Páginas amarelas - ALINE E CAROL

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A través da implanta- ção do sistema de educação cênica e musical, a cantora e atriz Iara Campello, 26 anos, busca alcançar crianças e adolescentes com programas de educação em artes: Usar a arte como fim e não como meio passa a ser um desafio para o artista que vive numa época de predomínio da carên- cia na educação, e onde a resistência às artes ainda é relevante para grande parte das pessoas. Pensando nisso, Iara expõe suas experiências atuantes e funda juntamente com profissionais da área, a produtora Kikiza Ópera Pop. Com o estímulo da expressão e da comunicação, o teatro e a música surtem efeito aos alunos mediante suas vivências educacionais e conse- qüentemente proporcionam melhor desenvolvimento e desempenho em seu meio social e cultural como todo. Em 2010, a senhora e o ator Antô- nio Revuelta se uniram à professora Patrícia Crepaldi para fundar então, a produtora Kikiza Ópera Pop. Quais eram os objetivos e interesses iniciais desse conjunto? Nós pensamos primeira- mente, em montar a companhia de artes com foco na educação em esco- las e fazer esse meio de campo entre a companhia e a parte educacional. O que carece mesmo hoje é a educação. Começamos a perceber as deficiências das próprias instituições e dos alunos. Isso envolveu dificuldades na família e foi daí que notamos interesses e percepções incomuns. Eu já conhecia o Antônio e já tínhamos desenvolvido alguns trabalhos anteriores. Rolou empatia e a idéia da produtora, mas acreditamos que o artista tem que ser movido pela educação nem que seja na coordenação ou numa questão anterior porque não existe um público grande pra arte, é um público bem pequeno e fechado. Entrevista IARA CAMPELLO ALINE DOS SANTOS E CAROLINA COUTINHO Pela arte de educar A fundadora da produtora Kikiza Ópera Pop explica porque no Brasil não há tanta procura pelo aprendizado da arte, seja nas instituições de ensino ou em casa. veja/universidade cruzeiro do sul I 31 DE MAIO, 2011 I 17 Não é terapia, mas acaba sendo terapêutico

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At r a v é s d a i m p l a n t a -ç ã o d o s i s t e m a d e e d u c a ç ã o c ê n i c a e m u s i c a l , a c a n t o r a

e atriz Iara Campello, 26 anos, busca alcançar crianças e adolescentes com programas de educação em artes: Usar a arte como fim e não como meio passa a ser um desafio para o artista que vive numa época de predomínio da carên-cia na educação, e onde a resistência às artes ainda é relevante para grande parte das pessoas. Pensando nisso, Iara expõe suas experiências atuantes e funda juntamente com profissionais da área, a produtora Kikiza Ópera Pop. Com o estímulo da expressão e da comunicação, o teatro e a música surtem efeito aos alunos mediante suas vivências educacionais e conse-qüentemente proporcionam melhor desenvolvimento e desempenho em seu meio social e cultural como todo.

Em 2010, a senhora e o ator Antô-nio Revuelta se uniram à professora Patrícia Crepaldi para fundar então, a produtora Kikiza Ópera Pop. Quais eram os objetivos e interesses iniciais desse conjunto? Nós pensamos primeira-mente, em montar a companhia de artes com foco na educação em esco-las e fazer esse meio de campo entre a companhia e a parte educacional. O que carece mesmo hoje é a educação. Começamos a perceber as deficiências das próprias instituições e dos alunos. Isso envolveu dificuldades na família e foi daí que notamos interesses e percepções incomuns. Eu já conhecia o Antônio e já tínhamos desenvolvido alguns trabalhos anteriores. Rolou empatia e a idéia da produtora, mas acreditamos que o artista tem que ser movido pela educação nem que seja na coordenação ou numa questão anterior porque não existe um público grande pra arte, é um público bem pequeno e fechado.

Entrevista IARA CAMPELLOALINE DOS SANTOS E CAROLINA COUTINHO

Pela arte de educarA fundadora da produtora Kikiza Ópera Pop explica porque no Brasil não há tanta procura pelo aprendizado da arte, seja nas instituições de ensino ou em casa.

veja/universidade cruzeiro do sul I 31 DE MAIO, 2011 I 17

“Não é terapia,mas acaba

sendo terapêutico”

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“Todo mundo ouvemúsica, mas

ninguém conhecemúsica, ninguém émusicalizado. As

pessoas escutam amassa musical,não pensam no

instrumento. Vamosaprender a

ouvir música”

Em meio a tantos problemas sociais e culturais que as crianças sofrem hoje, qual o papel do teatro na vida delas? É o que nós temos mais trabalhado com arte. Chega uma hora que elas explo-dem e quando isso acontece, passam a se expressar de alguma forma por um desenho, por um olhar, um grito ou pela interpretação que ela tem. Você vê que tem uma pessoa sensível nas mãos e que elas se expressam pelo teatro, musica ou desenho.

A produtora Kikiza Ópera Pop tem um sistema de educação cênica e musical com crianças a partir de 3 anos de idade e na música, com 6 meses com musica-lização para bebês. Como funciona esse trabalho? Nós fazemos um trabalho a partir dos 6 meses com um diag-nóstico: Se eu jogar uma chave essa criança vai ter a percepção de que um ruído é conseqüência de uma ação e ela vai saber a direção para onde eu joguei a chave. Tem muita criança que não possui essa percepção e é por falta de estímulo em casa, alguns têm deficiência, mas os pais não sabem, então existem esses cursos.Vamos trabalhar só a parte sonora que partiu de um ambiente que era limpo, antes da revolução industrial e hoje para um cenário musical que é absurdamente complexo. Aqui não tem filtro, eu até consigo ouvir um monte de coisa que o olho filtra pela pessoa que sou, pela bagagem que tenho e exatamente pelo que quero ver, mas o ouvido não tem essa percepção. Nós perdemos os sons sutis e ouvimos apenas o som bruto, agressivo. Se trabalharmos musicali-zação desde bebezinho, criamos pes-soas com uma capacidade de raciocí-nio e percepção muito rápida, porque elas vão ter essa questão das nuanças, então não vêm preto e branco, vêm to-das as nuanças de branco, de cinza até chegar no preto e trabalham o emo-cional, a questão do respirar, do parar para pensar. Nós começamos desde bebê e vamos pra musicalização.

E no trabalho de vocês há muita inter-ferência de pais? Tem quem gostaria de interferir, mas vai da seriedade do trabalho. Eu já tive problemas com

pais que não queriam que o professor fosse um negro, se não tivéssemos seriedade do trabalho, seríamos mer-cenários e nós não somos. Temos que pagar nossas contas, mas não é por isso que vamos nos sujeitar a esse tipo de coisa.

A professora Patrícia Crepaldi publicou no site da Kikiza Ópera Pop as difi-culdades do ensino da música como linguagem no ensino fundamental e as possíveis soluções para tal problemáti-ca. Não basta apenas o ensino de músi-ca nas escolas ser inserido legalmente, sem que haja profissionais habilitados atuando nas escolas. O que leva o au-mento dessa problemática nas escolas: Falta de interesse ou de instrução? A maioria das pessoas acham que aula de música é só chegar na sala e cantar musiquinhas. Cantar faz parte tam-bém, mas não é só isso. Deve haver o esclarecimento de que ensino da música não vai lhe tornar um guitar-rista, um baterista. Tem pai que acha que o filho ir à aula de música vai sair algum “ista”, mas não é assim. Não sabe que o ensino de música e teatro também envolve estudo, história, psicologia, pedagogia e filosofia. Certa vez nós fomos numa escola que a direção deixou bem claro que nas

aulas de teatro e música, não queriam barulho. A maioria das escolas não tem preparo elas não sabem que o tra-balho é para criar instrumentista. No entanto nós deixamos nossos celulares com a escola para ela dar aos pais para que possamos tirar as dúvidas. Os pais ligam falando que seus filhos não conseguem fazer em casa aqui-lo que aprenderam na escola então acham que a criança não aprendeu direito, mas os pais têm que entender que aula coletiva é uma coisa e treino em casa é outra. Quem nunca chegou em casa e não lembrava de tudo o que aprendeu na escola?

Qual a forma de seleção das escolas? Perto de metrô, se é particular por conta de nossas necessidades financei-ras, e a abertura da direção ou dos do-nos, se eles são artisticamente dispo-níveis. Precisamos saber se a direção sabe como funciona a arte, porque até hoje existem pessoas que confundem o artista, ou o menosprezam. Mas nós temos formação, temos experiência e vivência. A nossa realidade hoje é ou-tra, mas muitos não a compreendem.

O que são “Os Melômanos”? A senho-ra se considera uma apaixonada pela música? Sim, claro. Não sei se vocês têm conhecimento, mas melômanos significa exatamente ser apaixonado pela música, e esse foi um projeto que começamos a pouco e tivemos a idéia de trazê-lo para o teatro, para assim trabalhar música e teatro juntos. A idéia principal é de criar os melôma-nos. Todo mundo ouve música, mas ninguém conhece música, ninguém é musicalizado. As pessoas escutam a massa musical, não pensam no ins-trumento. Nosso intuito é trazer esse trabalho cênico para essas pessoas. Vamos aprender a ouvir música!

Como a senhora entrou nesse meio cul-tural da escola, com música e teatro? Nós pensamos num projeto das esco-las primeiro e fomos atrás de clientes, perguntando se gostariam de trabalhar conosco, se estavam dispostos a nos conhecer e a nos dar oportunidades. E foi assim que a primeira escola topou.

Adquirimos experiências com uma, com outra, mostrando e divulgando nosso trabalho. Na escola é um bom lugar para se trabalhar.

No Brasil as pessoas valorizam o teatro ou têm certa resistência às artes como todo? As pessoas têm resistência sim. Acham que não é necessário. Vemos civilizações como, por exemplo, a grega: O estado obrigava o cidadão e a família a ir ao teatro assistir espe-táculos que duravam o dia inteiro. Não que nós faremos isso, afinal a democracia como todo mudou, mas a Grécia formou grandes pensadores. No entanto, a resistência é maior porque não se divulgam na TV, como as novelas. O máximo que as pessoas vão é ao cinema, mas mesmo assim entre o cinema e a churrascaria, sem dúvidas optam pela segunda opção.

É por isso que não existem tantos profissionais voltados para arte nas es-colas? Pra essa área porque o salário é baixo e os profissionais anteriores não souberam lidar com a máqui-na, porque existe um compromisso assumido com responsabilidade. Mas principalmente pela questão de como ele é visto. O professor de artes é vis-to como um cara meio iluminado, mas ninguém quer pagar aquilo que ele merece. As pessoas pensam que ar-tista não tem profissão, tanto que nós deixamos bem claro para os pais que não queremos formar artistas porque eles entram em pânico, com medo do filho não ser um advogado ou médico. Já para criança é engraçado, é diver-tido participar dos exercícios teatrais, com brincadeiras de queimadas, pega-pega. Isso é expressão corporal, ai já começa um viés a mais de teatro. Não vai sair nenhum Al Pacino ou Marlon Brando de uma aula. Pode sair, mas nós apenas damos as ferramentas e a consequência disso aparecerá em al-guma atitude ou característica futura.

Além dos trabalhos oferecidos às crianças e adolescentes, também são inseridas aulas para pais e professo-res. Qual a proporção de pessoas que aderem a esse projeto? Diria que esse

é o projeto mais complicado. Um exemplo disso foi uma reunião que fizemos para quatro escolas, foram apenas vinte pais e dentre eles, quase metade saiu no meio da reunião, mesmo com apelos e brindes. E olha que a reunião era apenas para mostrar aos interessados, como funcionam as aulas para crianças. Porém nós abri-mos a oportunidade, justamente para englobar essas pessoas, afinal a escola não é responsável pela educação do fi-lho, ela apenas faz parte da educação. Mesmo que tenha sido vista ultima-mente, como educadora em conceitos da família, isso é coisa que vem de casa. Existe uma grande responsabili-dade, por isso trabalhamos o coletivo dessas crianças.

Como é ministrar oficinas de teatro, principalmente para adolescentes? Eles estão no meio termo: Déficit de atenção x existência de interesse e concentração. São bem mais fáceis de lidar, pois o adolescente de uma oficina de teatro demonstra disponibi-lidade. Eles literalmente “se jogam”. Procuram fazer os exercícios teatrais propostos, mesmo que no início haja certa resistência, nós conseguimos fazer com que eles leiam um livro. Tivemos o caso de um rapaz que

demonstrou um interesse muito grande, no CEU Inácio Monteiro, e eu propus um exercício introspectivo onde eles fechassem os olhos e escutassem um som ou ruído do mundo. A reação do rapaz foi surpreendente, parecia que ele ia explodir, vimos um monstro ali. Parece assustador, mas isso vai da vivência de cada um. É um momen-to onde se pára e faz-se uma análise do que está lhe incomodando, ou lhe fazendo bem. No caso do rapaz, ele demonstrou um momento ruim de sua vida, e expôs aquilo com a sensibiliza-ção de um personagem, tudo depende da vivência de cada um.

A senhora e o ator Antônio Revuelta escreveram juntos o artigo “Reeducação a personalidade na atuação artística”, publicado em 2007. Quais os pontos abordados e do que se referia o artigo? No artigo trabalhamos com a voz como esqueleto para qualquer arte, inclusive na mímica. A voz passa a assumir o esqueleto da estrutura artística seja pe-las artes plásticas, pela música ou pela dança, e através disso, a reeducação do personagem em decorrência desse processo e de suas influências.

No palco, qual o momento ou ação que quando é realizada pelo espectador, lhe passa a certeza de “missão cumprida”? Posso dizer que é atingido o nível de excelência e que a proposta deu certo quando a reação do espectador não é o que a maioria das pessoas espera que seja, nesse momento você tem a certe-za que houve a catarse. Muitas vezes os aplausos, ou a fama não são o sufi-ciente. Mas isso depende do espetácu-lo, do objetivo, do tema abordado, e da emoção do ator. E se pegarmos ou não o “peixe dourado”, isso não importa. Ter o gosto de pensar que demorei tan-to para fazer aquilo com tanto esforço, mas que faria tudo de novo é emocio-nante. O importante é o que fazemos e nada nos abala, nós sabemos o que fazemos e apesar dos artistas serem conhecidos como loucos tudo é muito centrado, alguma coisa verdadeira nós conseguimos atingir. E é aí que entra o papel da arte: Não é terapia, mas acaba sendo terapêutico.

Entrevista IARA CAMPELLO

“As pessoas pensam que o artista não tem profissão, tanto

que nós deixamosbem claro

para os paisque não queremos

formar artistas, porque eles

entram em pânico”

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