Os Testes Do Amor a Deus

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Os Testes do Amor a Deus Precisamos testar a nós mesmos, imparcialmente, para saber se estamos entre o número daqueles que amam a Deus. Para que possamos nos avaliar – uma vez que o nosso amor será melhor visto por seus frutos –, eu apresentarei catorze sinais, ou frutos, do amor a Deus, e compete a cada um de nós averiguarmos cuidadosamente se qualquer destes frutos está crescendo em nosso jardim. 1. Meditação O primeiro fruto do amor é a meditação da mente em Deus. Aquele que está em amor tem sempre os seus pensamentos voltados para o objeto de sua afeição. Aquele que ama a Deus é arrebatado e transportado pela contemplação de Deus. “Quando acordo, ainda estou contigo” (Sl 139.18, ARC). Os pensamentos são como viajantes na mente. Os pensamentos de Davi seguiam a estrada celestial: “ainda estou contigo”. Deus é o tesouro, e onde está o tesouro, aí está o coração. Assim nós podemos testar o nosso amor a Deus. Em que se concentram os nossos pensamentos? Podemos nós dizer que somos arrebatados de deleite quando pensamos em Deus? Os nossos pensamentos têm asas? Estão eles elevados às alturas? Contemplamos nós Cristo e a glória? Oh, quão distantes estão de serem amantes de Deus aqueles que sequer raramente pensam em Deus! “Que não há Deus são todas as suas cogitações” (Sl 10.4). Um pecador empurra Deus para fora dos seus pensamentos. Ele nunca pensa em Deus, senão com horror, assim como o prisioneiro pensa acerca do juiz. 2. Comunhão O próximo fruto do amor é o desejo pela comunhão. O amor deseja familiaridade e relacionamento. “A minha alma suspira e desfalece pelos átrios do SENHOR; o meu coração e a minha carne exultam pelo Deus vivo!” (Sl 84.2). O rei Davi, ao ser impedido de estar na casa de Deus, no tabernáculo, o emblema visível da Sua presença, suspira por Deus e, em um surto santo de desejo, clama pelo Deus vivo. Dois amantes estão constantemente

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Os Testes do Amor a Deus

Precisamos testar a nós mesmos, imparcialmente, para saber se estamos entre o número daqueles que amam a Deus. Para que possamos nos avaliar – uma vez que o nosso amor será melhor visto por seus frutos –, eu apresentarei catorze sinais, ou frutos, do amor a Deus, e compete a cada um de nós averiguarmos cuidadosamente se qualquer destes frutos está crescendo em nosso jardim.

1. Meditação

O primeiro fruto do amor é a meditação da mente em Deus. Aquele que está em amor tem sempre os seus pensamentos voltados para o objeto de sua afeição. Aquele que ama a Deus é arrebatado e transportado pela contemplação de Deus. “Quando acordo, ainda estou contigo” (Sl 139.18, ARC). Os pensamentos são como viajantes na mente. Os pensamentos de Davi seguiam a estrada celestial: “ainda estou contigo”. Deus é o tesouro, e onde está o tesouro, aí está o coração. Assim nós podemos testar o nosso amor a Deus. Em que se concentram os nossos pensamentos? Podemos nós dizer que somos arrebatados de deleite quando pensamos em Deus? Os nossos pensamentos têm asas? Estão eles elevados às alturas? Contemplamos nós Cristo e a glória? Oh, quão distantes estão de serem amantes de Deus aqueles que sequer raramente pensam em Deus! “Que não há Deus são todas as suas cogitações” (Sl 10.4). Um pecador empurra Deus para fora dos seus pensamentos. Ele nunca pensa em Deus, senão com horror, assim como o prisioneiro pensa acerca do juiz.

2. Comunhão

O próximo fruto do amor é o desejo pela comunhão. O amor deseja familiaridade e relacionamento. “A minha alma suspira e desfalece pelos átrios do SENHOR; o meu coração e a minha carne exultam pelo Deus vivo!” (Sl 84.2). O rei Davi, ao ser impedido de estar na casa de Deus, no tabernáculo, o emblema visível da Sua presença, suspira por Deus e, em um surto santo de desejo, clama pelo Deus vivo. Dois amantes estão constantemente conversando um com o outro. Se nós amamos a Deus, nós prezamos por Suas ordenanças, porque ali nós nos encontramos com Deus. Ele fala conosco em Sua Palavra, e nós falamos com Ele em oração. Assim examinemos o nosso amor a Deus. Desejamos nós a intimidade da comunhão com Deus? Amantes não podem estar muito distantes um do outro. Assim também o amor a Deus é dotado de uma afeição santa; aqueles que O amam não conseguem ficar longe Dele. Eles podem suportar a falta de qualquer coisa, exceto da presença de Deus. Eles podem viver sem saúde e sem amigos, eles podem estar felizes sem uma mesa farta, mas eles não podem estar felizes sem Deus. “Não escondas de mim a tua face, para que eu não seja semelhante aos que descem à cova” (Sl 143.7). Os amantes têm os seus desmaios. Davi estava pronto para desfalecer e morrer, caso não tivesse sequer uma visão de Deus. Aqueles que amam a Deus não podem estar satisfeitos em ter ordenanças, a menos que possam desfrutar de Deus nelas; o contrário seria para eles como lamber o vidro, e não o mel.

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O que nós devemos dizer àqueles que passam suas vidas inteiras sem Deus? Eles pensam que Deus pode ser dispensado: reclamam que necessitam de saúde e negócios, mas não que necessitam de Deus! Homens ímpios não têm conhecimento de Deus; e como podem amar Aquele a quem sequer conhecem? Não somente isso, mas, o que é pior, eles não desejam conhecê-Lo. “E são estes os que disseram a Deus: Retira-te de nós! Não desejamos conhecer os teus caminhos” (Jó 21.14). Os pecadores evitam o conhecimento de Deus, eles consideram a Sua presença como um fardo; e são esses amantes de Deus? Podemos afirmar que ama o seu marido aquela mulher que não pode suportar estar na presença dele?

3. Tristeza

Um outro fruto do amor é a tristeza. Onde há amor a Deus, há um lamentar-se pelos nossos pecados de dureza contra Ele. Um filho que ama o seu pai não pode senão chorar por ofendê-lo. O coração que arde em amor derrama-se em lágrimas. Oh! Como eu poderia abusar do amor de um Salvador tão precioso?! Não sofreu o bastante o meu Senhor sobre a cruz, para que eu O faça sofrer ainda mais? Devo eu dar-Lhe mais fel e vinagre para beber? Quão desleal e insincero eu tenho sido! O quanto tenho eu entristecido o Seu Espírito, negligenciado os Seus mandamentos reais, desprezado o Seu sangue! Isso abre uma veia de tristeza piedosa e faz o coração bater novamente. “Então, Pedro […] saindo dali, chorou amargamente” (Mt 26.75). Quando Pedro pensou em como Cristo afetuosamente o amava; em como ele havia sido levado até o monte da transfiguração, onde Cristo lhe mostrara a glória do céu em uma visão; pensar que ele havia negado a Cristo depois de ter recebido Dele tão notável amor, isso partiu o seu coração de tristeza; ele saiu e chorou amargamente.

Assim testemos o nosso amor a Deus. Nós vertemos as lágrimas da tristeza piedosa? Nós lamentamos a nossa dureza contra Deus, o nosso abuso de Sua misericórdia, a fato de não multiplicarmos os nossos talentos? Quão distantes estão de amar a Deus aqueles que pecam diariamente sem que isso golpeie o seu coração! Eles possuem um mar de pecados, e sequer uma gota de tristeza. Eles estão tão distantes de se preocuparem com isso, que fazem piada de seus pecados. “Quando tu fazes mal, então, andas saltando de prazer” (Jr 11.15, ARC). Ó miseráveis! Cristo sangrou pelo pecado, e vocês riem dele? Esses tais estão distantes do amor a Deus. Acaso ama o seu amigo aquele que ama causar-lhe dano?

4. Magnanimidade

Um outro fruto do amor é magnanimidade. O amor é valoroso, ele transforma a covardia em coragem. O amor faz com que alguém se aventure pelas maiores dificuldades e perigos. A medrosa galinha voa contra um cachorro ou uma serpente para defender os seus pintinhos. O amor infunde um espírito de bravura e firmeza no cristão. Aquele que ama a Deus permanecerá firme por Sua causa e será um defensor Dele. “Pois nós não podemos deixar de falar das coisas que vimos e ouvimos” (At 4.20). Aquele que é temeroso de confessar a Cristo não tem senão um pequeno amor a Ele. Nicodemos veio furtivamente a Cristo, à noite (Jo 3.2). Ele estava temeroso de ser visto com Ele à luz do dia. O amor lança fora o medo. Assim como o

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sol dissipa neblinas e vapores, assim o amor divino em uma grande medida dissipa o temor carnal. Acaso ama a Deus aquele que consegue ouvir Suas benditas verdades serem desafiadas e permanecer em silêncio? Aquele que ama o seu amigo permanece firme em seu favor e o defende quando ele é envergonhado. Acaso Cristo se apresenta em nosso favor nos céus, e nós temeremos apresentar-nos em Seu favor na terra? O amor impulsiona um cristão, ele incendeia o seu coração com zelo e o fortalece com coragem.

5. Sensibilidade

O quinto fruto do amor é sensibilidade. Se nós amamos a Deus, os nossos corações sofrem diante da desonra a Deus provocada pelos homens ímpios. Ver não apenas as represas da religião, mas também da moralidade, serem demolidas, e uma torrente de impiedade se aproximando; ver os sabbaths de Deus profanados, Seus juramentos violados, Seu nome desonrado; se há algum amor a Deus em nós, deveríamos preocupar-nos profundamente com essas coisas. A alma justa de Ló estava afligida “pelo procedimento libertino daqueles insubordinados” (2Pe 2.7). Os pecados de Sodoma eram como muitas lanças perfurando a sua alma. Quão distantes estão de amarem a Deus aqueles que de modo algum são afetados com a Sua desonra? Se eles têm tão somente paz e negócios, nada lhes causa preocupação. Um homem que está completamente bêbado jamais se alarma ou é afetado, ainda que outro homem esteja sangrando de morte ao seu lado; assim também, muitos, estando embriagados com o vinho da prosperidade, não são afetados quando a honra de Deus é golpeada e Suas verdades estão sangrando. Se os homens amassem a Deus, eles se afligiriam ao ver Sua glória sofrendo e a própria religião tornando-se um mártir.

6. Ódio contra o pecado

O sexto fruto do amor é o ódio contra o pecado. O fogo expurga as impurezas do metal. O fogo do amor expurga o pecado. “Efraim dirá: Que mais tenho eu com os ídolos?” (Os 14.8, ARC). Aquele que ama a Deus não terá qualquer envolvimento com o pecado, senão para fazer guerra contra ele. O pecado atinge não apenas a honra de Deus, mas o Seu ser. Acaso ama o seu soberano aquele que abriga um traidor da coroa? Acaso é um amigo de Deus aquele que ama o que Deus odeia? O amor de Deus e o amor do mundo não podem habitar no mesmo lugar. As afeições não podem caminhar para duas direções contrárias ao mesmo tempo. Um homem não pode amar a saúde e amar também o veneno; assim ninguém pode amar a Deus e também o pecado. Aquele que tolera qualquer pecado secreto em seu coração está tão distante de amar a Deus quanto o céu e a terra distam um do outro.

7. Crucificação

Um outro fruto do amor é a crucificação. Aquele que é um amante de Deus está morto para o mundo. “O mundo está crucificado para mim, e eu, para o mundo” (Gl 6.14). Eu estou morto para as suas honras e prazeres. Aquele que está em amores por Deus não tem semelhante amor por qualquer outra coisa. O amor de Deus e a paixão do mundo são inconsistentes. “Se alguém amar o mundo, o amor do Pai não está nele” (1Jo 2.15). O amor a Deus engole todos

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os demais amores, assim como o cajado de Moisés engoliu os cajados dos egípcios. Se um homem pudesse viver no Sol, toda a Terra não passaria para ele de um pequeno ponto no firmamento; assim também, quando o coração de um homem está elevado acima do mundo em admiração e amor a Deus, quão pobres e insignificantes se tornam as coisas de baixo! Elas parecem como nada aos seus olhos. Os cristãos primitivos davam evidências de que amavam a Deus no fato de as suas propriedades não ocuparem um lugar de proeminência em seus corações; ao contrário, “os que possuíam terras ou casas, vendendo-as, traziam os valores correspondentes e depositavam aos pés dos apóstolos” (At 4.35).

Teste o seu amor a Deus por meio disto. O que nós deveríamos pensar acerca daqueles que vivem como se nunca tivessem o suficiente do mundo? Eles têm a “hidropisia da cobiça”1, vivendo avidamente atrás das riquezas: “Suspiram pelo pó da terra” (Am 2.7). Nunca fale acerca do seu amor por Cristo, diz Inácio, quando você prefere o mundo à Pérola de grande valor; e não é verdade que há muitos assim, que estimam o seu ouro acima de Deus? Se eles têm um terreno fértil, não se preocupam em buscar a água da vida. Eles venderão a Cristo e uma boa consciência por dinheiro. Acaso irá Deus jamais conceder-lhes o céu, a esses que tão baixamente O menosprezam, preferindo o pó cintilante à gloriosa Divindade? O que há de valioso na terra para que depositemos nela o nosso coração? Apenas o diabo nos faz olhar para ela com lentes de aumento. O mundo não possui valor real e intrínseco; tudo não passa de maquiagem e engano.

8. Temor

O próximo fruto do amor é o temor. Nos homens piedosos, amor e temor se beijam. Há um duplo temor que emerge do amor.

(i) O temor de desagradar. A esposa ama o seu marido e, por isso, escolhe negar a si mesma ao invés de desagradá-lo. Quanto mais nós amamos a Deus, mais nos tornamos temerosos de entristecer o Seu Espírito. “Como, pois, cometeria eu tamanha maldade e pecaria contra Deus?” (Gn 39.9). Quando Eudóxia2, a imperatriz, ameaçou punir Crisóstomo com a pena de banimento, ele respondeu: “Digam a ela que eu não temo outra coisa, senão pecar”. Este é um bendito amor que põe no cristão o calor do zelo e o frio do temor, fazendo-o agitar-se e tremer, não ousando voluntariamente ofender a Deus.

(ii) Um temor misturado com ciúme. “Eli estava assentado numa cadeira, ao pé do caminho, olhando como quem espera, porque o seu coração estava tremendo pela arca de Deus” (1Sm 4.13). Não é dito que o seu coração estava tremendo por Hofni e Finéias, seus dois filhos, mas seu coração tremia pela arca, pois, se a arca fosse tomada, então a glória se apartaria. Aquele que ama a Deus está cheio de temor de que algo vá mal com a Igreja. Ele teme que a profanação (que é a praga de lepra) aumente, que o papismo se estabeleça, que Deus se

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aparte do Seu povo. A presença de Deus em suas ordenanças é a beleza e a força de uma nação. Enquanto a presença de Deus está com um povo, tal povo está seguro; mas a alma inflamada pelo amor a Deus teme que os emblemas visíveis da presença de Deus sejam removidos.

Com isso testemos o nosso amor a Deus. Muitos temem ficar sem paz ou sem negócios, mas não temem perder a Deus e o Seu evangelho. São esses amantes de Deus? Aquele que ama a Deus tem mais medo de perder as bênçãos espirituais do que as temporais. Se o Sol da justiça desaparecer do nosso horizonte, o que nos restará, senão escuridão? Que conforto um órgão ou um hino poderão nos dar, se não tivermos o Evangelho? Não seriam eles tão somente como o som de uma trombeta ou uma salva de tiros em um funeral?

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1 Hidropisia é a acumulação anormal de líquido seroso nos tecidos. Watson usa essa palavra, retirada da medicina, como uma metáfora para referir-se àqueles que, por cobiça, acumulam excessivamente as coisas deste mundo.

2 Aélia Eudóxia era esposa do imperador romano do oriente, Arcádio, e foi imperatriz romana consorte no final do século IV. Ela e João Crisóstomo tiveram diversos conflitos, ao ponto de este compará-la com Herodias, a mulher adúltera que pediu a Herodes a cabeça de João Batista. Esses conflitos resultaram, de fato, na deposição e banimento de Crisóstomo por duas vezes.

12. Esforço para glorificar a Deus

Aquele que ama a Deus irá esforçar-se para mostrá-Lo glorioso aos olhos de outros. Aqueles que amam sempre estão elogiando e apresentando a amabilidade daquelas pessoas a quem amam. Se nós amamos a Deus, nós devemos espalhar por toda parte as Suas excelências, de maneira que possamos elevar a Sua fama e estima e induzir outros a se apaixonarem por Ele. O amor não pode ser silencioso; nós devemos ser como muitas trombetas, ressoando a liberalidade da graça de Deus, a transcendência do Seu amor e a glória do Seu reino. O amor é como fogo: quando ele queima no coração, irrompe pelos lábios. Ele será elegante em apresentar o louvor de Deus: o amor precisa dar vazão a si mesmo.

13. Desejo pela vinda de Cristo

Um outro fruto do amor é desejar a vinda de Cristo. “Já agora a coroa da justiça me está guardada, a qual o Senhor, reto juiz, me dará naquele Dia; e não somente a mim, mas também a todos quantos amam a sua vinda” (2Tm 4.8). O amor deseja união; Aristóteles explica o

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motivo, ao afirmar que a alegria flui da união. Quando a nossa união com Cristo for perfeita na glória, então a nossa alegria será completa. Aquele que ama a Cristo ama a Sua vinda.

A vinda de Cristo será uma feliz aparição para os santos. A Sua aparição hoje é muito confortante, quando Ele se apresenta a nós como um Advogado (Hb 9.24). Mas a outra aparição o será muito mais, quando Ele há de se apresentar para nós como nosso Marido. Ele, naquele dia, porá duas jóias em nós: o Seu amor, um amor tão grande e assombroso que é melhor sentido do que explicado; e a Sua semelhança. “Sabemos que, quando ele se manifestar, seremos semelhantes a ele, porque haveremos de vê-lo como ele é” (1Jo 3.2). E, dessas duas jóias, amor e semelhança, alegria infinita fluirá em nossa alma. Não há dúvida, portanto, de que aquele que ama a Cristo deseja a Sua vinda. “O Espírito e a noiva dizem: Vem! […] Amém! Vem, Senhor Jesus!” (Ap 22.17,20).

Assim testemos o nosso amor a Cristo. Um homem ímpio, o qual condena a si mesmo, tem medo da vinda de Cristo e deseja que Ele nunca venha; mas aqueles que amam a Cristo têm profunda alegria em pensar na Sua vinda entre as nuvens. Eles serão então libertos de todos os seus pecados e temores, serão publicamente reconhecidos diante dos homens e dos anjos e serão, para sempre, transportados para o paraíso de Deus.

14. Aceitação de tarefas desprezíveis

O amor fará com que nos inclinemos e aceitemos os mais desprezíveis ofícios. O amor é uma graça humilde; ele não se conduz de maneira altiva, mas rasteja e se inclina e se submete a qualquer coisa que possa ser útil a Cristo. Como nós vemos em José de Arimatéia e em Nicodemos, ambos pessoas honoráveis: um deles levou com as próprias mãos o corpo de Cristo ao túmulo, e o outro o embalsamou com aromas suaves. Poderia parecer absurdo a pessoas de sua estirpe serem empregadas em tais serviços, mas o amor as levou a fazê-los. Se nós amamos a Deus, não devemos pensar que nenhum trabalho é desprezível demais para nós, se por meio deles nós podemos ser úteis aos membros de Cristo. O amor não se esquiva; ele visita os enfermos, assiste os pobres, lava as feridas dos santos. A mãe que ama o seu filho não é retraída e escrupulosa; ela fará pelo seu filho aquelas coisas que outros se recusariam a fazer. Aquele que ama a Deus irá humilhar a si mesmo e aceitará o mais desprezível ofício de amor em favor de Cristo e de Seus membros.

Esses são frutos de amor a Deus. Felizes são aqueles que podem encontrar crescendo em suas almas esses frutos tão estranhos às suas próprias naturezas.

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10. Bons pensamentos acerca de Deus

Outro bendito sinal de amor é entreter bons pensamentos acerca de Deus. Aquele que ama seu amigo interpreta o que ele faz no melhor sentido. “[O amor] não suspeita mal” (1Co 13.5, ARC). A malícia interpreta tudo no pior sentido; o amor interpreta tudo no melhor sentido. Tal amor é como um excelente comentarista da providência; ele não pensa mal acerca dela. Aquele que ama a Deus tem uma boa opinião acerca de Deus; embora Ele aflija rispidamente, a alma recebe tudo de bom grado. Esta é a linguagem de um espírito gracioso: “Meu Deus vê que duro coração eu possuo, portanto Ele traz um punhal de aflição atrás do outro, para quebrar meu coração. Ele sabe o quanto eu sou cheio de maus temperamentos, tão cheio de chagas, portanto Ele me faz sangrar, para salvar a minha vida. Essa severa dispensação serve ou para mortificar alguma corrupção, ou para exercitar alguma graça. Quão bom é Deus, que não me deixa sozinho em meus pecados, mas golpeia o meu corpo para salvar a minha alma!” Assim, aquele que ama a Deus vê todas as coisas pelo lado bom. O amor põe um verdadeiro brilho em todas as ações de Deus. Vocês que são prontos a murmurar contra Deus, como se Ele lhes fosse desfavorável, humilhem-se por causa disso; então, digam para si mesmos: “Se eu amasse mais a Deus, eu teria melhores pensamentos acerca de Deus.” É Satanás que faz com que tenhamos bons pensamentos acerca de nós mesmos, e pensamentos duros acerca de Deus. O amor toma tudo pelo lado mais favorável; ele não suspeita o mal.

11. Obediência

Outro fruto do amor é a obediência. “Aquele que tem os meus mandamentos e os guarda, esse é o que me ama” (Jo 14.21). É uma coisa inútil dizermos que amamos a pessoa de Cristo, se nós desprezamos os Seus comandos. Acaso ama o seu pai aquela criança que se recusa a obedecê-lo? Se nós amamos a Deus, nós deveríamos obedecê-Lo naquelas coisas que contrariam a carne e o sangue: (i) nas coisas difíceis e (ii) nas coisas perigosas.

(i) Devemos obedecer a Deus nas coisas difíceis. Por exemplo, na mortificação do pecado. Há alguns pecados que não apenas estão próximos de nós como nossas roupas, mas são queridos para nós como os nossos olhos. Se nós amamos a Deus, devemos nos levantar contra esses pecados, assim em nosso propósito como em nossa prática. Do mesmo modo, em perdoar os nossos inimigos. Deus nos ordena sob pena de morte a sermos perdoadores. “Antes, sede uns para com os outros benignos, compassivos, perdoando-vos uns aos outros, como também Deus, em Cristo, vos perdoou” (Ef 4.32). Isso é difícil; é nadar contra a correnteza. Nós estamos prontos a nos esquecermos dos atos de bondade, e a nos lembrarmos das injúrias; mas, se amamos a Deus, devemos ignorar as ofensas. Quando nós seriamente consideramos o quanto Deus tem nos perdoado, quantas afrontas e provocações em nossas mãos Ele tem tolerado, isso nos estimula a seguir os Seus passos e a nos esforçarmos para enterrar uma injúria, ao invés de revidá-la.

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(ii) Devemos obedecer a Deus nas coisas perigosas. Quando Deus nos chama a sofrer por Ele, nós devemos obedecer. O amor fez com que Cristo sofresse por nós; o amor foi a algema que O prendeu à cruz; portanto, se nós amamos a Deus, nós devemos estar dispostos a sofrer por Ele. O amor tem uma natureza estranha: é a menos suportadora das graças e, ainda assim, é a mais suportadora das graças. É a menos suportadora graça em um sentido: o amor não suportará que pecados conhecidos permaneçam na alma, sem arrependimento; não suportará abusos e desonras praticados contra Deus; assim, ele é a menos tolerante graça. Ainda assim, ele é a mais suportadora graça: o amor suportará reprovações, algemas e prisões, pela causa de Cristo. “Estou pronto não só para ser preso, mas até para morrer em Jerusalém pelo nome do Senhor Jesus” (At 21.13). É verdade que nem todo cristão é um mártir, mas todo cristão tem nele o espírito do martírio. Ele diz, assim como Paulo: “Eu estou pronto para ser preso”; ele possui uma disposição da mente para sofrer, se Deus o chamar a isso.

O amor levará os homens para além de suas forças. Tertuliano observa o quanto os pagãos sofriam por amor à sua nação. Ora, se a semente natural pode chegar tão alto, certamente a graça se fará ainda mais elevada. Se o amor à pátria faz os homens sofrerem, muito mais deveria fazer o amor a Cristo. “O amor tudo suporta” (1Co 13.7). Basílio fala acerca de uma virgem condenada à fogueira, a qual, sendo-lhe oferecidos de volta a sua vida e os seus bens se ela se prostrasse diante do ídolo, respondeu: “Que se vão a vida e os bens; seja bem-vindo, Cristo”. Houve também aquele nobre e zeloso discurso de Inácio: “Que eu seja moído pelos dentes das feras selvagens, para que possa ser o puro trigo de Deus”. De que maneira a paixão divina elevou os primeiros santos acima do amor da vida e do temor da morte! São Estevão foi apedrejado, São Lucas, pendurado numa oliveira, São Pedro, crucificado em Jerusalém de cabeça para baixo. Esses herois divinos estavam dispostos a sofrer, ao invés de, pela sua covardia, fazer com que o nome de Deus sofresse. Como São Paulo valorizava as cadeias que ele suportou por Cristo! Ele se gloriava nelas, como uma mulher tem orgulho de suas jóias, como diz Crisóstomo. E o santo Inácio carregava os seus grilhões como um bracelete de diamantes. “Não aceitando o resgate” (cf. Hb 11.35). Eles se recusaram a sair da prisão sob condições pecaminosas; preferiram a sua inocência à sua liberdade.

Assim testemos o nosso amor a Deus. Temos nós o espírito do martírio? Muitos dizem amar a Deus, mas como tal amor se manifesta? Eles não abandonam sequer o menor conforto, tampouco suportam a menor cruz por Sua causa. Se Jesus Cristo houvesse dito a nós: “Eu os amo muito, vocês são queridos a mim, mas eu não posso sofrer, eu não posso dar a minha vida por vocês”, nós questionaríamos fortemente o Seu amor. Acaso não pode Cristo suspeitar de nós, quando nós fingimos amá-Lo, e ainda assim não enfrentamos nada por Ele?

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9. Amor por aquilo que Deus ama

Se nós somos amantes de Deus, nós amamos aquilo que Deus ama.

(i) Nós amamos a Palavra de Deus. Davi estimava a Palavra pela sua doçura, acima do mel (Salmo 119.103), e pelo seu valor, acima do ouro (Salmo 119.72). As linhas da Escritura são mais ricas do que minas de ouro. Nós devemos amar a Palavra apropriadamente; ela é a estrela-ímã que nos atrai para o céu, é o campo no qual a Pérola está escondida. O homem que não ama a Palavra, mas a considera de maneira excessivamente estrita e deseja que alguma porção da Bíblia fosse dela arrancada (como um adúltero desejaria fazer com o sétimo mandamento), esse não tem sequer a menor fagulha de amor em seu coração.

(ii) Nós amamos o dia de Deus. Nós não apenas guardamos um sabbath, mas nós amamos um sabbath. “Se chamares ao sabbath deleitoso” (Isaías 58.13). O sabbath é aquilo que mantém a face da religião entre nós; esse dia deve ser consagrado como glorioso ao Senhor. A casa de Deus é o palácio do grande Rei, e no sabbath ali Deus revela a Si mesmo através da treliça. Se nós amamos a Deus, nós estimamos o Seu dia sobre todos os outros dias. Toda a semana seria escura se não fosse por esse dia; nesse dia, o maná cai numa porção dobrada. Nele, de um modo especial, as comportas do céu permanecem abertas, e Deus desce numa chuva dourada. Nesse dia bendito, o Sol da justiça se levanta sobre a alma. Oh, como um coração gracioso aprecia esse dia, feito com o propósito de desfrutarmos de Deus.

(iii) Nós amamos as leis de Deus. Uma alma graciosa tem prazer na lei porque ela restringe os seus impulsos pecaminosos. O coração estaria pronto a correr descontroladamente para o pecado, se ele não tivesse alguns benditos freios postos pela lei de Deus. Aquele que ama a Deus ama a Sua lei – a lei do arrependimento, a lei do negar-se a si mesmo. Muitos dizem amar a Deus, mas odeiam as Suas leis. “Rompamos os seus laços e sacudamos de nós as suas algemas” (Salmo 2.3). Os preceitos de Deus são comparados a laços; eles amarram os homens ao seu bom comportamento; mas os ímpios acham esses laços apertados demais, portanto dizem: “Vamos rompê-los!” Eles fingem amar a Cristo como Salvador, mas O odeiam como Rei. Cristo nos fala sobre o Seu jugo (Mateus 11.29), mas os pecadores gostariam que Ele pusesse uma coroa em suas cabeças, e não um jugo em seus pescoços; que Ele fosse um estranho rei que governasse sem leis.

(iv) Nós amamos o retrato de Deus, nós amamos a Sua imagem resplandecendo nos santos. “Todo aquele que ama ao que o gerou também ama ao que dele é nascido” (1João 5.1). É possível amar um santo e, ainda assim, não amá-lo como santo; nós podemos amá-lo por alguma outra coisa, pela sua ingenuidade ou porque ele é afável e generoso. Um animal ama um homem, não porque ele é um homem, mas porque ele o alimenta e lhe dá forragem. Mas amar um santo na qualidade de santo, isso é um sinal de amor a Deus. Se nós amamos um

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santo por sua santidade, por possuir nele algo de Deus, então nós o amaremos nestas quatro situações:

(a) Nós amaremos um santo, embora ele seja pobre. Um homem que ama o ouro amará o ouro, mesmo que ele esteja enrolado em trapos; assim também, mesmo que um santo esteja em trapos, nós o amamos, porque há nele algo de Cristo.

(b) Nós amaremos um santo, embora ele tenha muitas falhas pessoais. Não há perfeição aqui. Em alguns, prevalece a ira impulsiva; em outros, a inconstância; e em outros, excessivo amor pelo mundo. Um santo nesta vida é como o ouro ainda em minério, muita escória de fraqueza está agarrada a ele; ainda assim, nós o amamos pela graça que nele está. Um santo é como um belo rosto com uma cicatriz: nós amamos a bela face da santidade, embora nela haja uma cicatriz. A melhor esmeralda tem as suas manchas, as estrelas mais brilhantes têm as suas cintilações, e o melhor dos santos tem as suas falhas. Você que é incapaz de amar alguém por causa de suas fraquezas, como poderia Deus amá-lo?

(c) Nós amaremos os santos, embora, em algumas coisas menores, eles discordem de nós. Talvez um outro cristão não tenha tanta luz quanto você, e isso possa fazê-lo errar em algumas coisas; você irá rapidamente desprezá-lo porque ele não pode ainda vir para a sua luz? Onde há união no essencial, deve haver união nas afeições.

(d) Nós amaremos os santos, embora eles sejam perseguidos. Nós amamos o metal precioso, mesmo que ele esteja na fornalha. São Paulo carregou em seu corpo as marcas do Senhor Jesus (Gálatas 6.17). Aquelas marcas eram, como as cicatrizes do soldado, honoráveis. Nós devemos amar um santo tanto nas cadeias quanto nos palácios. Se nós amamos a Cristo, nós amamos os Seus membros perseguidos.

Se nisso consiste o amor a Deus, em amarmos a Sua imagem brilhando nos santos, oh, então quão poucos amantes de Deus podem ser encontrados! Acaso amam a Deus aqueles que odeiam os que são semelhantes a Deus? Acaso amam a pessoa de Cristto aqueles que estão cheios de um espírito de vingança contra o Seu povo? Como se pode dizer que uma mulher ama o seu marido, se ela rasga o seu retrato? Certamente, Judas e Juliano [1] ainda não estão mortos, o seu espírito ainda vive no mundo. Quem é considerado culpado, senão os inocentes?! Que crime é pior do que a santidade, se o diabo está entre os jurados?! Os homens ímpios parecem ter grande reverência pelos santos do passado; eles canonizam os santos mortos, mas perseguem os vivos. Em vão os homens professam o credo, e dizem ao mundo que amam a Deus, quando eles abominam um dos artigos do credo, qual seja, a

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comunhão dos santos. Certamente, não há um maior sinal de que um homem está pronto para ir ao inferno do que este: não apenas carecer da graça, mas também odiá-la.

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[1] Provavelmente, uma referência ao imperador romano Juliano, conhecido como “o Apóstata”.