincas), que acolhe crianças de 7 a 15 anos.

Os municípios que apresentaram maior proporção de casos de estupros em relação ao número de habitantes

Um conto quase deFADAS

A violação dos direitos das crianças e adolescentes é recorrente na região

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34 PAINEL CIÊNCIA & CULTURA • Novembro/2012

são Rio Claro e Hortolândia, com 26,06 e 29,45 a cada 100 mil habi-tantes, respectivamente. Valquíria Zocatelli Barbosa, coordenadora geral do Conselho Tutelar de Hortolândia, diz que apesar de o município liderar os casos de violência sexual, há o apoio imediato, a partir do momento em que se detectou um caso, registrado na Fi-cha de Notificação Compulsória, para mensurar o número de casos de violên-cia, para conduzir políticas públicas.

Nas primeiras 72 horas após o fato, as vítimas passam por triagem no posto de atendimento da Unicamp, para medicamentos retrovirais a fim de evitar moléstias infectocontagiosas. Os demais são encaminhados para o ambulatório municipal de AIDS, para exames e tratamentos. Ela destaca a importância do atendimento imediato para evitar traumas e cita o programa de Combate ao Abuso e Exploração Sexual Infantil, denominado Senti-nela. “Não há fila de espera dado a gravidade das ocorrências, sendo dis-ponibilizado atendimento psicológico e terapêutico”, informa.

Rio Claro registrou 49 casos de estupro em 2011, enquadrando-se na vice-liderança das seis cidades e, junto à Limeira, registrou aumento nos primeiros seis meses de 2012 em relação ao ano passado. A conselheira de Limeira Claudinéia Aparecida Mo-raes do Amaral avalia que “as crianças vítimas de violência doméstica têm seus direitos corrompidos pelos pais e pelo programa que atende a esses casos por apontar falhas”, diz e atribui ao Estado omissão de seu papel. Ela explica que desde 2009 há o Projeto Pérola que tem a função de atender crianças e adolescentes expostas a

violências. “O acompanhamento era imediato. Hoje, é preciso aguardar vagas para atendimento”, conta. O tempo de espera chega a três meses. “Quem perde com isso são as crianças que se expõem a traumas que ficarão enraizados para vida toda”, lamenta.

O problema social - De acordo com o juiz da Vara da Infância e da Juven-tude, Piracicaba Rogério de Toledo Pierri, as consequências de um lar sem estrutura para atender às necessidades das crianças e adolescentes contribuem diretamente para aumentar o índice de drogadição.

Para que o Poder Judiciário, por meio da Vara da Infância e Adolescên-cia e do Conselho Tutelar, atue com eficácia é preciso que se dissemine a importância de tais órgãos, para que as medidas de proteção à criança e ao adolescente sejam exercidas com diligência. “A fiscalização é feita com a contribuição da comunidade que deve denunciar os casos de abuso, negligên-cia. Por isso, as ocorrências de violação dos direitos da criança e adolescente devem ser comunicadas”, orientou o juiz. Rogério Pierri afirma ser os aparelhos sociais, como Conselhos Tu-telares, os responsáveis por intervir em situações de ofensa aos direitos. “Uma gama de direitos tendem a ser violados de acordo com o contexto familiar, na qual as crianças não tenham suas condições básicas atendidas”.

Como descreve o Artigo 7º do Esta-tuto, referente aos direitos fundamen-tais, assegura-se ao menor proteção à vida e à saúde, mediante a efetivação de políticas públicas que permitam o nascimento e o desenvolvimento sadio e harmonioso, em condições dignas

de existência. Em um lar onde falte alimentação adequada, ou mesmo nas condições de moradia onde não há saneamento básico ou estrutura apro-priada, vários direitos são infringidos. “Em condições sociais baixas o índice de drogadição é maior, contribuindo ainda mais para que a criança sofra com seus efeitos”, afirma. Para ele, episódios de violência, uso de drogas, que afetam diretamente à saúde e ao bem-estar, são “cenários nos quais a in-tegridade física e moral são abaladas”.

Uma fábula que se tornou realLeozipe da Silva Lavoura Filho e

Sandra Luíza Raimundo da Silva tem três filhos; residem num bairro da periferia de Limeira e, neste cenário, prestam as-sistência aos mais necessitados. “Temos o costume de conversar com jovens e adolescentes que batem à nossa porta para pedir algo”, conta Lavoura Filho sobre o vínculo com a comunidade.

Uma manhã chuvosa, em 2009, mudou a vida dessa família. Sandra estava sozinha em casa e percebeu uma movimentação diferente. “Vi os vizinhos ao lado de uma garota, que levava consigo um volume nos bra-ços”, relata sobre a surpresa quando percebeu que ela carregava um bebê, prematuro, nascido com menos de seis meses de gestação. A partir daí, ela passou a cuidar da criança, que com apenas 45 dias de vida pesava 900g e tinha apenas 30 cm de comprimento.

Em junho de 2010, aos onze meses de idade, a criança apresentou proble-mas respiratórios pela abstinência das drogas. “Uma tosse seca no meio da noite e falta de ar me deixaram preo-cupada”, conta Sandra informando que ela foi internada na UTI da Santa Casa de Limeira com quadro de pneumonia e choque séptico.

Atualmente, a família tem a guarda provisória por tempo indeterminado, expedida pela Vara da Infância e Ado-lescência de Limeira e aguarda o proces-so que prevê a concessão de direitos de filha legítima ao casal, tendo em vista os grandes benefícios promovidos à crian-ça. E episódio é inédito no município, em que não será preciso adoção e será registrada como integrante familiar com grau de parentesco direto.

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eduardo marins

[email protected]

Sete toneladas de óleo de soja foram produzidas no Brasil so-mente na safra 2010/2011. Como

matéria-prima deste líquido obtém-se a borra, um resíduo ácido gerado na extração e refino de óleos vegetais. O país gera atualmente uma quantidade de borra em torno de 300 milhões de litros/ano. Um litro de óleo jogado na natureza contamina um milhão de litros de água, ou seja, é toda a água que uma pessoa consumiria em 14 anos de vida.

A cada dia que passa as donas de casa utilizam cada vez mais o óleo, e parte delas não sabem o destino corre-to deste material, outras, porém ainda fabricam o tradicional sabão em pedra.

Exemplo dessa situação é o caso da bisavó da enfermeira socorrista Andreza Cristina Krambeck, que utiliza do óleo de cozinha usado pela bisneta, para a fabricação do sabão em pedra. Andreza explica que, desde que se casou em 1997, separa o material em garrafas pet e leva para a ‘bisa’ confeccionar o sabão, utilizado para

a lavagem da louça e de roupas.A enfermeira tem duas filhas, uma

de cinco e outra de 12 anos. Ela com-para a queda da utilização do óleo de soja nos últimos anos na alimentação da família. “Antigamente eu gastava cinco garrafas de óleo por mês. Hoje, utilizo apenas duas, evito pratos gordurosos e sigo uma dieta alimentar feita por minha nutricionista.

Para evitar o problema de onde descartar o óleo de cozinha usado, Igor Ricardo Arantes, é proprietário da primeira empresa de coleta de óleo criada em Piracicaba, a Disk Óleo. Até 2008, antes de iniciar suas atividades com o meio ambiente, o empresário era comerciante e trabalhava com o pai.

Coleta deÓLEOconsciente

PESSOAS E EMPRESAS DA REGIÃO CONTRIBUEM DIARIAMENTE COM A CONSERVAÇÃO DO MEIO AMBIENTE

Igor Ricardo Arantes segura recepiente com óleo totalmente tratado das impurezas

No Senai, Francisco de Assis Magri mostra os galões de coleta de óleo do Projeto Rio Limpo Começa em Casa

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criando a empresa Planeta Azul. De-pois, resolveram levar o projeto para as escolas e, com palestras, atuaram na educação de crianças conscientes para informarem seus pais. A partir de 2009, Sara contou com apoio da empresa Foz do Brasil.

A empresa dispõe de pontos de co-letas no Senac, OAB, escolas estaduais e particulares, além de realizar o disk coleta de óleo por meio de ligações da população.

Em 2011, a coleta contabilizou 25 mil litros de óleo, material encami-nhado para empresas que produzem biocombustível e produtos químicos como sabão em pedra, sabão em pó e detergente. “A Planeta Óleo quer praticar a sustentabilidade, garantindo um meio ambiente saudável para as gerações futuras”, disse.

Em Limeira, a coleta de óleo é realizada pelo Projeto Rio Limpo Começa em Casa, programa realiza-do pela concessionária de água Foz do Brasil, em parceria com a Escola Senai Luiz Varga e com a Prefeitura Municipal. Em 2012, o programa am-pliou suas atividades, com 35 pontos de coletas e conseguiu recolher, desde sua implantação, mais de 95 mil litros de óleo, sendo oito mil litros apenas nesse ano. O material é destinado para a empresa Pronto Óleo e serve como matéria prima na fabricação de massa vedante para vidros, ração ani-mal e detergente.

A assessora da Foz do Brasil, unidade de Limeira, Sandra Alves, explica o óleo, despejado nos rios, mananciais, córregos e si-milares causa desequilíbrio

No escritório improvisado, Arantes conta a trajetória da empresa. Logo no primeiro ano de trabalho realizando a coleta, conseguiu recolher por mês 2.500 litros de óleo. Um ano após, este número subiu para cerca de 20 mil litros ao mês.

Hoje, tem uma van equipada e um time composto por dois coletores, um atendente e dois profissionais do meio ambiente. A Disk Óleo passa recolhen-do o material em diversos pontos da cidade. O principal meio da coleta é feita pelos distribuidores fixos, como escolas, restaurantes, condomínios, além de atender pedidos da população via telefone. A empresa recolhe por mês de 30 a 50 mil litros, perto de 600 mil litros por ano.

Óleo descartado – Todo óleo re-colhido pela empresa tem um destino certo: a produção de biocombustível. Igor destaca que a principal dificuldade é conscientizar as pessoas envolvidas sobre o que representa a coleta, a importância da reciclagem. “Há certo descaso”, diz. Como meta, o empresá-rio trabalha para recolher um litro de óleo por habitante.

A gestora ambiental Sara Damasce-no Pessoa colabora com a ideia de se preservar o meio ambiente ao iniciar o trabalho de coleta em Rio Claro, em 2008. Tudo começou em 2007, quan-do quatro garrafas pet cheias de óleo embaixo de sua pia não tinham um destino correto para serem despejadas. Com isso, ela e o marido começaram afazer a coleta de porta em porta,

Andreza Cristina Krambeck diz que com o óleo de fritura sua bisavó produz sabão

Para a engenheira agrônoma Luciana Savoi Rossi a coleta de óleo é uma questão de responsabilidade ambiental

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ecológico, prejudica a oxigenação dos rios, a vida aquática e aumenta o custo para o tratamento da água. “Se jogado no solo, o óleo impermeabiliza a terra contribuindo para as enchentes. Se des-cartado no ralo da pia, causa o entupi-mento das tubulações da residência e na rede de esgoto do imóvel”, explica.

Em Americana, o Projeto Barco Escola não tem tanto desempenho como em Piracicaba, Limeira e Rio Claro. Iniciado em 2010, a coleta resultou em apenas 50 litros de óleo usado e não houve mais participação da população. O coordenador volun-tário ambiental Denis Marto explica a baixa participação da população às dificuldades encontradas durante o desenvolvimento do programa. “O pro-cesso de desenvolvimento do projeto é de aproximadamente de um ano e falta a adesão da população, que continua a destinar o resíduo nas pias”, frisa.

O óleo é uma preocupação também da Prefeitura Municipal de Americana, que realiza a coleta do material em vá-rios pontos da cidade desde 2006. São cerca de 600 litros de óleo por mês. O diretor da unidade de Limpeza Pública da cidade Jair Molon explica que todo material é enviado à empresas parcei-ras que fabricam biodiesel.

A engenheira agrônoma Luciana Savoi Rossi lembra que para qualquer tipo de resíduo existe um descarte

correto e afirma ser obrigação dos municípios realizar a coleta de óleo. “Acredito que o municí-pio tem a obrigação de visua-

lizar a coleta para a população, não é uma questão de conscienti-

zação, mas sensibilização da popu-lação. O que falta mesmo é

investimento na educação ambiental”, frisa.

Medida certa – Para contribuir com o meio ambiente, a dona de casa deve separar o óleo de cozinha, filtrado, num recipiente descar-

tável – de preferência, garrafa pet. Depois, pro-curar pontos de coleta no município e jamais jogá-lo na pia.

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SUSTENTABILIDADE econômicaVIVER SUSTENTAVELMENTE, NA PRÁTICA, PODE CUSTAR CARO, MAS TRAZ BENEFÍCIOS A LONGO PRAZO

camila Piacentini

[email protected]

Sustentabilidade tem sido um termo tão recorrente que, a cada momento, novas possibilidades

e alternativas são criadas e projetadas para inserir a consciência de preserva-ção do meio ambiente. Criar um coti-diano sustentável tem dois caminhos diferentes, mas que se completam e são capazes de atingir desde a classe mais pobre até a elite social. Mas afinal, qual o valor para ter uma vida sustentável? Para responder essa pergunta, é inte-ressante se atentar, primeiramente, à construção da casa.

O arquiteto especialista em am-bientes sustentáveis Rodrigo Munhoz, explica a relação entre dinheiro, eco-nomia e sustentabilidade. “Uma casa sustentável custa menos do que uma casa convencional pelo simples fato de que seu custo é diminuído com o

tempo, ao contrário de uma casa que não leva em consideração os aspectos de sustentabilidade”, afirma. Para en-tender melhor, o arquiteto compara a construção de uma casa com a compra de um carro. “Na compra de um carro, o consumo de gasolina por quilômetro rodado é um fator de peso na escolha do modelo. Em segundo, escolher um carro que tenha a flexibilidade entre álcool e gasolina também é funda-mental. No caso de uma residência,

o pensamento deve ser o mesmo. A diferença é que a residência tem uma vida útil maior que um carro, ou seja, se você escolher o modelo gastão, este continuará gastando por toda a vida do morador daquela residência. Uma casa eficiente pagará o investimento inicial e, depois disso, somará economia ao longo de toda sua vida útil”, garante.

Munhoz ainda explica que a esti-mativa é de que, inicialmente, a casa sustentável custe até 10% a mais que

A Casa Modelo em Americana é exemplo de construção sustentável

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uma casa comum. Seu preço de venda pode ser 20% maior do que o de uma casa convencional. De acordo com o arquiteto, não é possível estimar um número exato de anos em que o valor pode ser abatido, já que depende das tecnologias verdes incluídas no plane-jamento da casa. “Tecnologias verdes são soluções que minimizam a utiliza-ção de recursos naturais e auxiliam na economia das contas dos usuários da residência”, complementa.

Em Americana, o Consórcio Inter-municipal das Bacias dos Rios Piracica-ba, Capivari e Jundiaí (PCJ) idealizou um projeto chamado Colaboradores Ambientais e construiu a casa modelo, usando tijolos fabricados a partir da escória da indústria siderúrgica, ou seja, aquele resíduo que teria de ser descartado, chamado de blocaço, feito com agregado siderúrgico. É possível encontrar pela casa, móveis fabrica-dos a partir de restos de mármore ou com madeira de reflorestamento de eucalipto revestidos com laminado de garrafas plásticas. A utilização de lâmpadas prioriza os modelos LED ou fluorescente, pelo baixo consumo de energia elétrica. Os tecidos são de retalhos, fibra de garrafas PET e até mesmo palha de milho. Toda a madeira utilizada vem de reflorestamento ou restos de demolição. Até mesmo os pisos, que imitam perfeitamente o material, são de porcelanato ou restos de PCV. Torneiras econômicas e siste-ma de economia de energia e água no chuveiro, válvulas automáticas e de duplo comando como também caixas acopladas nos vasos sanitários, fizeram com que o ambiente do banheiro fosse o escolhido pelo público da mostra como o melhor.

Se isso é possível, como construir? Munhoz explica que, primeiramente, o investimento mais acessível é ter um bom projeto arquitetônico, que leve em consideração as características climáticas locais. Considerar aspectos como entrada ou não do sol, ilumina-ção natural, ventilação cruzada dos ambientes em climas que peçam isso, isolamento térmico adequado para o calor ou para o frio de onde se cons-trói são alguns exemplos que tornam a casa mais confortável para o usuário.

Deve-se também levar em considera-ção outros aspectos como a escolha adequada de produtos que tenham um baixo impacto ambiental, que sejam recicláveis, reutilizados ou possam ser reutilizados no final da sua vida útil.

Em segundo lugar, estão as medidas de economia de recursos, como água e energia. No caso da água, existem sistemas como torneiras de baixo fluxo e descargas de duplo fluxo. No caso da energia, eletrodomésticos como aparelhos de ar condicionados certifi-cados com selo de eficiência energética pelo Inmetro (Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia) e lâmpadas de baixo consumo como as fluorescentes ou de LED. Uma casa

com iluminação eficiente na disposição das luminárias e no consumo energé-tico é um investimento que se pagará duas vezes em toda sua vida útil.

Se for possível fazer um investi-mento adicional, o arquiteto explica que é importante aplicar algumas tecnologias verdes como sistemas de captação e tratamento de água das chuvas e iluminação eficiente como as mais economicamente acessíveis ao público. Um sistema de captação de água da chuva para reuso em sanitá-rios, irrigação e limpeza de pisos, se pagaria em aproximadamente cinco anos e a economia de água e dinheiro, continuará de maneira ilimitada, pois não tem vida útil.

Olhar criativo transforma matérias para construção de ambientes sustentáveis

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Por último, com um investimento mais vultoso, em torno de três mil reais, pode-se instalar aquecedores solares que esquentam a água para chuveiros e pias; estes podem eco-nomizar 25% da conta de energia elétrica, graças à energia dada pelo sol gratuitamente. “Fazendo uma gestão eficiente da água, diminuímos tanto a ocorrência de enchentes como de secas, diminuímos a demanda de água dos aquíferos e, consequentemente, a escassez. Ao usar na construção produ-tos que tenham um baixo impacto am-biental, impedimos o desmatamento das nossas florestas, a poluição causada por indústrias tóxicas, que não estão de acordo com normas dos órgãos de fiscalização ambiental, o trabalho escravo e uma série de outros fatores, que são estimulados pelo consumidor quando ele não leva em consideração a cadeia produtiva daquele produto”, alerta Munhoz.

A permacultura e as ecovilas - A Permacultura é um sistema de design para a criação de ambientes humanos sustentáveis e produtivos, em equi-líbrio e harmonia com a natureza. Foi desenvolvida no início dos anos 70 na Austrália por Bill Mollison e David Holmgren, unindo culturas ancestrais sobreviventes com os co-nhecimentos da ciência moderna.

A palavra originou-se da expressão permanent agriculture, em português, cultura permanente. A permacultura não se enquadra em nenhuma discipli-na, justamente porque abrange desde agricultura, arquitetura e design até ciências naturais e economia solidária. “Essa alternativa trata de elementos como plantas, animais, edificações e infraestruturas, bem como, dos rela-cionamentos que podemos criar entre

eles conforme sua composição em um terreno”.

O permacultor é um designer que projeta cidades sustentáveis, bairros ecológicos, 1condomínios ecológi-cos, ecovilas, escolas sustentáveis e casas ecológicas”, explica o designer permacultor e bioconstrutor, Neimar Marcos da Silva, o Marcos Ninguém.

Esse conceito chegou ao Brasil em 1992, por meio de um curso de design ministrado pelo percursor Bill Molli-son, no Rio Grande do Sul. “Desde seu marco, pós Eco92, a permacultura vem se desenvolvendo com funda-ção de institutos de permaculturas e ecovilas em vários biomas brasileiros como pampa, cerrado, mata atlântica, semi-árido e até na Amazônia. Essa nova forma de construir, sem agredir a natureza e usando o que ela oferece, tem ganhado espaço nas universidades com os núcleos ou grupos de estudos em permacultura, nos grupos de agro--ecologia, e inclusive em cadeiras eleti-vas”, destaca o bioconstrutor.

Marcos da Silva ainda salienta que a permacultura urbana tem desenvolvido soluções para os grandes problemas que afligem as populações das cidades. “Dentro dessa nova cultura, criamos atividades que respeitam a relação com a natureza. Como exemplo,

Fotos: Marcos Ninguém

Por dentro da ecocasa; vidro, argila e ferro reutilizado

Ecocabana construída a partir de argila, vidro e madeira de demolição serve de moradia

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podemos citar os alimentos, que são produzidos próximos ao local aonde serão consumidos, de preferência nas próprias residências, aproveitando-se pequenos espaços, lajes, muros, jane-las, ou então em terrenos desocupados, escolas e em hortas comunitárias. Isso evita a poluição atmosférica que seria gerada pela queima de combustível fóssil ao se transportar os alimentos por longas distâncias e garante que eles sejam livres de agrotóxicos e aditivos químicos, que tanto mal fazem aos agricultores, aos consumidores e ao meio ambiente de forma geral”, conta.

O bioconstrutor chama atenção também para o problema do esgoto que, segundo ele, pode ser resolvido na própria residência, dando-se uma destinação diferente às águas cinzas (oriundas de pias e chuveiros) das negras (aparelhos sanitários). Estas podem ser tratadas com bacias (ou tanques) de evapotranspiração que, além de evitar a contaminação do lençol freático, aquíferos, rios, lagos e zonas costeiras, torna-se um núcleo produtor de alimentos. Já as águas cinzas podem ser tratadas com círcu-los de bananeiras, que também vão gerar alimentos, ou ainda por filtros biológicos, que devolverão água limpa ao meio ambiente. “O cenário atual gerou uma situação tão absurda que até a água da chuva, que é a mais fácil e segura para ser captada e utilizada, tornou-se um problema ao provocar, aliado à impermeabilização do solo, enchentes, alagamentos e a prolifera-ção de doenças. Problemas estes que seriam evitados caso as casas tivessem um simples sistema de captação e armazenamento de águas pluviais, o que reduziria também o risco de con-taminação por água proveniente de poços artesianos, às vezes poluídos por sistemas inadequados de saneamento”, afirma Marcos.

E não é preciso ir muito longe para conhecer essa cultura. Em 2012, em São Pedro, um grupo de amigos deci-diu criar uma ecovila. Por enquanto, não há um espaço destinado, mas aos poucos a ideia está sendo trabalhada e vem ganhando forças. O percursor, o escritor Haroldo Botta, explica que as ecovilas são comunidades urbanas ou

rurais de pessoas que se esforçam para integrar um ambiente de apoio social e, ao mesmo tempo, com uma forma de baixo impacto de vida.

Para alcançar este objetivo, inte-gram-se vários aspectos de concepção ecológica, permacultura, construção ecológica, produção verde, energia alternativa e práticas de construção em comunidade. “A motivação para as eco-vilas é a escolha e compromisso para reverter a desintegração gradual de estruturas sociais de apoio e cultural, e o recrudescimento de práticas des-trutivas ambientais em nosso planeta.

As ecovilas são uma solução para os grandes problemas do nosso tempo. O planeta está experimentando os limites do crescimento e nossas vidas estão, muitas vezes, desprovidas de conteúdo significativo. Temos de aprender a vi-ver de forma sustentável se quisermos sobreviver como espécie”, alerta.

As ecovilas estão vivendo modelos

Construção de uma pequena ecocasa sustentável em São Paulo; abaixo, forro da parede da ecovila de São Pedro é feito com espumas e madeiras reutilizadas

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de sustentabilidade e exemplos de como ações podem ser tomadas ime-diatamente. A dimensão econômica, conforme explica Botta, consiste em manter o dinheiro na comunidade fazendo-o circular entre todos os in-tegrantes. Então, gastar e investir esse dinheiro em empresas de membros integrados na prática sustentável.

Botta explica que a proposta de uma casa sustentável, de baixo impac-to ambiental e de custos acessíveis, são possíveis nessa visão integrada de uma ecovila, seja ela urbana ou rural. “Trabalhar com materiais do próprio local, como por exemplo, o superadobe que são sacos de areia que servem de paredes e têm, pratica-mente, custo zero, pode trazer à tona todo um sistema de vida já esquecido por muitas gerações. Essas técnicas estão sendo incorporadas pouco a pouco nas grandes, médias e pequenas cidades, geralmente por pessoas que tem uma visão holística da vida que levamos hoje em dia. Muitos pensam que tem que largar tudo e ir morar no mato para viver dessa maneira, o que não deixa de ser uma alternativa, mas sempre acreditei que podemos viver os lados bons das duas possibilidades, cidade e campo, integrando-as num modo de vida saudável, começando principalmente com uma alimentação natural, sem agrotóxicos ou genetica-mente modificados”, comenta.

De acordo com o escritor, existem aproximadamente 15 mil ecovilas espalhadas pelo mundo inteiro. Em 1988, as ecovilas foram nomeadas ofi-cialmente na lista da ONU das 100 me-lhores práticas para o desenvolvimento sustentável, como modelos excelentes de vida sustentável. A permacultura é a base desse movimento formado por três pilares: cuidado com a terra, cuidado com as pessoas e partilha dos excedentes. Origina-se de uma cultura permanente do ambiente. “Estabele-cer em nossa rotina diária, hábitos e costumes de vida simples e ecológicos e criar um estilo de cultura e de vida em integração direta e equilibrada com o meio ambiente, envolvendo--se cotidianamente em atividades de autoprodução dos aspectos básicos de nossas vidas. É isso que buscamos. Para que isso aconteça deve haver uma mobilização mundial para efeti-var essa proposta de forma pacífica e criativa. Dizer que estamos vivendo num caos, todos sabemos, mas temos que acreditar que essa alternativa seja real e prática para desenvolvermos um mundo de prosperidade e acesso ao nosso bem mais precioso que é a vida plena”, destaca. “O mundo só se transforma pelo exemplo. E cada um deve permitir-se viver sua plenitude em prol dos anseios de uma vida com alegria e paz para todos, sem exceção”, completa Botta .

Parede feita com argila e garrafas de vidro possibilitam decoração rústica com material reutilizado

Camila Piacentin

Fotos: Marcos Ninguém

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Fernando carvalho

[email protected]ácio Busolin Júnior

[email protected]

Citando José Saramago, “É uma grande verdade a que diz que o pior cego foi aquele que não

quis ver”. Essa cegueira branca na qual Saramago usa como alegoria no livro “Ensaio sobre a cegueira”, pode ser aplicada no dia a dia quando as pessoas passam a não reconhecer a capacidade de um deficiente visual ao ingressar no mercado de trabalho.

No Brasil, segundo dados do IBGE de 2010, 45.606.048 milhões de pes-soas declararam ter pelo menos uma das deficiências, o que corresponde a 23,9% da população brasileira. Outro dado que chama a atenção e preocupa é de que desse total, 53,8% (23,7 mi-lhões) declaram que não são economi-camente ativas. Em contrapartida, há o crescimento no número de pessoas com deficiências ocupadas, que chega a 23,6%, ou seja, 20,4 milhões do total de 86,4 milhões de brasileiros ocupados.

Nessa selva de pedras de disputa por um lugar ao sol, a luta desses pro-fissionais em explorar limites também se intensifica no jornalismo, na foto-

FOTÓGRAFO E RADIALISTA CEGOS PROVAM QUE A INCLUSÃO NO MERCADO DE TRABALHO DA COMUNICAÇÃO É POSSÍVEL

grafia e no rádio. Quebrando tabus e tornando o imprová-vel uma realidade concreta, quem imaginaria que um fotógrafo e um radialista, ambos deficientes visuais, possam trabalhar com co-municação?

As duas histórias pa-recem insólitas e inacre-ditáveis. Mas não. Elas são verdadeiras e a revista Painel traze luz para os profissionais Teco Barbero, fotógrafo de Sorocaba, e Marcelo Eduardo Marchi, radialista em Leme.

Fotografar sem a visão? - “Nem tudo é só imagem em uma foto. O som e a sensibilidade podem fazer parte do que se vai retratar. Talvez se o fotógrafo tocar em uma árvore antes de fazer a foto, ele tenha uma percep-ção mais sensível do que está em sua volta. A foto com sensibilidade agrega bem mais valores técnicos e estéticos”, afirma Teco Barbero.

Tirar fotos sem utilizar a visão. Seria isso possível? Para o jornalista e fotógrafo sorocabano Antonio Walter Barbero, a atividade se tornou reali-dade. Com deficiência visual rara cha-

mada persistência de vítreo primária, o jornalista possui visão de 5% a 10% e vê tudo o que as outras pessoas enxer-gam, porém com bem menos nitidez.

Andando com desenvoltura em sua casa, não se nota a deficiência visual. Simpático, divertido e comunicativo, Teco Barbero, como é popularmente chamado, desde pequeno sempre driblou as dificuldades estudando e trabalhando como qualquer pessoa

Além do que

se vê

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normal. Na época em que entrou na escola, a palavra inclusão de defi-

cientes ainda era recente. Teve a ajuda dos professores

e principalmente de uma tia que o acompanhava durante as

aulas. Ele não possuia uma boa leitura em braile e como enxerga-

va um pouco, foi incentivado a ler e escrever normalmente. Sua escrita e leitura não são tão ágeis, mas com persistência consegue ler o jornal em pelo menos duas horas.

O jornalismo surgiu quase que por acaso. Primeiro queria fazer a facul-dade de idiomas, por ter facilidade e gostar da profissão de intérprete. Porém, em Sorocaba não tinha esse curso e por indicação de professores e amigos, decidiu cursar jornalismo. Fazer a faculdade foi um desafio e, no início, chegou a ouvir palavras de-sanimadoras. “Cheguei a sentir certa

relutância de alguns alunos que me questionavam: Como você irá fazer quando tiver as matérias de fotojor-nalismo e telejornalismo? Aí respondi: ‘Quando chegar lá eu vejo como farei, não vou desanimar’”, disse o fotógrafo.

Muito por coincidência, o encontro com a fotografia aconteceu no segundo semestre do curso, quando por meio de iniciativa do professor Werington Kermes, Teco foi convidado para par-ticipar de uma oficina de fotografia para deficientes visuais. O professor decidiu realizar uma oficina com 12 alunos cegos, após assistir ao filme Janela da Alma, de 2001, que mostrava as experiências do esloveno e fotógrafo cego Edgen Bavcar. “A oficina durou seis meses e proporcionou que defi-cientes visuais se sentissem incluídas na sociedade, podendo até tirar fotos da família e de eventos. Para mim, o curso teve um caráter mais sério, tanto que usei os conhecimentos que adquiri para

realizar meus trabalhos na disciplina de fotojornalismo”, contou Teco.

Após ter se formado, já em 2009, recebeu o convite para realizar fotos para campanha publicitária da Asso-ciação Desportiva para Deficientes (ADD). O feito mudou sua vida profissional, e desde então passou a ensinar sua técnica. “Meu objetivo é ministrar essas oficinas nas faculda-des, principalmente de jornalismo, e capacitá-las para poder receber alunos com deficiência”, conclui.

Após o reconhecimento do trabalho que realizou na campanha publicitária, recebeu convite pra trabalhar como editor do jornal interno da Facens (Fa-culdade de Engenharia de Sorocaba). Por ser avesso ao uso de computador, não usa qualquer tipo de programa de acessibilidade e acabou adotando uma rotina um tanto incomum, mas que com ajuda dos colegas funciona. “Peço que as pessoas me entreguem as matérias impressas e as leiam pra que possa editá--las. Devido à boa audição e memória que possuo, acredito que o processo vem dando resultado”, conta Teco.

Sentindo as imagens - A sensibi-lidade tátil também é um dos pilares que sustentam a rotina de trabalho do jornalista. O enquadramento das fotos para um fotógrafo que não enxerga, segundo as técnicas de Teco, é orienta-do pelo tato. Com a mão, medindo um palmo, o fotógrafo controla a posição e a distância que o objeto ou pessoa a serem retratados estão da máquina fotográfica.

Se a foto que a pessoa quiser tirar for de curta distância, basta apenas po-sicionar a máquina na altura dos olhos, sentir onde está o botão e clicar. Caso a foto seja de uma distância maior, será necessário que o fotógrafo, sem mudar sua posição, dê dois ou três passos pra trás e bata a foto. Teco esclarece uma questão comumente lembrada pelos alunos das oficinas. Se a foto é tirada por um cego que não pode vê-la, qual então o sentido de fazer a oficina? Teco responde: “Não tenho a ambição de torná-los fotógrafos profissionais. A foto serve para que eles sintam o ambiente onde estão, seja na praia ou paisagem, para que possam comparti-lhar com a família”.

Com menos de 10 % da visão, o fotógrafo Teco Barbero utiliza o tato para fotografar; no destaque, locutor deficiente visual Marcelo Marchi recebe orientações de sua mulher sobre as partidas de futebol

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assim, e hoje se eu falar qualquer informação três vezes eu não esqueço mais”, concluiu.

Desde criança, ele adorava ficar o dia todo gravando, ouvindo e cor-rigindo sua voz para o programa de esporte que fazia sozinho em sua casa. Marcelo montava o programa em fitas cassetes no rádio, que ganhara de sua mãe. Seu sonho começou em 1999 quando ingressou como locutor na rádio Cultura de Leme. Sua função era retaguarda esportiva, que era pe-gar resultados para outro plantonista. Quando mudou de emissora, Marcelo foi convidado a assumir o lugar do locutor. No começo ficou um pouco com medo, mas sua chance de realizar seu sonho de trabalhar com rádio falou mais alto.

A deficiência visual nunca foi em-pecilho para Marcelo, que se considera um autodidata. “O mundo não tem que se adaptar a gente. Pelo contrário, nós é que temos que se adaptar a ele, criando alternativas para poder fazer aquilo que sentimos vontade. Se você ficar parado, esperando alguma coisa acontecer, você não vai alcançar nada na sua vida”, desabafa.

Enxergando com os ouvidos - A percepção de mundo dos cegos difere completamente daqueles que enxer-gam, não só pelo fato de não poderem ver, mas sim por ter outros sentidos como audição, tato e olfato e até a memória mais apuradas. Qual será então a explicação para o desenvolvi-mento dessas capacidades? Podem ser

adquiridas ou já estão transcrita no DNA?

No caso de Teco Barbero e Marcelo

Eduardo Marchi, que já possuem déficit visual intra-útero, a maior ef ici-ência desses sentidos é ex-pl icada pela

neuroplasti-cidade, que é a

capacidade que o cérebro tem de rema-

peamento das conexões

A sociedade também já se mobiliza, criando novos canais de mídia para a difusão de conteúdo para o público deficiente. Um dos exemplos é o projeto a Vez da Voz, Oscip (Organização da Sociedade Civil de Interesse Público) criada em 2004 com objetivo de pro-duzir telejornais, programas de rádio e conteúdos de mídia com narração, Lín-gua de Sinais, legenda e audiodescrição.

A iniciativa cumpre a Portaria nº 310 de 27 de junho de 2006, que aprovou a Norma Complementar nº 01/2006 e dispõe sobre acessibilidade para pessoas com deficiência na pro-gramação veiculada na televisão. Além disso, o projeto serve de via alternativa para dar oportunidade de emprego aos profissionais com deficiência que desejam trabalhar na comunicação. O conteúdo dos vídeos e rádio é produ-zido por repórteres e apresentadores com algum tipo de deficiência, seja ela física, visual, cognitiva ou auditiva.

O projeto, coordenado pela fo-noaudióloga, doutora em lingüística, professora de português, escritora e presidente da ONG Vez da Voz Cláudia Cotes tem como destaque a produção do Telelibras, primeiro telejornal do

Dando voz a qu em não tem vez

O processo imaginativo também é peça chave na fotografia para os cegos. O esloveno Edgen Bavcar diz fazer suas fotos com o olhar da imaginação. Perdeu a visão aos 12 anos, e passou a tirar fotos com 17 anos, depois que emprestou uma câmera fotográfica da irmã. A fotografia para ele surgiu como forma de liberar imagens que existiam em sua cabeça e no interior de sua alma. “Para o deficiente visual quem enxerga não são olhos, mas sim o cérebro, que projeta a imagem por meio do conjunto de sensações como tato, olfato e audição captados”, ex-plica Teco.

Ele também utiliza as mesmas técni-cas de Bavcar, incluindo a foto orienta-da por áudiodescrição. Em fotos mais complexas como paisagens ou mesmo objetos de tamanho maior como um carro ou uma casa, o fotógrafo precisa da ajuda de um acompanhante que descreve o ambiente ou uma paisagem.

Memória de elefante - Quem ouve a narração do plantonista esportivo, que trabalha há seis anos na Rádio Educadora 1020 AM de Limeira e também na Rádio Brasil 101,1 AM de Leme, nem imagina que ali está o defi-ciente visual Marcelo Eduardo Marchi. Há 12 anos no rádio, o locutor possui apenas 4% da visão, ou seja, Marcelo enxerga apenas vultos.

O radialista, que não aprendeu a ler em braile, conta com a memória privilegiada para decorar os textos. Sua mulher Débora Alexandre Marchi o auxilia e fica encarregada de coletar as informações. Paralelo a isso, Marcelo tem seu pró-prio radinho de pilha, onde também ouve o resultado dos jogos. “A me-mória tem que ser constante-mente treinada e estimulada. Desta forma, ela nunca te deixará na mão. Não nego que às vezes é um pouco cansativo. Mas me acostumei a trabalhar

Marcelo Marchi potencializou os recursos da memória pa ra narrar os acontecimentos

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das nossas células nervosas, o processo que nos ajuda no aprendizado. Nes-te caso, os neurônios responsáveis pela visão foram perdidos e substituídos por outros com função redirecionada. Até a década de 70, imaginava-se que as células nervosas não possuíam a ca-pacidade de reproduzir-se. Porém com a descoberta da neuroplasticidade, os neurônios mesmo que lentamente, se regeneram.

Para o médico neurocirugião Hum-berto Barbosa é como se o cérebro se reprogramasse para poder suprir o déficit da área que sofreu a lesão. “Essa alteração funcional causa hipertrofia de sistemas, ou seja, quando a pessoa perde a visão, o cérebro precisa criar sistemas de defesa e passa a produzir mais proteínas para outros sentidos que não a visão. Neste caso, a cineste-sia, capacidade em reconhecer a loca-lização espacial do corpo, será definida pelo tato, olfato ou audição”, explica o especialista.

O mesmo raciocínio pode explicar a ‘memória de elefante’ do radialista, que segundo o médico, foi potenciali-zada. “Desde pequeno ele não apren-deu braile, até porque já possuía a memória auditiva importante. A partir disso a atividade só foi potencializada e desenvolvida no decorrer dos anos, até pra suprir o déficit de suas outras capacidades”, ressalta.

Luta pelos direitos dos deficientes - Lutando pela exigência de direitos desses profissionais e o preconceito que sofrem no cotidiano, a webjorna-lista Kátia Fonseca, que trabalha Rede Anhanguera de Comunicação (RAC) em Campinas e integrante do Sindicato dos Jornalistas de São Paulo, realizou em 2010 um cadastro dos profissio-nais deficientes visuais para oferecer serviços à empresas jornalísticas, as-sessorias de imprensa ou trabalhadores freelancers.

O serviço, realizado pelo Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Estado de São Paulo (SJSP), tem por objetivo intensificar o cumprimento da Lei de Cotas, criada em 1991, que prevê a contratação obrigatória de profissio-nais com deficiência por empresas que tenham acima de 100 funcionários.

Brasil voltado para a comunidade sur-da e que é apresentado pela deficiente visual e também cantora e compositora Sara Bentes.

Para Cláudia Cotes, a realização do Telelibras surge como proposta inova-dora para o futuro da inclusão na TV no Brasil. Tanto na recepção quanto na possibilidade de inclusão dos pro-fissionais, que segundo ela, ainda não acontece como deveria. “O jornalismo não absorveu a inclusão para si próprio. Falta capacitação nas faculdades e as emissoras precisam querer cumprir a lei, criar condições de acessibilidade na Comunicação. Falta conhecimento sobre o assunto”, alerta Cláudia.

A criação do Telelibras impulsio-nou a visita ao site da ONG http://www.vezdavoz.com.br/site/index.php, que subiu de 10 mil para 25 mil acessos mensais. Porém por falta de verbas pra seguir em frente, o projeto está parado. “Os projetos da Vez da Voz foram bem aceitos e premiados. Mas começaram a crescer de tal maneira, que precisavam de mais recursos. As empresas também são relutantes em investir, o que fez com que parássemos o projeto”, lamenta Cláudia.

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O cadastro recebeu poucas adesões. “Com a lei, as empresas têm por obrigatoriedade a contratação. Isso facilita o ingresso desses profissionais no mercado. Porém pouquíssimos jornalistas com deficiência nos pro-curaram. Talvez esteja faltando mais divulgação”, afirma.

Para Kátia, que é portadora de nanismo acondroplásico em consequ-ência de má formação óssea congênita, diz que ao começar a estudar e traba-lhar encontrou muitos desafios e obs-táculos. Ela recorda que em 1990, as empresas não davam o apoio que dão hoje, até porque ainda não eram obri-gadas a empregar esses profissionais. Com a criação da Lei de Cotas, há 21 anos, o panorama está sendo alterado. Porém, segundo ela ainda é preciso mais esforço para seu cumprimento. “As grandes empresas estão cumprindo a Lei de Cotas, mas não totalmente. Isso ainda é um “nó” que precisa ser desatado. É um jogo de força entre empresários, que não querem gastar dinheiro”, afirma a jornalista.

Não dando a luta por vencida, a jornalista persistiu no sonho de escre-ver, e após sair da Faculdade Católica São Leopoldo, em Santos (SP), onde se formou, trabalhou como freelancer no jornal semanal O Vale, em Registro (SP). Foi assessora de imprensa no Sindicato dos Urbanitários de Santos e, por fim, mudou para Campinas trabalhar no jornal Correio Popular. No início de sua carreira, chegou a trabalhar como repórter de rua, No entanto a falta de acessibilidade das cidades, nos prédios públicos, a im-possibilitava de chegar nos locais para as matérias. “Se o repórter cadeirante chega a algum desses lugares para fa-zer uma cobertura e depara com uma escadaria, seu trabalho será em vão”, alerta Kátia.

Para ela, precisa haver uma mudan-ça no comportamento da sociedade. “ONGs geridas pelas próprias pessoas com deficiência são fundamentais para informar sobre a realidade do cotidiano das pessoas com deficiência. Cabe a elas mostrar à sociedade como vivem, do que são capazes e o quanto são iguais a todo mundo, apesar das diferenças”, exalta a jornalista.

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Marcelo Marchi potencializou os recursos da memória pa ra narrar os acontecimentos

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Ofícios não resis tem às gerações

Vagas para pizzaiolo são difíceis de serem preenchidas em cidades da região

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ana Paula rosa

[email protected]

Cada vez mais escassos no mercado da região, serviços como alfaiate, mecânico de veículos de grande porte, pizzaiolo - entre outros - estão com dificuldades na demanda de pro-

fissionais. Esse problema é constatado por agências de empregos e Postos de Atendimento ao Trabalhador de Piracicaba, Limeira e Santa Bárbara D’Oeste.

O coordenador do curso de Recursos Humanos da Unimep (Universidade Metodista de Piracicaba) Emílio Antônio Amstalden confirma o cenário atual. Segundo o especialista, muitas profissões estão caindo no desuso mesmo com a procura contínua de clientes pelos serviços. “Os jovens de hoje querem estudar e exercer funções que exijam esforço mental, não as de cunho braçal. Essas profissões mais antigas, porém nobres e necessárias, acabam ficando para os que possuem mais de 40 anos, que são menor parte no mercado de trabalho e, naturalmente, um dia vão deixar de exercer a função para aposentar-se”, diz.

Nos Postos de Atendimento ao Trabalhador é tarefa dura fechar a maioria das vagas relativas às profissões de esforço físico. Segundo a coordenadora do PAT de Limeira Marcela Hipólito, há vagas neste campo que demoram anos para serem ocupadas. “Algumas nunca fecham, como no caso do mecânico de caminhões”, afirma.

Em Piracicaba a situação é semelhante. A maior dificuldade encontra-da na cidade é para completar as vagas também no campo de construção civil. “O problema é encontrar candidatos que aceitem trabalhar sob regras de comissões e metas. As maiores dificuldade quanto à construção civil estão relacionadas à preferência pela informalidade dos trabalha-dores que possuem experiência nesta área”, explica a coordenadora do CAT (Centro de Apoio ao Trabalhador) Luciana Goes.

Já em Santa Bárbara D’Oeste, segundo dados da Casa do Traba-lhador do município, o problema de falta de interessados ocorre com maior ênfase no ramo têxtil. Segundo nota enviada pela assessoria de imprensa, até mesmo o mecânico de máquinas de costura é difícil de ser encontrado no mercado, somando-se à dificuldade de também encontrar quem opere as máquinas, como os alfaiates.

PROFISSÕES BRAÇAIS CORREM O RISCO DE DESAPARECEREM DO

MERCADO REGIONAL

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De peça em peça - O coordenador da área mecânica de veículos de grande porte de uma concessionária de Limeira Vitor Reynaldo Vaz Bragança concorda com a falta de profissionais jovens interessados em seguir profissões que exigem mais disposição física. Segun-do ele, é preciso formar mecânicos de caminhões dentro da própria empresa, dada a falta de qualificação que existe nesta área no mercado de trabalho. “Quando é preciso aumentar a equipe de mecânicos, escolhemos alguém na empresa e pagamos cursos. Só assim conseguimos qualificá-lo para o cargo”, diz. “Geralmente a escolha é feita por pessoas mais experientes, que sabemos que vai levar mais a sério o que estamos ensinando. É um profissional que não queremos perder”, explica.

Atuando na área desde os 17 anos, mecânico de caminhões José Roberto da Silva diz que é difícil encontrar jo-vens que queiram seguir esta profissão. Segundo ele, a profissão é encarada por muitos com preconceito. “Consertar ca-minhões não exije apenas força braçal. Pelo contrário, faço reparos deste auto-móvel até por Ipad, o que exige bastante de mim intelectualmente”, fala.

O mecânico afirma que para exer-cer a profissão é preciso boa vontade, pois é uma função sem rotina definida e que necessita de estudos. “Não tem hora para um caminhão parar e pre-cisar da minha intervenção. Já atendi ligação na madrugada e em feriados”, conta. ‘Fiz mais de 20 cursos na minha vida nesta área, mas nada me ensinou tanto quanto lavar as peças no começo do ofício. Conheci parte por parte do caminhão ali”, conta Silva.

A arte feita à mão, de fio em fio - A profissão costureiros artesanais em ge-ral, em especial os alfaiates, encontra-se bastante difícil de encontrar profissio-nais especializados no mercado da re-gião, principalmente em Santa Bárbara D’Oeste. O ofício, que se consolidou por volta do século XII, foi ofuscado hoje pela grande oferta do comércio e menor exigência por parte de muitos consumidores, segundo os que se apo-sentaram ou ainda trabalham na área.

Com ar de nostalgia, o alfaiate aposentado José Michel, hoje com 63

anos, emociona-se ao lembrar como era costurar com seu pai Lázaro Mi-chel, que tem 86 anos, de quem herdou o amor pela costura. “Desde pequeno brincava embaixo dos balcões e no meio dos trapos. Quando fui crescen-do, comecei a observar o trabalho de meu pai e cada vez mais tinha certeza que queria ser como ele. Lembro desta

época com muita alegria”, disse.José Roberto disse que há aproxi-

madamente 30 anos, embora menos expressiva, já havia discussão sobre o fim da profissão de alfaiate, o que o fez prestar um concurso público e trabalhar como carcereiro. “Eu nunca deixei de costurar. Tentava casar as duas coisas”, disse. Com o passar do tempo, porém,

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a costura começou a ser destinada ape-nas para a família e amigos próximos. José acredita que o ofício não deve perdurar por muito tempo, visto que a mão de obra fica mais escassa a cada ano que passa. “Dos poucos que restam na área, muitos nem ensinam os filhos, pois ficam preocupados com o futuro deles”, falou.

Hoje, José Michel sente muita falta da dedicação que era depositada nas confecções. “Reparo nas roupas caras que são vendidas em lojas e não consigo ver perfeição. São feitas sem capricho.

Não tem nem forro”, disse. “Que saudades me dá de buscar cortes

de pano, colocar um pouco de mim em cada peça de roupa e sair do trabalho contente por fazer parte da elaboração de algo exclusivo, que faria parte da vida de alguém”.

O sabor artesanal - A função de pizzaiolo também é difícil de ser completada em postos de atendimento ao trabalhador da região, além de agências de em-prego. Em Limeira, por exemplo, há vagas para a área que oferecem curso

gratuito, mas sem sucesso. “Mesmo assim as pessoas não

procuram. É falta de interesse por este tipo de trabalho mesmo,

que exige um pouco mais de flexi-bilidade de horário e disposição”, fala a coordenadora do PAT de Limeira.

O pizzaiolo Marcelo da Silva Alves, desde menino, mexe com a confecção de massas em geral. “Trabalhava em uma padaria com apenas 13 anos. Pe-guei amor pela profissão e estou nela até hoje”, conta. Alves hoje trabalha em uma pizzaria aos finais de semana. “É um período de trabalho bem fle-xível. Consigo dividir o ofício com outras funções durante a semana”, conta o rapaz, que também trabalha como tatuador.A profissão de pizzaiolo, no entan-

to, gera críticas de colegas. “O pessoal não sabe o quanto é bacana também fazer trabalhos braçais. Depois de todo aquele esforço, abrir quilos de massas na cozinha, não tem nada mais grati-ficante do que receber elogios”, fala. “Falta um pouco mais de valor para estas profissões, senão elas vão acabar desaparecendo e quem vai sofrer são

os que, por preconceito, não quiseram realizar atividades tão nobres como esta”, completa.

Experiência x Juventude - Para evitar a extinção de algumas profissões, o mercado de trabalho aposta cada dia mais em profissionais com idade superior a 40 anos. “São pessoas que não abandonam o ofício por qualquer coisa, não. São fieis ao trabalho, ves-tem a camisa da empresa e enfrentam o que tiverem que enfrentar”, fala a presidente do Sindicato dos Aposen-tados de Limeira, Nair Gentil Facco.

O mercado de trabalho nessas três cidades também abre espaço aos profis-sionais experientes, com idade superior a 40 anos. A informação é de coorde-nadores de postos de atendimento ao trabalhador e agências de empregos locais, que afirmam que a tendência das empresas é disponibilizar pelo menos 40% de vagas a mais ao público com esta idade em relação há 10 anos.

Contudo, segundo o administrador de uma agência de empregos de Pira-cicaba Rafael Carvalho, o mercado precisa urgentemente de profissionais novos. Ele afirma quando os expe-rientes chegarem à aposentadoria não haverá mais profissionais habilitados para as funções. “Se isso não ocorrer, os (trabalhadores) que estão no merca-do vão se extinguir e as profissões vão junto”, explica.

O professor de RH Emílio Antônio Amstalden concorda. Segundo ele, a procura considerada elevada pelos pos-tos de emprego ainda não é o suficiente para garantir a permanência das pro-fissões no mercado, tampouco suprir a demanda de pessoas com mais de 40 anos que estão desempregadas. “Houve um aumento nas contratações deste tipo, mas ainda falta muito a trabalhar--se neste quesito. Os jovens precisam cooperar e interessar-se mais por este tipo de serviço”, fala o professor de RH.

Além disso, para o especialista, atu-ar em áreas que exigem esforço braçal é algo financeiramente promissor. “O pagamento para estes serviços já está compensando, pois os interessados em fazer estas atividades estão escassos. Daqui para frente cada vez vai ficar melhor”, conclui.

José Michel diz que a profissão de alfaiate está cada vez mais escassa

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camila tatiê

[email protected]

Já parou para pensar se você tivesse o poder de devolver a vida a uma pessoa? Este é o trabalho dos cap-

tadores de órgãos que percorrem de hospitais atrás de pessoas e famílias dispostas a doar vida. Essa é a expres-são que define quem escolhe doar seus órgãos. Mais do que se desfazer de uma parte de você ou de algum familiar, é ajudar quem precisa viver.

O trabalho dos captadores de órgãos não é nada fácil. Por um lado, a tristeza da perda de um ente familiar, do outro a espera por um órgão que pode trazer alguém de volta à vida, expressão lema da Cidoti (Comissão Intrahospitalar de Doação de órgãos e Tecidos para Transplante) de Piracicaba, criada com o intuito de mostrar que mesmo perdendo um ente querido, por meio da doação pode-se proporcionar vida a outras

pessoas que esperam um rim, um fígado, um coração ou mesmo córneas e pele.

Um dos maiores problemas en-frentados pelos hospitais em relação à doação de órgão, além da falta de informação das pessoas, é a fila de espera dos pacientes que aguardam para serem transplantados que tem crescido cada vez mais. A espera por doadores traz, dia após dia, à esperança ao paciente e aos familiares.

Dados divulgados pela Abto (As-sociação Brasileira de Transplantes de Órgãos) indicam que no ano de 2011, entre janeiro a dezembro, foram do-ados 6.839 órgãos, sendo que 1.748 eram de pacientes vivos e 5.091 de mortos. As doações variam entre co-ração, fígado, pâncreas/rim, córneas, intestino, pulmão, pâncreas isolado, ossos, pele e medula óssea. Ainda no ano de 2011, o órgão mais doado foi o rim que totalizou 4.957, por último o pulmão com 49 doações, e o único

Procura-seDOADORES

A FALTA DE ÓRGÃOS PARA DOAÇÃO PREOCUPA A CLASSE MÉDICA PELA FILA DE ESPERA QUE SE FORMA NOS HOSPITAIS

órgão que não houve nenhuma doação, foi o intestino.

No ano de 2012, de janeiro a se-tembro, até o terceiro trimestre foram registrados pela Abto 5.661 transplan-tes de órgãos sólidos e tecidos. Os pacientes que doaram órgãos vivos somam 1.185, já o número de falecidos contabiliza 4.476. O órgão mais doado neste ano foi o rim com 4.086 doações, sendo que o pâncreas ficou em último lugar com 29 doações.

A associação notificou no site da Abto que no mesmo trimestre o nú-mero de potenciais doadores (todo paciente em morte encefálica) chega a 1.943 pessoas, houve diminuição de 22% em relação a 2011, já o número de doadores efetivos (doador viável que é comunicado a central de trans-plantes) e doadores cujos órgãos foram transplantados, diminuíram 25% do ano de 2011 chegando a 591 pacientes. Porém, a falta de pessoas dispostas a

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doar órgãos é notável diante da fila de espera. No estado de São Paulo, 8.823 pessoas aguardam por um rim, 693 por fígado, 87 por coração, 94 por pulmão, 11 por pâncreas isolado, 395 por pâncreas/rim e 272 por córneas, o que contabiliza 10.375 pacientes, sen-do que as doações até outubro de 2012 chegaram a 5.661 em todo o estado.

No Hospital dos Fornecedores de Cana, em Piracicaba, a falta de doado-res é “gritante”, segundo a enfermeira da Comissão Intrahospitalar de Doa-ção de Tecidos para Transplantes Ivone dos Santos. As últimas doações ocorre-ram em 2010 com apenas quatro casos, entre pâncreas/rim, fígado, pulmão e córneas. Porém, até outubro de 2012 não houve mais doação no hospital: so-mente entrevistas com as famílias por parte da comissão e dois transplantes, um de coração e outro renal.

De acordo com Ivone, há um grande número de pessoas que têm informações sobre a doação de órgão e, mesmo assim, não aceitam doar. “A maior dificuldade é a falta de comunicação em casa, de falar em doação abertamente. Muitas famílias têm receio de autorizar a doação por não saber como vai ficar o corpo, a estrutura em si, após os órgãos serem retirados”, conta a enfermeira.

Para Renato Foresto, presidente da Liga Acadêmica de Transplante da Escola Paulista de Medicina, é mais fácil conseguir a autorização da família quando a pessoa pede para que seus

órgãos sejam doados após a morte. “Eles encaram este ato como uma últi-ma homenagem ao ente falecido,” cita.

O trabalho da equipe de captação de órgãos é exatamente conseguir doa-dores. Por se tratar de um assunto deli-cado, é preciso ter cautela na conversa com as famílias. “Conversamos para saber a história, depois falamos sobre a questão da doação de órgão”, explica a enfermeira Ivone. Segundo ela, normal-mente quando é diagnosticada a morte encefálica de um paciente, é feito o acompanhamento com a família para entrar no assunto de doação. “Já existe uma relação próxima do serviço social até chegar à equipe de captação de ór-gão, pois se trata de um momento de perda. É um assunto delicado”, explica.

Após a autorização, de acordo com Foresto, existem exames clínicos que estabelecem se o órgão do doador está funcionando bem ou não, mas também é importante a avaliação da sua viabi-lidade pelo cirurgião no momento da captação. Após a retirada, o tempo de isquemia fria do órgão (tempo de viabilidade do órgão fora do corpo) varia: dois anos para ossos, 14 dias para córnea, 48h para rins, 12h para fígado e 4h para coração.

Esse tempo corresponde, em mé-dia, o tempo que os órgãos podem ser armazenados. A maior dificuldade é a taxa de notificação dos casos de morte encefálica pelos médicos, a segunda é a negativa familiar para a doação.

Para quem já necessitou de doação

de órgão, o valor desta ação é maior. Leisa Aguiar, mestranda em fisiopato-logia médica, relata que sempre foi a favor da doação de órgãos por ser da área da saúde e acreditar no potencial dos médicos envolvidos nos transplan-tes. Mas há dez anos acompanhou de perto a luta do pai, portador de cirrose hepática criptogênica, pelo transplante de fígado. Ele foi operado, em agosto de 2012, após uma série de testes de compatibilidade e seis anos de fila de transplante nacional, que classifica os pacientes de acordo com a gravidade de cada caso. “Esse ano, a doença do meu pai agravou bastante e ele foi internado várias vezes por conta de infecções por repetição e acúmulo de líquido abdomi-nal. Por isso, finalmente ele conseguiu operar.”, explica a fisiopatologia.

De acordo com ela, o transplante de seu pai mexeu com seu psicológico. “Fiquei extremamente emotiva e quando percebi que o resultado havia sido satis-fatório tinha vontade de abraçar as pes-soas, contar toda a história do meu pai e agradecer a todos”. Pela necessidade de seu pai, Leisa passou a conhecer de perto a dificuldade de se conseguir um órgão, passar meses na fila de espera correndo o risco de não resistir ou mesmo não saber se o órgão que será transplanta-do será aceito pelo organismo. “Hoje, digo com todas as letras que, quando eu morrer, quero doar todos os órgãos que forem possíveis. Acredito que uma parte de mim continuará viva de alguma maneira”, acrescenta.

Daniela Martini é agente de tu-rismo e passou por uma experiência séria. Propôs-se a doar 60% do fígado para salvar o pai também com cirrose hepática. “Foi um período difícil, de muita expectativa. Foram sete meses de exames que eu tive que fazer pra-ticamente todos os dias”, relata. Para ela, a emoção de receber a aprovação do hospital para o transplante teve uma mistura de nervosismo com felicidade.

Mesmo sabendo das restrições que seu organismo teria no pós-transplante durante um ano aproximadamente, Da-niela diz que se sentiu a filha mais feliz do mundo ao saber que seu órgão foi aceito pelo corpo de seu pai. “Eu sabia das restrições, mas tudo que eu queria era salvar a vida do meu pai”, frisa.

A decisão de se tornar doadora fez Daniela Martini salvar a vida de seu pai Lucio Carlos Martini

Arquivo pessoal

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ARTIGO

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Bianca a. Brandao martins

[email protected]

Ditos especialistas populacionais dizem que faço parte da geração saúde, concebida entre o final da década de 70 e princípios de 80. Uma geração

que viveu parte da ditadura, grande parte dos períodos inflacionários que criaram a maior divida interna e exter-na jamais vista no país e a falta de alimentos nos super-mercados consequência da baixa produção agropecuária nacional. A situação era grave e não importava a classe social, todo o país sofria de baixa oferta de alimentos.

Na mesma época, éramos apresentados na escola aos conceitos da migração interna brasileira. Nordestinos, que não tinham como sobreviver em ambientes tão ári-dos, vinham de pau de arara, arrastando seus castigados pés descalços nas estradas brasileiras para viver o milagre do pão e da vida nos estados mais desenvolvidos do Bra-sil. Eles buscavam mudar o rumo de suas sofridas vidas.

Com o tempo, escolhi ingressar na carreira de Zootec-nista, uma ciência básica da produção animal e participar ativamente de uma das maiores revoluções do agronegócio mundial. Hoje, juntamente com a exportação de minério de ferro e petróleo, os commodities como o complexo de soja e carnes, açúcar e café, representam exatos 47,1% do PIB nacional.

Quando em 1994, o governo de Fernando Henrique Cardoso endossou que o plano real estaria totalmente atrelado ao preço do frango, foi declarado oficialmente que sairíamos do buraco negro para nos transformar num pais essencialmente caipira. Esta declaração de que o Brasil cresceria baseado na produção de alimentos, foi um tapa de enxada na cara dos políticos mundiais que diziam que um país somente cresceria baseado na sua produção industrial. Há correlação estatística linear entre produção rural e produção industrial, pois não existe tecido sem algodão, não existe sabonete sem gordura animal e leite vem do úbere da vaca e não da caixinha UHT.

O grande salto da agropecuária brasileira também veio de dentro do coração. Culturalmente, o brasileiro apresenta duas características intrínsecas: o otimismo e a capacidade de ajudar ao próximo. Uma vez compreen-didas sua essência, o produtor rural agregou este valor ao seu produto, inserindo inconscientemente os três pilares principais da sustentabilidade na produção rural:

Brasil, um país de alma sustentávela economia, o ambiente e o ciclo do desenvolvimento social. E o mais bonito é que foi de forma natural.

Enquanto os europeus ainda discutem em como sustentar sua produção, nosso país orgulhosamente produz carne de frango consorciada com plantação de eucalipto, em sistemas de integração entre governo, em-presário e produtores rurais. O Centro Oeste brasileiro foi pioneiro no mundo em preservação de terras agricul-táveis. Disseram não ao modelo americano de plantio convencional, onde se aplicavam inseticidas, fungicidas, bactericidas no solo até que ele se tornasse estéril sob o ponto de vista de ecossistema, e desenvolveram o plantio direto, preservando o que a terra tem de melhor para oferecer. Com esta tecnologia 100% brasileira, estamos posicionados entre os melhores produtores de milho e soja do mundo, com 70% menos aplicação de defensi-vos agrícolas. A região nordeste aprendeu que também usando as ferramentas corretas, produzia frutas mais doces. Tornaram-se os maiores exportadores de frutas tropicais do mundo e a nova fronteira agropecuária de nosso país.

A FAO é rigorosa ao afirmar que seremos nove bilhões de pessoas em 2050 que necessitam comer e que a terra agricultável terá um alto valor econômico. Crescemos a proporções de quatro novos habitantes por segundo, e dobrar a fonte disponível de energia e alimentos é um objetivo essencial para o agronegócio. Acredita-se que a tecnologia será responsável por pelo menos 70% deste crescimento orgânico, e a sustenta-bilidade deverá estar inserida em cada novo projeto, tornando os ciclos econômicos mais sadios, o ambiente mais preservado e a sociedade mais produtiva.

Por fim, hoje já não leio mais noticias do êxodo rural. Viajando pelo Brasil, sou recebida de portas abertas por famílias inteiras que decidiram ficar aonde nasceram. Servem-me, na maioria das vezes, um delicioso bolo de fubá e um café bem quentinho. O sorriso estampado aca-lenta meu coração, em saber que seus filhos terão raízes definitivas na terra amada e de que estamos fazendo o que sempre deveríamos ter feito desde o principio, sem importar conceitos internacionais, respeitando a nossa essência brasileira de amar nossa terra, como amamos a nós mesmos.

* Formada em Zootecnia pela Universidade Estadual Paulista, com mestrado em Nutrição Animal pela USP e MBA em Agronegócio pela FGV-EASP, Bianca trabalha hoje como Gerente Técnica especialista em nutrição e produção de aves para o México na Alltech, uma empresa de saúde animal que oferece soluções nutricionais naturais para a indústria de alimentação animal.

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