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Série Encontros e Estudos. Vol 1. Seminário Folclore e Cultura Popular. Rio de Janeiro. Instituto Nacional do Folclore. Funarte. MinC. 1992. Pp. 101-112. Os Estudos de Folclore no Brasil Maria Laura Cavalcanti, Myriam Lins de Barros, Luis Rodolfo Vilhena, Marina de Mello e Souza, Silvana Araújo. Este texto delineia questões preliminares acerca dos estudos de folclore no Brasil. O projeto no qual se insere tem por objetivo analisar a constituição dessa área de conhecimento e sua inserção na história intelectual do país 1 . A proposta resulta do encontro de um grupo de antropólogos com esse campo de atuação e reflexão que conheceu expressivo prestígio nas décadas de 1930 a 1950. Discussões contemporâneas sobre o tema tendem a diluir o objeto "folclore" na metodologia antropológica, reafirmando uma visão sistêmica de cultura (cf. Brandão, 1982); ou então a questionar o atributo de “ciência" por vezes reivindicado por esses estudos (cf. Ortiz, 1983). O presente trabalho participa desse debate sob um outro enfoque: propõe-se a examinar a construção desse campo de estudos a partir de suas categorias internas. Designamos como "estudos de folclore no país” um conjunto de obras intelectuais e de iniciativas institucionais que começam por volta de 1870 e chegam até 1960. A data inicial toma por referência a geração intelectual de Sílvio Romero, acompanhando a tendência geral dos trabalhos sobre pensamento social que a indicam como inauguradora de uma ótica cientificista de conhecimento da realidade brasileira. A data final refere-se à criação da Campanha de Defesa do Folclore Brasileiro (CDFB), ligada ao então Ministério da Educação e Cultura em 1958. O quadro até então existente é significativamente alterado com a criação, por parte da administração federal, de um 1 O projeto, coordenado por mim, foi desenvolvido ao longo de 1988 e 1989 no então Instituto Nacional do Folclore com o apoio da Financiadora de Estudos e Projetos (FINEP). Foi infelizmente inviabilizado em 1990 pela intervenção do Governo Collor na área federal da cultura. Além do levantamento documental empreendido e do presente texto, o projeto produziu dois artigos: "Folclore e Cultura Popular: os missionários da nacionalidade" de Marina de Mello e Souza, publicado em 1991 pelo Centro Interdisciplinar de Estudos Contemporâneos (CIEC)/UFRJ na série Papéis Avulsos, nº 36; e "Traçando Fronteiras: Florestan Fernandes e a marginalização do folclore" de Maria Laura Cavalcanti e Luis Rodolfo Vilhena publicado na revista Estudos Históricos nº 5, CPDOC/Fundação Getulio Vargas, 1990. Luis Rodolfo Vilhena, precocemente falecido em maio de 1997, nos deixou sua excelente tese de doutoramento sobre o tema, publicada no mesmo ano como Projeto e Missão: O movimento folclórico brasileiro 1947-1964 pela Editora FGV.

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Série Encontros e Estudos. Vol 1. Seminário Folclore e Cultura Popular. Rio de Janeiro. Instituto Nacional do Folclore. Funarte. MinC. 1992. Pp. 101-112.

Os Estudos de Folclore no Brasil

Maria Laura Cavalcanti, Myriam Lins de Barros,

Luis Rodolfo Vilhena, Marina de Mello e Souza,

Silvana Araújo.

Este texto delineia questões preliminares acerca dos estudos de folclore no Brasil.

O projeto no qual se insere tem por objetivo analisar a constituição dessa área de

conhecimento e sua inserção na história intelectual do país1. A proposta resulta do

encontro de um grupo de antropólogos com esse campo de atuação e reflexão que

conheceu expressivo prestígio nas décadas de 1930 a 1950.

Discussões contemporâneas sobre o tema tendem a diluir o objeto "folclore" na

metodologia antropológica, reafirmando uma visão sistêmica de cultura (cf. Brandão,

1982); ou então a questionar o atributo de “ciência" por vezes reivindicado por esses

estudos (cf. Ortiz, 1983). O presente trabalho participa desse debate sob um outro

enfoque: propõe-se a examinar a construção desse campo de estudos a partir de suas

categorias internas.

Designamos como "estudos de folclore no país” um conjunto de obras

intelectuais e de iniciativas institucionais que começam por volta de 1870 e chegam até

1960. A data inicial toma por referência a geração intelectual de Sílvio Romero,

acompanhando a tendência geral dos trabalhos sobre pensamento social que a indicam

como inauguradora de uma ótica cientificista de conhecimento da realidade brasileira. A

data final refere-se à criação da Campanha de Defesa do Folclore Brasileiro (CDFB),

ligada ao então Ministério da Educação e Cultura em 1958. O quadro até então existente

é significativamente alterado com a criação, por parte da administração federal, de um

1 O projeto, coordenado por mim, foi desenvolvido ao longo de 1988 e 1989 no então Instituto Nacional do Folclore com o apoio da Financiadora de Estudos e Projetos (FINEP). Foi infelizmente inviabilizado em 1990 pela intervenção do Governo Collor na área federal da cultura. Além do levantamento documental empreendido e do presente texto, o projeto produziu dois artigos: "Folclore e Cultura Popular: os missionários da nacionalidade" de Marina de Mello e Souza, publicado em 1991 pelo Centro Interdisciplinar de Estudos Contemporâneos (CIEC)/UFRJ na série Papéis Avulsos, nº 36; e "Traçando Fronteiras: Florestan Fernandes e a marginalização do folclore" de Maria Laura Cavalcanti e Luis Rodolfo Vilhena publicado na revista Estudos Históricos nº 5, CPDOC/Fundação Getulio Vargas, 1990. Luis Rodolfo Vilhena, precocemente falecido em maio de 1997, nos deixou sua excelente tese de doutoramento sobre o tema, publicada no mesmo ano como Projeto e Missão: O movimento folclórico brasileiro 1947-1964 pela Editora FGV.

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órgão para ocupar-se oficialmente do folclore. A Campanha é o coroamento dos

esforços de uma vertente dos estudos em questão, e ela define também o nosso viés, pois

escrevemos desde dentro do Instituto Nacional do Folclore, seu herdeiro direto2.

Essa demarcação cronológica baseia-se na versão de Carneiro, ele mesmo

folclorista e diretor da CDFB de 1961 a 1964, sobre a "Evolução dos estudos de folclore

no Brasil", escrita em 1962. Sua posse, em 1961, coroou um movimento anterior ao

longo do qual se esboçam a extensão, os limites e os dilemas do campo dos estudos de

folclore no país. Enfim, assumia a direção daquela entidade um folclorista plenamente

identificado com um movimento que realizara, a partir de 1947, vários encontros

nacionais e um internacional3.

No artigo citado, a análise da obra e da influência de três personagens caracteriza a

descrição do período até 1945: Sílvio Romero (1851-1914) domina os primeiros passos

destes estudos; Amadeu Amaral (1875-1929) e Mário de Andrade (1893-1945)

representam tendências renovadoras que se apresentavam então ao folclore. Estes três

autores, coadjuvados por personagens menores, teriam realizado um esforço titânico para

o desenvolvimento desta disciplina, sempre ameaçados pelos distúrbios políticos, sociais

e econômicos do país.

No entanto, este trabalho solitário dos primeiros estudiosos é, para o autor, um

estágio a ser superado, correspondendo apenas à metade inicial da "evolução" que

descreve. Em 1947, ligada ao organismo nacional da UNESCO, organiza-se a Comissão

Nacional de Folclore, dirigida por Renato Almeida, representando o "sinal para a

unificação de esforços", perseguida desde há muito. Seu texto encerra-se com a

esperança de que a criação da Campanha de Defesa do Folclore Brasileiro inaugure uma

nova fase desses estudos no país.

O artigo é revelador pelas características comuns atribuídas aos três autores

citados e que, em grande parte, explicariam sua escolha. As suas principais idéias e,

sobretudo, as avaliações que esses autores realizaram acerca do estado desse campo de

estudo à época em que estavam produzindo apresentam preocupações e diagnósticos

2. A Campanha de Defesa do Folclore Brasileiro foi incorporada pela Fundação Nacional de Arte, criada em 1976, transformando-se em 1978 em Instituto Nacional do Folclore (INF). A Fundação foi, como já dissemos, extinta em 1990, tendo sido incorporada pelo Instituto Brasileiro de Arte e Cultura, que logo voltou a chamar-se Funarte. O antigo INF resistiu a essas intempéries e, em 2003, já como Centro Nacional de Folclore e Cultura Popular foi incorporado ao Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN). 3. Ver, a esse respeito, Cavalcanti e Vilhena, op. cit.

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semelhantes aos de Carneiro. Essa versão da história dos estudos de folclore no país

proposta por Carneiro fornece o nosso ponto de partida4.

Empreendemos uma primeira aproximação dessa área de estudos, procurando

captá-la a partir de seus próprios referenciais. Cientes das mudanças e descontinuidades

que atravessam o período em que nos movemos, enfatizamos, nesse momento, a

continuidade, com o intuito de mapear o território mais amplo em que a pesquisa se

move e cujas nuances o desenvolvimento do trabalho permitirá explorar.

O primeiro item indica a constituição do interesse pelo folclore no contexto

europeu dos séculos XVIII e XIX, examinando brevemente as formulações dos

antiquários e do romantismo, matrizes de pensamento que encontraram aqui pronta

repercussão.

Herdeiros dessas duas tradições, os estudos de folclore no Brasil estão entre as

formas de conhecimento que, ao problematizarem o plano da cultura, indagam sobre a

natureza peculiar do "ser" brasileiro. Na primeira metade do século, eles participaram,

juntamente com as ciências sociais em fase de estruturação, de um campo intelectual

demarcado pelas noções de nação, identidade nacional, brasilidade e cultura brasileira

(Villas-Boas, 1987). Entretanto, a institucionalização dos estudos de folclore, sobretudo a

partir da década de 1950 (Cavalcanti e Vilhena, 1990), seguiu rumos diversos da

institucionalização universitária das ciências sociais. O Movimento Folclórico foi bem

sucedido na constituição de comissões, museus, institutos, órgãos governamentais e não,

como também o desejavam os folcloristas, com a introdução de disciplinas nas

universidades. Na primeira metade do século XX, porém, as fronteiras entre ciências

sociais e estudos de folclore, áreas que são hoje nitidamente diversas, se entrecruzavam.

O breve exame das formulações de Sílvio Romero, Amadeu Amaral e, sobretudo, Mário

de Andrade, empreendido no segundo item, procura ressaltar essa proximidade então

existente.

Ao afã de investigar o folclore, visto como signo da nacionalidade, ligou-se

também o empenho de atuação por parte da intelectualidade que se ocupou do tema.

4. Como toda versão, esta é inevitavelmente parcial e incompleta. É significativo, por exemplo, que Carneiro, no texto original, tenha omitido o nome de Luis da Câmara Cascudo no traçado de sua história. A omissão, percebida, foi remendada no número seguinte da Revista de Folclore (ano II out/dez 1962). Em suma, esse campo como um todo, e suas conexões com outras áreas do pensamento social, é certamente muito mais amplo e complexo do que a limitada versão também apresentada por nós aqui. NR: Luis Rodolfo Vilhena faria da continuação deste projeto de pesquisa o tema de sua tese de doutoramento ( Vilhena:, 1997)

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Queiroz (1980), analisando a trajetória das ciências sociais do país, aborda a relação entre

auto-conhecimento e atuação, apontando a constância dos esforços intelectuais em

propor programas de ação. Sobretudo no âmbito da cultura popular, vista

frequentemente como base para ação política. O terceiro item esboça essa relação dos

estudos de folclore com o campo de atuação política, tomando por base as propostas de

Amadeu Amaral e de Mário de Andrade.

Procuramos, em suma, indicar os contornos da constituição dessa área de estudos

no país na primeira metade do século, período que prepara sua expansão na forma do

Movimento Folclórico Brasileiro entre os anos 1947 e 1964.

I. Antiquários e Românticos

Como nas demais áreas de conhecimento, a trajetória dos estudos de folclore no

Brasil mantém relações com debates do contexto intelectual europeu. A própria palavra

folclore provém do neologismo inglês folk-lore (saber do povo), cunhado por Williem

John Thoms para denominar, em 1846, um campo de estudos até então identificado

como “antiguidades populares" ou "literatura popular".

A década de 1870, que marca o início do período abrangido em nossa análise, é

também a da fundação da Folklore Society, na Inglaterra (1878), representando um novo

espírito "que procura definir o estudo das tradições populares como uma ciência" (Ortiz

op. cit.)5. Os primeiros folcloristas brasileiros moveram-se, como veremos, por objetivos

semelhantes aos de seus contemporâneos europeus. Ao mesmo tempo em que

procuravam inovar, ambos são herdeiros das concepções e teorias forjadas pelos

antiquários e pelo romantismo que haviam, até então, informado a pesquisa destas

tradições.

Os antiquários são os autores dos primeiros escritos que, a partir do século XVII,

retratam os costumes populares. Abandonando aos poucos o seu isolamento inicial, eles

organizam diversas sociedades especializadas no tema, que se multiplicam no início do

século XIX. Thoms, antes de engajar-se na organização da Folklore Society, havia

pertencido a duas destas sociedades.

5. Ortiz (op. cit.), baseado nas análises de Pierre Bourdieu acerca da fotografia, considera os estudos de folclore como “ciência mediana".

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A filiação existente entre os antiquários e os estudos de folclore revela-se também

nas características da concepção de pesquisa dos primeiros, presentes na produção

folclórica posterior: o afã classificatório, o diletantismo, a valorização moral do popular.

É necessário, contudo, ressaltar a complexidade do chamado "estudo de antiguidades".

Arnaldo Momigliano, em detalhado artigo (1983), ressalta a importância dos

antiquários para a formulação da metodologia histórica. No período que vai da Grécia do

fim do século V A.C. ao Ocidente do século XIX, este autor distingue entre os estudos

históricos propriamente ditos e os de antiguidades6, por vezes designados também como

“pesquisa erudita". Cada um deles baseado em diferentes fontes, as chamadas fontes

secundárias e primárias, as quais implicam noções de temporalidade distintas.

Diferentemente do historiador clássico, que até o século XVII trabalhava a partir de

fontes literárias, o pesquisador erudito caracterizava-se pela coleta, e pelo exame, de

documentos, moedas, monumentos, relatos tradicionais transmitidos oralmente, etc.

Segundo este autor, enquanto os historiadores organizam os eventos a partir de

uma ordem cronológica, buscando fornecer a ilustração ou explicação de uma situação

dada, os antiquários relacionam elementos coletados a um assunto seguindo um plano

sistemático, geralmente esquemas de classificação de seus objetos.

Às formas especificas de coleta e de organização de dados correspondem noções

próprias de temporalidade. Segundo Momigliano, os antiquários habitam um "mundo

estático". No século XIX, por exemplo, o historiador alemão E. P1ater ainda

caracterizaria a história por descrever "uma nação em movimento", enquanto que,

segundo este autor, o estudo das antiguidades a descreve "na sua harmonia e no seu

repouso" (Momigliano, 1983:283/284). Os fragmentos recolhidos pelo pesquisador

erudito – moedas, documentos, relatos orais, etc. – eram tomados como representantes

de um passado sem cronologia precisa, índices de uma civilização ou de uma forma de

vida desaparecida ou em vias de desaparecimento. Tal traço era particularmente marcante

no estudo das "antiguidades populares", onde comumente, os produtos da cultura

6. É interessante notar que o dicionário Aurélio registra o sentido que habitualmente associamos à palavra antiguidades ("antiquálias", isto é, "objetos antigos") como sua segunda definição. A primeira é "instituições antigas". O estranhamento que isto talvez provoque na maioria dos leitores modernos é um sinal do declínio sofrido pelos estudos que iremos descrever brevemente. Até o século XVIII, a ele cabia o estudo destas instituições, fazendo, com os métodos peculiares, uma história de "longa duração'. avant la lettre, o que talvez motive Momigliano a resgatá-los.

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popular, ainda não maculados pela civilização urbana, despertavam o que Ortiz (op.

cit.:27) chama de “nostalgia folclórica".

Dois outros traços são também importantes na caracterização dos antiquários: o

diletantismo e sua atitude com relação aos costumes populares. Grande parte destes

estudiosos não tinha, no estudo das antiguidades, sua atividade principal. Seu “afã

colecionador" (Ortiz, op. cit.) liga-se, deste modo, ao fato de serem eles não só

conhecedores mas “entusiastas" (Momigliano, op. cit.). Esse entusiasmo se traduz na

valorização gradativa dos costumes populares7. É certamente o movimento romântico

que fornece as bases ideológicas mais importantes para a consolidação desta última

postura (Ortiz, op. cit.). Já nos antiquários, contudo, ao privilégio do contato direto com

uma realidade factual, acopla-se a atribuição de um valor moral ao objeto apreendido.

Nos séculos XVII e XVIII, o prestígio dos antiquários ascende, em função de

uma crescente insatisfação com a fidedignidade das fontes literárias tradicionais em que

se baseava a historiografia da época. Entretanto, na medida em que prossegue o

desenvolvimento da metodologia histórica, sua produção entra em declínio. A partir do

séc. XVII, quando a filosofia passa a informar o trabalho dos historiadores, os

antiquários revelam-se cada vez mais "incapazes de refletir sobre os princípios", limitados

que estavam às suas “conjeturas de detalhes" (Momigliano, op. cit.:281 ). Por fim, no

século seguinte, o historiador profissional passará a buscar a articulação entre a pesquisa

erudita, que ainda não havia sido absorvida pelos “historiadores-filósofos", e a reflexão

filosófica. Esta articulação e o desaparecimento da figura do antiquário caracterizariam,

na visão deste autor, a historiografia hoje.

Não se trata, no entanto, da mera substituição de um conhecimento amador e

entusiasmado por outro, profissional e técnico. Momigliano ressalta a contribuição

positiva dos antiquários ao desenvolvimento da metodologia histórica, num momento

em que esta não detinha as modernas técnicas de crítica filológica. As características de

sua coleta de dados, vistas por Ortiz (op. cit.) como uma "sistematização assistêmica dos

dados"8, permitiriam também, na visão de Momigliano, em contraste com os

7. Tal postura leva Ricardo Benzaquen de Araújo (1988) a tomá-los como representantes tardios do que ele denomina "concepção clássica da história". Esta última reuniria, através de suas narrativas, "exemplos, histórias excepcionais, extraordinárias, em suma, capazes de fornecer orientação e sabedoria", fiel à fórmula de Cícero: "história, mestra da vida". 8. Momigliano, em certos momentos, também condena este traço, principalmente quando caracteriza a "mentalidade antiquária" (p. 283) ou o “estado de espírito antiquário" (p. 285), como uma postura superada mas

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historiadores, a abordagem de temas “que se prestam melhor a um plano lógico do que a

uma exposição cronológica. (p.247).

Na tradição historiográfica clássica, portanto, os antiquários distinguem-se pelo

trabalho exclusivo com fontes primárias não literárias. Esse privilégio traduz uma visão

da pesquisa da qual participam também uma concepção própria de temporalidade, e a

valorização moral do objeto estudado. Esse enfoque, como veremos, é incorporado pela

produção folclórica posterior.

Algumas idéias românticas se unem ao espírito colecionista dos antiquários na

constituição do ethos dos estudiosos de folclore. A atenção aos costumes populares, já

presente nos antiquários, ganha no Romantismo um caráter mais definido.

O Romantismo, ele mesmo, é o meio fundamental da expansão de uma

concepção de mundo e do homem formulada no séc. XIX. Desde o século anterior, a

relação entre o indivíduo e a sociedade é pensada a partir da necessidade de liberdade do

primeiro diante dos laços sociais e históricos que o limitam e impedem sua livre

expressão. Analisando as visões de mundo elaboradas nesses dois séculos, Simmel (1964)

mostra como em cada um deles são formuladas diferentes concepções de

individualidade. O individualismo do século XVIII enfatiza a relação necessária entre

liberdade e igualdade. Simmel denomina-o individualismo quantitativo, em contraste com

o individualismo qualitativo do século XIX que expressa a natureza humana pela sua

singularidade e liberdade. Enquanto que, no primeiro, o indivíduo se percebe como parte

de uma sociedade de iguais, no segundo, a sociedade é pensada como um organismo

formado por indivíduos singulares, incomparáveis e insubstituíveis. O individualismo

qualitativo das peculiaridades individuais marca contraste com o individualismo

quantitativo do século XVIII no plano filosófico, político, econômico e artístico.

Herder é visto por Simmel como a principal fonte do individualismo qualitativo, e

o romantismo como sua expressão mais ampla. São os românticos os primeiros a

enfatizar a particularidade e a singularidade das sociedades históricas, e a perceber a

importância da especificidade cultural do Oriente e da Idade Média européia. Em sua

própria sociedade, o romantismo valoriza a diferenciação dos elementos distintos e

singulares, colocando-os em séries de contrastes. A idéia de que cada indivíduo só passível de ressurgimento. Assim definida, fora da contextualização histórica na qual essa atividade aparece na maior parte do seu artigo. Momigliano critica explicitamente o "gosto excessivo pelas classificações e pelo detalhe insignificante" (p. 283).

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encontra o significado de sua existência em contraste com os outros é transposta para

planos sociais mais amplos, onde cada camada social, e cada sociedade histórica, só

perceberá plenamente sua natureza singular em confronto com as outras.

O povo torna-se objeto de interesse para intelectuais europeus nesse contexto.

Esse movimento amplo de descoberta do popular tem razões estéticas, intelectuais e

políticas.

Um de seus motores é a revolta contra o iluminismo (cf. Burke, 1978:11)

caracterizado pelo elitismo, pela rejeição à tradição e pela ênfase na razão. Os trabalhos

dos intelectuais românticos sobre a cultura popular, não apenas na poesia e na literatura

(alvo do interesse de Herder e dos irmãos Grimm), mas também na música, na religião e

nas festas populares, expressam essa reação. A novidade dessa descoberta do popular é

construir, sobre a singularidade das expressões culturais do povo, a singularidade de cada

nação.

As manifestações artísticas são particularmente valorizadas. Segundo Isaiah Berlin,

Herder definia a arte como a "expressão do homem em sociedade em sua plenitude"

(1983:200). Ao criar, o artista deve expressar a “individualidade coletiva". Este seria o

caso, por excelência, da poesia, pois, segundo Herder, "um poeta é um criador de um

povo; ele lhe dá um mundo para contemplar, ele leva a alma do povo em sua mão"

(citado em Berlin, op. cit.:203).

A concepção de povo é construída num duplo contraste com as camadas cultas e,

ao mesmo tempo, com a plebe ou ralé. O contraste entre o povo e a multidão urbana

acentua não só a valorização moral do primeiro, como define também o objeto

privilegiado de estudo para os folcloristas desde esta época: o camponês, depositário da

autêntica cultura popular. O povo é, para os intelectuais, natural, simples, inculto,

instintivo, irracional, enraizado nas tradições e no solo de sua região. O indivíduo povo

está dissolvido na comunidade.

Três pontos fundamentais qualificam essa noção de cultura popular (cf. Burke, op.

cit.): o primitivismo, o comunalismo e o purismo. O primitivismo diz respeito à tentativa

de localização da origem das expressões populares em um tempo remoto indeterminado.

A arte considerada polida e culta é desprezada valorizando-se, em seu lugar, o selvagem,

natural e exótico. O distante e o popular equiparam-se. O comunalismo é a teoria,

formulada pelos irmãos Grimm, segundo a qual a poesia popular floresce

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espontaneamente, não existindo autor e estilo individualizados. Na cultura popular, o

papel da tradição e do passado da comunidade seria maior do que o do indivíduo. A

comunidade á a individualidade singular. O purismo fala das qualidades da produção

popular como expressão da natureza inculta, simples, instintiva e irracional do próprio

povo.

A reação ao Iluminismo se dá também no plano político. Na Alemanha e na

Espanha, tal forma de pensamento era considerada estrangeira e associada à dominação

francesa. O interesse pela cultura popular nesses países foi acompanhado de movimentos

nacionalistas.

A associação da descoberta do popular às singularidades das nações também está

presente nas regiões periféricas dos países europeus, revelando a busca de identidades

distintas. A Escócia, a Bretanha, a Dalmácia, a Sicília, a Andaluzia e a região alemã a leste

do Elba são o berço dos pioneiros desse movimento. Essa ênfase na singularidade de

cada povo articula-se com uma crítica às interpretações evolucionistas da história

elaboradas pelo iluminismo. Berlin chama atenção para a novidade do pensamento de

Herder, que se nega a estabelecer objetivos últimos que governariam a evolução humana:

"O que ele chama de Fortgang (progresso) é o desenvolvimento de uma cultura em seu

próprio habitat em direção a seus próprios objetivos" (p. 169).

A crítica ao evolucionismo é acentuada neste autor, por vezes, pela idealização do

passado nas comunidades primitivas, como na sua "paixão pela vida das antigas tribos

germãnicas" (p. 211), ou na teoria segundo a qual, no passado, não haveria nenhum tipo

de especialização, e sim uma união perfeita entre teoria e prática (p. 201).

A descoberta do popular e o afã em valorizar as singularidades trazem consigo um

sentido de urgência. Para os estudiosos do séc. XIX a cultura "folk" sofria a ameaça de

desaparecimento em função do avanço da industrialização e modernização da sociedade.

O enfoque do popular próprio aos antiquários, bem como aspectos da obra dos

pensadores românticos destacados no presente texto ressoam nos estudos de folclore no

Brasil.

II. Os Estudos de Folclore no Brasil

Sílvio Romero é, segundo Carneiro, praticamente o fundador desses estudos no

país. Antecede-o apenas Celso Magalhães (1849-1879), cuja curta vida fez dele, nas

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palavras do autor, “um meteoro no céu do folclore". Romero seria o principal

representante das chamadas "tendências antigas" do folclore então concebido "como

parte da literatura" (op. cit.:47).

Entretanto, quando, no início de seu Estudo sobre a poesia popular, Romero

transcreve suas reflexões acerca da literatura oral brasileira, publicadas em 1873, ele revela

que, na época, "pretendia (...) fazer um apanhado de cantos e contos do nosso povo,

como base para a refutação ao escrito de José de Alencar, O nosso cancioneiro"

(Romero, 1977:32). A eleição de Romero como fundador parece portanto dever-se ao

fato de ele representar um momento de transformação nos estudos de literatura popular,

sem que ele tenha sido, entretanto, o primeiro a dedicar-se ao tema. De fato, Sílvio

Romero coloca-se, e aos seus contemporâneos, como pioneiro de uma visão mais

científica e racional da vida popular.

Essa nova visão vinha assinalar um contraste com o ciclo romântico anterior, que

Romero julgava encerrado, embora os trabalhos de Alencar sobre o tema ainda

recebessem sua influência. Sobre isso, o próprio Sílvio Romero nos fala:

“Entre nós o romantismo foi mudo sobre as criações anônimas, esta região ficou

além de seu horizonte. O célebre sistema literário desenvolveu-se no Brasil de 1820 a

1879, e nem uma só palavra proferiu sobre as nossas canções e lendas populares.

Quando assinalo o ano de 1870, como fechando o ciclo da romântica brasileira, não

quero dizer que ela tenha então falecido de todo, é que depois daquele ano começou a

desenvolver-se entre nós a reação anti-sentimental e as tendências científicas

principiaram a predominar, ainda que fracamente, na literatura do país” (Romero,

1977:54).

Depois de citar alguns nomes representativos das tendências científicas, Romero

aproxima-se do positivismo:

"... Estas indicações são suficientes para provar que no último decênio tem se

dado neste país uma forte reação anti-romântica, e as doutrinas positivas vão começando

a espalhar-se” (op. cit.:55).

A ciência é colocada desde este instante como um valor social, e passa a existir

uma preocupação em desenvolver um “espírito científico” nos estudos de folclore.

Romero clama por uma sistematização. Sua reação ao romantismo, posicionando-se

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contra o diletantismo atribuído aos estudos das tradições populares assemelha-se à dos

demais estudiosos:

"Fazia-se mais retórica do que psicologia, mais divagações estéticas do que

análises etnológicas. Estamos fartos de apologias poéticas e de cismares românticos; mais

gravidade de pensamento e menos ziguezagues de linguagem" (op. cit.:38).

Amadeu Amaral retoma a crítica de Silvio Romero no artigo “Os estudos

folclóricos no Brasil" (1948), quando faz inventário dos trabalhos relativos ao tema:

"... Ora são feitos por mero diletantismo ou passatempo, sem objetivo, sem

método e sem seguimento; ora por simples literatura, visto que o campo das tradições, e

especialmente o da poesia popular, fornece abundante matéria para divagações e

fantasias; ora enfim, por outros instintos não só estranhos à pura investigação, como

nocivos a ela por isso mesmo" (p. 3).

A queixa da falta de uma “cientificidade" perpassa esse campo, e a sua busca

privilegia, no conjunto da pesquisa, a etapa da coleta que deve assegurar a pureza do

material obtido.

Para Amadeu Amaral, a precariedade com que são feitas as coletas de material

folclórico é a primeira e grande barreira a impedir o desenvolvimento dos estudos de

folclore. A etapa da análise parece constituir um momento posterior de luta contra o

diletantismo reinante9:

“Ficou dito no primeiro capítulo que a Associação Folclórica de São Paulo, na

hipótese de se fundar, não deve dar-se outra tarefa que a de colher e preparar materiais

de estudo.

Isto não convém apenas pela razão de que seria muito difícil e perturbador querer

a própria agremiação entrar no exame e debate das questões teóricas; convém,

igualmente, porque a principal missão do folclorista brasileiro, missão indispensável a

todos os labores de gabinete que pretendam ter base sólida e resultados sérios, consiste

presentemente em recolher, classificar, 'manipular' produtos e factos, no intuito de

preencher as inumeráveis falhas da pobre documentação hoje armazenada” (Amaral,

1948:54).

9. Movimento Folclórico atualizará, na década de 1950, essa concepção de pesquisa. Ver Cavalcanti e Vilhena, op. cit.

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Estabelecer um critério comum a todos os folcloristas na coleta do material é

fundamental para alcançar a realidade da tradição popular "autêntica" sem enxertos nem

remendos.

Além do diletantismo recorrente em todos os trabalhos folclóricos, Amadeu

Amaral situa no sentimentalismo próprio do espírito romântico, e no excesso de

"teorizações imaginosas" os outros males dos estudos de folclore. Não deixa de

enquadrar em suas críticas autores como Sílvio Romero e João Ribeiro10. Aquele, embora

tendo sido o primeiro a traçar os rumos dos estudos de folclore, por suas teorizações

precipitadas; este por seu diletantismo erudito, sem base etnográfica. Celso Magalhães, o

primeiro a levantar a importância da coleta de dados consistente, seria o pioneiro de um

trabalho verdadeiramente científico. Sobre o trabalho deste último, Amaral comenta:

"... colher materiais, estuda-los, procurar-lhes as fontes imediatas, fazer a história

natural dos produtos do folclore, em vez de teorizar e fantasticar de ante-mão" (op.

cit.:7).

Com dados concretos, "sem fantasias, sem consertos nem acréscimos, em

condições de ser confirmado ou rectificado por qualquer um" (p. 9), pode-se esboçar

uma geografia e uma história do folclore brasileiro. Além de assegurar a autenticidade, a

identificação do material é fundamental: a classificação deve ser construída de acordo

"com os acontecimentos antecedentes e circunstância do povoamento e da vida

coletiva", porque "os produtos são inseparáveis dos usos e costumes".

O critério de cientificidade repousa na eleição da metodologia da história natural

que aponta o caminho a ser percorrido pelo folclore. Em primeiro lugar, a coleta de

material, depois seu estudo, comparação e teorização:

"Façamos e promovamos, pois, antes de tudo, um como vasto trabalho de

hervanários ou de naturalistas: colher, arquivar e classificar os produtos de cada região e

distrito do país, fazendo-os acompanhar de todas as indicações que lhes marquem a

autenticidade e identificação" (p. 10).

Mário de Andrade retoma o tema num artigo póstumo: "A situação dos estudos

de folclore no Brasil ainda não é boa" (1949). A percepção de uma ausência de

"cientificidade" preocupa esses estudiosos até Carneiro pelo menos. 10. João Ribeiro realizou, na Biblioteca Nacional, em 1913, uma série de conferências trazendo para a discussão do folclore no Brasil teorias e interpretações então difundidas na Europa. Essas conferências foram publicadas no livro O Folklore, em 1919.

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Emerge desse contexto outro ponto importante na caracterização desse campo de

estudos: a sua permanente interlocução com as ciências humanas e sociais que começam

a se estruturar no país.

A atuação de Mario de Andrade no Departamento Municipal de Cultura de São

Paulo é reveladora dessa dimensão11. Mario de Andrade criou, no dito departamento, o

curso de formação de folcloristas, ministrado por Dina Lévi-Strauss, que visava

basicamente orientar o trabalho de campo. Um dos resultados do curso foi a criação da

Sociedade de Etnografia e Folclore, que elaborou um guia classificatório do folclore, e

propôs critérios para equipar museus de folclore12.

O abandono do amadorismo e a conquista da "cientificidade" deveriam ser

alcançados com o auxílio das cátedras universitárias relacionadas ao folclore, sobretudo a

sociologia. Mário também lançou mão das sociedades de antropologia, geografia, história,

sociologia. Essas sociedades poderiam "policiar e orientar" os trabalhos sobre folclore,

banindo o diletantismo, assim como a transformação da produção popular em produção

popularesca, cheia de retoques e inautênticas.

A estruturação das ciências sociais corria paralelamente. A Escola de Sociologia e

Política de São Paulo é criada em 1933; a Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da

Universidade de São Paulo em 1934; a Universidade do Distrito Federal, em 193513.

A criação desses cursos superiores, e a atuação dos professores e pesquisadores

estrangeiros transformaram as pesquisas desenvolvidas até então com a incorporação de

novos autores e de novo instrumental teórico e prático. Disciplinas como a sociologia, a

antropologia, a história, a psicologia, e posteriormente a economia e a política,

começaram a ter seus contornos mais bem delineados.

Da USP, veio a influência francesa e a ênfase no estudo teórico, destacando-se

entre os estrangeiros, Lévi-Strauss e Roger Bastide. Lévi-Strauss desenvolveu pesquisas

junto aos índios bororo, enquanto Bastide explorou aspectos da cultura popular,

11. Ver a esse respeito Sandroni (1988), e Antônio Candido (1984). Para ambos, o Departamento Municipal de Cultura de São Paulo é criado no rol de transformações ocorridas nos anos 1930, sendo parte do movimento de “normalização" e “generalização" dos ideais da vanguarda modernista da década anterior, e parte de um movimento de criação de condições para a formação de uma elite dirigente, sintonizada à nova ordem econômica e social. 12. Ver a esse respeito Soares, 1983. 13. Ver a esse respeito Corrêa: 1987, Rodrigues: 1984, Duarte: 1984.

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acompanhado em suas pesquisas por assistentes que mais tarde polemizariam com os

folcloristas, como Maria Isaura Pereira de Queiroz e Florestan Fernandes14.

Da Escola de Sociologia e Política, veio a influência americana, primeiro com

Samuel Lowrie, e depois com Donald Pierson, que arregimentou Herbert Baldus e

Emílio Willems, já residentes no Brasil, quando da instalação da pós-graduação em 1941.

Donald Pierson trouxe a contribuição dos estudos sociais desenvolvidos na Universidade

de Chicago, que privilegiavam a pesquisa nos centros urbanos. As pesquisas de campo

coordenadas por ele no interior de São Paulo e no vale do São Francisco também foram

decisivas na formação de pesquisadores.

No Rio de Janeiro, além da Faculdade Nacional de Filosofia, Ciências e Letras da

Universidade do Brasil, havia a atuação da Sociedade Brasileira de Antropologia e

Etnologia, tendo à frente Artur Ramos, considerado hoje um dos pioneiros da

antropologia no Brasil, e na época também especialista em folclore.

A atuação de Mário de Andrade no Departamento Municipal de Cultura – seu

empenho em trazer as contribuições da academia para a sociedade mais ampla, levando

ao mesmo tempo àquelas questões da realidade social – indica a relativa integração entre

os diversos estudiosos da área de folclore e as instituições acadêmicas que então se

formavam.

III. Nacionalismo e Folclore

Os estudos de folclore guardam também uma outra dimensão que gostaríamos de

abordar: seu objeto, o folclore, a cultura popular, é visto frequentemente como substrato

da nação e da nacionalidade. Na construção de um ideal de nação, os intelectuais ocupam

papel de destaque, na medida em que teriam em mãos a possibilidade de atingir, por

métodos científicos, a realidade da vida popular. No entanto, uma vez isto feito, é preciso

fazer um movimento de volta ao próprio objeto de estudo e substrato autêntico da

nação, o povo, no sentido de socializá-lo, mostrando-lhe lado puro e não poluído de suas

tradições.

A visão dessas tradições é, no entanto, curiosamente ambivalente. Perpassa esse

campo de estudos a idéia da pobreza das tradições populares15.

14. Ver Cavalcanti e Vilhena, op. cit.

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Sílvio Romero, nos Estudos sobre poesia popular do Brasil, critica o exagero

romântico que via uma produção brilhante deste gênero no país:

"... Nas palavras transcritas está reconhecida a existência entre nós de uma

pequena poesia popular herdada, ao lado de outra quase insignificante que mais de perto

nos pertence e individualiza. Mantenho ilesa a minha rota de falta de profundeza e

originalidade nesta última, restringindo, porém, o caráter de rigor negativo que tinha

minha primeira declaração" (Romero, op. cit.:32).

Amadeu Amaral, expondo a importância do papel dos educadores nos estudos e

difusão das tradições populares, relaciona-a à pobreza dessas mesmas tradições:

"É ponto que merece atenção a falta do elemento tradicional na formação moral

da nossa juventude. Se o Brasil é um país pobre de tradições, entendidas no sentido

amplo, as nossas escolas, dir-se-ia, não se esforçam senão por aumentar essa pobreza e

torná-la em verdadeira miséria...”

Mário de Andrade também comenta o tema:

"Dia 22 de julho – Fazer uma digressão sobre a segurança ‘moral’ e

consequentemente fisiológica com que agem Musset, Klein e já o suíço (sic) Schaeffer na

ida a Iquitos. Se sente que eles têm uma tradição multimilenar por detrás que os leva a

agir ‘sem dar’ diante da irresolução moral das meninas e da minha. Os próprios norte-

americanos de Iquitos que segurança por terem uma ‘civilização’ por detrás. Nós é essa

irresolução, esta incapacidade, que uma ‘capacidade’ adotada, uma religião que seja, não

evita. Daí uma dor permanente, a infelicidade do acaso pela frente. Dizer então que me

lembrei de uma amiga judia francesa comunista que me crible de lettres sobre a

infelicidade social dela, dos operários, etc. Me lembrei de escrever para ela uma carta

amazônica, contando esta ‘dor’ sul-americana do indivíduo. Sim eles têm a dor teórica,

social, mas ninguém não imagina o que é esta dor miúda, de incapacidade realizadora do

ser moral, que me deslumbra e afeta." (O turista aprendiz, p. 165-166, cit., em Moraes,

1963:64-65).

15. A análise de Queiroz (1980:65) levanta o mesmo tipo de padrão na postura dos cientistas sociais. Ao longo de cem anos de produção intelectual, a autora mostra a presença constante de duas questões: a inautenticidade e a fragmentação da cultura brasileira.

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Essa pobreza das tradições populares não reduz o ânimo do empreendimento dos

intelectuais, é, antes, proporcionalmente inversa à força da tarefa que lhes cabe.

Porém, essa base insignificante e pobre sobre a qual se quer construir a nação e a

nacionalidade tem também sua riqueza, definida pela idéia da autenticidade das

expressões populares. É preciso, então, desenvolver meios para atingi-la, pois a

autenticidade só revelará sua riqueza se corresponder ao aspecto "verdadeiro" da nação.

A preocupação com a cientificidade e a busca da nacionalidade se encontram: o povo,

definido pelo projeto intelectual do folclore, estabelece ao mesmo tempo um campo de

conhecimento e um campo político de ação.

Amadeu Amaral explicita essa articulação em seu apelo à Academia de Letras em

1925. É preciso, antes de mais nada, criar uma ciência brasileira, "construída com os

‘nossos’ recursos, baseada na observação direta e independente das ‘nossas’ coisas,

impulsada pelas iniciativas livres de ‘nossa’ razão experimental diante das interrogações

da ‘nossa’ natureza, e assim capaz de não ser apenas aluna submissa da grande ciência

universal e sem pátria, mas colaboradora operosa e original, que a enriqueça e também a

corrija, que é maneira não menos valiosa de enriquecer" (Amaral, 1948:29-30).

Na construção da ciência nacional, contribuiriam os homens de letras, o Instituto

Histórico e Geográfico, a Sociedade de Geografia (que poderiam rever e explicar a

onomástica das localidades do país), a Academia de Medicina, entre outros. Esta, se

estiver interessada nas "coisas de psicologia coletiva e social", deve então se dedicar às

tradições populares que "não formam senão um capítulo daquela vasta matéria" (Amaral,

op. cit.:29). Aos educadores caberia uma ação nacionalizadora, através do incentivo às

tradições sociais, que falam diretamente aos sentimentos e são "substancialmente

identificadoras do indivíduo com sua terra e sua gente (p. 31). As emoções que

acompanham as tradições são intimamente pessoais e ao mesmo tempo profundamente

sociais. Amaral conclui: "Nada pois, pode ultrapassar o poder, digamos, nacionalizador

da tradição" (p. 32).

A amplitude de esforços corresponde à enormidade da tarefa: é preciso, para o

estudo das tradições, realizar um minucioso e metódico inquérito em todo o país. A

nação e o interesse comum do país são o alvo a ser atingido quando os esforços coletivos

e obreiros (é assim que Amaral refere-se à tarefa proposta à Academia) dos acadêmicos

estiverem concluídos. Há quatro objetivos imediatos:

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1. dar um conjunto de aquisições apuradas e seguras ao patrimônio comum de

conhecimento, podendo se servir dele: historiadores, etnólogos, sociólogos e outras

ciências do homem;

2. prestar serviço ao país, despertando carinhoso interesse à nação;

3. fornecer sugestões à arte e à literatura;

4. dar aos educadores instrumentos de ação nacionalizadora (p. 33).

Essa tarefa é parte de um projeto ideológico mais amplo e arrojado que mais tarde

Mário de Andrade e o movimento modernista retomarão.

No artigo já mencionado acerca das obras constituintes do acervo sobre folclore

(1949) é nítido o objetivo do autor em mapear um campo de investigação, traçando ao

mesmo tempo uma linha de ação para a construção da nação Brasil. A atuação

institucional de Mário de Andrade nesse sentido já foi mencionada. As análises de

Eduardo Jardim de Moraes (1978, 1983) permitem também perceber a arquitetura da

construção ideológica que embasa uma das versões do projeto modernista, na qual a

noção de folclore ocupa lugar central.

Moraes propõe uma leitura do modernismo em dois tempos: o primeiro, de 1919

a 1922, no qual predominaria a preocupação com a renovação estética. Nesse momento,

a problemática de inserção do país no "mundo civilizado" é pensada sem mediações.

Em um segundo tempo, a partir de 1924, o movimento esboça o projeto de uma

cultura nacional em sentido amplo, colocando em seu centro a "questão da brasilidade".

Agora, a categoria nacionalidade faz a intermediação com o mundo desenvolvido. A

unidade nacional baseia-se na dimensão cultural do país. Dessa forma, ao contrário da

geração de 1870, que entendia a raça enquanto signo de "primitivismo" e empecilho ao

progresso da nação, o modernismo, enfatizando a cultura, pode pensar positivamente a

unidade nacional.

Segundo Moraes (1978), Mário de Andrade representaria, no conjunto de

questões postas pelo modernismo, a via da pesquisa, "no sentido quase universitário da

palavra, dos elementos que constituem a nacionalidade" (p.93). Sua obra, ainda segundo

este autor (1983), seria "o esforço mais bem elaborado na efetivação de uma teoria do

conhecimento do ser nacional".

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Duas características a definem. Em primeiro lugar, a crença na existência da

"brasilidade" como totalidade. Em segundo, o fato do conhecimento do ser nacional

efetivar-se através dos estudos etnográficos e folclóricos.

A noção de folclore é estratégica na concepção da identidade da nação e de sua

inserção no todo mundial. Essa noção permite abolir, quer no eixo do tempo, quer no

eixo do espaço, a dimensão da diferença no plano cultural, construindo uma nação una.

No eixo do espaço, opera a idéia de que a unidade das manifestações folclóricas

encontra-se acima das diferenças regionais (a desgeografização). No eixo do tempo,

opera a idéia de uma temporalidade própria das manifestações folclóricas, revelada na sua

suposta permanência ao longo da História (a tradição móvel). O tempo do folclore,

marcado pela continuidade, permitiria uma forma de experiência que, ligando o passado

ao presente, demarca o campo da nacionalidade.

Vontade de conhecimento e a busca de uma atuação política e institucional de

construção de uma "nacionalidade" caminham de mãos dadas.

Algumas dessas idéias e propostas serão retomadas e atualizadas pelo Movimento

Folclórico na década de 1950. A análise desse Movimento constitui uma outra etapa da

pesquisa, e, por ora, interrompemos aqui nossas reflexões.

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