OS VERBOS DE REMOÇÃO NO PORTUGUÊS BRASILEIRO... Faculdade de Letras da UFMG 2015 . Agradecimentos...

37
Universidade Federal de Minas Gerais Faculdade de Letras OS VERBOS DE REMOÇÃO NO PORTUGUÊS BRASILEIRO Vinícius Franco de Almeida Orientação: Profª. Drª. Márcia Cançado Profª. Drª. Luana Amaral Belo Horizonte 2015

Transcript of OS VERBOS DE REMOÇÃO NO PORTUGUÊS BRASILEIRO... Faculdade de Letras da UFMG 2015 . Agradecimentos...

Universidade Federal de Minas Gerais

Faculdade de Letras

OS VERBOS DE REMOÇÃO NO PORTUGUÊS BRASILEIRO

Vinícius Franco de Almeida

Orientação: Profª. Drª. Márcia Cançado

Profª. Drª. Luana Amaral

Belo Horizonte

2015

Vinícius Franco de Almeida

OS VERBOS DE REMOÇÃO NO PORTUGUÊS BRASILEIRO

Monografia apresentada ao Colegiado de Graduação em Letras

da Universidade Federal de Minas Gerais como requisito parcial

para obtenção do título de Bacharel em Letras (habilitação em

Linguística).

Orientação: Profª. Drª. Márcia Cançado

Profª. Drª. Luana Amaral

Belo Horizonte

Faculdade de Letras da UFMG

2015

Agradecimentos

O curso de Letras, mais do que a abertura de novas possibilidades profissionais,

representa para mim a realização de um antigo sonho. No entanto, retornar à Universidade

para cursar uma segunda graduação, depois de seis anos atuando em uma área do

conhecimento completamente distinta, não foi uma tarefa fácil. E definitivamente não teria

sido possível cumprir essa jornada sozinho.

Agradeço, em primeiro lugar, a Deus, por colocar cada desafio em meu caminho

no momento mais oportuno e por me mostrar que sempre posso ir mais longe.

À minha mãe, Ivane, por ser a minha grande referência como educadora e minha

maior inspiração para ter chegado até aqui.

Aos meus amigos e demais familiares, pelo incentivo e por entenderem minhas

ausências, inevitáveis em determinados momentos.

Aos colegas, por me fazerem me sentir incluído durante toda a nossa caminhada,

apesar das diferenças notáveis de uma geração para outra.

À Professora Márcia Cançado, por ter despertado em mim um interesse especial

pela Semântica e por ter me acolhido na realização deste trabalho.

À Professora Luana Amaral, por todo o suporte durante a execução deste trabalho.

Seu brilhante direcionamento foi fundamental para que pudesse chegar a este resultado.

À Professora Luisa Godoy e à Letícia Meirelles, pela disponibilidade para ler o

trabalho e participar da banca.

Aos demais mestres, por todo o conhecimento compartilhado ao longo desses

quatro anos de estudos.

A todos que, direta ou indiretamente, contribuíram para que minha trajetória fosse

cumprida de forma producente e prazerosa.

Muito obrigado!

“Não sabendo que era impossível,

ele foi lá e fez.”

Jean Cocteau

Resumo

Inserindo-se na linha de pesquisa que estuda a interface entre a sintaxe e a semântica lexical, o

presente trabalho constitui uma tentativa de se agrupar, em uma mesma classe, os chamados

“verbos de remoção” do português brasileiro, verbos esses que, segundo alguns autores,

podem ser definidos como aqueles que denotam a remoção física de uma entidade de um

lugar, tais como extrair, remover, subtrair e deletar, apresentando como argumentos um

agente, um tema e um locativo. A partir de uma coleta realizada no dicionário de verbos de

Borba (1990), os dados foram analisados com o objetivo de se extrair aqueles verbos que

apresentassem comportamento sintático e semântico semelhante – aspecto lexical, estrutura

argumental, papel temático, dentre outras propriedades sintáticas e semânticas relevantes – a

ponto de permitir seu agrupamento como uma classe fechada que chamamos de “verbos de

remoção”. Buscou-se observar, ainda, por meio de alguns testes, como o de alternância

locativa, se eventuais comportamentos sintáticos e semânticos específicos poderiam conduzir

ao agrupamento desses verbos em subclasses. Ainda, procedeu-se à comparação dos verbos

de remoção pesquisados com os chamados “verbos de mudança de estado locativo”. Como

apresentam estrutura argumental semelhante, também composta por um agente, um tema e um

locativo, levantou-se a hipótese de que ambos os tipos de verbos, de remoção e de mudança

de estado locativo, poderiam fazer parte de uma única classe verbal. A conclusão a que se

chega é que tal hipótese se sustenta, uma vez que não há especificidades suficientes que

justifiquem a classificação dos verbos de remoção em um grupo fechado, tendo em vista que

as propriedades e comportamentos que apresentam muito se assemelham aos dos verbos de

mudança de estado locativo. Propõe-se, portanto, um agrupamento conjunto dessas duas

classes de verbos do português brasileiro, guardadas as devidas ressalvas em relação a uma e

outra, como por exemplo, naquilo que se refere ao acarretamento.

Abstract

Inserted in the research field that studies the syntax-lexical semantics interface, the present

work is an attempt to group, in the same class, the Brazilian Portuguese verbs of removal,

verbs which, according to some authors, can be defined as those that describe the physical

removal of an entity from a location, such as extrair ‘extract’, remover ‘remove’, subtrair

‘subtract’ and deletar ‘delete’, whose arguments are an agent, a theme and a locative.

Through a collection held at Borba’s dictionary of verbs (1990), the data were analyzed in

order to extract those verbs with similar syntactic and semantic behavior - lexical aspect,

argument structure, thematic roles, among other relevant syntactic and semantic properties -

to the point of allowing them to be grouped as a closed class we call “verbs of removal”. We

also attempted to observe, through some tests, such as the locative alternation one, if any

specific syntactic and semantic behavior could lead to the grouping of these verbs in

subclasses. Still, we proceeded to compare the surveyed verbs of removal with the so-called

“locative change of state verbs”. They present similar argument structure which also

comprises an agent, a theme and a locative, what raised the hypothesis that both types of

verbs, removal and locative change of state, could be part of a single verbal class. The

conclusion reached is that this hypothesis is supported, since there are not enough specifics to

justify the classification of the verbs of removal in a closed group, considering that their

properties and behavior much resemble those of the locative change of state verbs. It is

proposed, therefore, a sole group of these two classes of Brazilian Portuguese verbs,

considering, though, the restrictions applied in relation to one and other, for example, in what

it refers to the entailment.

Sumário

1. Introdução...............................................................................................................................7

2. Arcabouço Teórico................................................................................................................10

2.1 Critérios de classificação verbal......................................................................................10

2.2 A decomposição de predicados.......................................................................................11

2.3 A classe dos verbos de remoção......................................................................................12

3. A análise realizada para os verbos de remoção do PB..........................................................21

3.1 Teste da Alternância Locativa.........................................................................................24

3.2 Teste da Alternância Causativo-incoativa.......................................................................25

3.2.1 Sentenças médias....................................................................................................26

3.3 Teste de Verbos de Movimento......................................................................................27

3.4 Teste do Terceiro Argumento.........................................................................................28

3.5 Comparação com verbos de mudança de estado locativo...............................................29

3.5.1 A estrutura de decomposição de predicados..........................................................32

4. Conclusões............................................................................................................................34

5. Referências............................................................................................................................35

7

1. Introdução

O português brasileiro (PB) apresenta um número extenso de verbos – cerca de

6.000 (Borba, 1990) –, os quais apresentam diferentes propriedades sintáticas e semânticas.

Na linha de pesquisa conhecida como “Interface Sintaxe-Semântica Lexical”, os verbos

podem ser agrupados em classes de acordo com essas propriedades (Levin, 1993; Cançado,

Godoy e Amaral, 2013). Classes verbais são definidas, assim, como agrupamentos de verbos

que compartilham propriedades semânticas e propriedades sintáticas.

Podemos citar como exemplos dessas classes verbais, algumas das quais serão

citadas ao longo deste trabalho, a dos verbos de mudança de estado, a dos verbos de mudança

de lugar e a dos verbos recíprocos (Cançado, Godoy e Amaral, 2013).

Os verbos de mudança de estado compartilham a propriedade semântica de

descrever eventos em que uma entidade muda de estado, acarretando uma sentença do tipo

ficar estado, em que esse estado é a denotação de um adjetivo relacionado ao verbo. Em

relação a propriedades sintáticas, todos os verbos desse tipo podem ter sua transitividade

alternada em um processo conhecido como “alternância causativo-incoativa”, que permite que

um verbo alterne entre uma estrutura transitiva, que representa a forma causativa, e uma

estrutura intransitiva, que representa a forma incoativa:

(1) a. O menino quebrou o vidro. – forma causativa

b. O vidro ficou quebrado. – acarretamento ficar estado

c. O vidro quebrou. – forma incoativa

(2) a. A empregada estragou o chuveiro. – forma causativa

b. O chuveiro ficou estragado. – acarretamento ficar estado

c. O chuveiro estragou. – forma incoativa

Verbos de mudança de lugar compartilham a propriedade semântica de descrever

uma mudança de lugar, acarretando ficar em lugar, em que esse lugar é descrito por um nome

relacionado ao verbo; sintaticamente, aceitam um sintagma preposicional cognato nucleado

pela preposição em e não aceitam a alternância causativo-incoativa:

(3) a. O cientista engarrafou o gás.

b. O gás ficou na garrafa. – acarretamento ficar em lugar

c. O cientista engarrafou o gás em uma garrafa de vidro. – SP cognato

8

d. *O gás (se) engarrafou. – alternância causativo-incoativa

(4) a. A menina encaixotou os brinquedos.

b. Os brinquedos ficaram na caixa. – acarretamento ficar em lugar

c. A menina encaixotou os brinquedos na caixa vermelha. – SP cognato

d. *Os brinquedos (se) encaixotaram. – alternância causativo-incoativa

Finalmente, os verbos recíprocos descrevem uma ação que envolve

necessariamente dois participantes em uma relação recíproca e que, por isso, exigem que um

dos argumentos tenha denotação plural (Cançado, Godoy e Amaral, 2013). A propriedade

sintática considerada típica desses verbos é a chamada “alternância simples-descontínua”

(Godoy, 2008). Veja os exemplos:

(5) a. O menino despregou os pedaços de durex. – forma simples

b. O menino despregou um pedaço de durex do outro. – forma descontínua

(6) a. A cozinheira juntou os ingredientes. – forma simples

b. A cozinheira juntou a farinha com o fermento. – forma descontínua

É importante observar que os verbos recíprocos exemplificados acima são

também verbos de mudança de estado, apresentando o acarretamento ficar estado e a

alternância causativo-incoativa (os pedaços de durex ficaram despregados / os pedaços de

durex (se) despregaram; os ingredientes ficaram juntos / os ingredientes (se) juntaram).

Seguindo a linha de pesquisa da Interface Sintaxe-Semântica Lexical, o presente

trabalho constitui uma tentativa de se agrupar, em uma mesma classe, os chamados “verbos

de remoção” do PB, verbos esses que, segundo Levin (1993), podem ser definidos como

aqueles que denotam a remoção física de uma entidade de um lugar (apresentando em sua

estrutura argumental1 um agente, um tema e um locativo). Segundo a autora, pertenceriam a

essa classe verbos como extract ‘extrair’, remove ‘remover’, subtract ‘subtrair’ e delete

‘deletar’. Veja os exemplos:

(7) a. O seringueiro extraiu o látex da árvore.

b. O vendaval removeu as árvores do jardim.

1 O termo estrutura argumental é usado para se referir à representação lexical de itens lexicais que pedem argumentos para terem seu sentido saturado - tipicamente verbos, mas também substantivos, adjetivos e até mesmo preposições – permitindo assim a sua realização sintática. Uma estrutura argumental, em regra, indica o número e o tipo de argumentos que um determinado item lexical requer (Levin, 2013).

9

c. A garota subtraiu os produtos do salão.

d. O jovem deletou as fotos do computador.

Ainda, no presente trabalho, procedeu-se à comparação dos verbos de remoção

pesquisados com os chamados “verbos de mudança de estado locativo” (Godoy, 2012;

Cançado, Godoy e Amaral, 2013), já que apresentam estrutura argumental semelhante,

também composta por um agente, um tema e um locativo. Veja os exemplos:

(8) a. A menina pendurou a roupa no armário.

b. O motorista estacionou o carro na garagem.

Seguindo o já exposto em Godoy (2012), levantamos a hipótese de que, por serem

semelhantes em suas propriedades semânticas e sintáticas, verbos de remoção e verbos de

mudança de estado locativo podem ser agrupados em uma mesma classe verbal.

Os dados que serão apresentados foram coletados por meio de uma criteriosa

pesquisa realizada no Dicionário Gramatical de Verbos do Português Contemporâneo do

Brasil, de Borba (1990). Foram também acrescidos alguns verbos que, por terem sido

incorporados ao léxico em épocas mais recentes ou por não aparecerem no corpus, não

constavam na referida obra.

Os verbos coletados foram, então, analisados com o objetivo de se extrair aqueles

que apresentassem comportamento sintático e semântico semelhante – analisamos o aspecto

lexical, a estrutura argumental, os papéis temáticos dos argumentos, as possíveis alternâncias

verbais, dentre outras propriedades sintáticas e semânticas relevantes – a ponto de permitir

seu agrupamento como uma classe fechada de verbos de remoção. Buscou-se observar, ainda,

por meio de alguns testes, se eventuais comportamentos sintáticos e semânticos específicos

poderiam conduzir ao agrupamento desses verbos em subclasses.

Esta monografia está organizada da seguinte forma: na próxima seção,

apresentamos o arcabouço teórico utilizado na pesquisa e discutimos os principais trabalhos

encontrados na literatura sobre os verbos de remoção; na seção 3, mostramos a análise

realizada dos dados que foram coletados por meio da metodologia adotada; concluímos a

monografia na seção 4 tecendo nossas considerações finais.

10

2. Arcabouço Teórico

2.1 Critérios de classificação verbal

Antes de adentrar especificamente o tema que dá título ao presente trabalho, é

necessário fazer algumas ponderações acerca dos critérios de organização dos verbos em

classes verbais.

Baseando-se na argumentação de linguistas como Fillmore (1970, 1977), Levin

(1993) e Grimshaw (2005), as autoras Cançado, Godoy e Amaral (2013) se apoiam na

hipótese de que apenas a informação semântica, ou seja, o sentido específico dos verbos

presente nos itens lexicais, que não se resume a uma coleção de sentidos idiossincráticos, não

é suficiente para classificá-los de uma forma generalizada e sistemática de um ponto de vista

gramatical.

Nesse sentido, as autoras postulam que classificar verbos implica agrupá-los por

certas propriedades não apenas semânticas, mas também sintáticas. Concluem que, se alguns

verbos se comportam sintaticamente da mesma maneira ou, mais propriamente, compartilham

uma propriedade sintática, então são suspeitos de carregar alguma propriedade semântica em

comum.

Retomando os exemplos da seção anterior, podemos dizer que verbos de mudança

de estado (quebrar, estragar) compartilham a propriedade semântica de descrever eventos em

que uma entidade muda de estado, acarretando uma sentença do tipo ficar estado; todos os

verbos desse tipo podem ter sua transitividade alternada na alternância causativo-incoativa.

Os verbos de mudança de lugar (engarrafar, encaixotar) compartilham a propriedade

semântica de descrever uma mudança de lugar, acarretando ficar em lugar; sintaticamente,

aceitam um sintagma preposicional cognato nucleado pela preposição em e não aceitam a

alternância causativo-incoativa. Por fim, verbos recíprocos (despregar, juntar) descrevem

uma ação que envolve necessariamente dois participantes em uma relação recíproca e exigem

que um dos argumentos tenha denotação plural; todos esses verbos ocorrem na alternância

simples-descontínua. Os três agrupamentos descritos formam classes verbais por

compartilharem propriedades semânticas e também propriedades sintáticas, como mostramos

nos exemplos de (1) a (6).

11

Assim, no presente trabalho, partimos da premissa de que verbos pertencerão a

uma determinada classe quando compartilharem propriedades semânticas relevantes para uma

classificação verbal e propriedades sintáticas correlacionadas a essas propriedades semânticas.

2.2 A decomposição de predicados

Na análise de várias classes verbais do PB, Cançado, Godoy e Amaral (2013)

utilizam um tipo de representação semântica conhecido como “decomposição de predicados”.

Trata-se de uma forma de representar o conteúdo semântico, relevante para propriedades

sintáticas, que é recorrente entre grupos de verbos, servindo assim, para explicitar as

diferentes classes verbais a partir dos acarretamentos específicos decorrentes do sentido dos

verbos.

Nesse sistema de representação, o conteúdo semântico dos verbos é analisado e

decomposto em termos de predicados primitivos e seus argumentos e modificadores, podendo

ainda ser derivados o tipo aspectual dos verbos e os papéis temáticos dos argumentos.

Vejamos o exemplo com o verbo estragar e sua respectiva estrutura de decomposição de

predicados:

(9) estragar: [ [ X ACT ] CAUSE [ BECOME Y <ESTRAGADO> ] ]

Nessa representação, o sentido do verbo estragar é decomposto em elementos

menores de sentido. Tais elementos são predicados primitivos, como ACT, CAUSE e

BECOME, variáveis, que representam os argumentos do verbo, como X e Y, e a raiz

ESTRAGADO, que traz o conteúdo idiossincrático, aquele que não é compartilhado por outros

verbos. O elemento [ X ACT ] está ligado ao desencadear da ação, o elemento [ BECOME Y

<ESTRAGADO> ], ao resultado da ação. A raiz ESTRAGADO relaciona-se ao estado final do

evento e ao nome do verbo, que é o que o caracteriza individualmente. Finalmente, o

metapredicado CAUSE associa-se à relação de causação entre a ação e o resultado (Cançado,

Godoy e Amaral, 2013).

A representação apresentada em (9) pode ser verificada em sentenças como:

(10) a. A empregada estragou o ferro de passar.

b. O ferro de passar ficou estragado.

12

c. O ferro de passar estragou.

Os argumentos a empregada e o ferro de passar podem ser associados às

variáveis X e Y. O elemento [ X ACT ] está ligado ao desencadear da ação: o fato de a

empregada agir; o subevento [ BECOME Y <ESTRAGADO> ], ao resultado da ação: o ferro

de passar ficar estragado. A raiz ESTRAGADO relaciona-se ao estado final do evento e ao

nome do verbo, que é o que o caracteriza individualmente. Finalmente, o metapredicado

CAUSE associa-se à relação de causação entre a ação da empregada e a mudança sofrida pelo

ferro de passar para o estado de estragado.

Considerando que apenas a raiz traz o conteúdo idiossincrático do verbo e o

restante da estrutura traz o conteúdo relevante gramaticalmente, que é compartilhado pelos

verbos de uma mesma classe, os verbos da classe de estragar podem ser representados, como

uma classe, da seguinte forma:

(11) v: [ [ X ACT ] CAUSE [ BECOME Y <STATE> ] ]

STATE ‘estado’ é a categoria ontológica de todas as raízes dos verbos

pertencentes à classe dos verbos de mudança de estado. Como esses verbos permitem a já

mencionada alternância causativo-incoativa e tomando por base a representação em (11),

Cançado, Godoy e Amaral (2013) propõem, para a sua forma incoativa (10c), a estrutura de

decomposição de predicados a seguir:

(12) v: [ BECOME Y <STATE> ]

Dessa forma, é possível afirmar que todos os verbos dessa classe permitirão esse

tipo de alternância.

Neste trabalho, utilizaremos a decomposição de predicados para representar a

classe dos verbos de remoção, propondo uma única representação para esses verbos e para os

verbos de mudança de estado locativo.

2.3 A classe dos verbos de remoção

13

De acordo com Levin e Rappaport Hovav (1991), há três classes de verbos que

geralmente são associadas à noção semântica de remoção. Essas classes seriam representadas,

na língua inglesa, pelos verbos clear ‘limpar’, wipe ‘limpar’ e remove ‘remover’.

O verbo clear denota “remover uma substância de um lugar”. Segundo Levin e

Rappaport Hovav (1991), verbos dessa classe lexicalizam um estado resultativo, derivam de

adjetivos – verbo e adjetivo possuem formas idênticas – e são basicamente verbos de

mudança de estado. Tais verbos aceitam a alternância causativo-incoativa. Outros verbos da

mesma classe seriam clean ‘limpar’, drain ‘drenar’ e empty ‘esvaziar’. Veja o exemplo:

(13) Doug cleared dishes from the table.

‘Doug tirou (lit. limpou) os pratos da mesa.’

O verbo wipe ‘limpar’, por sua vez, tem o sentido de “remover uma substância de

um lugar – superfícies ou recipientes”. Verbos da classe de wipe lexicalizam um “componente

de meio”. Ainda segundo a autora, verbos dessa classe se subdividem em duas subclasses:

manner ‘maneira’ (a forma como a ação é realizada) e instrument ‘instrumento’ (se

comportam da mesma forma que os verbos de manner, mas a ação é realizada com o

instrumento que dá nome ao verbo). Exemplo:

(14) a. Brian wiped the fingerprints from the counter.

‘Brian limpou as impressões digitais da bancada.’

A autora ainda afirma que verbos dessa classe não derivam de adjetivos, embora

tenham particípios passados adjetivais. Veja o exemplo em relação a (14a):

(14) b. The wiped fingerprints.

‘As impressões digitais limpas.’

Outros verbos da mesma classe seriam:

(15) buff ‘polir’, brush ‘escovar’, erase ‘apagar’, file ‘lixar’, mop ‘esfregar’, pluck

‘depenar/depilar’, prune ‘podar’, rake ‘rastelar’, rinse ‘enxaguar’, rub

‘esfregar’, scour ‘arear’, scrape ‘raspar’, scratch ‘arranhar’, scrub ‘esfregar’,

14

shear ‘tosquiar’, shovel ‘remover com pá’, sponge ‘limpar com esponja’,

sweep ‘varrer’, trim ‘aparar’, vacuum ‘aspirar’…

Por fim, verbos como remove ‘remover’ não especificam como a ação de remoção

foi realizada, nem especificam qual efeito a remoção tem sobre o locativo. Tais verbos

simplesmente resultam em uma entidade não estar em um determinado lugar (“cause an entity

not to be at a location”). Exemplo:

(16) Monica removed the groceries from the bag.

‘Monica removeu as compras da sacola.’

Outros verbos da mesma classe de remove seriam:

(17) dislodge ‘desalojar’, draw ‘puxar’, evict ‘despejar’, extract ‘extrair’, pry

‘mover com alavanca’, steal ‘roubar’, uproot ‘desenraizar’, withdraw

‘(re)tirar’, wrench ‘puxar/arrancar’.

As três classes acima mencionadas apresentam verbos com três argumentos. As

duas primeiras aceitam a alternância “locativo como objeto”, doravante chamada “alternância

locativa”, mas a terceira não. A alternância locativa é um tipo de alternância que permite que

o argumento que denota o locativo seja transposto para a posição de objeto, mantendo-se, no

entanto, o sentido da sentença. Nesse caso, basta suprimir o objeto da sentença inicial e tomar

o locativo como objeto, como nos exemplos abaixo:

(18) a. Doug cleared dishes from the table.

‘Doug tirou (lit. limpou) os pratos da mesa.’

b. Doug cleared the table.

‘Doug limpou a mesa.’

(19) a. Brian wiped the fingerprints from the counter.

‘Brian limpou as impressões digitais da bancada.’

b. Brian wiped the counter.

‘Brian limpou a bancada.’

(20) a. Monica removed the groceries from the bag.

‘Monica removeu as compras da sacola.’

15

b. *Monica removed the bag.

‘Monica removeu a sacola.’

Observa-se, portanto, que em (18) e (19), a supressão dos objetos iniciais, quais

sejam, os pratos e as impressões digitais, com a posterior tomada dos locativos mesa e

bancada como objetos, não comprometeu o sentido da sentença, o que não ocorreu em (20),

onde o sentido da sentença ficou comprometido, uma vez que o argumento locativo é

essencial para dar o sentido completo ao verbo remover, não podendo, portanto, ser tomado

como objeto.

Ainda segundo Levin e Rappaport Hovav (1991), os verbos da classe de clear

admitem a troca de ordem dos argumentos locatum e location, ou seja, os argumentos tema e

locativo podem passar a ocupar o lugar um do outro numa sentença, mantendo-se o sentido,

enquanto os verbos da classe de wipe não permitem esse procedimento. Veja o exemplo:

(21) a. Doug cleared dishes from the table.

‘Doug tirou (lit. limpou) os pratos da mesa.’

b. Doug cleared the table of dishes.

Doug limpou a mesa de pratos

(22) a. Brian wiped the fingerprints from the counter.

‘Brian limpou as impressões digitais da bancada.’

b. *Brian wiped the counter of fingerprints.

Brian limpou a bancada de impressões digitais

Embora a construção apresentada em (21b) não seja gramatical em português, em

inglês ela é perfeitamente possível. Em (22b), ela é impossível em ambas as línguas.

Considerando o seu sentido básico, Levin e Rappaport Hovav (1991) concluem

que verbos das classes de clear e de wipe não são verbos de remoção. Segundo as autoras,

verbos como clear seriam verbos de mudança de estado e verbos como wipe seriam verbos de

atividade2. Os elementos de significado que são lexicalizados nesses verbos determinam a sua

classificação básica e seu comportamento. Embora pareçam ser verbos de remoção na forma

2 Verbos de atividade descrevem ações que se desenvolvem no tempo, sem ter um determinado ponto de conclusão. Vale dizer que são agentivos, dinâmicos e homogêneos, na medida em que qualquer de suas partes é da mesma natureza que o todo (Cançado e Amaral, 2015).

16

dos exemplos (21a) e (22a), essa impressão resulta do conhecimento de mundo real associado

aos eventos que esses verbos denotam e que não são parte de sua classificação linguística.

Ainda segundo as autoras, verbos como clear e wipe não seguem um padrão do

verbo remove – o verbo de remoção prototípico – ou dos outros verbos da classe. Além disso,

a diferença se estende ao seu significado, já que, diferentemente dos outros dois, verbos como

remove simplesmente descrevem a remoção de algo de um lugar, sem especificar como a ação

de remoção foi realizada. Por exemplo, é possível remover a neve de uma estrada de várias

formas: com uma pá, rastelando, varrendo, etc. Esses verbos tampouco especificam qual

efeito a remoção tem no locativo: a neve pode ser removida da estrada sem deixá-la limpa.

Assim, verbos como remover não lexicalizam nem um meio ou um estado resultativo do

locativo. Eles simplesmente significam, grosso modo, “causar que uma entidade não esteja em

um determinado lugar” e nada mais.

Por fim, Levin e Rappaport Hovav (1991) afirmam que o que separa os verbos da

classe de clear de outros verbos de mudança de estado é que eles denotam uma mudança de

estado que se dá pela remoção de algo daquela entidade, enquanto os outros denotam

mudança em sua composição química, estrutura etc. (como os exemplos que apresentamos

quebrar e estragar).

Anos mais tarde, Levin (1993) propõe uma nova classificação dos verbos de

remoção da língua inglesa, classificação essa bem mais ampla e que resultou em 9 subclasses,

representadas pelos verbos remove ‘remover’, banish ‘banir’, clear ‘limpar’, wipe

‘limpar/enxugar’, steal ‘roubar’, cheat ‘enganar’, pit ‘picar/esburacar’, debone ‘desossar’ e

mine ‘escavar’.

Analisando as propriedades dessas classes de verbos, chegamos à seguinte tabela:

17

Propriedades

Classes

Alternância

locativa

Alternância

conativa3

Alternância

causativo-

incoativa

Outras

alternâncias

Outras

propriedades

relevantes

Remove Não Não Não Não Não

Banish Não Não Não Não Não

Clear Sim Não Sim Não Alguns

verbos têm

adjetivo de

mesma

forma

Wipe

(manner)

Sim Sim Não Alternância

do objeto

não

especificada

(alguns

verbos)

Frase

resultativa

Wipe

(instrument)

Sim Não Não Alternância

do objeto

não

especificada

(alguns

verbos)

Frase

resultativa

Steal Não Não Não Não Não

Cheat Não Não Não Não Não

Pit Não Não Não Não Não

Debone Não Não Não Não Não

Mine Não Não Não Não Não

3 Entende-se alternância conativa como uma alternância de transitividade na qual o objeto do verbo na variante

transitiva aparece na variante conativa intransitiva como objeto da preposição em um sintagma preposicional encabeçado pela preposição at (às vezes on com certos verbos de ingestão e verbos push/pull). O uso do verbo na variante intransitiva descreve uma ação “tentada” sem especificar se a ação foi realmente realizada. A alternância conativa parece ser encontrada em verbos cujo sentido inclui noções tanto de contato quanto de movimento, conforme Levin (1993). Exemplo: Kay rubbed/scraped the counter ‘Kay esfregou/arranhou a bancada’. / Kay rubbed/scraped at the counter (lit.) Kay esfregou/arranhou na bancada.

18

Como é possível observar, muitas dessas classes não se distinguem pelas

propriedades elencadas. Neste trabalho, assumiremos a primeira divisão apresentada (clear,

wipe e remove), de Levin e Rappaport Hovav (1991), considerando apenas os verbos da classe

de remove como verdadeiros verbos de remoção.

Alexiadou e Anagnostopoulou (2013) denominam os verbos estudados neste

trabalho “verbos locativos de remoção” (do inglês “locative verbs of detaching”). As autoras,

assumindo a classificação de Levin e Rappaport Hovav (1991), entendem que apenas os

verbos como clear ‘limpar’ irão admitir a alternância locativa. Tais verbos seriam, além de

clear ‘limpar’, clean ‘limpar’, drain ‘drenar’ e empty ‘esvaziar’. Exemplos:

(23) a. Henry cleared the dishes from the table.

‘Henry tirou (lit. limpou) os pratos da mesa.’

b. Henry cleared the table of dishes.

Henry limpou a mesa de pratos

‘Henry limpou a mesa (que estava) com pratos.’

Para as autoras, esses verbos se caracterizam como verbos de mudança de estado

que possuem uma polissemia, tendo também um sentido de remoção. Os diferentes sentidos

dessa polissemia são representados pelas seguintes estruturas de decomposição de predicados:

(24) a. mudança de estado: [ [X ACT] CAUSE [BECOME [ Y <STATE> ]]]

b. remoção: [X ACT <MANNER> Y]

Em (24a), temos a estrutura semântica dos verbos de mudança de estado, como já

explicitado na Seção 2.2. Em (24b), a estrutura é composta apenas do predicado ACT, dos

argumentos do verbo X e Y e de uma raiz que é modificadora de ACT, de categoria

ontológica MANNER ‘maneira’. Essa estrutura apenas representa uma maneira de agir do

agente, sem indicar qualquer resultado possível dessa ação. A ideia de Alexiadou e

Anagnostopoulou (2013) é que esses verbos entrarão na alternância locativa apenas com o

sentido representado em (24b). A estrutura semântica não explicita a remoção, que seria o

resultado da ação, porque, segundo as autoras, não se trata de um acarretamento desses

verbos, mas de um sentido que emerge na alternância, na composição da sentença.

Em relação aos verbos da classe de wipe, seguindo a mesma classificação adotada

por Levin e Rappaport Hovav (1991), Alexiadou e Anagnostopoulou (2013) também os

19

subdividem em duas sublcasses: means ‘meio’ e instrument ‘instrumento’. A alternância

admitida, no entanto, difere da alternância locativa que ocorre com verbos como clear, uma

vez que o objeto deve desaparecer para que se mantenha o sentido. Exemplo:

(25) a. Helen wiped the fingerprints off the wall.

‘Helen limpou as impressões digitais da parede.’

b. Helen wiped the wall (*of fingerprints).

‘Helen limpou a parede (*de impressões digitais).’

Para as autoras, verbos da classe de wipe são verbos de maneira e acarretam

apenas a ação do agente. Por isso, esses verbos podem ser representados pela seguinte

estrutura de decomposição de predicados:

(26) v: [X ACT <MANNER> Y]

Tanto verbos como clear quanto verbos como wipe, segundo Alexiadou e

Anagnostopoulou (2013), apresentam um sentido de remoção quando entram na alternância

locativa, como em (23a) e (25a). Nesses casos, as autoras propõem que as interpretações de

remoção desses verbos podem ser representadas pela seguinte estrutura de decomposição de

predicados:

(27) v: [ [X ACT <MANNER> Y] CAUSE [BECOME [Z NOT AT <PLACE>]]]

A estrutura representa o resultado da remoção de um objeto Z de um lugar a partir

da ação de X. Para que o verbo possa ter essa interpretação, ocorrendo na alternância locativa,

segundo as autoras, é necessário que ele possua a estrutura de decomposição de predicados v:

[X ACT <MANNER> Y ], proposta em (26).

(28) a. Henry cleared the dishes from the table.

‘Henry tirou (lit. limpou) os pratos da mesa.’

b. [ [X ACT <CLEAR> Y] CAUSE [BECOME [Z NOT AT <PLACE>]]]

(29) a. Helen wiped the fingerprints off the wall.

‘Helen limpou as impressões digitais da parede.’

b. [ [X ACT <WIPE> Y] CAUSE [BECOME [Z NOT AT <PLACE>]]]

20

A análise das autoras para verbos do tipo de remove segue Levin e Rappaport

Hovav (1991), ou seja, tais verbos não apresentam a alternância. Verbos desse tipo

apresentam apenas o sentido de remoção, por isso, eles podem ocorrer apenas na forma da

alternância em que o tema aparece na posição de objeto direto e o locativo aparece na posição

de objeto indireto. As autoras assumem que, diferentemente dos verbos do tipo de clear e

wipe, os verbos do tipo de remove não descrevem apenas a ação do agente, mas especificam o

resultado obtido por meio de tal ação, a remoção de algo de algum lugar. Para essa classe, as

autoras não propõem uma estrutura de decomposição de predicados, mas elas apontam que o

seu sentido de remoção poderia ser descrito através de uma estrutura como a seguinte:

(30) [X CAUSE [Y BECOME [ AWAY FROM Z ]]]

Em resumo, Alexiadou e Anagnostopoulou (2013) seguem a proposta de Levin e

Rappaport Hovav (1991), assumindo que verbos como clear e wipe são verbos de maneira

que podem ocorrer com o sentido de remoção em sentenças específicas, decorrentes da

alternância locativa. Os verdadeiros verbos de remoção são os verbos da classe de remove.

Tais verbos especificam apenas o resultado final da ação do agente, qual seja, a remoção de

algo de algum lugar. Seguindo Levin e Rappaport Hovav (1991) e Alexiadou e

Anagnostopoulou (2013), assumiremos neste trabalho que apenas os verbos da classe de

remove são verbos de remoção. Mostraremos com vários testes que a proposta das autoras

para o inglês parece se aplicar também ao PB.

21

3. A análise realizada para os verbos de remoção do PB

A coleta dos verbos de remoção levada a efeito no presente trabalho buscou reunir

aqueles verbos que apresentassem, à primeira vista, o comportamento de um verbo de

remoção, qual seja, um verbo que denota a remoção física de alguma coisa de algum lugar.

Assim, foram buscados verbos que admitissem, em sua estrutura argumental, um

agente, um tema e um locativo, entendendo-se como esse último o lugar de onde alguma coisa

é removida, um locativo fonte. É necessário esclarecer que os verbos coletados foram

considerados em apenas um de seus sentidos, o qual pudesse servir de base para o estudo a ser

realizado, excluindo-se, assim, eventuais polissemias.

A coleta inicial totalizou 66 verbos, dos quais, após a aplicação de alguns testes,

que serão detalhados mais adiante, 36 foram classificados como verbos de remoção (a classe

de remove de Levin e Rappaport Hovav, 1991), 6 como verbos de mudança de estado

recíproco, 10 como verbos de movimento, 11 como verbos de afetação/instrumento (a classe

de wipe de Levin e Rappaport Hovav, 1991) e 3 como pertencentes a uma classe que aqui

chamaremos de “especial”. Verbos como os da classe de clear de Levin e Rappaport Hovav

(1991) não foram encontrados. Possivelmente, os verbos de mudança de estado do PB não

possuem a polissemia proposta por Alexiadou e Anagnostopoulou (2013), não tendo,

consequentemente, a interpretação de verbos de remoção.

Veja os dados abaixo com os respectivos exemplos de aplicação em uma

sentença:

VERBOS DE REMOÇÃO (REMOVER ALGO DE ALGUM LUGAR)

ABSORVER A tela absorveu toda a tinta do pincel.

ALFORRIAR A lei Áurea alforriou os negros do cativeiro.

APAGAR João apagou todas as anotações do caderno.

APANHAR Maria apanhou as roupas do (no) varal.

ARRANCAR Arrancaram o prego da parede em poucos segundos.

CATAR A mulher catava piolhos da cabeça da criança.

CHUPAR O papel chupa o óleo das frituras.

COLETAR Coletavam os frutos das árvores sem nenhum critério.

COLHER Colhiam os frutos das árvores sem nenhum critério.

22

CONSUMIR O fogão consumia todo o gás do botijão.

DELETAR O jovem deletou as fotos do computador.

DESACOMODAR A faxineira desacomodou os livros da estante.

DESAGREGAR O calor desagregou o reboco da casa.

DESALOJAR A poluição desalojou a família da cidade.

DESAMARRAR Desamarraram os lenços e fitas das cabeças.

DESCOLOCAR A chuva descolocou os tijolos da parede.

DESENTRANHAR O funcionário pediu que desentranhassem o documento de sua pasta.

DESPRENDER O barqueiro desprendeu o barco do ancoradouro.

DESTACAR O vento destacava as folhas dos galhos mais altos.

EJETAR O piloto ejetou o assento do avião.

ELIMINAR O médico eliminou as impurezas do sangue do paciente.

EXCLUIR Excluiu sem querer os arquivos mais importantes do seu pendrive.

EXONERAR A administração mandou exonerar o servidor do cargo a bem do serviço

público.

EXPULSAR Os pais expulsaram o filho de casa.

EXTRAIR O seringueiro extraiu o látex da árvore.

LIBERTAR O menino libertou o pássaro da gaiola.

LIVRAR O menino livrou o pássaro da gaiola.

RECOLHER Recolheram os brinquedos do chão da sala em um instante.

REMOVER O vendaval removeu as árvores do jardim.

RETIRAR Os escoteiros retiraram carne, farinha e rapadura das mochilas.

RISCAR Eu quero que risque meu nome da sua agenda.

SACAR Os ladrões sacaram todo o dinheiro da conta com um cartão falso.

SOLTAR As crianças soltaram o cachorro da coleira.

SUBTRAIR A garota subtraía sempre os produtos de beleza do salão.

SUPRIMIR Os organizadores resolveram suprimir 3 questões da prova.

TIRAR O moleque tirou o pastel da travessa.

VERBOS DE MUDANÇA DE ESTADO RECÍPROCO

AFASTAR Afastaram o sofá da parede para não estragá-la.

DESENCAIXAR O eletricista desencaixou o plugue da tomada com facilidade.

DESENCOSTAR O menino não desencostava o pé sujo do sofá por nada.

23

DESGRUDAR Desgrude esse chiclete da cadeira.

DESLIGAR A mãe desligou o fio da tomada sem pensar duas vezes.

ISOLAR Os pais isolaram as crianças da área de perigo.

VERBOS DE MOVIMENTO (DE/PARA; DE/EM)

ARRASTAR A empregada vive arrastando os móveis de seus lugares.

ARREDAR Levou a mão à testa e arredou o cabelo dos olhos.

CHUTAR O jogador chutou a bola do meio do campo.

CONDUZIR Os policiais conduziram os bandidos da delegacia.

DEPORTAR Os Estados Unidos deportaram o imigrante ilegal de seu território.

DERRUBAR Os meninos derrubaram os cocos dos coqueiros.

DESLOCAR Deslocaram as vacas do curral sem necessidade.

DESPACHAR A organizadora tratou de despachar todos os convidados do salão de

festas.

MOVER Os trabalhadores moveram as pedras do caminho para facilitar o acesso.

MOVIMENTAR Os trabalhadores movimentaram as pedras do caminho para facilitar o

acesso.

VERBOS DE AFETAÇÃO + INSTRUMENTO

ENXUGAR A menina enxugou as lágrimas do rosto.

ESCORRER A cozinheira escorreu a água do macarrão.

ESPANAR A empregada espanou a poeira dos móveis.

FILTRAR O aparelho filtrava as impurezas do ar.

LAVAR Eu lavei a sujeira da roupa.

LIMPAR A mãe limpou as migalhas da mesa.

PINÇAR O maquiador pinçou até os pêlos do nariz da apresentadora.

RA(S)PAR A cozinheira ra(s)pou a casca da cenoura.

SECAR A diarista secou a água da varanda rapidamente.

VARRER Varreram a sujeira da casa anteontem.

VASSOURAR Vassouraram a sujeira da casa anteontem.

CLASSE ESPECIAL (VERBS OF POSSESSIONAL DEPRIVATION – LEVIN, 1993)

FURTAR Furtou as joias do cofre sem que ninguém percebesse.

24

ROUBAR As crianças roubaram doces do supermercado.

SURRU( I )PIAR As crianças surru(i)piaram doces do supermercado.

Nas subseções seguintes, vamos explicitar quais foram os testes realizados com os

verbos coletados e os resultados obtidos a partir de sua análise.

3.1 Teste da Alternância Locativa

O primeiro teste aplicado para se chegar aos 36 verbos de remoção foi o da

alternância locativa, que consiste em eliminar o objeto direto do verbo e substituí-lo pelo

locativo, conforme Levin e Rappaport Hovav (1991), como já explicitado anteriormente.

Nesse caso, considera-se um verbo como sendo de remoção quando o sentido da sentença fica

comprometido, tendo em vista que, de acordo com as autoras, os verbos da classe de remoção

não aceitam essa alternância. Veja os exemplos abaixo:

(31) a. O menino limpou as migalhas da mesa. (verbos de afetação)

b. O menino limpou a mesa.

NÃO É VERBO DE REMOÇÃO.

(32) a. A empregada espanou a poeira dos móveis. (verbos de instrumento)

b. A empregada espanou os móveis.

NÃO É VERBO DE REMOÇÃO.

(33) a. O seringueiro extraiu o látex da árvore. (verbos de remoção)

b. *O seringueiro extraiu a árvore.

É VERBO DE REMOÇÃO

Levin (1993) chama os verbos que optamos por incluir em uma “classe especial”

de verbs of possessional deprivation ‘verbos de privação de posse’. Segundo preleciona, esses

verbos descrevem a remoção de alguma coisa da posse de alguém; o possuidor anterior ou o

locativo associado ao possuidor pode ser expresso por meio de um sintagma preposicionado

guiado pela preposição de. Apesar de guardarem propriedades sintaticamente semelhantes às

dos verbos de remoção, eles não foram incluídos nessa classe, tendo em vista que aceitam a

alternância locativa. Os exemplos a seguir ilustram nossas constatações:

25

(34) a. O bandido furtou/roubou as joias do banco. (verbos da classe especial)

b. O bandido furtou/roubou o banco.

NÃO É VERBO DE REMOÇÃO.

Com esse teste, portanto, foi possível excluir da classe dos verbos de remoção os

verbos de afetação e os verbos de instrumento (da classe de wipe) e também os verbos da

classe especial, pois esses verbos admitem a substituição do objeto pelo locativo (alternância

locativa) sem comprometer o sentido da sentença. Porém, os verbos recíprocos e de

movimento se comportam como os verbos de remoção nessa alternância:

(35) a. O eletricista afastou o sofá da parede. (verbos recíprocos)

b. *O eletricista afastou a parede.

(36) a. A enchente arrastou os móveis de seus lugares. (verbos de movimento)

b. *A enchente arrastou seus lugares.

Para distinguir essas classes, será necessária ainda a aplicação de outros testes.

3.2 Teste da Alternância Causativo-incoativa

O segundo teste aplicado foi o da alternância causativo-incoativa. Esse teste, que

consiste em trazer o objeto para a posição de sujeito, eliminando-se o agente, somente se

aplica de forma satisfatória aos verbos de mudança de estado (Cançado, Godoy e Amaral,

2013). Consideramos, portanto, que os verbos que aceitam tal alternância não são verbos de

remoção. Veja o exemplo abaixo:

(37) a. O seringueiro extraiu o látex da árvore.

b. *O látex (se) extraiu.

É VERBO DE REMOÇÃO

Por meio desse teste, foi possível excluir da classe dos verbos de remoção os

verbos de mudança de estado recíprocos, uma vez que esses verbos admitem a alternância

causativo-incoativa, preservando a gramaticalidade da sentença (Cançado, Godoy e Amaral,

2013):

26

(38) a. O tremor de terra afastou o sofá da parede. (verbos recíprocos)

b. O sofá (se) afastou da parede.

NÃO É VERBO DE REMOÇÃO.

3.2.1 Sentenças médias

Não se deve confundir a alternância causativo-incoativa, tratada acima, com a

chamada alternância transitivo-intransitiva, fenômeno que permite, entre outros resultados, a

formação de sentenças médias (Amaral, 2015). Segundo Godoy (2012), essas sentenças se

caracterizam, assim como as reflexivas, por conterem uma ideia de reflexividade e por

aceitarem o clítico se. No entanto, elas se diferenciam das reflexivas por não poderem ser

parafraseadas por sentenças contendo as expressões a si mesmo (a) / ele mesmo (a). Daí

poder-se dizer que apresentam uma alternância transitivo-intransitiva, já que, apesar de

admitirem o clítico se, as sentenças médias são intransitivas, ao contrário das reflexivas,

sempre transitivas, em que o se possui caráter argumental.

Seguindo essa linha de raciocínio, a alternância transitivo-intransitiva observada

nas sentenças médias se difere da alternância causativo-incoativa, tendo em vista que essas

denotam algum tipo de movimento do argumento interno do verbo, ou seja, o sujeito é

interno, participa da ação e a sofre. Veja os exemplos:

(39) a. Arrancaram o prego da parede em poucos segundos.

b. O prego (se) arrancou da parede.

(40) a. O barqueiro desprendeu o barco do ancoradouro.

b. O barco (se) desprendeu do ancoradouro.

(41) a. O vento destacava as folhas dos galhos mais altos.

b. As folhas (se) destacavam dos galhos mais altos.

Conforme demonstrado em (39b), (40b) e (41b), verifica-se que os verbos

arrancar, desprender e destacar permitem a formação das chamadas sentenças médias, ou

seja, admitem a alternância transitivo-intransitiva. Apesar disso, por se tratar de uma

alternância distinta da causativo-incoativa, esses verbos não foram excluídos do grupo dos

verbos de remoção, já que apenas intransitivizam com a média.

27

Chegou-se também a uma constatação importante em relação aos verbos soltar e

desamarrar. Ao se aplicar o teste da alternância causativo-incoativa, foi observado que esses

verbos se comportam de maneira distinta a depender do locativo a que estão ligados.

Vejamos:

(42) a. A polícia soltou o bandido da cadeia.

b. *O bandido (se) soltou da cadeia.

(43) a. A menina soltou o cachorro da coleira.

b. O cachorro (se) soltou da coleira.

(44) a. O marujo desamarrou o barco do ancoradouro.

b. *O barco (se) desamarrou do ancoradouro.

(45) a. A mãe desamarrou o cordão do pescoço.

b. O cordão (se) desamarrou do pescoço.

O que se pode concluir, portanto, é que tais verbos aceitam a alternância

transitivo-intransitiva quando a fonte é que está no objeto removido, como “a coleira no

cachorro”, e não o contrário, isto é, o objeto removido está na fonte, como “o bandido na

cadeia”. Conforme aponta Amaral (2015), tal característica é típica da alternância média, pois

nas restrições para tal alternância entram também propriedades dos argumentos dos verbos.

Para fins desse trabalho, consideramos que tais verbos formam sentenças médias em alguns

casos e que pertencem à classe dos verbos de remoção.

3.3 Teste de Verbos de Movimento

Para excluir os verbos de movimento do grupo dos verbos de remoção, o teste

realizado consistiu em acrescentar, ao final das sentenças, as preposições para ou em

acompanhadas de um segundo locativo, indicando, assim, o movimento do objeto de um lugar

para outro. Tal possibilidade de movimento descaracterizaria os verbos de remoção. Veja os

exemplos:

(46) a. O jogador chutou a bola do meio do campo.

b. O jogador chutou a bola do meio do campo para fora.

NÃO É VERBO DE REMOÇÃO

28

(47) a. Os policiais conduziram os bandidos da delegacia.

b. Os policiais conduziram os bandidos da delegacia para o presídio.

NÃO É VERBO DE REMOÇÃO

(48) a. A tela absorveu toda a tinta do pincel.

b. *A tela absorveu toda a tinta do pincel para dentro.

VERBO DE REMOÇÃO

Observa-se, assim, que os verbos de remoção somente mostram a origem do

movimento, o locativo fonte, e não o seu destino, diferentemente dos verbos de movimento,

em que há sempre uma fonte e um alvo para o objeto.

3.4 Teste do terceiro argumento

Outro teste realizado com os verbos coletados foi o proposto por Mioto, Silva e

Lopes (2007), utilizado para verificar se o locativo é argumento do verbo ou somente um

adjunto. Esse teste consiste em incluir na sentença a expressão “Alguém disse que...”. Quando

se verifica uma ambiguidade após o acréscimo da expressão mencionada, conclui-se que o

termo não é argumento do verbo, mas, sim, adjunto, e, consequentemente, que não se trata de

um verbo de remoção. Veja os exemplos:

(49) a. Maria lavou a sujeira da varanda.

b. João disse que Maria lavou a sujeira da varanda.

Pelo exemplo, verifica-se ambiguidade em (49b), já que podemos ter duas

interpretações para o mesmo enunciado, quais sejam: João disse, da varanda, que Maria lavou

a sujeira, ou João disse que Maria lavou a sujeira que estava na varanda. Logo, não se trata de

verbo de remoção, pois, se assim fosse, não haveria qualquer ambiguidade. Veja outro

exemplo:

(50) a. Paulo retirou o carro da garagem.

b. João disse que Paulo retirou o carro da garagem.

29

No exemplo acima, não resta dúvida de que o locativo constitui um argumento do

verbo, uma vez que não há ambiguidade que leve a uma dupla interpretação do enunciado.

João necessariamente retirou o carro de algum lugar, qual seja, a garagem.

Para os verbos de movimento e da classe especial teremos o mesmo resultado que

para o verbo de afetação lavar. Em (51b) e (52b), os locativos podem ser interpretados como

uma fonte em relação aos verbos chutar e roubar ou como o lugar onde João está.

(51) a. O atacante chutou a bola do campo.

b. João disse que o atacante chutou a bola do campo.

(52) a. O bandido roubou o dinheiro do banco.

b. João disse que o bandido roubou o dinheiro do banco.

Já os verbos recíprocos se comportam como os verbos de remoção, sem

ocorrência da ambiguidade, o que mostra que o locativo é um argumento do verbo. Em (53b),

a única interpretação possível é a de que o sintagma da escola é a fonte relacionada ao verbo

afastar.

(53) a. Maria afastou a filha da escola.

b. João disse que Maria afastou a filha da escola.

3.5 Comparação com verbos de mudança de estado locativo

Finalmente, foi realizada uma comparação com os verbos de mudança de estado

locativo a fim de verificar se tais verbos poderiam ser organizados em uma mesma classe que

os verbos de remoção, objeto do presente trabalho. Como esses verbos possuem propriedades

semânticas e sintáticas semelhantes, levantamos a hipótese de que poderiam ser agrupados em

uma mesma classe verbal.

Segundo Cançado, Godoy e Amaral (2013), há 69 verbos do PB pertencentes à

classe dos verbos de mudança de estado locativo. Esses verbos são caracterizados

semanticamente por descreverem uma mudança de estado relativa a um lugar, acarretando

uma sentença do tipo ficar estado em lugar. Sintaticamente, esses verbos apresentam três

argumentos (um agente, um tema e um locativo) e não aceitam a alternância causativo-

30

incoativa, aceitando apenas a média quando há movimento para o argumento externo. Alguns

exemplos são:

(54) a. O menino pendurou a roupa no armário.

b. A roupa ficou pendurada no armário.

c. *A roupa (se) pendurou no armário.

(55) a. O motorista estacionou o carro na garagem.

b. O carro ficou estacionado na garagem.

c. *O carro (se) estacionou na garagem.

Nesse sentido, conforme mencionado no capítulo introdutório deste trabalho, os

verbos de remoção apresentam estrutura argumental semelhante à dos verbos de mudança de

estado locativo, também composta por um agente, um tema e um locativo. Daí a necessidade

de se comparar o comportamento dos verbos dessas duas classes. Veja os exemplos abaixo:

(56) a. Arrancaram o prego da parede em poucos segundos.

b. O prego ficou arrancado da parede.

c. *O prego (se) arrancou da parede. (incoativa)

(57) a. O barqueiro desprendeu o barco do ancoradouro.

b. O barco ficou desprendido do ancoradouro.

c. *O barco (se) desprendeu do ancoradouro. (incoativa)

Em relação aos testes apresentados neste trabalho, podemos afirmar que em

nenhum deles os verbos de mudança de estado locativo se diferem dos verbos de remoção:

- Teste da alternância locativa:

(58) a. O menino pendurou a roupa no armário.

b. *O menino pendurou o armário.

(59) a. O motorista estacionou o carro na garagem.

b. *O motorista estacionou a garagem.

- Teste da alternância causativo-incoativa:

31

(60) a. O menino pendurou a roupa no armário.

b. *A roupa (se) pendurou o armário. (incoativa)

c. O menino se pendurou na árvore. (média)

(61) a. O motorista estacionou o carro na garagem.

b. *O carro (se) estacionou na garagem.

- Teste de verbos de movimento:

(62) a. O menino pendurou a roupa no armário.

b. *O menino pendurou a roupa da cama para o armário.

(63) a. O motorista estacionou o carro na garagem.

b. *O motorista estacionou o carro da rua para a garagem.

- Teste do terceiro argumento:

(64) O João disse que o menino pendurou a roupa no quarto. (não ambígua)

(65) O João disse que o motorista estacionou o carro na garagem. (não ambígua)

Com base, então, nesses exemplos, corroboramos a nossa hipótese inicial de que

os verbos de remoção e os verbos de mudança de estado locativo podem ser agrupados em

apenas uma classe verbal. Mostramos que, em relação aos testes aqui apontados e a outras

propriedades de tais verbos mostradas em Cançado, Godoy e Amaral (2013), não há motivos

para se separar esses tipos de verbos em duas classes.

É importante observar, porém, que esses verbos apresentam distinções em dois

pontos importantes. Primeiramente, os verbos de remoção apresentam na sintaxe a preposição

de, indicando o locativo fonte, enquanto os verbos de mudança de estado locativo apresentam

a preposição em, indicando o locativo alvo. Consideraremos, portanto, que a classe maior que

comporta ambos os tipos de verbos, de remoção e de mudança de estado locativo, apresenta

duas subclasses. Além disso, existem verbos de remoção que não apresentam o acarretamento

ficar estado em lugar, como é o caso do verbo retirar:

(66) a. João retirou o quadro da parede.

b. *O quadro ficou retirado da parede.

32

Levando em conta a proposta de Cançado e Amaral (2015), não consideraremos

que esse fato é um problema. Segundo as autoras, a característica de mudança de estado

explicitada por acarretamentos do tipo ficar estado em/de lugar pode também ser expressa em

alguns tipos de sintagmas relacionados aos verbos. Por exemplo, apesar de não ser possível o

acarretamento em (66b), temos o sintagma o quadro retirado da parede, que indica a

mudança de estado em relação a um lugar.

3.5.1 A estrutura de decomposição de predicados

Para representar os verbos de mudança de estado locativo, Cançado, Godoy e

Amaral (2013) propõem a seguinte estrutura de decomposição de predicados:

(67) v: [[X ACTVOLITION] CAUSE [BECOME Y <STATE> IN Z]]

Segundo as autoras, o predicado ACT, modificado por VOLITION ‘volição’,

atribui a qualidade exclusiva de agente a X, que é o argumento externo dos verbos. O

predicado CAUSE mostra a sua natureza causal. O predicado BECOME, que denota a

mudança, toma como argumento Y <STATE> IN Z. A preposição IN ‘em’ toma Y <STATE>

como primeiro argumento e Z como segundo argumento; o sentido locativo do verbo é

demonstrado pela preposição. A raiz da categoria ontológica STATE toma Y como seu

argumento, associando-se ao sentido idiossincrático do verbo e ao seu nome.

A representação dos verbos de mudança de estado proposta por Cançado, Godoy e

Amaral (2013) apresenta a preposição IN, que, na sintaxe, aparece apenas como a preposição

em em PB. Essa estrutura não pode abarcar os verbos de remoção que aparecem com a

preposição de encabeçando o argumento locativo. Alexiadou e Anagnostopoulou (2013)

propõem representações com as preposições NOT AT e AWAY FROM, que seriam

adequadas para representar os verbos de remoção, mas não adequadas para os verbos de

mudança de estado locativo:

(68) v: [ [X ACT <MANNER> Y] CAUSE [BECOME [Z NOT AT <PLACE>]]]

(69) v: [X CAUSE [Y BECOME [ AWAY FROM Z ]]]

33

Como em nossa proposta ambos os tipos de verbos se encaixam em uma mesma

classe, propomos uma nova representação por decomposição de predicados, que mostre o

locativo de uma maneira ampla, como uma fonte ou como um alvo. Propomos que as

preposições IN, NOT AT e AWAY FROM podem ser representadas de uma maneira ampla

pelo predicado primitivo LOC, como proposto por Wunderlich (2012) e Cançado e Amaral

(2015), que indica apenas o argumento locativo (sem especificar se trata-se de uma fonte ou

de um alvo). Temos, portanto, a seguinte estrutura, já apresentada em Cançado e Amaral

(2015), mas apenas para verbos de mudança de estado locativo:

(70) v: [[X ACTVOLITION] CAUSE [BECOME Y <STATE> LOC Z]]

Em que pese a diferença de acarretamento entre os dois tipos de classes verbais,

propomos aqui uma mesma estrutura de decomposição de predicados para esses verbos onde

LOC representaria tanto o local para onde determinado objeto é deslocado, no caso dos

verbos de mudança de estado locativo, quanto o local de onde o objeto foi removido, aplicável

aos verbos de remoção. Podemos caracterizar os verbos de remoção como uma subclasse dos

verbos de mudança de estado locativo, por causa da especificidade da preposição que

encabeça o terceiro argumento. A estrutura acima abarca mudanças de estado locativo de dois

tipos, para um determinado lugar (pendurar/estacionar algo em algum lugar) e de algum

lugar (remover/retirar/extrair algo de algum lugar).

34

4. Conclusões

O presente trabalho partiu da coleta de um total de 66 verbos que, numa análise

inicial, estariam associados à noção semântica de remoção. Segundo Levin e Rappaport

Hovav (1991), esses verbos pertenceriam a classes representadas, na língua inglesa, pelos

verbos clear ‘limpar’, wipe ‘limpar’ e remove ‘remover’.

A pesquisa desenvolvida permitiu concluir que existe, também no português

brasileiro, um grupo de verbos de remoção. Esses verbos guardam propriedades sintáticas e

semânticas semelhantes que lhes permitem, à primeira vista, ser agrupados em uma classe

específica. Quanto às propriedades classificatórias de ordem semântica, podemos afirmar que

os verbos de remoção acarretam “algo” ficar fora de “algum lugar” e apresentam como

argumentos um agente, um tema e um locativo. Em relação às propriedades classificatórias

sintáticas, verificou-se que esses verbos não aceitam alternância locativa e tampouco a

causativo-incoativa. Estariam incluídos nessa classe, também, verbos que permitem a

formação de sentenças médias. Os testes realizados com os verbos coletados permitiram,

ainda, excluir dessa classe os verbos de movimento, os recíprocos, os de afetação, os de

instrumento e os chamados verbos da “classe especial”, como furtar e roubar.

No entanto, a partir do resultado de alguns testes levados a efeito e da respectiva

análise de seu comportamento, chegamos à conclusão de que a semelhança de propriedades

dos verbos de remoção com os verbos de mudança de estado locativo possibilitaria a

existência de uma só estrutura de decomposição de predicados para essas duas classes verbais,

permitindo, assim, o seu agrupamento em uma classe única. Para essa classe, propusemos a

estrutura de decomposição de predicados [[X ACTVOLITION] CAUSE [BECOME Y <STATE>

LOC Z]], baseados na ideia de Cançado e Amaral (2015).

Apesar de existir uma diferença de acarretamento entre esses dois tipos de classes

verbais, nessa estrutura única, LOC representaria tanto o local para onde determinado objeto

é deslocado, no caso dos verbos de mudança de estado locativo, quanto o local de onde o

objeto foi removido, aplicável aos verbos de remoção. Desse modo, podemos dizer que os

verbos de remoção constituem uma subclasse dos verbos de mudança de estado locativo,

tendo em vista a especificidade da preposição que encabeça o terceiro argumento.

Demonstramos, dessa forma, que, em relação aos testes desenvolvidos neste

trabalho e a outras propriedades semânticas e sintáticas de tais verbos apresentadas em

Cançado, Godoy e Amaral (2013), não há motivos para se separar esses tipos de verbos em

duas classes distintas.

35

5. Referências

ALEXIADOU, A.; ANAGNOSTOPOULOU, E. Manner vs. result complementarity in verbal

alternations: a view from the clear alternation. Proceedings of the 42nd Annual Meeting of the

North East Linguistic Society, 2013. p. 39-52.

AMARAL, L. A alternância transitivo-intransitiva no português brasileiro: fenômenos

semânticos. Tese (Doutorado em Linguística) – Faculdade de Letras, UFMG, Belo Horizonte,

2015.

BORBA, F. (Coord.) Dicionário gramatical de verbos do português contemporâneo do

Brasil. 2. ed. São Paulo: Editora da Unesp, 1990.

CANÇADO, M.; AMARAL, L. Introdução à Semântica Lexical: papéis temáticos, aspecto

lexical e decomposição de predicados. Petrópolis: Vozes, 2015.

CANÇADO, M.; GODOY, L.; AMARAL, L. Catálogo de verbos do português brasileiro:

classificação verbal segundo a decomposição de predicados. Vol 1 Verbos de mudança. Belo

Horizonte: Editora UFMG, 2013.

FILLMORE, C. The Grammar of Hitting and Breaking. In: JACOBS, R.; ROSENBAUM, P.

(Eds.). Readings in English Transformational Grammar. Waltham: Ginn, 1970. p. 120-133.

FILLMORE, C. The Case for Case Reopened. In: COLE, P.; SADOCK, J. (Eds.). Syntax and

Semantics8: Grammatical Relations. New York: Academic Press, 1977. p. 59-81.

GODOY, L. Os verbos recíprocos no PB: interface sintaxe-semântica lexical. Dissertação

(Mestrado em Estudos Linguísticos) – Faculdade de Letras, UFMG, Belo Horizonte, 2008.

GODOY, L. A reflexivização no português brasileiro e a decomposição semântica de

predicados. Tese (Doutorado em Estudos Linguísticos) - Faculdade de Letras, UFMG, Belo

Horizonte, 2012.

36

GRIMSHAW, J. Words and Structure. Stanford: CSLI Publications/University of Chicago

Press, 2005.

LEVIN, B. English verb classes and alternations: a preliminary investigation. Chicago:

University of Chicago Press, 1993.

LEVIN, B. Argument Structure. In: ARONOFF, M. (Ed.). Oxford Bibliographies in

Linguistics. New York: Oxford University Press, 2013.

LEVIN, B.; RAPPAPORT HOVAV, M. Wiping the slate clean: a lexical semantic

exploration. Cognition, v. 41, 1991. p. 123-151.

MIOTO, C.; SILVA, M.; LOPES, R. Novo manual de sintaxe. Florianópolis: Editora Insular,

2007.

WUNDERLICH, D. Lexical decomposition in grammar. In: WERNING, M.; HINZEN, W.;

MACHERY, E. The Oxford Handbook of Compositionality. Oxford: Oxford University Press,

2012. p. 307-327.