Páginas de vida ( 2006)

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1 Páginas de vida UNABEM - Universidade da Maturidade. Ano 2006

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Páginas de vida

UNABEM - Universidade da Maturidade.

Ano 2006

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Resgatar memórias pessoais é mergulhar na lembrança buscando tesouros

escondidos no coração. Inúmeras recordações emergem deste mergulho, muitas

experiências felizes e carregadas de emoção.

As aulas de resgate da memória pessoal têm por objetivo básico valorizar as

experiências de vida e identidades, treinar e exercitar o cérebro em atividades

intelectuais e estimular células cerebrais em desuso. É principalmente, um momento

em que se pode pensar livremente sobre o passado. É o momento de deixar vir a

tona o que se quer lembrar ou esquecer, saboreando com outros olhos tudo o que foi

vivido, depois compartilhar com o grupo as experiências vividas ou guardá-las no

coração. Foram assim as nossas aulas, verdadeiras aulas de vida. Pudemos

acolher depoimentos emocionados e emocionantes , relatos de infâncias felizes, de

brincadeiras que não existem mais, detalhadamente contadas porque estavam

preservadas na memória. Lembranças da escola de antigamente, de fatos inusitados

que aconteceram na cidade, de pessoas comuns e de ilustres, de relacionamentos

duradouros e efêmeros, de vida e de morte.

Foi lançado, a partir dos relatos, um desafio: colocar no papel o que era só

fala, pois as palavras se perdem ao vento, o escrito permanece resgatado e

valorizado. Foi surpresa ver a criação de cada um destes textos. No início,

timidamente, alguns se aventuraram pelas palavras escritas. Eram lidas e aplaudidas

e cada um queria uma cópia. Outros resolveram aceitar o desafio e assim a idéia foi

contagiando a todos.

Então, do mergulho que todos queriam preservar surgiu a idéia de formatar

um caderno para que as lembranças fossem definitivamente apoderadas e

preservadas por cada um e pelo grupo. Assim, está concretizada a memória pessoal

através deste tesouro especial para os que dele participaram e também para a

UNABEM.

Agora é só mergulhar nas histórias e emergir para uma nova vida.

Leila Maria S.O.Pádua Andrade

FESP/UEMG/UNABEM/ 2006

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Textos:

A Escola do meu tempo.

A família Suhadolnik: da Áustria para o Sul de Minas.

A grande e divertida promessa.

Adolescer: namoro noivado e casamento.

As roupas que eu usava.

Assunto de criança.

Aventuras de Catarina.

Brincadeira de criança em Itaú de Minas.

Brincadeiras de outro tempo.

Brincar o carnaval.

Caçadas: um cachorro chamado Macaco.

Chá de infância.

Coisas de criança.

Confraternização na UNABEM.

Divino.

Feliz infância.

Férias animadas de verão.

Férias em Cássia.

Infância feliz.

Lembranças da escola primária.

Marleine.

Memoriando o carnaval.

Minha infância em Muzambinho.

Minha vida cantando.

Namoro e casamento.

Paquera séria.

Perto da estrada de ferro da Mogiana.

Pracinhas passenses.

Presente.

Quem somos?

Saudade com sabor de Coca-cola.

Semana Santa daquele tempo.

Tardes de sábado em família.

Terninho de casimira.

Visita de pessoas ilustres.

Minha vida

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A Escola do meu tempo

Texto de Yara Oliveira Pereira

Era uma casa grande, muito grande. Tinha janelas

enormes e uma porta imensa de entrada. O nome da

escola também era muito grande e difícil de

escrever. Demorava-se um bom tempo para

escrever o cabeçalho. Não me lembro bem da

ordem, mas sei que tinha o nome completo do aluno,

da escola e também da professora. Era uma ficha de

cartolina de uns 30 cm de comprimento por 5 cm

de largura, branca, rosa ou amarelo clarinho, onde

ficava escrito o cabeçalho e todos os dias tinha

que copiá-lo no caderno de “Para Casa”.Era tão lindo o meu caderninho! “Para Casa” e

uma “casinha” no canto direito da mesma. Todos os dias.

Era, para mim, uma satisfação imensa fazer o dever de casa, mas uma noite

sonhei que precisava escrever uma letra A muito grande, do tamanho da rua e

acordei chamando por mamãe para me ajudar dizendo que o A é muito grande e eu

não estava dando conta. Lembro-me como se fosse hoje! Ah! Se todos os “AS”

fossem assim! Era só dormir novamente e tudo ficaria resolvido...

Lembro-me de que as salas eram mistas e assentávamos dois a dois. As

carteiras eram de madeira escura e ferro. Eu as achava bonitas. O banquinho se

inclinava para que a gente pudesse passar. Tinha uma parte inferior, aberta, para se

colocar os objetos. No tampo da mesa tinha uma marca mais funda para apoiar o

lápis, a borracha e até um lixinho, para colocar os restos do apontador, que era

recolhido no final das aulas.

Nas salas, as carteiras ficavam corretamente alinhadas, os uniformes eram

impecáveis. Já os cadernos eram encapados e sem orelhas. Na mesa da professora

havia sempre uma jarrinha e uma flor. Na parede, um enorme quadro dependurado.

Eu tive colegas como Hélio Negrão, José Nicodemos e Ângela Calixto.

Éramos inseparáveis. Assentávamos e estudávamos juntos, sempre. Ângela era

loirinha e usava óculos redondinhos.

Certo dia, quando estávamos no recreio, fomos empurradas da escada por

José Nicodemos, um menino gordo e chato. Eu arranquei os óculos da Ângela

imediatamente, para que ela não se machucasse muito. Caímos escada abaixo e

fomos parar na diretoria. Certamente, brigamos com José Nicodemos. A diretora

era uma fera! Uma fera boa, mas morríamos de medo dela!

Quando ela aparecia no corredor, vestida de preto, pois era viúva do noivo, a

fila para a “casinha” ou o “bebedouro” ficava tão reta que mais parecia uma margem

riscada à régua no chão. O medo e o respeito se misturavam. Às vezes, D. França

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me abraçava para saber notícias de mamãe, que também era professora e eu não via

a hora que ela me soltasse para voltar às pressas, à sala de aula, tremendo...

A professora falava, os alunos ouviam e quando se fazia necessário falar, era

levantar o braço e ficar esperando a vez.

Quase na hora do recreio passava uma servente, com um caderninho,

anotando os nomes dos alunos da Caixa Escolar. Eu e outros pagávamos cinqüenta

centavos para estar sempre entre eles saboreando a deliciosa sopa de fubá doce e

de sal da bondosa D. Júlia.

A minha boca enche de saliva ao lembrar daquele sabor inesquecível. Quanta

saudade! Ai se o tempo pudesse voltar e trazer de volta as delícias da infância! Que

saudade!

Hoje, estamos juntas, novamente, Ângela e eu na mesma sala da UNABEM.

Colégio Imaculada Conceição - CIC

Lá passei quase a metade de minha vida. Entrei criança e sai mulher, com uma

fé firme e pés no chão. Amante de Jesus Eucarístico e devota de Maria Santíssima.

Tive professoras “Irmãs” dedicadíssimas, exigentes e amigas. Fiz dessa

escola meu segundo lar. Fiz amigas para uma vida inteira!

Aos 15 anos de idade cursava o 1º ano normal e fiquei noiva. No meu noivado,

estava a sala toda participando. Terminando o 3º normal me casei, em maio de 1965.

Fui a primeira a me casar e a sala toda participou de minha felicidade. Somos

amigas até hoje e tenho duas comadres que saíram das salas de aula: Josefina

Minchillo e Ângela Calixto.

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A família Suhadolnik: da Áustria para o Sul de Minas.

Texto de Maria José Suhadolnik de Oliveira

Meu avô, José Suhadolnik, pai do meu pai, era alfaiate casado com

Francisca Kapreuk. Ficou viúvo com seis filhos: duas mulheres e quatro

homens: Maria, Cristina, Rodolfo, José, Carlos e Valery.

Antes de estourar a Primeira Guerra Mundial, a vida na Europa

estava muito difícil e muitas famílias decidiram migrar para as Américas.

Meu avô casou-se com uma senhora viúva que também tinha filhos.

Era necessário formar uma família para que pudessem vir para o Brasil.

O nome dela era Inês Furlan. Ela morava no mesmo lugarejo de meu avô,

nos arredores da cidade de Liubliana, hoje capital da Eslovênia e antes

pertencente ao Império Austro-húngaro. Dona Inês tinha cinco filhos:

José, Francisco, André, Maria e Inês. A pequenina Inês tinha apenas um

ano e meu pai contava que , quando estavam atravessando o Atlântico de

navio para vir para o Brasil, ele pageava a pequena para que a madrasta

descansasse.

A mãe de meu pai, Francisca, morreu quando ele tinha 7 anos.

Então, ele foi morar com um casal de tios que não tinha filhos. Quando o

pai veio para o Brasil ele deixou o casal para vir junto. Ele estava com 16

anos e chamava-se Carlos Suhadolnik. Pai e filho chegaram em 1910, no

Porto de Santos, de onde foram para as fazendas de café em Jaboticabal

e São José do Rio Pardo.

O pai, que era alfaiate, trouxe as máquinas e logo montou, com o

filho Rodolfo, uma alfaiataria. Meu pai não quis aprender o ofício e foi

trabalhar nas lavouras de café na região de Guaxupé. Mudou-se depois de

Guaxupé para São Sebastião do Paraíso, onde começou a trabalhar em um

Curtume como curtidor de couro. Sabendo que aqui em Passos tinha um

Curtume veio trabalhar aqui. Em 1923, casou-se com Carmela de Pádua

Tozzi, filha de um imigrante italiano.

Em 1925, fundou com o seu sogro, Fortunato Tozzi, o Curtume

Santa Isabel com uma sapataria anexa que fabricava botinas de goma e

sapatos leves de mulher.

Foi um dos fundadores da Liga Operária e da ACIP.

Meu pai morreu em 14 de outubro de 1967 deixando a mulher e

sete filhos: Nair, Isabel, Maria José, Franz, Rodolfo, Carlos e Wagner.

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A grande e divertida promessa

Texto de Cliseide Costa

“ Se faz promessa, tem que cumprir”. Isso foi o que sempre ouvimos ou que

se ouvia antigamente.Prometer não é obrigado, mas se for prometido deve ser

cumprido.

Assim, aconteceu com uma linda menina de cabelos encaracolados, iguais aos

de um anjo, há algum tempo, na cidade de Barão de Cocais. A cidade tem como

padroeiro São João Batista, primo de Jesus Cristo, que também tinha os cabelos

encaracolados.

Os pais desta criança, muito devotos deste grande santo fizeram uma

promessa de vestir sua linda menina com uma roupa igual a de São João

Batista.Na promessa, o anjinho deveria vestir roupas feitas com pele de

carneiro, como também carregar a cruz e o carneirinho de forma que em

tudo lembrasse a estampa.A menina deveria, depois de estar

caracterizada, acompanhar a procissão no dia da Festa do Padroeiro.

Tudo estava bem planejado, além do anjinho estar lindo e feliz.

Assim como as crianças de hoje, as de antigamente também

faziam peraltices.

No meio da procissão, quando os devotos rezavam fervorosamente

o nosso “anjinho”, montou na cruz que carregava como um dos símbolos da

promessa e saiu num grande galope dando margens a sua fantasia e a sua

imaginação, pensando estar montado num cavalo.

Foi um Deus nos acuda: corre papai, corre mamãe em busca do anjo

montado numa cruz.

E o povo olhava uns rezando outros querendo rir, enquanto São

João Batista galopava em plena procissão

A devoção passou a ter a graça na inocência e pureza de uma

criança.

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Adolescer: Memórias de namoro, noivado e casamento.

Texto de Irayde Neves Cardoso

Lembro-me dos anos de minha juventude e de minhas amigas. Morávamos na

Ilha do Governador, no Rio de Janeiro onde nasci e vivi até os 70 anos. Aos

domingos, íamos ao campo de futebol. Era um campinho com a grama muito rala e já

tínhamos nossos jogadores preferidos.

Aos sábados, íamos dançar no salão da União Futebol Clube. Quase toda

semana tinha um aniversário com festinha e lá estavam os nossos paqueras, aliás,

naquele tempo não se usava esta palavra: paquera.

Era um tempo bom que gosto de recordar...

Nos anos 40, época da minha adolescência, a menstruação para nós meninas

era um tabu. Minha mãe nunca me falava sobre este ou outros assuntos. Aprendi na

escola. Quando aconteceu minha primeira menstruação fingi que não sabia de nada.

Namorar era proibido, meus pais eram muito rígidos. Mesmo assim tive meu

primeiro namorado com quatorze anos. Ele era marinheiro e eu não sabia se gostava

dele ou da farda, que eu achava o máximo, muito linda! Quando ele vinha com aquela

farda branquinha e aquele boné ficava toda prosa e, minhas colegas ficavam com

inveja.Depois, ele foi embora para o Maranhão e nunca mais o vi.

As moças casavam muito novas e nossos sonhos eram: casar, ter filhos, cuidar

da casa. Foi o que aconteceu comigo. Casei com vinte anos, tive dois filhos que são

uma benção na minha vida e tenho duas netas que amo demais.

Vivi quarenta e nove anos com meu marido, até que Deus o levou...

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As roupas que eu usava.

Texto de Vanderli Martins Formágio

Minhas roupas eram feitas por costureiras, pois praticamente não havia loja

de confecções na cidade, eu mesma comprava os tecidos e inventava os modelos.

As saias e os vestidos eram todos bem curtos e eu achava que ficavam muito

bem em mim, pois modéstia à parte, tinha pernas bonitas. Na época, era raro uma

moça que usava mini-saia e eu era uma delas.

Quando meu pai cismava com o comprimento de minha roupa, ele dizia:

- Com esta roupa você não sai!

Então eu colocava outra e ele dizia a mesma coisa. Mesmo assim acabava

saindo, pois todas eram do mesmo comprimento.

Tive um macacão de renda azul forrado de cetim que fazia o maior sucesso!

O modelo era simples, tinha apenas um zíper na frente e o decote em V.

Às vezes, eu mesma, fazia os chamados tubinhos, que eram vestidos justos,

todos de alcinha, ou seja , decotados. Fazia também as pantalonas que, na época,

eram muito usadas.

Não me lembro de comprar nenhuma roupa pronta, a não ser agasalhos. Estes

eram comprados na loja do Ali ou na Casa Pimenta: a loja mais chique da cidade.

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Assunto de criança

Texto de Eda Figueiredo.

Nos assuntos dos adultos, criança não participava. Quando tinha visita em

casa, logo mamãe falava: vai brincar, criança não pode ouvir esses assuntos ou, isso

não é coisa de criança, vai pra lá. Às vezes, quando os pais eram mais severos,só de

olhar a criança já ia saindo. O interessante é que quando contamos esses fatos, não

há tristeza ou traumas por esse modo de ser dos nossos pais. A criançada aceitava

a ordem e ia fazer o que mais gostava: brincar.

As histórias mais ouvidas eram as dos contos de fadas. Mamãe as contava

incansavelmente até que eu dormisse. Eu me lembro da Rapunzel com um tal criado

mudo que eu imaginava ser uma pessoa, mas era um criadinho de quarto que as

moças tinham.

Mamãe inventava algumas também e no outro dia quando ia contar novamente,

pulava uns pedaços e eu falava: não era desse jeito, ontem a senhora contou assim,

e me despertava mais ainda, para desespero dela.

Os Natais eram mágicos, fantasiosos. Havia uma magia no ar...

Mamãe nos fazia crer que o Papai Noel descia numa longa escada. A cada dia

do mês, ele descia um degrau. E eu ficava imaginando os degraus cobertos por

nuvens, vindos lá do céu. No dia 24, era o último degrau, o dia da chegada, o grande

dia. Em meio a tudo isso, era montado, na sala, um enorme presépio de onde os reis

magos vinham também andando conforme ia chegando o dia do nascimento do

Menino Jesus.

A árvore de Natal era de cipreste, enorme exalando aquele cheirinho típico

misturado com o do doce de figo e pêssego. Tudo para esperar a visita do Papai

Noel. E eu, iludida, achava que era ele mesmo que trazia os presentes. Quando

fiquei sabendo a verdade sobre papai Noel, meu mundo de ilusão desmoronou. Eu

chorava por terem me tirado todo aquele encantamento. Depois, percebi que tudo

que recebi, era muito mais que presentes.

O mais importante é que ficaria marcado para sempre...

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Aventuras de Catharina

Texto de Catharina Lemos

Nas terras de Vargedo vivíamos alegremente em meio à natureza. Nossa

distração era brincar no riacho, pular suas pedras, pescar, correr e brincar o dia

todo.

Sempre que vínhamos à cidade ficavámos na casa de minha tia Noêmia

Mezêncio, na rua do Colégio.Lá também tinha um enorme quintal com suas frondosas

árvores.E estando na cidade, o melhor programa era mesmo ir ao cinema. Aos

domingos, depois de ter ido à missa, podíamos ir ao cinema.

Fui um dia num filme onde o mocinho pulou de um pára-quedas enorme. Não

deu outra, cheguei em casa fui logo arrumar o meu pára-quedas.Subi num pé de

laranja, esquecida de seus enormes espinhos abri a sombrinha e vupt... Lá fui eu

toda arranhada parar no chão dando por encerrada a minha atividade de pára-

quedista.

De ir ao cinema não abri mão. Sempre que estava aqui na cidade era o meu

programa predileto. O cinema funcionava na Praça da Matriz onde hoje funciona o

banco CrediACIP. Mamãe me arrumou com o meu mais lindo e engomado vestido e,

bem no alto da cabeça, erguia-se um armado laço. Chegando ao cinema, com as mãos

cheias de balas Chita, sentei-me esperando ansiosa pelo filme.

Quando o faroeste começou e o tiroteio com seu barulho medonho, assustei

tanto que entrei debaixo das cadeiras amassando o vestido e, principalmente, o

laço. Chorava tão alto que precisaram acender a luz, parar o filme e quando

conseguiram me tirar de lá minha roupa estava toda murcha e, o laço. Ai o laço,

ficou lá!

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Brincadeira de Criança em Itaú de Minas

Texto de Creuza Mattar

Ser criança é ser feliz, é viver descompromissada com

as coisas sérias da vida.

Ser criança é brincar com a vida. É guardar na

lembrança as brincadeiras. Revivê-las de vez em quando, nos

faz muito bem.

Às vezes, me pego rindo sozinha quando me vem

na memória as loucuras que a gente fazia. Éramos uma turma bem grande de

meninos e meninas brincando e correndo. Brincávamos de roda, pique de esconder,

passa anel, teatro. Cada dia a gente inventava alguma brincadeira diferente.

Eu vivi a maior parte da minha infância em Itaú de Minas. Como todos sabem

é uma cidade pequena até hoje. Imaginem naquele tempo: só tinha três ruas. As

coisas que tinham lá como parquinho, piscina, uma praça grande com um cruzeiro

pareciam que eram feitas só para nós.

Minhas irmãs e eu tivemos uma infância inesquecível!

À noite, tínhamos um sério problema porque nossa rua só tinha quatro postes

de luz e era uma disputa feia, pois só podiam ficar debaixo do poste quatro

crianças para ler gibis, revistinhas policiais, almanaque com historinhas. Então, quem

chegava primeiro fazia um circulo com carvão ao redor do poste e escrevia os

nomes de quem ia ficar ali.

O mais interessante é que ninguém desrespeitava o território do outro. O

dinheiro era muito curto e dificilmente a gente tinha uma revistinha ou livro novo

de história. Só quando alguém viajava e trazia pra nós. Mas para não ficar sempre

com os mesmos nós trocávamos uns com os outros. E, assim passamos a nossa

infância vivendo como se o mundo fosse só nosso. Quando terminava a brincadeira,

cada um ia para sua casa já com o compromisso de nos encontrarmos no dia

seguinte, no mesmo horário.

Depois que entrávamos em casa bem devagarinho, com medo de acordar a

mamãe, todos se juntavam na cozinha para lavar os pés num bacião enorme e ai de

quem não lavasse os pés para dormir.No dia seguinte, além de tomar uns bons tapas

ainda ficava de castigo sem brincar, no dia seguinte.

Com sinceridade, lembro-me com muita saudade deste tempo. Acho um

pecado uma criança passar por esta fase tão linda da vida, sem ter a chance de

brincar na enxurrada, sem subir numa árvore ou socorrer um filhote de passarinho

após uma forte chuva, aquecê-lo no calor do fogo e, em seguida, vê-lo voando de

volta para a vida. Tudo isso é muito lindo e marca muito a vida de uma criança.

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Brincadeiras de outro tempo...

Texto de Irayde Neves Cardoso

Quando eu era criança contentava com muito pouco. As bonecas eram de

pano feitas em casa pela minha avó, uma senhora muito habilidosa.

Eu gostava muito de jogar Três Marias; um joguinho de pedrinhas que

apanhávamos na praia: eram lisinhas e não machucavam os dedos. Também

brincávamos de anel. Passava o anel de mão em mão e tínhamos que adivinhar com

quem estava o anel.

Eram tantas as brincadeiras! Hoje não vejo nenhuma criança brincar como

antigamente. Agora só gostam de brinquedos eletrônicos. Esses brinquedos

modernos são ótimos, mas não têm a ingenuidade de antigamente, como aqueles que

brincávamos...

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Brincar o carnaval

Texto de Maria de Lourdes Pádua Machado Brandão

Carreguei, na minha infância e adolescência, uma carga repressiva sobre o

conceito de carnaval tanto de cunho familiar como de religioso: de um lado meu pai

premiava aquele que manifestasse vontade contrária de “ brincar” no carnaval como

se dizia naquela época.Do outro, as severas represálias de nosso pároco.

Mais tarde, já adulta, idéias reformuladas, porém pessoalmente contidas,

procurei passar aos filhos o lado saudável da folia confeccionando fantasias,

simplesmente com o objetivo de participar das alegrias dessa maior festa popular.

É uma feliz lembrança focar a união que reinava durante os preparativos:

desde as crianças até as empregadas, cada um dava sua parcela de contribuição

empunhando uma agulha para pregar os últimos paetês...

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Caçadas: um cachorro chamado Macaco

Texto de Yara Oliveira oficina feita com as alunas Vitória, Vanderli e

Catarina

Caçador que é caçador tem sempre uma história para

contar e um cachorro perdigueiro para caçar.

Em casa, cachorro é tratado e educado como um

membro da família. Ele é obediente ao dono, educado e

agradável só com os de dentro, porque para os de fora

ele não passa de um cachorro comum: late, incomoda,

suja. É um cachorro qualquer.

Por isso, me lembrei da história de um

cachorro que se chamava Macaco, isso porque era

muito peralta. Seu dono, um exímio caçador, o amava

muito. Os filhos e a família também. Mas o vizinho...

Ah! O vizinho!!! Ele não aquentava mais o latido do

cãozinho. Cãozinho? Que nada! Era um senhor

perdigueiro, de manchas amarronzadas e que sabia

mais que nenhum outro cão armar a cauda para

indicar a caça.

Um dia, o bondoso vizinho e amigo da família fez para o tal Macaco um “bolo

de carne envenenada”, que o coitado comeu rápido e se pôs a vomitar sem parar.

O caçador amigo, amante e dono do animal, resolveu fazer-lhe um lavagem

intestinal a sua moda. Naquele tempo nem se falava em clínica para animais...

O dono não pensou duas vezes: enroscou na torneira do tanque a borracha

d’água e abriu ao máximo tanto a torneira quanto a boca do cachorro que já estava

meio desfalecido. Colocou o cachorro de pé com ajuda de um amigo e de suas filhas

que seguraravam o rabo do cachorro para o alto. Com toda vontade que tinha de ver

o cachorro salvo, introduziu-lhe na boca aberta o jato da água que passava direto

do estômago para o intestino e do intestino para o rabo do cachorro. Pobre cão

lavado...

Parecia mágica! A água entrava e saia, Fazia um grande sucesso. As meninas

molhadinhas seguravam com grande esforço o rabo do cachorro que ficara muito

pesado. A água entrava e saia até que não restou mais vestígio do veneno e o cão

exausto, deitou-se para descansar a fim de dormir o sono dos justos e só acordar

no dia seguinte para surpresa dos vizinhos com o seu sonoro au... au... au....

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Chá de Infância

Texto de Yara de Oliveira Pereira e Eda Oliveira Figueiredo

No livro O velho que acordou o menino de Rubens Alves “ Jesus menino

cansou do céu e veio viver aqui na terra. Fugiu no primeiro raio de sol” e desceu

brincando num escorregador de luz. Colocou seus pezinhos no chão e saiu à procura

de amigos. Ele queria brincar.

Não precisou esperar muito porque logo ouviu o som de alegres risadinhas.

Escondeu-se entre as flores do campo para observar a meninada, Não durou muito e

foi pego de surpresa: Pique – peguei! Ele está aqui! E de mãos dadas saíram sorrindo,

cantando várias cantigas de roda: Fui no Itororó, Ciranda Cirandinha, Terezinha

de Jesus e outras com a inocência das crianças.

De repente, uma linda pipa coloriu o céu e a brincadeira se diversificou: os

meninos foram jogar bola, andar de perna de pau, cavalinho com cabo de

vassoura, jogar peteca e botão, fingiam de soldadinhos de chumbo.Enquanto uns

disputavam bolinha de gude e pião, outros brincavam de fazendinha.

As meninas tal qual mocinhas, reuniam-se num outro canto para brincar de

casinha. Cada uma com sua boneca como filha, dizia para ficarem quietinhas que a

mamãe ia arrumar a casa, que ficava montada debaixo da sombra de uma grande

mangueira. Iam separando os cômodos com pedras e pauzinhos e montando a

cozinha com fogãozinho de lenha, comidinha nas panelas feitas de argila. O quarto,

com as caminhas, a sala com sofá de tijolos e flores, o dinheiro era folha de árvore.

Os animais, feitos de frutos que caiam das árvores, tinham como pernas gravetos

ou espinhos de laranjeira.

Caiu a tarde e Jesus Menino precisava voltar para casa, porque sua mãe

Maria havia marcado a hora e Jesus era obediente.

As crianças se juntaram para fazer uma grande lista dos brinquedos e Jesus

menino continuou as brincadeiras lá no céu.

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Coisas de Criança

Texto de Sebastião Wenceslau Borges

“Criança feliz que vive a cantar...”

Vendo meu neto brincar com seus carrinhos e brinquedos eletrônicos, nesta

era dos vídeo-games, computadores, dvds e de tudo que se possa imaginar, encostei

a cabeça no sofá e fiz uma viagem no tempo da minha infância.Viajei descalço,

correndo pelas ruas de chão batido. Voltei ao mesmo lugar de quando era criança e

percebi que o propósito da vida de toda criança é o brinquedo.

Para criança, basta pouca coisa como brincar de pique , empinar pipa, brincar

de água e outras coisas são razões para viver sorrindo. Para elas, tem sentido aquilo

que entra pelos olhos, pelo ouvido, nariz e boca. Para as crianças não tem rezas,

terços ou orações. Elas não são curiosas com as coisas de Deus por estar em paz

com Ele.

Nós, adultos, precisamos deixar de sermos sérios por um dia, desabotoar o

colarinho, vestir um short, deixar a voz mandante, tentar jogar pião, correr pela

rua empinando pipa, rir com a molecada, jogar bolinha de gude na toca, deixar um

pouco o trabalho, voltar a brincar e reaprender a fazer nossos brinquedos. Quem

não sabe brincar e fazer os seus brinquedos nunca foi criança.

Vamos criar na imaginação, junto com os netos e fazer bois de sabugos de

milho, os carros de lata de sardinha, telefone de barbante e caixinha de fósforo,

ensinar como se fazia uma forquilha para estilingue ou contar para eles como era

fazer uma viagem de Maria fumaça. Era gostoso ver o trem percorrer os trilhos da

estrada de ferro e encostar na plataforma das saudosas estações.

Vamos, por um dia, ainda nos sentir meninos, soprar bolhas de sabão, chupar

fruta, lambuzar a boca e limpar com o dorso da mão e contar, para os netos, as

histórias que, sentados, caladinhos, ouvíamos quando criança.

O adulto passa a ser carrancudo quando perde a graça e a leveza brincalhona

de uma criança, mas quando se descobre outra vez criança, o corpo se torna mais

leve, qualquer coisa provoca sorrisos e faz bem para a alma.

Para fazer tudo isso é necessário voltar a ser criança porque o tempo de

criança é comprido, anda devagar e demora a passar, as férias custam a chegar e o

na velhice os anos passam em dias, semanas...

Então, os adultos, ao lerem este artigo vão dizer: “ Isto é coisa de criança!”

(Para meu neto Alex Junior.)

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Confraternização da UNABEM

Texto de Sebastião Wenceslau Borges

Sábado, pela manhã, com uma teimosa garoa não

querendo parar de cair, professoras e alunos da

UNABEM se reuniram em frente à FESP, e em

vários carros partiram rumo ao sítio da Marlene

Carvalho.

Maria José, à frente, erra o caminho, se

corrige e a viagem segue tranqüila...

Alegria geral na chegada ao vermos

Marlene, Mariinha , Creuza e Ana Busti, com uma

farta mesa de sucos, café e várias quitandas a nos

esperar.

No passeio ao pomar, coube a mim, pelo

meu tamanho, apanhar jabuticabas e ameixas para todos. Em seguida, grande parte

da turma se espalhou pela grande sala para um jogo de buraco! Pelos comentários de

todos Tereza, Vanderli e Julinha foram as campeãs do jogo.

Outros, como eu, Regina, Luzia, Lurdinha,Mariinha, Iraíde, Vitória, Sinforosa

e a filha Dra. Maria Carolina, a convite da Marlene, e em agradecimento àquele dia

especial, seguimos numa caminhada, vendo a natureza e rezando um terço.

Na volta, enquanto Cláudio preparava o churrasco, uma nova mesa nos

aguardava, com direito a enfeites feitos pela Iara, vários comes e bebes, e até

comida síria preparada pela Creuza e várias bebidas.

Veio a cantoria. Na falta da Rosária, Jacira se juntou à Josiane e deram o

recado, acompanhadas por todos, relembrando as músicas dos anos 40 e 50. As

mestras Sílvia e Leila, se misturando aos alunos, cantando as músicas do tempo de

criança da mãe Maria José Suhadolnik. Com as músicas, vieram as lembranças do

tempo que ficou para trás. As Primeiras Comunhões, Monsenhor Messias com seu

jeito de agir e falar, lembranças e causos de nossos pais, avós, dos namoros antigos.

Depois de umas e outras, já exalando o cheiro do churrasco, veio o CD, com

as músicas dos anos 60 e a festa pegou fogo. Todos se esbaldando e mostrando

como se dançava as músicas dos nossos tempos de juventude. Cada uma a seu estilo,

teve escorregão, tombo, dança com a vassoura, acrobacia em cima da mesa, tudo

isso não por causa da cerveja, batida ou do vinho, mas foi pelo espírito de juventude

e animação desta fabulosa turma da UNABEM.

Para dar um tempo às músicas e danças, todos foram para cima de um carro

de boi fazer pose para fotos e houve até uma sessão de piadas. Nas piadas Ana,

Julinha, Regina e Luzia se destacaram, mas quem ganhou o troféu foi Ana Busti.

Silêncio só na hora de servir o churrasco, mesmo assim ainda se ouvia alguma

piada.

Page 19: Páginas de vida ( 2006)

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Foi bom ver a Cliseide cantando, dançando e comendo ao mesmo tempo.

Catarina ficou sentada e dançando as músicas dos anos 60. E a festa rolou até à

tarde, principalmente com a chegada do Jorge com a esposa e da professora

Nádia.

Citar tudo é impossível. Num só dia cantamos, dançamos, comemos, bebemos,

contamos piadas, ouvimos casos e histórias de pessoas com saudosas memórias que

daria para um escrever um livro.

Enfim, obrigado a todos e em especial à Marlene Carvalho e sua família pela

acolhida.

Viva a Marlene! Viva o seu sítio ! Viva todos da UNABEM !

Page 20: Páginas de vida ( 2006)

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Divino

Textos de Regina Célia Machado Andrade

Foi divino gerar minhas filhas. A luz e a graça de Deus veio ao meu

encontro e me fez mãe; um momento de suprema e sublime alegria.

E assim, a cada momento, eu me descobria mãe com o dever de criar

minhas filhas, ainda que mais nada fosse, eu sou mãe, plantei a semente da

vida, isto me bastava.

Se eu viver muitos e muitos anos com certeza não apagarão de minha

memória os três momentos mágicos que vivi. Primeiro quando nasceu

Simone, pequena, frágil e um presente de Deus, depois quando nasceu

Cibele forte e bela, outro presente divino e quando Cyntia veio ao mundo,

trouxe luz e paz para tornar o meu viver ainda mais completo.

Agora, presente divino.

Hoje, na varanda de minha casa, olho o dia se espreguiçar, o

sol a brilhar e a se esconder no céu claro. Fico esperando os

primeiros sinais da noite a surgir.

Ponho-me a lembrar do doce, firme e colorido que foi o meu

existir, o meu viver. Do fascinante trocar dos dias, do tempo, dos

sonhos em realidade, da coragem de buscar, do cair e levantar, das

derrotas e das vitórias.

Hoje, penso em milhas filhas, agora distantes, saindo às pressas

para colocar em prática tudo que ensinei. Tudo que um dia vivi. Agora,

elas estão vivendo, buscando os sonhos e acreditando que podem e vão

realizá-los...

Que bom! Hoje, preciso só daquilo que o amor pode me dar porque

aprendi que doce mesmo é não se importar em fazer loucuras, mas sim

amar e fazer tudo que o coração determinar.

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Feliz Infância.

Texto de Josiane Lemos Calixto Rossi

Tive uma infância cheia de alegrias e brincadeiras. Claro que havia problemas,

mas mamãe preenchia tanto nossa vida com tanto amor e carinho que tudo era

bom...

Minha madrinha me queria tanto que dançava pra eu dormir no colo dela,

enquanto mamãe tocava piano. Quando eu ficava de castigo ela assentava ao meu

lado e ali ficava até eu sair.

Quantas histórias mamãe contava: de fadas, assombração, vida de Jesus,

Papai Noel, princesas. Todas tinham uma lição de vida , de moral e religiosas.Lições

de honestidade. Mentiras, nunca sempre a verdade, custasse o que custasse!

À noite, mamãe sentava-se ao piano, tocava e cantava como ninguém!Papai, às

vezes, acompanhava nossos cantos, mas era desafinado. Era bravo e nervoso por

qualquer coisa, mas como nos amava!

Nas férias, que delícia! Sempre íamos nas fazendas do Tio Silvio e do Sr.

Neca de Barros. Quantas brincadeiras! Por isso sempre digo que tive uma infância

feliz.

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Férias animadas de verão

Texto de Eda Oliveira Figueiredo

Quando o verão era mais ameno, os pais mais severos e os filhos menos

exigentes, todas as férias de verão davam certo. O destino era um só. Na cidade

grande e praiana, os mineiros, como éramos chamados, esbaldavam se.

Na bagagem, muita tranqueira como barraca, isopor, cadeiras de madeira,

tamancos para não queimar os pés na areia e muita, muita animação. Eram poucas as

famílias que tinham “coragem” de sair do meio das montanhas mineiras e

embrenhar-se pelas estradas sem asfalto, até Campinas e pegar a via Anhanguera,

com seus caminhões passando velozmente num zumbido ensurdecedor. Porém, o que

mais me fascinava era ver os carros coloridos deslizando macio no asfalto.

Era lindo descer a Anchieta. Mas antes, passar por dentro de São Paulo era

como enfrentar a linha de frente de um exército. E achar a saída para Santos

então, nem se fala.

Durante a viagem aprendia-se como sair de Minas, a observar os sinais de

trânsito, as placas imensas indicando as prósperas cidades paulistas, os aeroportos

e, casualmente, algum avião decolando. Tudo era novidade e aprendizagem.

Mineiro sabe das coisas. Com seu jeitinho de quem não quer nada, infiltra-se

em tudo e sai como um verdadeiro expert.

Assim acontecia. Depois de umas idas em excursões e já doutorados no

assunto, turismo era com a gente mesmo. Apartamento alugado por um mês,

compras feitas, agora era só armar a barraca “literalmente”.

E lá vai a mineirada pra praia. Todos branquinhos, de tamancos e sem

sombrinha.

Sombrinha de praia comprava-se lá mesmo, mas as cadeiras de madeira eram

aproveitadas de um ano para o outro.

E lá vem a mineirada da praia. Todos vermelhinhos! Filtro solar não existia e o

tecido da barraca não vedava o sol, mas em volta dela, iam-se juntando os amigos

santistas que ficavam esperando o ano todo por nossa volta.

Caipirinha era pra todo mundo que se aproximava e a alegria também. Se

tinha contratempos, não se percebia. Só queríamos admirar o mar com suas ondas, a

praia com sua areia escura e plana.

No dia seguinte, aparecia o fotógrafo com um colar de binóculos. Era a hora

de procurar nossas fotos. E, ao longe, o caçula deslizando na sua pranchinha “de

madeira” nas macias ondas de Gonzaga.

Na hora do almoço, o apartamento dos mineiros exalava um delicioso cheiro

de lingüiça de lombo, tutu e pão de queijo. E os vizinhos iam sendo chamados para o

almoço a cada dia.

À tarde era a vez da cultura. Passeios aos museus, aquário, orquidário, ao

centro da cidade, a navios e submarinos. Tudo era lindo demais...

Das primeiras importadoras instaladas em casas particulares, compravam-se

artigos nunca vistos, perfumes, lápis e borrachas coloridas – “novidade absoluta”.

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Depois de trinta dias de furar ondas e mergulhar, e com a bagagem cheia de

conhecimentos gerais, estávamos prontos para a volta.

Despedidas feitas, lágrimas nos olhos...

Subíamos a serra cantando, sabendo que as próximas férias de verão seriam

tão animadas como esta. E, no mesmo lugar, com direito a passeios a Bertioga, São

Sebastião, Guarujá.

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Férias em Cássia

Texto de Eda Oliveira Figueiredo

Época de namoro, dos primeiros olhares, de pegar na mão. Como menina-moça,

que só convivia com meninas no colégio e em casa, conviver com rapazes era algo

inusitado. Intimidava-me, ficando vermelha sempre que pensava que estava dando

algum fora.

As primeiras convivências com rapazes foram em Cássia onde morava minha

avó materna. No 1º dia de férias, pegava o ônibus e ia alegremente descansar na

casa de minha da vovó, que eu adorava.

Cássia não era uma cidade “provinciana”, como Passos. Seus habitantes

freqüentavam mais a Capital Mineira e muitos vinham do Rio de Janeiro. Isto dava

a ela um tom diferente de cidade mais avançada. Era, na verdade, uma cidade à

frente de seu tempo.

Nós jovens, andávamos pelas ruas rindo e brincando. A cada dia tínhamos um

programa para fazer. Meninos e meninas iam juntos para a piscina, para as chácaras,

para o jardim ou para o cinema. Passávamos os dias juntos, repartindo uma caçulinha

com o grupo todo e rindo pra valer.

Em Cássia, tinha primos e primas, amigas e amigos. E ainda tinha a

descontração de não precisar obedecer às ordens rígidas de Papai. Vovó era mais

compreensiva e sabia com quem eu andava e onde estava. Quando podia, ela

acompanhava a moçada. Nas noites de carnaval, ela ficava até que a última nota

musical fosse tocada. Éramos as últimas a sair...

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Infância feliz

Texto de Maria de Lourdes Pádua Machado Brandão

Foi uma infância feliz com muita liberdade. Nascida de uma prole de seis,

ocupava a quinta posição. Os sexos eram alternados, sendo as ordens ímpares as

mulheres, e as pares os homens. Consequentemente, como a distância cronológica

das minhas irmãs era muito grande, pouco brinquei de bonecas.

Minha irmã mais velha tinha uma boneca maravilhosa, feita de biscuit, que não

saía da caixa. Era apenas uma preciosidade para ser olhada e admirada uma vez ou

outra que perdurou por uma geração, até que foi liberada ao manuseio pela primeira

neta que ainda muito pequena, deixou-a cair, quebrando-a e também o seu encanto e

reinado longo, porém solitário.

Meu irmão, acima de mim, com quem mais gostava de brincar, tentou suprir e

alimentar este meu lado feminino demonstrando nossa boa convivência. Foi um fato

interessante. Mamãe e ele estavam na cidade empacados diante de uma vitrine

cheia de brinquedos e ele fazia uma birra danada porque queria um. E mamãe, por

alguma razão, relutava em lhe dar... Nisso aproximou-se um conhecido, que, ao

inteirar-se do motivo de tamanha choradeira, quis por fim em tudo aquilo dizendo

ao meu irmão que escolhesse um brinquedo.

Mamãe preocupou-se em que a escolha recaísse num valor muito elevado,

constrangendo o doador caso quisesse retroceder. Porém, desse incômodo ela se

safou para cair noutro de maior porte, deixando no ar aqueles que estavam por

perto assistindo o desfecho.

Um misto de surpresa, descoberta e uma grande dúvida a pairar em suas

mentes. Somente o tempo poderia desfazer: será?!?!? O brinquedo escolhido foi

uma boneca. Na maior inocência, sem imaginar o impacto que sua escolha causou nos

presentes, pegou a boneca preta, enganchou-a nas cadeiras à moda da roça e saiu

todo lampeiro pela rua afora.

Esta boneca veio se juntar às outras que ganhava no Natal. Lembro-me muito

bem de uma de corpo de pano e cabeça não sei de quê. Era a minha preferida, mas

que muitas vezes ficava esquecida na forquilha de alguma goiabeira. Num desses

lapsos, tomou muita chuva ficando toda deformada.

O que eu mais gostava mesmo era brincar com meu irmão no fundo do pomar.

Ele era muito criativo e eu, como boa companheira, assessorava-o em tudo.

Fazíamos arapuca de taquara de vários tamanhos. Conforme a variedade de

passarinhos freqüentadores do pomar,distribuíamos naqueles lugares mais

estratégicos: debaixo do bambuzal, das bananeiras, das mangueiras, do velho

limoeiro e até fora do pomar, à margem de um córrego que beirava a mata onde as

pombas do bando e as juritis costumavam ficar. Era prazeroso ver os passarinhos

caírem na armadilha, mas mais ainda era levantar a arapuca, dando-lhes a liberdade.

Acima das goiabeiras de troncos enormes e copas entrelaçadas,

passava um fio de água que vinha da horta de couve e ia regar as velhas

jabuticabeiras no tempo devido e ao novo pomar que estava sendo formado.

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Pegávamos um bambu partido ao meio, ao longo do gomo e colocávamos na margem

desse corregozinho, abaixo do nível da água . Esta jorrava em queda. Ali mesmo

fazíamos uma roda d’agua com dois talos de isope de uns dez centímetros, cruzados

unidos por um eixo que era apoiado em duas forquilhas fincadas ao chão.A água caia

nas pontas dos talos fazendo-os girar em grande velocidade. Mais embaixo, quando

o desnível do terreno permitia, assentávamos outra bica de bambu. Esta ia tocar um

monjolinho feito de talo de mandioca. O talo era macio o que facilitava cavar o

cochinho do monjolo, o qual ia encher-se de água, pesar, descer, para que levantasse

a cabeça do mesmo.Assim que derramasse a água do cocho , a cabeça mais pesada

que o cocho vazio, caía com força no pilão onde já estava o milho para ser triturado.

Vendo que tudo estava funcionando bem, íamos abrir estradinhas no meio

das folhas secas das goiabeiras. Como o chão era ensombrado, não nascia espinhos

o que permitia que ficássemos descalços, muito à vontade.As estradas iam de uma

fazenda a outra, aos pastos, à vendinha onde o dinheiro maior eram as folhas de

cidra, os de menor valor eram as folhas de laranjeira e limoeiro. Certa manhã, ao

voltar à nossa vendinha, fomos surpreendidos com um filhote de cobra entre as

folhas empilhadas como dinheiro. Levamos o maior susto!!!

O dia inteiro era absorvido em manter o bom andamento de tudo. Ficávamos

extasiados com tudo aquilo que construíamos. Virávamos estátuas, quase sem

fôlego, quando uma rolinha aproximava-se de uma arapuca. Muitas vezes elas não

caíam na armadilha e então dizíamos que aquela era inteligente!

Saíamos deste mundinho encantado, quando o sino repicava repetidamente,

sinal que o almoço , o café da tarde ou o jantar estava pronto. Muitas vezes era

preciso mamãe mandar o terreireiro nos chamar, tão absortos que estávamos em

nossas brincadeiras. Quando chovia muito, nossas engenhocas iam por água abaixo.

Aí, construíamos tudo de novo.

Certa vez fomos surpreendidos com a visita de Papai, que foi nos ver em

nossos passatempos. Acredito que, pela anuência de mamãe que tinha estado por lá

dias antes. Ele tanto aprovou como colaborou nos ensinando a confeccionar uma

armadilha mais precisa, onde um leve esbarrão e ela desarmaria. Era feita de

pauzinhos finos de goiabeira, Até então, a nossa era feita de raminho flexível.

Ficamos super contentes com a colaboração e o apoio, principalmente vindo de onde

veio, de uma pessoa austera e sisuda como era nosso pai, mas que no fundo

escondia um coração sensível e justo...

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Lembranças da Escola Primária

Texto de Eda Oliveira Figueiredo

Aos sete anos de idade, fui matriculada no Grupo Wenceslau Braz.

Assim, iniciei a minha vida escolar. Nos dois primeiros anos, não foi nada

prazeroso porque tive dificuldades que foram enfrentadas e superadas.

Dois anos depois, passei para o CIC(Colégio Imaculada Conceição) Eu

me lembro bem do Prédio instalado na rua Cristiano Stockler que, como o

Wenceslau, hoje, Francina de Andrade, tem sua fachada bem preservada.

A escola na época tinha uma didática muito severa. Era

costume intitular os alunos mais atrasados dos mais adiantados,

separando-os numa fila dentro da sala de aula. A disciplina era

rígida. Não se podia dar um pio durante as aulas (algumas) e tínhamos que sentar

totalmente eretas e com as mãos em cima da carteira.

Os corredores do colégio brilhavam e não podíamos conversar enquanto

descíamos para o pátio na hora do recreio.

O uniforme era com peitinho trespassado, saia de pregas e faixa azul celeste.

Camisa de mangas compridas e meias três quartos brancas. Era bonito, mas quente

e tinha que durar no mínimo quatro anos. O sapato, Vulcabrás, só era trocado

quando o pé crescia. E nas festividades usava-se o uniforme de gala que era lindo e

chique.

O mobiliário era austero, todo em madeira. As carteiras, individuais. O

quadro-negro era negro mesmo e as professoras, todas freiras, usavam uma

vestimenta que mais parecia de anjo. Eu pensava comigo mesmo: será que elas

tomam banho, vão ao banheiro, comem alguma coisa?

Com esses pensamentos, fiquei conhecendo minha 1ª professora: Madre Fé

Rubio, que tinha vindo há pouco tempo da Espanha, falava e fala até hoje com muito

sotaque.

Superado os primeiros impactos, foi a vez de ficar conhecendo as colegas e

fazer amizades para o resto da vida. No colégio, só estudava meninas e moças. Era

altamente feminino. Havia também o internato onde as alunas só podiam voltar para

casa, nas férias. Para uma consulta ou dentista, as internas só saiam acompanhadas

das freiras.

Quando se passava perto de uma irmã, dizíamos: Ave Maria

Puríssima! E elas respondiam: Sem Pecado Concebida!

Foi na escola primária que descobri ou descobriram em mim um

talento para a dança. Depois do período de aula, ficava no colégio para

receber aulas de balé, dança flamenga, aprender a tocar castanholas.

Essa introdução à dança me levou a buscar um aperfeiçoamento e me

marcou para o resto da vida. As matérias Artes plásticas e Canto

faziam parte do currículo escolar: eu adorava e tirava proveito de tudo

isso.

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Marleine

Texto de Marleine Brito Reis

Nasci no dia 20 de abril de 1939, quinta filha de uma família de 11 filhos,

sendo meus pais Manoel Ferreira de Brito e Deolina Santos de Brito. Minha cidade

natal é São João Batista do Glória, uma cidadezinha onde tive uma infância muito

feliz e principalmente com muita liberdade.

Aos onze anos de idade mudei-me para Passos, onde descobri minhas

habilidades com bordado, costura e outras prendas. Passei a costurar para meus

irmãos e sobrinhos.

Com 15 anos de idade comecei a namorar o Paulinho e aos 22 anos nos

casamos. Tive então minhas filhas: Miriam e Márcia.

Quando a Márcia tinha 11 meses abri uma boutique que funcionou por 15

anos com muito sucesso.

Minha terceira filha, a “temporona” Simone, chegou na época em que

iniciamos a fábrica de confecções, que começou a funcionar em minha casa. Pouco

tempo depois adquirimos sede própria , perto do local onde moro.

A fábrica foi um sucesso e me deu muita alegria aliada a muito

trabalho e dedicação. Com o término da fábrica e não querendo ficar sem

atividade, montei a loja Hering que também foi um sucesso.

Após a morte do Paulinho, há quatro anos, resolvi sair do

comércio.

Hoje, sou aluna da UNABEM atividade que gosto muito e

considero de grande valor prático para o meu dia-a-dia e procuro

me ocupar com atividades prazerosas, a fim de tornar a vida

mais alegre como sempre fui.

Tenho quatro netos que me rodeiam e me enchem de

alegria. Minha casa é sempre cheia de familiares e amigos de

meus netos. Tenho uma família feliz.

Page 29: Páginas de vida ( 2006)

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Memoriando: Carnaval de antigamente

Texto de Sebastião Venceslau Borges

Era uma época em que os clubes de Passos não

realizavam bailes de carnaval. O que se ouvia falar era

somente dos bailes realizados no andar de cima do bar

Seleta, freqüentados pelo pessoal do centro da cidade,

A classe mais pobre tinha poucas opções de bailes de

carnaval. Às vezes, o lendário Beneditão promovia bailes com

sua Escola de Samba Cruzeiro do Sul, na Liga Operária

situada na Rua do Ouro ou em algum barracão da cidade.

Na rua, Passos já fazia seus desfiles. Escola de samba só a

Passense, com a bateria que fazia o batuque e muita gente que participava

com fantasias. Blocos desfilavam disputando prêmios oferecidos pela Prefeitura e

pela Rádio Passos que fazia a transmissão ao vivo com Ferreira Dias, Vivaldo Piotto

e o repórter Baru de Pádua.

Dos muitos blocos de fantasia recordo-me dos Soberanos do Mar: o carro

alegórico era um imenso navio de papel laminado preto e dourado.

O povo fazia presença em volta de toda a Praça da Matriz. Tinha participação

de vários palhaços que faziam a alegria da meninada dando balas e marteladas em

suas cabeças, com martelo de borracha.

Época em que para nós, meninos, o carnaval era pecado, “o demônio estava solto” diziam os mais velhos. Quando cansados sentávamos na calçada e ficávamos

ouvindo o toque das caixas, o repique dos pandeiros, o canto dos blocos... Ou então

com um jato de água apontávamos para as moças de vestidos decotados com os

seios oferecendo ou para aquelas de saias curtas. Era só apontar o revolver de água

e “lindos nomes” eram proferidos...

Época em que se podia usar lança-perfume e todos no salão brincavam com

um lenço na mão pedindo um cheirinho. O salão era colorido com confetes e

serpentinas e se ouvia no rádio e nos salões as saudosas marchinhas: A Jardineira,

Bandeira Branca, Saudades da Amélia, Mamãe eu quero, Me dá um dinheiro aí, Você

pensa que cachaça é água, Chiquita bacana, Touradas de Madrid,O teu cabelo não

nega, Linda morena e tantas outras que não se cantavam só no carnaval, mas no ano

inteiro.

Época que certamente, está na lembrança daqueles que viveram este tempo

de saudosa memória

É o tempo passando e a gente memoriando....

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Minha infância em Muzambinho.

Texto de Maria Wanda Santos Consolim

Minha mãe foi muito bonita e rica. Era filha de pai italiano, desertor da 1ª

Guerra Mundial que fez a vida em Muzambinho. Sedas, vinhos e iguarias eram

importados da Itália, mas como calabrês, era bastante teimoso e grosseiro. Suas

vontades eram ordens que eram cumpridas. Mamãe, apaixonada por um namorado

pobre, ficou sem o seu grande amor, pois meu avô usando sua influência e poder o

transferiu da cidade. Foi assim que mais tarde se enamorou de meu pai, fazendeiro

jovem, bonito e bastante rico. Para as bodas, meu avô alugou um trem da Mogiana

para levar os noivos, familiares e convidados até Aparecida do Norte, onde se

realizou o casamento.

Mamãe, que até escrava tinha quando solteira, foi morar na fazenda,

assumindo todos os deveres de dona de casa,apesar de sua tenra idade: 17 anos.

Fazia sabão, farinha, quitanda, pães e outras atividades. Os estudos ficavam para

trás, pois no limiar do último ano estando para se formar, casou-se em setembro.

Os filhos foram chegando em ritmo acelerado. Um por ano e quinze ao todo.

Os anos passando, os filhos nascendo e alguns morrendo...

Com a morte de meu pai, aos trinta e oito anos, a situação se gravou,

pois a esta altura, ele já havia perdido quase tudo, pois havia se tornado um

alcoólatra. Minhas irmãs mais velhas se casaram com dezesseis e dezessete

anos, ficando eu como a filha mais velha em casa e ajudando minha mãe ,

cuidando dos meus irmãos menores, pois ela foi trabalhar fora para prover o

nosso sustento.Tenho o maior orgulho de minha mãe, que foi uma heroína

criando sete filhos menores, sozinha e com trabalho digno e respeitoso.

Eu era muito esforçada e obstinada. Não desistia daquilo que mais

queria na vida: estudar e ser alguém na vida para ajudar minha mãe e meus

irmãos, pois via o sofrimento e humilhações pelas quais minha mãe passava,

resignadamente.

Assim, cuidando da casa, ia às aulas pela manhã para trabalhar à

tarde. Levantava-me às duas horas da madrugada para estudar, conseguindo

sempre um dos primeiros lugares na escola.

Em 1955 fui para São Paulo trabalhar na maior rede de ensino

particular do Brasil , o SESI, onde fui galgando os degraus, um a um, com

ajuda de Deus e de meu próprio esforço.

Foi em São Paulo que conheci meu marido. Casei e constituí família,

trabalhando , criando e educando nossos filhos.

Espero que minha vida sirva de exemplo aos jovens menos

favorecidos, para que eles entendam que com esforço,

obstinação e força de vontade qualquer pessoa pode se

realizar e chegar lá. Com ajuda de Deus, é claro.

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Minha vida cantando

Texto de Aparecida Rosália da Silva Almeida

Há coisas em nossa vida que se tornam muito especiais e nos marcam com

tanta sinceridade, que não conseguimos mais viver sem elas como as recordações

de minha infância, quando fiz o curso primário no Grupo Escolar “Dr. Wenceslau

Braz”.

Todas as festinhas, quer cívicas ou religiosas, lá estava eu cantando. Algumas

vezes o diretor Sr. Jair Santos nos levava à Praça da Matriz, onde eu cantava em

cima de um banquinho.

Na mesma época, havia as coroações a Nossa Senhora durante o mês de maio,

outra vez eu estava coroando ou segurando a coroa para sustentar o canto.

Terminado o curso primário, fui para o Colégio das Irmãs Concepcionistas.

Então, nadei de braçada. Não havia uma comemoração ou festinha que eu não

participasse.

Durante os sete anos em que lá estudei, fiz parte do coral e dava catecismo

aos domingos no bairro Canjeranus, juntamente com Madre Maria Del Valle.

Formei-me e fui trabalhar no Educandário. Cantava muito com os alunos,

principalmente nas missas e também, ensinava os hinos cívicos.

Surgiu em Belo Horizonte, no Instituto de Educação, um curso de Canto

Orfeônico e lá fui eu, ficando quatro meses. Adorei, pois éramos 80 colegas.

Chegando à Passos, fui nomeada para o Grupo Escolar “Caetano Machado da

Silveira”, onde trabalhei durante 25 anos, uma vida cantando. Com a Graça de Deus

fiz maravilhas com aquelas crianças pobres de bairro que, às vezes, se

apresentavam até descalças.

Todas as festas ou homenagens que surgiam na Delegacia de Ensino, me

convocavam para apresentar um coral, uma bandinha ou dancinhas com coquinhos.

No aniversário da diretora, preparei uma missa com mais de 500 alunos, pois

funcionavam três turnos, na escola. Preparei um tema folclórico: “A folia do Divino”

foi tamanho o sucesso que fomos apresentá-lo em Furnas. O Hino Nacional era

cantado com perfeição.

Dr. Breno Soares Maia, diretor do Colégio de Passos, sempre nos convidava

para as festividades do Colégio, para formaturas e outros eventos. E as crianças

simples iam felizes.

Tive o prazer de ensaiar e depois apresentar os meninos da Banda Santa Cruz

ou Edinho Show, no Passos Clube, por ocasião da entrega do diploma de 4ª. Série.

Quando me aposentei, fui convidada para dar aulas de canto no primário e pré

do CIC onde trabalhei durante 13 anos. Que maravilha! Quantas apresentações fiz

com os alunos do Colégio!

Cantava o Hino Nacional com mais de 300 crianças. Verdadeiro Sucesso

foram as apresentações das músicas: “Amigo” do Milton Nascimento, “La

Violetera”, “Criança Feliz”, “Você vai me fazer feliz”, “Do-re-mi”. “Noviça Rebelde”,

“Edelwais” e músicas natalinas.

Page 32: Páginas de vida ( 2006)

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Com as turmas do pré-primário preparei várias missas onde as letras eram

decoradas através de gestos, pois as crianças não sabiam ler. Como gostavam de

cantar e tocar na bandinha! Em uma das apresentações uma aluninha, Andiara, me

disse: “D. Rosália, eu posso reger a bandinha”? Que surpresa, foi o maior sucesso!

Em outra oportunidade, me senti muito feliz, pois como Guia das Oficinas de

Oração fui convidada pela Zonal para gravar o CD das músicas da Oficina,

juntamente com 50 Guias de todo o Brasil Foi uma benção ensaiar, no Rio de

Janeiro, com Frei Ignácio, o inspirador do movimento.

A maior emoção da minha vida foi entrar cantando, com meu filho Ricardo, no

dia do seu casamento e, também, cantarmos juntos, durante a cerimônia várias

músicas em especial “Ave Maria” e “Amigos para Sempre”.

Louvo a Deus pelo dom que Ele me deu e que continue me abençoando, para

que eu possa sempre cantar suas maravilhas.

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Namoro e casamento

Texto de Eda Oliveira Figueiredo

Depois de aproveitar muito as férias em Cássia, fiquei conhecendo um moço

em Passos. Ele trabalhava com meu pai e freqüentava a minha casa. Foi no meu

aniversário de 15 anos.

Um dia, ele chegou perto de mim e perguntou se podia assentar perto de mim

no cinema hoje? Eu respondi sem pensar, que sim porque não? À noite, quando já

estava no cinema, ele chegou devagarinho e sentou-se ao meu lado.

Não me lembro o nome do primeiro filme que vimos juntos. Mas sei que

começamos a nos encontrar, lá em casa, quase todo dia. Era uma amizade que depois

passou a namoro.

Um homem educado, com fala mansa, que me fez derreter pelo seu jeito de

ser. Dono de um humor inteligente, trabalhador e honesto, ele ia me conquistando

dia a dia até que, quatro anos depois, estávamos casados.

Ele tornou-se sócio de papai, seu mais ardoroso fã.

Dia após dia, fomos crescendo em harmonia conjugal, sintonia nos gostos e o

contraponto dos gênios opostos fizeram com que nossa união perdure por 38 anos.

Parece que foi ontem que tudo isso aconteceu...

Só sei que continuamos a assistir filmes de mãos dadas e sinto imenso prazer

de ficar a seu lado até hoje.

Page 34: Páginas de vida ( 2006)

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Paquera séria

Texto de Yara Oliveira Pereira

Era o ano de 1957. Eu tinha apenas 11 anos quando me apaixonei pela

primeira vez...

Todos os anos nós íamos de excursão para Santos, passar férias.

Era o ônibus da “Mendonça Tour”. Nesse ano, foi conosco, além das

outras pessoas, um rapaz que morava na mesma rua de minha casa, mas

eu não o conhecia. Ele tinha seus 20 anos e eu, onze aninhos...

Naquela época, quando fazíamos excursão, as crianças viajavam

corredor do ônibus assentadas sobre edredons macios, porque a

viagem era muito longa.

À noitinha, nos deitávamos para dormir e eu, acordei, por varas

vezes, com esse rapaz “cutucando” meu ouvido ou brincando comigo. Eu

disse, por algumas vezes: “Que moço chato!”,mas ele continuava, até

que certa hora adormeci e só acordei com ele me cobrindo com seu

guarda-pó bege. Fingi que não havia percebido nada, mas tive um

sentimento muito bom naquele momento!

Acho que é o mesmo que sinto até hoje quando ele me faz um

carinho.

Em Santos, não sei explicar como nem por que, mas eu estava

sempre ao lado dele: pulando as ondas do mar, assentados na areia da

praia, tomando sorvete, sempre rodeados pelos outros.

Ficamos por lá uns 15 dias e quando voltamos, vovó percebeu que havia

alguma coisa entre nós. Disse-me ela, bastante segura de si:

_ “Cuidado, acho que este rapaz está gostando de você, mas você

ainda é uma criança, cuidado!”

Realmente ele gostou, porque mesmo com namorada ele não me deixou de

lado.

Quando eu passava por ele, corria atrás de mim, batendo o pé e dizendo: “Ah

menina, eu ainda vou me casar com você...”. Eu corria como uma louca para casa, mas

feliz da vida.

Nesse período eu fiquei várias vezes de castigo, tive a primeira menstruação,

usei meu primeiro soutien e ele ainda presenteou-me com o primeiro sapato de

salto.Eu percebia que ele observava tudo em mim...

Aos 13 anos ele beijou, pela primeira vez, minha mão. Eu não dormi. Passei a

noite em claro. Achei tudo tão lindo, tão respeitoso! Não consegui mesmo dormir.

Fiquei em êxtase. Aos 15 anos, na minha festa de aniversário, fiquei noiva. Ganhei

um beijo na boca e me vi nas nuvens cor-de-rosa. Aos 18 anos, me formei e nos

casamos em 1965.

São 41 anos de vida em comum. De respeito e amor. Sempre que a vida nos

ofereceu um limão, fizemos dele uma limonada e permanecemos juntos, os dois, os

três, os cinco, os oito, os doze e os que ainda hão de vir. Nada fácil, mas

respeitando, amando e perdoando, caminharemos até o fim de nossas vidas, juntos,

se Deus quiser.

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Perto da estrada de ferro da Mogiana

Texto de Maria José Suhadolnik de Oliveira

Fui criada perto da Estação Mogiana. Acostumei a ouvir os apitos da chegada

e saída do trem de ferro, o chiado constante da caldeira fervente e a ida e vindas

pelo viradouro. Em frente à porta da estação, na hora da chegada, ficavam os

carros de praça enfileirados esperando os viajantes que desciam apressados para

pegar os melhores carros; do Sr. Otaviano, do Sr. Julio, do Zé Gordinho, do Sr.

Balaucho que eram carros Ford ou Chevrolet.

Meu pai tinha muito cuidado, não gostava que fôssemos à Estação ver o trem

chegar, sozinhos. Uma vez que o Senhor Bispo Dom Hugo Bressane de Araújo veio à

Passos, nós fomos esperá-lo. Havia muita gente esperando também para vê-lo. Ao

chegar à porta de saída da estação, ele saudou o povo e depois as pessoas se

aproximaram para beijar-lhe as mãos e o anel. Se não me engano era a primeira vez

que o bispo vinha a Passos. Ele foi bispo de Guaxupé de 1939 até 1952.

Nós viajamos muitas vezes de trem de ferro, íamos a Guaxupé onde meu pai

tinha um irmão e o pai. Meu tio vinha nos visitar viajando de trem. Meu pai, Carlos

Suhadolnik, usava muito o trem: ia ver os patrícios em São Sebastião do Paraíso,

despachava produtos do curtume que eram vendidos nas cidades vizinhas como sola

, courinhos, botinas, sapatos, chinelos e outros objetos.

De Guaxupé, onde tinha plantação de peras, nosso tio nos mandava, pelo trem,

caixas de pêra. Era uma alegria quando avisavam que tinha chegado alguma coisa

para nós.

Quando eu estudava, no Colégio São José de Passos, o nosso time de vôlei

foi jogar em Monte Santo e fomos desfilar em Paraíso sempre viajando de trem.

Era muito bom e tranqüilo. Tinha vagão de primeira e segunda classe e os preços

eram diferentes. Quando passava nas estações sempre dava uma paradinha, as

pessoas desciam para comprar guloseimas como bolinhos, pastel, pamonha, café e

refrigerantes.

É uma pena não ter mais este meio de transporte que tanto nos beneficiava...

Page 36: Páginas de vida ( 2006)

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Pracinhas Passenses

Maria Silveira Beraldo

A volta dos pracinhas passenses que lutaram na Segunda Guerra foi motivo

de muita comemoração pelo povo na Praça da Matriz. As pessoas se aglomeraram

para ver os pracinhas passenses que voltavam . Eram eles: Jones Pimenta de

Vesconcelos, Geraldo Silvério de Almeida, Antonio Formagio, Lauro Sawaia, Jorge

Jabur, Alfredo Lemos de Vasconcelos, João Lemos Filho, Maurício Gomes de Pádua

e Djalma Bordezan.

Foram recebidos num palanque no adro da Igreja Matriz pelo Prefeito

Geraldo Starling Soares, várias autoridades, muitos discursos e muito foguetório.

O orador oficial foi o Professor Teodoro Correia. Este é um trecho do seu

discurso:

“ Queridos expedicionários, vocês são marcas luminosas de nossa era, amado povo de minha terra. Não me importa saber se é noite lá fora, não me importa saber se meus irmãos vão morrendo, se há gritos de dor e de revolta rasgando as paredes do mundo, como chicotadas de fogo e, se as águas sujas de sangue estão tingindo as roupas dos inocentes. Esqueci o nome dos amigos e inimigos, o meu coração está seco como erva do campo, diante de nós desfila um rosário de cidades desoladas, guerra sanguinolenta, cruel, destruidora desumana, implacável, a cobra fumou: lutaram em Montese, Marano, Soprassasso, Coléchio, Fornovo, Monte Castelo. Na Itália mortal venceram as batalhas. Vocês , pracinhas passenses, representam nossos ideais! Salve!” O povo aplaudiu muito demonstrando a alegria que sentiam pela volta dos

pracinhas passenses!

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PRESENTE.

Texto de Sebastião Wenceslau Borges

Pela manhã, o destino da meninada era o grupo

escolar. O meu era o saudoso grupo escolar Jaime

Gomes, onde se aprendia, primeiro, que a história se faz

com grandes nomes. Por isso, as paredes das salas

traziam em solenes gravuras rostos dos fundadores da

Pátria.

Os cadernos traziam impressos em suas capas os

hinos Nacional e o da Bandeira, que eram cantados pelos alunos antes do início das

aulas, todas as manhãs. Mal soava o sino encerrando mais um dia letivo, a meninada

saía para suas casas em carreira, sabendo que o almoço gostoso já estava pronto.

Nós, meninos, sempre íamos nadar em diversos córregos que existiam, e quem

não sabia, aprendia improvisando bóia até de cabaças. Depois de nadar bastante e

ficarmos cansados, deitávamos às margens dos córregos e de barriga para cima,

ficávamos descansando, olhando o sol e as nuvens. Os assuntos eram os mais

variados: sexo, futebol, combinar uma pescada para o outro dia, sair com estilingue

para matar passarinho (de preferência rolinha), entre outros ou tentar ver os seios

das mulheres, quando estas se abaixavam para lavar roupas nos córregos. Não podia

faltar os famosos rachinhas nos diversos campinhos do bairro .

À tardinha, já chegando a noite, enquanto os mais velhos , sentados na frente

das casas tinham tempo para um dedinho de prosa, os meninos brincavam com

brinquedos criados por eles mesmos. Já as meninas brincavam com suas bonecas ou

faziam rodas cantando a dança da Carranquinha.

À noite, quase sempre, roubar frutas nas grandes hortas do bairro. Só não

entrava em horta de padre ou de seus parentes, com medo da praga dos sete anos

de atraso na escola. No dia seguinte, novamente, acordar cedo para estudar.

Tudo isso faz parte da infância e das recordações de qualquer adulto de

razoável instrução.

Em um exercício de memória, olhos fechados, volto a ser criança: todos

passeiam pelas carteiras de madeira e recompõem figuras de meninos e meninas

que, depois de tantos anos, hoje , senhores e senhoras, cabelos brancos, se cruzam

pelo caminho, às vezes, como estranhos.

Como seria bom se pudéssemos, depois de 50 anos, ouvir a chamada da

professora e responder “ PRESENTE !!! “

É o tempo passando e a gente memoriando...

Em homenagem às professoras Dra. Cilene Swain Canoas, Leila M. S. Oliveira de

Pádua Andrade, Marta Regina Farinelli, Nádia Peixoto, Laura Gianini , Silvia M.

Oliveira Soares Maia e aos meus colegas da UNABEM

Page 38: Páginas de vida ( 2006)

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Quem somos?

Texto Regina Machado Andrade

Nós nascemos e morremos sem perguntar:

Se está na hora.

Se é bom.

Se é preciso.

Nós temos:

A luz e as trevas

A solução e o mistério

O amor e a violência

A paz e a guerra

Nós somos:

O dia e a noite

O sol e a lua

O riso e o choro

A alegria e a tristeza

O ser e o existir

A criança e o velho

O homem e a mulher

A vida e a morte...

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Saudade com sabor de Coca-cola

Texto de Thereza de Jesus da Cruz Hankner

Nos meados da década de 40 , mesmo nas

capitais poucas coisas poderiam ser vistas

mostrando progresso no ramo de eletrodomésticos.

Muito devagar as indústrias foram aparecendo

e com elas muitas novidades, o que nos deixavam

surpresos e felizes.

Lembro-me da geladeira que possuíamos:objeto

que poucos conseguiam ter, mas que servia muito. Era

mesmo uma caixa feita de madeira dividida em duas

partes. Numa se colocava o gelo que era comprado e

refrigerava até derreter.

É difícil imaginar algo que funcionasse desta forma.

Bom mesmo foi quando surgiu a Coca-cola. Os

representantes do famoso refrigerante passavam em nossas casas no Rio de

Janeiro e nos dava garrafas e mais garrafas da deliciosa bebida para

experimentarmos.Voltava depois para recolher o vasilhame. Impossível imaginar isto

também. O bom mesmo é relembrar estes fatos e sentir saudade com sabor ou

gosto de coca-cola.

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Semana Santa daquele tempo...

Texto de Sebastião Venceslau Borges, abril de 2006.

Numa época passada em que a Quaresma ainda era

guardada e respeitada a cidade ficava cheia de gente, quase

todos da roça, que vinham para participar das solenidades. Uns

alugavam casa, outros ficavam na casa de parentes.

No Domingo de Ramos, cada família levava para casa ramos

bentos de palmeira e os guardava o ano inteiro. Nas Igrejas, as

imagens dos santos eram cobertas por uma capa roxa, sinal de luto.

Nós, meninos ficávamos impressionados e até com medo.

Ouviam-se muitos rezadores pelas almas que, em número de sete, saiam

sempre, à meia noite,de um cruzeiro rezando nas casas daqueles que tiveram algum

morto por acidente suicídio ou tragédia. Cantavam ladainhas e cantos sacros

lembrando a morte de Jesus. Era comum os mais velhos falarem para os meninos

que existia mula-sem-cabeça, corpo seco, almas penadas. Eram muitas histórias de

lobisomem e casos de assombração. Coisas estranhas que aconteciam, à noite, e pela

madrugada a fora. Mas o certo é que isso ficou nas cinzas do tempo.

Na quinta-feira santa, após a cerimônia do Lava-pés, iniciava-se a Guarda de

Honra em todas as igrejas, sempre cheias durante toda a noite até o amanhecer da

sexta feira da paixão, quando começava um jejum rigoroso para muita gente.

O luto era total. Em casa não se podia cantar, falar alto e muito menos

assobiar. Os trens não apitavam, os automóveis não buzinavam, não se ligava o rádio,

meninos não jogavam bola e nem brincavam. Não se varria a casa, os sons dos sinos e

campainhas eram substituídos pelos estalos das matracas.

Pela manhã muitos fazendeiros, em suas carroças, distribuíam leite para os

pobres, pois nesse dia o leite não era vendido.

Na sexta-feira santa, as famílias se preparavam com velas enfeitadas de

cetim para a procissão do enterro. Havia filas dos coroinhas, dos congregados

marianos, das zeladoras do Sagrado Coração de Jesus, com seus vestidos pretos e

fita vermelha no pescoço, das cruzadas ( meninos e meninas); das filhas de Maria

com seus uniformes( vestidos brancos impecáveis e faixa azul claro à cintura). O

canto da Verônica era ouvido no maior silêncio, barulho só da matraca, e o coro

cantava músicas acompanhado por toda a multidão.

Essa época para mim e para muitos ficou gravada. Na terça feira santa , na

procissão do encontro na Praça Blandina de Andrade, da sacada de um sobrado e

numa posição estratégica diante da multidão, Monsenhor Matias, fazia o sermão do

encontro de Nossa Senhora com seu filho Jesus, com entusiasmo e eloqüência

deixava a todos com mais fé tamanha emoção de suas palavras durante o sermão.

É o tempo passando e a gente memoriando...

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Tardes de sábado em família

Texto de Ana Maria Chicaroni Busti

Era uma tarde qualquer, de sábado de primavera, em meados de 1958. Lá

estava, como todos os sábados eu e meus cinco irmãos em volta do papai sentados à

beira da porta que dava para área onde havia um grande cajueiro.

Papai de costume engraxava seus sapatos ouvindo pelo radinho portátil o seu

time predileto: o Palmeiras. Começava o descanso de papai depois de uma longa

semana trabalhando, dando um duro danado, pois era empregado e nenhum de nós

trabalhava. A nossa sobrevivência vinha primeiramente de Deus e de nosso saudoso

e querido pai. Porém, não nos preocupávamos com isso, pois naquela época éramos

felizes. Ali, naquela tarde de sábado, começava o nosso conto de fadas.

Mamãe preparava um gostoso lanche bem suculento que, para mim, era

felicidade pura, pois eu não precisaria lavar a louça do jantar. Todos nós de banho

tomado, roupas mais novas que as do dia a dia esperávamos papai terminar de

engraxar seus sapatos, tomar seu banho, fazer a barba. Quando ele saia do

banheiro nós já estávamos todos em volta da mesa aguardando-o. E como eu o

admirava e o amava! Para nós ele era o homem mais lindo do mundo!

Enquanto lanchávamos, ele queria saber dos acontecimentos da semana em

casa. Olhávamos com os olhinhos de piedade para mamãe. E ela, com um sorriso

lindo que só ela tinha, sempre escondendo do papai todas as nossas peraltices...

Íamos dormir felizes, pois o nosso conto de fadas estava apenas começando.

Na manhã de domingo, Papai nos acordava às 15 para as seis da manhã, pois

todos éramos obrigados a ir à missa com ele e mamãe à Missa das 6 e 30 h. Muitas

vezes resmungávamos, mas não adiantava. Sua voz era lei.

Depois da missa, tínhamos um café da manhã com muitas guloseimas, pois

Mamãe era uma quitandeira de fazer inveja. Este café era diferente dos dias da

semana, pois o nosso grande amor e de mamãe estava conosco. Tudo era felicidade!

Chegava a hora de preparar o almoço: era uma alegria só! Papai ajudava a

mamãe a preparar tudo. Enquanto faziam a comida, que era sempre uma massa

caseira, um tipo de carne e uma linda salada, eles cantavam o tempo todo chegando

a alegrar até os vizinhos. E nós, ali em volta deles aprendendo a cantar e curtindo

aquela alegria que irradiava os nossos corações.

Após o almoço, papai nos dava um dinheiro, igual para todos, não me lembro o

valor, para irmos à matinê. O dinheiro ainda dava para comprar, na saída, dois

picolés de fruta. Chegávamos em casa felizes com as

roupas de domingo lambuzadas de sorvete.

Para mim, o fim da tarde de domingo tinha um gosto

e um perfume de quando chove e, logo depois o sol volta

trazendo aquele perfume dos arvoredos e das flores que

tínhamos no quintal.

A noite chegava. Íamos todos dormir e sonhar com o nosso próximo conto de

fadas que começava sempre nas tardes de sábado.

Page 42: Páginas de vida ( 2006)

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Terninho de casimira

Texto de Jorge Lucchesi Rocha.

Concluí o Curso Primário no ano de 1956, com 11 anos de

idade. Foi marcada para o dia 08 de dezembro, daquele

ano, a solenidade de formatura e a entrega do diploma.

Para receber solenemente o seu diploma o aluno

precisava de uma roupa nova, um terninho de casimira,

tecido em moda, na época.

Minha família não podia comprar aquela roupa por

falta de condição financeira.Para que eu não passasse a

humilhação de ficar na cidade no dia da festa e não participar

dela, minha mãe resolveu que eu passaria o fim de semana na roça, na casa do tio

Lado, no distrito de Comercinho. Assim se fez. Fui para roça.

A professora D. Nazita argumentou com minha mãe sobre a necessidade da

minha presença, pois eu fora o primeiro lugar da turma e receberia um prêmio. Tudo

em vão. Minha família não poderia resolver o problema financeiro.

Uma casa adiante da nossa, na Rua Marechal Floriano, residia uma senhora, a

Dona Helena. Tinha amizade e muita consideração para com minha família. Aquela

bondosa senhora ensinara minhas três irmãs a tricotar.Por muito tempo teceram

belas colchas, caminhos de mesa e outras peças. Sobreviveram desse trabalho em

grande parte de suas vidas. Puderam até comprar uma casa de residência em Belo

Horizonte. , na qual uma delas reside até hoje.

Pois bem, Dona Helena ao tomar conhecimento do fato, ofereceu-se para ser

minha madrinha de formatura. Deu-me de presente o tecido para o terno e como

meu pai era alfaiate, ele confeccionaria a roupa de formatura. Dessa parceira veio

o meu terninho de casimira, azul marinho, camisa branca e lencinho branco no

bolso...

Com muita alegria, um sorriso um tanto tímido, recebi meu diploma do Curso

Primário, no dia 08 de dezembro de 1956. O Foto Calazans, de São João

Evangelista, registrou aquele momento histórico de minha vida. Guardo comigo com

muito amor, há quase cinqüenta anos, a fotografia de minha madrinha entregando-

me o valioso diploma do Curso primário.

Page 43: Páginas de vida ( 2006)

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Visitas de pessoas ilustres

Texto de Júlia Isabel de Pádua Andrade Pereira

Na residência do prefeito Sr. Geraldo da

Silva Maia era freqüente a presença de políticos

famosos. Eu, como sempre, brincava com as filhas

do prefeito e estava lá quando sr. Geraldo

mandou me chamar. Entrei casa a dentro com a

boca lambuzada de manga e fui direto para a sala

onde ia acontecer a “apresentação”. Sr. Geraldo

sentou-me em uma de suas pernas e disse para os

presentes:

- Essa menina será minha eleitora daqui a

treze anos!

Os presentes eram nada menos que

Juscelino Kubitschek, Cristiano Machado, Geraldo Starling e outros...

Cristiano Machado era candidato à Presidência da República. Papai mandou

fazer uns carimbos com seu rosto estampado. Lá em casa ficou tudo carimbado:

cadernos , livros, estojos, paredes. No dia em que Cristiano Machado foi em casa

chamar o Juscelino Papai nos chamou e disse :

- O Cristiano Machado está aqui em casa!

Rubinho, meu irmão, foi até à sala, olhou bem para a visita e como tinha esta

fisonomia bem familiarizada, correu muito espantado dizendo ao irmão mais velho:

- É ele mesmo , Lelê!

Era época de pré-eleição e meus pais tiveram a honra de receber o Juscelino

na nossa casa para uma visita rápida e de uma maneira diferente, a casa recém

construída ainda não tinha os móveis. Foram todos para sala de jantar onde só tinha

o piano.

Juscelino era casado com Sara , prima de mamãe e como ele sabia que ela era

uma exímia pianista foi curtir sua música, especialmente os tangos que ele tanto

gostava.Sem cerimônia, permaneceu sentado no chão e descalço.

Num dado momento papai foi atender a porta e era o Cristiano Machado que

foi dar a notícia que Juscelino seria indicado ao governo de Minas Gerais.Ele ficou

todo eufórico e pediu ao papai para arrumar-lhe um rádio.Papai trouxe um daqueles

bem antigos tipo tijolão e então ele foi para o fundo do quintal. Quando ouviu que

ele seria o candidato, saiu às pressas e foi se encontrar com os outros políticos na

casa do Sr. Geraldo para almoçar e seguir para BH.

Quando se despediu de meus pais mamãe lhe disse:

- Você, Juscelino não será somente governador de Minas, mas também

chegará à presidência do Brasil. Previsão que deu certo!

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Minha Vida

Texto de Jacyra Pepaiani Campos Lisboa

Eu me chamo Jacyra porque foi um nome que meu pai escolheu para combinar

com os de minhas irmãs que se chamavam Nancira e Nandira.É um nome de origem

tupi-guarani em que Jacy significa Ana e ira quer dizer mel, portanto Ana de mel.

Eu nasci em Guardinha, distrito de São Sebastião do Paraíso, na Rua da

Estação. Como era costume e com ajuda de uma parteira, nasci em casa e minha mãe

mandou minhas irmãs já crescidinhas para a casa de uma tia porque, naquela época,

as crianças eram muito inocentes e não podiam presenciar os movimentos da casa,

na hora do parto.

Quando tinha três anos ganhei uma boneca do meu primo Nini. Foi a única

boneca que tive.Brincava, também de cabra cega, passa anel, pula corda, ciranda,

boca de forno, amarelinha, fazia comidinha de verdade e , com minhas amigas,

batizávamos as bonecas e fazíamos festinhas para elas.

Passei toda minha adolescência interna no Colégio N. S. Auxiliadora em

Batatais. O internato mais parecia uma prisão. Na época, achava que era feliz, mas

depois, pensando bem, eram muito triste ficar longe de casa.Porém, foi o único

jeito que minha mãe encontrou para que estudássemos e tivéssemos uma vida

melhor.

Alguns anos depois terminei meus estudos na Escola de Contabilidade de São

Sebastião do Paraíso.

Foi nesta época que existia o famoso rela. Após as aulas e nos fins de semana

ficávamos dando voltas no jardim.Foi assim que comecei a namorar o Aminthas, ou

melhor, paquerar porque o namoro era só com os olhos, cada volta uma olhada e

como os olhos falavam...

Foi durante um baile que começamos a namorar pra valer, um namoro que

dura até hoje.

Namoramos durante quatro anos e ficamos noivos dez

meses. No dia 5 de outubro nos casamos. Até hoje, esse

foi o dia mais feliz da minha vida.

Fizemos 43 anos de felicidade, amor e

cumplicidade. Temos dois filhos; Henrique e

Luiz Fernando. Uma nora Raissa e uma neta

Helena, que é a nossa princesinha.

Com a presença de Deus e de Maria

Santíssima somos uma família feliz, alegre e

unida.

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