Outeiro do Vale: sepulturas de Nogueira de Côta (Côta, Viseu)

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CuPAUAM 34, 2008, pp. 125-146 Outeiro do Vale: sepulturas de Nogueira de Côta (Côta, Viseu) Gertrudes Branco* Marina Afonso Vieira** Resumo Neste texto dá-se conta dos resultados de uma pequena intervenção arqueológica motivada pela destruição parcial de uma sepultura paralelepipédica constituída por tegulae, em Julho de 2003. Os trabalhos decorreram um ano depois, no âmbito do projecto Da serra da Nave ao Vouga: paisagens humanas da Antiguidade Tardia à Alta Idade Média (Plano Nacional de Trabalhos Arqueológicos). Os dados obtidos permitem pensar na existência de uma necrópole de transição, pois, para além da sepultura de tegulae, foi escavado outro sepulcro, estruturado com lajes de granito e detectado um possível terceiro enterramento. Apresenta-se ainda o contexto arqueológico relacionado, apontando-se para a existência de um habitat coetâneo das sepulturas e uma continuidade de ocupação durante a Alta Idade Média. O estudo desta necrópole e dos vestígios arqueológicos associados poderá proporcionar um importante contributo para uma melhor compreensão das necrópoles deste período, ainda tão pouco conhecidas. Abstract In this text the authors present the results of a small archaeological excavation compelled by the partial destruction of a tegulae made grave, in July 2003. These works took place one year later, associated to the project From Nave upper land to Vouga river: human landscapes from Late Antiquity to Early Middle Ages (National Plan of Archaeological Interventions). The gathered data points to the existence of a transition graveyard, for there is another burial, a gran- ite lined grave, and possibly a third one. The related archaeological context is also presented: admittedly there is a contemporary settlement nearby and we can infer occupation continuity during the Early Middle Ages. The study of this burial ground and corresponding archaeological evidence may enlarge significantly our knowledge about this peri- od funerary tradition, so little known at the present time. DESCOBERTA A Sepultura de Nogueira de Côta foi identificada em Julho de 2003, na sequência da abertura mecânica de uma vala, executada com o objectivo de impossibilitar a circulação de veículos motorizados pelo meio de um pinhal, propriedade do Sr. Joaquim Marques da Silva. A Sepultura foi parcialmente afectada pelos trabalhos de escavação mecânica, que destruíram e colocaram a descoberto várias tegulae, * Instituto Português de Arqueologia. ** Centro de Estudios Arquelógicos das universidades de Coimbra e Porto. Bolseira de doutoramento da Fundação para a Ciência e a Tecnologia. Este texto foi elaborado no contexto dos seguintes projectos: Da Serra da Nave ao Vouga. Paisagens Humanas da Antiguidade Tardia à Alta Idade Média (PNTA) e Formas de ocupación rural en el cuadrante Noroccidental de la Península Ibérica: transición y desarrollo entre las épocas Romano y Medieval (Universidad Autónoma de Madrid – HUM-2004-04010- C02-02-HIST). 06.qxd 14/6/09 07:16 Página 125

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CuPAUAM 34, 2008, pp. 125-146

Outeiro do Vale: sepulturas de Nogueira de Côta (Côta, Viseu)

Gertrudes Branco*

Marina Afonso Vieira**

Resumo

Neste texto dá-se conta dos resultados de uma pequena intervenção arqueológica motivada pela destruição parcialde uma sepultura paralelepipédica constituída por tegulae, em Julho de 2003. Os trabalhos decorreram um anodepois, no âmbito do projecto Da serra da Nave ao Vouga: paisagens humanas da Antiguidade Tardia à Alta IdadeMédia (Plano Nacional de Trabalhos Arqueológicos). Os dados obtidos permitem pensar na existência de uma necrópole de transição, pois, para além da sepultura detegulae, foi escavado outro sepulcro, estruturado com lajes de granito e detectado um possível terceiro enterramento.Apresenta-se ainda o contexto arqueológico relacionado, apontando-se para a existência de um habitat coetâneo dassepulturas e uma continuidade de ocupação durante a Alta Idade Média. O estudo desta necrópole e dos vestígiosarqueológicos associados poderá proporcionar um importante contributo para uma melhor compreensão dasnecrópoles deste período, ainda tão pouco conhecidas.

Abstract

In this text the authors present the results of a small archaeological excavation compelled by the partial destruction ofa tegulae made grave, in July 2003. These works took place one year later, associated to the project From Nave upperland to Vouga river: human landscapes from Late Antiquity to Early Middle Ages (National Plan of ArchaeologicalInterventions). The gathered data points to the existence of a transition graveyard, for there is another burial, a gran-ite lined grave, and possibly a third one. The related archaeological context is also presented: admittedly there is acontemporary settlement nearby and we can infer occupation continuity during the Early Middle Ages. The study ofthis burial ground and corresponding archaeological evidence may enlarge significantly our knowledge about this peri-od funerary tradition, so little known at the present time.

DESCOBERTA

A Sepultura de Nogueira de Côta foiidentificada em Julho de 2003, na sequência daabertura mecânica de uma vala, executada com oobjectivo de impossibilitar a circulação de

veículos motorizados pelo meio de um pinhal,propriedade do Sr. Joaquim Marques da Silva.

A Sepultura foi parcialmente afectada pelostrabalhos de escavação mecânica, que destruírame colocaram a descoberto várias tegulae,

* Instituto Português de Arqueologia.**Centro de Estudios Arquelógicos das universidades de

Coimbra e Porto. Bolseira de doutoramento da Fundaçãopara a Ciência e a Tecnologia. Este texto foi elaborado nocontexto dos seguintes projectos: Da Serra da Nave aoVouga. Paisagens Humanas da Antiguidade Tardia à Alta

Idade Média (PNTA) e Formas de ocupación rural en elcuadrante Noroccidental de la Península Ibérica: transicióny desarrollo entre las épocas Romano y Medieval(Universidad Autónoma de Madrid – HUM-2004-04010-C02-02-HIST).

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possibilitando a sua identificação pelostrabalhadores que se encontravam no local.

A identificação dos vestígios deu de imediatoorigem à interrupção dos trabalhos, tendo sidocontactada a arqueóloga da Extensão Territorialdo Instituto Português de Arqueologia, em Viseu– Gertrudes Branco – que se deslocou ao local, nacompanhia do Presidente da Junta de Freguesia deNogueira de Côta – Sr. Joaquim Polónio Lopes.

Na altura, devido à escassez de meioshumanos e tempo disponível, a opção desalvaguarda passou pela cobertura da estruturacom geotêxtil e posterior aterro. Contudo, não foifeito um registo adequado do monumento, nemuma correcta avaliação do local, enquanto espaçoarqueológico.

Com o objectivo de suprimir estas lacunas, econsiderando o potencial científico do local, estefoi inserido no projecto Da Serra da Nave aoVouga, Paisagens humanas da AntiguidadeTardia à Alta Idade Média, da responsabilidadede Marina Vieira, ao abrigo do qual se realizou aescavação cujos resultados se reportam.

Os trabalhos decorreram de 5 a 10 de Julho de2004, sob responsabilidade das signatárias e coma participação de João Carlos Alves PiresTeixeira, aluno de Arqueologia da Faculdade de

Letras da Universidade do Porto. Tivemos ainda aajuda pontual de Fátima Beja e Costa e de AnaBarradas.1. O SÍTIO - IMPLANTAÇÃO

O pinhal onde a sepultura foi encontrada ficana periferia da localidade de Nogueira de Côta,pertencente à freguesia de Côta, concelho edistrito de Viseu. Coordenadas UTM (ED 1950):601417/4515901. A altitude é de cerca de 650 m(Carta Militar de Portugal 1:25 000, Fl. 167 de1998).

O local onde foi identificada a sepultura deNogueira de Côta (CNS 19224) está implantadona margem direita do rio Vouga, numa vertentesuave de um outeiro, voltado a sul, sobranceiro auma área aplanada a meio da encosta que descepara o rio. O local é bem irrigado por uma série depequenas linhas de água que correm em direcçãoao Vouga, que fica a um pouco menos de 1,5 Km.Em termos de ocupação do solo, existe um pinhala envolver o sítio onde se encontra a sepultura,existindo outra mancha idêntica mais a sul; oscampos cultivados (alguns denotando abandono)desenvolvem-se em socalcos até ao rio. A vinha eo milho são as culturas dominantes. Os solos sãoalgo espessos e derivam da decomposição dogranito base.

Fig. 1: Aspecto do local de implantação das sepulturas (no outeiro revestido de pinheiro), vista de sul.

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2. INTERVENÇÃO

A escavação surge na sequência de uma acçãode destruição parcial, neste contexto foi nossoobjectivo:

a) Avaliar e salvaguardar, através de registocientífico, a Sepultura de Nogueira de Côta;

b) Perceber se estaríamos perante umenterramento isolado ou se este formariaparte de um cemitério;

c) Recolher elementos que nos permitissemaproximar da datação deste tipo deestrutura funerária.

2.1. MetodologiaComo já tivemos oportunidade de referir, após

a sua identificação, a sepultura foi aterrada, nãosendo visível, aquando do início dos nossostrabalhos, qualquer indício superficial queapontasse a sua localização exacta.

Em consequência, foi marcada uma primeiraquadrícula de 2x2m, cujos alargamentos, de

forma a permitir enquadrar a duas sepulturasidentificadas, totalizaram os 19 m2 (fig.3).

A quadriculagem foi implantada,aproximadamente, em sentido N-S (com umdesvio de 10° relativamente ao Norte magnético).Por questões de ordem técnica, não nos foipossível inserir a quadrícula na rede geodésicanacional, pelo que as cotas foram obtidas emrelação a um ponto fixo, devidamenteidentificado, ao qual se deu o valor de 0, sendo osvalores todos negativos.

A escavação arqueológica decorreu seguindo ospressupostos metodológicos definidos por P.Barker (1977) e E. Harris (1979). Assim, procedeu-se à remoção das Unidades Estratigráficas [UE]pela ordem inversa à da sua deposição. Estasunidades foram registadas e descritas em fichaindividual e inter-relacionadas, seguindo ospressupostos gerais da estratigrafia. A sucessãoplanimétrica foi registada fotográfica egraficamente (com recurso a fotografia analógica edigital, a escala gráfica utilizada foi a 1:20).

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Fig. 2: Localização do sítio do Outeiro do Vale.

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Todos os materiais arqueológicos recolhidosforam referenciados tridimensionalmente (X-Y-Z),em relação ao sistema de coordenadas implantado.Foram lavados, marcados e estudados, estando jáentregues na Extensão Territorial de Viseu.

2.2. Descrição e análise da estratigrafia No decurso da escavação foram detectadas 9

unidades estratigráficas, que passamos a descre-ver sumariamente.UE 1 - Camada humosa, resultante da

decomposição da caruma dos pinheiros eda vegetação superficial;

UE 2 - Camada heterogénea composta porrevolvimento de saibro e terra vegetal,resulta da acção mecânica de abertura eentulhamento da vala;

UE 3 - Camada compacta, de tom castanhoamarelado, recobre as sepulturas; éidêntica à camada geológica;

UE 4 - Sepultura constituída por 15 tegulaeformando uma caixa rectangular. Parte dasepultura foi afectada pela aberturamecânica da vala, mas mantinha intacta abase e os topos. Algumas tegulae estavamfracturadas in situ pela pressão da terra;

UE 5 - Camada de terra, de tom castanhoamarelado, com inclusão de saibro degranulometria grosseira e poucofrequente. Esta pouco se distingue dacamada 3, excepto pelo menor calibredas inclusões e pela menor compactação.

UE 6 - Camada de terra, de tom castanhoamarelado, de compactação média;

UE 7 - Sepultura (incompleta) de lajes degranito, três laterais direitas, uma decabeceira, uma lateral esquerda e três noleito. Possui fragmentos de tegulae nointerior, que pertenceriam à cobertura;

UE 8 - Camada compacta, de tom castanhoamarelado, é idêntica à camadageológica;

UE 9 - Laje e pequena pedra que se encontramno perfil poente da vala aberta por meiosmecânicos. É possível que se trate demais uma sepultura constituída por lajes,já que, apesar de ligeiramente deslocadapela acção destrutiva, apresenta a mesmaorientação que os outros dois sepulcros.Só será possível confirmar esta hipótesenuma posterior escavação.

Fig. 3: Esquema de quadriculagem e topografia.

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A escavação empreendida revelou que asepultura 1 estava efectivamente intacta até aomomento em que a máquina a destruiuparcialmente (vide Fig. 5, onde é notória a“marca” deixada pela destruição mecânica).Confirmou ainda que não continha espólio. Aausência de restos ósseos é de esperar em solosácidos resultantes da degradação da rochagranítica.

Para além da sepultura 1, foi encontrada outraestrutura de inumação, a sepultura 2. Esta não foiafectada directamente pela abertura da vala, masa laje do topo poente foi colocada a descobertopor esta acção. Este sepulcro foi parcialmentedestruído em momento mais antigo, faltando alaje de cerre aos pés, duas lajes laterais do lado sule a quase totalidade da cobertura. Esteenterramento terá sido efectuado sensivelmente à

Fig. 4: Levantamento inicial em planta, sendo bem visível a vala, a sepultura 1 (UE 4) e os indícios das sepulturas 2 e 3 (UE 7 e UE 9).

Fig. 5: Perfil da sepultura 1.

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mesma profundidade que a sepultura 1 (videfig.6), mas como o terreno apresenta pendente, denorte para sul, esta última tem menos sedimentosa cobri-la, o que poderá ter facilitado a suadestruição.

No corte deixado pela acção mecânica, no ladopoente, ficaram visíveis duas pedras graníticas(UE 9), uma delas claramente afeiçoada, quepoderão corresponder a uma outra sepultura delajes (vide Fig. 4). Apesar de terem sidoligeiramente deslocadas da sua posição originalapresentam a mesma orientação que os outrosdois sepulcros.

É de notar que praticamente todas as unidadesapresentam uma coloração muito semelhante, seexceptuarmos a UE 1 que – como se espera numa

camada humosa –, apresentava um tom castanhomais escuro. Esta situação não dificultou muito oprocesso de interpretação, mas poderá ter obviadoa identificação de valas de fundação dassepulturas, embora sejamos da opinião que acompactação do solo base permite uma simplesaposição do material de construção na vala aberta.Portanto as tégulas ou lajes poderão ter assentadona fossa escavada, directamente sobre o solo base.

A UE 3 corresponde à terra que foi escavadaaquando da abertura da vala para proceder àconstrução das sepulturas e que terá sidoposteriormente depositada sobre as mesmas, semque seja possível fazer distinção morfológicaentre este sedimento e aquele que constitui o solobase.

Fig. 6: Perfil Norte-Sul, mostrando as duas sepulturas.

Fig. 7: Vista de sul das duas sepulturas em decurso de escavação. Em primeiro plano a sepultura 2.

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Pelo estado de fractura da tegula quecobriria a sepultura 2, completamenteabatida para o interior (vide Fig. 7, emprimeiro plano, o aparecimento dosfragmentos), será de supor a sua colocaçãodirectamente sobre a caixa tumular, semque tenha sido colocada terra sobre ocadáver. A sepultura 1, de que seconservaram duas tegulae da cobertura (dolado nascente, vide Fig. 8), apresenta umasituação diferente: se bem que muitofracturadas pela pressão do solo, não seencontram abatidas para o interior erepousam sobre a UE 51. Não foramencontrados vestígios de um ataúde no seuinterior, pelo que se impõe a busca de outrainterpretação. A nosso ver existem pelomenos duas alternativas: ou existia umaestrutura em tábuas de madeira não ligadasentre si (daí a inexistência de pregos), quese poderia resumir à cobertura, aguentando apressão da terra até que a infiltração da mesmaacabasse por sustentar a estrutura cerâmica, ouentão terá sido colocada terra sobre o defunto.Qualquer das hipóteses é difícil de comprovarquando os materiais perecíveis não seconservaram e é impossível fazer um exame à

forma como o corpo se decompôs. Partindo desta premissa, a UE 6 será

constituída pelas terras que se foram infiltrandona cavidade sepulcral após a deposição dodefunto e o colapso da cobertura. A UE 5 será deorigem idêntica, ou foi colocada directamente

1 Atente-se que a tegula que se encontra incompleta (a segunda a contar de nascente) foi partida pela máquina, pois apresentavafracturas recentes.

Fig. 8: Aspecto da sepultura 1, sendo visível o que restou da cobertura.

Fig. 9: As sepulturas em planta.

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sobre o corpo. A primeira hipótese parece sersustentada pelo facto destas unidadesestratigráficas (5 e 6) serem constituídas por umsedimento idêntico ao da UE 3, mas menoscompacto e com menos inclusões, embora quandoaparecem sejam idênticas às desta.

Pelo que nos foi dado observar e atendendo àdistinta tipologia, as duas sepulturas não serãocontemporâneas, a 2 será posterior à 1, mastambém não terão uma diferença cronológicamuito grande, o que é sugerido pelas idênticasprofundidade de enterramento, planta, orientaçãoe ausência de mobiliário fúnebre conservado.

A detecção de uma possível terceira sepultura[UE 9] aponta no sentido de estarmos empresença de uma necrópole, até porque é nestecontexto que surgem vulgarmente este tipo desepulturas.

Não nos foi possível apurar se as sepulturasestavam assinaladas à superfície devido aosprocesso pós-deposicionais. O solo que cobria assepulturas terá sido revolvido pela actividadeagrícola, mais tarde afectado pela plantação depinheiro bravo, para além de que terá existidotambém alguma erosão devida à pendente, notadasobretudo pela pequena profundidade do solosobre a sepultura 2.

No que toca à cronologia, não se obtiveramdados que permitissem aclarar o momento deconstrução das sepulturas. Esta é, de resto, umadas grandes dificuldades relacionadas com ainterpretação deste tipo de estruturas, que écomum quando não existe espólio a elasassociado e que se intensifica com a a ausência deossadas que inviabiliza o recurso aos meios dedatação absoluta.

Os materiais empregues na construção dasepultura 1 e na cobertura da sepultura 2 tambémnão constituem indicadores cronológicos, umavez que – por um lado – as tegulae poderão serreutilizações de construções em ruínas e – poroutro – hoje é genericamente aceite que terãocontinuado a ser fabricadas durante a Alta IdadeMédia.3. AS SEPULTURAS

A Sepultura 1 é de forma alongada,apresentando secção quadrada e planorectangular. Está orientada Oeste-Este (260º). As

três tégulas que constituem o leito e cada um doslaterais foram colocadas em comprimento, asprimeiras colocadas com o rebordo para cima eas segundas com o rebordo para fora. Acobertura, pelo que nos foi dado conhecer pelasduas tegulae que ficaram in situ após adestruição, foi feita com este material colocadotransversalmente (em largura), o que implica ouso de quatro tegulae (mais uma do que nofundo e cada lateral). Em cada um dos topos foicolocada uma tegula com o rebordo voltado parao interior. As tegulae estariam inteiras aquandoda construção do sepulcro, sendo de imputar àpressão da terra e à acção destrutivacontemporânea as fracturas detectadas nas peçasin situ. Das oito tegulae completas encontradasna posição original, seis apresentam marcasfeitas antes da cozedura. Estas linhas digitadasparecem delinear algo semelhante a uma letra‘d’ maiúscula (vide Fig. 11), de formatos muito

Fig. 10: Sepultura 1 depois de retirada a UE 5.

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diferentes entre si2. A primeira tegula dacobertura do lado nascente (M), para além dessamarca ostenta várias pegadas de um pequenoungulado. Tudo características que se encontramnas vulgares peças de cobertura de um telhado detipo romano. Registe-se que estes materiais de

cobertura apresentam acabamento superficial,coloração e constituintes das pastas heterogéneos,o que será consentâneo com a interpretação, maisou menos generalizada para este tipo desepulcros, que aponta para a reutilização demateriais.

2 Não sabemos se teria algum significado funcional, como ode indicar a posição da tegula no telhado. Curioso é que nemtodas apresentavam o típico encaixe da zona de sobreposição

(como é o caso da apresentada na Fig. 11).3 Foram atribuídas letras às tegulae, de A a P, de poente para

nascente.

Fig. 11: Tegula do leito, extremo nascente.

Quadro 1: Dimensões das tegulae encontradas completas in situ.

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A Sepultura 2: seria uma cavidaderectangular, constituída por lajes de granito deforma sub-rectangular. Está orientada Oeste-Este (255º). O leito é constituído por três lajesdispostas em comprimento e por duas pequenaspedras que colmatam o interstício entre aprimeira e a segunda laje (a partir do ladopoente). Só um dos laterais se encontrapreservado, o do lado norte, formado por trêslajes, do lateral sul resta uma laje; estãocolocadas em comprimento. Só nos resta o topode poente, uma laje única disposta emcomprimento (embora metricamente seja a laje

que mais se aproxima da forma quadrangular). Acobertura desapareceu na sua quase totalidade,restando apenas uma tegula incompletafracturada ao centro e abatida para o interior dacavidade sepulcral. Estava disposta em largura(tal como as tegulae de cobertura da sepultura1). Do ponto de vista morfológico, apresentaproximidade com a sepultura 1, pois a sua plantaé semelhante, embora o efeito paralelepipédiconão seja tão perfeito. A técnica empreguetambém não foi muito diferente, embora osmateriais o sejam. A profundidade dosenterramentos também não difere muito.

Fig. 12: Aspecto da sepultura 2, vista de sul.

Quadro 2: Dimensões das sepulturas.

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4. ENQUADRAMENTO ARQUEOLÓGICO

4.1. O sítio e a sua envolventeA interpretação das sepulturas de Outeiro do

Vale só é possível tendo em conta o contextoarqueológico em que se inserem. Com efeito, háoutros vestígios arqueológicos que, pela suaproximidade e natureza, poderão estarrelacionados (cartografados no mapa da Fig. 13).Comecemos pelos testemunhos funerários.

A primeira referência que encontramos ao sítioconhecido por ‘Escoiral’, é feita por CeltiberoLusitano. Trata-se de notas soltas, fruto dasdiversas visitas que o autor foi efectuando aolocal6, nelas dá notícia de duas “sepulturasantropomórficas” e de uma “urna incompleta”(1991, p. 93, 117). Alguns anos mais tarde,encontramos a referência de I. Vaz que, na sua

descrição do sítio, escreve: “Cerâmicasdomésticas e de construção variadas, mós egrande quantidade de escórias. Há ainda túmulomonolítico, não antropomórfico” (Vaz, 1997, p.131).

No local confirmámos estas notícias everificámos a existência de mais uma sepulturarupestre. Temos, portanto, um pequeno núcleo detrês sepulturas não antropomórficas, escavadas nogranito, a pouco mais de 200 metros a sul da áreaescavada. A primeira encontra-se muito mutilada,mas possuiria um contorno ovalado, encontra-senum afloramento ao nível do solo actual. Asoutras duas estão a poucos metros uma da outra,num pequeno outeiro formado por grandes rochasgraníticas, sobressaindo na paisagem. Em voltadas sepulturas os campos não se encontramactualmente cultivados.

4 As dimensões correspondem aos máximos verificados, istoé, deverão ser lidos como indicativos das medidas que teriaa sepultura completa.

5 Esta medida, tão diferente da do leito, deve-se à deslocaçãodas tegulae devido à acções pós-deposicionais. Antes destasteria cerca de 1,80 m. Esta alteração é visível sobretudo naárea poente do topo da sepultura. Pensamos que se deverá àsraízes de árvores que terão envolvido aquela zona da estru-tura, provocando a sua deslocação e abatimento. Veja-se na

Fig. 5 o abatimento no perfil e na Fig. 9 a fractura e conse-quente deformação da tegula do topo poente.

6 O autor foi publicando pequenas notícias na revista BeiraAlta, com o pseudónimo Celtiberus Lusitanus, que poste-riormente foram reunidas num livro, edição de 1991, que nosserve aqui de referência. Trata-se de um curioso, que inclu-sivamente classificou as sepulturas como “antropomórficas”quando elas nem sequer mostram qualquer tendência nessesentido.

Fig. 13: Contextualização arqueológica do sítio do Outeiro do Vale.

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Para além dos sepulcros rupestres há tambémum sarcófago que, infelizmente, foi deslocadodo local de achado, encontrando-se hoje a suldas sepulturas rupestres, sobre uma aglomeraçãode grandes pedras (algumas das quaisaparelhadas, sendo possível que sejamprovenientes de um contexto arqueológico).

Trata-se de um sepulcro monolítico, fracturadona zona direita da cabeceira, de configuraçãosub-trapezoidal. O exterior do arcaz denuncia aforma interior. Esta morfologia é de carizarcaico, podendo ter uma cronologia próxima dadas sepulturas rupestres já descritas9.

7 As sepulturas foram numeradas de norte para sul.8 Acerca da metodologia do registo apresentado ver Vieira, 2006.9 Este sarcófago é semelhante aos do sítio de S. Martinho de

Almoneixe (cf. Vieira, 2004, p. 77, 143-144). Acerca da cro-nologia cf. Barroca, 1987, p. 180.

Quadro 3: Descritivo das sepulturas rupestres8.

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Fig. 14: Escoiral, aspecto da implantação das sepulturas 2 e 3.

Fig. 15: Desenho da Sepultura Escoiral 1.

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Fig. 16: Desenho e fotografia da Sepultura Escoiral 2.

Fig. 17: Desenho e fotografia da Sepultura Escoiral 3.

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O próprio topónimo por que é conhecida aárea, ‘Escoiral’ (que abrange um pinhal e váriasterras de cultivo), por si só seria indicadorarqueológico e, efectivamente, corresponde àexistência de grande quantidade de escória,atingindo por vezes grande concentração.

Quanto aos materiais cerâmicos, hoje são rarose incaracterísticos, mas quando se efectuaramsurribas para plantar vinha terão aparecidograndes quantidades de “cerâmica vermelha,possivelmente restos de tejoleiras (sic), de tégulase loiça” e “duas mós manuais dormentes”(Lusitano, 1991, p. 117, 172). Também houvevárias pessoas que nos referiram que há cerca decinquenta anos, também por ocasião depreparação dos terrenos para plantar vinha, terãoaparecido estruturas de granito e “tijolo” e“grandes caixas de pedra” que foram destruídasapós uma busca infrutífera de objectos valiosos.Assinala-se a presença de mais vestígios desuperfície na encosta voltada a sudeste (no mapada Fig. 13 com o número 7), fragmentos detegulae e de cerâmica comum aparecem nas terrasrevolvidas.

Estes vestígios dizem-nos que as duassepulturas do Outeiro do Vale não estão isoladas.Por um lado, permaneceu a tradição de sepultarnaquela área, de que são testemunho as sepulturasrupestres e o sarcófago, por outro, o habitat a quecorresponderão estes vestígios funeráriosdesenvolver-se-ia mais abaixo na encosta.Também não é de estranhar que as sepulturasrupestres se encontrem mais próximas destesvestígios de povoamento10, uma vez que sabemosque ao longo da Alta Idade Média se foiesquecendo o preceito antigo de afastar os mortosdo mundo dos vivos.

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Fig. 18: Sarcófago do Escoiral, desenho, actual localização e aspecto do perfil.

10Claro que é um apenas um pressuposto que a área tenha con-tinuado a ser ocupada em momento contemporâneo dos

sepulcros escavados na rocha.

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Embora um pouco mais longe, pensamos queé interessante constatar a existência de vestígiosde um cemitério mais recente. Na ‘Quinta doPassal’ (vide mapa da Fig. 13) guardavam-se, atéhá uns anos, “três estelas funerárias medievais,duas circulares e uma quadrada. Têm cruz de umlado e do outro.”11 Apesar de não nos ter sidopossível a sua observação, pois o actual dono daquinta ofereceu-as a um particular, podemos dizerque estas estelas estão em conformidade com otopónimo ‘Passal’ e com a tradição de que aliexistiu um cemitério onde vinham a enterrar osdefuntos de toda a actual freguesia, bem como dapovoação de Queiriga (vide mapa da Fig. 2).Segundo a mesma tradição, ali teria sido a antigaCôta, de onde veio o nome da freguesia12.

É possível que estes vestígios correspondamao templo paroquial mais antigo da freguesia (atéporque, segundo dizem, os assentos paroquiaisestavam guardados na Quinta do Passal até aosprincípios do século XX).

Também essencial para contextualizar estesachados é a existência de um eixo viário quepoderá remontar à época romana (localmenteapelidado ‘estrada romana’)13, que passaprecisamente a meia encosta, não longe dassepulturas escavadas na rocha, por caminhosassinalados com cruzes gravadas em penedos,passando por um cruzamento conhecido como“Quatro Caminhos” (n.º 6 no mapa da Fig. 13).Talvez daqui seguisse um trajecto para norte, quedemandaria Fráguas14, passando perto de outrasestações que terão ocupação romana e altomedieval15. Para sul dirige-se para o rio, que seriacruzado onde existe uma ponte medieval com umelegante arco quebrado (conhecida como ‘ponte

romana’). Pelo que pudemos observar a silharia étoda muito uniforme e não parece ter siglas. Azona do tabuleiro encontra-se muito degradada ea ponte ameaça ruir. Segundo I. Vaz, este eixoviário ligaria a Viseu por trajecto não muitodistante da antiga estrada nacional que liga estacidade a Vila Nova de Paiva e, de Côta, iria aQueiriga (Vaz, 1997, p. 383). Esta informaçãoparece ser corroborada pela tradição local, querecorda um antigo caminho de Queiriga por ondepassariam com os defuntos que vinham a enterrarna Quinta do Passal.

4.2. Contextualização regionalSão conhecidas na região de Viseu outras

sepulturas construídas com tégulas, infelizmenteas notícias que temos da sua existência sãoepisódicas e não correspondem a nenhumaescavação cientificamente conduzida16.

O maior número de referências diz respeito àsede da antiga civitas de Viseu. Na igreja de S.Miguel (CNS 2666) existiria uma concentraçãode sepulturas de inumação, descritas por JoséCoelho, entre as quais se contam váriasconstruídas com elementos avulsos,provavelmente reutilizações, de “tejolos” e de“telhas (tegula e imbrex)”, existindo ainda doissarcófagos, um de mármore e outro de granito17.Uma sondagem de emergência em 1983 levou àidentificação de duas sepulturas de inumaçãoconstituídas por tegulae, a que se conservava natotalidade era de secção quadrada e plantatrapezoidal, mas o fundo de saibro não seencontrava revestido (Vaz, 1997, p. 356, est.CLVI). A existência de epígrafes funerárias

11Vaz, 1997, p. 132. As estelas estariam guardadas junto daactual capela, dedicada a St.º António, um edifício religiosoreerguido há umas décadas como templo particular, mas foinos terrenos adjacentes que apareceram ossadas e outrosvestígios de sepulcros.

12As localidades actuais têm a designação “de Côta”, comoNogueira de Côta e Sanguinhedo de Côta.

13No mapa da Fig. 13 foi parcialmente reconstituído o traçadoviário que a memória popular conservou como antigo, sendoo eixo norte sul aquele que é considerado ‘romano’. A des-cida até ao rio é relativamente íngreme, pelo que se justificao trajecto serpenteante. É muito provável que remonte à uti-lização da ponte gótica sobre o rio Vouga, não sendo desca-bido que exista uma tradição anterior. Também nos disseramque, ligeiramente a montante, perto da quinta assinalada naCarta Militar de Portugal como ‘Quinta do Saltadoiro’ (namargem esquerda), existiam poldras que eram usadas para

atravessar o rio, o que significa que há vários sítios onde épossível transpôr o Vouga.

14Esta povoação tem uma série de estações de época Romanae Alto Medieval (CNS: 11817, 14771, 14775, 14783, 22172,14779). O próprio topónimo estará relacionado com a acti-vidade de transformação do ferro, documentada por extensasáreas de escorial (Vieira, 2004, p. 33-34, 42, 51, 136-139). Aproximidade com a via e o tipo de vestígios têm paralelismocom a área em estudo.

15Como Franqueira, em Sanguinhedo de Côta, CNS 22023.16Este panorama, aliás, estende-se um pouco a todo o territó-

rio nacional, sendo as necrópoles de contexto rural as maisdesconhecidas. Mesmo em Mértola, onde as três necrópolesurbanas foram escavadas e apresentam dos melhores con-juntos estudados, das rurais praticamente não se sabe nada(Lopes, 2003, p. 159-165).

17José Coelho, citado por Vaz (1997, p. 355).

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romanas e a localização junto de um importanteeixo viário, apontam para um fenómeno decontinuidade desta área sepulcral, sendo credívelque em determinado momento tenha sido erguidoum templo cristão precursor do actual dedicado aS. Miguel. Nas proximidades, José coelhoidentificou três sepulturas antropomórficas“cavadas em saibro duro”, nos alicerces da suacasa da Via Sacra (Marques, 2000, p. 158-159).Temos, portanto, uma necrópole extra muros queapresenta uma diacronia interessante, associada adiferentes tipologias de sepulturas.

Ainda em Viseu, na Avenida Emídio Navarro(CNS 3486), foram encontrados vestígios deoutra necrópole com sepulturas de inumação. Talcomo a anterior, situa-se junto de um eixo viárioe terá uma fase mais antiga, neste casodocumentando-se incinerações. A outro momentocorresponderão sepulturas feitas com tegulae,formando um telhado de duas águas, sendo ostopos encerrados também com o mesmo material(uma, que deveria ser de criança, encontra-se noMuseu da Assembleia Distrital de Viseu), mastambém existiriam outras de secção quadrangulare, do mesmo formato, com lajes (Vaz, 1997, p.356), o que se aproxima do nosso caso de estudo.

Uma terceira necrópole, no sítio conhecidocomo ‘Cerrado’ (CNS 1581), demonstra a mesmaaparente continuidade. Sabe-se da existência deum sarcófago, coberto com uma epígrafefunerária romana reutilizada, e de sepulturas detégulas com secção triangular. Existia ali umacapela de St.º Amaro, em cujo edifício terão sidoreutilizados materiais de época romana (Vaz,1997, p. 357). Tal como nos dois sítios anteriores,estamos perante uma necrópole extra muros queassistiu a uma continuidade na tradição comolocal de enterramento, tendo atraído a fundaçãode uma capela.

Para se ter uma ideia de quão magros são osdados que possuímos, estas necrópoles urbanassão dos melhores exemplos em termos dedescrição dos vestígios. Passemos agora aos sítiosdo mundo rural.

No local conhecido como ‘Assento do Turco’(S. Pedro de France, Viseu), foram recolhidastegulae que faziam parte de uma “pequenasepultura, pavimentada e forrada de tégulasromanas, tendo uma delas a letra P e fragmentosde cerâmica. Perto, encontra-se outra, de blocosde granito, cortada ao meio pelo caminho. Apoucos metros daí, há sepulturas sobre algumasgrandes rochas.” (Cunha, 1968, p. 11).Desconhece-se a morfologia das sepulturas,contudo, será uma estação onde estão presentesdiferentes tipos de sepulcros, um pouco como noOuteiro do Vale: de tégulas, de lajes graníticas erupestres. O mesmo local terá atraído inumaçõesde períodos distintos, mas desconhecemos seexistem vestígios de um habitat próximo.

Na estação de ‘Alto da Costa’ (Germinade, S.Pedro do Sul, Viseu, CNS 1334) terá existido umanecrópole, da qual se conhecem duas inscriçõesfunerárias romanas (Vaz, 1997, p. 83; 228-229;265-266). Amorim Girão dá-nos notícia desteachado em 1924, trata-se de um conjunto de setesepulturas “grosseiramente rectangulares”, “trêsdelas construídas de pedra e quatro feitas degrossos telhões de rebôrdo”. Pela imagem quepublica (apesar de já só ter observado quatrosepulturas, pois as outras tinham sido destruídas),é possível perceber que cinco destas sepulturas,uma de lajes graníticas e quatro de tegulaeapresentam orientação grosso modo Oeste-Este,enquanto que as restantes duas, estruturadas compedras, teriam orientação NNO-SSE. Asinscrições funerárias romanas estavamreutilizadas nestas sepulturas, uma delas na

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Fig. 19: Ponte sobre o Vouga. Vista da margem direita, a montante.

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cobertura. As sepulturas de pedra “constam dumrectângulo de pedras mais ou menos aparelhadas,assentes directamente sôbre o saibro rijo, ecobertas por outras pedras dispostas no sentido dasua menor dimensão”, enquanto que as restantes“formam uma espécie de caixas rectangularesengenhosamente feitas de telhas romanas derebôrdo (tegulae)” (Girão, 1924, p. 249). Aquiestão presentes também vários períodos, umdocumentado pelas inscrições e outro(s) a quecorrespondem as sepulturas de elementos avulsos.Mais uma vez encontramos a associação desepulcros de tegulae com outros de lajes. Écurioso que dois destes últimos exemplares nãoapresentem orientação Oeste-Este.

Em Vilar d’Ordem (Povolide, Viseu), no localconhecido como ‘Quinta’, terão existido“sepulturas feitas de «pedras e telhas», de formarectangular” (Vaz, 1997, p. 142).

Estes exemplos mostram que as sepulturas doOuteiro do Vale não são um caso isolado, mastambém não ajudam a interpretá-las. Asnecrópoles de Viseu, em contexto urbano,mostram como houve uma passagem dos rituaisde incineração para as sepulturas de inumação,sem que tivesse havido um corte com os locais deenterramento já utilizados18 e essa continuidadeprossegue com a cristianização (como sugerem ascapelas aí construídas). Os três exemplos emcontexto rural apresentam uma evoluçãodiferente, pois nenhum se encontra próximo deum templo actual. O que aproxima todas estasnecrópoles é a aparente diacronia e os materiaisempregues, as tegulae e as lajes de pedra, sendomaioritárias as referências (quando existem) aplantas rectangulares e secções quadrangulares.

5. NOTAS INTERPRETATIVAS

No momento de procurar fazer umaaproximação tipo-cronológica estamos perante

uma série de limitações. À impossibilidade deobter a segurança de uma datação absoluta soma-se a ausência de espólio e a inexistência deestudos regionais. Apesar destas limitações,pensamos que não devemos deixar de tentar umaaproximação interpretativa, mesmo queprovisória. Resta-nos assim a análise da tipologiaespecífica de cada sepultura e as características dasua implantação.

A questão tipo-cronológica arrasta consigo oproblema cultural: estaremos perante tumulaçõescristãs? As três características que vulgarmentesão associadas a túmulos cristãos estão presentes:inumação, por oposição à cremação; orientaçãoOeste-Este; abandono da prática de colocaroferendas no interior da tumulação. Porém, énecessário frisar que não temos elementos queapontem inequivocamente a prática da religiãocristã19.

O problema que se coloca em primeiro lugar éque duas destas características são diagnosticadasem função de um uso anterior que se altera adeterminado passo. Ora, desconhecemos para aregião os usos funerários pagãos, tanto romanoscomo anteriores, ou seja, não sabemos a queponto as populações utilizaram o costumeromano, nem quais eram os costumes vigentes noperíodo precedente20.

Outra questão que não se pode olvidar é que,até época bastante tardia, não existiramdisposições concretas ditadas pela igreja no quediz respeito aos rituais de enterramento, emboraalgumas práticas fossem repudiadas nos concílios(como por exemplo a oferta de alimentos e osenterramentos no interior dos templos)21. Havia,portanto, uma certa liberdade no acto deenterramento, que era uma cerimónia de carizparticular (Barroca, 1987, p. 38) e não litúrgicacomo o será mais adiante.

18Esta situação será semelhante à diagnosticada nas necrópo-les conhecidas de Braga, admitindo-se aí uma perduração atéao século VI/VII (Martins e Delgado, 1989-90, p 175-178).

19A propósito da realidade na Gália e Germânia, entre os sécu-los V e VIII, Dierkens e Périn (1997, p. 81) criticam a formacomo por vezes os arqueólogos atribuem sepulcros ao credocristão com base nestas três características.

20Por outro lado é sabido que os antigos hábitos pagãos nãodesapareceram de imediato, pelo contrário, em muitos casosvão ser assimilados à nova crença, o que poderá dificultar a

análise do registo arqueológico (Sales, 2003, p. 332;Barroca, 1987, 37-38 ). Neste nosso caso, a maior dificulda-de reside na falta de dados. São conhecidos pontualmenteachados de estelas funerárias romanas, mesmo em contextorural, mas aparecem descontextualizados. Para o períodopré-romano, não há qualquer indicador do ritual praticado.

21Como acontece, por exemplo, no I e II Concílios de Braga(561, 572), cfr. textos dos concílios na obra editada por JoséVives (1963).

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A orientação Oeste-Este, com a cabeça paraPoente, significa que o “defunto ficaria assim aolhar para Oriente, conforme a Igrejarecomendava para o enterramento cristão”(Barroca, 1987, p. 123). Todavia, estarecomendação é tardia, podendo tratar-se daassimilação de uma prática que era corrente,talvez com origem em remotos cultos solares22. Averdade é que foi assimilada pelos cristãosprimitivos.

A orientação das sepulturas em análise é Oeste-Este – sepultura 1: 260º, sepultura 2: 255º –, comapenas 5º de diferença entre cada uma. Quando nãoexistia um edifício a apontar o alinhamento serianatural que a observação do nascer do sol indicassea posição correcta, pelo que se pode esperar umavariabilidade até 40º, respeitante à observação doastro nas diferentes épocas do ano23.

A inumação começa a ser frequente no final doImpério romano, particularmente a partir doséculo III, e costuma estar associada à divulgaçãode cultos orientais, entre os quais se encontra,também, o cristianismo (Dierkens e Périn, 1997,p. 81). Contudo, numa zona rural e setentrional daLusitânia é de estranhar que outro culto orientaljustifique a opção pela inumação, é menosrebuscado pensar numa penetração docristianismo quando este deixa de ser perseguido(com o Édito de Milão), mas sobretudo a partir domomento em que este se torna a religião oficial doimpério em 38024.

À ausência de mobiliário fúnebre interliga-seo anonimato do sepulcro, uma vez que ocristianismo desvaloriza o que o indivíduo foi em

vida, pois isso não será importante para asalvação no momento da Ressurreição. Estas duascaracterísticas iniciam-se por volta do século II,generalizando-se no século V25.

A inexistência de uma tipo-cronologiaportuguesa leva-nos a fazer comparações além-fronteiras, embora com toda a cautela a queobrigam os muitos quilómetros que separam osdiferentes territórios e as diferenças culturaisentre eles.

Com base numa investigação volumosa,alguns autores franceses apresentaram umainteressante proposta tipo-cronológica para assepulturas do Baixo Império à Idade Média noSudeste da Gália. Nesse quadro, a nossa sepultura1 entraria no grupo do ‘tipo 5’ (“coffrages desection quadrangulaire en tuiles”)26. Este conheceo seu pleno desenvolvimento nos séculos IV e Vnaquela região, num caso (em Sézegnin) aparecesimultaneamente com a alteração para umaorientação Oeste-Este (datada entre 350 e 400).Parece declinar ainda no século V, emboraperdure durante toda a centúria; nesta fase finalparece ter tendência para se tornar trapezoidal(Colardelle, 1996, p. 277). Curiosamente, nãoencontramos neste estudo um paralelo para anossa sepultura 2, uma vez que o grupo dassepulturas compostas por lajes tem comoprincipal característica uma certaantropomorfização.

Para a área catalã existem alguns tentames desistematização, apesar de os autores sentirem anecessidade de estudos sistemáticos27. Umahipótese interpretativa para as sepulturas de

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22Como refere Katja Kliemann, a orientação Oeste-Este não éexclusiva do mundo cristão e já se dá em tempos pré-histó-ricos. O culto solar é uma das hipóteses a ter em conta aoanalisar a origem desta prática (Kliemann, 1987, p. 497-498).

23Ver o estudo da necrópole de Esquerda (Catalunha) de ImmaOllich (1982). Também o pequeno texto de Katja Kliemann(1987), já referido, aponta para a aplicação desta observaçãopara se conhecer a época do ano em que foram feitos os ente-rramentos e, apesar de ser céptica quanto aos resultados,indica bibliografia.

24No contexto do noroeste peninsular, Carlos Alberto Ferreirade Almeida acredita que a romanização tardia terá favoreci-do a penetração do cristianismo, nos meados e final do sécu-lo IV e escreve: “É bem sintomático que em toda a Româniaseja esta a única zona a designar os dias da semana, não àromana, mas de maneira cristã” (Almeida, 1973, p. 14-15).Esta nossa área não pertence à região que o autor refere, masnão deixa de ter algumas afinidades, não esqueçamos que a

fronteira com a Gallaecia não se encontrava longe.25Apesar desta tendência geral, em Mértola, na necrópole da

Achada de S. Sebastião que perdurará até ao século V e nanecrópole do Rossio do Carmo, que a partir deste séculoparece substituir a anterior, vê-se como costumes anteriorestardam em desaparecer, neste caso numa comunidade de tipourbano e até letrada como mostram os epitáfios (Lopes,1999; Torres e Macias, 1993). Esta situação aponta para umacronologia mais avançada para as nossas sepulturas.

26Cfr. descrição das páginas 276-278 e quadros 1 e 2 emColardelle et al., 1996.

27Por exemplo, Bosch e Vallès (1987, p. 337) concluem que osdados que possuem são parcelares, por um lado devido aacções destrutivas/saque e, por outro, devido à maioria dosdados serem provenientes de escavações antigas, mal reali-zadas/registadas. Jordina Sales propõe um esquema teórico,embora saiba que não encontra dados que suportem a totali-dade do proposto devido à falta de estudos sistemáticos(Sales, 1996-97, p. 1275).

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lajes e/ou tegulae é avançada por Josep MaríaBosch e Jordi Vallès (1987). Neste trabalho,apontam para uma variação da cronologia emfunção de uma maior ou menor romanização:nas áreas mais romanizadas estas sepulturassurgiriam pelo século IV, em ambiente urbano, eno século V no rural, enquanto que apenas apartir do século VI-VII nas restantes áreas. Emambiente rural, relacionam este tipo desepulturas com o habitat disperso (Bosch eVallès, 1987, p. 329-330). Um aspectoestatístico interessante é que a maioria destassepulturas se encontram orientadas Oeste-Este,atribuindo-se os desvios às condições do terreno(Bosch e Vallès, 1987, p. 337).

Parece-nos, contudo, que a análise conjuntadas sepulturas de lajes e/ou tegulae não englobatoda a complexidade que o registo encerra,aspecto que é tido em conta por Jordina Sales, queconsidera as sepulturas de lajes um fenómenomais alargado no tempo, que é contemporâneo deoutras soluções que têm uma menor duração,como é o caso das sepulturas feitasexclusivamente com tegulae, que considera o tipomais antigo:

El que sí sembla clar (...) és que, en l’etapacronològica intermèdia durant la qual les tegu-lae van perdent importància -enfront de lapotenciació progressiva de les tombes excava-des a la roca-, tenim les tombes de llosa quesembla que es mantenen en importància desque es comencen a documentar al segle IV finaa la seva progressiva desaparició ja a la BaixaEdat Mitjana. Bona prova d’això és que lestrobem associades amb tombes de tegulae, perun cantó, i amb tombes excavades a la roca,per un altre (Sales, 1996-97, p. 1276 e esque-ma p. 1275).Esta breve incursão por outras paragens

mostra-nos que existem situações que poderão terparalelo no nosso território e que poderão serusadas como hipóteses de trabalho, ressalvadas asdevidas distâncias. Assim, colocaríamos algunsaspectos em destaque: a questão da maiorantiguidade das sepulturas de tegulae, situação

que é apoiada por datações absolutas no casofrancês e pelo uso deste tipo em contextosurbanos Baixo Imperiais; as plantas rectangularessão consideradas mais antigas que as trapezoidais;a utilização de sepulturas de tegulae e lajes emcontexto rural apresentando padrão depovoamento disperso.

Na sequência do exposto, e voltando aonosso território, pensamos que é acertada adesignação de “necrópoles de transição” para otipo de sepulcros que aqui consideramos, nadefinição que Mário Barroca propôs para oEntre-Douro-e-Minho28, que transcrevemos coma devida vénia:

Cemitérios de inumação constituídos porsepulturas elaboradas com materiais detradição romana – tegula e tijolo – queadoptam a configuração rectangular ou,maioritariamente, trapezoidal. Em todas elas,e como denominador comum, regista-se aausência de espólio votivo, o que pareceapontar para uma cronologia bastante tardia.(...) É bem possível que pertençam a esseperíodo de transição entre a Romanidadetardia e os alvores da Alta Idade Média,podendo-se incluir dentro da famíliapaleocristã. (...) A sua ocorrência vaiesmorecendo à medida que o tempo avança,até deixarem de estar presentes num momentoainda mal caracterizado, mas que deverásituar-se nos fins do século VI ou inícios doséculo VII. (1987, p. 59).Em suma, as sepulturas de Outeiro do Vale

poderão indiciar a existência de uma necrópole”de transição”, talvez de ritual cristão. Aproximidade de uma via e a distânciarelativamente à área que apresenta vestígios dehabitat, aponta para a sua localização na periferiado mundo dos vivos, dentro da lógicaprevalecente na Antiguidade. Os sepulcrosrupestres e o sarcófago serão talvez indicadoresde continuidade de ocupação, pelo menos pareceter persistido o uso do local com finalidadefunerária. Contudo, não há tradição da existênciade um templo, o que não quer dizer que não

28É de notar que as grandes conclusões deste texto, escrito em1987, ainda estão actualizadas, não só por ser um trabalhoprofundo e fruto de reflexão aturada, mas também porque os

nossos conhecimentos praticamente não progrediram desteentão, mesmo com a descoberta de mais necrópoles a ques-tão cronológica continua em aberto.

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existisse29. Os vestígios que se seguem em termoscronológicos são as estelas funerárias, a quase 1km de distância (dos sepulcros rupestres),possivelmente equacionáveis com areorganização do espaço que se faz no momentoda implantação da rede paroquial30.

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Muitas vezes tida como monótona eaportadora de poucos dados, a escavação denecrópoles tardo antigas e alto medievais é feitasobretudo em contextos de arqueologia desalvamento ou quando se remodelam espaçosrelacionados com templos urbanos (muitas vezesocorre quando já houve uma destruição muitoconsiderável dos vestígios, ou então incide apenasnas áreas a afectar pelas obras que precedem),sendo raramente objecto de projectos deinvestigação. Há honrosas excepções um poucopor todo o país, mas para a região em que estáinserida esta estação não existem estudossistemáticos. De uma forma geral, o que temossão dados muito parcelares e episódicos, que,embora importantes, não resultam da colocaçãode questões específicas a estes espaços e portantosubsistem muitas questões por resolver.

Pelo que ficou exposto é óbvia a necessidadede mais estudos monográficos que incidam sobrenecrópoles de âmbito rural desde a AntiguidadeTardia à Idade Média, sob pena de não serpossível passar das conjecturas para caracterizaros usos funerários destes períodos. O sítio deOuteiro do Vale poderá ser um local interessantepara futura investigação. Apesar de algumadestruição (como aquela que terá levado a exumaro sarcófago) é possível que o sítio se encontrerelativamente bem conservado e sobretudoexistem vestígios funerários e habitacionais queapresentam potencial para constituir um corpo deinformação relevante.

AGRADECIMENTOS

Gostaríamos de deixar aqui expresso o nossoreconhecimento ao Presidente da Junta de

Freguesia de Côta, Sr. Joaquim Polónio Lopes eaos proprietários do terreno onde se efectuaram asescavações, Sr. Joaquim Marques da Silva eesposa. Temos que referir a preciosa ajuda, nasescavações e prospecções, do João CarlosTeixeira e o apoio da Fátima Beja e Costa e daAna Barradas. Também à Mafalda Alves e aoVictor Dias aqui deixamos o nossoagradecimento.

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29Jordina Sales, no contexto da Catalunha, diz que os temploscomeçam a ser indissociáveis das necrópoles a partir doséculo V, situação que parece generalizar-se nos séculos VIe VII. Apesar de no nosso território não termos informaçãoque permita confirmar ou desmentir esta hipótese, é de reter

a ideia de que os templos possam ter tido uma arquitecturamuito frágil, inclusivamente em madeira, não deixando tra-ços facilmente detectáveis (Sales, 2003, 327-328.

30A exemplo da evolução detectada para o Entre-Douro-e-Minho a partir do século X (López, 2004).

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