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MOGI DAS CRUZES, DOMINGO, 22 DE FEVEREIRO DE 2009 O DIÁRIO DO INSTITUTO HISTÓRICO E GEOGRÁFICO DE SAO PAULO [email protected] CARTA A UM AMIGO Vizinhos vizinhos, amizades à parte "Caro Chico: Eu morei em casa durante quase toda minha juventude. Era uma casa próxima ao cen- tro de Mogi, que dividia com meus pais e irmãos. Quando me casei, fui morar em um apartamento em São Paulo. Era o primeiro imóvel que eu comprara na vida. Tentei le- var para o espírito de con- vivência que mantinha com os vizinhos de Mogi. Aqui, fa- zíamos festas juninas juntos e inventávamos brincadeiras quase todos os dias - cada vez no quintal de um. O prédio de São Paulo, um edifício novo de 44 apartamen- tos, tinha proprietários quase MOGI DE A AZ todos da mesma idade: eram recém-casados, em torno dos 30 anos, criando o primeiro filho há pouco nascido. Uma comunidade interessante, com projetos semelhantes. Havia advogados, médicos, bancá- rios, dois dentistas e alguns comerciantes. 0 prédio tinha um salão de festas pequeno, uma piscina boa, balança e es- corregador para as crianças. Também uma gangorra. Na pri- meira reunião de condomínio resolvemos fazer uma churras- queira próxima à piscina. Ficou pronta em três meses. Tudo caminhava assim. "As mil maravilhas", como se dizia então. As crianças do prédio dividiram-se entre duas ou três escolas próximas. As mães alternavam a incum- bência de levar e trazer de vol- ta os filhos, seus e de alguns vizinhos. As festas de final de ano eram comemoradas em conjunto. Até com Papai Noel. Foram dois ou três anos de harmonia absoluta. Até que... Em um fim de semana mudaram-se para o prédio um casal de velhos, a filha e uma neta. A criança tinha dois anos. Ficamos sabendo em al- guns dias que a filha recebera o apartamento na divisão de bens ao final de um casamento de três anos com um comer- ciante rico. 0 primeiro entre- vero veio entre ela - a recém- separada - e algumas crianças do prédio. Foi na área da pis- cina e todos achamos que era um incidente sem maiores consequências. Engano nosso. Em seguida, a mulher abordou um visitante na garagem. Pe- diu-lhe que trocasse o pneu de seu carro, que estava vazio. Foi mais do que tempo para que a mulher convidasse o visitan- te - cunhado de um morador - para um jantar. Mais algum tempo, e a mulher procurou a filha adolescente de um mora- dor, propondo-lhe qualquer presente em troca de um en- contro com um amigo seu, que demonstrara grande interesse pela menina. A próxima: a mulher armou uma discussão com uma vizi- Os velhos carnavais FOTOS ARQUIVO PESSOAL Alguns passaram esta noite na frente da televisão, assistin- do aos desfiles de escola de sam- ba. Outros foram ver o Carnaval de rua aqui mesmo na Cidade e tantos quantos tiveram ânimo, foram aos clubes locais. 0 resto viajou. Quase ninguém dispôs- se a um retiro espiritual. Mas, nem sempre foi assim. Nas décadas de 1910 e 1920 pontificou, em Mogi das Cru- zes, um certo Clube Mogiano. Funcionava em um casarão na Rua José Bonifácio, onde hoje está um estacionamento, altura do número 400. Ao lado da Ca- tedral. Ali, depois do corso de carros com capotas arriadas, que desfilava pelas ruas cen- trais da Cidade com palhaços e colombinas, reuniam-se os jovens para concorridos bailes, onde continuavam as guerras de confete e serpentina iniciada durante o corso do entardecer. Precisa ter hoje mais de 80 anos para se lembrar bem do Mogiano. Era vizinho de De- odato Wertheimer e Alice de Souza Franco; ocupava uma casa propriedade de dona Fi- noquinha que foi demolida nos anos de 1970, depois de abrigar, por muito tempo, o curso preparatório do ginásio, dirigido pela professora Jovita Franco Arouche. Quando fe- chou, o Clube Mogiano cedeu seu espaço para a Associação das Famílias Cristãs, que ali promoveu - nos anos 1950 - animadas festas juninas. Mas a nossa conversa era mesmosobreCarnaval.Fechado o Mogiano, surgiram na Cidade dois outros clubes. Ou dois ou- tros salões de baile: o i Q de Maio e a Portuguesa. O i Q de Maio era o clube popular de Mogi entre os anos 1930 e 1940. Ficava em um outro casarão da Rua José Bonifácio, bem em frente ao Largo da Matriz. A Portuguesa era o clube da elite, na Rua Dr. Deodato Wertheimer, junto aos trilhos da velha Estrada de Fer- ro Central do Brasil. Os dois ti- nham carnavais animados, que iam até depois das 4 da manhã. Hora em que os últimos foliões voltavam para casa. A pé. Eram, no caso da Portuguesa, casais há pouco casados ou rapazes dis- poníveis. Quase nunca moças solteiras. Estas, tinham de che- gar em casa bem mais cedo. Por conta disto, muitos noi- vados acabaram desmancha- dos. 0 noivo levava a noiva mais cedo para casa e ia ter ao i a de Maio. No dia seguinte, a Cidade inteira sabia. Noiva inclusive. A partir da segunda metade dos anos 1940 começou o domí- nio do Itapety Clube, fundado nos altos do recém inaugurado Cine Urupema, na Praça Firmi- na Santana. Ficou sozinho por muito tempo, até o União FC resolver criar o seu próprio car- naval, promovendo-o no ginásio de esportes da Rua Casarejos. Era difícil saber qual fosse mais animado. Cinco noites de festas que começavam na sexta-feira e terminavam por volta das 6 da manhã da quarta de cinzas. No início dos anos 1960 o Clube de Campo começou a re- alizar os seus carnavais. Tinha não mais do que 200 associa- dos e não chegava a concorrer com União e Itapety. Começou a entrar no páreo só no final da década, roubando parte dos fo- liões do Itapety. Mas os seus bai- les acabavam mais cedo e de se ia encerrar a noite no Itapety, com passagem obrigatória, pela manhã, no balcão do Bar Mi- chel, na mesma Praça Firmina Santana ou no forno da padaria do Januário, na Vila Hélio. 0 Itapety acabou quando ascenderam, primeiro o Clube Náutico Mogiano e, depois, o Vila Santista. Com o Clube de Campo cuidam hoje do carna- val que termina depois de ama- nhã. Nem pior, nem melhor do que foram os do Mogiano, i s de Maio, Portuguesa e Itapety. Di- ferentes sim. Principalmente depois que, presidente da Re- pública, Jânio Quadros proi- biu, em 1961, a comercializa- ção do lança perfume. Aquelas latinhas douradas da Rhodia que faziam a festa inocente de centenas de foliões. nha no hall do elevador e só sos- segou quando apareceu alguém para separá-las, aplicando-lhe um "coquinho" na cabeça. Ela correu queixar-se na delegacia do bairro. Outra: armou uma discussão com uma moça na ga- ragem. 0 pai desceu para ver o que se passava. A mulher ame- açou agredi-lo com uma chave de roda; o pai deu-lhe um tapa na cara. De novo foram para a delegacia do bairro. Eu continuei morando no prédio por quase 20 anos. Hou- ve muitas outras alternações. Precisei de todo esse tempo para descobrir a vida em con- 0 MELHOR DE MOGI 0 reinado de João Benegas Ortiz, de mais de 40 anos, como Rei Momo absoluto e único de Mogi das Cruzes. Depois dele, nada mais foi igual. João Guarda- Chuva, como era conhe- cido. Primeiro e único domínio pode ser um paraíso. Ou um inferno! Hoje moro em uma casa. Me dou bem com os vizinhos. Abraços de um Leitor amigo" SER MOGIANO t... ... ter visto Carnaval de rua da sacada do Hotel Capri, na Avenida Pinheiro Franco 0 PIOR DE MOGI Os mentirosos da Cidade. Sobra por aqui quem conte lorotas sem ficar vermelho. Tem gente capaz de mostrar uma foto no Titanic no porto de Nova York e garantir que não é falsificada CARNAVAL •-» § I « « S , cw§©, M l l i § , 0$ earnsvíMt da Hunde m pi IS 8<to .

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MOGI DAS CRUZES, DOMINGO, 22 DE FEVEREIRO DE 2009 O D I Á R I O

DO INSTITUTO H I S T Ó R I C O E G E O G R Á F I C O DE SAO PAULO [email protected]

CARTA A UM AMIGO

Vizinhos vizinhos, amizades à parte "Caro Chico:

Eu morei em casa durante quase toda minha juventude. Era uma casa próxima ao cen­tro de Mogi , que dividia com meus pais e irmãos. Quando me casei, fui morar em um apartamento em São Paulo. Era o primeiro imóvel que eu comprara na vida. Tentei le­var para lá o espírito de con­vivência que mantinha com os vizinhos de Mogi. Aqui , fa­zíamos festas juninas juntos e inventávamos brincadeiras quase todos os dias - cada vez no quintal de um.

O prédio de São Paulo, um edifício novo de 44 apartamen­tos, tinha proprietários quase

MOGI DE A AZ

todos da mesma idade: eram recém-casados, em torno dos 30 anos, criando o primeiro filho há pouco nascido. Uma comunidade interessante, com projetos semelhantes. Havia advogados, médicos, bancá­rios, dois dentistas e alguns comerciantes. 0 prédio tinha um salão de festas pequeno, uma piscina boa, balança e es-corregador para as crianças. Também uma gangorra. Na pri­meira reunião de condomínio resolvemos fazer uma churras­queira próxima à piscina. Ficou pronta em três meses.

Tudo caminhava assim. "As m i l maravilhas", como se dizia então. As crianças do prédio dividiram-se entre

duas ou três escolas próximas. As mães alternavam a incum­bência de levar e trazer de vol­ta os filhos, seus e de alguns vizinhos. As festas de final de ano eram comemoradas em conjunto. Até com Papai Noel. Foram dois ou três anos de harmonia absoluta. Até que...

E m um fim de semana mudaram-se para o prédio um casal de velhos, a filha e uma neta. A criança tinha dois anos. Ficamos sabendo em al­guns dias que a filha recebera o apartamento na divisão de bens ao final de um casamento de três anos com um comer­ciante rico. 0 primeiro entre-vero veio entre ela - a recém-separada - e algumas crianças

do prédio. Foi na área da pis­cina e todos achamos que era um incidente sem maiores consequências. Engano nosso. E m seguida, a mulher abordou um visitante na garagem. Pe­diu-lhe que trocasse o pneu de seu carro, que estava vazio. Foi mais do que tempo para que a mulher convidasse o visitan­te - cunhado de u m morador - para um jantar. Mais algum tempo, e a mulher procurou a filha adolescente de um mora­dor, propondo-lhe qualquer presente em troca de um en­contro com um amigo seu, que demonstrara grande interesse pela menina.

A próxima: a mulher armou uma discussão com uma vizi-

Os velhos carnavais FOTOS ARQUIVO PESSOAL

Alguns passaram esta noite na frente da televisão, assistin­do aos desfiles de escola de sam­ba. Outros foram ver o Carnaval de rua aqui mesmo na Cidade e tantos quantos tiveram ânimo, foram aos clubes locais. 0 resto viajou. Quase ninguém dispôs-se a um retiro espiritual. Mas, nem sempre foi assim.

Nas décadas de 1910 e 1920 pontificou, em Mogi das Cru­zes, um certo Clube Mogiano. Funcionava em um casarão na Rua José Bonifácio, onde hoje está um estacionamento, altura do número 400. Ao lado da Ca­tedral. Ali , depois do corso de carros com capotas arriadas, que desfilava pelas ruas cen­trais da Cidade com palhaços e colombinas, reuniam-se os jovens para concorridos bailes, onde continuavam as guerras de confete e serpentina iniciada durante o corso do entardecer.

P r e c i s a ter hoje mais de 80 anos para se lembrar bem do Mogiano. Era vizinho de De­odato Wertheimer e Alice de Souza Franco; ocupava uma casa propriedade de dona F i -noquinha que só foi demolida nos anos de 1970, depois de abrigar, por muito tempo, o curso preparatório do ginásio, dirigido pela professora Jovita Franco Arouche. Quando fe­chou, o Clube Mogiano cedeu seu espaço para a Associação das Famílias Cristãs, que ali promoveu - nos anos 1950 - animadas festas juninas.

Mas a nossa conversa era mesmosobreCarnaval.Fechado o Mogiano, surgiram na Cidade dois outros clubes. Ou dois ou­tros salões de baile: o i Q de Maio e a Portuguesa. O i Q de Maio era o clube popular de Mogi entre os anos 1930 e 1940. Ficava em um outro casarão da Rua José Bonifácio, bem em frente ao Largo da Matriz. A Portuguesa era o clube da elite, na Rua Dr. Deodato Wertheimer, junto aos trilhos da velha Estrada de Fer­ro Central do Brasil. Os dois ti­nham carnavais animados, que iam até depois das 4 da manhã. Hora em que os últimos foliões voltavam para casa. A pé. Eram, no caso da Portuguesa, casais há pouco casados ou rapazes dis­poníveis. Quase nunca moças solteiras. Estas, tinham de che­gar em casa bem mais cedo.

Por conta disto, muitos noi­vados acabaram desmancha­dos. 0 noivo levava a noiva mais cedo para casa e ia ter ao i a de Maio. No dia seguinte, a Cidade inteira sabia. Noiva inclusive.

A partir da segunda metade dos anos 1940 começou o domí­nio do Itapety Clube, fundado nos altos do recém inaugurado Cine Urupema, na Praça Firmi­na Santana. Ficou sozinho por muito tempo, até o União FC resolver criar o seu próprio car­naval, promovendo-o no ginásio de esportes da Rua Casarejos. Era difícil saber qual fosse mais animado. Cinco noites de festas

que começavam na sexta-feira e só terminavam por volta das 6 da manhã da quarta de cinzas.

No início dos anos 1960 o Clube de Campo começou a re­alizar os seus carnavais. Tinha não mais do que 200 associa­dos e não chegava a concorrer com União e Itapety. Começou a entrar no páreo só no final da década, roubando parte dos fo­liões do Itapety. Mas os seus bai­les acabavam mais cedo e de lá se ia encerrar a noite no Itapety, com passagem obrigatória, pela manhã, no balcão do Bar M i ­chel, na mesma Praça Firmina Santana ou no forno da padaria

do Januário, na Vila Hélio. 0 Itapety acabou quando

ascenderam, primeiro o Clube Náutico Mogiano e, depois, o Vila Santista. Com o Clube de Campo cuidam hoje do carna­val que termina depois de ama­nhã. Nem pior, nem melhor do que foram os do Mogiano, i s de Maio, Portuguesa e Itapety. Di­ferentes sim. Principalmente depois que, presidente da Re­pública, Jânio Quadros proi­biu, em 1961, a comercializa­ção do lança perfume. Aquelas latinhas douradas da Rhodia que faziam a festa inocente de centenas de foliões.

nha no hall do elevador e só sos­segou quando apareceu alguém para separá-las, aplicando-lhe um "coquinho" na cabeça. Ela correu queixar-se na delegacia do bairro. Outra: armou uma discussão com uma moça na ga­ragem. 0 pai desceu para ver o que se passava. A mulher ame­açou agredi-lo com uma chave de roda; o pai deu-lhe um tapa na cara. De novo foram para a delegacia do bairro.

Eu continuei morando no prédio por quase 20 anos. Hou­ve muitas outras alternações. Precisei de todo esse tempo para descobrir a vida em con-

0 MELHOR DE MOGI

0 reinado de João Benegas Ortiz, de mais de 40 anos, como Rei Momo absoluto e único de Mogi das Cruzes. Depois dele, nada mais foi igual. João Guarda-Chuva, como era conhe­cido. Primeiro e único

domínio pode ser um paraíso. Ou um inferno!

Hoje moro em uma casa. Me dou bem com os vizinhos.

Abraços de um Leitor amigo"

SER MOGIANO t... ... ter visto Carnaval de rua da sacada do Hotel Capri, na Avenida Pinheiro Franco

0 PIOR DE MOGI

Os mentirosos da Cidade. Sobra por aqui quem conte lorotas sem ficar vermelho. Tem gente capaz de mostrar uma foto no Titanic no porto de Nova York e garantir que não é falsificada

CARNAVAL •-» § I « « S , cw§©, M l l i § , 0$ earnsvíMt da Hunde m p i IS8<to.