Outras farpas.primeira edição
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Informativo Cultural
OUTRAS FARPAS
Ano I –Nº 01 Contato: [email protected]
LEITOR DE BOM SENSO,
APROXIMA-TE E VÊ “Temos um objeto importante em mãos, e com ele podemos rasgar as entranhas da ignorância e iniciar
uma nova fase em nossas relações interpessoais”
Página 02
LITERATURA E OUTRAS FARPAS
Achega-te, pois, a nós de olhos e ouvidos bem abertos. Seremos para teus olhos lanternas na escuridão; sussurraremos em teus ouvidos gritos do passado e do presente e um dia, de surpresa, perceberás que plantamos uma farpa em tua mente!
Página 04
Entre o Sublime e o Abjeto “crianças nascidas através de cópulas sobre papelões catavam para seus pais (algozes de suas
vidas), novos papéis e jornais para cruzamentos ordinários.”
Página 03
Os comentários de uma mulher do prazer...
Sexual. Hetero. Maior. Página 06
“Quando o cinema surgiu, acreditou-
se na possibilidade de uma captação
fidedigna da realidade[...]
o cinema materializaria de forma
imparcial o desejo do "congelamento
de instantes"”
Página 08
AINDA NESTA EDIÇÃO...
Os relatos de uma pesquisadora ............................................................................................... Página 05.
IMPÉRIO DOS SENTIDOS: Uma farpa cinematográfica .................................................... Página 07.
SOPA DE FARPA: Nova culinária para um novo milênio .................................................... Página 09.
![Page 2: Outras farpas.primeira edição](https://reader031.fdocumentos.tips/reader031/viewer/2022020116/559ba8311a28abf7658b4728/html5/thumbnails/2.jpg)
Leitor de bom senso, que
folheia este pequeno
material, aproxima-te e vê.
Por: Manoel das Neves*
Chega mais perto, não há o que
temer. Aproxima o papel do teu
rosto e nota que a xérox ainda
está quente. São as Outras
Farpas, feitas por aqueles
mesmos jovens de outrora - hoje
mais pesados e menos cabeludos
-, que vêm buscar mais uma vez a
tua atenção, pois, indignados
escrevem e escrevem. Jovens que
ainda não perderam de todo a
energia surgida nas revoluções
hormonais, a energia que
propulsiona a típica vontade louca
e burra de mudar o mundo por se
sentirem incomodados com as
coisas tal como estão.
Acobertam-se desta vez sob o
manto inspirador do escritor Eça
de Queiroz, esperando deste a
sua benção, e o fazem ao ousar
denominar de farpas o resultado
deste trabalho.
Para que todos saibam, As Farpas
foi o nome dado por Eça,
juntamente com o seu amigo
Ramalho Ortigão à publicação
lançada pela dupla em Portugal a
partir do ano de 1871, onde a
ironia e o riso desleixado não
encontravam fronteiras nem
respeitavam autoridades e
costumavam incomodar muita
gente, como incomodam as
farpas, tendo seus arranhões
alcançado até o Brasil. Uma parte
destes textos pode ser facilmente
encontrada no site
www.dominiopublico.gov.br,
compilada sob o título Uma
Campanha Alegre, uma espécie
de resgate dos textos de Eça de
Queiroz. O restante vai requerer
do leitor uma busca um pouco
mais apurada.
Porém, as farpas que o leitor
agora possui são outras, assim
como outros são os nossos
tempos. Não que uma
considerada parte daqueles
magistrais comentários não
possam ser aplicados aos nossos
dias e que a língua não coce para
que saiamos às ruas a gritar que
o país perdeu a inteligência e a
consciência moral e que a prática
da vida tem por única convicção a
conveniência, atestando todo o
brilhantismo do autores
portugueses e os escolhendo
como nossos profetas.
Poderíamos sim, e ainda
estaríamos causando os nossos
arranhões. Mas a vida
contemporânea nos presenteou
também com outros espaços,
onde podemos introduzir o nosso
arame e por lá deixar a nossa
marca.
Já não nos basta “bater de frente”
como fizemos anteriormente
através dos meios virtuais, em
textos retirados dos mares do
sarcasmo – alguém ainda se
lembra de um certo site?. Hoje
existe a necessidade de re-
construir e acrescentar,
aproveitando a existência de
espaços vazios para lançar as
nossas discussões. Talvez nem o
mais pessimista pudesse afirmar
que viria a ser uma farpa o
simples fato de se comentar
despretensiosamente sobre
literatura, cinema, música,
comportamento e outros assuntos
no promissor ambiente
universitário, mas olhamos
espantados a nossa volta e a falta
de iniciativa, de diálogo, do bom
e velho álcool, da influência
maligna do próprio satã é
chocante.
O pragmatismo exacerbado, que
por vezes sem que saibamos
penetra nossos poros e toma de
assalto o nosso ser, não deve
transformar esta etapa de nossas
vidas num frio corredor onde
cada um de nós leva certo tempo
para atravessar, sem sequer olhar
para os lados, sem escutar o que
o outro tem a dizer e a
acrescentar em nossas vidas. Eis o
motivo e eis também o veículo.
Perde esse medo, caro leitor, vem
nos conhecer e permite que te
conheçamos também.
Temos um objeto importante em
mãos, e com ele podemos rasgar
as entranhas da ignorância e
iniciar uma nova fase em nossas
relações interpessoais,
principalmente nós estudantes.
Que ao virar a última página deste
protótipo, leitor de bom senso,
paire em teu ser algum tipo de
excitação, e que te sintas
motivado a caminhar junto
conosco, buscando meios de
efetivar esta idéia, criando uma
ferramenta de informação e
transformação.
Um forte abraço.
___________________________
*Manoel das Neves – Durrel -
Graduando do curso de Direito da
Universidade do Estado da Bahia –
UNEB – CAMPUS XV – Valença.
(e-mail: [email protected])
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ENTRE O SUBLIME E O
ABJETO
Por: Acton Lobo*
Caminhava silenciosamente,
atento aos meus pensamentos e a
lenta chegada do crepúsculo. O
céu diante dos meus olhos impôs
uma hipnótica transição de cores
ao Centro da Cidade. Mais um dia
chegara ao fim, e, todos que
transitavam naquele momento,
em um ir e vir quase que infinito,
desejavam somente encontrar os
seus lares, as suas novelas
preferidas ou, na melhor das
hipóteses, algumas horas de
sadio entorpecimento em um bar.
Inconscientemente, a sensação de
missão cumprida pulsava em cada
um, pois, estava findando mais
um ciclo: Acordar, trabalhar e ir
para casa descansar.
A medida que avançada pela
Avenida Sete, diálogos alheios
tomavam as minhas reflexões de
assalto: Uns queixavam-se da
situação econômica do país,
outros, mostravam-se perplexos
com a crescente onda de
violência, culpando o governo, a
televisão e a falta da união
familiar por tais situações. Entre
as várias conversas “içadas” pelo
meu silêncio, unânime somente
era a solução para tais
infortúnios. Ao “onisciente,
onipresente e onipotente” restava
o desafio de corrigir todas as
mazelas humanas existentes e
que muitos, aqui entre nós, se
divertiam em dar formas, cores e
contornos.
Cada vez mais sereno, encontrava
no ar frio os elementos furtivos
de uma indolente existência,
enquanto a encantadora cidade
ganhava novas tonalidades,
personagens e diálogos, assistia a
transformação de antigos casarios
- outrora imponentes mansões -,
em um desprezível registro de
uma fase áurea, esquecida
atualmente por todos.
Testemunhava o vagaroso e
pestilento caminhar de fantasmas
anônimos, estes, por sua vez,
resignados pela fome e por
incontáveis desgraças que os seus
respectivos espíritos carregavam.
A noite trazia consigo uma nova e
indesejada dinâmica ao olhar
comum.
Criaturas subumanas surgiam
com seus trapos chamados de
vestes, enquanto, crianças
nascidas através de cópulas sobre
papelões catavam para seus pais
(algozes de suas vidas), novos
papéis e jornais para cruzamentos
ordinários. O sublime dava
passagem ao abjeto, enquanto o
Sol era engolido pelo horizonte. O
degradante de nossa sociedade
estava ali: correndo, catando lixo,
carregando suas proles
indesejadas, multiplicando-se
como ratos e incomodando a
metafísica serenidade das pacatas
e gélidas vidas de quem circulava
por aquela avenida.
O lento precipitar de uma chuva
fina enriqueceu a paisagem do
Centro, escondendo os passantes
sob incômodos guarda-chuvas.
Indivíduos, pensamentos, anseios,
preocupações, ódios, frustrações
amorosas, projetos de vida
indefinidos, objetivos cancelados
e perversões inomináveis
caminhavam agora encolhidos e a
passos largos, negando e
repudiando o que estava
nascendo em cores disformes,
mas com vida e forte pulsação.
Uma nova Salvador surgia das
ruas transversais e becos
imundos, sob o vento frio e da
calma garoa que iniciava o seu
efusivo espetáculo.
O queimar do filtro do cigarro
despertou-me daquela reflexão
atordoante e subitamente o
“transe” chegou ao fim. Diante da
melancólica chuva que se iniciava,
um único desejo começou a
explodir em meu coração: Pegar
um táxi e ir ao encontro do meu
tranqüilo refúgio, descansar e
encerrar sob os afagos de meu
amor, ao som da voz “etérea,
flexível e levemente rouca” de
Billie Holiday, mais um ciclo.
E assim, esquecia-me do Abjeto...
___________________________
*Acton Lobo é licenciado em
Geografia pela Universidade do
Estado da Bahia – UNEB – Campus
V. Atualmente reside em Salvador.
(e-mail: [email protected])
![Page 4: Outras farpas.primeira edição](https://reader031.fdocumentos.tips/reader031/viewer/2022020116/559ba8311a28abf7658b4728/html5/thumbnails/4.jpg)
LITERATURA E “OUTRAS
FARPAS”!
Por: Jean Michel F. Santos*
Já faz algum tempo que a
literatura tem servido de fonte
privilegiada para análise do social.
Muitos pensadores das ciências
humanas e sociais têm se debruçado
nos documentos literários em busca
de respostas para suas indagações,
pois, com o surgimento de novas
metodologias de abordagem, fica cada
dia mais claro que os relatos deixados
por literatos têm muito mais a nos
dizer sobre a sociedade em que estes
viveram do que se supunha. A
literatura apresenta-se então, sob
essa nova perspectiva, como produto
de uma realidade social, por
conseqüência passível de
decodificação.
A ciência histórica talvez seja
a área em que o texto literário venha
sendo abordado de forma mais
frutífera nas últimas décadas.
Principalmente a partir da década de
70 do século XX muitos historiadores
têm lançado mão do documento
literário como fonte principal de seus
trabalhos. Nomes como os de Pierry
Bourdieu, Robert Darnton, Roger
Chartier são representativos no que
diz respeito aos diálogos que história
e literatura vêem travando. No Brasil
esse processo deu-se de forma mais
significativa a partir da década de
1990, tendo nomes como os de
Sandra Jatahy Pesavento, Nicolau
Sevcenko, Roberto Schwarz, Sidney
Chalhub, dentre outros, entre os
defensores da literatura como fonte
para trabalhos historiográficos.
Paciência. Essa nota
introdutória sobre a importância que a
literatura vem galgando como fonte
ante as ciências que analisam o
passado é apenas um estratagema
retórico para dar vazão à reflexão
chave do presente artigo: Ora, se a
literatura tem tanto a nos dizer sobre
o passado, não teria, pois, muito a
nos dizer também sobre o presente e
conseqüentemente sobre nossas
expectativas futuras? Creio que sim! E
antes que algum polvo metafísico
venha tentar repousar seus tentáculos
sobre meu discurso, deixo de
antemão claro que à minha crença ele
nada tem a dizer. Já o vejo fugir,
deixando para trás apenas a mancha
negra da sua vergonha e desespero.
Não vos assusteis, portanto,
apressado leitor, desse tão novo e já
fugidio século XXI, pois não
perturbarei vosso atribulado e
rendoso dia com informações sobre
algo deveras enfadonho e
desnecessário com é nossa história.
Procedendo dessa maneira estaria tão
desajustado ao nosso tempo, como
estavam desajustados o poeta e seu
halo no lodaçal de macadame.
É, porém, no desajuste que
reside o cerne da questão: a farpa que
se acomodou tão desagradavelmente
entre a unha indolor da ilusão
federativa e a carne mestiça e dolorida
do povo da nação. E quem percebeu a
farpa e seu incômodo antes dos
literatos? Ninguém poderia tê-la
percebido antes deles, já que foram
eles próprios que a introduziram ao
notarem a distância gritante das
ideologias para a realidade. E quando
se tornou tácito que a ideologia, que
aqui chamamos unha, fora de forma
tão estanque selada à realidade que
aparentemente passou a compor
também essa realidade, veio a mente
livre dos literatos e cravou entre
ideologia e realidade a farpa da
dúvida, que é a centelha de toda nova
criação! A farpa é, pois, um incômodo
na suposta paz entre unha e carne; a
farpa é um aviso; a farpa é uma
tomada de consciência e um presságio
para o novo!
No entanto, a farpa que, uma
vez introduzida produz muito
incômodo, pode, todavia, com o
passar do tempo e a regeneração
lenta das carnes machucadas,
principalmente em organismos fortes
(e nós sabemos o quão, fortes e
adaptáveis, são as hipócritas e
mesquinhas ideologias que sustentam
o “desajuste” nacional),
paulatinamente perder seu caráter
incomodativo e passar despercebida,
apenas como uma lembrança vaga e
desbotada do passado.
Talvez seja isso que tenha
acontecido com os avisos de Gregório
de Matos, Lima Barreto, Pedro
Kilkerry, Chavier Marques, Graciliano
Ramos e tantos outros literatos mais
atentos às realidades contraditórias
que às ideologias apaziguadoras. Hoje
muitos se voltam para esses
“farpadores” e tentam ouvir nas
emaranhadas teias da [re]constituição
historiográfica os ecos dos gritos que
suas farpas provocaram. Porém, fica o
alerta para que estejamos atentos a
outras farpas que virão. Achega-te,
pois, a nós de olhos e ouvidos bem
abertos. Seremos para teus olhos
lanternas na escuridão; sussurraremos
em teus ouvidos gritos do passado e
do presente e um dia, de surpresa,
perceberás que plantamos uma farpa
em tua mente!
____________________________
*Jean Michel F. Santos é licenciado em
História pela Universidade do Estado
da Bahia – UNEB – Campus V,
Mestrando em Cultura, Memória e
Desenvolvimento Regional também
pela UNEB – Campus V e Graduando
do curso de Direito da UNEB – Campus
XV. Atualmente reside entre Valença e
Santo Antonio de Jesus.
(e-mail: [email protected])
![Page 5: Outras farpas.primeira edição](https://reader031.fdocumentos.tips/reader031/viewer/2022020116/559ba8311a28abf7658b4728/html5/thumbnails/5.jpg)
Relatos de uma pesquisadora
Por: Andréa Barreto Borges de Souza *
Há quase dois anos, estou vivendo um
relacionamento intenso. Sim, quase
um casamento e, como tal, com suas
crises, momentos de amor, brigas,
conflitos, insônias... Ah! Estou me
referindo a esse momento louco de
produção da dissertação de Mestrado.
É louco mesmo e assim deve ser: já
ouvi professores doutores na coisa
dizendo que na seleção de Mestrado
deveria haver teste psicológico...
porque os certos não deveriam entrar.
E eu concordo. Mas nem adianta
tentar explicar demais, quem viver
essa situação, verá.
O meu tema de pesquisa já me rendeu
até um apelido carinhoso, ou talvez
irônico, dos meus colegas: Menina de
rua. Não que eu trabalhe diretamente
com esses sujeitos. Meu interesse,
na verdade, são os sujeitos, hoje
adultos, que viveram parte de sua
infância e adolescência nas ruas de
Santo Antonio de Jesus. Digamos,
minha pesquisa está voltada para (ex)
meninos de rua. Interessa-me as suas
memórias sobre a rua e como estas
influenciam na construção das
identidades.
A inquietação diante desta temática
surgiu, caro leitor, enquanto eu fazia
parte do Conselho Tutelar de Santo
Antônio de Jesus. Lá, comecei a ver
que, na tentativa de cumprir o que
rege o ECA _ Estatuto da Criança e do
Adolescente, eram criados muitos
projetos voltados para crianças e
adolescentes. Mas uma angústia
sempre permanecia: o que acontece
com os sujeitos que completam a
maioridade? Se o ECA não mais exige
atenção e proteção depois dos 18
anos completos, para onde vão, o que
sentem o que pensam os sujeitos,
especialmente aqueles que passaram
um tempo nas ruas e depois foram
atendidos nas instituições?
O nosso desafio não foi apenas
localizar os (ex) meninos de rua, ouvir
suas memórias, compreendê-las...
Isso porque nós buscamos
compreender a realidade pesquisada
por meio dos discursos dos sujeitos
da pesquisa. O discurso não é uma
trilha plana, reta e onde se vislumbra
um fim previsível e transparente; ao
contrário, os caminhos serão
tortuosos e deslizantes, pois são
múltiplos os seus territórios. Os
dizeres não são tramas pré-
estabelecidas. São possíveis pelos
movimentos da história e das
condições de produção. As palavras
não são transparentes...
Eu vos confesso que compreender os
discursos daqueles que já viveram nas
ruas tem sido um desafio. Os sentidos
são múltiplos. Há memórias
discursivas que derivam do contato
com a polícia, com a família, com
igrejas (a maioria das instituições são
mantidas por igrejas católicas ou
protestantes), centros de
ressocialização para adolescente
infrator, dentre outras instituições.
Nessas memórias, há a idéia de que
“menino de rua” é o “trombadinha”, o
“pivete”, o “malandro”, é um sujeito
que incomoda, atrapalha, suja a
cidade. Por isso, nos discursos
produzidos, os entrevistados já não
querem identificar-se com a vida de
“menino de rua”. Querem ser
“cidadãos de bem”, aqueles que
trabalham, contribuem de maneira
produtiva e não mais incomodam as
“autoridades da cidade”.
Pelo menos por um motivo eu me
sinto realizada até agora: se esses
sujeitos que eu entrevisto eram
silenciados até agora, eles estão tendo
a chance de falar. Muitos poderão
dizer que se tratam apenas de
pessoas que repetem um discurso
burguês, já que consideram que
precisam trabalhar e ser homens de
bem. Mas há no discurso as formas de
resistência, outros sentidos que
precisam ser compreendidos. Os
inconformismos diante da exclusão,
dos preconceitos sofridos, dos
estereótipos... Mas eu não vou contar
tudo agora, até mesmo porque eu
ainda estou trilhando os caminhos
desta pesquisa, estou tentando
descobrir os silêncios e as vozes
sobre a rua...
Enquanto isso, eu continuo aqui com
meus conflitos, certezas e incertezas.
E estas são bem melhores.
___________________________
*Andréa Barreto Borges de Souza é
Mestranda do Programa de Pós-
Graduação em Cultura, Memória e
Desenvolvimento Regional da
Universidade do Estado da Bahia –
UNEB.
(e-mail: [email protected])
![Page 6: Outras farpas.primeira edição](https://reader031.fdocumentos.tips/reader031/viewer/2022020116/559ba8311a28abf7658b4728/html5/thumbnails/6.jpg)
Mulher rodada,
experimentada e
vivida comenta.
Nada científico.
Por: Patrícia So
Pensei, repensei, procurei,
fiquei doida e não encontrei
jeito de começar isso. Vai
do jeito que deu mesmo.
Fui convidada a falar do
que significa uma primeira
vez para uma mulher. Aqui
vai a minha.
Na verdade, sou cheia de
primeiras vezes. A primeira
transa, a primeira estria
visível, a primeira lingerie
sexy, o primeiro homem de
barriga verde, enfim,
muitas primeiras vezes a
contar. Ah, se começo aqui
a falar de todas elas, logo
meus queridos leitores
largariam esta folha. Seria
realidade demais, demais.
Atentar-me-ei então ao
primeiro encontro. Sexual.
Hetero. Maior.
Na condição de mulher
livre, desinibida e um
pouco acima do peso,
sempre fui irresistível aos
olhares masculino-
selvagens. Eles adoravam
minha inteligência, meu
olhar de cobra-coral (assim
me apelidou um amigo-
com-toque) e minha
deliciosa voz de nordestina
boa de cama. Eu era um
sucesso.
Só tinha um problema: eu
era virgem. Uma virgem
sexy, tudo bem, mas uma
virgem. Esse detalhe me
impediu de usufruir de
tantos homens
maravilhosos que conheci
nessa época, que só de
lembrar hoje, dá dor no
coração (e um arrepio no
meio das coxas).
Como toda boa virgem, eu
era louca pra me perder. Só
que ainda tinha essas
bobagens de cara certo,
amor, relação estável, etc.,
esses detalhes bestas que a
gente cria pra adiar os
prazeres. Porque sexo, hoje
eu sei, é pura felicidade.
Eu até tinha um namorado,
bonitinho e com uma
bundinha deliciosa, mas
tesão que é bom, nada.
Acabei tendo minha
primeira vez com o amigo
que me apelidou de coral.
Foi bom, diferente do
esperado, meio doloroso e
viciante. Nunca mais
larguei. O sexo né, porque
o cara já era.
E é exatamente isso que
uma primeira vez é para
mim. Sempre diferente, um
convite ao novo, ao nunca
experimentado, ao prazer,
se bem que às vezes pode
levar a algo ruim (como o
primeiro empréstimo
bancário para quitação da
casa onde vai morar com
um marido que depois de
um tempo não irá comê-la
mais e ainda a trairá com
sua prima gostosa). Eu
recomendo as primeiras
vezes, mas com cuidado.
Permita-se conhecê-las,
lambuze-se delas, mas não
seja burro. A pressa é
inimiga da ereção.
Então, já que dei todas as
dicas de primeira, você já
pode começar planejar a
segunda, que sempre é
melhor, a terceira, nem se
fala, e por aí vai. Quando
perceber, já vai ter virado
uma pessoa rodada,
experimentada e vivida,
assim como eu.
Risos.
![Page 7: Outras farpas.primeira edição](https://reader031.fdocumentos.tips/reader031/viewer/2022020116/559ba8311a28abf7658b4728/html5/thumbnails/7.jpg)
O IMPÉRIO DOS
SENTIDOS
Direção: Nagisa Oshima.
Ano: 1976.
País: França, Japão.
Por: Caio Dimitri,
Visceral e revolucionário, o
Império dos Sentidos é
constantemente citado como
uma das mais importantes
obras eróticas do cinema
mundial. A história de Sada,
uma ex-prostituta que ao ser
contratada por Tikisan, senhor
de uma propriedade, inicia
uma viagem pela busca
incessante e insaciável do
prazer, vai muito além das
cenas de sexo predominantes
no filme.
Ambientado na década de 30
e lançado nos anos 70, é um
filme que rompe com o
conservadorismo milenar da
sociedade japonesa,
introduzindo no cinema
oriental uma nova perspectiva
de análise das relações
humanas, sobretudo as
paixões que permeiam e
sobrepujam todo o decoro
moralista, não só da sociedade
nipônica, mas também do
mundo ocidental.
O diretor, Nagisa Oshima,
fugindo de qualquer
linearidade, utiliza-se do sexo
para dissecar e expor,
incisivamente, as relações
humanas naquilo que mais se
aproximam do estado natural,
das loucuras, quando da busca
ilimitada pela realização dos
desejos mais escusos e
condenáveis pela sociedade
hipócrita.
A aparente relação de amor
entre os protagonistas
desmancha-se na necessidade
quase que vital do sexo, e
Tikisan se vê cada vez mais
envolvido pela insaciabilidade
de Sada. O sexo é tratado sem
nenhum pudor, como deve
ser, diga-se de passagem. As
cenas mostram desde um
defloramento grupal até a
introdução de um ovo na
vagina que logo depois é
ingerido. De tão incansáveis, a
relação desgasta-se e nada
mais parece satisfazê-los a
não ser a dor, inclusive nas
várias tentativas de
enforcamento durante o coito,
culminando na cena final do
filme, em que Sada castra
Tikisan.
Enfim, longe dos clichês do
gênero, “O Império dos
Sentidos” mescla elementos do
drama e do romance para
romper com um falso
moralismo e expor as relações
interpessoais de maneira crua,
visceral.
____________________________
*Caio Dimitri é graduando do
curso de Direito da
Universidade do Estado da
Bahia – UNEB – Campus XV.
Atualmente reside em Valença.
![Page 8: Outras farpas.primeira edição](https://reader031.fdocumentos.tips/reader031/viewer/2022020116/559ba8311a28abf7658b4728/html5/thumbnails/8.jpg)
O OLHO DA FARPA
Um cisco no olho, uma "farpa na mente"
Por: Leandro Santos Bulhões de Jesus
O ser que contempla uma paisagem a torna possível pelo enquadramento do olho. Não existe um olhar puro que possa traduzir uma dita realidade, por isso, as impressões que se têm a partir das visibilidades estarão sempre relacionadas ao universo cultural sob o qual o espectador está inserido.
Quando o cinema surgiu, acreditou-se na possibilidade de uma captação fidedigna da realidade. Numa cadência histórica de tentativas de representação do real, que vem desde os desenhos das cavernas, esculturas, teatro de sombras, pinturas, xilogravuras, iluminuras, fotografia, o cinema materializaria de forma imparcial o desejo do "congelamento de instantes".
No entanto, o processo de popularização deste engenho é também explicado pelo fascínio que os seres humanos têm pela ilusão (captação, manipulação, representação) da realidade. Logo, ele vai se tornar um dos maiores símbolos da modernidade e do lazer e, da mesma forma, um poderoso instrumento de veiculação e propagação ideológica daqueles que o produzem, financiam e distribuem.
Tendo como marco sua primeira exibição no ano de 1895 num porão, em Paris, pelos Irmãos Lumière, a história do século XX se confunde com a sua. Este invento passou a permitir às futuras gerações um poder até então atribuído aos deuses, pois, depois da câmera, as pessoas podem ver projetados acontecimentos, representações, personagens, destacados ou anônimos da história, num teatro de conveniências.
Hoje, mais de cem anos depois de seu lançamento, as fábricas de ilusões multiplicaram-se, potencializaram-se, e o próprio cinema traz estas questões. A trilogia Matrix, por exemplo, levanta problemas acerca do poderio da manipulação da realidade por meio da construção de uma sociedade
programada e controlada por inteligências artificiais.
Em Matrix, há um mundo projetado diante dos olhos das pessoas de modo que não possam constatar suas condições de escravos, nascidos num cativeiro, encarcerados num tipo de prisão que não se consegue sentir ou tocar: a prisão da mente.
Mesmo lançado há quase dez anos, as idéias propostas em Matrix atualizam as discussões que se referem às concepções do real, à ordem, aos referenciais que constituem o universo material e simbólico que estamos envolvidos.
Fazendo-nos pensar sobre o estado das coisas que nos rodeiam e sobre os limites de nossa autonomia, é possível estabelecer uma ponte também sobre o poder que o cinema exerce na sociedade, esta hoje, considerada por diversos campos do conhecimento, como marcada por uma cultura audio-imagética. Não basta afirmar que o cinema, ou que as imagens, como a fotografia, as charges, as pinturas, os outdoors, as campanhas publicitárias, dentre outras, têm influenciado a sociedade, que ditam regras, modas, mudam costumes, vícios, tradições. Faz-se necessário refletir de que forma isso se torna possível.
Ao longo do século XX, as sociedades industrializadas investem no desenvolvimento de uma cultura de massas e os novos meios de comunicação, como o cinema e o rádio, serão utilizados como armas políticas tão poderosas quanto qualquer outro instrumento bélico. Quando o cinema se desenvolve e se desenvolvem também as técnicas, sobretudo tendo como pano de fundo as possibilidades lucrativas do invento, a sedução às massas se dá a partir da inserção de temas populares que teriam uma rápida identificação com o espectador através das representações. Nesta perspectiva, o sistema propagandístico terá seu pilar calcado na extensão de interesses ligada à magia, graça e fascínio reelaborados agora pela arte cinematográfica. Hitler, por exemplo, utilizou-se bastante dessa estratégia no processo de hegemonia nazista na Alemanha na década de trinta, o que pode ser percebido a partir
da análise das obras financiadas em seu governo, onde se destaca a documentarista oficial do partido nazista Leni Riefenstahl.
Hoje, mesmo cercados por todos os lados de materiais visuais, ainda são escassas as formas de leitura dessas linguagens, até mesmo porque, durante muito tempo, teóricos de diversas áreas do conhecimento, negligenciaram as possibilidades de interpretação da sociedade por meio de "fontes para além do papel", algo que já está mudando.
Estarmos atentos às questões ideológicas presentes nos discursos que emanam dos materiais visuais é um dos desafios de nossa época que já constatou o poderio dessas linguagens, sem, no entanto, ter desenvolvido instrumentalizações sofisticadas de interpretações, afinal, quando e como ler as imagens e utilizá-las de forma cognitiva, sobretudo para além do ambiente acadêmico?
A utilização do cinema na sala de aula e a incorporação de diferentes linguagens no processo ensino/aprendizagem, bem como a existência de cineclubes permite avanços destas questões.
Não tomar como verdadeiro as proposições apresentadas pelo mundo dado, significa estar com uma "farpa na mente", tal como Morpheu diagnostica o mal-estar de Neo frente às incompreensões do mundo instituído da Matrix. Não podemos esquecer que as formas de questionamentos da sociedade que fazemos parte perpassam também pelas representações visuais das quais produzimos e consumimos cotidianamente, e que os exercícios de desconstrução e dessacralização do potencial discursivo das imagens, funciona tal qual um cisco em nossos olhos, quebrando a calmaria engendrada por um caleidoscópio, que, a priori, apresenta-se como ideal, verdadeiro e conformador.
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* Leandro Santos Bulhões de Jesus é graduado em História e mestrando em Cultura, memória e desenvolvimento regional - UNEB Campus V.
(e-mail: [email protected])
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SOPA DE FARPA
Cocina española casera
Por: Las Loras.
Aconteceu de repente:
“Vamos comer amanhã, aí!”
Que almoço agradável! As
coisas e as idéias se fundiram
com mágica. Entradas com
Josefina, farofa, tomates.
Éramos cinco, em volta de
uma mesa no quintal de casa.
Cigarros, cervejas, e
Mercedez Soza criaram um
cenário propício para nossas
conversas, atualizações e
risos. Em cima da mesa:
“Cocina española casera”.
Uma deliciosa Carne de
Cerdo (carne de porco). Nos
fez recordar uma cena do
filme VOLVER de Amodóvar.
Na cena, Raimunda cozinha
para um grupo de 30 pessoas
que estavam rodando uma
“película”. Éramos cinco, entre
estudantes e amantes da boa
cozinha, da música e de
filmes que nos inspiram até na
hora de cozinhar. Pensava na
boa cena que ali tínhamos,
nos enquadramentos, em
nossos instantes mais
dramáticos do nosso bate-
papo, no melodrama de
alguns... A arte imitava nossa
vida.
Santo Antonio de Jesus como
todos sabem, é uma cidade
repleta de restaurantes ou de
apenas lugares que se paga
para comer, o que nos obriga
a transformar a casa dos
amigos em espaços de
bebedeira, boemia,
intelectuais e simpatizantes,
adoradores de Baco e
degustadores insaciáveis (o
que é de fácil aceitação por
parte dos donos da casa).
E ai, coitada de mim que sem
grana tenho que alimentar
periodicamente essas mentes
incapazes de desfrutar e até
reconhecer o talento
gastronômico dos emergentes
moradores dessa cidade.
Enfim, sinto-me na obrigação
de passar para os leitores
desse jornal, uma receita
saboreada, lambida,
mastigada e aprovada por
esse grupo tão seleto. Esse
grupo, que são os meus
amigos, esse bando de
insensíveis.
Ai vai a fantástica receita.
Observações valiosas: A
carne de suíno está na moda,
é mais barata que a carne
bovina e, além disso, é
sofisticado saborear bisteca
de porco com ervas finas.
1 kg de costela de porco
1/2 kg de batatas
3 cebolas grandes
3 dentes de alho
Azeite extra virgem ou azeite
de oliva simples
Pitadas generosas de alecrim,
tomilho e pimenta calabresa
(o alecrim é o carro chefe da
receita. As demais ervas são
substituíveis ou dispensáveis)
Preparo: Tempere a carne
com tempero pronto pra
carnes. Descasque as batatas
e corte-as em quatro, faça o
mesmo com as cebolas, os
dentes de alho descasque-os
simplesmente. Coloque tudo
em uma assadeira, salpique
as ervas e regue com prazer o
azeite. Asse em forno alto até
que a carne fique dourada, em
um tempo aproximado de 40
minutos. Esta delícia pode ser
acompanhada de arroz e
farofa, muito prático!
Dica: saboreiem prazerosamente
depois de um sexo, monogâmico,
à dois ou grupal, de acordo a sua
preferência.