OS SISTEMAS AGRÁRIOS COM CASTANHA-DO-BRASIL...

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217 Amazônia: Ci. & Desenv., Belém, v. 2, n. 3, jul./dez. 2006. OS SISTEMAS AGRÁRIOS COM CASTANHA-DO-BRASIL (BERTHOLLETIA EXCELSA H.B.K) NA REGIÃO SUL DO ESTADO DO AMAPÁ (*) Walter Paixão de Sousa (**) Laura Angélica Ferreira (***) RESUMO Aborda o estudo de um tipo específico de sistema agrário: o sistema agrário com a castanha- do-brasil da Reserva Extrativista do rio Cajari no Estado do Amapá (RESEX/CA). O trabalho é uma parte da dissertação elaborada pelo autor no ano de 2006, que teve como foco principal compreender a dinâmica dos sistemas de produção praticados, nesta reserva extrativista, no período de 2000 para 2005. Na dissertação o autor descreve que as mudanças ocorridas nos sistemas de produção no período considerado evidenciam além de fatores de ordem econômica, que a permanência das práticas agrícolas com o extrativismo da castanha se rege por outros fatores. A relação histórica de uso da floresta com o extrativismo e as agriculturas é bem mais complexa, não podendo ser avaliada apenas do prisma econômico. Portanto, os sistemas de produção praticados são, também, produto histórico da relação das famílias mediadas pela sociopolítica regional e pela natureza da atual RESEX/CA. Isso não quer dizer que, necessariamente, esses sistemas não mudaram. Os sistemas experimentaram mudanças, inclusive algumas famílias procuram alcançar melhores níveis de qualidade de vida, através da agricultura. Em se tratando de uma unidade de conservação de uso direto, para esta reserva extrativista, deveriam ser direcionadas ações de apoio para que eles pudessem ter melhores condições de vida, sem precisar investir em outras atividades, que não o extrativismo. Palavras-chave: Sistema agrário. Sistema de produção – castanha-do-brasil. Extrativismo vegetal. Reserva extrativista. (*) Este trabalho é parte de uma dissertação defendida pelo primeiro autor sob a orientação da segunda, Curso de Mestrado em Agriculturas Amazônicas da Universidade Federal do Pará, ano de 2006. (**) Embrapa Amapá. Rodovia JK, km 05, s/n – CEP 68.903-000, Macapá-AP. E-maill: [email protected] (***) Centro Agropecuário da Universidade Federal do Pará. Campus Universitário do Guamá. Belém-PA. E-mail: [email protected]

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217Amazônia: Ci. & Desenv., Belém, v. 2, n. 3, jul./dez. 2006.

OS SISTEMAS AGRÁRIOS COM CASTANHA-DO-BRASIL (BERTHOLLETIA EXCELSA H.B.K) NAREGIÃO SUL DO ESTADO DO AMAPÁ(*)

Walter Paixão de Sousa(**)

Laura Angélica Ferreira(***)

RESUMO

Aborda o estudo de um tipo específico de sistema agrário: o sistema agrário com a castanha-do-brasil da Reserva Extrativista do rio Cajari no Estado do Amapá (RESEX/CA). O trabalho é umaparte da dissertação elaborada pelo autor no ano de 2006, que teve como foco principal compreendera dinâmica dos sistemas de produção praticados, nesta reserva extrativista, no período de 2000 para2005. Na dissertação o autor descreve que as mudanças ocorridas nos sistemas de produção noperíodo considerado evidenciam além de fatores de ordem econômica, que a permanência das práticasagrícolas com o extrativismo da castanha se rege por outros fatores. A relação histórica de uso dafloresta com o extrativismo e as agriculturas é bem mais complexa, não podendo ser avaliada apenasdo prisma econômico. Portanto, os sistemas de produção praticados são, também, produto históricoda relação das famílias mediadas pela sociopolítica regional e pela natureza da atual RESEX/CA. Issonão quer dizer que, necessariamente, esses sistemas não mudaram. Os sistemas experimentarammudanças, inclusive algumas famílias procuram alcançar melhores níveis de qualidade de vida, atravésda agricultura. Em se tratando de uma unidade de conservação de uso direto, para esta reservaextrativista, deveriam ser direcionadas ações de apoio para que eles pudessem ter melhores condiçõesde vida, sem precisar investir em outras atividades, que não o extrativismo.

Palavras-chave: Sistema agrário. Sistema de produção – castanha-do-brasil. Extrativismo vegetal.Reserva extrativista.

(*) Este trabalho é parte de uma dissertação defendida pelo primeiro autor sob a orientação da segunda, Curso deMestrado em Agriculturas Amazônicas da Universidade Federal do Pará, ano de 2006.

(**) Embrapa Amapá. Rodovia JK, km 05, s/n – CEP 68.903-000, Macapá-AP. E-maill: [email protected](***) Centro Agropecuário da Universidade Federal do Pará. Campus Universitário do Guamá. Belém-PA.

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THE AGRARIAN SYSTEM WITH BRAZIL NUT (BERTHOLLETIA EXCELSA H.B.K) OF SOUTH REGIONOF THE STATE OF AMAPÁ(*)

ABSTRACT

This work approaches the study of a specific type of agrarian system: the agrarian system withthe one chestnut-of - Brazil of the Extrativista Reserve of the river Cajari in the State of Amapá(RESEX/CA). The work is a part of the dissertation elaborated for the author in the year of 2006, thatit had as main focus to understand the dynamics of the practiced systems of production in thisextrativista reserve in the period of 2000 for 2005. In the dissertation work the author describes thatthe occurred changes in the systems of production in the considered period, evidences beyond factorsof economic order, that the permanence of the practical agriculturists with the extractivism of thechestnut if prevails for other factors. The historical relation of use of the forest with the extractivismand agriculture’s is well more complex, not being able to be evaluated only of the economic prism.Therefore, the practiced systems of production are also historical product of the relation of the familiesmediated for social political the regional one and the nature of the current RESEX/CA. This does notwant to say that necessarily these systems had not moved. The systems had tried changes, also somefamilies look for to reach better levels of quality of life, through agriculture. In if treating to a unit ofconservation of direct use, for this extrativista reserve action of support would have to be directed sothat they could have better conditions of life, without having that to invest in other activities, that notit extractivism.

Keywords: Agrarian system. System of production. Extractivism. Extractive reserve.

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1 INTRODUÇÃO

A tomada de uma consciência ecológicaem face da crise do modelo atual dedesenvolvimento, permitiu o surgimento degrandes programas de pesquisa interdisciplinarna década de 1970, que foram postos em práticaa partir da constatação de que, isoladamente, asciências do homem e da natureza, teriamdificuldades de integrarem em seus postulados,a interação vida/natureza/homem/sociedade,para corretamente explicar os procedimentoscomplexos de adaptação, sobrevivência edesaparecimento que governam a evolução dosecossistemas (PENA-VEGA, 2003).

Contudo, já na década de 1950, diversasescolas de pensamento científico mundialiniciavam o questionamento do métodomecanicista, baseado na mecânica racional e naestatística, como não sendo adequado para oestudo de objetos complexos. Contrapondo atendência de fracionamento das ciências emespecialidades isoladas umas das outras, surgeuma nova maneira de observar e compreender ocomportamento do homem (CAPRA, 2004).

A abordagem sistêmica aplicada ao estudodo desenvolvimento rural, tem por base a teoriado sistema geral (LE MOIGNE, 1990). Assim, aoinvés de decifrar passo a passo de forma analítica,procuraremos, para conhecer o objeto, concebê-lo (e logo representá-lo) como objeto significantee como organismo funcionante: “já não analisara realidade, mas conceber o modelo, e o arranjode sinais pelos quais nos será dado o significadodo objeto” (LE MOIGNE, 1990, p. 88-89).

Analisar e explicitar um objeto em termosde sistema, vai nos permitir identificar osdiferentes níveis de atuação dos fatores quedeterminaram os sistemas de produção usadospelas famílias no vale do rio Jari, e seus impactosno meio ambiente e na qualidade de vida das

pessoas. Para tanto, é necessário, em primeirolugar delimitar o objeto de estudo, traçar umafronteira entre esse objeto e o resto do mundo.E, em particular, definir a escala de apreensãodesse objeto e suas conexões com os níveishierárquicos superiores e, igualmente, inferiores(MAZOYER; ROUDART, 2001). Delimitou-se comoobjeto de estudo os sistemas de produçãopraticados na Reserva Extrativista do rio Cajarino Estado do Amapá (RESEX/CA).

Portanto, pensar esses sistemas deprodução de forma sistêmica como nos ensinaLe Moigne (1990), é elaborar um modelorepresentativo sobre o seu funcionamento.Com o uso do conceito de sistemas agrários,pretende-se elaborar um modelo que nospermita estabelecer as bases de diálogo comos atores presentes nessa reserva extrativista.Do confronto e questionamentos dos olharesem torno do modelo concebido dos sistemaspresentes, se poderá, por exemplo, estabelecera base para construção de projetos dePesquisa-Desenvolvimento (JOUVE, 1992),capazes de se transformarem em instrumentosde intervenção com mais capacidade depromoverem o desenvolvimento decomunidades locais e de melhorias naqualidade de vida das famílias que vivem nessareserva extrativista.

Para tanto, o trabalho estabelece comopressuposto que essas transformações sãograduais, e, um esforço de pesquisa foi feito pelatipologia, para se observar a coexistência dossistemas antigos com os novos; caracterizandoas diferenças, descrevendo os processos,pesquisando as relações entre elementos eevidenciando a representatividade dessascontinuidades, na tentativa de se estabelecer asdiferenciações entre os sistemas e compreenderas razões que permitisse compará-los.

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2 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

O uso da teoria dos sistemas agráriospara o estudo do rural é importante quando sedeseja abranger realidades mais amplas, comoa que estamos nos propondo realizar nestetrabalho, uma vez que é no nível regional elocal:

onde podem se consideradas certas

conseqüências sociais, econômicas e

ecológicas da evolução técnica dos sistemas

de produção e certas relações como, por

exemplo, as relações de troca de

ferramentas, de trabalho, de produto, etc.

São essas situações que as dimensões

espaciais dos fenômenos técnicos e sociais

são privilegiados. (DUVENOY, 1994 apud

OLIVEIRA, 2002, p. 14).

Mazoyer e Roudart (2001) definem umsistema agrário como sendo a inter-relação dasseguintes variáveis: o meio cultivado, ou seja, omeio original e as suas transformaçõeshistoricamente sofridas; os instrumentos detrabalho utilizados, isto é, as ferramentas, asmáquinas, os materiais biológicos (as plantascultivadas e os animais domésticos) e a forçade trabalho social (física e intelectual); o modode artificialização do meio que resulta nareprodução e na exploração do ecossistemacultivado; a divisão social do trabalho entre aagricultura, o artesanato e a indústria; osexcedentes agrícolas, que além de destinar-sea atender as necessidades do produtor,possibilita satisfazer as necessidades dos outrosgrupos sociais; as relações de troca entre osramos associados, ou seja, as relações depropriedade, as relações de força que regulama divisão dos produtos do trabalho, dos bensde produção e dos bens de consumo, e asrelações de troca entre os sistemas concorrentes.Assim, para esses autores:

Um sistema agrário é um instrumento

intelectual que nos permite apreender a

complexidade de cada forma de agricultura

e de nos darmos conta, a traço largos, das

transformações históricas e da

diferenciação geográfica das agriculturas

humanas [...] assim concebido, cada sistema

agrário é a expressão teórica de um tipo de

agricultura historicamente constituído e

geograficamente localizado, composto de

um ecossistema cultivado e de um sistema

social produtivo definido, permitindo este

explorar duradouramente a fertilidade do

ecossistema cultivado correspondente.

(MAZOYER; ROUDART, 2001, p. 39-43).

Desta maneira, analisar e explicitar ossistemas de produção praticados na RESEX/CApela teoria dos sistemas agrários é também:“estudar a sua dinâmica de evolução através dotempo, e as relações que esse sistema mantémcom o resto do mundo nos seus diferentesestágios de evolução” (MAZOYER; ROUDART,2001, p. 43). E, assim procedendo, o pesquisadorenfrenta uma dupla tarefa, “em primeiro plano,a tarefa de colocar em evidência o tempo deevolução desse sistema e, em segundo, comoforam formados e como evoluíram os elementosque o constituem” (SANTOS, 1997 apudFERREIRA, 2001, p. 34).

Essas duas dimensões em combinaçãotratam de analisar os sistemas agrários em suadinâmica. No trabalho essa combinação é feitapelo resgate da história de vida dos atores esujeitos envolvidos na atividade de extração dacastanha no vale do rio Jari, desde o final doséculo XIX. Assim, pode-se construir um modelodo funcionamento dos sistemas de produçãopraticados, que melhor possa representar àsbases de suas mudanças.

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O extrativismo é uma das formas darelação homem/natureza com os ecossistemas daAmazônia. A bibliografia histórica especializadarelata que as populações indígenas quehabitavam essa região antes da presença doscolonizadores europeus viviam da coleta deprodutos presentes na natureza, umasobrevivência que se complementava com ocultivo de alguns produtos agrícolas, em especialtubérculos, como a mandioca, o cará e a batatadoce.

Para as populações indígenas daAmazônia, antes da presença do colonizadoreuropeu, o extrativismo se fazia sobre produtosda flora e fauna no objetivo de atendimento desuas necessidades alimentares. Um dos primeirosimpactos da colonização européia na Região foijustamente sua influência na mudança dessarelação homem/natureza estabelecida pelosíndios, pois o extrativismo era para atenderfinalidades de reprodução biológica direta.

Quanto aos colonos europeus, quechegaram à Amazônia por volta do ano 1616, oextrativismo interessava por sua possibilidade degerar riquezas com a extração de alguns produtosda natureza, que depois eram exportados para aEuropa. Esse extrativismo foi a forma alternativaencontrada por esses primeiros colonos, em faceao fracasso de estabelecer um comércio com omercado europeu pela produção agrícola (COSTA,1992).

Esse comércio de alguns produtos doextrativismo da flora amazônica, na fase dasmissões religiosas, recebe a denominação de ciclodas drogas do sertão1. Foram estes os primeirosrecursos a se tornarem responsáveis, por um certotempo, pela vida econômica desta Região emesmo do Brasil. Ainda nesta fase, outro produtodo extrativismo, o cacau, teve grande peso na

economia regional e a produção não se faziaapenas do extrativismo, mas, também, de umaprodução obtida de áreas de cultivo. Asexportações de cacau na Amazônia, pelo portode Belém, chegaram a representar 90% do valordas exportações brasileiras no período 1730-1740, cujo excedente econômico proporcionou aconstrução das igrejas e palácios mais antigosde Belém (HOMMA, 2001).

O autor destaca que essa economiacomeça a entrar em crise a partir do ano de 1746,com a entrada no mercado da produção de cacaudos plantios do Estado da Bahia, o que força umaqueda nos preços do produto. Ângelo-Menezes(1994) mostra a queda no preço de 4.800 réis,no ano de 1747, para 960 réis às vésperas daIndependência do Brasil (1822).

O outro impacto da colonização européia,nesta relação homem/natureza, se faz pelaintrodução de técnicas agrícolas que seconsolidava na Europa daquela época, compráticas de cultivos mais intensivos, onde o pousioda parcela cultivada era diminuído2. Essa formade fazer agricultura se mistura com as práticasagrícolas indígenas, gerando sistemas deprodução, que garantiam a sobrevivência dasfamílias presentes no espaço do projeto religioso3

(índios e colonos europeus), sem a necessidadede um maior atrelamento ao mercado europeu,como pretendiam os colonizadores portugueses.

Uma das influências sofridas no sistemade produção dos indígenas da Amazônia, noperíodo de 1669 a 1800, diz respeito às práticasexecutadas no preparo da área para plantio. Aexperiência européia introduz no sistema técnicodos índios, as práticas da derrubada das árvoresmaiores e a coivara4, práticas não utilizadas poreles, mas que com o aldeamento, passaram aincorporá-las, embora para isto tivessem que

3 OS SISTEMAS AGRÁRIOS EXTRATIVISTAS NA AMAZÔNIA

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despender um maior esforço físico e tempo,renunciando, assim, a outras atividades(ÂNGELO-MENEZES, 1994).

A derruba de árvores maiores eprincipalmente a coivara, permitiam o plantioconcomitante nas roças de mandioca, de frutasexóticas trazidas pelos colonos, tanto da Europacomo de outras partes do mundo, bem como deespécimes da flora local, especialmente o cacau,a salsaparilha e o cravo amazônico. As poucasespeciarias do diversificado ambiente natural daregião que obtinham preço compensatório nomercado.

Para essa autora e outros como Costa(1992), as técnicas de produção agrícola doscolonizadores europeus, ao se juntarem àspráticas agrícolas indígenas, geraram sistemasde produção agroextrativistas bastante eficientes,sob o ponto de vista da manutenção de um modode vida autárquico na Região.

O isolamento da Amazônia em relaçãoao restante da colônia brasileira, econsequentemente, a pouca demanda da regiãopor produtos manufaturados ofertados pelaCoroa Portuguesa, bem como o desinteresse domercado europeu pelos produtos doextrativismo produzidos pela colônia brasileira,obrigaram o governo colonial português a fazerinvestimentos para a manutenção da soberaniasobre o território amazônico. Assim, no ano de1750, cria a Companhia Geral do Comércio doGrão Pará e Maranhão e coloca em prática umconjunto de medidas para estabelecer umaeconomia alternativa (ao extrativismo) dedesenvolvimento na Amazônia.

O “ciclo agrícola” estabelecido com aCompanhia veio acompanhado de muitosincentivos, tais como: doação de terras a colonose soldados que se comprometessem a cultivá-las; introdução do trabalho escravo procurando

reforçar a atividade do cacau e outros produtos;estímulo à implantação da pecuária nos camposde Rio Branco (Roraima), baixo Amazonas eArquipélago do Marajó (FERNANDES, 1997).

Fazendo a análise dessa nova fase doprojeto colonizador da Amazônia no vale doTocantins no Estado do Pará, Ângelo-Menezes(1994) diz que no modelo agrícola da Companhia,novos instrumentos de trabalho como o aradode aiveca, usado no preparo do solo na EuropaOcidental, foram introduzidos. Esses utensíliosforam financiados aos colonos para ampliar orendimento de seus cultivos de mandioca e outroscomo a cana-de-açúcar, que os colonizadoresportugueses tinham interesse especial deproduzir. Os novos instrumentos e técnicas deprodução necessitavam de muito mais mão-de-obra, que foi garantida pela força de trabalhoescrava, sobremaneira de negros.

Sobre as duas fases do projeto colonizadorda Amazônia no vale do Tocantins, a autoraconclui que, mesmo o extrativismo seapresentando como a forma mais ajustada deuso face às limitações impostas pelo meiobiofísico da Amazônia, ele atendia, apenas, asnecessidades dos indígenas. As famílias doscolonos europeus tinham outro padrão denecessidades a serem supridas, bem diferentedaquelas dos indígenas, o qual não podia seratendido, somente, pelo extrativismo.

Portanto, para estes, o projeto agrícola sefazia uma necessidade. As tentativas dedomesticação e plantio do cacau, os monocultivosde cana-de-açúcar e o plantio de espécies perenestrazidas de outras partes do mundo, são exemplosencontrados em narrativas de historiadores,relacionados a este objetivo.

Para autores como Costa (1992), asbarreiras impostas pelo meio biofísico particularda Amazônia, tanto nos aldeamentos das missões

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religiosas como no projeto agrícola da CompanhiaGeral do Comércio do Grão Pará e Maranhão,atuaram determinando no sentido de impedir aconsolidação das comunidades agrícolas.

Outras análises merecem atenção paraexplicar essa impossibilidade. Analisando ofracasso do monocultivo do arroz nas várzeas doAmapá por colonos portugueses financiados pelaCompanhia, Marin (1999) relaciona comoprimeiro obstáculo para a atividade agrícola omercado e os preços oferecidos por ela para aprodução desse monocultivo. Esta relação dedomínio da Companhia sobre as famílias geravaelevados níveis de expropriação dos colonos,inviabilizando por completo as unidades deprodução de arroz. Com a saída da Companhia,as famílias de colonos trocam o monocultivo doarroz de várzea pelo policultivo nas terras firmesassociado ao extrativismo da castanha-do-pará.

Porém, tanto Costa (1992) como Marin(1999) concordam que como produto dessaspolíticas emerge, articuladas ou não à economiamercantil, um conjunto de unidades de produçãoisoladas ou no entorno das vilas5, que se mantêmdo extrativismo complementado pela prática deuma agricultura diversificada. Dessas unidadesde produção agroextrativistas iniciou-se oprocesso de formação do campesinatotipicamente amazônico: o campesinato caboclo(COSTA, 1992).

Esses sistemas se gestam pela agregaçãode algumas técnicas agrícolas do colonizadorportuguês, aliadas à experiência do índio e dosnegros no domínio das florestas e dos rios,gerando sistemas de produção que terão papelmuito importante no abastecimento local e degrandes cidades na Amazônia (FILOCREÃO,2002).

3.1 O EXTRATIVISMO COMO MATÉRIA-PRIMA PARA A INDÚSTRIA

Nas unidades de produção destecampesinato caboclo da Amazônia, os produtosdo extrativismo como a caça, o pescado, frutos eervas medicinais, continuaram importantes paraas famílias, tanto na forma de consumo diretocomo para venda. Na época do Brasil Império,outros produtos desse extrativismo,especialmente a madeira, já se apresentavaimportante como moeda de valor ou mesmo detroca por outros produtos necessários à família,e também para o estabelecimento de umcomércio vigoroso da Amazônia com o restantedo Brasil e mesmo com a Europa.

Nesta época alguns produtos agrícolascomo a farinha, o arroz, feijão e criações depequenos animais, também ganham importânciapara essas unidades de produção agroextrativistas

caboclas da Amazônia. Algumas cidades comoBelém e Manaus, que na época do Brasil Impériojá apresentavam um expressivo contingentepopulacional urbano, representavam locaisprivilegiados de comércio para a produçãoagroextrativista da Amazônia.

A comunicação entre a produção local dasunidades camponesas caboclas e o mercadoconsumidor dessas cidades se fazia por uma redede intermediação, onde os rios serviam para anavegação de barcos, transportando essasmercadorias. Portanto, na nova relação homem/natureza que se produziu com a formação docampesinato caboclo, originado do projeto dasmissões religiosas e da Companhia de Comérciodo Grão-Pará e Maranhão; a produção extrativistaconvivia harmoniosamente com a agrícola.

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Logo após a transformação do Brasil paraRepública, a manutenção de uma relaçãoharmônica entre as agriculturas com oextrativismo na Amazônia vai começar a se tornarproblemática. Com a oportunidade oferecida pelomercado internacional interessado em umproduto específico do extrativismo amazônico; aborracha natural, levas de migrantes,principalmente da Região Nordeste do Brasil, sedeslocam na direção da Amazônia em busca daexploração dessa riqueza natural da floresta. Noprimeiro período do ciclo da borracha (1889/1900), o crescimento populacional da RegiãoNorte foi de 46%, e de 107% no período seguinte(1900/1920), representando um aumento anualde 3,75% no período considerado (HOMMA,2001). Os locais preferenciais procurados por essapopulação de migrantes foram os altos rios deplanalto na Amazônia, pela ocorrência de umespécime de seringueira bem mais produtiva: aHevea brasiliensis.

Os autores fazem uma distinção entre osistema adotado na exploração das seringueiraspelas unidades de produção agroextrativistas naAmazônia e o sistema adotado pelos migrantes.No primeiro caso, a extração do látex a princípiose juntava ao conjunto da produção diversificada:parcelas de produção agrícola, das criações e da

extração de castanha e de outros produtos daflora, além da caça e da pesca; já para o segundo,o ambiente da floresta era explorado, unicamente,na extração dessa resina.

Com a perda das condições decompetitividade da borracha amazônica nomercado internacional de pneumáticos, quandoesses produtos passaram a ser ofertados peloscultivos de seringueiras do sudeste asiático, osimpactos foram diferenciados para os dois sistemasde extração da borracha. Nos sistemas das unidadesde produção agroextrativistas caboclas, a partir doencerramento do ciclo da borracha entre 1917-1920, eles continuaram com suas atividadesagrícolas aliadas, também, ao extrativismo.

Nos altos rios, os seringueiros também nãodesaparecem, do seu longo contato com afloresta eles aprenderam a retirar dela parte dosprodutos necessários a sua subsistência. Com acrise da borracha eles reassumem sua condiçãode produtores agrícolas, contudo, uma produçãoagrícola que se misturava com atividades decaçadores, pescadores, coletores de frutos eextratores de resinas, inclusive o próprio látex daseringueira, pois em algumas localidades daAmazônia essa atividade ainda persiste(ALLEGRETTI, 2002).

3.2 O EXTRATIVISMO SOB A PERSPECTIVA DO DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL: AS RESERVASEXTRATIVISTAS

Assim, diversas formas de extrativismopassam a existir na Amazônia, todas elascoexistindo com as agriculturas. Nos anos de1970 o Governo Federal executa uma série depolíticas dentro do Programa de IntegraçãoNacional (PIN), onde a construção de uma grandemalha viária na Amazônia, acelera a migraçãoque já vinha ocorrendo na direção da Região. Comas estradas, projetos de colonização dirigida egrandes empreendimentos agropecuários,

alteram por completo, nas localidades onde essasações aconteciam, a relação homem/naturezaque naturalmente se estabelecia, favorecendo aspráticas agrícolas em detrimento do extrativismo.

Na metade da década de 1980,movimentos ambientalistas nacionais einternacionais começam a denunciar a violentamodificação da natureza da Amazônia pelasqueimadas (FEARNSIDE, 1989). No final dessa

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década, tendo como argumento a conservaçãodo bioma amazônico através da prática doextrativismo, que historicamente foi a forma deuso e conservação desenvolvida por famílias quedependem dele para sua sobrevivência, foramcriadas as Reservas Extrativistas (RESEX’s).

As RESEX’s dentro do Sistema Nacional dasUnidades de Conservação da Natureza (SNUC),são classificadas como áreas protegidas de “usodireto”, ou seja, que se permite várias formas demanejo, desde que sejam sustentáveis. Portanto,diferem dos métodos tradicionais de proteção dafloresta por permitirem um acesso limitado dascomunidades locais aos recursos objetos deconservação. Nas RESEX’s há permissão do usocom a mínima perturbação desse meio(mantendo a floresta em pé), excetuando-se roçaspara a família a fim de complementar suasubsistência. Assim, as Reservas constituem umtipo de unidade de conservação com objetivoduplo: preservação ambiental e atendimento deuma demanda social local, destinada aexploração dos recursos naturais em sistemas(praticamente naturais) pelas populações que alimoram, de forma a manter sua conservação, ouseja, de modo sustentável, sem desmatamento.

Essas unidades de conservação surgiramdentro do Programa Nacional de Reforma Agrária(PNRA) com a denominação de AssentamentosExtrativistas (Portaria do INCRA n° 2, de 30 dejulho de 1987), passando mais tarde a fazer parteda Política Nacional de Meio Ambiente (PNMA),regulamentada através do Decreto n° 98.897 de30 de janeiro de 1990.

A definição oficial de reserva extrativistarefere-se como sendo uma área destinada àexploração auto-sustentável e à conservação dosrecursos naturais renováveis pelas populaçõestradicionais. Essas reservas fazem parte do SNUC,onde esclarece que:

As reservas extrativistas são espaços

territoriais considerados de interesse

ecológico e social as áreas que possuam

características naturais ou exemplares da

biota que possibilitam a sua exploração

auto-sustentável, sem prejuízo da

conservação ambiental (BRASIL. Decreto Lei

nº 98.897 de 30.01.1990, art. 2º, Parágrafo

Único).

Nas RESEX’s a propriedade da terra é doEstado, mas com o seu uso garantido pelascomunidades ali residentes segundo formastradicionais. Assim, a terra não pode ser objetode venda nem utilizada para fins não florestais,exceto para culturas de subsistência, em áreadelimitada pelo Plano de Uso (PU) da RESEX. Asreservas extrativistas abrangem áreas florestaisutilizadas tradicionalmente por seringueiros,coletores de castanha e outras populaçõestradicionais.

Do total dos 24,6 milhões de hectaresáreas protegidas no Brasil, pouco mais de 4,5%do território até o ano de 1991, três milhões dehectares se constituíam por aquelas ocupadaspor quatorze reservas extrativistas,beneficiando 9.174 famílias (IBAMA, 1992).Portanto, as RESEX´s representam um poucomais de 10% desse total de áreas protegidas(LIMA, 1997).

As reservas extrativistas representam umadas conquistas dos movimentos sociais e dascomunidades locais da Amazônia. Essa conquistateve como protagonista o movimento dosseringueiros do Estado do Acre, uma luta iniciadano ano de 1985, cujo marco foi o assassinato deChico Mendes as vésperas do Natal de 1988, quedeterminou a criação das duas primeiras reservasextrativistas na Amazônia no ano de 1989, einfluenciou politicamente na criação de todas asoutras (LIMA, 1997).

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O movimento social dos seringueiros doEstado do Acre, de origem sindical, porém comatuação múltipla, graças a essa visão de sualiderança maior (Chico Mendes), mobilizou-seem torno da ação direta contra osdesmatamentos, da crítica à destruição dosrecursos naturais e da proposição de alternativasque combinassem distribuição da terra, equidadesocial e valorização da floresta.

Os desmatamentos desta época naAmazônia, já vinham sendo objetos de críticasde entidades ambientalistas internacionais,principalmente norte-americanas, formadas porcientistas e cidadãos desse país, que estruturaramuma campanha em defesa das florestas tropicaisameaçadas pelos desmatamentos.

O principal argumento utilizado nestacampanha era de que a destruição estava sendofinanciada pelo dinheiro dos contribuintes dospaíses ricos, por meio do apoio financeiro que seusgovernos davam aos bancos multilaterais dedesenvolvimento como o Banco Mundial,considerado agente implementador de políticas quenão respeitavam o meio ambiente. Alertavam tantopara o impacto ambiental destes projetos como,também, para a dizimação de populações indígenasque habitavam as áreas onde estavam sendoalocados os financiamentos (ALLEGRETTI, 2002).

Embora tivessem conseguido conquistar aadesão da opinião pública, de cientistas e depolíticos, especialmente nos Estados Unidos,faltava aos movimentos ambientalistasinternacionais a inserção política no interior dospaíses onde os projetos questionados estavamsendo implantados. Naquele momento, osmovimentos ambientalistas nos países emdesenvolvimento, com os quais pudessem fazeralianças, ainda eram incipientes. E as populaçõeslocais afetadas pelos projetos não estavamorganizadas e, em conseqüência, não tinhampoder de influência sobre as políticas públicas,

especialmente porque regimes militares, ainda,predominavam na América Latina, onde osprojetos de desenvolvimento estavam sendoimplantados.

A emergência dos seringueiros defendendoa manutenção da floresta como meio de vida e detrabalho6, cujos membros arriscavam a própria vidaem embates com forças econômicas sustentadaspelo poder político nacional, foi um dadointeiramente novo na história dos movimentos dasociedade civil brasileira do século XX. Para osambientalistas internacionais significava aexistência de uma base social e para os seringueirosa eficácia de um grupo de pressão, ambos voltadosao mesmo objetivo: a defesa da floresta.

Entretanto, a luta dos seringueiros para serexitosa precisava de uma conexão entre duasrealidades, o seringal e os movimentosambientalistas, e entre atores sociais distintos quenão se conheciam. A eficácia dessa articulaçãoentre fatores internos e externos à realidadeurbana e rural da Amazônia dependia de um eloentre ambos, que foi dado pela liderança de ChicoMendes, “o tradutor e articulador da ligação entreas duas realidades” (ALLEGRETTI, 2002, p. 740).

Contudo, diz a autora:

A floresta que ambos defendiam, não era,

inicialmente, a mesma [...]. A defesa que o

movimento ambientalista internacional

fazia das florestas tropicais não envolvia

questões sociais7 [...]. Para eles, quanto

menor a ocupação na floresta mais eficiente

seria sua proteção [...]. Por outro lado, a

defesa que o movimento dos seringueiros

fazia da floresta não envolvia questões

ambientais [...]. Para eles, a seringueira e a

castanheira eram importantes porque

nasceram e criaram seus filhos vivendo da

venda dos produtos destas árvores

(ALLEGRETTI, 2002, p. 735).

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O objetivo comum construído, a defesa dasflorestas tropicais para as comunidadestradicionais que delas dependem para sobreviver,relacionou, pela primeira vez na história, aproteção do meio ambiente às mudanças nosistema de distribuição de terras e de riquezas edeu à questão ambiental um nível de inserçãosocial que nunca estivera antes presente emnenhum outro país do mundo (ALLEGRETI, 2002).

Para a construção desse objetivo comumfoi decisiva a emergência de um fator até entãoinexistente como relevante à proteção dasflorestas tropicais e ao clima do planeta, oreconhecimento do papel da participação decomunidades locais na gestão dos recursosnaturais, destacando-se, também, a importânciada preservação e manutenção das reservas e áreasnaturais, não mais relacionada aos aspectos

humanos da preservação, mas aos possíveisvalores econômicos dessa biodiversidade e doequilíbrio global. Por conta disso, as políticasagrícolas dos anos 1990, vieram profundamentematizadas pela questão ambiental, obrigando oEstado Brasileiro a inserir esses novoscomponentes em sua agenda de desenvolvimento(ALLEGRETI, 2002).

Por outro lado, as políticas ambientais, eprincipalmente a eficiência da RESEX enquantoespaço de desenvolvimento socioambiental temdespertado o interesse de vários estudiosos. Saberse as RESEX’s estão desempenhando suasfunções é peça fundamental para não só apoiaras iniciativas do governo, como buscar caminhospossíveis de desenvolvimento compatíveis coma realidade e com os interesses que circundam aAmazônia.

4 A SOCIOECOLOGIA DOS SISTEMAS AGRÁRIOS COM CASTANHA NA AMAZÔNIA

A extração de castanha é uma atividadeimportante para muitas comunidades locais daAmazônia brasileira, boliviana e peruana. Essasatividades se mantêm mais ou menos fiéis aoseu modelo original de extração, iniciado com a“descoberta” e descrição botânica da castanhano ano de 1807 (ZUIDEMA, 2000).

Esse autor ressalta a importânciasocioeconômica da castanha no norte da Bolívia,que com a inviabilização da produção deborracha nativa, a partir do ano de 1980, passoua ocupar esse espaço. No ano de 1998, essaprodução, isoladamente, representou mais de60% do total das exportações desta região(ZUIDEMA, 2000)

Na Amazônia brasileira a importânciasocioeconômica da extração da castanha seapresenta de forma diferenciada entre as regiõesde sua ocorrência. Na região sudeste do Estado

do Pará, os castanhais eram domínios defazendeiros e foram, na sua grande maioria,substituídos pelas agriculturas, especialmentepelas pastagens para criação de gado bovino. Emum processo que se inicia na década de 1920, deforma “espontânea”, determinada pelocrescimento demográfico interno dascomunidades locais, e se acelera com asmigrações induzidas, principalmente, pelofinanciamento aos grandes projetosagropecuários da década de 1980 (HOMMA etal., 2000).

Destarte esse significativo crescimentodemográfico ter, também, ocorrido na região dovale do rio Jari, a grande maioria dos castanhaisnativos presentes nesta região está preservada.A continuidade do estado geral dessapreservação vai depender da mediação entre aspolíticas públicas conservacionistas, e aquelasvoltadas ao apoio à produção agropecuária, em

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especial a abertura de ramais e estradas. Pois aampliação dessa infra-estrutura representa amais séria ameaça a integridade dos castanhaisda região. Ao longo de ramais e rodovias sãoespaços preferenciais para desenvolveratividades agrícolas e o fogo usado na aberturadas áreas, quando descontrolado, invade e destróias castanheiras.

As florestas do vale do rio Jari têm sidoutilizadas como fonte de sobrevivência de seushabitantes humanos, mesmo antes da presençados colonizadores europeus. Nos últimos 120anos, o uso dessas florestas se converteu em umaexploração comercial em grande escala,inicialmente a seringueira e, até a época atual,da castanha. Mesmo com a exploração comercialda castanha por mais de um século nesta região,não se observa redução em seus estoques, comoocorreu em outras localidades da Amazônia, fatoque, na perspectiva que estabelecemos nestetrabalho, além de fato histórico, deve-se àconstrução de um aprendizado de uso econômicodo espaço agrário baseado na preservação.

A produção de castanha se realiza noperíodo das chuvas, que na região se estende dejaneiro a junho, quando os ouriços caem da copada castanheira para o solo. Esses frutos deconsistência lenhosa, pesando entre 500 e 1500g,se mantêm por um certo tempo preso à árvore.As famílias coletam os frutos caídos e, com aajuda de uma machadinha, quebram os ouriçose retiram as amêndoas de seu interior.

As amêndoas são levadas no paneiro oubasqueta plástica, do paiol até a beira de um rioou igarapé, para se fazer a lavagem do produto,depois transportados em paneiros até um localde armazenamento provisório na floresta (paióis),onde perdem o excesso de umidade, para seremembalados em sacos de polipropileno e, assim,transportados para venda. Esses paióis sãoconstruídos, estrategicamente, no interior da

colocação de castanha, e para sua construção ocastanheiro utiliza-se de madeira roliça, cipós epalhas retirados da floresta.

A densidade das castanheiras noscastanhais da região é muito variável. Podemosencontrar castanhais com densidade abaixo deum espécime por hectare como outros com maisde 10 castanheiras por hectare. A densidade éestabelecida pela natureza. É um roedor, a cotia,que usa a castanha na sua alimentação, quemrealiza a dispersão. O animal faz a abertura doouriço da castanha com os dentes para retirar asamêndoas de seu interior, na finalidade de usá-la como alimentação.

Ela, também, enterra algumas amêndoasa uns poucos centímetros no solo, com issoalgumas sofrem predação por outros animais eoutras germinam e dão origem a uma novaplanta. Se aliada a dispersão natural feita pelacotia, as famílias também plantassemcastanheiras, poderia ser um fator positivo paraa manutenção ou mesmo ampliação da estruturapopulacional dos castanhais, muito embora essarecomendação fique, apenas, no campoespeculativo (ZUIDEMA, 2000).

A frutificação da castanheira ocorre commais de 12 meses após a floração. Isto implicadizer que floração e frutificação estão presentesao mesmo tempo. No trabalho conduzido pelapesquisa no ano de 2005, verificou-se um númeromuito variável de ouriços (fruto da castanheira)produzido por planta. Para uma média de 120frutos encontrou-se produção de 20 e outras demais de 500 frutos por castanheira. O tamanhodas amêndoas de castanha nos castanhais daregião variam de médio a pequena, e para encheruma lata de 25 litros de volume com as pevidesde castanha, necessitam de 53 ouriços.

A produção de uma castanheira varia deano para ano, muitos fatores atuam produzindo

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No vale do Jari na época da crise daborracha quatro categorias sociais seapresentavam: os índios (Waiãpís e Aparais); osribeirinhos (mestiços originários do projetocolonizador das missões religiosas); ostrabalhadores extrativistas (seringueiros,balateiros, que vieram do Nordeste do Brasil nofinal do século XIX); e os comerciantes debarranco (LINS, 1991).

Os indígenas exploravam o ecossistemadas terras inundáveis (as várzeas altas), que naregião são chamadas de restingas. Faziam,anualmente, o plantio de pequenos “roçados”coletivos e consorciados: banana grande, inajá,milho, cana-flexa8, pimenta e jerimum,utilizando instrumentos agrícolas feitos depedra, como também usavam a pedra paraatritar e produzir o fogo no preparo da área paraimplantação do roçado. Eles penetravam nasflorestas densas de terra firme utilizando o cursodos rios. Os Aparaís se deslocavam desde o rioJari até o Maicurú, em Monte Alegre no Estadodo Pará, quase sempre em procura de novosterritórios de caça. Eram caçadores hábeis,sabiam reconhecer a presença e a que distância

se encontrava a caça, bem como dominavamtécnicas eficientes de caçada (LINS, 1997).

Os ribeirinhos moravam isoladamente nabeira de um grande rio. Eles herdaram muito daspráticas indígenas na implantação deagroecossistemas nas várzeas altas. Diferiamdestes no uso de equipamentos de ferro para opreparo da área, que lhes permitia fazer a derrubade árvores de maior porte. No verão (período quena região vai de julho a dezembro) o chefe dafamília e os filhos mais velhos deslocavam-se paraas restingas onde faziam a coleta de látex daseringueira que transformavam em bolõesdefumados de borracha. Neste período, elespenetravam na terra firme para colocarem umroçado de mandioca para produção de farinha(LINS, 1991).

Eles escolhiam os melhores solos e acolocação do roçado se fazia sempre próximo aum rio ou igarapé, para possibilitar o escoamentoda produção. No preparo da área empregavamas mesmas práticas usadas na várzea, porém astécnicas de cultivo na terra firme eram diferentes:o plantio da mandioca, do milho, da batata-doce,

essa variação: a) o tamanho da árvore; b) aposição da copa da árvore; c) as infestações decipós; d) a variação temporal inerente; e) osfatores climáticos; f) os fatores genéticos; g) ascondições do solo; h) as interações com ospolinizadores; i) as interações com avespredadoras de frutos verdes. O tamanho dacastanheira, medido pelo diâmetro da árvore aaltura do peito (DAP) e a área de projeção dacopa no solo, a posição da copa e a presença decipós, parecem ser os fatores mais influentessobre a produção de frutos da castanheira(ZUIDEMA, 2000).

Estudos efetuados por esse autor indicamque mais de 98% das plantas produtivas decastanheira se apresentavam com DAP acima de40cm, e essa produção era maior quanto maiora projeção da copa sobre o solo, muito emboraas correlações estatísticas não associassem,diretamente, uma maior produção à performancedecorrente, exclusivamente, a esses indicadores.Nesses mesmos estudos, a posição da copa nodossel, não teve maior influência, bem como apresença de cipós, salvo quando esses envolviamuma parte significativa da copa da árvore(ZUIDEMA, 2000).

5 A (TRANS)FORMAÇÃO SOCIOECOLÓGICA DOS SISTEMAS AGRÁRIOS EXTRATIVISTASNO VALE DO RIO JARI

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do cará e da banana, acontecia nas primeiraschuvas (dezembro); e após a colheita se fazia umsegundo e/ou um terceiro ciclo de cultivo. (LINS,1991).

Os trabalhadores extrativistas vieram paraa região se aventurarem na “xiringa”9, ou melhor,na esperança de ganharem dinheiro ou mesmoenriquecerem com a borracha. Eles trabalhavamaviados por um comerciante de barranco (quasesempre um gerente ou pessoa de confiança deum “barão”), trabalhavam em pequenos gruposnos seringais do patrão e, dependendo danecessidade, adentravam nas “terras livres” (namaioria das vezes ocupadas por índios). Nessasentradas no interior da floresta mantinhamconstantes relacionamentos com as comunidadesindígenas, e foram aprendendo com elas ashabilidades de caça, pesca e incorporandoalgumas de suas práticas agrícolas. Passavamtodo o verão “cortando seringueiras”, para,então, esperar o inverno e as cheias dos rios, e

assim transportarem os bolões paracomercializarem com os patrões. Após a venda,eles aproveitavam o tempo do inverno e ficavamcom suas famílias, ou para viajar, aqueles quenão tinham ou não trouxeram a família (LINS,1997).

Os “patrões” moravam na sede de umafilial onde trabalhavam como gerentes dosproprietários dessas terras (a maioria depropriedade do Barão de Gurupá), ou mesmocomo proprietários, uma condição adquiridadurante um longo tempo trabalhando comogerente. Eles mantinham um comércio deprodutos do extrativismo na barranca de um rio,que se materializava pelo aviamento dostrabalhadores extrativistas e dos ribeirinhos.Alguns deles aplicavam o lucro desse comércioem uma agricultura de monocultivo (cana-de-açúcar, em especial), e, principalmente napecuária bovina extensiva nas áreas inundáveis(LINS, 1997).

5.1 A FASE DO EMPRESÁRIO EXTRATIVISTA

Com a crise da borracha, barcos e outrasinfra-estruturas pertencentes a vários comercianteslocais do vale do Jari, são compradas por um outrocomerciante local José Júlio de Andrade, o Sr. “ZéJúlio”. Esse comerciante faz algumas alterações nosistema de aviamento original da borracha paraser utilizado no extrativismo da castanha. Aestratégia é a de fazer o desenvolvimentoeconômico no local onde a produção acontece. Odesenvolvimento se fazia pelo reinvestimento nolocal, de toda a lucratividade obtida com oextrativismo. Com essa estratégia assegurou odomínio sobre os produtos do extrativismo naregião por mais de quatro décadas. Durante esseperíodo, o vale do Jari, diferentemente de outraslocalidades da Amazônia, apresentava taxaspositivas de crescimento demográfico e decrescimento econômico:

Arumanduba possuía armazéns cheios de

secos e fazendas, fábricas de roupas,

farmácia, depósitos abarrotados de

produtos regionais, filas de casas de

madeira bem construídas, cinema, água

encanada, luz elétrica, pequeno hospital,

telefone, estação de radiofonia, telégrafo,

estaleiro, fábrica de beneficiamento de

castanha [...] (LINS, 1997, p. 31).

Para Filocreão (1992), o crescimentoeconômico desta localidade proporcionado pelaempresa extrativista, fazia parte de umaestratégia de enriquecimento do empresário,pois o produto desse crescimento não setraduzia em melhoramento nas condições devida dos seus trabalhadores e comunidadeslocais.

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No ano de 1948, Zé Júlio vende suas terras,benfeitorias, embarcações e fábrica debeneficiamento da castanha, para um grupo decinco empresários portugueses. Neste período, aelevação do Amapá à condição de TerritórioFederal e o projeto de extração de bauxita naSerra do Navio pela Indústria e Comércio daMineração do Amapá (ICOMI), no início dadécada de 50, produziram um grande crescimentodemográfico nas duas maiores cidades do Amapá:Macapá e Santana. Crescimento esse que ampliao consumo de produtos agrícolas e cria ummercado para a produção local.

Os “portugueses” como ficaramconhecidos pelas comunidades locais do vale doJari, mantiveram o comércio e a estrutura doextrativismo da fase Zé Júlio, mas no seuempreendimento dedicaram maiores esforços nofomento à produção agrícola que, indiretamente,produziram mudanças nos sistemas de produçãodas comunidades locais da região. Havia áreasde cultivo agrícola da empresa e áreas de outrosprodutores. Eles recebiam orientação, insumos etinham o direito à logística da empresa. Umaforma embrionária dos modernos sistemas deintegração do agronegócio brasileiro.

Essa mudança de fato vinha se operandona fase anterior, onde os trabalhadores aviadosde Zé Júlio já dedicavam um tempo para aagricultura10, a fim de diminuir os gastos com amanutenção da família. O que não era combatido,ao contrário, para algumas famílias de

trabalhadores aviados, inclusive, era estimuladapelo empresário.

Na chegada dos portugueses, as atividadesagrícolas já eram praticadas pelas famílias, o quefacilita a adoção das suas técnicas de produçãoagrícola pelas comunidades locais. A estratégiausada foi a de conviver diretamente com ascomunidades locais. Um de seus dirigentes foimorar na localidade de Água Branca do Cajari, enesta condição “fez passar” as inovações queinteressavam a empresa (LINS, 1997).

Na época dos portugueses, o crescimentoda população urbana no Pará e mesmo no Amapá,fez surgir um mercado à produção agrícola daregião, e, mesmo que o extrativismo da castanhacontinuasse a comandar a vida das pessoas, osprodutos agrícolas passaram a ter valor, e emvários casos, como a farinha de mandioca, comrentabilidade superior a da castanha.

Assim, os portugueses “liberam” seustrabalhadores extrativistas para se dedicarem àagricultura nos locais de terra firme com boasqualidades de solos para a agricultura e fracosem recursos do extrativismo, a exemplo dealgumas localidades como Água Branca do Cajari.Em realidade esses trabalhadores tinham tradiçãona agricultura por suas origens de agricultoresno Nordeste, e a estratégia real seria usá-los comoprodutor/multiplicador junto a uma populaçãoonde a agricultura já germinava. Uma forma defazê-la prosperar. No relacionamento desses

Na época do empresário José Júlio deAndrade, por coerção, todas as forças produtivasse focavam no extrativismo da castanha, umaatividade que passa a representar a base dasobrevivência das famílias, e o seu mercantilismoresponde pela acumulação de riquezas do

empresário extrativista (FILOCREÃO, 1992). Afalta de mercado faz com que a produção agrícolaassuma a forma de uma economia deautoconsumo. O comércio e a dinâmica dacomunidade local acontece pelo extrativismo dacastanha.

5.2 A FASE DA EMPRESA EXTRATIVISTA

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A possibilidade que se apresentava paraas comunidades locais do vale do Jari pelaproximidade com o mercado de Macapá eSantana e os preços satisfatórios, que essemercado oferecia aos produtos agrícolas locais,fez com que a maioria das famílias deixasse devender suas produções aos portugueses. Alémdisso, várias famílias de agricultores e pecuaristascomeçam a se instalar em terras que osportugueses diziam lhes pertencer. Estas famíliasnão aceitavam organizar e comercializar suaprodução com a empresa dos portugueses.Finalmente, na questão dos produtos doextrativismo, a entrada na região de compradoresde castanha do grupo Mutran, oferecendocondições e preço mais atrativos, representouuma concorrência que os portugueses nãosouberam administrar.

Todos esses fatos levaram os portuguesesa venderem seu empreendimento no ano de 1967e o comprador foi o empresário norte-americanoDaniel Ludwig, compra intermediada por Antunes,um empresário português, dirigente da ICOMI,convencendo-o que o vale do Jari era o local idealde acomodar a intenção do empresário, deimplantar um grande projeto de produçãoagrosilvipastoril no trópico úmido (LINS, 1997).

O objetivo do empresário americano ao seinstalar no vale do Jari, não incluía ações para amanutenção das forças produtivas locais noextrativismo da castanha, como assim o fizeram

José Júlio e os portugueses. Este empresário tinhapor objetivo a produção agrícola e florestal emlarga escala, para atender a demanda dasgrandes cidades brasileiras e mundiais, mercadoscom disposição a pagar um preço satisfatóriopelos produtos a serem produzidos noempreendimento. Além disso, com a instalaçãodo projeto de Ludwig, amplia-se o mercadoconsumidor local para produtos agrícolas, e oimpacto nas comunidades locais foi que asagriculturas se tornaram, ainda, maisimportantes, muito embora o extrativismo dacastanha tenha permanecido.

Na época do verão a principal atividadeeconômica nas comunidades locais era a extraçãodo látex da seringueira e a sua transformaçãoem borracha. Entretanto, com a oferta de umgrande número de empregos pelo Projeto Jaridurante sua fase inicial, houve a troca dessaatividade, principalmente por parte dos homensjovens das comunidades locais, pelo trabalhoassalariado no projeto. Esta troca eles entendiamcomo uma “temporada”, pois retornavam parasuas comunidades e famílias no momento dasafra da castanha (no inverno). Atividade estaque não renunciavam, pois para eles era maisrentável quando comparada ao salário comotrabalhadores da Jari (SOUSA, 1982).

O trabalho assalariado na Jari, além degarantir a subsistência desses trabalhadores,ajudava também na implantação de roçados,

novos atores com as populações locais, elesinfluenciam as mudanças nos sistemas, até então,eminentemente extrativistas dessas populaçõese, também, recebem influência.

Assim, esta fase foi caracterizada peloaparecimento das atividades agrícolas aliadas

ao extrativismo. Podemos ressaltar que essaprodução agrícola tinha na farinha de mandiocao seu principal produto, o que denota aestratégia agrícola para atender os interesseslocais, pois a este produto era o principalcomponente da dieta alimentar das famílias(LINS, 1997).

5.3 A FASE DA GRANDE EMPRESA AGROPECUÁRIA

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pela contratação de mão-de-obra de vizinhos eparentes. Esses roçados ocupavam áreasmaiores do que as normalmente eles faziam. Amanutenção da propriedade da terra pelaabertura da floresta foi uma decisãoinfluenciada pelo projeto Jari (que derrubava afloresta para plantios florestais homogêneos eoutros cultivos, inclusive pastagens), somadasao desaparecimento dos compradorestradicionais de borracha e mesmo da castanha(SOUSA, 1982).

Portanto, a lógica de decisão para essasmudanças teve esses dois fundamentos, e cadavez mais as comunidades locais incrementaramsuas produções agrícolas. Com a diminuição daoferta de empregos no projeto Jari e a falta decompradores para a produção de borracha ecastanha, as famílias das localidades buscaram,cada vez mais, nas atividades agrícolas, a formade garantirem sua subsistência e ocupação desua mão-de-obra disponível (SOUSA, 1982).

A redução de empregos no Projeto Jaritambém, impele o avanço das atividadesagrícolas no vale, por outros atores, diferentesdos pertencentes às comunidades locais. Ostrabalhadores dispensados, na sua maioria, eramagricultores em seus locais de origem, e, sem otrabalho, se voltam para áreas no entorno doprojeto, assumindo suas condições originais. Alémdesses, outros atores, principalmentecomerciantes e profissionais liberais, que seinstalaram na região pela influência do projetoJari, começam a aplicar seus rendimentos nacompra de terras (algumas posses) paraimplementarem atividades ligadas à pecuáriabovina (SOUSA, 1982).

A construção da BR 156, pelo GovernoEstadual do Amapá e com recursos do GovernoFederal, no ano de 1986, uma estrada de chão,ligando a região do Cajari à cidade de Macapá,bem como a disponibilidade de linhas de

financiamento oficial para processos de produçãoagropecuários tradicionais11, tornou concreta aconsolidação da agricultura pelas comunidadeslocais da região.

A implantação do projeto Jari marca no suldo Amapá, a forma de intervenção do Estadocomo modelo de desenvolvimento para aAmazônia. Foi neste grande projeto que asfamílias buscaram ocupação aos seus membrosativos na época do verão, uma necessidade quese apresentava, pois as produções extrativas deborracha, que as ocupavam no verão, nãoconseguiam mais ser remunerativa pela falta depreço deste produto.

Com a consolidação do projeto Jariacontece a demissão de trabalhadores que, paragarantirem sua sobrevivência, passaram a ocuparas “terras livres” do sul do Amapá, o que produzuma rápida mudança no ecossistema natural daregião. O acesso ao mercado consumidor deMacapá por rodovia amplia as vantagens dosprodutos agrícolas sobre o extrativismo dacastanha, e levam as comunidades locais do suldo Amapá ao aperfeiçoamento da produçãoagrícola, que cada vez mais se faz necessária,cuja finalidade, inicialmente, era voltada aoconsumo direto da família, mas que com o tempo,e para algumas delas, veio a tornar-se a atividadeeconômica de maior importância.

A resposta dos castanheiros do sul Amapáa essas ameaças foi a formação de alianças comOrganizações Não Governamentais (ONG’s)ambientalistas, nacionais e internacionais, queresultou na criação da RESEX/CA em 1990.Todavia, a luta que eles empreenderam era poruma reforma agrária para os castanheiros daregião, e não pela preservação stritu sensu dascastanheiras. Uma reforma agrária querespeitasse os recursos naturais consideradosimportantes, mas não um retorno ao modo devida estritamente extrativista.

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As comunidades locais da RESEX/CApossuem uma relação histórica marcada peloextrativismo da castanha. Nos diferentesprocessos de ocupação desta área, desde 1890,sob a propriedade do Sr. José Júlio, passando pelodomínio dos portugueses e do projeto Jari, até afase atual de reserva extrativista, a extração dacastanha sempre foi a atividade geradora derenda monetária para as famílias desta região.Outros produtos do extrativismo possuemimportância, mas são explorados para o consumoda família, como é o caso da caça, do açaí, dabacaba, do uxí, do piqui e de alguns óleosfarmacológicos como a andiroba e a copaíba,muito embora, com exceção da caça, essesprodutos, também, são extraídos para venda.Portanto, mesmo que esses produtos não seconstituam em estratégia de troca ou venda parao mercado, nem por isso deixam de ser menosimportantes que a castanha. Eles desempenham

funções diferenciadas e cruciais para amanutenção da família.

As famílias desenvolvem atividadesagrícolas plantando roças anuais para consumoe venda, com destaque para a mandioca. Outrasculturas são cultivadas, com maior ou menorfreqüência, como a banana, batata, cará e ojerimum. No domínio das criações, vamosencontrar galinhas caipiras, patos, poucos suínose ausência completa de bovinos. No domínio doextrativismo, a castanha é o carro chefe.

Baseando-se nestas atividades, naspráticas e nos projetos familiares, identificamosquatro tipos de sistemas de produção nascomunidades locais da RESEX/CA. Estes possuemem comum a extração de castanha e outrosprodutos do extrativismo, aliada com atividadesagrícolas e estão divididos em quatro tipos.

Assim, mesmo reconhecendo que foi apartir dessa necessidade imediata, consegue-sea adesão dos castanheiros, a médio/longo prazo,o Conselho Nacional dos Seringueiros (CNS) noAmapá, pensa desenvolver o capital socialnecessário para incutir entre os castanheiros, aquestão da necessária conservação da

biodiversidade local. E, comprovar que: aconservação desse recurso natural (a castanha),mediante sua exploração sustentada, éeconomicamente superior a sua substituição porqualquer tipo de agricultura ou pecuária.(Depoimento de Pedro Ramos, líder extrativistalocal, no ano de 2005).

6 OS SISTEMAS DE PRODUÇÃO PRATICADOS NA RESERVA EXTRATIVISTA DO RIO CAJARINO ESTADO DO AMAPÁ (RESEX/CA)

6.1 O TIPO EXTRATIVISTA

O extrativismo da castanha é a atividadeque caracteriza as famílias classificadas nessetipo, a renda produtiva torna-se única eexclusivamente oriunda da produção doscastanhais nativos. Todos os anos realizam aextração da castanha e comercializam a produçãocom os compradores locais ou diretamente com

aqueles localizados no Laranjal (que por sua veztrabalham para um usineiro de castanha,principalmente do grupo Mutram). Toda aprodução é destinada ao mesmo comprador,depois de anos. Esta relação com o grupo Mutramse estabeleceu na década de 1960 e perdura atéos dias atuais.

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As famílias agrupadas neste pólo possuemuma colocação com área em média de 214hectares, para uma produção média anual de 190hectolitros de castanha. Nele estão agrupadasas dos moradores mais antigos da região, amaioria natural do Estado do Amapá. Sempreviveram na região e sempre executaramatividades extrativistas. São descendentes defamílias remanescentes da época da empresaextrativista, portanto, com tradição extrativista,pois seus ascendentes eram trabalhadoresaviados de Zé Júlio, antigo proprietário da áreada reserva extrativista.

Nas famílias deste grupo o chefe possuiem média 48 anos de idade, portanto, ainda sãotrabalhadores ativos. Há pouca presença decrianças em idade escolar e/ou freqüentando aescola e já inicia o processo de sucessão, com osfilhos criando suas próprias famílias. Outracaracterística é o fato de alguns membros jovenstrabalharem fora da propriedade, quase sempreexecutando atividades não agrícolas. Contudo,na safra da castanha eles voltam para se juntaremao trabalho, retornando aos seus empregos logoque a safra se encerra.

As famílias em média são compostas decinco pessoas, sendo que três delas participamdas atividades de produção de castanha. A partirdessa disponibilidade de mão-de-obra é queacontece o planejamento das atividades. Para amaioria, o número de Unidades de Trabalho(UTF’s) disponível no seio da família é suficientepara a realização de todas as atividadesenvolvidas na produção de castanha, mesmo queestas aconteçam de forma concentrada.

A busca de mão-de-obra fora do grupofamiliar é uma prática restrita a um pequenonúmero de famílias deste tipo. Poucasnecessitam buscá-las para complementar a quetem disponível. Problemas de doenças ou outrosfatos graves, que obriguem o afastamento

temporário de um ou outro membro atuam,também, nesse sentido. As relações decompadrio e outras simétricas são utilizadaspara obtenção dessa mão-de-obracomplementar ou extraordinária.

É muito comum em uma família, quandoconclui a extração de sua ponta de castanha12,um ou mais membros dela ir trabalhar com umaoutra que, ainda, não concluiu tal tarefa. Essaida é feita através de acordos verbais e a relaçãode trabalho é como meeiros. O valor da meia édefinido de acordo com o preço da castanha nomercado, embora seja pago em produto e nãoem espécie. Se tiver alto, a percentagem é menor,30% da produção da colheita, se tiver baixo, podechegar a 50% da colheita.

Para as famílias desse grupo, o potencialde produção da ponta de castanha é quecomanda a sucessão. É direcionada para um oumais membros da família, mas não a todos, deacordo com as possibilidades de repartição daárea de castanha, e a divisão é feita de modo acompatibilizar a produção das áreas doscastanhais com a manutenção da família,evitando que seja inferior a 70 barricas/ano, poisinviabilizaria esta manutenção. Quando a pontade castanha não pode ser mais fracionada, ficacom o herdeiro, aquele que tem mais afinidadecom a atividade do extrativismo.

O processo sucessório acontece de trêsformas: na primeira não se faz a divisão dacolocação e na sucessão, o comando e acoordenação da produção da castanha ficam comum filho (a), que naturalmente se coloca nestaposição. É ele (a) que fica com a lucratividade dacolocação e divide ou não esse produto entre osdemais membros da família. Ele (a) tem, também,a responsabilidade de complementar amanutenção dos pais até o falecimento. Nestatarefa, é ajudado pela aposentadoria que os paisrecebem.

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A segunda forma se faz pela divisão dacolocação entre os filhos e filhas, quase sempredevido a casamentos ou uniões estáveis. Nestecaso, é comum ficar com os pais a parte dacolocação com a ponta de castanha maisprodutiva. Na época da safra, um ou mais dessesfilhos vêm e ajudam o pai na extração dacastanha. O produto desse trabalho pode ficarcom o pai, que ao seu critério distribui entre eles,ou pode ficar com os filhos, que dão uma parteao pai. Com o falecimento do pai essa parte dacolocação é dividida entre os filhos que oajudavam.

Para as famílias agrupadas nesse tipo asatividades de agricultura e de criação sãocomplementares e voltadas inteiramente aoconsumo familiar. Os cultivos se constituembasicamente pelos roçados que ocupavam umaárea média de duas tarefas13 no ano de 2005.Eles são colocados em áreas de capoeiras antigas(com mais de 20 anos). Algumas famílias destegrupo possuem, além da área da colocação decastanha, uma outra que não possui esse recurso,e que eles chamam de área para agriculturas.

As atividades agrícolas priorizadas são oplantio da roça e a produção de farinha. Poucasdelas buscam mão-de-obra fora do grupo familiarpara o plantio da área do roçado. Somente emcaso de doença ou outro fato grave leva umafamília a adotar tal procedimento. As relaçõesde compadrio e outras simétricas são, também,utilizadas para obtenção dessa mão-de-obracomplementar ou extraordinária. A diferença éque a relação estabelecida é o compromisso deretribuir o dia trabalhado, quando este precisar.

A produção da farinha é feita uma vez pormês e a quantidade produzida em umafarinhada14 deve atender as necessidades deconsumo familiar durante, pelo menos, um mês.

Nas atividades de produção,principalmente no período de junho a dezembro,quando além da farinha para consumo, também,fabricam para troca ou venda, é comum umnúmero maior de famílias do tipo extrativistarecorrerem às relações já descritas, para obterema mão-de-obra necessária. Neste sentido, afarinha advém do trabalho na meia com famíliascom tradição e recursos para a produção. Estameia, diferentemente da castanha, é semprefixada em 50% da produção. O meeiro seresponsabiliza por todas as etapas noprocessamento, incluindo a colheita.

Os roçados ocupam sempre áreas decapoeiras, entretanto na falta destas é que fazemuso de uma área de floresta, contudo, afastadossuficientemente das castanheiras. O espaço dosroçados é utilizado em um, dois ou no máximotrês ciclos consecutivos de cultivos combinadosde mandioca, macaxeira, cará e batata doce, paraentão se deixar à área em um longo pousio, nuncainferior a 20 anos. O destino da produção doroçado é o consumo familiar, muito embora umexcedente, quando existe, é trocado por outroproduto ou por uma diária de trabalho,principalmente para o preparo da área do roçadoou de uma capina.

É comum, quando da implantação daprimeira roça e após a sua colheita, se reservarum pequeno espaço, quase sempre localizado noentorno da casa de moradia ou da casa defarinha, e se começar a implantação do sítio.Neste espaço, plantam-se várias espécies perenes,principalmente fruteiras, sem que hajapreocupação quanto ao material de plantio oude uma rigidez de espaçamento. Também, faz-sea criação de pequenos animais domésticos,principalmente de galinhas. O destino daprodução do sitio é o consumo familiar, emespecial das crianças.

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6.2 TIPO COMPRADOR DE CASTANHA

Neste grupo, encontramos famílias quereceberam uma parte da colocação de castanhado pai como herança. No entanto, paraatingirem seus projetos de vida e garantirem asatisfação das necessidades da família, elesaumentam a rentabilidade do sistemacomprando e revendendo a produção decastanha de seus vizinhos. Esta estratégiapermite investir em áreas maiores de cultivosanuais, na formação de pastagens e na pecuáriabovina.

O tipo comprador de castanha agrega omenor número das famílias das comunidadeslocais. Os chefes nunca saíram da região esempre trabalharam com o extrativismo dacastanha. Não têm casa na cidade, moram nacomunidade onde possuem a melhor infra-estrutura de moradia. As estratégias que traçamenvolve a compra e revenda da castanha. Elessão os intermediários locais da comunidade.Nas várias transações de venda, elescomunicam a comunidade com os compradoresdo Laranjal do Jari.

Em média o chefe possui 38 anos de idade,portanto, na plenitude de sua capacidadeprodutiva. Os filhos, em número médio de quatro,são todos menores e não participam do processoprodutivo da unidade. Outra característica dasfamílias desse grupo é que cultivam as maioresroças da comunidade. Na implantação, utilizam acontratação de serviços de um operador demotosserra. Essas áreas de roças precedem aimplantação das pastagens e são colocadas emuma área de floresta sem a ocorrência de castanha,área adquirida de outros moradores, que venderamas suas benfeitorias e foram tentar a vida em outralocalidade. As pastagens ocupavam uma áreamédia de 30 tarefas no ano de 2005, que implicano somatório de duas áreas de roçados anteriores.

O itinerário técnico nos cultivos anuais seconclui com a implantação de pastagens, poisuma pecuária bovina faz parte do projeto deacumulação de capital e onde investem todo olucro obtido com a compra e venda da castanha.Portanto, a compra da castanha é uma fase detransição para a pecuária.

O projeto de vida das famílias desse grupoé voltado para a permanência na área econtinuidade da atividade do extrativismo. Nãohá interesse em expandir as atividades paraagricultura. Eles são realmente extrativistas,considerando que o produto desta atividade serestringe à castanha.

Neste grupo, também, se verifica apresença de famílias cuja característicapredominante é a de adultos com mais de 60anos no comando da unidade. Neste caso, elasse constituem em média de três pessoas, sendoque deste total, apenas uma participa do

processo produtivo, ou seja, uma relação detrês consumidores para um produtor. Os chefesde família em média possuem 58 anos,portanto, não são mais trabalhadores ativos.Essas não têm herdeiros identificados. Apresença de uma ou mais aposentadorias édeterminante para a viabilidade destasfamílias, pois não dispõem do mesmo potencialde produção de castanha, e nem do auxílio deforça de trabalho dos filhos. No caso, não háinteresse em expandir as atividades paraagricultura. Eles estão concluindo um ciclo devida e vivem a partir de benefícios sociais quelhes foram garantidos por direito.

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6.3 TIPO AGROEXTRATIVISTA

Para as famílias agrupadas nesse tipo aárea média da colocação é de 159 hectares, comuma média de produção de 77 barricas decastanha. Esta média, inferior a do tipoextrativista, deve-se ao fato de que naspropriedades deste tipo, não há dispersão decastanheiras em reboleiras, mas sim distribuídasem faixas, o que acarreta uma produção de áreamenor por unidade. Desta maneira, a propriedadede uma ou mais áreas agrícolas, entenda-se, quenão possuem castanheiras, é característica demuitas das famílias desse tipo.

As famílias classificadas neste tipo têm suaorigem nos trabalhadores da empresa dosportugueses nos anos de 1960, a qual seinteressava basicamente pela produção dacastanha, mas, sobretudo pela produção defarinha de mandioca. Ela também comprava asproduções de frutas (laranja, cupuaçu, cacau) dostrabalhadores. Como empregados da empresa,eles tinham o direito de fazer roças e extraíremcastanha. Toda a produção era “vendida”, massempre no esquema de aviamento.

A maioria das famílias deste tipo é deamapaenses, ou da própria região do Jari, porémcom experiências tanto agrícolas comoextrativistas. Algumas vieram do Nordeste,possuindo experiências agrícolas, mas nãoextrativistas, no que diz respeito à exploração dacastanha.

Na composição familiar é bem maior onúmero de crianças em idade escolar e/oufreqüentando a escola, se comparado ao tipo

anterior, e mais raro a presença de membrosjovens trabalhando fora da propriedade, inclusivese verificando o inverso, aqueles que saíram edepois retornaram em definitivo para apropriedade. A predominância é de chefes defamílias, ainda jovens, com idade entre 45 e 50anos.

Neste grupo, também, inserem-se osfuncionários públicos. Eles possuem residência nacomunidade e na sede do Município de Laranjal,onde mantêm toda a família. Sua característicaprincipal é a de terem um salário fixo. A fim deaumentar o nível da renda familiar, este tipoadota a estratégia de investir na agricultura e noextrativismo da castanha. Para tanto, parte dosalário auferido pela condição de funcionáriopúblico é utilizada na contratação de força detrabalho para realizar as atividades agrícolas eextrativistas da propriedade, e parte para mantera família na cidade.

Para as famílias incluídas neste tipo, ossistemas de produção se pautam no extrativismoe na agricultura, com igual importância, pois amaioria delas, além da colocação de castanha,possuem, também, uma área agrícola. Noextrativismo se destaca a castanha. Essaatividade é praticada por todas as famíliascomponentes deste tipo.

As roças anuais ocupam uma área dequatro tarefas, que mediadas pelo ciclo damandioca (24 meses), implica dizer que osroçados ocupam um total de oito tarefas: quatrodo ano e quatro do ano anterior. A finalidade da

Os contatos e acertos para compra dacastanha são feitos pelo chefe da família. É eletambém que vai buscar essa produção nos locaiscombinados. Para tanto utiliza um ou dois

ajudantes, que são contratados com base no valorde uma diária paga em espécie. Na colocação doroçado, também, usa os diaristas, já na produçãode farinha, a estratégia é recorrer aos meeiros.

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produção agrícola é a venda dos produtos nasfeiras de produtores de Macapá e Santana.Nessas, além dos produtos do roçado, elesvendem os produtos obtidos nos sítios: frutas epequenos animais. Os roçados são colocados emespaços quase sempre comunais, porém paraalgumas famílias esse espaço é privado.

A implantação dos cultivos inicia-se coma divisão da área dos roçados em três partes: naprimeira plantam o milho solteiro; na outra amandioca; e na outra banana + abacaxi + outrasfruteiras perenes + abóbora + cará + batata doce.No final do mês de maio e início de junho elesquebram o milho e plantam nessa mesma área ofeijão caupi e mais mandioca, nesse ponto osistema fica com duas partes de mandioca.Também, nos meses de maio/junho eles colhema abóbora, e em março do ano seguinte começama colher a batata doce e o cará, que pode seestender até agosto. De sorte que, no final dociclo se tem as duas partes com mandioca e quevão se constituir do pousio (e neste se inserem abanana/abacaxi), e a terceira com fruteirasperenes que vão formar um sistema agroflorestal(SAF)15 e as espécies presentes no espaço sãode fruteiras, principalmente de cítricos, cupuaçu,pupunha e abacate. Elas são plantadas a partirde mudas do tipo pé franco. A ampliação da áreado SAF se faz, anualmente, pelo plantio de novasmudas mediadas pela preferência do morador.

O período de pousio das áreas com cultivosanuais é de cinco anos e, após este tempo, iniciamum novo ciclo. Face ao período relativamentecurto do pousio, a produtividade do sistemaagrícola obtido pelas famílias agrupadas nessetipo vai depender das qualidades do solo,principalmente de sua fertilidade natural. Osfertilizantes que poderiam ajudar nesse processo,tanto àqueles possíveis de serem produzidos naspropriedades, como os compostos orgânicos, porexemplo; quanto os adubos químicos, que

necessariamente vêm de fora, nenhum deles sãoutilizados.

Contrariamente aos extrativistas, quepossuem uma única fonte de renda, este grupoapresenta renda tanto do extrativismo quanto daprodução agrícola. Outra característica dizrespeito à comercialização da produção dacastanha: vendem para quem ofertar o melhorpreço. Já para os produtos agrícolas, acomercialização é feita nas feiras de produtoresde Macapá, uma vez por mês.

Essas famílias em média se compõem deseis pessoas, sendo que três participam doprocesso produtivo, ou seja, uma relação de seisconsumidores para três produtores. Os chefes emmédia possuem 54 anos, portanto, já não sãomais trabalhadores tão ativos. Os filhos maiorespoderiam ter mais representatividade, porém elesnão participam em regime integral no processoprodutivo da unidade familiar, porque algunsestudam.

As atividades agrícolas priorizadas e nasquais se envolvem todos os membros aptos dafamília, são as relacionadas às capinas, colheitae beneficiamento da mandioca. Logo, umadiferença em relação a do tipo extrativista, é depriorizarem as capinas. No cultivo agrícola sobcapoeiras de seis anos, existe uma economia demão-de-obra no preparo de área, emcontrapartida o cultivo nesse tipo de capoeiraexige uma intensidade maior quando relacionadaa capinas.

Poucas famílias do tipo agroextrativistausam apenas a mão-de-obra do grupo familiarpara realização dessas atividades. A maioria delasutiliza empreiteiros para preparo da área doroçado e de capinas. O valor da empreita éacertado entre as partes e sempre paga emespécie. Já na produção de farinha a estratégia,

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6.4 TIPO PROCESSADOR

As famílias agrupadas nesse tipo são osmoradores mais recentes da RESEX/CA, muitoembora possuam origem na localidade ou naregião. São representadas por aquelas que emsua maioria tinham laços de parentesco, decompadrio ou outros afins, com moradores maisantigos, e por esse fato foram aceitas comomembros da comunidade local.

Os chefes têm em média 42 anos, portanto,são trabalhadores ativos. Para este tipo emespecial, o trabalho da mulher é muito valorizado,pois as famílias em média se compõem de cincopessoas, sendo que deste total, apenas, doisparticipam do processo produtivo. Elasapresentam o menor número de UTF’s disponívelna unidade, entre todos os demais tipos, essevalor médio é de 1,94 UTF’s. Para essas, os filhossão na maioria menores de 11 anos e nãoparticipam do processo produtivo da unidade,pois eles somente estudam e a família recebeuma bolsa do governo para manterem essascrianças nas escolas, mas que, também, colaboranas despesas da casa.

Para esse tipo, a maior necessidade deforça de trabalho é no período de junho adezembro, devido, principalmente, às atividadesde beneficiamento da mandioca para produçãode farinha.

Como não dispõem de mão-de-obrasuficiente e necessitam produzir farinha, pois essaatividade é a única que se apresenta para elesgarantirem sua sobrevivência, várias estratégiassão adotadas, sendo a mais importante oempenho de serviços de operador de motosserraa vizinhos e comerciantes do Laranjal do Jari,tirada de pranchas de madeira ou barrotes paracercas. Quando o serviço é empenhado com oscomerciantes eles recebem em troca, uma chapade ferro para o forno de torrar farinha, ou ummotor a gasolina para trituração da mandioca,que amplia, consideravelmente, a produtividadedo trabalho, ou mesmo uma motosserra, que elespagam com serviços de derruba e corte de peçasbrutas de madeira. Quando o serviço é paravizinhos, o pagamento ocorre quase sempre emmão-de-obra para fabricação de farinha.

também, é usar meeiros. A venda da produção éfeita pelo chefe e, no caso em que ele estejaacometido de um problema de doença ou outrofato grave, a mulher ou um filho maior é quemfica com essa responsabilidade.

A produção da farinha é feita uma vez pormês. A quantidade produzida quase sempre ésuperior a uma farinhada, pois além de atenderas necessidades de consumo familiar, uma partemaior é reservada para venda. No período dejunho a dezembro a quantidade de produçãomensal aumenta, e, dependendo do preço nomercado, além de meeiros eles, também, fazemuso de diaristas para produção dessa farinha. Oprojeto familiar para o tipo agroextrativista é

voltado para o plantio de cultivos agrícolasperenes, especificamente de fruteiras, e de umapecuária bovina.

No caso daquelas que possuem um oumais salários como funcionários públicos, oprojeto familiar é a manutenção do extrativismoda castanha associado ao plantio de fruteiras.O importante para eles é manterem o vínculocom a terra. Neste sentido, não há um projetoclaro em relação às fruteiras que quereminvestir. Aqui, eles irão plantar de acordo como que gostam ou acham bonito, inclusive,plantam castanha. Ou seja, não há umaestratégia comercial por trás das escolhas dasfruteiras.

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Para algumas famílias agrupadas nessetipo, as rendas advindas deste trabalho sãodestinadas a investimentos na melhoria demoradia e contratação de mão-de-obra para osroçados. Outra característica importante, nestetipo, é a contratação para fazer o roçado aomesmo tempo em que vende mão-de-obra paratrabalho com motosserra. Como esta é superiorà diária do trabalho manual, este valor superioré utilizado para contratar a força de trabalho paraos roçados. O trabalho com a motosserra éconsiderado como especializado.

Para essas famílias o itinerário técnico sefaz sobremaneira a partir dos cultivos agrícolas,que se complementa com o extrativismo e vendada castanha. Neste processo reprodutivo acastanha perde sua destacada importância pelofato de que em suas propriedades não há apresença de castanheiras. Quando há, adistribuição é, ainda, mais rarefeita, nãocompensando a sua exploração. Além disso, aslocalizações são mais afastadas das estradas e,portanto, com maior dificuldade de acesso. Assim,o extrativismo da castanha é praticado na relaçãode meia, ou seja, eles exploram áreas alheias esão pagos com um percentual, podendo chegara metade ou menos, da produção extraída.

Os cultivos agrícolas anuais têm a mesmafinalidade, forma e constituição do tipoagroextrativista: direcionado para venda nasfeiras de produtores de Macapá. Contudo, noprocesso de comercialização desses produtos,eles usam os intermediários, pequenoscomerciantes do entorno, face ao volume bemmaior de produtos que comercializam. Em umafeira mensal eles vendem em média 20 sacos de50kg de farinha e o mesmo equivalente em cachode bananas, além de outras hortaliças como ojerimum e produtos como milho e caupi.

Os roçados anuais das famílias dessesubgrupo se diferenciam dos agroextrativistas por

ocuparem uma área em média 50% maior, e nopreparo da área utilizarem a motosserra. Aconfiguração e o itinerário técnico dos cultivos éa mesma do tipo agroextrativista. Porém, oplantio dos espécimes perenes é menosdiversificado. Faz-se sobremaneira com a banana,a acerola, o abacate e a graviola. Outra diferençaé que o plantio dessas fruteiras obedece a umcerto espaçamento, e a área plantada,anualmente, segue um planejamento, mediadopela demanda e preços dos frutos no mercadodas feiras de produtores de Macapá. O projetofamiliar para eles é voltado à expansão daagricultura, especificamente para o plantio defruteiras (cupuaçu, acerola, mamão, abacate egraviola), de alta aceitação no mercado, porpensarem que há maior lucratividade que afarinha de mandioca.

Neste grupo, também, se agrupam asfamílias que vivem e trabalham no que acomunidade denomina de “área dopatrimônio”16. Fazem o extrativismo dacastanha no sistema de meia. Também,trabalham como meeiros em roçados e nofabrico da farinha. Possuem uma família grandeonde predomina a presença de filhos pequenose em idade escolar, e este fato faz com querecebam uma bolsa cidadã do governoestadual, que em parte supre as suasnecessidades imediatas.

O projeto de vida dessas famílias éassegurar o crescimento de seus filhos eproporcionar outra forma de trabalho para eles.As condições de trabalho são duras, não háperspectiva de adquirirem uma colocação e elasquerem assegurar outro tipo de futuro para seusfilhos. Participam de projetos comunitários, comrecursos da Prefeitura Municipal de Laranjal doJari e do Governo do Estado do Amapá (GEA),para plantio de hortaliças e criação de galinhas,mas não vêem nestas atividades futuro para seusdescendentes.

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7 CONCLUSÕES

O conhecimento das dinâmicas agráriasque formataram os atuais sistemas de produçãocom castanha-do-brasil praticados na RESEX/CA,mostram-se importantes, tanto para a formulaçãode programas e projetos de Pesquisa-Desenvolvimento, como para a criação depolíticas públicas locais voltadas a melhoria daqualidade de vida das famílias pela conservaçãoda biodiversidade natural.

Contudo, ao se propor modificações nestesatuais sistemas, tendo por objetivo aintensificação e diversificação no uso dos recursosnaturais dessa localidade, como se propõemórgãos de pesquisa como a Embrapa-Amapá,precisa-se considerar a complexidade dasunidades produtivas da RESEX/CA, deve-se partirdo reconhecimento que existe um entendimentopróprio e diferenciado desse propósito, entre asdiversas unidades de produção.

O desconhecimento das causas e efeitosdesse relacionamento das famílias com osrecursos naturais presentes na atual RESEX/CAmostrou-se problemático quando se pretendeufazer passar algumas inovações tecnológicas nossistemas de produção praticados por elas. Asparcelas de validação implantadas pela Embrapa-Amapá, no ano de 2001, que se voltavam àvalidação de técnicas de maior adensamento dosaçaizais nativos e de plantio de espécimesintroduzidas, mesmo experimentando essasinovações, as famílias apontaram algumas

restrições para a sua adoção: “No começo aprodução diminui, depois melhora, [...], mas, alémde ser mais custosa, eu reparei que algumastouceiras secavam no verão, não sei, antes istonão acontecia” (Depoimento de seu Sabá, 2005).

Para o caso do extrativismo da castanha,além de histórica, a manutenção se faz a partirda atribuição de um valor econômico e, também,simbólico desse recurso natural, que é mediadopela garantia do atendimento das necessidadesdas famílias da RESEX/CA. Nessa mediação, asatividades extrativistas estão, intimamente,ligadas às agrícolas. E esta relação é interpretadade modo diferente, dependendo do tipo deestabelecimento familiar. A manutenção oumesmo o crescimento das atividades agrícolasnão se deve a superioridade econômica oumesmo as melhores condições de mercado quese apresentam favoráveis a esses produtos edesfavorável à castanha. As atividades agrícolasse mostram indispensáveis à ocupação e nageração de renda para a família, no período da“entressafra” da castanha. A falta de um outroproduto do extrativismo, como acontecia com aborracha da seringueira, que se mostre capaz degarantir ocupação e renda para elas, durante operíodo da “entressafra” da castanha, determinaesse processo.

Para a agricultura e, principalmente, apecuária não avançar nos espaços da RESEX/CA,comprometendo a conservação da biodiversidade

A interpretação dada à realidade dossistemas de produção praticados, a partir dapesquisa empírica realizada, permitiu identificaras estratégias de reprodução social das famílias,quanto uma das categorias de agricultoresfamiliares da Amazônia, que, à semelhança detodas as formas de agriculturas familiares,

realizam a exploração dos espaços da RESEX/CAobjetivando conseguir os melhores níveispossíveis de remuneração do trabalho. Elesescolhem, priorizam e organizam as atividadesprodutivas buscando, por um lado, os melhoresretornos econômicos, e por outro o menor esforçopossível para sua obtenção.

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NOTAS

1 Especiarias de interesse ao mercado europeu como a

salsaparilha e o cravo amazônico.

2 Para maiores detalhes dessas técnicas de cultivo

sugerimos a leitura de Romeiro (1998).

3 Os primeiros colonos europeus que chegaram a

Amazônia, vieram para residirem nos projetos

evangelizadores dos padres franciscanos e capuchinhos

(CEHILA, 1992).

4 A queima posterior em fogueiras, de troncos e galhos

que sobraram da queimada.

5 Termo utilizado pelos portugueses para designar os

aglomerados urbanos formados nos primórdios da

colonização do Brasil.

6 Grupos organizados de seringueiros que se reuniam e

impediam a derrubada da floresta.

7 Em geral, o movimento ambientalista internacional

continua não se envolvendo com questões sociais,

embora suas representações no Brasil tenham se

identificado com o movimento dos seringueiros, dos

indígenas e de agricultores familiares, tendo uma agenda

claramente socioambiental. É o caso, por exemplo, dos

programas do Brasil de organizações como Amigos da

Terra, Greenpeace e WWF.

8 Um espécime semelhante à cana-de-açúcar, porém com

o colmo muito resistente e, por este fato, atributo usado

pelos indígenas na confecção de arcos. Não encontramos

o nome científico desse espécime na literatura

especializada que consultamos.

9 Era um termo usado pelo migrante nordestino para

qualificar a aventura de passar um tempo nos seringais

nativos, na esperança de ganhar algum dinheiro ou

mesmo ficar rico. Interessante que plantar “xiringa” era

o mesmo termo empregado pelos colonos nordestinos

do Médio Amazonas no ano de 1982, envolvidos com o

plantio de seringueiras com recursos do PROBOR.

local, pensamos que essas atividades devam serintensificadas e restritas às áreas já alteradas.Para tanto, faz-se necessário a validaçãoparticipativa da substituição dos pousios curtos,utilizado pelas famílias da RESEX/CA, face àproibição de derruba de áreas florestadas, comoprática de manejo da fertilidade natural dos solos,principalmente, pelos tipos agroextrativistas eprocessadores. Os pousios em vez de terem seustempos encurtados, deveriam dar lugar aconsórcios de cultivos perenes, ou sistemasagroflorestais (SAF’s). Uma opção que já seconstitui em realidade de expressiva parcela deagricultores familiares paraenses (COSTA, 1992).

Finalizando, o trabalho abre pistas para anecessidade da realização de um programa dePesquisa-Desenvolvimento na RESEX/CA, voltado

à adoção de inovações ao extrativismo, nãoapenas da castanha, mas, também, de outrosrecursos presentes nessa reserva extrativista, eque tenham suas potencialidades identificadas.

A idéia, quando da concepção desteprograma de pesquisa para a identificação denovos produtos obtidos do extrativismo naRESEX/CA, é priorizar aqueles quecomplementem o período de entressafra dacastanha (junho a dezembro), e que essesprodutos garantam uma rentabilidade dotrabalho superior a atual produtividade daextração da castanha. Esses novos produtos, bemcomo a castanha, deverão ter possibilidadesindustriais, em produtos com mercado capaz dese distribuir, pelo menos, a manutenção de duasgerações de famílias.

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10 Não devemos esquecer que esses trabalhadores eram

agricultores na sua região de origem.

11 Entendido como todos aqueles que necessariamente

implicam na eliminação das florestas. Neste se incluem

o financiamento para roças e cultivos perenes para

agricultores familiares, a formação de pastagens

artificiais, infra-estrutura e gado para médios

pecuaristas, bem como manejo florestal e

transformação de diesel para gás vegetal, da usina de

geração de energia do projeto Jari.

12 Ponta de castanha é uma denominação local a forma

de dispersão das castanheiras no interior da colocação.

13 Uma tarefa é a uma medida de área usada na Região

que representa 25 braças em quadra, o que equivale a

3.025 metros quadrados.

14 Farinhada qualifica o processo de produção de três

alqueires de farinha de mandioca. Um alqueire equivale

a 50 quilogramas.

15 Para fins deste trabalho, uma área de SAF se obtém

pelo prolongamento do quintal. Pois quando no quintal

típico, a quantidade de espécimes perenes é contada

em unidades, no SAF o número é determinado em

dezenas ou mesmo em tarefas.

16 Apesar de toda a área da reserva ser uma área de

propriedade federal, cada família tem um espaço

chamado colocação, que elas consideram como suas

propriedades. Estas colocações são ou foram

determinadas de acordo com as posses ou explorações

que essas famílias faziam no local, antes da criação da

reserva. Normalmente famílias mais antigas têm

colocações maiores ou mais de uma colocação. No tipo

em questão, eles não têm colocação, residem na RESEX

e têm direito de cultivarem uma determinada área, a

qual a comunidade chama de área do patrimônio. A

localização bem como o tamanho dessa área varia de

uma comunidade local para outra, e seu estabelecimento

se faz por acordo entre os moradores, uma decisão que

é influenciada tanto pela associação que detêm o poder

de gestora da RESEX/CA, como pelo IBAMA.

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