Outra Vez Onestaldo (Com a Rainha Mab) _ Gaveta Do Ivo

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25/02/11 por inbarroso

(htps://gavetadoivo.files.wordpress.com/2011/02/screen‐shot‐2011‐02‐25‐at‐11‐23‐52.png)

Em 1937, três anos após a publicação de Festas  galantes , de Verlaine [vide post de 23.08.2010],Onestaldo de Pennafort recebeu do então ministro da Educação e Saúde, Gustavo Capanema, grandeincentivador das artes, a incumbência de traduzir a peça Romeu e  Julieta , de William Shakespeare,para o fim especial de sua montagem na temporada oficial de teatro daquele ano. Foi a oportunidade

de Onestaldo demonstrar sua qualidade de tradutor: trabalhando em outra língua produziu omesmo feito que havia antes conseguido com o poeta francês. O Romeu e  Julieta de Onestaldo éigualmente um clássico da literatura  brasileira, que superou as traduções anteriores e  jamais foisuperado por aquelas que, vindas depois, tentaram, em vão, atingir os patamares de excelência emque ele o colocou. Quem se der ao trabalho, ou antes, ao prazer de cotejar a tradução de Onestaldocom o original shakespeariano verá com que souplesse , com que propriedade, com que afinação, onosso poeta soube reproduzir as sutilezas e nuances do  bardo inglês. Romeu e  Julieta , obra dauventude de Shakespeare, cronologicamente sua primeira tragédia, é uma exuberância de amoruvenil, de impulso adolescente, de paixão arrebatadora, entremeadas às vezes por um linguajar cru epopularesco, ora faceto ora grosseiro, como se fossem modulações a que se entregasse o poeta paramelhor provar sua capacidade de atuar em várias claves e registros diferentes. Tais modulaçõesexigem do tradutor um antenamento perfeito, uma captação de sintonias finas, para que possareproduzir em sua língua esses efeitos sem lhes alterar o colorido e a ressonância. O grande escritoritaliano Italo Calvino, na série de conferências que fez na Universidade de Harvard, nos Estados

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Unidos, reunidas em livro sob o título Seis  propostas  para o  próximo milênio , toma A Leveza como aprimeira das  qualidades de um escritor e, para isto, lança mão precisamente de uma falashakespeariana contida no Romeu e  Julieta. Logo no início da peça, na cena IV do primeiro ato,Mercúcio, amigo de Romeu, falando a propósito dos sonhos em que este último vive imerso, invoca afigura da rainha Mab (uma fada do folclore celta) e descreve‐a, de maneira  brincalhona, mas aomesmo tempo sutilissima, em versos que chegam, pela sua leveza, a ter a transparência das teias. Atradução desse texto é de grande dificuldade pela sutileza das imagens e a riqueza vocabular.

Onestaldo 

traduziu‐

assim:Pelo que vejo,  foste visitado

 pela rainha  Mab. Ela é  a  parteira

entre as  fadas. E é  tão  pequenininha

como a ágata do anel que os conselheiros

usam no indicador. Puxada  por  parelhas

de minúsculos

 átomos

  passeia

 por cima do nariz dos dorminhocos.

Feitos de  pernas longas de tarântulas

são os raios das rodas de seu carro;

de asas de  gafanhotos, a coberta;

as rédeas são da teia de uma aranha;

de úmidos raios de luar, o arreio;

de osso de  grilo, o cabo do chicote

e o rebenque de um  fio de cabelo.

 

O seu cocheiro, de libré  cinzenta,

é  um

 mosquitozinho

 duas

 vezes

menor do que o bichinho redondinho

tirado com uma agulha do dedinho

das criadas  preguiçosas; a carruagem

é  uma metade de avelã  vazia

e toda trabalhada, obra de entalhe

devida ao mestre‐entalhador esquilo,

ou talvez seja mesmo do caruncho,

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velho segeiro imemorial das  fadas.

Nessa equipagem é  que ela  galopa

todas as noites através do cérebro

dos amantes, que então sonham com o amor.

Recentemente 

apareceu 

uma 

tradução 

de Romeu

 

 Julieta , 

devida 

pessoa 

versada 

em 

assuntosshakespearianos, que inclusive declarou a uma revista que achava a tradução de Onestaldo“açucarada”. Ora, comparando‐se a tradução deste com a da pessoa citada, poderíamos dizer que sópode achar “açucarada” a de Onestaldo quem fez do texto uma tradução pedregosa e apoética.Tornando‐se dispensável fazer‐se um cotejo completo de ambas, ou mesmo apenas da fala deMercúcio antes citada, seja‐nos suficiente dizer que os maravilhosos versos de Onestaldo

Feitos de  pernas longas de tarântulas

são os raios das rodas de seu carro

onde as  belas aliterações em “r” (raios das rodas do carro) dão, por si sós, o andamento levíssimodessa carruagem feita de uma casca de noz, foram vertidos pela nova tradutora como

s varas são  perninhas de uma aranha,

asas de  gafanhoto sua coberta

em que tudo é prosa de qualidade inferior, a distâncias quilométricas da sublime  beleza existente emShakespeare e alcançada na poesia de Onestaldo.

***

O êxito nunca ofuscado da tradução de Romeu e  Julieta por Onestaldo de Pennafort encontrou seu ecoem 1955 quando ele traduziu especialmente para a Companhia Teatral Tônia‐Celi‐Autran a tragédiaOtelo , também de Shakespeare. Ênio Silveira, que a editou em livro em 1940, assim se refere aoevento: “Foi numa admirável montagem, custosa, sem nenhum auxílio ou  bafejo oficial, em  bases econdições estritamente comerciais, com um escolhido elenco, a cuja gente figuravam dois astros quedispensam qualquer adjetivação — que a aludida Companhia encenou a tragédia nesta versão noTeatro Dulcina, desta cidade, de 6 de março a 24 de  julho de 1956 (e depois em São Paulo e outrascidades do centro e do sul do país) em duzentos e tantos espetáculos — número que à época se disseamais ter sido logrado por encenações de Shakespeare, numa só temporada, em qualquer parte domundo, a não ser em palcos de língua inglesa. Por outro lado, a freqüência rigorosamente registrada,de 63 mil e tantos espectadores, resultou num êxito de  bilheteria sem precedentes em representaçõesdo gênero”. Sem precedentes foi igualmente a cobertura  jornalística dispensada à peça, seja nasreferências a seu diretor, a seus intérpretes e a seu tradutor. Onestaldo conheceu seu momento deglória vendo seu nome citado centenas e centenas de vezes nos  jornais e revistas de todo o país. Oespetáculo,  belíssimo, com Tônia Carrero no esplendor apicial de sua  beleza foi fotografada comcabelos loiros e longos resvalando do leito em que a trágica máscara negra de Paulo Autran se lheaproxima para dar‐lhe a morte naquele último  beijo, gesto acentuado pelas palavras magistraisrecriadas por Onestaldo:

Dei‐te

 um

 beijo

 ao

 matar

‐te

 e ora

 desejo

ao me matar, morrer dando‐te um beijo.

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em 25/02/11 at 19:17 | Resposta

em 01/03/11 at 16:48 | Res posta

em 26/02/11 at 11:28 | Res posta

em 02/03/11 at 02:27 | Resposta

Publicado em Grandes Traduções | Etiquetado  Jane Austen, Onestaldo de Pennafort, Rainha Mab,Romeu e  Julieta, Shakespeare, Willoughby. | 5 Comentários

ClaudioSeu site é excelente. Leio sempre mas nunca comentei. Desculpe a falta de acentos. Apenasuma nota: Mercucio non é primo de Romeu; o primo de Romeu é Benvolio.

ivo barrosoCaro Cláudio,

o lapso  já foi emendado. Espero que você tenha lido o Romeu e  Julieta na traduçãomagistral do Onestaldo. A menos que o tenha feito diretamente em inglês.Abraços,INB

antonio augustoOlá,

Perdoe‐me a intrusão, pois mando‐lhe uma mensagem aproveitando o espaço encontrado,

inexistindo 

qualquer 

vínculo 

com 

texto 

em 

tela. 

Não 

consegui 

enviar‐

lhe 

mensagem 

seja 

pelofacebook seja pelo e‐mail. Procurava material sobre Flaubert para a confecção de um vídeo eencontrei seu  blog. Desejo, caso queira, manter contato. Meu e‐mail:[email protected] Abraço, AA

André MarinhoIvo,que  bom você comentou sobre a tradução do Onestaldo! Foi você quem ma indicou e eufui à Biblioteca Nacional lê‐la,  já que não a encontrei para venda.

Fiquei 

surpreendido, 

encantado. 

Há 

momentos 

em 

que 

ritmo 

cênico 

se 

ergue 

de 

tal 

maneira 

queconsegui “sentir” a materialidade da cena, como se o próprio mise‐en‐scene, efetivamente,partisse do texto, fosse sugerido pelo texto.O famoso Grupo Mineiro Galpão produziu uma excepcional montagem nos anos 90 utilizando‐sedesta tradução, dirigida por Gabriel Villela e que foi, inclusive, exibida na Royal Shakespeare

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em 11/04/12 at 14:24 | Resposta

Company, em Londres. Foi um espetáculo memorável.Abraço grande, e…Como nos faz  bem suas reflexões!André Marinho.

Matheus de SouzaIvo,

Onestaldo é, sem sombra de dúvidas, o maior tradutor de Shakespeare em nossas terras equiçá da língua portuguesa, alcançando um nível de excelência que lhe permite até mesmo serfidelissimamente infiel em relação ao texto original, como quando traduz a Cena do Balcão deRomeu e  Julieta em versos rimados como Olavo Bilac havia feito… É paralelo ao que os alemãespodem gozar com Schlegel. Eu só tenho uma dúvida em relação à sua tradução de Otelo: emdeterminadas passagens, onde é verso o Onestaldo transforma em prosa… Deve‐se isto à ediçãoou ao fato do Onestaldo ter traduzido Otelo em exíguos três meses?

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