OS SENTIDOS DO ESPAÇO NA GEOGRAFIA ESCOLAR: uma … · Ao criador de todas as coisas, ... IBGE...

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UNIVERSIDADE ESTADUAL VALE DO ACARAÚ - UVA PRÓ-REITORIA DE PESQUISAE PÓS-GRADUAÇÃO (PRPPG) CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS (CCH) MESTRADO ACADÊMICO EM GEOGRAFIA (MAG) VANUZIA BRITO LIMA OS SENTIDOS DO ESPAÇO NA GEOGRAFIA ESCOLAR: uma abordagem humanista do trabalho de campo SOBRAL/CE FEVEREIRO/2015

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UNIVERSIDADE ESTADUAL VALE DO ACARAÚ - UVA

PRÓ-REITORIA DE PESQUISAE PÓS-GRADUAÇÃO (PRPPG)

CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS (CCH)

MESTRADO ACADÊMICO EM GEOGRAFIA (MAG)

VANUZIA BRITO LIMA

OS SENTIDOS DO ESPAÇO NA GEOGRAFIA ESCOLAR:

uma abordagem humanista do trabalho de campo

SOBRAL/CE

FEVEREIRO/2015

VANUZIA BRITO LIMA

OS SENTIDOS DO ESPAÇO NA GEOGRAFIA ESCOLAR:

uma abordagem humanista do trabalho de campo

Dissertação apresentada ao Mestrado Acadêmico em

Geografia, da Universidade Estadual Vale do Acaraú,

como requisito obrigatório para a obtenção do título de

Mestre em Geografia.

Área de Concentração: Organização, Produção e Gestão

do Território no Semiárido.

Linha de Pesquisa: Dinâmica Territorial: Campo e Cidade.

ORIENTADOR: Prof. Dr. Lenilton Francisco de Assis.

SOBRAL/CE

FEVEREIRO/2015

Dedico esta pesquisa aos meus pais, Selisvaldo e Izaura, pelo

papel que desempenham na minha vida e na vida dos meus

irmãos, ensinando e estimulando vitórias.

Nossos mestres!

AGRADECIMENTOS

Ao criador de todas as coisas, Deus — suprema inteligência —, por caminhar ao

meu lado, orientando e permitindo-me percorrer esse caminho para desvendar aquilo

que possa ser útil à criação no âmbito da educação.

Ao meu orientador, Lenilton Francisco de Assis, pela liberdade de elogiar os

avanços e criticar aquilo que precisa ser (re) trabalhado; pela confiança; por estar

sempre esperando mais da minha capacidade, na certeza da superação das fragilidades

próprias do ser humano; acima de tudo, pela paciência de um irmão nas horas difíceis.

À contribuição da Banca de Qualificação e Defesa, nas pessoas da Dra. Antonia

Neide Costa Santana (UVA) e do Dr. Otávio José Lemos Costa (UECE), pelas

sugestões para o redirecionamento e aperfeiçoamento do trabalho e pela participação na

Banca Examinadora da defesa da dissertação.

Ao Programa de Mestrado Acadêmico de Geografia (MAG/UVA), através de

sua coordenadora, a Profa. Virginia Célia C. de Holanda e, em especial, à coordenadora-

adjunta, Profa. Isorlanda Caracristi, pelo acompanhamento e sugestões.

À Secretaria de Educação do Estado do Ceará (SEDUC), pelo cumprimento do

Art. 110, inciso I, alínea b, da Lei 9.826/74 (Estatuto dos Funcionários Públicos Civis

do Estado do Ceará) e Decreto Estadual nº 25.851 c/c Decreto 28.871, concedendo o

afastamento com remuneração de pesquisa para estudo de pós-graduação.

Do mesmo modo, à Secretaria de Educação do Município de Sobral, também

pelo cumprimento da Lei municipal nᵒ 1021 de 30, de junho de 2010, Art. 27 do Plano

de Carreira e Remuneração (PCR) do Grupo Ocupacional do Magistério (MAG),

concedendo licença com remuneração para qualificação profissional em curso de pós-

graduação stricto sensu (mestrado).

Ao Thiago Rodrigues, meu ex-aluno e, hoje, um amigo e grande fotógrafo que

Deus enviou para caminhar fielmente comigo durante o laboratório dessa pesquisa, nos

colégios e no campo, carregando consigo uma alma sensível, capaz de enxergar aos

olhos da lente, feito um farol na escuridão.

Ao Manoel Guedes, pelo formidável trabalho cartográfico, empregando a

sensibilidade nas especificações, normas técnicas na elaboração dos mapas e

compreensão aos anseios da pesquisa.

Ao Pedro Grandson e Sérgio Presley, gestores dos Colégios Sobralenses de

Tempo Integral (CSTI) — unidades Maria Dorilene Arruda Aragão na sede de Sobral e

Maria de Lourdes de Vasconcelos no distrito de Aracatiaçu —, pelo acolhimento e

suporte técnico necessário a pesquisadora e a pesquisa.

Aos alunos do 7ᵒ ano A e B do Ensino Fundamental dos Colégios Sobralenses de

Tempo Integral, pela maciça participação nas oficinas e nas Aulas de Campo, ávidos em

aprender coisas novas, sempre externando uma sinergia muito contagiante nesse

convívio curto, mas intenso.

Aos professores dos Colégios Sobralenses de Tempo Integral, unidade Maria de

Lourdes de Vasconcelos: Lucimar Gomes, Marco Paulo Melo, Cínthia Paixão, Benedito

Daniel Mesquita, Emídio Cassiano Filho, Cícero Romão Ramos, Fco

. Davi Fernandes e

a Coordenadora Zilda Carlo. Aos professores da unidade Maria Dorilene Arruda

Aragão: John Grandson, Celia Vidal e Sheila Fernandes.

À equipe que atuou como colaborada nessa pesquisa, a maioria ex-alunos do

Ensino Médio: Edson Lessa, Júnior Mesquita, Jairles Mesquita, Williams Ribeiro e

Felipe Mesquita.

Aos amigos especiais em que encontrei disposição para colaborar de forma

significativa no desenvolvimento da pesquisa: Moacir Oliveira, Selisvaldo Filho e

Renata Gomes.

Ao Léo Mackellene, pelas lições e aprendizado que devemos ter para com as

coisas alheias nas horas difíceis.

À Joice Nunes, por se permitir seguir o percurso do pensamento e da escrita,

colaborando com a técnica, métrica e o compasso para o excelente trabalho de leitura

crítica e revisão da pesquisa.

À minha família, a eterna gratidão pela compreensão, apoio e boas vibrações de

amor e carinho.

A todos, muito obrigada.

Que assim seja!

“Não to mandei eu? Esforça-te, e tem bom ânimo;

não temas, nem te espantes; porque o Senhor teu

Deus é contigo, por onde quer que andares.”

(Josué 1:9)

RESUMO

Esta pesquisa tem por objetivo compreender o espaço por meio dos sentidos, adotando

uma abordagem humanista do Trabalho de Campo como metodologia de ensino de

Geografia para captar as observações e múltiplas sensações espaciais de alunos do 7ᵒ

ano de dois colégios públicos de Sobral, município pertencente ao estado do Ceará.

Focamos o roteiro a ser percorrido entre a cidade de Sobral e o distrito de Aracatiaçu,

situado a 65 km da sede municipal. Antes de irmos a campo, realizamos leituras de

textos temáticos de cunho reflexivo. Em seguida, iniciamos as oficinas de percepção

sensorial para estimular a sensibilidade dos alunos. Nos roteiros percorridos, as

múltiplas sensações captadas despertaram o sexto sentido (a imaginação), levando-os a

questionar as diferenças e contradições do espaço a partir da identificação de aspectos

intangíveis da paisagem, como as relações de trabalho, a lógica das decisões políticas e

dos serviços urbanos etc. Nessa proposta, achamos por bem não definir conteúdos,

respeitando a autonomia e perspectiva dos alunos e professores. Preferimos seguir um

plano didático-pedagógico para cada roteiro trabalhado em campo. A metodologia ora

posta nos permitiu fugir do tradicional roteiro prévio e nos possibilitou adotar a questão

desencadeadora: quais os sentidos do espaço? E a questão-eixo: é possível, através da

leitura perceptiva do espaço, retirar um sexto sentido como instrumento de análise? Essa

sistemática de trabalho dá autonomia cognitiva ao entrevistado frente ao que surge em

um segundo momento como elemento novo, portanto, não esperado em campo, e que

pode enriquecer significativamente a análise. Sendo assim, a experiência demonstrou

que o Trabalho de Campo é um recurso metodológico de grande potencial para as aulas

de Geografia e, quando orientado por uma perspectiva multissensorial, conduz os alunos

a observar, analisar e refletir sobre as dimensões objetiva e subjetiva do espaço, ou seja,

a outros sentidos de ensinar e aprender o mundo.

Palavras-chave: Geografia. Trabalho de Campo. Espaço. Ensino de Geografia. Sentido.

ABSTRACT

This research aims to understand the space through multiple senses, adopting a

humanistic approach Field Work as Geography teaching methodology to capture the

observations and multiple spatial sensations of students 7ᵒ year two public schools in

Sobral, municipality belonging the state of Ceará. We focus the route to be traveled

between the city of Sobral and the Aracatiaçu district, situated 65 km from the district

headquarters. Before going into the field, perform readings of thematic texts reflective

nature. Then we started the workshops of sensory perception to stimulate the sensitivity

of students. In the traveled path, the multiple sensations aroused captured the sixth sense

(imagination), leading them to question the differences and contradictions of space from

the identification of intangible aspects of the landscape, such as labor relations, the logic

of policy decisions and of urban services etc. In this proposal, we thought it good not

define content, respecting the autonomy and perspective of students and teachers. We

prefer to follow a didactic and pedagogical plan for each script worked in the field. The

methodology allowed us to get away sometimes called the traditional prior script and

enabled us to adopt the triggering question: what are the multiple meanings of space?

And the question-axis: it is possible, through perceptive reading of space, removing a

sixth sense as an analytical tool? This systematic work gives cognitive autonomy

against the respondent arising in a second time as a new element, therefore, not

expected in the field, and that can significantly enrich the analysis. Thus, experience has

shown that the Field Work is a great potential methodological resource for geography

lessons and when directed by a multisensory approach leads students to observe,

analyze and reflect on the objective and subjective dimensions of space, that is, the

other way of teaching and learning the world.

Keywords: Geography. Field work. Space. Geography Teaching. Sense.

LISTA DE SIGLAS

AGB Associação dos Geógrafos Brasileiros

BR Brasil (Rodovia Federal)

CREDEs Coordenadorias Regionais do Desenvolvimento da Educação

CSTI Colégio Sobralense de Tempo Integral

DNOCS Departamento Nacional de Obras Contra as Secas

ENALIC Encontro Nacional das Licenciaturas

FNDE Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação

FUNCEME Fundação Cearense de Meteorologia

GPS Sistema de Posicionamento Global

IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

ICE Instituto de Corresponsabilidade pela Educação

IPHAN Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional

LDB Lei de Diretrizes e Bases da Educação

LDBEN Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional

MEC Ministério da Educação

NTICs Novas Tecnologias de Informação e Comunicação

PCNs Parâmetros Curriculares Nacionais

PDDUS Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano de Sobral

PIBID Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência

SBPC Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência

TC Trabalho de Campo

RMF Região Metropolitana de Fortaleza

LISTA DE FIGURAS

Figura1. Esquema do Espaço na Perspectiva Relacional............................................... 22

Figura2. Esquema do Sujeito da Percepção.................................................................... 26

Figura3. Proposta de Sistematização do Trabalho de Campo........................................ 37

LISTA DE TABELAS

Tabela1. Sons Urbanos e Sons da Natureza................................................................... 60

Tabela2. Roteiros Multissensoriais no Distrito Sobral - Sede........................................ 67

Tabela3. Roteiros Multissensoriais no Distrito Sobral - Sede a Aracatiaçu....................68

Tabela4. Roteiros Multissensoriais no Distrito Aracatiaçu............................................ 69

Tabela5. Roteiros Multissensoriais no Distrito de Aracatiaçu a Sobral - Sede ............. 70

LISTA DE MAPAS

Mapa1. Localização Geográfica da Área do Estudo...................................................... 45

Mapa2. Roteiros Multissensoriais Para o Trabalho de Campo na Geografia Escolar no

Distrito Sobral/CE.......................................................................................................... 81

Mapa3. Roteiros Multissensoriais Para o Trabalho de Campo na Geografia Escolar no

Distrito de Aracatiaçu/CE............................................................................................... 95

Mapa4. Roteiros Multissensoriais Para o Trabalho de Campo na Geografia Escolar no

Município de Sobral/CE................................................................................................. 99

LISTA DE FOTOS

Foto1 - Vista parcial do CSTI: Maria Dorilene Arruda Aragão..................................... 47

Foto2 - Vista parcial do CSTI: Maria de Lourdes de Vasconcelos................................ 51

Foto3 - Oficina de Percepção Visual.............................................................................. 56

Foto4 - Oficina de Percepção Visual............................................................................. 56

Foto5 - Oficina de Percepção Tátil................................................................................. 57

Foto6 - Oficina de Percepção Tátil ................................................................................ 57

Foto7 - Oficina de Percepção Tátil................................................................................. 58

Foto8 - Oficina de Percepção Auditiva ......................................................................... 59

Foto9 - Oficina de Percepção Auditiva ......................................................................... 60

Foto10 - Oficina de Percepção Olfativa ........................................................................ 61

Foto11 - Oficina de Percepção Paladar ......................................................................... 61

Foto12 - Etapa de Planejamento .................................................................................... 69

Foto13 - Praça de Cuba ................................................................................................. 73

Foto14 - Vista Panorâmica do Mercado Central / exterior............................................. 77

Foto15 - Mercado Central / interior................................................................................ 79

Foto16 - Margem Esquerda do Rio Acaraú (Médio Curso) .......................................... 83

Foto17 - Margem Esquerda do Rio Acaraú (Médio Curso)........................................... 89

Foto18 - Lagoa da Fazenda - Vista Panorâmica............................................................. 87

Foto19 - Igreja Matriz - Vista Panorâmica..................................................................... 91

Foto20 - Sabores da Praça - Feira da Manhã de Sábado................................................ 92

Foto21 - Açude Santo Antônio do Aracatiaçu - Vista Panorâmica .............................. 96

Foto22 - Açude Santo Antônio do Aracatiaçu - Vista Panorâmica............................... 98

Foto23 - Vista Panorâmica do Percurso de Sobral a Aracatiaçu.................................. 101

Foto24 - Açude Santo Antônio do Aracatiaçu - Vista Panorâmica.............................. 103

Foto25 - Vista Panorâmica da Sede do Distrito de Aracatiaçu.................................... 106

Foto26 - Translado de Sobral a Aracatiaçu.................................................................. 108

Foto27 - Vista Panorâmica da Margem Esquerda do Rio Acaraú (Sobral).................. 109

Foto28 - Vista Panorâmica da Cidade de Sobral (Alto do Cristo)............................... 112

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ............................................................................................................. 16

1 A PERCEPÇÃO DO ESPAÇO NA GEOGRAFIA ESCOLAR: UMA

PERSPECTIVA HUMANISTA E MULTISSENSORIAL........................................19 1.1 O ESPAÇO NA PERSPECTIVA HUMANISTA ..................................................... 19 1.2 OS SENTIDOS DO ESPAÇO ................................................................................... 29 1.3 O TRABALHO DE CAMPO NA GEOGRAFIA ESCOLAR .................................33

1.3.1 A Sistematização do Trabalho de Campo............................................................... 37 1.3.2 Etapas do processo de trabalho...............................................................................38

2 O MUNICÍPIO DE SOBRAL: LÓCUS DA TRAJETÓRIA DO TRABALHO DE

CAMPO .......................................................................................................................... 44 2.1 OS COLÉGIOS E SEUS CONTEXTOS .................................................................. 47

2.2 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS: INSTRUMENTOS E

SUJEITOS.......................................................................................................................52 2.2.1 A oficina de percepção visual ................................................................................. 55

2.2.2 A oficina de percepção tátil .................................................................................... 57 2.2.3 A oficina de percepção auditiva ............................................................................. 59

2.2.4 A oficina de percepção olfato e paladar ................................................................. 61

3 A CIDADE: UM ENCONTRO DE TRAJETÓRIAS NO ESPAÇO ..................... 72 3.1 ROTEIROS MULTISSENSORIAIS PARA O TRABALHO DE CAMPO NAS

AULAS DE GEOGRAFIA EM SOBRAL: A PRIMEIRA EXPERIÊNCIA ................. 72 3.1.1 Roteiro 1: Centro Comercial do distrito-sede ......................................................... 72 3.1.2 Roteiro 2: Espelho D’água ..................................................................................... 82 3.2 O DISTRITO DE ARACATIAÇU: UM CAMINHO EM MOVIMENTO .............. 89

3.2.1 Roteiro 1: Centro Comercial da sede do distrito Aracatiaçu .................................. 90 3.2.2 Roteiro 2: Espelho D’água ..................................................................................... 92 3.3 DA CIDADE AO DISTRITO E DO DISTRITO À CIDADE: TRAJETÓRIAS QUE

SE ENTRECRUZAM NO ESPAÇO ....................................................................... .......99 3.3.1 Roteiro 3: Da cidade ao distrito de Aracatiaçu "urbano-rural" ............................ 102

3.3.2 O caminho inverso ............................................................................................... 107 3.3.3 Roteiro 3: Do distrito de Aracatiaçu à cidade "rural-urbano" .............................. 109

CONSIDERAÇÕES FINAIS ...................................................................................... 117 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ...................................................................... 120 ANEXO ......................................................................................................................... 123

16

INTRODUÇÃO

A presente pesquisa analisa os sentidos do espaço na Geografia Escolar,

utilizando a percepção sensorial através do Trabalho de Campo (TC)1. Esta clássica

metodologia de ensino de Geografia é revista e aperfeiçoada por uma abordagem

humanista para efetivar as observações e múltiplas percepções dos espaços percorridos.

O TC é uma tradição nas aulas de Geografia desde a sistematização desta ciência

até os dias atuais. Na história da Geografia brasileira, essa metodologia sofreu

interrupções, sendo que duas delas foram marcantes em sua trajetória: primeiro, no

período da Geografia Teorético-Quantitativa, na década de 50, sob alegação de que não

agregaria resultados quantitativos, somente qualitativos. E, segundo, durante a ditadura

militar, mais especificamente na década de 60, sob o pretexto de que o emprego dessa

metodologia levaria à politização dos alunos, tornando-os militantes subversivos que se

oporiam ao regime militar.

Com a abertura política na década de 80, muito se trabalhou para a propagação

dessa metodologia nos cursos de licenciaturas no país, sobretudo a partir da nova LDB

(Lei de Diretrizes e Bases da Educação), de Nᵒ. 9.394/96 e, no ano seguinte, com os

Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs), instrumentos norteadores do ensino que

propõem um diálogo com as demais disciplinas do currículo escolar e a flexibilidade

para adoção de novas metodologias de ensino-aprendizagem no interior das escolas. Os

PCNs dão à disciplina e aos professores de Geografia a responsabilidade de romper

barreiras curriculares, buscando desenvolver um TC com perspectiva interdisciplinar.

Lembramos que entre as licenciaturas - o curso de Geografia têm sido um dos que mais

adotam essa metodologia no processo de ensino-aprendizagem nas escolas e

universidades.

Acreditamos que já ultrapassamos a discussão em torno da importância do TC

como metodologia de ensino-aprendizagem, ficando para os dias atuais a

implementação no cotidiano da escola, pois muito já se inovou. Porém, na prática,

muitos professores deixam de realizá-la pela falta de apoio e sensibilidade de grande

parte dos núcleos gestores em concordância com as Secretarias de Educação que não

1 A partir daqui, apresentaremos a expressão Trabalho de Campo abreviada como “TC”, a fim de

dinamizar a leitura.

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conhecem e, portanto, não veem significado no TC, com exceção de uma minoria que

age diferente desse pensamento no âmbito nacional.

É nessa perspectiva que esta pesquisa surgiu, ou seja, com o desejo de associar

ao olhar a percepção de outros sentidos do espaço. Os elementos do espaço não só estão

presentes, mas interagem com os indivíduos que nele habitam e transitam,

comunicando-se a partir do movimento e dinâmica.

Nesse contexto, este trabalho aborda o espaço em sua vertente fenomenológica,

procurando entender o imaginário por trás dos significados dos seus elementos. A

compreensão e a interpretação da percepção dos alunos podem mostrar que o espaço é

muito mais do que formas e conteúdo materializados, que a percepção do espaço

permite, através das subjetividades do olhar fenomenológico, decodificar os elementos

que compõem os imaginários e construir a imagem e a valorização do mesmo.

Adotamos na pesquisa uma abordagem qualitativa direcionada pelos princípios

metodológicos da pesquisa-ação. Para tanto, traçamos um plano de ação que definiu os

objetivos e as etapas de intervenção em duas escolas da rede municipal de Sobral, onde

foram realizadas oficinas de percepção sensorial, planejamento e execução de TC extra-

sala, além de entrevistas para avaliação contínua das atividades realizadas. Assim, os

resultados alcançados são evidenciados sobretudo nas entrevistas dos alunos, ou seja, na

tentativa de entender como percebem os espaços por meio dos sentidos em campo e

como se relacionam com eles no seu dia a dia.

É nessa perspectiva que o estudo do TC na Geografia Escolar procura explicar e

compreender o mundo no contexto atual, de modo que o aluno possa realizar raciocínios

geográficos e construir o seu próprio conhecimento. Portanto, essa pesquisa se baseia na

investigação colaborativa (própria da pesquisa-ação) que resulta na aprendizagem

participativa, ou seja, no trabalho conjunto entre pesquisador e grupo pesquisado.

Partiu-se das seguintes questões para formular o problema a ser investigado: Quais os

sentidos do espaço? É possível, através da leitura perceptiva do espaço, retirar um sexto

sentido como instrumento de análise?

Diante do exposto, a presente dissertação está estruturada em três capítulos:

O primeiro capítulo é intitulado "A percepção do espaço na Geografia Escolar:

uma perspectiva humanista e multissensorial”. Nele apresentamos diferentes definições

sobre o espaço à luz da Geografia Humanista e das ideias de Yi-Fu Tuan, Edward Relph

até a opção pelo uso do conceito de espaço relacional definido por Doreen Massey.

Nessas breves reflexões teóricas, metodológicas e epistemológicas, adotamos a

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Fenomenologia como aporte para a percepção humanista do espaço, o que se apresenta

como um convite para os professores da Educação Básica desenvolverem um TC numa

perspectiva multissensorial.

No segundo capítulo, intitulado “O Município de Sobral: Lócus da Trajetória do

TC", a princípio, tratamos da nossa trajetória de ensino-pesquisa com o TC na

Geografia Escolar a partir da experiência vivenciada no município de Sobral. Depois,

demos seguimento com a abordagem Humanista para a compreensão dos sentidos do

espaço na Geografia Escolar, evidenciando os aspectos intersubjetivos e

multissensoriais. Para tanto, apresentamos o empírico, ou seja, distritos do município;

os Colégios e seus contextos; o caminho metodológico, por meio de oficinas de

percepção sensorial, destacando os instrumentos e sujeitos da pesquisa.

No terceiro capítulo, cujo título é “O Município de Sobral: Um Laboratório para

as Práticas do TC na Geografia Escolar" apresentamos o resultado da pesquisa, fruto das

práticas do TC com alunos e professores dos Colégios Sobralenses de Tempo Integral

(CSTIs), sendo eles: Maria Dorilene Arruda Aragão, nos distritos de Aracatiaçu, e

Maria de Lourdes de Vasconcelos, em Sobral - Sede. Nesse capítulo, desenvolvemos os

roteiros multissensoriais nos referidos distritos e entrecruzamos os espaços "campo-

cidade" e vice-versa, a fim de realizarmos as experiências práticas da pesquisa, ou seja,

a percepção dos alunos sobre os sentidos do espaço e, consequentemente, obtermos a

criação de seu imaginário (denominado nesta pesquisa de sexto sentido).

Por fim, na quarta parte, que são as considerações finais, apresentamos as nossas

reflexões sobre o objeto estudado. Depois das considerações, listamos a bibliografia

consultada e os anexos.

19

1 A PERCEPÇÃO DO ESPAÇO NA GEOGRAFIA ESCOLAR: UMA

PERSPECTIVA HUMANISTA E MULTISSENSORIAL

1.1 O espaço na perspectiva humanista

O espaço é uma das categorias de análise da Geografia, considerada como a

mais abrangente e interdisciplinar de todas aquelas que compõem esta ciência. É

justamente na busca da compreensão sobre o que é o espaço ensinado e apreendido na

prática do TC com turmas de Geografia da Educação Básica que construímos o objeto

de estudo dessa pesquisa.

A realidade espacial traduz uma construção humana, uma vez que, existiam

coisas antes da Sociedade. A partir da origem da humanidade, o espaço ganha conteúdo

social, revelando a ação humana através da sua própria história, imprimindo-lhe

características próprias de sociedade, como, por exemplo, a população e economia de

um dado lugar que, num sentido amplo, remete-nos à ideia de construção conjunta de

lugares interrelacionados, caracterizando o espaço geográfico. Num sentido teológico,

Deus criou as coisas e o homem concebeu o espaço, estabelecendo uma “relação” entre

o que existe para explicar o espaço, que por sua vez já existia no sentido abstrato.

Assim, podemos considerá-lo como um pensamento humano, construção/produção

humana e também materialidade.

A partir desse quadro referencial, reportemo-nos ao início da década de 60,

momento em que estávamos sob o domínio da Geografia Quantitativa, período do

surgimento da Geografia Comportamental, a partir de estudos de Sauer e Lowenthal,

com a finalidade de renovar a Geografia Cultural que, por sua vez, esvaziava-se dos

meios acadêmicos norte-americanos.

Simultaneamente, a Geografia Analítica dominava nos Estados Unidos, criando

uma abertura para pesquisas geográficas na linha da percepção ambiental, vertente em

que David Lowenthal continuou trabalhando o conceito de Paisagem. Com isso,

paulatinamente, os geógrafos analíticos incorporavam aos avanços da Psicologia

Comportamental como seu campo de contribuições.

Para Lowenthal (1982, p.138-139), o estudo de natureza geográfica dividia-se

em três temas, a saber: a natureza do ambiente; o que pensamos e sentimos sobre o

ambiente e como nos comportamos e alteramos o mesmo. O problema principal da

Geografia, dizia ele, é que esta só se preocupava com o primeiro tema, considerado

como o "mundo real".

20

Percebe-se com isso a insatisfação com a epistemologia dominante, o

positivismo e, consequentemente, o estruturalismo, que explicava somente as estruturas

simples e de mecanismos na escala de conjuntos importantes, deixando de fora as

preferências e as escolhas dos indivíduos na sua construção. Não obstante, por trás de

tudo isso havia na atmosfera dos anos 1960 o movimento da contracultura, que

aproximava-se da Geografia Humanista como "[...] movimento hippie, da revolta

estudantil e do questionamento feroz dos padrões culturais e políticos instituídos”

(HOLZER, 2008, p.139), tão necessários para realizar as rupturas da época, dentro e

fora do meio acadêmico.

Buttimer (1980, p.134-138) também teceu suas críticas à Geografia da época:

Dramáticos e excitantes desafios confrontam os geógrafos hoje em dia.

Mudanças revolucionárias nos padrões sociais empíricos significaram

obsolescências para muitos procedimentos analíticos tradicionais:

transformações radicais no mundo acadêmico fizeram nascer questões

relativas à base filosófica dos procedimentos da ciência social.

Comportamentalistas e existencialistas colocam a questão fundamental: pode

a ciência continuar a servir uma função útil medindo e explicando a face

objetiva e esboçando mecanismos da realidade social, ou deve ela também

penetrar e incorporar suas dimensões subjetivas (BUTTIMER, 1980, p. 136)

Eclode na década de 1970 a virada cultural - "Cultural Turn", caracterizado

como um movimento de renovação da Geografia cultural nos Estados Unidos e Canadá,

revisitando a Geografia Cultural, pois, naquele momento, era necessário ir além da

Geografia Comportamental que, por sua vez, consolidava-se como subcampo

disciplinar. Portanto, estamos diante da via que nos permitirá um encontro da Geografia

com as ciências humanas (Psicologia, Filosofia, História e outras) como alternativa de

fuga ao neopositivismo e aos métodos de quantificação e mensuração da época.

Nesse grande debate teórico e metodológico, encontrávamos na fenomenologia a

possibilidade renovar epistemologicamente a Geografia, buscando recuperar os valores

humanistas. O método fenomenológico se apresentava enquanto um aporte filosófico,

unindo os geógrafos interessados aos aspectos subjetivos da espacialidade, cuja

finalidade era “[...] desenvolver uma abordagem filosófica para as aproximações

humanistas na geografia” (RELPH, 1970, p. 195).

O método fenomenológico surgiu no final do século XIX com Edmund

Husserl (1859-1938). Consolidou-se, a partir do século do XX, como uma abordagem

fenomenológica que permitia a reflexão, o acesso ao campo da consciência e,

consequentemente, a análise. De acordo com Japiassu e Marcondes (1990, p.44):

21

O projeto fenomenológico se define como uma ‘volta às coisas mesmas’, isto

é, aos fenômenos, aquilo que aparece à consciência, que se dá como seu

objeto intencional. O conceito de intencionalidade ocupa um lugar central na

fenomenologia, definindo a própria consciência como intencional, como

voltada para o mundo: ‘toda consciência é consciência de alguma coisa’

(Husserl). Dessa forma, a fenomenologia pretende ao mesmo tempo

combater o empirismo e o psicologismo e superar a oposição tradicional

entre realismo e idealismo.

Ressaltamos a existência de um substancial arcabouço teórico em torno do

conceito de espaço. Dentre tantos enfoques possíveis, optamos pelo viés humanista na

Geografia, no qual o espaço ganhou uma posição central no estudo existencial, não

como mero espaço representacional da Geometria e da Física, mas como “espaço

presente”, que também não se restringe ao espaço dos naturalistas e funcionalistas da

Geografia (CLAVAL, 2002).

De modo sutil, repousava sobre a natureza a interpretação filosófica,

fundamentando o papel da iniciativa humana. Yi-Fu Tuan, um dos expoentes máximos

dessa abordagem humanista do espaço, trabalha esta categoria na perspectiva da

experiência humana, centrando-se precisamente na relação corpo-espaço ou corpo-

mundo, ou seja, a relação sensorial do corpo em relação ao mundo, através das

qualidades espaciais presentes no olfato, na visão, no tato, na audição e no paladar. Ele

investiga como o ser humano — que está ao mesmo tempo nos planos do animal, da

fantasia, do cálculo e da experiência — entende o mundo.

Para Tuan (2013, p. 72), o espaço é um símbolo de liberdade. É visto pelo

mundo ocidental como algo positivo, por ser considerado aberto, livre e amplo. Por ter

essas características, sugere um futuro e, a um só tempo, convida à ação, resultando

num aspecto negativo, onde espaço e liberdade tornam-se uma verdadeira ameaça,

implicando vulnerabilidade. Portanto, o autor considera que o espaço é aberto; não tem

caminho trilhado nem sinalização; não tem padrões estabelecidos revelando algo. Em

outras palavras, pode ser comparado a uma folha em branco na qual é possível imprimir

qualquer significado.

Portanto, entendemos que o espaço oferece um campo de possibilidades para

contemplarmos empiricamente a natureza das "coisas", pensamento este que deve captar

os sentidos espaciais mais básicos da relação com o espaço em contextos têmporo-

espaciais distintos, entendendo o homem e seus sentidos como parte integrante do

mesmo, independente das suas intencionalidades e capacidades. Destacamos que tudo o

que existe, existe no “tempo e no espaço” e é neste último que vamos encontrar as

22

expressões do tempo, sinalizando o encontro das dimensões de passado, presente e

futuro, revelando uma construção relacional do espaço natural e materializando-o como

um produto da sua percepção intersubjetiva.

Para Buttimer (1982, p. 178), o espaço é formado pelo mundo vivido, ou seja,

onde quer que se encontrem, cada pessoa está rodeada por "camadas" concêntricas de

espaço vivido, interagindo de modo relacional (conforme a Figura 1). O espaço

ultrapassa a mera condição limitada de comparação ao lugar ou lar - configura-se como

um universo vivido, onde coisas e pessoas se relacionam. Portanto, descrever o espaço

“[...] meramente em termos de sua geometria é uma abordagem inadequada ao

entendimento da experiência humana” (BUTTIMER, 1985, p. 174).

Figura 1-Esquema do Espaço Vivido na Perspectiva Relacional

Fonte: Adaptado de Tenenbaum, 2003.

Por este viés, consideramos que aspectos como atitudes, crenças e percepções

jamais devem ficar de fora ao abordar o espaço no ensino da Geografia, sobretudo a

Geografia Escolar, por ser uma das fases mais importantes na construção do

conhecimento sistematizado sobre o meio/espaço, uma vez que é fácil e, ao mesmo

tempo, prático reconhecer em cada espaço as intersusbjetividades, despertando o

interesse ambiental de uma lagoa poluída; um casarão antigo a ser demolido; uma

árvore centenária prestes a ser cortada; os lixões em terreno baldio; uma ação de despejo

de uma comunidade em detrimento de interesses imobiliários, dentre outros, nos

revelando que o homem é o dominante ecológico e o seu comportamento deve ser

compreendido em profundidade, não superficialmente.

23

Para a autora, as pessoas nascem dentro de um mundo intersubjetivo, isto é,

aprendemos a linguagem e os estilos de comportamento social que nos habilitam no

mundo diário. “[...] A intersubjetividade sugere a situação herdada que circunda a vida

diária. Pode também ser compreendida como um processo em movimento pelo qual os

indivíduos continuam a criar seus mundos sociais” (BUTTIMER, 1982, p. 181).

É nesse sentido que Bachelard (2008), tratar da relação Sociedade - Natureza no

contexto da espacialidade tomando como referência a "casa" em que nos fornece

simultaneamente, imagens dispersas e um corpo de imagens, justificando que a mesma

é o nosso canto no mundo, o nosso primeiro universo - o cosmo. Portanto, destaca a

imaginação e a dialética dos significados em todos os objetos, compartimentos e cheiros

contidos no espaço vivido e percebido, armazenado na memória ao longo do tempo,

sendo revisitado simultaneamente pelas lembranças.

Em sua proposta, Bachelard (2008, p. 17), analisa a poética do espaço por meio

das imagens fundamentado num conjunto de conceitos da psicanálise e em especial, da

fenomenologia, sugerindo uma topoanálise que em suas palavras é denominado de “O

estudo psicológico sistemático dos locais de nossa vida íntima”, caracterizado como

encontro do tempo descontínuo com a memória do espaço relativo.

Aqui o espaço é tudo, pois o tempo já não anima a memória. A memória –

coisa estranha! – não registra a duração concreta, a duração no sentido

bergsoniano. Não podemos reviver as durações abolidas. [...] É pelo espaço, é

no espaço que encontramos os belos fósseis de duração concretizados por

longas permanências. O inconsciente permanece nos locais. [...] Localizar

uma lembrança no tempo não passa de uma preocupação de biógrafo e

corresponde praticamente apenas a uma espécie de história externa, uma

história para uso externo, para ser contada aos outros.

Assim, compreendemos que a relação intersubjetiva entre indivíduos e sociedade

ocorre numa relação puramente dialógica, complexa e processual, onde o particular

interage com o universal e vice-versa, revelando que a construção do espaço perpassa

substancialmente pelo movimento constante entre a intersubjetivação e objetivação.

Podemos encontrar, no espaço, significados, imagens e emoções como formas de

expressão da intersubjetividade sobre a matéria, permitindo ao homem se “fazer”

presente no mundo, norteando seus pensamentos e sentimentos, sendo, essas “formas”,

associadas à vida que o espaço ganha, num movimento que se constrói através das

sucessivas relações estabelecidas entre si. O tempo, nesta perspectiva, nos remete à

ideia de uma dinâmica/instável, um movimento que se repete.

24

Discorrer sobre espaço é um convite a outra categoria: o tempo. Tempo e espaço

jamais devem ser vistos de forma dissociada e oposta, apesar de serem distintas, pois o

tempo nos remete a características como liberdade, desarticulação e surpresa, sendo que

as mesmas também podem ser atribuídas ao espaço, numa compreensão reformulada,

por ser uma constituição conjunta.

Nesse ínterim, o espaço assume papel importante nas relações globais e locais,

por meio de inúmeras e mutáveis manifestações no cotidiano das pessoas, através de

uma lógica que trabalha em diferentes escalas com níveis variados e constantes na busca

do lucro, sob a égide das tecnologias e do trabalho. O espaço vai se (re)configurando em

combinação com as múltiplas relações estabelecidas no campo e na cidade, bem como

na esfera global, criando e recriando valores, crenças e vontades, inspirando

comportamentos filosóficos e práticos, a relação interpessoal e a comunhão com o

sagrado.

Concomitantemente, o espaço passa por profundas e rápidas transformações, sob

efeito do simbolismo e da visibilidade, estimulando a percepção das pessoas e,

consequentemente, o pensamento reflexivo. Gomes (2013, p. 05), ao tratar a

visibilidade no contexto de espacialidade, aponta que as novas mídias têm

proporcionado uma gama de instrumentos para captar informações do espaço: máquinas

digitais ou celulares e variados aparelhos de reprodução que possibilitam a produção e a

rápida transmissão de imagens.

Estes instrumentos – por serem, em sua maioria, pessoais – constroem uma

relação de sensação íntima entre aquele que registra (o observador), aquilo que registra

(o instrumento de registro) e aquilo que é registrado (as informações do espaço). Isso

deixa as pessoas mais à vontade para fixar sensações, momentos, experiências, lugares e

pessoas por meio digital, o que, de certa forma, permite uma leitura mais detalhada

dessas imagens. Isto fomenta a percepção crítica da leitura espacial, uma vez que há

múltiplas e contínuas possibilidades ao olhar as imagens.

Na percepção intersubjetiva da visibilidade, é natural encontrarmos imagens

singularizadas, sendo mais notadas e individualizadas que outras, por disporem de

elementos e condições variadas, concebidas e construídas para realçá-las, o que remete a

uma competição entre estes registros. Em meio a essa competição, é importante

compreendermos as estratégias de sedução criadas para atrair os olhares e despertar

interesses.

25

Ao visitar as duas grandes categorias de "espaços públicos" apresentadas por

Bauman (2011, p.113-114), que expõe as estratégias de sedução do espaço, percebemos

que ambas se afastam do modelo ideal de espaço público. São opostas, mas

complementares, sendo uma civil e a outra de não civil2. Independentemente dessa

disputa de imagens, as pessoas estão realizando uma leitura do espaço.

É através da leitura do espaço que se torna possível refletirmos sobre a realidade,

sua dinâmica e intersubjetividade, (re) formulando um pensamento que conduza à

associação da teoria com a prática no processo de ensino-aprendizagem, estimulando os

alunos a uma leitura mais subjetiva do espaço, permeando a experiência dos sentidos,

envolvendo sentimentos, corpo e um misto de cultura, história e das relações sociais

estabelecidas com o espaço. Portanto, compreendemos que o modo como o espaço é

percebido diz muito de como as pessoas vivem, compreendendo que o limite do espaço

começa quando passamos a entender as suas transformações a partir do momento em

que o conhecemos melhor e o dotamos de valor. Este valor resulta da importância que

damos à vida cotidiana, sobretudo à sobrevivência. Como bem destaca Vesentini (2009,

p. 97), “a questão fundamental aqui são as relações sociais e não o espaço como algo

externo”. Esse enfoque singulariza o espaço geográfico e o distingue do espaço dos

matemáticos, físicos ou psicólogos que não se preocupam com a interação dos e entre os

fenômenos naturais e sociais, nas diversas escalas geográficas de análise (e não apenas

cartográficas).

Nesse sentido, a perspectiva humanista nos permite alargar ainda mais o

conceito de espaço, ao fazer referência aos sentimentos espaciais e à experiência. A

experiência trata-se da

[...] totalidade de meios pelos quais nós chegamos à compreensão do mundo:

nós conhecemos o mundo através da sensação (sentimento), percepção e

concepção. A compreensão do espaço pelos geógrafos é abstrata, embora

menos que a do matemático puro [...] (TUAN, 2013, p. 388).

2 Na categoria civil, o traço marcante é a falta de hospitalidade desses espaços públicos urbanos. No

entanto, enfatizam algo que chama a atenção dos visitantes para ofuscar a falta de hospitalidade, por

exemplo, de uma "praça". A visão imprime respeito nos desejosos de civilidade e, ao mesmo tempo,

desencoraja a permanência nesse espaço. De quebra, outros elementos contidos nesse espaço, como

"edifícios fantásticos" entram em cena no entorno da praça vazia, cuja finalidade é a garantia da

admiração, mesmo sendo inacessíveis aos olhos. Já a categoria não civil é aquela que se destina a servir

os consumidores; em outras palavras, é transformar os habitantes da cidade em consumidores. Considera

que os consumidores comumente compartilham os espaços físicos, como shopping centers, cafés, clubes

e outros, aos quais as pessoas dão forte importância a eles, sendo influenciados por esses espaços e,

portanto, os alimentam com sua existência, atendendo a sua tarefa - o consumo.

26

Visto por este lado, compreendemos que há sentido em tudo meio, mas são

variadas as maneiras como as pessoas percebem e avaliam o espaço em que vivem e,

consequentemente, se relacionam, de modo que duas pessoas podem ver a mesma

paisagem de forma diferente. O que muda é o ângulo de visão de cada pessoa. Assim, a

reflexão deve ir além do conceito de espaço colocado pelo viés tradicional da Geografia,

pois tanto os cientistas quanto os teóricos tendem a descuidar da diversidade de

elementos contidos neste, assim como da intersubjetividade humana, que permite uma

leitura mais plural, por meio dos cinco sentidos, sendo a visão aquele que o ser humano

mais depende para progredir.

Em Fenomenologia da Percepção, Maurice Merleau-Ponty (1908-1961) afirma

que "[...] não há sujeito transcendental, puro; o homem e, ao mesmo tempo, ‘eu’

corporal e sujeito pensante". A relação que se estabelece é aquela em que o sujeito

encontra-se afetado da presença íntima dos objetos. Com isso, o corpo deixa de ser um

mecanismo fechado sobre si; a alma agiria por si só.

Ainda segundo o mesmo autor, o sujeito no mundo é o corpo no mundo. O

sujeito da percepção é o corpo, pelo simples fato de ele perceber e sentir. Sendo o corpo

uma unidade perceptiva viva, e não mais a consciência pensada dissociada da

experiência vivida (consciência de onde provém o conhecimento), é visto como fonte de

sentidos, significação da relação do sujeito com o mundo. Mas um sujeito em sua

totalidade, capaz de estruturar relações com as coisas do meio que o cerca, conforme

demonstra a Figura 2.

Figura 2 - Esquema do Sujeito da Percepção

Fonte: Merleau-Ponty, 1999.

27

Ao tratar da percepção, Merleau-Ponty destaca que aquilo que é percebido por

uma pessoa, ou seja, o fenômeno acontece num campo do qual ela faz parte. Portanto,

ao considerar o sujeito como corpo no mundo, o autor ressalta a importância da

experiência perceptiva e nos mostra que o conhecimento começa no corpo-próprio -,

certamente que por isso tenha afirmado: "Eu não tenho um corpo, eu sou o meu corpo,

ou seja, sou o corpo que percebe e simultaneamente é percebido, portanto deve deixar

de ser concebido como objeto, como coisa” (MERLEAU-PONTY, 1999, p. 08).

O autor é pertinente ao propor uma volta à experiência perceptiva, pois, segundo

ele, a percepção é a própria lógica vivida, nos religando ao mundo em sua essência,

coisa que a tradicional filosofia esqueceu. Justifica ainda que a percepção “[...] não é

uma ciência do mundo, não é nem mesmo um ato, uma tomada de posição deliberada;

ela é o fundo sobre o qual todos os atos se destacam e é pressuposta por eles”

(MERLEAU-PONTY, 1999, p. 06). Das suas contribuições, podemos destacar como a

maior delas a cisão com o humanismo filosófico, apontado por ele como o principal

responsável pelo dualismo entre sujeito-objeto, no qual o mundo era constituído por

relações objetivas.

Merleau-Ponty tem se firmado entre os filósofos fenomenologistas-

existencialistas que mais se sobressaíram nas últimas décadas por ter produzido

reflexões mais fecundas que conduziram muitos geógrafos a utilizarem suas obras de

modo especial, aqueles que se consideram humanistas em Geografia, especialmente Éric

Dardel, Anne Buttimer, Edward Relph, Yi-Fu Tuan, Werther Holzer e outros.

Ressaltamos que os seres humanos necessitam de espaço, pois as vidas humanas

são momentos de dialética entre refúgio e aventura, dependência e liberdade, desde a

sistematização da Geografia, o espaço sempre ganhou atenção especial por ser o objeto

de estudo desta ciência. Portanto, na década de 1980, considerada um pouco anárquica,

constroem-se novas Geografias Culturais, que trazem várias tradições teóricas,

incluindo os modelos político-econômicos, como, por exemplo, as teorias pós-

colonialistas e pós-estruturalistas enquanto crítica ao modernismo ocidental e ao

movimento pós-moderno.

A partir de meados dos anos 2000 aos dias atuais emergiu a necessidade de se

avançar ainda mais na discussão do espaço, tomando como referência os conceitos

clássicos até as novas concepções da atualidade, como por exemplo, após-

fenomenologia, o pós-estruturalismo e pós-colonialismo, conforme aponta Eduardo

Marandola Jr., ao referir-se à virada cultural plenamente consolidada.

28

No tocante a esses pressupostos, Marandola Jr (2005; 2013), diz que a alcunha

de pós-fenomenologia, ao invés de romper ou superar a fenomenologia, como na

proposta deleuziana, inclui “pós” antes de “Fenomenologia”, não se referindo a um

lugar além dessa tradicional corrente de pensamento, mas chama a atenção para a

necessidade de pensar a referida disciplina no contexto atual, ou seja, fazer desta uma

filosofia do século XXI, onde muitas questões emergem de tendências não esperadas no

terreno da Fenomenologia.

Nesse caso, a leitura paciente do pensamento de Merleau-Ponty, revela uma

ponte entre a Fenomenologia e a Pós-Fenomenologia, pois a ideia central da

Fenomenologia na relação homem-mundo compreendida através da intencionalidade

permanece, porém, mediada por uma tecnologia, combinando as tradições

fenomenológicas com o pragmatismo, investigando relações humanas com as

tecnologias e dando ênfase às análises de estudos de casos concretos.

No seu livro Fenomenologia da Percepção, Merleau-Ponty (1999, p. 198) faz

uma relação de corpos como artefatos, considerando o uso como uma extensão das

sensações e exemplificou através da, "bengala do cego" -, onde, o filósofo, afirma que a

mão que utiliza uma bengala estende sua percepção até a ponta deste objeto, dando

condições ao "cego" de realizar uma locomoção melhor no espaço. O senso de aptidão

corporal por meio de um artefato serviu para a Pós-Fenomenologia ampliá-lo através da

'relação corporificada' de humanos-mais-tecnologias, conforme Ihde (2004, p. 22).

Na Pós-Fenomenologia, o enfoque ganha a mediação tecnológica entre o sujeito

e o objeto. Merleau-Ponty, ao tratar do corpo versus artefatos, incorpora a tecnologia ao

considerar a "bengala" uma extensão da percepção corporal desse indivíduo. Então, o

elemento novo é a releitura daquilo que já existe, com uma abordagem jamais dita antes.

A história da Pós-Fenomenologia inicia-se com Johann P. Arnason, que publicou um

artigo no periódico Thesis Eleven, em 1993, após formular esse conceito. O referido

pesquisador foi seguido ainda no mesmo ano pelo norte-americano Don Ihde, que

publicou uma coleção intitulada Postphenomenology: Essays in Thepostmoderncontext

(ADAMS, 2007, p. 4).

Ihde é, na atualidade, o mais importante mediador da filosofia contemporânea,

conectando Fenomenologia com pós-modernismo, Filosofia da Tecnologia, Filosofia da

Ciência e Filosofia Continental com Filosofia Analítica. A Pós-Fenomenologia

apresentada pelo filósofo agrega à Fenomenologia conceitos não abordados por Husserl

29

e Merleau-Ponty, dentre outros autores clássicos que estudam a relação da

Fenomenologia com a tecnologia e o pragmatismo.

Contudo, ainda não arregimentou a grande maioria dos geógrafos da atualidade,

pois estes não encontram valor algum na abordagem desse diálogo entre Fenomenologia

e Pós-Fenomenologia. Apenas alguns destes se identificam com as abordagens das

chamadas Geografias Pós-Fenomenológicas, incluindo, nessa perspectiva de análise, o

pós-estruturalismo e pós-colonialismo, também caracterizados como um modo de

pensamento e/ou um estilo de filosofar que se afasta da ideia de homogeneidade,

singularidade e unidade.

É nesse sentido que se apresentam as contribuições de Doreen Massey como

nova perspectiva de análise, conceituado o espaço de modo mais amplo como:

[...] um encontro de múltiplas trajetórias, cujo arranjo não se conforma à

representação de uma superfície plana e pontual. Portanto, é considerado

aberto, múltiplo e relacional, não acabado, sempre em devir, é um pré-

requisito para que a história seja aberta e, assim, um pré-requisito, também,

para a possibilidade da política (MASSEY, 2008, p. 95).

Essa é uma "nova imaginação do espaço", que traduz uma nova forma de pensar

o espaço como algo político, pois este denota uma perspectiva antiessencialista em

questões de identidade de grupos sociais e de lugares, enfatizando uma construção

relacional e fazendo emergir uma Geografia das relações na construção dessas

identidades, uma vez que o espaço é produto de interrelações, podendo existir somente

num espaço relacional no qual nada é definitivo.

O espaço é o “[...] reino da fixação, da estase, do que precisa ser superado para o

movimento libertador do tempo e da história [...], se o tempo se revela como mudança,

então o espaço se revela como interação (MASSEY, 2008, p. 97-98)”. A percepção do

espaço relacional no cotidiano se traduz nas práticas humanas que adotamos em relação

a ele, que, por sua vez, são globais. Podemos tomar como exemplo o fluxo de capital e

informação, assim como a mobilidade de pessoas em âmbito mundial. Por tudo isso,

emerge a necessidade de incorporar outros sentidos para além do visual e, inclusive, a

imaginação.

1.2 Os sentidos do espaço

A partir das diferentes leituras sobre o espaço, fez-se emergir a possibilidade

de trabalharmos os sentidos multissensoriais na Geografia escolar por meio do TC,

30

revelando uma nova perspectiva no processo de ensino-aprendizagem do referido

campo de estudo. Portanto, compreendemos que a percepção dos alunos pode ser

moldada através de práticas pedagógicas que propiciem o contato mais frequente com o

meio/espaço, estimulando os sentidos, o que certamente resultará num comportamento

sensorial mais abrangente dos seres humanos.

Pensando nisso, o ensino da Geografia, no âmbito nacional, tem procurado

desenvolver diversas metodologias que ressignifiquem o real sentido das aulas,

contribuindo para que estas deixem de ser vistas como simples lugares de ensino e

passem a ser compreendidas como espaços de aprendizagem significativa dentro e fora

da escola.

Como sabemos, uma das maneiras de percebermos o ambiente é por meio dos

sentidos multissensoriais, ou seja, da visão, olfato, tato, paladar e audição (OLIVEIRA,

2010). É prioritariamente vendo, cheirando, apalpando, degustando e ouvindo que nos

fazemos existir no espaço, captando informações sobre o meio em que nos inserimos

para que possamos a partir de então, selecionar o que é agradável e desagradável, o que

interessa e desinteressa, para que possamos interpretar e responder aos estímulos do

ambiente e por fim, interagir com o mesmo.

Dentre os cinco sentidos do sistema sensorial humano, o homem depende mais

conscientemente da visão para progredir no mundo, pois, as informações lhes chegam

de modo detalhado e específico por meio dos olhos do que pelos demais sistemas

sensoriais (audição, olfato, paladar e tato). Não é por acaso que "a maioria das pessoas

provavelmente considera a 'visão' como sua faculdade mais valiosa e preferia perder

uma perna ou tornar-se surda ou muda a sacrificar a 'visão'” (TUAN, 2012, p. 22). É por

meio da visão que os elementos contidos no espaço complementam a observação.

Assim, ao captar diversos estímulos sob a forma de imagens contidas no espaço

geográfico, estas causam impacto visual ao serem observadas, transmitindo-nos algo,

dando-nos uma sensação de bem-estar ou de inquietação.

Na ordem de valores está o olfato, remetendo-nos a uma leitura espacial por

meio de odores. Está geralmente associado ao cheiro de fragrâncias/perfumes, aguçando

a memória alimentar em processos e experiências emocionais numa forma de

aprendizado, pois o cheiro aguça nossa percepção espacial ao ponto de adivinharmos os

odores peculiares de cada bairro da cidade e dos distritos. Comumente, o odor é

associado ao mau cheiro, criando espontaneamente um sentimento de repulsa, presentes

31

tanto na cidade como no distrito, um bom exemplo são os córregos e os bueiros que

exalam um cheiro desagradável independente da chuva e da seca.

Além das sensações prazerosas, a sensibilidade olfativa desperta emoções e

sentimentos, reportando-nos a lembranças marcadas no tempo e no espaço que jamais

poderão se repetir tal como ocorreram naquele primeiro momento, porque os recortes do

espaço vão ganhando, com o passar do tempo, novas e diversas fontes de cheiros,

sinalizando transformações do espaço. O poder odorífico, no entanto, vai além das

lembranças, trazendo todo um complexo de sensações carregadas de imagens das

paisagens geográficas com todos os elementos contidos na sua descrição, dando

detalhes peculiares ao momento vivido e sentido.

Os odores seguem o seu itinerário existencial obedecendo ao momento presente.

São sentidos no passado e incapazes de serem reconstruídos, sendo somente revisitado

na memória. Todavia, com a urbanização em voga, podemos imaginar como serão

alterados num futuro próximo, isolando cada vez mais as pessoas dos cheiros naturais

presentes no mundo.

O tato é uma das maneiras de o ser humano "pegar" o mundo pelas sensações

da pele. Dotado de delicadeza, o sentido tátil permite conhecer as características do

ambiente e o estado de muitas estruturas; perceber e diferenciar a textura ou a dureza

das superfícies; não é suficiente colocar o dedo sobre elas, uma vez que o dedo necessita

ser movido sobre elas e ainda, permite detectar a temperatura dos objetos e a diferença

de pressão, captando a variação de energia e a sensação de dor.

É importante frisar que o sentido tátil está em todo o corpo humano revestido em

pele, cuja função é proteger o nosso corpo do ambiente externo, funcionando como uma

espécie de primeira-roupa à prova d’água, flexível, resistente, lavável, e, o melhor,

regenerável. Os indivíduos cegos utilizam muito o tato para conseguir superar as

dificuldades e vencer obstáculos, encontrando apoio numa bengala, extensão do seu

braço, com a qual podem sentir o chão onde pisam a fim de se guiarem pelos caminhos.

Além disso, usam o Braille, que é uma espécie de língua tátil, para suas leituras.

É por meio do paladar que podemos saborear os alimentos e distingui-los pela

degustação – e também pelo cheiro –, definindo as sensações de sabores que o alimento

oferece: doce, salgado, azedo e amargo. O paladar apresenta uma vantagem em relação

ao olfato e demais sentidos, pois necessita do contato direto com os objetos, ou seja,

uma vontade para que possa ocorrer a excitação.

32

A audição ajuda na leitura do espaço, fornecendo informações sobre a posição

dos nossos corpos, tornando-se parcialmente responsável pelo nosso equilíbrio e

exercendo melhor a sua função. Um aspecto importante é o movimento e direção para

melhor compreensão e recepção das mensagens, como sons, ruídos estridentes e

barulhos que ocorrem em nossa volta, sendo capazes de identificar intensidades e

timbres (forte, fraco, grave e agudo) e a natureza de sua proveniência.

Numa aula de campo utilizando os sentidos, os professores envolvidos devem

estimular as sensações e procurar identificar, na prática, as percepções sensoriais por

meio dos cinco sentidos, reconhecendo os detalhes das imagens que o ambiente oferece,

os diferentes sons, cheiros, sabores e texturas, compreendendo as sensações nos são

despertadas e suas implicações no campo sentimental de modo que agucem os sentidos

e expressões “[...] capazes de associar as informações sensoriais à memória, à cognição

e gerar conceitos sobre o mundo, sobre nós mesmos e os outros", evocando reações

afetivas (ASSUMPÇÃO JUNIOR; ADAMO, 2007, p. 5).

Portanto, percebemos o mundo com todos os sentidos do sistema sensorial, de

modo que eles trabalham em conjunto – salvo o caso da pessoa portadora de deficiência,

tendo ocorrido a perda parcial ou total de algum(ns) destes sentidos, ocasionando,

naturalmente, o aguçamento de dois ou mais dos sentidos sensoriais.

Acreditamos que um dos objetivos do ensino da Geografia, sobretudo na

Geografia escolar, é inspirar os alunos a tornar o mundo exterior cheio de sentido,

agradável, reflexivo, palpável, interativo e mais amoroso, colaborando, com isso, para

evitar que pessoas cultas se revelem como déspotas, verdadeiros tiranos. É a partir desse

ato amoroso, marcado pelo encontro da essência da Geografia (o espaço como fazer

pedagógico e apoiado nos sentidos), que o ensino desta disciplina contará com mais um

recurso de ensino-aprendizagem para captar e apreender de modo sensível a leitura do

espaço.

É nesse contexto que se insere a metodologia do TC, sem perder de vista o

rigoroso planejamento, contextualização e avaliação, articulados aos conteúdos

trabalhados em sala de aula, despertando a imaginação dos alunos e estimulando-os a ler

o espaço cotidianamente de forma crítica. É nessa perspectiva que se torna possível

acreditar que a realização frequente dessa atividade prática na formação escolar dos

alunos contribui, mais tarde - e fora do âmbito instrucional — a ser uma experiência

espontânea e constante para a formação da cidadania.

33

1.3 O Trabalho de Campo na Geografia Escolar

O Trabalho de Campo (TC) é um recurso metodológico de larga tradição na

Geografia e tem sido reconhecido pelo grande potencial de ensino-aprendizagem da

realidade espacial. Portanto, a Geografia tem no TC uma das suas metodologias

fundantes de análises do espaço, com registros da sua prática que datam do final do

século XIX, com as contribuições Alexandre Von Humboldt (1769-1859) e Karl Ritter

(1779-1859), sistematizadores da ciência geográfica3.

Nessa metodologia, saber articular o método à teoria é o principal desafio dos

geógrafos e professores de Geografia que se propuserem a adotar o TC no exercício das

suas funções de pesquisa e ensino. Em se tratando do TC na Geografia Escolar,

encontramos algumas vantagens em articular teoria e prática, uma vez que a forma

como os conteúdos vêm sendo apresentados nos livros didáticos, sobretudo nas últimas

décadas, tem propiciado o entrecruzamento de temas afins, associados à didática e à

metodologia do professor, favorecendo uma boa prática de campo no processo de

ensino-aprendizagem.

A respeito do desafio da articulação entre teoria e prática, Alentejano e Leão

(1949, p. 55-56) acrescentam a importância do TC e sua relação com o problema da

dicotomia entre Geografia Física e Humana. Apesar de um discurso integrado na

Geografia, no sentido do não isolamento das variáveis físicas e sociais responsáveis pela

produção do espaço geográfico, historicamente a referida oposição foi difundida nas

práticas das pesquisas geográficas, construindo um olhar espacial fragmentado sobre um

fenômeno estudado.

Para Massey (2012, p. 57), essa dicotomia tem suas origens fora da Geografia. É

fruto das ciências exatas, em especial da Física. Isto trouxe consequências para a

Geografia Física, quando os geógrafos passaram a se considerar verdadeiros gênios. No

século XIX, a ciência passou a ser vista como o único caminho sob o olhar estruturalista

e os geógrafos, por sua vez, estavam envolvidos em disputas intelectuais para combater

3Humboldt era um viajante, naturalista, que realizava expedições por várias partes da Terra, nas quais ele

coletava plantas, amostras de solos; desenhava animais, plantas e recortes de paisagens etc. Descrevia-os

apoiado na ferramenta de observação. Notadamente, pela natureza científica do seu trabalho, podemos

perceber claramente que realizava com isso o “Trabalho de Campo para a pesquisa geográfica”, ao passo

que Ritter não era viajante explorador. Este último residia em Berlim/Alemanha, era professor de escola

e, mais tarde, catedrático da Universidade de Berlim. O seu papel, ao lado de Humboldt, foi de

sistematizar as pesquisas do primeiro e, mais tarde, vivenciou as Aulas de Campo temática na Alemanha

e Norte da África Ocidental com fins meramente didáticos, dando uma nova concepção ao sujeito como

ser ativo-participativo ao encabeçar, em Berlim, o movimento antiescravidão e antiracismo.

34

os inimigos, ou seja, aqueles que pensavam diferente da ciência estruturalista, com

métodos subjetivos e qualitativos de pesquisas.

Neste caso, a formação acadêmica torna-se um fator primordial para o

rompimento da velha dicotomia entre Geografia Física e Geografia Humana, ainda

existente nos cursos de Geografia e refletida no seu ensino. No âmbito da Geografia

Escolar, o TC, em suas modalidades, exige que se trabalhem os conteúdos em sua

totalidade física e humana, sem distinção em campo, ressignificando o saber geográfico

de maneira que não deixe lacunas e se configure como um recurso de grande

importância no processo de ensino-aprendizagem, evitando, com isso, a sua banalidade.

Em se tratando do TC na história do pensamento geográfico, é muito importante

ressaltarmos o que já superamos em termos de desafios. Dentre eles, a preferência

exclusiva do empirismo nas primeiras décadas de existência da ciência geográfica; a

atenção dada pela Associação dos Geógrafos Brasileiros (AGB) aos TCs nos congressos

nacionais, produzindo relatórios e pesquisas de várias partes do Brasil e do mundo

como forma de difundir o TC por meio das publicações dos boletins geográficos; a

resistência hegemônica da Geografia Teorética-Quantitativa, a qual colocou no

anonimato o TC em detrimento das novas tecnologias de informações e dos modelos

matemáticos, utilizados como os mais adequados instrumentos de investigação da

realidade espacial; a resistência ao radicalismo da Geografia Crítica, que se pautava na

crítica ao empirismo dominante na Geografia Tradicional, negligenciando o aporte

teórico e comprometendo a validade do TC como relevante instrumento de pesquisa e

de construção do pensamento geográfico, sob o pretexto da ênfase à teoria.

Na Geografia Escolar, ressaltamos as contribuições de Delgado de Carvalho

(1884-1980), um dos grandes expoentes da didática em Geografia no Brasil nas

primeiras décadas do século XX. Foi pioneiro ao empregar o termo “Excursão

Geográfica” e/ou “Passeio Escolar” como método de ensino na Geografia Escolar, sob

forte influência pedagógica de Pestalozzi e Freinet na sua formação escolar europeia,

ambos da Escola Nova. Carvalho (1949, p. 98, 97), dizia que

O contacto com a realidade determina, por si só, o início de todo um processo

de aprendizagem, validando, com isso, as contribuições teórico - práticas do

Trabalho de Campo por meio das ‘excursões’. [...] É o dom de orientar e de

pensar geograficamente. Tornar a viagem e a excursão cheia de significações

e ensinamentos é uma das mais preciosas funções da educação.

Francis Ruellan (1894-1975) estava entre os grandes geógrafos franceses que

chegaram ao Brasil no começo do século XX com a finalidade de consolidar a

35

Geografia no país. Foi contratado em 1940 para trabalhar com acadêmicos da

Universidade de São Paulo (USP) e no Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

(IBGE). Portanto, suas contribuições para a Geografia foram voltadas para o campo de

formação e pesquisa, apresentando, quatro anos depois, a proposta do TC para a

pesquisa geográfica.

Para Ruellan (1944, p. 35), “[...] uma excursão geográfica de alunos do Ensino

Primário não poderia ter o mesmo programa e os mesmos métodos que a destinada a

alunos dos últimos anos do Ensino Secundário e ainda menos em excursões para

estudantes candidatos à licença”. Em outras palavras, há uma grande diferença entre um

TC para a pesquisa geográfica, cujo objetivo é o desenvolvimento de uma pesquisa

técnica com coleta de dados e tratamento posterior e um TC cuja finalidade é uma

“excursão geográfica” para fins estritamente didáticos e pedagógicos.

Em defesa dessa prática, Nídia Nacib Pontuschka (2004), através da sua tese de

doutorado intitulada “A Formação Pedagógica do Professor de Geografia e as Práticas

Interdisciplinares” destina um capítulo – o quarto – à abordagem das práticas de campo.

Dentre os referenciais que embasam o seu trabalho, acha-se um aspecto de grande

importância, que é a prática interdisciplinar no TC a partir do “Estudo do Meio”, que é a

sua principal defesa, destacando que é “[...] uma metodologia para conhecer um objeto

de estudo extraído da realidade local ou de outras realidades” (PONTUSCHKA, 2004,

p. 26), cabendo aos professores utilizarem no ensino da Geografia Escolar.

Portanto, o recurso metodológico Estudo do Meio é uma atividade de pesquisa

do espaço de igual semelhança ao TC; o que diferem são as expressões atribuídas ao

mesmo processo teórico-prático de ensino-aprendizagem adotado na Geografia Escolar

(PONTUSCHKA; PAGANELLI; CASETE, 2009). O TC, também conhecido como

Estudo do Meio, teve sua origem nas escolas anarquistas, tendo como objeto de estudo

o "meio", ou seja, o espaço para estudos de alunos e professores na escola e/ou em

outros ambientes de ensino-aprendizagem, sendo a expressão "TC" adotada como uma

larga tradição na ciência geográfica.

Os anarquistas fizeram parte do movimento de renovação do ensino conhecido

como Escola Nova, também chamada de Escola Ativa ou Escola Progressiva, que

surgiu no fim do século XIX na Europa e América do Norte e ganhou força, na primeira

metade do século XX, em várias partes do mundo, inclusive no Brasil, com as escolas

de São Paulo — Escola Moderna nº 1 e Escola Moderna nº 2 — e uma do Rio Grande do

Sul, a Escola Elisée Réclus.

36

No Brasil, as ideias da Escola Nova foram introduzidas em 1882 por Rui

Barbosa, e vários educadores se destacaram, dentre os quais Lourenço Filho e Anísio

Teixeira. Pontuschka (2004, p. 252) ressalta que:

O ideário da Escola Nova desenvolvido no Brasil na primeira metade do

século [XX] embora não tenha conseguido atingir a rede de ensino público,

concretizou-se em algumas escolas na década de 1960, nas quais currículos

especiais permitiam a realização de Estudos do Meio como ocorreu nas

escolas vocacionais ou nas classes experimentais de ginásio, do antigo

Colégio de Aplicação da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da

Universidade de São Paulo. Houve tentativas válidas (de curta duração) de

colocar em prática os princípios da Escola Nova; no entanto, esta permaneceu

muito mais como ideário, sem atingir outras escolas da rede pública.

A Escola Nova trazia o pensamento libertário, um sentimento de autonomia e

politização por meio de propostas que rompessem com as amarras acerca do ensino e da

aprendizagem, procurando modernizar o ensino e permitindo aos professores e alunos

novas descobertas nos vários ramos da ciência.

Nesta perspectiva, diz-se que o projeto da Escola Nova não tardaria para atingir

outras escolas da rede pública de ensino. Porém, o modelo de ensino ministrado e o

Estudo do Meio eram indesejáveis para a formação dos jovens, pelo cunho "libertador"

no contexto sociopolítico vigente.

Tanto é assim que foi interrompido, em 1968, pelo Ato Institucional 5 (AI-5),

levando no ano seguinte ao fechamento das escolas de vanguarda existentes no país pelo

governo federal e, como se não bastasse, muitos professores, alunos e pais de alunos

tiveram que responder a interrogatórios realizados pelos agentes do regime militar, em

que parte deles viu-se obrigada a sair do país.

Ao final da década de 1970, no Brasil, já sinalizava-se a crise do regime

militar, mais especificamente a partir de 1978-1979, mediante as inúmeras denúncias de

arbitrariedades do governo, resultando na abertura política, ou seja, no processo de

redemocratização do país. Com isso, o Estudo do Meio reaparece nos planos de

trabalhos dos professores preocupados com a constituição de um ensino atraente e uma

aprendizagem significativa. A citada metodologia ressurge, a princípio, na cidade de

São Paulo, por ocasião da gestão da prefeita Luiza Erundina de Souza (1989-1993),

tendo Paulo Freire (1989-1990) como secretário municipal de educação, imbuído da

concepção de que a educação não se restringe simplesmente ao ensino, mas à libertação

do sujeito.

37

Na década de 1980, ampliava-se, de forma tímida, a quantidade de cursos de

licenciaturas no país. Discutia-se, então, a reavaliação das propostas curriculares e a

formação de professores, culminando, na década seguinte, na Nova LDB (Lei de

Diretrizes e Bases da Educação), de n. 9.394/96. No ano seguinte, 1997 foram lançados

os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs), instrumentos norteadores para as

diversas disciplinas, nos quais a metodologia do Estudo do Meio/TC e a proposta de

interdisciplinaridade são indicadas.

1.3.1 A Sistematização do Trabalho de Campo

Figura 3: Proposta de Sistematização do Trabalho de Campo

Fonte: Elaboração da autora, 2015.

38

A metodologia do TC para a pesquisa do espaço na Geografia Escolar segue a

seguinte sistematização de trabalho, conforme mostra a Figura 3, anteriormente.

O TC surge a partir de uma necessidade sentida no chão da sala de aula, por

alunos e professor(es), de ir mais além da teoria estudada. Assim, jamais deve ser

considerado como casual e desprovido de propósitos, sob o risco de ser banalizado e

confundido como um mero passeio.

Afinal, qual professor não ouviu dos seus alunos as solicitações por “uma aula

diferente”, principalmente no Ensino Fundamental? Na Geografia Escolar, o diferente

diz respeito a uma saída a campo. É um processo natural, sobretudo no ensino da

Geografia, que tem como objeto de estudo o espaço e possui uma natureza científica

correlacionada à didática e à metodologia do professor aliadas ao poder de despertar a

curiosidade e a imaginação nos alunos.

1.3.2 Etapas do processo de trabalho:

ETAPA 1 – PLANEJAMENTO EM SALA DE AULA

Consideramos a etapa de planejamento de fundamental importância para o TC,

pois o mesmo exige um bom planejamento, a fim de garantir o alcance dos objetivos

traçados, evitando, com isso, que o TC caia no descrédito. O planejamento consiste em

definir os objetivos articulando-os aos conteúdos, tendo o cuidado de considerar alguns

aspectos, dentre eles a faixa etária, a etapa cognitiva, o interesse e acolhimento por parte

dos alunos.

O TC é realizado coletivamente dentro da perspectiva interdisciplinar (quando

possível), exigindo dos envolvidos uma postura de pesquisador ciente que não conhece

a totalidade dos fatos estudados, mas reconhecendo a necessidade de ir a campo a fim

de complementá-los e estabelecer as relações entre si, sem perder de vista que estas

perpassam as áreas sociais, política e econômicas e reverberam no espaço social e

físico.

Ao planejar uma saída a campo a primeira pergunta a ser feita é:

1. O que será investigado em campo? Definido isso, parte-se para o já conhecido

estudo prévio, efetivado em sala de aula, onde são estabelecidas as definições

necessárias por parte do coletivo de professores e alunos, como o método de percepção

do espaço (o método que mais tem dado respostas sobre percepção do espaço tem sido o

39

Fenomenológico); oficinas de percepção sensorial; a técnica ou modalidade do TC; a

metodologia adotada em campo; o mapeamento dos roteiros de campo. Essa definição

implica diretamente na identificação das questões qualitativas e quantitativas da

pesquisa em campo, ou seja, ao percorrer os roteiros do TC, tendo que responder a

outras questões subsequentes, a saber:

2. Aonde iremos? Montar em equipe um roteiro embasado de informações sobre o

percurso, definindo os locais de paradas, itinerários, horários, os recursos materiais,

considerando a faixa etária da turma e, ainda, que sejam roteiros que tenham fortes

ligações com os conteúdos preestabelecidos e demais orientações, visando uma boa

organização individual e coletiva de todos os envolvidos.

3. Como será a coleta e registros de dados e informações? A princípio, deve-se

contemplar a questão desencadeadora e a questão-eixo baseando-se em pressupostos

teórico-prática de ensino-aprendizagem. Além disso, é importante ir além dos

conteúdos, permeando também a vida dos alunos em sua dimensão mais sutil, aquela

oposta à razão, no lugar povoado pela emoção e pela imaginação, motivando-os a

pensar sobre o seu papel enquanto sujeitos no espaço em que ocupam. Para isso,

empregam-se a observação do espaço em cada roteiro, coleta de dados por meio de

registros fotográficos e filmagens dos depoimentos das percepções dos alunos e dos

espaços pesquisados, além de entrevistas/conversas com pessoas da comunidade.

É comum, ao percorrer os roteiros de campo, surgirem pessoas que poderão

acrescentar informações, e é sempre importante ouvir a percepção que essas pessoas

têm sobre a realidade. Portanto, não é interessante elaborar um roteiro sistematizado,

mas deixar que a conversa/entrevista flua de modo espontâneo, onde as perguntas serão

articuladas de acordo com as necessidades e oportunidades do momento, sem perder de

vista os objetivos traçados previamente. Estas serão as formas de diálogo da

pesquisadora com o objeto da pesquisa.

Concluído o planejamento, parte-se para a etapa 2, que é a execução da técnica

ou modalidade do TC. Veja a seguir:

ETAPA 2 – TÉCNICAS OU MODALIDADES DO TRABALHO DE CAMPO

Nessa etapa será executada a técnica ou modalidade do TC definida no

planejamento (etapa 1), podendo ser realizada sob forma de aula de campo e/ou

expedições geográficas, conforme apresentadas a seguir.

40

A aula de campo teve a sua origem a partir das excursões geográfica propostas

por Delgado de Carvalho (1949), em que consiste numa atividade prática que reúne

professores e alunos em campo para fins de estudo do espaço. Essa atividade contempla

percursos mais próximos, podendo ser realizada em roteiros do próprio perímetro

urbano — intramunicipal (distritos) e intermunicipais (cidades)—, desenvolvida em

apenas um dia; portanto, sem pernoite (o que demanda planejamento do transporte e os

custos de alimentação) quando não é realizada nas cercanias da escola, onde o roteiro

pode ser feito a pé.

Essa técnica e/ou modalidade ocorre quando inserida em um projeto de pesquisa

de curta duração ou também quando há necessidade de interrelacionar os conteúdos

teóricos da aula com a prática em campo. Portanto, esse momento ocorre de forma

breve. Adequando-se ao Ensino Fundamental e Ensino Superior.

As expedições geográficas correspondem ao TC para a pesquisa geográfica,

conforme propôs Francis Ruellan (1944). Seguem as mesmas etapas de preparação

proposta para as Aulas de Campo. Essa técnica resulta em uma saída a campo com um

caráter diferente das Aulas de Campo, contemplando percursos mais distantes

(intermunicipal ou interestadual), com pernoites, durando mais de um dia, fazendo-se

necessário transporte, hospedagem, alimentação e, ainda, adota técnicas de coleta e

mensuração para a obtenção de dados.

Já essa técnica e/ou modalidade ocorre quando inserida em um projeto de

pesquisa de execução mais demorada. Apesar de ser bastante utilizada em pesquisas

realizadas por geógrafos clássicos e contemporâneos, ainda não é muito adotada no

cotidiano escolar. Isto se dá por diversos fatores, dentre eles: os custos financeiros mais

elevados; necessidade de um planejamento mais rigoroso; os riscos com alunos em

campo são maiores; o pagamento das diárias dos professores que geralmente não ocorre

devidamente. Portanto, tal metodologia adequa-se melhor ao Ensino Médio e ao Ensino

Superior.

Para Cegalla (2005, p. 401), a palavra “expedição” tem um sentido figurado,

correspondendo a “[...] viagem de um grupo para pesquisa ou exploração de

determinada região; grupo de pesquisadores ou exploradores de uma região”. A escolha

dessa expressão acha-se na natureza que constitui o trabalho, bem próxima do caráter

interdisciplinar, uma vez que é uma atividade prática, e nela podemos encontrar as

características de uma atividade exploratória, uma vez que realizamos coleta de

41

material, registros fotográficos, filmagens e atividades interativas com a comunidade,

como jogos esportivos.

Ambas facilitam o tratamento interdisciplinar que, por sua vez, longe de ser mais

um modismo, representa uma necessidade já sentida no campo das ciências e refletida

em sala de aula. Salientamos que a interdisciplinaridade favorece todos os envolvidos, e

a própria escola de modo mais específico, nos seguintes aspectos: o trabalho em grupo;

a aprendizagem compartilhada; a redução da indisciplina dos alunos e a integração entre

professor/alunos; alunos/aluno e professor/professor, gerando um sentimento de

responsabilidade com o outro.

Dada a conclusão da execução da técnica ou modalidade do TC, já de posse dos

dados coletados e registrados nos roteiros de campo, segue-se para a avaliação (etapa 3).

Como foi dito anteriormente, a saída a campo não é uma atividade didática isolada, mas

uma das etapas do processo de ensino-aprendizagem dentro de um projeto do TC.

Portanto, necessita do ponto de chegada, ou seja, da avaliação.

ETAPA 3 – AVALIAÇÃO

A avaliação é a etapa final, a síntese e/ou culminância da pesquisa, onde nos

defrontamos com o que fazer após a realização da técnica ou modalidade do TC

adotada. Portanto, neste momento todas as etapas do trabalho serão avaliadas em

conjunto, desde o planejamento, perpassando pela execução da técnica ou modalidade

até a etapa final da avaliação, a fim de averiguar o conhecimento e as informações

obtidas com a atividade.

Daí surge a pergunta:

1. O que fazer com os dados coletados e as informações obtidas? Todas as

informações serão recolhidas para a etapa de continuidade em estudos disciplinar (ou

interdisciplinar, quando ocorrer dessa forma) em sala de aula, uma vez que são recursos

com grande potencial didático-pedagógico, podendo dinamizar a aprendizagem sob

diversas formas, a fim de cristalizar o conhecimento e as informações adquiridas com o

TC.

Portanto, poderá ocorrer de forma quantitativa, através de aplicação de um

simulado com questões (objetivas) no ambiente virtual e uma avaliação (subjetiva), de

modo que revele o processo de ensino-aprendizagem em três aspectos distintos: o antes,

o durante e o depois do TC. E, de modo qualitativo, revelando os resultados das

42

observações, podendo ser através de uma exposição de fotografias no ambiente escolar;

produção de vídeos-documentários feitos pelos próprios alunos e postado no Youtube;

um ciclo de debate com toda equipe do TC na sala de aula e/ou num ambiente virtual

(chat); criar um grupo fechado e/ou aberto (Facebook ou Badoo) para a construção do

diário virtual, em substituição ao tradicional relatório de campo, pois o primeiro vai

mais além. Este deve ser narrativo, descritivo e interativo, permitindo abertura para

críticas e sugestões. Outras atividades também podem ser desenvolvidas, como a

elaboração de texto de análises e mapas mentais.

Estudar o espaço na perspectiva multissensorial nos permite uma leitura

descritiva e narrativa por meio dos recortes do espaço. Para Gomes (2013, p. 69-71),

“[...] descrever um recorte do espaço" é dizer como ele é, de que elementos é composto,

como se apresenta, ao passo que a narração corresponde à ideia de processo e significa

estabelecer momentos na evolução das formas e suas transformações. Em oposição, a

descrição teria maior compromisso com a simultaneidade de elementos, com a

composição e até com a simbologia, ou seja, com a relação da forma com os conteúdos.

Compreendemos, portanto, que os procedimentos descritivo-narrativos se

completam na leitura da espacialidade e são aspectos marcantes na tradição geográfica,

uma vez que temos como objeto de estudo o meio, e é nele que estão contidas as

imagens. Estas, por sua natureza, têm o poder descritivo de provocar a nossa

imaginação e induzir a pensar em diferentes momentos para compreendermos a

realidade.

O TC, além de possibilitar a visualização e assimilação de conceitos tratados em

sala de aula, quando em campo acaba por revelar o espaço no sentido subjetivo. Assim

concebido, abre-se e liberta-se das amarras disciplinares, possibilitando aos alunos

vivenciar e resgatar uma tradição da Geografia como disciplina de síntese, ou seja, não

no sentido menor, mas na busca do diálogo, da integração já prescrita por Delgado de

Carvalho e, hoje, revalorizada por Edgar Morin, por exemplo, quando julga o

conhecimento do espaço como um dos saberes necessários à educação do futuro

Nesse sentido, a postura na abordagem dos conteúdos por parte dos professores,

bem como sua capacidade de ler e interpretar o mundo, fazem uma grande diferença na

formação dos alunos. A partir de então, estes passam a perceber o mundo pelos

“sentidos”, não se prendendo a uma visão de mundo limitada. É nessa perspectiva que

se torna possível a leitura de mundo, tão bem fundamentada e apresentada por Freire

(1981). Para ele,

43

[...] a leitura de mundo precede sempre a leitura da palavra e a leitura desta

implica a continuidade da leitura daquele [...]. De qualquer maneira, porém,

podemos ir mais longe e dizer que a leitura da palavra não é apenas precedida

pela leitura do mundo, mas por uma certa forma de “escrevê-lo” ou de

reescrevê-lo, quer dizer, de transformá-lo através de nossa prática consciente

(FREIRE, 1981, p.20).

O ato de “ler” o espaço é uma forma de expressarmos a nossa leitura da

realidade, uma realidade que é interdisciplinar, não fragmentada. Por isso, a leitura deve

ser também interdisciplinar, pois estamos diante de uma realidade extremamente

complexa, necessitando de uma leitura integrada para fomentar um pensamento

conjunto e coerente sobre a mesma, de modo que possamos nos desenvolver melhor —

professores e alunos - para lidarmos de modo satisfatório com as necessidades

cotidianas.

Assim, a Geografia Escolar vem aderindo a uma prática filosófico-metodológica

mais plural, reduzindo a rigidez das posturas positivistas e indo além da mera

explicação dos fenômenos. Parafraseando Vesentini (2009), podemos dizer que a

Geografia Escolar para o século XXI, deve refletir a sua época, os dilemas do nosso

tempo, e não apenas (embora também) as contribuições daquele autor ou corrente

acadêmica.

O ensino de Geografia no século XXI, portanto, deve perseguir vários

objetivos. Deve ensinar – ou melhor, deixar o aluno descobrir e refletir sobre

– o mundo em que vivemos, com especial atenção para a globalização e para

a escala local, isto é, do lugar de vivência dos alunos. São as duas escalas

geográficas fundamentais nos dias de hoje, embora nunca se deva

negligenciar as demais (a nacional e a regional, principalmente). Deve

enfocar criticamente a questão ambiental e as relações sociedade/natureza,

sem embaralhar a dinâmica de uma delas na outra. Deve realizar,

constantemente, estudos do meio para que o conteúdo ensinado não seja

meramente teórico ou “livresco” e, sim real, ligado à vida cotidiana das

pessoas. Deve contribuir, junto com outras disciplinas, para a sociabilidade

entre os educandos, para a ausência de preconceitos, para a aprendizagem do

diálogo e da troca de experiências. Deve, enfim, levar os educandos a

interpretar textos, fotos, mapas, paisagens (por meio de ilustrações ou in

loco), enfocando os problemas sócio-espaciais, a inter-relação entre os

fenômenos, as causas que viram efeitos e vice-versa (VESENTINI, 2009, p.

92).

Nesse sentido, é que defendemos a realização do Trabalho de Campo para a

análise do espaço geográfico, de uma perspectiva mais plural, complexa e

multissensorial.

44

2 O MUNICÍPIO DE SOBRAL: LÓCUS DAS TRAJETÓRIAS DO TRABALHO

DE CAMPO

Partindo do objetivo proposto inicialmente para a realização da dissertação,

buscamos dar continuidade à trajetória de ensino-pesquisa com o TC na Geografia

Escolar, um processo que há mais de dez anos vem sendo construído pela

professora/pesquisadora licenciada em Geografia com atuação na rede de ensino

particular e, agora, na rede de ensino público do município de Sobral/CE.

De início, reiteramos a importância do processo de redemocratização da

educação com a promulgação da nova Lei nº 9.394/96 - Lei de Diretrizes e Bases da

Educação (LDB), e dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs). Estes instrumentos

foram responsáveis para respaldar as práticas desenvolvidas no TC no âmbito da

Geografia Escolar, caracterizando uma atuação diferenciada nos trabalhos de muitos

professores – dentre os quais da professora e pesquisadora desse trabalho.

Essa trajetória teve seu marco inicial na rede de ensino particular entre 1998 a

2009, onde a mesma realizou dois trabalhos relevantes acerca do TC, que foram os

projetos Aula de Campo e Expedições Geográficas, ambos na perspectiva

interdisciplinar. Dessa experiência resultou a sua monografia de licenciatura em

Geografia (LIMA, 2005) intitulada Mapeando Alguns Roteiros de Trabalho de Campo

em Sobral (CE): uma Contribuição ao Ensino de Geografia, onde traça um breve

histórico do TC na Geografia; apresenta Sobral como um laboratório a céu aberto para

as aulas da citada disciplina. E, ainda, mapeia alguns roteiros de TC em Sobral. Outro

fruto desse estudo foi o livro intitulado: Expedições Geográficas: uma Proposta

Interdisciplinar para o Trabalho de Campo (LIMA, 2013). Nele, discute a relevância da

Geografia Escolar para a formação da cidadania e discorre sobre o TC na Geografia

Escolar. Por último, apresenta Expedições Geográficas do Sertão ao Meio-Norte, que

corresponde a uma síntese de todo o seu trabalho ao longo de dez anos com essa técnica

e/ou modalidade do TC no ensino médio, tendo como laboratório a céu aberto cidade

dos estados Ceará e Piauí, do Nordeste brasileiro, para o desenvolvimento da prática de

campo.

Agora, a presente dissertação, intitulada Os Sentidos do Espaço na Geografia

Escolar: uma Abordagem Humanista do Trabalho de Campo - tem como objeto de

estudo o espaço, evidenciando os aspectos intersubjetivos e multissensoriais. Para o

empírico, escolhemos recortes espaciais de dois distritos de Sobral e os colégios de

45

educação em tempo integral da rede municipal de ensino para a compreensão crítica da

espacialidade.

O município de Sobral está situado na porção noroeste do estado, a 238 km de

Fortaleza, interligado à capital por meio da rodovia BR-222. Geograficamente, a 3ᵒ

41’10” de Latitude Sul do Equador e a 40ᵒ 20’59” Longitude Oeste de Greenwich, com

uma altitude de 69,49m, compreende uma área de 2.122,99 km², dividido

administrativamente em treze distritos e abrigando uma população de 188.233

habitantes, segundo dados do IBGE/2010 (ver Mapa 1).

Mapa 1- Localização geográfica da área do estudo

Fonte: Manoel Guedes, 2014.

A cidade apresenta uma população de 151.810 habitantes (IBGE/2010) e está

dividida em 64 bairros. É considerada a quinta cidade mais populosa do Ceará, sendo a

maior fora da Região Metropolitana de Fortaleza (RMF), como também é a quarta

economia do estado, atrás de Fortaleza, Maracanaú e Caucaia.

Fundada em 1757 às margens do rio Acaraú, com economia baseada no

comércio, na pecuária diversificada, na extração vegetal e oleaginosa a partir da

carnaúba e oiticica, atividades de grande importância histórica para a formação das suas

46

paisagens, associadas à função universitária e imobiliária nas últimas décadas. Conta

atualmente com uma considerável infraestrutura nos setores da educação, indústria,

hospitais e bancos, ganhando o título de “Cidade Polo”, influenciando cerca de

cinquenta municípios da Região Norte. E, ainda, é destaque pelo seu patrimônio

histórico-geográfico como o principal elemento da sua cultura: igrejas, casario e o

museu Dom José, que contam a história lugar através do acervo tombado e reconhecido

nacionalmente pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN).

Dentre os treze distritos que compõem o município acha-se Aracatiaçu, situado a

65 km ao Leste de Sobral e 200 km de Fortaleza. Apresenta uma população de 4.940

habitantes (IBGE/2010), dividida entre a sua zona urbana e rural. Configura-se como o

distrito mais populoso do município.

No que se refere aos aspectos naturais, está localizado na microbacia do rio

Aracatiaçu. É uma área de domínio da caatinga, caracterizada em geral por possuir um

porte médio, variando entre arbórea e arbustiva, com espécies bastante diversificadas

em função dos condicionantes hidrotérmicos que não fogem muito aos do município,

responsáveis pelo seu clima quente e seco (médias térmicas oscilando entre 27ᵒC a

28ᵒC/ano), com um regime pluviométrico de 800mm³/ano e duas estações bem definidas

(uma chuvosa e outra seca), sendo marcada pela vulnerabilidade à degradação do solo.

Fundado em 1843 às margens do rio Aracatiaçu, ou seja, um século depois da

sede do município, o distrito de Aracatiaçu apresenta economia baseada na pequena e

média criação de gado bovino, suíno, caprino, ovino, pesca e, de forma secundária, no

cultivo da agricultura de subsistência do milho e feijão. Temo patrimônio histórico,

artístico e natural nos elementos da sua própria cultura: o Açude Santo-Antônio, a

Estátua do Vaqueiro, Santuário Nossa Senhora de Fátima, Igreja Matriz, Olho d'Água

do Pajé, Maracatu Nação Tremembé de Aracatiaçu e Bois folclóricos, dentre os quais o

Boi Coração de Aracatiaçu.

Ressaltamos um aspecto em comum entre o distrito de Aracatiaçu e o distrito-

sede Sobral: ambos tiveram a sua origem a partir de uma fazenda de gado às margens

dos rios Acaraú e Aracatiaçu, respectivamente, sendo que este último tornou-se um dos

maiores criadores de gado no município, onde o boi é um elemento importante na vida

das pessoas do distrito. Em relação à educação, possui três instituições de ensino

público: Escola de Educação Infantil e Ensino Fundamental Cel. Francisco Aguiar;

Colégio Sobralense de Tempo Integral Maria de Lourdes de Vasconcelos e Escola de

Ensino Médio Israel Leocádio de Vasconcelos. O Espaço Cultural Manoel Mendes

47

Correia possui duas rádios, uma FM (105,9 MHz) e outra comunitária, que abrange todo

o distrito até Taperuaba, Patos e Caracará, outros três distritos de Sobral. Estes

incrementos urbanos impulsionam a luta pela emancipação do distrito de Aracatiaçupara

que este se torne mais um município da rede urbana cearense.

2.1 Os colégios e seus contextos

O Colégio Sobralense de Tempo Integral (CSTI) Maria Dorilene Arruda Aragão

está situado na sede do município, mais precisamente na Av. Monsenhor Aloísio Pinto,

no entorno do complexo de comunidades composto pelos conjuntos habitacionais

Parque Santo Antônio, São Francisco, Santa Marta e Santa Clara (Foto 1).

Foto 1 - Vista parcial do CSTI Maria Dorilene Arruda Aragão

Fonte: Thiago Rodrigues Gomes, 2015.

Este colégio é pioneiro na implantação da proposta de educação em tempo

integral na rede municipal de ensino, que foi criada em Recife pelo Instituto de

Corresponsabilidade pela Educação (ICE), parceiro da prefeitura de Sobral na

implantação do modelo no município, com objetivo de melhorar ainda mais os

resultados de aprendizagem do segundo ciclo do Ensino Fundamental (6º ao 9º ano),

48

tornando-o uma referência de práticas exitosas, com indicadores de qualidade no ensino

público.

A proposta da educação em tempo integral4 é apresentar modernas instalações de

laboratórios, salas de aula, administração, biblioteca, sala multimídia, bloco do recreio

(cozinha, despensa, banheiros, vestiários, armários para os alunos guardarem seus

pertences e espaços de descanso após o almoço), quadra poliesportiva e anfiteatro. Além

disso, a meta é oferecer uma matriz curricular ampliada, com sete aulas semanais de

Matemática e sete de Português, ao invés de cinco, conforme ocorre nas escolas

regulares, e ainda contar com um currículo semiaberto, oferecendo, além da matriz

tradicional, disciplinas diferenciadas, tais como Projeto de Vida, Protagonismo Juvenil,

Introdução à Pesquisa, Formação Humana e Práticas Experimentais dentro do colégio

nos laboratórios e fora, em instituições e até mesmo no “campo”.

Essa modalidade de educação prima desenvolver um perfil de alunos com as

principais características: ser confiável, responsável, pontual e organizado; ter iniciativa

própria; ter um bom domínio sobre a língua portuguesa, matemática e demais áreas do

conhecimento; ser capaz de trabalhar em equipe, colaborando com outros alunos; ter

aprovação com boas notas em todas as disciplinas; permita-se, resgatar a autoestima por

meios da formação instrucional. Por outro lado, exige também num perfil de professor

que atendam aos pré-requisitos, como: ter disponibilidade para trabalhar 40 (quarenta)

horas semanais; o salário é equivalente ao da escola regular; obedecer ao tempo de

planejamento destinado para leitura, pesquisa, seleção, organização e confecção de

materiais didáticos, aproveitando os recursos disponíveis nos espaços de vivência;

disposição para visitas comunitária escola/família.

4Essa modalidade por definição quer dizer total, inteiro, global. Portanto, segue uma jornada escolar

ampliada de 7 horas diárias, de acordo com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), que prevê

essa carga horária para que ocorra o envolvimento dos alunos e professores nas tarefas de ensino e

aprendizagem. Ocorre que um número insignificante de pais e alunos queixa-se dessa jornada escolar

ampliada sob o pretexto de que necessitam de mais tempo doméstico para a convivência com a família.

Portanto, na fase de adaptação, a alunos sentem e/ou simulam dor de cabeça, tristeza, falta de apetite e

fobia, ao ponto de fingirem telefonemas dos pais solicitando a liberação dos filhos do confinamento ao

núcleo gestor. Desta feita, é um desafio a ser vencido ao longo do tempo. Não obstante, devemos

considerar que os pais de alunos que bradam suas queixas em relação à educação em tempo integral

trabalham em turnos diferentes e dispõem de mais tempo para o convívio doméstico.

- Mediante a minha vivência de três anos na rede pública de ensino municipal pude constatar, através do

acompanhamento dos alunos e comunidade de pais, por meio do Projeto Professor Diretor de Turma

(PPDT), a realidade socioeconômica destes, revelando um perfil de pais que trabalham no mesmo turno;

pais separados; pais donos de "boca de fumo" - ponto do tráfico de drogas e/ou detentos -; pais que se

evadiram da tutela parental. Em decorrência desta realidade foi criada a modalidade de educação em

regime de tempo integral para, além de oferecer uma educação diferenciada, afastar os alunos ainda

adolescentes do risco social, como, por exemplo, o envolvimento com drogas e/ou ter problemas sociais,

em função tempo ocioso e ausência dos pais.

49

Esta unidade de ensino foi inaugurada em 21 de fevereiro de 2014 com a

finalidade de atender 500 alunos, prioritariamente dos bairros do “entorno”, sendo que

cerca de 20% das matrículas não foram contempladas em função do desinteresse dos

pais e alunos de classes baixas, evidenciando que não há pré-requisitos para estudar no

colégio de Tempo Integral. À vista disso, as vagas não preenchidas foram contempladas

por alunos provenientes de outros bairros mais distantes, dentre eles: Dom José, Pe.

Palhano, Jatobá I, Alto do Cristo, Sumaré, Vila União e Terrenos Novos, transladados

diariamente dessas comunidades até o colégio pelo transporte escolar.

Essa modalidade de ensino segue uma rotina diferente da escola regular. Nela,

os alunos são atendidos em dois turnos (manhã e tarde), entrando às 7h30. Todos

passam pelo acolhimento na quadra do colégio, seguem acompanhados de seus

professores para as salas de aula, saindo as 9h45 às 10h00 para um lanche seguido de

intervalo. Depois disso, retornam para as salas de aula, permanecendo até as 11h30. Em

seguida têm uma hora e meia (ou seja, de 11h30 as 13h00) de almoço, recreação e

banho.

Logo após as 13h00 retornam às salas de aula para o contraturno e/ou horário

estendido, com as oficinas de acompanhamento pedagógico, meio ambiente, esporte e

lazer, cultura e artes, inclusão digital e educomunicação, com o propósito de

desenvolver atividades educativas, permanecendo até as 15h30. A rotina diária é de sete

horas e encerra com um lanche as 16h00. A partir daí, seguem para os seus domicílios.

A carga horária anual é de 1.400 (mil e quatrocentas), distribuídas em duzentos dias

letivos.

De acordo com o Diretor da unidade de ensino -, muitos alunos residentes nos

bairros do entorno ao colégio (tidos como bairros violentos), dentre eles: Parque Santo

Antônio, São Francisco, Santa Marta e Santa Clara passaram a ter uma mudança de

comportamento, adequando-se as normas do regime de educação em Tempo Integral,

verificado no primeiro semestre de 2014. É dessa forma que vem ocorrendo, o

afastamento e/ou retirada dos alunos do convívio no decorrer do dia dos referidos

bairros.

Para o Diretor, Pedro Grandson - atingirmos os objetivos principais da educação

em tempo integral tem que encarar seus desafios. Fez o seguinte relato:

Tinhamos um aluno do 8ᵒ ano que era envolvido com drogas, residia no

Bairro Parque Santo Antonio. Ao adentrar o CSTI - Maria Dorilene Arruda

Aragão deu certo trabalho de início - mais com o passar do tempo foi se

50

adequando ao regime de educação, logo cuidamos de colocá-lo para ser líder

de sala, atividade que passou a desempenhar muito bem. Num feriado

prolongado o colégio esteve fechado e naturalmente os alunos ficaram em

casa, por ocasião desses dias em casa, esse aluno cometeu um crime grave e

foi encaminhado um Núcleo de Menores Infratores em Fortaleza/Ce

(informação verbal).

Dentre o público matriculado no referido colégio encontram-se alguns alunos de

classe média, provenientes da rede privada de ensino, preenchendo as vagas ociosas,

sinalizando, de certo modo, um reconhecimento da melhoria do ensino público

municipal pela qualidade, não somente da infraestrutura física, mas também do sistema

de ensino, que apresenta um currículo diferenciado com um caráter semiaberto, no qual

o aluno cursa as disciplinas da matriz curricular nacional e tem autonomia para escolher

e estudar uma disciplina eletiva.

A referida disciplina ocorre em um dia por semana durante o ano letivo,

construída por cada professor a partir dos temas transversais, conforme propõem os

Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs). Portanto, é apresentada um dia antes da sua

realização, em caráter democrático, na quadra do colégio, para livre escolha dos alunos,

onde efetuam a inscrição e recebem o seguinte material: roteiro da disciplina, crachá e

ficha do professor titular.

O CSTI Maria Dorilene Arruda Aragão, inserido em um espaço urbano que vem

sendo transformado intensamente nas últimas décadas por uma forte especulação

imobiliária, com aumento da habitação vertical — notável pela quantidade de prédios

sendo construídos nos bairros periféricos — e acompanhados pela descentralização das

atividades do comércio e serviços do centro da cidade para essa área geográfica, bem

como os elevados índices de violência. Todo esse processo de transformação de suas

paisagens no contexto da espacialidade tem acentuado ainda mais as possibilidades de

um estudo integrado entre diferentes disciplinas da matriz curricular nacional,

comumente encabeçado pela Geografia, disciplina que mais tem adotado TC no

processo de ensino-aprendizagem e que mais tem abarcado as demais áreas do

conhecimento numa perspectiva interdisciplinar, propiciando um novo olhar para o

espaço.

Já o Colégio Sobralense de Tempo Integral Maria de Lourdes de Vasconcelos

situa-se no distrito de Aracatiaçu, na rua Miguel Arruda (entrada do distrito na direção,

vindo pela BR-222). Este é o segundo colégio de tempo integral da rede municipal de

ensino, e segue a mesma proposta curricular, estrutura e objetivos para o segundo ciclo

do Ensino Fundamental (6º ao 9º ano) que a primeira (Foto 2).

51

Foto 2 - Vista parcial do CSTI Maria de Lourdes de Vasconcelos

Fonte: Thiago Rodrigues Gomes, 2015.

A construção desta segunda escola contribuiu para desmembrar as séries finais,

as quais funcionavam juntamente com as séries iniciais do Ensino Fundamental na

Escola de Ensino Infantil e Fundamental Francisco Aguiar. As séries finais do Ensino

Fundamental (6º ao 9º ano) foram transferidas para o CSTI Maria de Lourdes de

Vasconcelos, passando a funcionar num prédio com melhor infraestrutura e,

consequentemente, um currículo de educação em tempo integral. Dadas as

circunstâncias do considerado investimento na infraestrutura e a demanda pelas séries

finais do ensino fundamental no distrito de Aracatiaçu ser razoavelmente média, a

comunidade de pais e alunos não teve a oportunidade de optar pelo regime de ensino

regular e/ou integral.

Inaugurado em 23 de julho de 2014 para atender 412 alunos provenientes do

distrito (sede, vilas, fazendas e córregos), que são transladados diariamente da zona

rural pelo transporte escolar dessas comunidades até o colégio, a escola tem como

maioria de alunos filhos de agricultores, vaqueiros e pescadores do próprio distrito.

52

2.2 Procedimentos metodológicos: instrumentos e sujeitos

Esta pesquisa – de natureza qualitativa – segue os preceitos metodológicos da

pesquisa-ação propostos por David Tripp, que considera a pesquisa-ação um dos tipos

de investigação-ação

[...] um termo genérico para qualquer processo que siga um ciclo no qual se

aprimora a prática pela oscilação sistemática entre agir no campo da prática e

investigar a respeito dela. Planeja-se, implementa-se, descreve-se e avalia-se

uma mudança para a melhora de sua prática, aprendendo mais, no correr do

processo, tanto a respeito da prática quanto da própria investigação (TRIPP,

2005, p. 446).

Nesse sentido,

[...] o pesquisador em pesquisa-ação não é nem um agente de uma instituição,

nem um ator de uma organização, nem um indivíduo sem atribuição social;

ao contrário, ele aceita eventualmente esses diferentes papéis em certos

momentos de sua ação e de sua reflexão. Ele é antes de tudo um sujeito

autônomo e, mais ainda, um autor de sua prática e de seu discurso

(BARBIER, 2002, p. 19).

Para isso, aponta elementos para essa mudança através do itinerário: “[...] a

identificação do problema, o planejamento de uma solução, sua implementação, seu

monitoramento e a avaliação de sua eficácia” (TRIPP, 2005, p. 446). Portanto, no

enfoque dessa pesquisa incorporamos elementos condizentes à pesquisa-ação através de

uma revisão bibliográfica que foi problematizada na prática com o planejamento, a

realização de oficinas e TC com professores e alunos dos referidos colégios públicos de

Sobral.

Adotamos ainda a abordagem humanista em sua vertente fenomenológica para a

percepção multissensorial do espaço, cujos resultados das análises aqui apresentadas

não têm a pretensão de serem conclusivas. Mas, certamente, trarão contribuições que

podem ser relevantes para a compreensão das interações perceptivas entre os alunos e o

espaço, que naturalmente abrirão novas perspectivas para, quem sabe, novas formas de

perceber a realidade com a sua multiplicidade de elementos.

Organizamos a pesquisa empírica em duas partes, a saber: a primeira

registrando, por meio de filmagens/entrevistas, a percepção reflexiva dos alunos em

campo, formal e informalmente, contando com o apoio de instrumentos como câmera

fotográfica manuseada por um cameraman profissional na tentativa de não perder cada

53

detalhe do movimento e da dinâmica do espaço percebida pelos alunos em campo. Já a

segunda consistiu em uma análise e interpretação das informações obtidas.

Dessa forma, buscamos uma tentativa de entender um pouco mais como os

alunos percebem os elementos multissensoriais do espaço e como se relacionam com

eles, considerando que, na abordagem fenomenológica, o homem é tomado como

sujeito, dotado não só de razão, mas de sentimentos, crenças e valores. Vendo por esse

ângulo, ao estudamos a percepção do espaço, deparamo-nos com dados subjetivos na

construção dos sentidos do espaço, tornando a análise espacial mais abrangente.

As entrevistas serão os instrumentos básicos para a coleta de dados, afinados

com a pesquisa qualitativa e com o enfoque humanista, adotando a “entrevista

reflexiva” (SZYMANSKI 2011, p. 9-64), a qual parte do pressuposto de que uma

entrevista pode e deve apresentar uma condição de reflexividade, o que significa uma

relação calcada na horizontalidade entre entrevistador e entrevistado. Tal procedimento

metodológico implica em uma dinâmica dialógica entre os participantes.

Para essa pesquisa, sentimos a necessidade de trabalharmos, inicialmente, com

oficinas de percepção sensorial, revelando de antemão possibilidades de afetividade e

preparo técnico para o TC, bem como entrevistas que ocorrerão em contextos diferentes,

sendo uma no espaço de vivência (in loco), já conhecido e habitado, ou seja, no próprio

distrito, e em outro distrito do mesmo município.

Ressaltamos um aspecto interessante nessa perspectiva de obtenção de dados,

que considera esse processo não apenas um movimento de simples escuta no sentido

unilateral, mas um contínuo retorno ao entrevistado. Isto não foi difícil, uma vez que a

quantidade de práticas de observação em campo permitiu a esse movimento objetivo o

esclarecimento daquilo que está sendo dito, assim como a (re)criação de um espaço de

interação no qual o entrevistado se sinta confortável, resultando em pequenos

acréscimos a um novo olhar, incluindo alguns recortes e novos ângulos a partir de

outras perspectivas, dando um retoque ao objeto desejado.

Ademais, a metodologia ora posta fugiu ao tradicional roteiro prévio e nos

possibilitou adotar a questão desencadeadora: quais são os sentidos do espaço? E a

questão-eixo: é possível, através da leitura perceptiva do espaço, retirar um sexto

sentido como instrumento de análise? Essa perspectiva concede total liberdade ao

entrevistado para que ele apresente a sua visão e se desenvolva frente ao que surge

como um elemento novo (portanto, não esperado em campo), como, por exemplo, um

54

depoimento de uma terceira pessoa que não estava previsto, mas que surgiu de repente e

suas contribuições podem agregar valor à pesquisa.

De resto, as análises dos depoimentos registrados sob forma de entrevistas serão

organizadas em texto para serem avaliadas pela professora-pesquisadora e apresentadas

no capítulo 3 do presente trabalho, representando instrumentos qualitativos. E, ainda,

sempre que possível e conveniente, possam ser utilizadas as citações dos entrevistados

em outras formas de interpretação, como, por exemplo, no próprio corpo textual, para

facilitar a compreensão do assunto, omitindo os nomes dos alunos entrevistados por

força da Lei de Direitos Autorais (Lei 9.610/1998), codificando sob forma de uma letra

seguida de um número (ex.: A9. Onde a letra A significa: aluno e o número 9 significa:

o nono aluno entrevistado).

A escolha desses dois colégios teve como justificativa o fato de o CSTI Maria

Dorilene Arruda Aragão (Foto 1) localizar-se na sede do município e a maioria dos seus

alunos residirem na zona urbana. Em relação ao CSTI Maria de Lourdes de Vasconcelos

(Foto 2), localizada na sede do distrito de Aracatiaçu, a maioria dos seus alunos residem

na zona (semi)rural. Além disso, almejamos, com a opção por essas duas unidades de

ensino, poder captar uma grande variedade de elementos na leitura multissensorial do

espaço por parte dos sujeitos da pesquisa, a fim de revelar as transformações da relação

Sociedada-Natureza dentro do mesmo município.

Em ambas as unidades do ensino são oferecidas três turmas de cada ano (6ᵒ ao 9ᵒ

ano), totalizando 12 turmas. Assim, decidimos trabalhar com uma das séries iniciais do

Ensino Fundamental, optando pelo 7ᵒ ano (e dentre suas três turmas, escolhemos as

turmas A e B), por tratar-se de alunos com faixa etária de 11 a 13 anos, cuja etapa

cognitiva, segundo Piaget (1982), favorecer a construção do conhecimento por meio da

curiosidade, da livre iniciativa para aprender coisas novas, da discussão e levantamento

de hipóteses sobre acontecimentos com muita facilidade, concluindo e construindo a sua

própria aprendizagem com autonomia. (PIAGET; INHELDER, 1994).

A princípio houve a necessidade de nos familiarizarmos melhor com o público-

alvo da pesquisa antes de irmos a campo. Portanto, foi realizada, em momentos

distintos, uma visita prévia para um contato inicial nos dois colégios, no intuito de

conhecermos melhor o núcleo gestor, professores e, em especial, os alunos.

Contamos com o apoio do núcleo gestor e dos professores titulares das

disciplinas de Artes, Ciências, Geografia, História, Educação Física, Informática e

Língua Portuguesa para as intervenções do trabalho. Por ocasião da visita, entregamos

55

aos professores os textos temáticos para despertar nos alunos a sensibilidade sensorial,

tais como: Texto da dinâmica Guia e Cego; O Bicho, de Manuel Bandeira; Ensaio

sobre a Cegueira, de José Saramago; texto bíblico Jesus e Tomé, de autor

desconhecido; Por que francês não toma banho?, Com informações tiradas do livro Os

Franceses, de Ricardo Corrêa Coelho; Churrasco Feito na Praça, informações tiradas

do blog Paladar (Estadão); Poluição Sonora de, Caroline Faria e Os Efeitos da Poluição

Sonora na Saúde Humana de, Eduardo Murgel.

Para conduzirmos os alunos a campo, sentimos a necessidade de trabalhamos as

oficinas no interior dos colégios, objetivando estimular a percepção multissensorial e

emocional dos alunos, além de desenvolver as capacidades intuitivas e cognitivas para a

compreensão da espacialidade em campo, entendendo que os sentidos são a nossa porta

de comunicação com o mundo que nos cerca. Além da atividade de leitura prévia, cada

professor das respectivas disciplinas cederam as suas aulas semanais e acompanharam a

realização das oficinas.

Assim sendo, realizamos quatro Oficinas de Percepção Sensorial, sendo elas:

percepção visual, tátil, percepção sonora e, por fim, paladar e olfato, para os alunos de

ambos os colégios. Na semana seguinte, iniciamos as oficinas em dois momentos. No

primeiro trabalhamos a fundamentação teórica com explicações, expondo a metodologia

e os recursos didáticos a serem utilizados, revisão do conceito de espaço, assim como a

técnica do trabalho. Já no segundo, realizamos as oficinas propriamente ditas, ou seja, a

parte prática. Achamos por bem iniciarmos pelo sentido mais utilizado nas observações,

qual seja, a visão.

2.2.1 A oficina de percepção visual

Consistiu numa oficina de fotografias realizada nos dois colégios pela

pesquisadora e colaboradores, juntamente aos alunos, com a pretensão de apresentar

novas formas de perceber o espaço através do olhar, por meio da fotografia.

Consideramos que é pela visão que podemos avaliar a realidade observada ao

nosso redor, pois é através dela que também construímos uma realidade interna baseada

na realidade externa. Isso acontece graças às informações dos diferentes sentidos e das

nossas experiências prévias que se interrelacionam com outras áreas cerebrais,

produzindo uma resposta motora e constituindo o nosso comportamento.

56

Foto 3 - Oficina de Percepção Visual Foto 4 - Oficina de Percepção Visual

Fonte: Thiago Rodrigues Gomes, 2014. Fonte: Thiago Rodrigues Gomes, 2014.

Para participar dessa oficina, solicitamos aos alunos que trouxessem uma

máquina fotográfica, celular e/ou tablet com câmera, o que não foi difícil, dada a

facilidade de obtenção desses recursos nos dias atuais. Antes de iniciarmos, lançamos

quatro temas de livre escolha para que as equipes pudessem capturar, durante meia hora,

os elementos do ambiente escolar: o céu e as condições de tempo atmosférico; a

presença da natureza vegetal; o trabalho humano; a presença de equipamentos de

tecnologia avançada.

Em seguida, destacamos a importância em apreender o espaço, apropriando-se

dele, para que, aos poucos, professor e alunos pudessem organizá-lo de modo que

pensássemos nos materiais visíveis e invisíveis para concretizar nossas ideias (Fotos 3 e

4). Compreendemos que o contato dos alunos com as imagens por meio das fotografias

é uma das formas de compreender o espaço, pois quando os professores consideram as

características do meio em que vivem e do seu grupo, a atividade ganha muito mais

significado. Isso favorece a continuidade do percurso de criação pessoal.

Na prática, os alunos puderam revelar os elementos do espaço do ambiente

escolar por meio da lente, sob uma perspectiva jamais vista antes; segundo os mesmos

57

relataram na avaliação final, justificando que tiveram que parar para “observar” e não

simplesmente “olhar”, como foi muito bem destacado na oficina. Desse modo, puderam

realizar efetivamente a percepção multissensorial do espaço de forma prazerosa e, ao

mesmo tempo, aprofundaram alguns conhecimentos sobre os temas propostos.

2.2.2 A oficina de percepção tátil

Esta atividade foi realizada em dois momentos, sendo um momento na sala de

aula, onde repassamos as orientações metodológicas e confeccionamos uma caixa

sensorial com buracos onde os alunos introduziriam os braços para tatear objetos no

interior da mesma.

Foto 5 - Oficina de Percepção Tátil Foto 6 - Oficina de Percepção Tátil

Fonte: Thiago Rodrigues Gomes, 2014. Fonte: Thiago Rodrigues Gomes, 2014.

58

Formamos duplas de guia e cego5: um aluno tateava materiais de diferentes tipos

e formas, identificando e repassando para o outro colega fazer as anotações de cada

objeto (Fotos 5 e 6, citadas anteriormente).

No segundo momento, os papéis foram invertidos, isto é, o guia passou a ser o

cego e o cego passou a ser o guia. Dessa vez a atividade seguiu fora da sala de aula e foi

realizada por todo o ambiente escolar, com intenção de identificação dos diferentes

tipos de superfícies e texturas contidos no seu espaço de vivência (Foto 7).

Foto 7 - Oficina de Percepção Tátil

Fonte: Thiago Rodrigues Gomes, 2014.

O propósito desse percurso foi observar e reconhecer aspectos, tais como

formas, tamanho e temperatura dos objetos em contato com o corpo, além de outras

sensações, como, por exemplo, pressão e dor, as quais, em conjunto, possibilitam a

adequada relação com o ambiente e objetos, assim como a proteção e reação dos

indivíduos a estímulos nocivos e a sua importância para as condições térmicas do

ambiente.

5A venda nos olhos é o primeiro passo para apurar os sentidos (tátil, olfato e paladar) e nos ligar à

memória emocional. Para captarmos esses sentidos, precisamos ir além do que podemos ver para também

sentir.

59

2.2.3 A oficina de percepção auditiva

Os dois momentos ocorreram na sala do laboratório de música existente no

CSTI. No primeiro momento, trabalhamos a sensibilidade para a “escuta” e “fala'” a

partir da sala de aula e do ambiente escolar.

Foto 8 - Oficina de Percepção Auditiva

Fonte: Thiago Rodrigues Gomes, 2014.

Para tanto, foi necessário trabalharmos a dinâmica da respiração. De forma

simultânea, orientamos para que os participantes ficassem atentos aos sons do ambiente

em que estávamos, identificando cada um dos sons percebidos e que são essenciais para

o nosso desenvolvimento espacial (Fotos 8 e 9, citada adiante).

No segundo momento, trabalhamos os sons na perspectiva temporal, dando

destaque a durações, ritmos, simultaneidade. Na perspectiva espacial, demos ênfase à

percepção de distâncias, para que pudéssemos identificá-los no espaço e perceber,

através da sua localização e direção do vento, se um som está próximo ou afastado.

Para tanto, utilizamos os sons “urbanos” e “da natureza” obtidos em sites, por

meio de downloads em formato mp3, para facilitar a leitura perceptiva no/do espaço,

conforme vemos (na Tabela 1) adiante:

60

Foto 9 - Oficina de Percepção Auditiva

Fonte: Thiago Rodrigues Gomes, 2014.

Tabela 1- Sons urbanos e sons da natureza

Sons Urbanos Sons da Natureza

Ambulância Derrapagem de carro Cachoeira Pássaros

Carro da polícia Carro acelerado Chuva Rio

Helicóptero Míssil de impacto Trovão Ondas do mar

Alarme de carro Centro da cidade Floresta diurna Floresta noturna

Grande bomba Latido do cão Canto dos animais Vento

Fonte: Elaboração da autora, 2015.

Já quase finalizando as oficinas e dispondo das sugestões dos roteiros para as

aulas de campo com suas respectivas rotas e paradas, seguimos para o mapeamento,

juntamente com o cameraman, a fim de fazermos um reconhecimento do percurso de

campo, definindo os melhores ângulos, os locais de apoio para realizar o lanche6 com os

6Em cada aula de campo a professora-pesquisadora custeou um lanche reforçado para os alunos,

professores e colaboradores. Considerou a longa experiência com as saídas a campo, sabendo que, nesta

faixa etária, comem bastante. Sendo que, nas aulas de campo de entrecruzamento dos distritos Sobral à

Aracatiaçu e vice-versa, cada colégio ofereceu um almoço reforçado e a opção de banho aos alunos,

professores e colaboradores.

61

alunos e os locais mais adequados para as observações, avaliando os prováveis riscos

em campo. Esse momento do planejamento foi importantíssimo para definirmos as

distâncias a serem percorridas e o tempo gasto em cada roteiro para encaminhar ofícios

à direção dos colégios para o agendamento do transporte e enviar os comunicados aos

pais.

2.2.4 A oficina de percepção olfato e paladar

Esta oficina de percepção sensorial trouxe aos nossos sentidos, de forma

combinada, cheiros e sabores. A mesma deu-se em dois momentos estritamente

práticos, ambos no refeitório dos colégios que apresentaram boas condições para a

realização da mesma, a saber: ambiente espaçoso e arejado, boa quantidade de mesas e

localização próxima aos banheiros.

Foto 10 - Oficina de percepção olfativa Foto 11 - Oficina de percepção do paladar

Fonte: Thiago Rodrigues Gomes, 2014. Fonte: Thiago Rodrigues Gomes, 2014.

62

Iniciamos o primeiro momento repassando as orientações do trabalho e

seguimos com a metodologia Guia e Cego. Para isso, formaram-se as duplas, definindo

que, nos sabores, o “cego” identificaria o paladar e o “guia” realizaria as anotações para

avaliação em grupo. Feito isto, os papéis foram invertidos, tal como na oficina anterior.

O olfato e o paladar atuam em cooperação na percepção multissensorial do

espaço, por isso achamos conveniente trabalharmos esses dois sentidos

simultaneamente, uma vez que a apreensão pelo olfato nos informa a origem de cada

coisa e está intimamente relacionada ao instinto de sobrevivência. Não raro, aquilo que

não cheira bem nos avisa que há algo errado e nos provoca repulsa; se cheira bem, cria

um sentimento de atração, quer seja com alimentos, espaço ou, até mesmo, uma

eventual situação (Foto 10 e 11, citadas anteriormente).

Assim, foram ministradas oficinas para 45 alunos do 7ᵒ ano A e 48 alunos do 7ᵒ

ano B do CSTI Maria Dorilene Arruda Aragão (Sobral). Já do CSTI Maria de Lourdes

de Vasconcelos (Aracatiaçu), participaram 37 alunos do 7ᵒ ano A e 40 alunos do 7ᵒ ano

B. Ao todo, o total de alunos nas oficinas foi 170, ou seja, todos os alunos das salas

participaram.

Com as oficinas, almejamos impulsionar o trabalho de observação e as

entrevistas em campo, onde cada depoimento revele, de modo geral e particular, o

cotidiano dos alunos no seu espaço de vivência por meio dos sentidos. Para tanto,

seguiremos o seguinte recurso didático-pedagógico nos roteiros multissensoriais:

VISÃO - É possível olhar sem tocar?

Quando em campo, o professor deve estimular nos alunos a percepção visual,

orientando para que fiquem atentos ao que percebem no ambiente:

o professor deve pedir para que observem os detalhes

desse recorte no espaço e deixar que façam isso de modo

natural e espontâneo;

após algum período de observação, o professor deve pedir

para que registrem suas observações em fotografias, por

meio de máquinas fotográficas e/ou celulares. Se possível,

filmar através do mesmo meio digital aquilo que mais lhes

chama atenção nesse recorte do espaço;

63

em seguida, deve pedir aos alunos que relatem ao grupo

através da fala, o que puderam registrar em suas

observações;

caso necessite, o aluno deve finalizar acrescentando as

suas considerações e destacando o movimento dos carros,

a dinâmica do comércio, as atividades exercidas naquele

ambiente, a arborização, o tipo de construção, os

transeuntes, as condições de tempo atmosférico, a história

da construção daquele espaço expresso nas imagens etc.

OLFATO - É possível lembrar com o nariz.

Por meio dos odores, quando em campo, o professor deve estimulara

sensibilidade olfativa dos alunos, orientando para que fiquem atentos às seguintes

sensações:

após algum período de sensibilidade olfativa, o professor

deve estimular que os alunos relatem os “odores” que

sentem no ambiente;

o professor pode indagá-los sobre os odores detectados

naqueles ambientes. Se os cheiros lhes remetem algumas

lembranças e se essas lembranças são boas ou ruins;

para concluir, o professor deve acrescentar detalhes que

tenham passado despercebidos, como o cheiro ou mau

cheiro das pessoas que transitam, a fumaça dos veículos

automotores, o cheiro dos alimentos consumidos,dos

casarões antigos e das novas construções e outros.

TATO - É possível experimentar com as mãos.

Quando em campo, os docentes devem estimular a sensibilidade tátil dos alunos,

orientando para que fiquem atentos às seguintes sensações:

o professor deve pedir que os alunos sintam a temperatura

do ambiente e imaginem de que forma o sistema tátil pode

ser captado naquele espaço;

64

após um período de sensibilidade tátil, o professor deve

indagar os alunos sobre o que sentem e deixar que falem

ao grupo;

para concluir, o professor deve acrescentar detalhes que

tenham passado despercebidos por parte dos alunos: estes

sentiram o vento tocar seus corpos? Tocaram as plantas?

Sentem a variação de pressão entre as áreas de menor a de

maior altitude? Sentem que podem dar direção aos seus

corpos e caminhar? Sentem dor? Sentem o toque das patas

de um inseto ao caloroso aperto de mão?

PALADAR - É possível avaliar no limiar dos sabores.

Em campo, o professor deve estimular os alunos a sensibilidade degustativa,

orientando para que fiquem atentos às seguintes sensações:

os professores devem pedir que os alunos pensem sobre a

percepção degustativa no ambiente e deixe que falem ao

grupo;

após um período de percepção, os professores devem

indagar aos alunos sobre a possibilidade de ingerir e

saborear alguns alimentos presentes naquele ambiente;

ao ingeri-los, os professores devem indagá-los sobre o que

estes alimentos dizem sobre aquele ambiente. Para

apimentar ainda mais os sentidos, algumas provocações

podem/devem ser feitas: Por que não estão à venda

produtos alimentares típicos de outras regiões do Brasil? É

possível que isso ocorra? Por quê?

para concluir, o professor deve acrescentar detalhes que

tenham passado despercebido por parte dos alunos, como

a faixa etária da população envolvida no comércio naquele

espaço etc.

AUDIÇÃO - É possível ouvir e cantar com os ouvidos.

65

Por meio da audição em campo, o professor deve estimular nos alunos a

percepção sonora, orientando para que fiquem atentos aos sons que ouvem no ambiente:

sobre a percepção sonora, o professor deve pedir aos

alunos que sintam os sons do ambiente;

após um período de percepção sonora, o mesmo deve

pedir aos alunos que relatem as suas considerações ao

grupo;

caso necessite, o professor deve finalizar acrescentando as

suas considerações sobre a percepção sonora (por

exemplo, o ronco dos veículos automotores, as

propagandas sonoras, o barulho das árvores ao bater do

vento, músicas, vozes, gritos, risos das pessoas, sons

causados pelos animais, grunhidos, latidos, uivos, miados

e o canto dos pássaros), ou, simplesmente, se escutam o

silêncio do ambiente.

Nesta perspectiva, esperamos que, ao serem entrevistados, os alunos

demonstrem um comportamento de liberdade e interesse; que sejam envolvidos por uma

atmosfera pessoal na leitura multissensorial do observado, ressignificando os sentidos

do espaço, revelando as sensações, sentimentos e entendimento, este último

denominado nesta pesquisa de sexto sentido, conforme veremos no capítulo 3.

Rubem Alves (2014, p. 02) acrescenta que

[...] há, no entanto, um sexto sentido, dotado de propriedades mágicas, um

sentido que nos permite fazer amor com coisas que não existem. Esse sentido

se chama pensamento. Digo que o pensamento é mágico porque ele tem o

poder de chamar à existência coisas que não existem e de tratar as coisas que

existem como se elas não existissem. É dele que surge a grandeza dos seres

humanos. O pensamento nos dá asas, nos transforma em pássaros.

Tuan (2012, p. 4) nos diz que a “[...] percepção é tanto a resposta dos sentidos

aos estímulos externos como a atividade proposital nas quais certos fenômenos são

claramente registrados, enquanto outros retrocedem à sombra ou são bloqueados”. Isso

revela que percebemos somente aquilo que nos interessa, ou seja, os objetos, e não as

formas, porque têm significado para a sobrevivência da espécie e garantem a

manutenção da cultura, criando um conhecimento da realidade, a qual percebemos e

66

interpretamos de diferentes formas e com a qual interagimos cotidianamente, emergindo

um pensamento.

Consideramos que a ciência reconhece a contribuição direta dos cinco sentidos

na construção do mundo mediado pelo cérebro. Os órgãos (boca, ouvidos, olhos, nariz e

pele) configuram-se, portanto, segundo este raciocínio, como ferramentas de percepção

sensorial importantes na compreensão da realidade. Contudo, a ciência sempre deixou

de lado o sexto sentido. Assim sendo, nos sentimos livres para defini-lo.

Compreendemos o sexto sentido como sendo uma habilidade de perceber aquilo

que há de mais sutil e invisível por trás de muitos acontecimentos, revelado somente

quando deixamos de olhar e passamos à observação minuciosa dos elementos contidos

no espaço para que, a partir de então, possamos ter uma compreensão do intelecto e, por

fim, construirmos um pensamento.

Durante a semana de oficinas, mais especificamente ao final de cada uma delas,

fomos dialogando com os alunos e professores titulares das aulas cedidas sobre quais

locais no distrito seriam mais adequados para aplicarmos na prática as percepções dos

alunos na leitura do espaço. A partir daí, as sugestões foram surgindo e, paulatinamente,

fomos trocando ideias e montando os roteiros, de forma que, ao final das oficinas, os

roteiros estavam definidos para a realização das aulas de campo em cada distrito.

Lembrando que essa metodologia não deixa de fora os alunos com necessidades

especiais, muito pelo contrário, vai ao encontro das atividades desenvolvidas para esse

público no Atendimento Educacional Especializado (AEE), que é um serviço da

educação especial criado pelo governo federal (sob Resolução CNE/CEB nᵒ 04/2009),

para a rede pública de ensino com finalidade organizar os recursos pedagógicos e de

acessibilidade que eliminam barreiras para a participação dos alunos, considerando suas

necessidades específicas. Dentre as atividades realizadas pelo AEE, estão aquelas que

estimulam os sentidos, como, por exemplo, a Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS),

língua de sinais para surdos-mudos; o sistema Braille para leitura por meio do tato para

os cegos; etc.

Nesse TC fizemos a opção pela técnica e/ou modalidade Aula de Campo, por

adequar-se didática e pedagogicamente aos objetivos dessa pesquisa, conforme tratamos

no capítulo 1. O trabalho empírico realizado em campo foi desenvolvido num período

de três meses, durante os quais eu e meu colaborador, o cameraman, mantivemos

contato com os aos dos dois grupos que compuseram os registros audiovisuais.

67

Nas aulas de campo, a participação dos alunos foi bastante satisfatória. As duas

turmas do 7ᵒ ano A e B do CSTI Maria Dorilene Arruda Aragão tiveram frequência com

variação de 43 a 45 alunos por saídas a campo. Já o CSTI Maria de Lourdes de

Vasconcelos teve participação de 37 a 40 alunos por saídas a campo. Neste último

colégio, a participação poderia ter sido maior, mas aos sábados não há transporte escolar

para as localidades da zona rural desse distrito.

Como havíamos realizado as oficinas primeiramente no CSTI Maria Dorilene

Arruda Aragão (Sobral), iniciamos os roteiros multissensoriais das aulas de campo por

essa unidade de ensino, percorrendo os roteiros com os alunos e professores do colégio

e educadores colaboradores, conforme a Tabela 2.

Um aspecto importante a considerar nas saídas a campo é o fato da pouca

disponibilidade dos professores titulares das disciplinas, os quais cederam as suas aulas

para a realização das oficinas. No roteiro 1, nenhum professor nos acompanhou;

contamos somente com uma pessoa do serviço de "apoio" do colégio, sob a justificativa

do núcleo gestor e, posteriormente, dos professores, de que houvera um choque com

outras atividades já agendadas.

Tabela 2 - Roteiros Multissensoriais para Aulas de Campo

Fonte: Elaboração da autora, 2014.

Diante do quadro exposto, recorri a quatro professores colaboradores externos à

unidade de ensino, sendo dois de Educação Física e dois de História, a fim de

subsidiarem as atividades em campo. Ressaltamos que estes colaboradores são meus ex-

alunos da rede particular de ensino e que, ao longo do Ensino Médio, vivenciaram as

práticas de campo por meio da técnica e/ou modalidade Expedições Geográficas.

Atualmente são professores na rede de ensino particular e pública, embora nesta última

ainda seja na condição de professor não efetivo.

Distrito Sobral - Sede

ROTEIRO 1: O Centro Comercial

ROTAS: 1a

Parada: Praça de Cuba

2a Parada: Mercado Central

ROTEIRO 2: Recursos Hídricos

ROTAS: 1a Parada: Margem esquerda do rio Acaraú

2a Parada: Lagoa da Fazenda

68

A participação no roteiro 2 foi de dois professores do colégio titulares das

disciplinas de Geografia e História, os quais permaneceram somente até a 1aparada

(margem esquerda do rio Acaraú), sob a justificativa de ter que cumprir outros

compromissos ao final da manhã. Porém, a experiência da não participação dos

professores do colégio no roteiro 1, nos fez continuar com dois professores

colaboradores, sendo um professor de História e outro monitor do Grupo dos Escoteiros

de Sobral.

Partindo da compreensão do espaço por meio dos sentidos, aliado ao fato de

estar trabalhando o empírico em dois distritos do município de Sobral distantes entre si,

sentimos a necessidade de criarmos um terceiro percurso, a saber: o Roteiro (3), que

entrecruzou os espaços trabalhados em cada distrito para entender o que pode mudar na

percepção dos alunos ao realizar a mesma leitura multissensorial em outro distrito, ou

seja, fora do seu espaço de vivência (conforme a Tabela 3). Para tanto, seguimos um

roteiro com rotas similares em cada distrito:

Tabela 3 - Roteiros Multissensoriais para Aulas de Campo

Fonte: Elaboração da autora, 2014.

Neste roteiro contamos com a participação somente dos três professores

colaboradores, sendo dois de História e uma educadora social (vinculada ao Conselho

Tutelar).

Quanto ao colégio, entre a realização de um roteiro e outro do distrito Sobral -

Sede, otimizamos o tempo e realizarmos a semana de oficinas de percepção sensorial no

CSTI Maria de Lourdes de Vasconcelos, em Aracatiaçu. Posteriormente, iniciamos os

roteiros multissensoriais com as aulas de campo nessa unidade de ensino, percorrendo

os roteiros com os alunos e professores do colégio e educadores colaboradores,

conforme a Tabela 4. Dada a proximidade das rotas estabelecidas no distrito de

Aracatiaçu, optamos por realizamos os roteiros 1 e 2 em um só dia.

Do Distrito Sobral - Sede a Aracatiaçu

ROTEIRO 3: Espaço

ROTAS: 1a. Parada: O Santuário N. Sr

a de Fátima

2a. Parada: O Açude Santo Antônio

69

Devo dizer que algo nessa unidade de ensino me surpreendeu ainda na fase de

planejamento: o fato dos professores titulares das disciplinas de Geografia, Ciências,

Matemática, Educação Física, a coordenação pedagógica e até uma pessoa do serviço de

"apoio" do colégio revelarem o desejo de participar das aulas de campo -, "Queremos

aprender coisas novas; novas experiências" (informação verbal)7. Isso me chamou muito

atenção em comparação com a indisponibilidade de alguns professores do outro colégio.

Tabela 4 - Roteiros Multissensoriais para Aulas de Campo

Fonte: Elaboração da autora, 2014.

Foto 12: Etapa de planejamento

Fonte: Thiago Rodrigues Gomes, 2014.

7Lucimar Gomes, professora concursada de Geografia das turmas do 6ᵒ e 7ᵒ ano do Ensino Fundamental

do CSTI Maria de Lourdes de Vasconcelos.

Distrito Aracatiaçu

ROTEIRO 1: O Centro Comercial

ROTAS: 1a Parada: A Praça da Matriz (e a Feira)

2a Parada: O Santuário N. Sr

a de Fátima

ROTEIRO 2: Recursos Hídricos

ROTAS: 3a Parada: O Açude Santo Antônio

70

É bem verdade que devemos considerar outros elementos em tela que foram

percebidos durante o planejamento, dentre eles: a realidade socioeconômica dos

professores, que têm que cumprir expediente em outras escolas da rede estadual como

complemento de renda. Este aspecto foi verificado em ambos os colégios, portanto, não

justifica tanto esse momento; as práticas de campo ocorreram num período de campanha

eleitoral e, culturalmente, os professores do distrito-sede têm um maior engajamento nas

atividades dos eventos por estarem na cidade. Isso é notável! Alguns professores

colocaram que têm filhos e, portanto, necessitam disponibilizar mais atenção à vida

doméstica nos finais de semana. Todavia, os professores de Aracatiaçu também têm

filhos; por isso, a meu ver, não justifica tanto. E ainda, a estrutura da matriz curricular

da Educação em Tempo Integral permite atividades externas ao colégio, dentre elas as

Aulas de Campo e, portanto, tem melhores condições de infraestrutura para promover

esse tipo de atividade, independente da carga-horária -, uma vez as saídas a campo para

estudos podem ser consideradas como dia(s) letivo(s).

Enfim, a escola reflete uma realidade a qual podemos apontar para uma análise

sob duas vertentes: primeiro, a falta de compromisso dos professores com as atividades

de intervenção externas em função do quadro exposto; segundo, os professores não

serão remunerados por essas intervenções externas, portanto, estes não se sentem

comprometidos. Assim, quando participam é por um pedido particular do diretor ou por

uma decisão pessoal.

Na etapa do planejamento, ao dialogar com os professores pude constatar, em

ambos os colégios, que a prática do TC ainda é muito incipiente, mas que a modalidade

de educação em tempo integral vem fomentando nos professores as saídas a campo em

caráter de lazer e estudo. Porém, é importante ressaltar que a primeira tem sido a mais

frequente, em decorrência de bonificação aos resultados exitosos nas avaliações.

Para o roteiro 3, houve entrecruzamento dos espaços (conforme a Tabela 5).

Participaram desta atividade dois professores do colégio titulares das disciplinas de

Educação Física, Artes e a pessoa do serviço de "apoio" do colégio, além de um

professor colaborador de História. Para tanto, seguimos um roteiro com rotas similares:

Tabela 5 - Roteiros multissensoriais para aulas de campo

Do Distrito de Aracatiaçu a Sobral - Sede

ROTEIRO 3: Espaço

ROTAS: 1a. Parada: Margem esquerda do rio Acaraú

71

Fonte: Elaborado pela autora, 2014.

Assim, concluímos a primeira parte da ação que visou estimular a percepção

multissensorial nos alunos, de modo que, possam adotá-la como uma ferramenta de

compreensão do espaço no seu cotidiano. Agora, todos -, professora-pesquisadora,

professores, professores colaboradores e alunos seguiram para as Aulas de Campo, ou

seja, para a 2ª etapa do TC.

2ª. Parada: Cristo Redentor (Alto do Cristo)

72

3 A CIDADE: UM ENCONTRO DE TRAJETÓRIAS NO ESPAÇO

Ao realizarmos a leitura empírica de um espaço urbano, constatamos que toda

cidade é multissensorial. Todos os lugares, cores, cheiros, texturas, luzes, sons e sabores

nos convidam a um passeio pelos sentidos, possibilitando uma experiência

intersubjetiva do espaço, uma vez que é impossível separar a subjetividade da

objetividade na leitura e compreensão do espaço vivido, pois a subjetividade se esconde

atrás da objetividade.

Muitas vezes, a subjetividade não reside na objetividade do espaço concreto

propriamente dito; vai além de todos os sentidos do sistema sensorial humano,

perpassando, primeiramente, pela sensação, despertando aspectos como atenção,

percepção, emoção e memória. Portanto, a percepção é o resultado das qualidades dos

objetos e os efeitos internos dessas qualidades em cada ser humano, chegando até a

percepção extrassensorial como uma síntese das sensações.

Nesse sentido, procuramos desvendar as trajetórias do espaço por meio de

roteiros multissensoriais, percorrendo em Campo com alunos, professores e professores

colaboradores em TC nos distritos de Sobral - Sede e Aracatiaçu (ver Mapas 2, 3 e 4,

adiante). Nessa proposta, preferimos não definir conteúdos, mas respeitar a autonomia e

perspectiva da equipe em campo, seguindo somente um plano didático-pedagógico para

cada roteiro (ver em Anexo).

3.1 Roteiros multissensoriais para o trabalho de campo nas aulas de Geografia em

Sobral: a primeira experiência

3.1.1 Roteiro 1: o Centro Comercial do distrito-sede

- 1a Parada: Praça de Cuba

Chegamos à Praça de Cuba às 7h30 da manhã do dia 09 de agosto do corrente

ano para realizarmos o roteiro multissensorial com 44 alunos do 7ᵒ ano B, quatro

professores colaboradores, sendo dois de Educação Física e dois de História, e uma

pessoa do serviço de "apoio", todos do CSTI Maria Dorilene Arruda Aragão (Foto 13,

adiante).

73

Este local foi inaugurado em 2004, em substituição à antiga Praça da Meruoca.

Construída para abrigar o Palace Club, um antigo clube da elite sobralense inaugurado

em 24 de julho de 1926, a praça passou por diversos usos e ocupações ao longo do

tempo, como o conhecido “shopping chão” – antiga feira de roupas, CDs e

equipamentos eletrônicos, interrompida em meados de 2001 para modificação e

reestruturação pelo prefeito da época, Cid Gomes (FREITAS, 2005, p. 141).

Foto 13 - Praça de Cuba

Fonte: Thiago Rodrigues Gomes, 2014.

No local, dividimos a turma em quatro grupos, totalizando uma média de onze

alunos por cada professor, dispostos no sentido quadricular da praça. Assim, iniciamos

o percurso multissensorial pelo coração da rica e histórica cidade, o Centro Comercial,

tido como um dos bairros mais movimentados em qualquer dia da semana, em especial

nas manhãs de sábado, dia escolhido para o nosso percurso (ver Mapa 2).

Para compreendermos os sentidos na praça, foi necessário entender o processo

criativo determinante deste espaço e, ao mesmo tempo, fugir por alguns instantes da

cultura ocidental, que privilegia um dos sentidos – a visão – em detrimento dos demais

sentidos. Vendo por essa ótica, estimulamos os alunos a, sem tocar em nada,

simplesmente sentirem os elementos visíveis e invisíveis desse recorte do espaço.

74

Em meio a este cenário, orientamos que ficassem à vontade para captar os

sentidos, procurando sentir e perceber o mundo através da visão, da pele, da audição, do

paladar e do olfato, de modo que essa percepção permita uma compreensão e desperte a

imaginação sobre os recortes espacial. Enquanto isso, a equipe de professores foi

orientada a acompanhar de longe o andamento da turma, sem intervenção direta no

empírico.

Vejamos a percepção multissensorial captada pelo aluno identificado como A1,

sobre a Praça de Cuba:

Bom, primeiramente, eu entendi que o sexto sentido a gente entende pelo

espaço tudo que tem sobre [apontando a mão em forma de círculo ao redor da

Praça] a Praça de Cuba. Eu vi muitas coisas que deu pra realizar com o sexto

sentido, como... Eu vi o movimento da Praça de Cuba, pessoas vendendo

água de coco, vendendo suco, vendendo pulseiras da cultura hippie... Eu vi

também muitas coisas e ouvi barulho de motos e senti odores de mau cheiro,

de poluição de carros, motos, coisas dessas. Eu vi também pessoas andando,

pessoas fofocando. Vi pessoas pensando na vida, andando por aqui, ouvimos

ruídos, barulhos e, se houvesse o dobro desse barulho, desses ruídos, se essa

poluição fosse o dobro, seria pior. E, se amenizasse mais os automóveis aqui

seriam, bem, sem nenhum barulho, não? (informação verbal)8.

Nota-se que o aluno A1 conseguiu usar três dos cinco sentidos nas suas

observações do espaço, quais sejam, a visão, a audição e o olfato, sendo que o primeiro

foi o sentido mais utilizado, seguido pela audição. Acreditamos que o movimento de

carros e pessoas do centro da cidade numa manhã de sábado tenha sido responsável por

ele ter usado mais a visão e audição para captar as expressões de uso e ocupação desse

espaço, pois essa dinâmica do movimento monopoliza a nossa atenção, isto é,

literalmente nos diz o quê e para qual lado devemos olhar.

É esse o modelo de vida moderna adotado na atualidade e que tem distanciado as

pessoas do contato com a natureza, limitando, de certo modo, os espaços e as ocasiões

de circulação. Essa distância entre sociedade e natureza tem criado uma lacuna. Talvez

seja, por exemplo, a lacuna que os hippies9 na Praça de Cuba parecem procurar e que os

8Entrevista com A1.

9Movimento de contracultura dos anos 60 com relativa queda nos anos 70. Adotava um estilo de vida

comunitário ou nômade; negavam o nacionalismo e a guerra do Vietnã, abraçando as religiões orientais,

como o hinduísmo, budismo e/ou as religiões das culturas nativas norte-americanas. Contrapunha-se aos

valores do capitalismo consumista, daí muitos evitarem a publicidade. Após a era do "verão do amor e de

Woodstock", propagou-se a ideia de que o movimento hippie não mais existia, o que não passou de um

mito, pois continuou a existir em comunidades mundo afora, como andarilhos. Por exemplo, temos

algumas comunidades hippies espalhadas por praias, cidades médias, comunidades alternativas e músico

contemporâneo, como o cantor Ventania de, São Tomé das Letras (MG), que, dentre as suas inúmeras

obras, apresenta um repertório em que fala do desapego material e um forte apelo à natureza e aos ideais

hippies.

75

alunos não conseguiram percerber nas suas observações.

Um aspecto interessante na leitura do aluno A1, é que ele emite um diálogo

sincero, dentro de uma simplicidade do que percebeu, viu e sentiu em detalhes sobre o

espaço, ao relatar as suas percepções e que, sem perceber, conseguiu captar o sexto

sentido em sua análise, quando passou a refletir sobre determinados comportamentos e

identificar a presença das "coisas" no espaço. Esse é um momento mágico, em que a

teoria se defronta com a prática, desfragmentando a informação e o conhecimento em

campo, ressignificando os saberes, também identificados pelo aluno A2 na Praça de

Cuba:

Agora, eu tô notando que mais lojas estão abrindo. Algumas já estão se

enchendo de pessoas. Vem um vento frio. E pelo sentido – pelo tato dá pra

notar – vem se aproximando alguma chuva. Podemos saber que há alguns

minutos daqui acontecerão alguma chuva, e o vento frio nos avisa isso, pelo

tato que a gente sente, não só pelas mãos, mas pela pele. Como bem, pelo

tato, nós sentimos a grama; sentimos a nossa mochila; sentimos tudo o que

nós tocamos. É só isso! (informação verbal)10

.

Apoiado em dois dos cinco sentidos, visão e tato, o aluno A2 conduziu as

observações do espaço destacando o tato, mesmo inserindo na sua descrição a visão na

primeira ordem, comprovando a fundamentação teórica dessa pesquisa, que defende que

as pessoas colocam em destaque o sentido da visão no seu cotidiano. O sexto sentido,

ou seja, o entendimento das coisas surge de modo espontâneo, por meio da imaginação

dos fenômenos, quer sejam eles sociais e/ou naturais, revelando conhecimento e

informações (instrumentalizadas ou não) sobre algo ou alguma coisa.

Considerando a percepção da aluna identificada como A3, outros aspectos foram

destaque em sua percepção na praça:

Eu pude observar que aqui nessa praça há uma fonte que é toda poluída, pois

ela tem lodo, garrafas, e também que ela pode trazer risco a várias pessoas:

essa água pode conter larvas de dengue (informação verbal)11

.

Utilizou três dos cinco sentidos na sua leitura de observação do espaço: a visão,

o tato e o olfato. Como vemos, adentrou no mesmo universo paralelo da percepção, ou

seja, a imaginação; basta ver a ênfase dada à questão ambiental nesse recorte do espaço

e a preocupação com o extinto de sobrevivência.

10

Entrevista com aluno A2. 11

Entrevista com aluno A3.

76

Em pleno centro da cidade, mais especificamente na Praça de Cuba, pode-se

perceber o descaso com a manutenção do patrimônio público, visto pelos alunos e,

certamente, pelos transeuntes. A questão não para por aí. Ela poderá ter implicações na

saúde pública com propagação da dengue, uma doença tropical infecciosa causada pela

picada do mosquito Aedes Aegypti, que se hospeda em água limpa e parada, agindo

normalmente durante o dia, de preferência no início da manhã e à noite. Lembrando

que, em 2014, o Ceará foi o estado com mais registros de casos de dengue no Nordeste,

segundo o jornal Diário do Nordeste.

Para finalizar esse momento na Praça de Cuba, fizemos uma roda de conversas

com alguns alunos, momento em que pudemos ouvir seus relatos:

O que eu pude perceber é que esse espaço é diferente do espaço da nossa

escola. Em minha opinião, na semana aqui não é muito movimentado, mas no

final de semana que as pessoas saem com filho, marido... E lá na escola, no

final de semana, é muito triste, solitário.

– E no seu bairro?

– Bom, no meu bairro tem audição, porque eles colocam aquele som mesmo

alto.

– O espaço geográfico do seu bairro é igual a esse aqui?

– Não. É bem diferente. Bom, é casa – como é que eu poderia falar?

– É zuada! Muitas pessoas bebem. Lá também tem uma praça perto da minha

casa, só que é muito diferente daqui. As plantas são secas, sem vida. E aqui é

diferente: as árvores são verdes..., essa fonte. Lá tinha tipo uma fonte, mas aí

quebraram. É muito diferente mesmo! (informação verbal)12

.

Nessa dinâmica, identificamos alguns elementos interligados na percepção dos

alunos A4 e A5 que merecem algumas reflexões, como o parâmetro de análise traçado

entre os espaços da escola, o bairro e a Praça de Cuba, no centro da cidade, sendo estes

dois primeiros, o seu espaço de vivência. O mais relevante nisso tudo é que dois

elementos ficaram explícitos: o ambiente cultural no contexto espacial, revelando o

estilo de vida das pessoas e a paisagem dos diferentes lugares revelados na percepção

dos alunos, constituído o espaço: “[...] lugares têm paisagem, e paisagens e espaços têm

lugares. O lugar talvez seja o mais fundamental dos três, porque focaliza espaço e

paisagem em torno das intenções e experiências humanas” (RELPH, 1976, p. 35).

Partindo do imaginário e de sua representação por meio da percepção, é possível

ir além do óbvio e realizarmos novas descobertas, dentre elas o sentido ontológico do

espaço no cotidiano das pessoas. Por essa via, podemos redimensionar a experiência do

espaço, redescobrindo seus próprios espaços no âmbito mundial, compreendendo,

inclusive, a intencionalidade do Estado ao construir os espaços públicos como este

12

Entrevista com os alunos A4 e A5.

77

(Praça de Cuba), apoiando-se no poder que têm as representações visuais, ou seja, a

visibilidade provocada pelo sentimento de grandeza da arte no interior das pessoas a

partir de uma perspectiva mística.

Por fim, é nesse sentido que as condições espaciais participam diretamente do

fenômeno da visibilidade, definindo os espaços, atendendo a um conjunto de interesses

públicos - na maioria das vezes, segregando recortes espaciais, como centro e periferia,

muito bem identificados pelos alunos.

- 2a Parada: o Mercado Central

Ainda no mesmo espaço, num quarteirão ao lado, acha-se o Mercado Central,

para onde nos dirigimos às 9h30 da manhã do dia 09 de agosto de ano, dando segmento

ao percurso multissensorial pelo seu interior (ver Mapa 2). Ao chegarmos, mantivemos

os mesmos grupos, todos dispostos no sentido latitudinal e longitudinal, ficando dois na

parte térrea e dois na parte superior do Mercado (Foto 14).

Foto 14 - Vista panorâmica do Mercado Central/exterior

Fonte: Thiago Rodrigues Gomes, 2014.

O Mercado Central foi inaugurado em 1964 com o nome de Mercado da Carne,

ou Mercado Público - Centro Comercial Chagas Barreto. Desde então, passou por

78

diversas reformas e ampliações até chegar, em 2001, a ter a estrutura atual, fazendo

parte do conjunto de intervenções, modificações e reestruturação do centro da cidade de

Sobral pelo prefeito na época, Cid Gomes (FREITAS, 2005, p. 141).

O conjunto de reformas e ampliação resultou em um shopping de feirantes numa

área construída de 4.510m², em completa estrutura de metal, rampas, banheiros, piso

industrial e boxes confeccionados com material de alta qualidade, segundo noticiou, à

época, o Jornal Municipal (2001), reordenando o espaço e destinando 280 boxes para

feirantes, 60 boxes para cafezeiros e 32 pontos comerciais externos, proposta de elevado

padrão sanitário, administração e serviços em geral (ver Mapa 2, adiante).

Este espaço pode ser considerado um local para além do comércio,

configurando-se como “lugar de festa” e, ao mesmo tempo, de estabelecimento de

relações e ritos entre as pessoas, de modo a consolidar e celebrar acontecimentos do

cotidiano da cidade, perpassando pela política, pelo teatro, pela pregação evangélica e

pela entrega de panfletos; um toque diferente em cada evento. Dotado de um clima

autêntico permeia os sentidos e atitudes como, por exemplo –, o hábito de observar com

as mãos, ou seja, o tato ativo –, não é por acaso que os produtos são expostos ao seu

alcance.

No Mercado Central, borbulha a vida por dentro e por fora, no seu entorno, por

entre ruas e avenidas que lhe dão acesso (Foto 14). Vejamos a percepção multissensorial

do aluno identificado por A9 sobre esse espaço:

Eu percebi que parte das carnes e dos peixes tem muita sujeira. Lixos por

todo canto, e o resto dos peixes fica jogado no chão e a lama é fedorenta pra

caralho! E lá fede também pra caramba! E também aqui só vem gente de

classe baixa, classe alta não gosta de estar aqui. As frutas vêm de fora.

Disseram que vêm de Fortaleza, da Serra Grande. Eu acho assim: o Mercado,

lá na parte das frutas, é abafado e aqui é mais aberto, ele não é tão abafado

(informação verbal)13

.

Eu percebi que aqui os ricos não compram. Não ligam. O preço é mais em

conta. Eles [fazendo referência à classe baixa] não ligam para a marca das

coisas e algumas coisas aqui são falsificadas também. Tem coisa mais em

conta (informação verbal)14

.

Nota-se na leitura dos alunos A6 e A7 que ambos utilizaram dois dos cinco

sentidos na sua percepção do espaço: a visão e olfato, com ênfase dada à visão. Por

sinal, apresentaram uma boa acuidade visual, inserindo nas suas análises elementos

sociais ligados à sobrevivência por meio do trabalho e das ervas medicinais. Observa-se

13

Entrevista com o aluno A6. 14

Entrevista com o aluno A7.

79

também a representação do espaço relacional no interior do Mercado, traduzindo a

multiplicidade das relações em construção, como por exemplo, a origem dos elementos

comercializados na feira e a coexistência do encontro de trajetórias diversas na

compreensão desse recorte espacial captado pelos sentidos.

De tudo que foi dito, convém destacar que as reflexões políticas engendradas

nesse espaço transpõem às quatro paredes do Mercado Central; abrangem a cidade, pois

trata-se de um espaço público mal cuidado pela atual gestão pública. Consideremos

antes que a sensibilidade dos alunos foi capaz de captar essas relações dentro de uma

temporalidade nesse recorte espacial quando estes apontaram a política como “pano de

fundo”. Fizeram-no ao tratar das questões socioeconômicas – como o descaso, a falta de

fiscalização e a preferência da classe média e alta por outros espaços para realizar suas

compras – e socioambientais, como a falta de higiene do ambiente que comercializa

produtos alimentares e poluição dos resíduos sólidos, estudados na escola como risco à

saúde humana. Essas observações indicam que as relações e práticas são os objetos da

política.

Foto 15 - Mercado Central/interior

Fonte: Thiago Rodrigues Gomes, 2014.

Na sequência, outros sentidos foram se revelando nos relatos. O destaque foi

para os sabores e cheiros, uma verdadeira interface entre a tríade ambiente físico,

80

psicológico e cultural, criando, assim, a sua própria Geografia. Tomando como ponto de

referência o espaço, estamos longe de considerarmos o Mercado como sendo um

ambiente fechado simplesmente por estar entre quatro paredes (Foto 15).

Bom dia. Meu nome é A8. Eu senti vários cheiros. Eu senti o cheiro de maçã,

verduras, ervas e outras coisas, aqui no Mercado Central. Eu senti cheiro,

também, de coisa apodrecendo. Senti cheiro de todas as frutas que tem e

também observei que o teto é muito alto para evitar sair o cheiro de cada

fruta (informação verbal)15

.

Nessa visita, eu e minha equipe pudemos observar que há crianças, jovens,

idosos fazendo muitas compras. A maior movimentação fica lá embaixo, que

é na parte onde tem a avenida ali, onde tem as frutas, e aqui em cima é onde

tem as ervas, ervas medicinais. E aqui também a gente pode praticar o

paladar, onde tem algumas lanchonetes e restaurantes. Lá em baixo, o cheiro

de lixo é muito intenso. E é só isso (informação verbal)16

.

O sexto sentido vem à tona através do olfato e paladar, absorvendo e

reconhecendo características próprias do espaço que transpõem a parte interna do

Mercado, interligando-se ao mundo lá fora pelo seu entorno. Os sabores e cheiros

tornam-se prazerosos no interior do Mercado, provocando uma sensação de bem-estar,

interrompido, por vezes, pelo mau cheiro proveniente do lixo.

Veja a geopoética17

do espaço nos relatos dos alunos A8 e A9 e as riquezas de

detalhes por eles descritas nas suas observações que, inconscientemente, traduzem um

ganho na qualidade dos alimentos orgânicos e frescos para a vida das pessoas que

adentram o Mercado. Ou seja, o aluno reconhece que ir ao Mercado tornou-se um

hábito. Além disso, o espaço ganha um movimento que lhe permite construir

identidades próprias e diversas, como ocorrem, simultaneamente, interligações de modo

dinâmico e flexível no contexto espacial.

Na leitura perceptiva das alunas identificadas por A10 e A11, os contrastes são

enfatizados, tendo a "Casa Grande e Senzala" no foco do seu imaginário. Vejamos:

Pois é! (risos). É..., a gente tava no shopping do Mercado Central. Aí, tinha

muitas lojas, né?! E eu percebi assim: que lá é um lugar onde não tem muita

roupa, sei lá, eu acho que..., roupa... bonita (informação verbal)18

.

15

Entrevista com o aluno A8. 16

Entrevista com o aluno A9. 17

É um o conceito elaborado por Kenneth White (1990), inspirado numa visão de mundo integrada e

significativa, onde o ser humano e as “coisas do mundo” compõem um único universo integrado pela

geopoética. Ele ressalta o conhecimento sobre o universo como uma unidade e a geopoética o elemento

unificador, considerando o planeta Terra como o cerne desse pensar, unindo a poesia, o pensamento e a

ciência. 18

Entrevista com a aluna A10.

81

82

[outra aluna interviu e disse] Algumas brega (informação verbal)19

.

[retoma a aluna A10] Aí é..., eu acho que os ricos, né, eles não iam vir pra cá,

porque..., pela aparência, pela desorganização, pelo mau cheiro. Aí, então, eu

percebi assim: se não tivesse esse Mercado, como é que seria a gente?!

Tipo... a gente não, os de menos condições. E se seria um lugar para comprar

e tal. Acho isso. Foi isso o que eu percebi daqui (informação verbal)20

.

A princípio, nota-se que essa dupla perambulou pela parte térrea e superior do

Mercado realizando as suas observações e que, apesar de terem identificado o mau

cheiro, a atenção foi dada mesmo à percepção visual. Ambas pensaram espacialmente,

procurando compreender a multiplicidade das relações existentes naquele espaço e

deram ênfase à política dos relacionamentos socioeconômicos, baseada na estética do

consumo e da beleza entre "ricos e pobres", onde os ricos compram em lojas do centro e

no North Shopping Sobral, e os pobres compram nos boxes de lojas do Mercado

Central.

O curioso é que, sem perceber, puderam enxergar com seus próprios olhos a

forma como a sociedade as vê. Sim, basta notar a contradição no relato da aluna A10,

que omite fazer compras no Mercado. Certamente se sente envergonhada em revelar

que também faz compras no Mercado Central, em virtude da discriminação e/ou

segregação socioeconômica que o espaço carrega.

Assim, finalizamos o Roteiro (1) com os alunos do 7ᵒ ano B. Na semana

seguinte, ao concluir as oficinas, organizamos a saída a campo com o 7ᵒ ano A para

percorrer o Roteiro (2) descrito a seguir:

3.1.2 Roteiro 2: Espelho D’água

1a Parada: A margem esquerda do rio Acaraú

Chegamos à beira rio às 7h30 da manhã do dia 16 de agosto do corrente ano para

o roteiro multissensorial com 40 alunos, todos do 7ᵒ ano A do CSTI Maria Dorilene

Arruda Aragão. Além disso, estavam presentes quatro professores, sendo dois das

disciplinas de Geografia e História e dois colaboradores, um da disciplina de História e

outro monitor do Grupo dos Escoteiros de Sobral (ver Mapa 2).

19

Entrevista com a aluna A10. 20

Entrevista com a aluna A11.

83

Este local ficou conhecido após a requalificação como “Margem Esquerda do

Rio Acaraú”, resultado das propostas integrantes do Plano Diretor de Desenvolvimento

Urbano de Sobral (PDDUS), elaborado em 1990 relativas à urbanização, englobando,

além desse trecho, o Parque Mucambinho e a via paisagística, promovendo uma

"urbanização moderada" e o incremento de áreas de lazer e espaços urbanos (ver Mapa

2 em anexo). A reurbanização desse espaço marca o início de grandes transformações

na cidade de Sobral pelo prefeito na época, Cid Gomes (Foto 16).

Para darmos início aos trabalhos de observação, dividimos a turma em quatro

grupos, totalizando dez alunos por professor, todos dispostos no sentido longitudinal ao

rio. Feito isto, seguimos o percurso do roteiro multissensorial na Margem Esquerda.

Foto 16 - Margem Esquerda do Rio Acaraú (Médio Curso)

Fonte: Thiago Rodrigues Gomes, 2014.

Observam-se, nas transcrições abaixo, os diferentes significados apreendidos

pelo aluno A12, refletindo seus sentidos (visão, olfato, audição e paladar). As primeiras

impressões da paisagem espacial documentadas foram as seguintes:

Uma coisa que a gente tava conversando e comparando como é o presente e o

passado, e como poderá ser no futuro. Eu disse aqui para o meu grupo: “eu

não dou mais três anos pra esse rio secar e mais da metade da população

sobralense ficar sentindo falta de água”. Mas, voltando ao contexto aqui da

história, os cinco sentidos. Olfato: sim, bem. Mas aqui não tem muitas flores,

mas as plantas soltam, fazem o processo de fotossíntese, que solta oxigênio e

dá mais um ar de pureza. Por outro lado, o rio está poluído e sujo, cheio de

84

fezes, de gato, pessoas. Enfim, está muito poluído e ganho da pureza do ar.

Visão: é lamentável o que está acontecendo, porque essas plantas ficam só

em águas poluídas. E mais, também a visão tem outro lado bom, pássaros

migratórios. Audição: a gente escuta aí o sino da igreja tocando. Eu me

lembro de, quando eu era pequeno, minha avó me levar [pra igreja]. Era uma

época muito boa. Mas o som aqui da fonte é muito desagradável, pessoas

falando, som de carro. Antigamente, tinha mais pessoas a pé e de bicicleta.

Atualmente, tem mais carros, mais motos e poucas bicicletas e, raramente,

carroças, como antigamente. Cresceu muito. O que adianta ter casa, dinheiro,

comprar carro, moto e não valorizar o espaço geográfico? [Apontou com a

mão para o rio]. Continuando aqui. Paladar: bem, lógico que a gente não

pegou água do rio e bebeu, porque está poluído. Mas nós provamos os nossos

alimentos e juntamos os gostos. Como? Comendo biscoitos e olhando um

pouco mais a visão pra lá – para o outro lado, pois lá está muito mais

valorizado depois da ponte velha [Fazendo uma referência aos prédios do

bairro Derby Club].

‘Então, podemos entender que existem outros espaços, dentro do nosso

espaço geográfico?’ [Perguntou a professora-pesquisadora]. ‘Sim. Muitos’,

responderam alguns, e outro completava, “Tipo de um tipo de espaço é o

espaço cultural. A gente estava andando por aqui e eu peguei o meu grupo e

fomos andar. Chegamos ali, perto de outro grupo e vimos um espaço cultural

com uma professora de artes esperando os seus alunos para fazer arte, arte

visionária (informação verbal, grifo nosso)21

O aluno A12 identificou a essência do espaço como “algo que não está morto",

pois, encontrou vida nesse espaço e a relação espaço-tempo ao identificar as conexões

resultantes dessa relação com a interrogação: “... como poderá ser no futuro?!”.

Foto 17 - Margem Esquerda do Rio Acaraú (Médio Curso)

Fonte: Thiago Rodrigues Gomes, 2014.

21

Entrevista com aluno A12.

85

Mas há um fato intrigante que não se coaduna com as suas impressões

documentadas, pois o mesmo questionou os aspectos reais desse recorte espacial, como

o consumismo, meio ambiente e o capital. Contudo, durante a saída a campo ele foi o

aluno mais dotado de recursos financeiro-tecnológico portando, smartphone e tablet22

.

Acredito que o espanto seja por estar dentro de um espaço natural. Não obstante,

o rio e a cidade se confundem, criando um misto de relações que permeia o “sagrado” -

com o elemento água, fonte da vida, a sacralidade inspirada pelas igrejas ao derredor da

Margem Esquerda do rio. E o “profano”, com o desmatamento da vegetação ribeirinha e

com a perda da qualidade potável de suas águas. De tudo isso, muitas pessoas guardam

recordações de um passado ainda bastante vivo em suas lembranças (Foto 17, anterior).

Somam-se outros aspectos à realidade espacial encontrada, como por exemplo -

quando se transita a qualquer hora do dia em qualquer trecho da Margem Esquerda, que,

atualmente, tornou-se bastante perigoso. Como vemos, situações como estas estão

muitas vezes divorciadas da visão impactante que a obra provoca e demonstram a

ineficiência das políticas públicas, dentre elas as de manutenção do patrimônio e

segurança pública, o que coloca em risco as próprias unidades paisagísticas existentes.

Nesse instante, decidimos conversar em grupo, pois outros alunos queriam falar:

Primeiramente, eu gostei desse passeio. Eu usei muito bem os meus cinco

sentidos e presenciei o sexto sentido aqui também. Primeiro, eu vou usar tipo

o olfato: o cheiro aqui não é muito agradável, mas tem certos pontos que sim.

Lá em cima do anfiteatro que a gente subiu o ar estava puro e agradável.

Consegui presenciar também na visão, a maneira como se está aqui, como era

antes. Usei também o sexto sentido, que é o entendimento. Entendi que isso

aqui poderia ficar melhor com a colaboração das pessoas, não jogando

plásticos, por exemplo. E também, me deixa eu ver, a audição: consegui

presenciar muitos sons aqui, tipo aves cantando, pássaros, carros passando, o

espaço geográfico natural (informação verbal)23

.

Percebi que são poucas as pessoas que vêm aqui, por causa das diferenças,

como a gente percebeu aqui: passou um grupo e não falou com a gente e eles

pareciam que era de classe média. Eles não falaram! (informação verbal)24

.

Também percebemos que as pessoas andam de canoa, porque a diferença da

condição financeira é mais baixa. Aí tem uma grande diferença entre as duas

(informação verbal)25

.

‘Quando é que a gente sabe que uma pessoa é rica ou pobre?’, perguntou a

professora-pesquisadora. Quando ela se veste bem e fala bem. Agora, se a

22

Para possibilitar a caracterização do perfil desse aluno, basta dizer que ele usava boné e tênis top de

linha da Nike. Mais tarde, na rota seguinte – a Lagoa da Fazenda –, ele veio a sofrer uma tentativa de

assalto. 23

Entrevista com a aluna A14. 24

Entrevista com a aluna A14. 25

Entrevista com o aluno A15.

86

pessoa chega com a roupa rasgada e que não está na moda, vão dizer que a

pessoa não tem dinheiro (informação verbal)26

.

Os sentidos captados pelo grupo se referem à visão, ao olfato, à audição e ao

sexto sentido. O olhar atento das “crianças” trouxe as argumentações singelas e

despretensiosas sobre a paisagem observada, onde as imagens oriundas das sensações e

percepções foram representadas a partir de signos sociais estabelecidos em seu próprio

universo, mostrando que, na prática, a segregação dos grupos socioeconômicos transita

no mesmo espaço cotidianamente, sem se misturar, caracterizando uma interpretação da

realidade posta em tela.

Por fim, é importante ressaltar o estado em que rio se encontra. Este é mais

utilizado por pessoas de classe baixa e, por vezes, média, e que, certamente, moram em

áreas menos equipadas e sujeitas à privação da mobilidade urbana, traduzindo um

sistema de transporte coletivo precário. Na sequência, seguimos para a rota seguinte.

2a Parada: A Lagoa da Fazenda

Chegamos à Lagoa da Fazenda às 9h30 da manhã do dia 16 de agosto de ano,

onde permanecemos até as 11h30 para um roteiro multissensorial pelo seu entorno. A

Lagoa foi transformada em parque ecológico e inaugurada em 1993 com o nome de

Lagoa da Fazenda, em substituição à antiga Fazenda dos Macacos, conhecida por esse

nome até 1987, que inicialmente era cortada pela estrada do bairro da Bethânia,

construída por Dom José para dar acesso à sua casa de campo (ver Mapa 2 em anexo).

Este local foi por muitos anos ponto de lazer dos habitantes da cidade, para onde vinha

sentir as temperaturas amenas, apreciar o canto dos pássaros e contemplar os

perfumados aguapés (COSTA, 2010).

Dada a dimensão do Parque Ecológico Lagoa da Fazenda (19,2 hectares) e a

quantidade de incrementos, como o Ginásio Poliesportivo com capacidade para dois mil

pessoas; um bosque; área de lazer com restaurantes; playground; pista de cooper;

quadra de esporte aberta e espelho d`água natural da Lagoa da Fazenda. Dividimos a

turma em dois grupos, totalizando vinte alunos por cada professor, todos dispostos em

dois pontos antípodas no sentido circular da Lagoa. Em seguida, iniciamos a leitura

perceptiva do espaço.

26

Entrevista com o aluno A16.

87

Situada à margem do centro da cidade e – porque não dizer assim? – totalmente

à margem do centro da cidade. É assombroso o que a imagem – de total abandono – nos

revela sobre esse patrimônio como obra de grande valor natural, traduzindo a separação

da relação Sociedade - Natureza e os mecanismos político-econômicos que levou a

sociedade a escolher essa ruptura (Ver foto 18).

Foto 18 - Lagoa da Fazenda - Vista Panorâmica

Fonte: Thiago Rodrigues Gomes, 2014.

A caminhada pela Lagoa da Fazenda a qualquer hora do dia é um convite a

elaborar uma narrativa das formas de uso e ocupação, não somente pela visibilidade,

mas pela percepção olfativa dominada pelo mau cheiro. Somos tomados pelos odores do

lugar em cada parada, exclusivamente fétido, causando náuseas, despertando ânsia de

vômito e várias cuspidas ocasionadas pela poluição de esgotos, inibindo,

insistentemente, o paladar.

A percepção auditiva do ambiente que nos envolve na Lagoa da Fazenda é

traduzida em momentos pelo canto melodioso das aves e por pausas demoradas do

silêncio, próprio da natureza. Por vezes, o silêncio associa-se ao canto dos pássaros e da

flora, com o balançar do vento que assobia uma melodia triste, como se fosse um canto

de alento e suplício nos convidando à contemplação e reflexão da paisagem tal como se

apresenta, dando um ar de música própria.

88

Observa-se as transcrições dos diferentes significados apreendidos e refletidos

por meio dos sentidos do espaço pelos alunos sobre o Parque Ecológico Lagoa da

Fazenda:

O que mais me chamou atenção foi que, antigamente, aqui era uma paisagem

muito bonita. A minha mãe falou que era muito movimentada, quando ela

andou por aqui com o meu pai. E falou tudo praticamente! Disseram que aqui

tinha alguns pássaros e ficavam pedalando. Aí, aqui mudou e ficou poluído,

cheio de mato. Agora vejo que tá feio! Tem um som agradável e

desagradável. Por exemplo, o da igreja [Nessa manhã, ocorria um encontro

evangélico no ginásio poliesportivo], pra nós aqui fora. Pra eles, que estão lá

dentro, é agradável (informação verbal)27

.

Os sentidos utilizados na leitura de observação do espaço foram a visão e

audição. Este local já foi considerado um dos pontos turísticos mais visitados pelos

habitantes da cidade, como mostra em “devaneio” a aluna A17, que traz o passado para

confrontar com o presente por meio das lembranças repassadas pelos pais, onde em suas

impressões revela um sexto sentido carregado de herança cultural, confirmando a

topofilia (TUAN, 2012).

Nota-se que o sentimento de afeto da mãe pela paisagem da Lagoa da Fazenda,

repassado à filha, demonstra sua vivência na construção de sua trajetória pessoal de vida

registrada no tempo e na memória, onde estão armazenados símbolos e acontecimentos

de uma época que pode ser revisitada por sensações agradáveis e, por vezes, nostálgicas

sobre determinados ambientes que marcaram o seu cotidiano. E, por fim, destaca-se, na

sua percepção, o som e sua influência no comportamento como algo relativo ao

contexto espacial.

Decidimos realizar uma conversa em grupo, dando oportunidade para outros

alunos falarem:

As transformações são muitas. Bem, foi aterrado. Aqui vem lixo dos

hospitais. Aqui era uma lagoa bem grande e aqui era só, bem dizer, uma casa,

uma fazenda. Com o passar do tempo, aqui não é mais uma fazenda, é um

restaurante. Mas está mais moderno (informação verbal)28

.

Eu percebi que a Lagoa está muito seca, porque, além de não ter chovido

forte há três anos, também por causa de que os canos que trazem a água pra

Lagoa estão entupidos. Então, certamente, o ser humano, o pessoal da

sociedade, tá muito irresponsável (informação verbal)29

.

27

Entrevista com a aluna A17. 28

Entrevista com o aluno A19. 29

Entrevista com o aluno A19.

89

Eu percebi que a poluição tá tomando conta da Lagoa. Vi muita

irresponsabilidade! Nem a prefeitura e nem a sociedade estão cuidando da

Lagoa da Fazenda (informação verbal)30

.

Se as pessoas colaborassem mais, tivessem a consciência de que a poluição

faz muito mal, ela não jogaria o lixo, e aqui seria muito mais bonito do que já

é. E também ali, do outro lado, tem só lama mesmo. Assim, as folhas das

plantas continuam sendo verdes (informação verbal)31

.

O sentido em destaque foi a visão. Deparamo-nos com um ambiente agonizante,

onde eram visíveis a poluição e o descaso do poder público, conforme os relatos dos

alunos. Muitas transformações ocorreram nesse espaço, que já foi considerado lugar do

"pedalinho e da pedalada", ou seja, um espaço de atividade de recreação e lazer tornou-

se um depósito de esgotos, algo visível durante a aula de campo (devido à seca, havia

canos expostos).

O valor desse espaço é inestimável e ressignifica os sentidos captados no mundo

real das pessoas que reconhecem e se orientam por referenciais simbólicos, ou seja,

daquilo que viram e do que se apropriam com sentimento de pertencimento. O espaço

construído pelo homem pode aperfeiçoar a sensação e a percepção humana. É verdade

que, mesmo em forma arquitetônica, as pessoas são capazes de sentir a diferença entre

interior e exterior (TUAN, 2013, p. 128).

Aqui finalizamos os roteiros (1 e 2) com a turma do 7ᵒ ano A e B do CSTI Maria

Dorilene Arruda Aragão. Já com as oficinas em andamento no CSTI Maria de Lourdes

de Vasconcelos, partimos para a saída a campo com as turmas, também do 7ᵒ ano A e B,

conforme texto a seguir.

3.2 O distrito de Aracatiaçu: um caminho em movimento

Aracatiaçu ainda respira um ar semi-rural, envolto pela vida simples e pacata do

interior, de construções rústicas, de suas fazendas, vales úmidos, ruas pequenas, com

pouca agitação de transeuntes e um comércio simples, uma riqueza histórica e cultural

amontoada na memória das pessoas, onde parte da sua gente dedica suas atividades

laborais ao gado, agricultura, pesca, e outra parte dedica-se ao comércio, à educação e à

indústria, mesmo que de forma modesta.

30

Entrevista com o aluno A20. 31

Entrevista com o aluno A21.

90

Semelhante à cidade, o distrito está cheio de sentidos permeando o seu simpático

espaço, combinando o lado rústico das fazendas, dos currais, do criatório dos animais

nos quintais das residências urbanas, das áreas de cultivo — sistema de roças, do açude

que produz vida e tudo dele se aproveita; da caatinga desolada, espinhenta e lenhosa nos

arredores da sede do distrito com o avanço tecnológico, destacando o “mundo

adiantado” típico das cidades, quebrando a beleza da arte do campo marcado pelo uso

de celulares — mesmo com uma conexão precária, internet, do asfalto, das fábricas de

pequeno porte e dos transportes automotivos, mostrando que o futuro já chegou ao

distrito ainda —, "rural-urbano" como se este vivesse no passado e fosse sinônimo de

atraso. Eis, o caminho em movimento da vida contemporânea interligando os espaços

cidade - campo e vice-versa, uma vez que o espaço é rico de multiplicidade, dinâmica e

relacional.

Para entender os sentidos do espaço a partir do distrito, precisamos estimular a

percepção dos alunos, de bons roteiros multissensoriais e de disposição para

percorrermos um caminho, adentrando no verdadeiro sentido da arte, interagindo com

os recortes das paisagens a partir do simples ato de respirar, andar, olhar, gesticular e

falar para apreciar e refletir sobre as várias transformações em detalhes no campo e,

ainda, assistir aos espetáculos que este tipo de natureza nos oferece (como o movimento

aparente do sol, o canto dos pássaros, a ópera do vento) e perceber que os sentidos são

expressões vitais inerentes a todo ser humano. Ao longo do processo de modernização

tecnológica, as pessoas, involuntariamente, vêm perdendo essas ferramentas de

interação e percepção do espaço. É justamente aqui que encontramos a via que nos

permitirá começarmos os roteiros multissensoriais no distrito de Aracatiaçu.

3.2.1 Roteiro1: Centro Comercial da sede do distrito Aracatiaçu

1a Parada: a Praça Matriz

Reunimo-nos na Praça da Matriz às 7h30 da manhã do dia 02 de setembro do

corrente ano para o roteiro multissensorial. Este aconteceu com 40 alunos provenientes

das duas turmas do 7ᵒ ano A e B do CSTI Maria de Lourdes de Vasconcelos. Desta

escola também estavam presentes três professores das disciplinas de Geografia,

Ciências e Matemática, além da coordenadora pedagógica e, ainda, dois professores

91

colaboradores (um de História e uma educadora social vinculada ao Conselho Tutelar).

Em virtude da proximidade das rotas estabelecidas para o distrito, achamos melhor

realizamos os Roteiros (1 e 2) num só dia. Para tanto, juntamos as duas turmas.

A Matriz de Santo Antônio de Aracatiaçu foi criada em 1863, pertencendo

inicialmente à paróquia de Fortaleza, posteriormente à de Itapajé e, finalmente, à de

Sobral, sempre tendo Santo Antônio como padroeiro. Para iniciarmos o roteiro na Praça,

dividimos a turma em três turmas, totalizando um grupo de catorze e dois grupos de

treze alunos para cada dois professores, todos dispostos no sentido triângulo retangular

daquele local (Foto 19).

Foto 19 - Igreja Matriz - vista panorâmica

Fonte: Thiago Rodrigues Gomes, 2014.

Revestida pelos raios de sol, preserva os aspectos de uma jovem com seus

encantos sedutores, atraindo aqueles que por ali passam. Assim é a Praça da Matriz de

Aracatiaçu, que nos convida para um roteiro multissensorial por meio dos sentidos

(olhar, ouvir, pele, cheiro e sabores) num dia de feira, que acontece nas manhãs de

sábado, quando os sentidos aguçam a nossa sensibilidade e percepção (Foto 20,

adiante).

No entorno da Praça encontramos a composição de uma vida longa e simples

passada na quietude do século XIX, sem ostentação da riqueza deixada pela pecuária

92

dos tempos altos do binômio gado-algodão. Mas guarda um ânimo constante e um

coração grande, visível nesse recorte do espaço que revela um interesse pelas coisas da

terra, testemunhando a sua identidade afetiva com o campo e a zona rural a partir do

vaqueiro e do sagrado, pelo signo da religiosidade popular (ver Mapa 3).

O silêncio toma conta da Praça nas primeiras horas do dia, feito uma poesia

lírica, representando os sentimentos, estado de espírito e percepções dos que ali estão ou

trafegam; silêncio rompido somente pelo canto poético dos pássaros e, ao longo da

manhã, pelo barulho sutil das motos, carros e vozes dos transeuntes.

A Praça da Matriz é o “umbigo” do distrito, onde muitos caminhos conduzem a

ela. É o local de maior importância desde o seu nascimento, marcado por uma forte e

estreita ligação com a Igreja Católica. Não é por acaso que à Praça se atribui um nome

de cunho religioso, qual seja, “Santo Antônio do Aracatiaçu”, como forma impressa de

marcar o seu lugar no contexto espacial e também na vida das pessoas, pois é comum

encontrarmos ao seu redor empreendimentos comerciais de relevância econômica para o

lugar. Para além do aspecto econômico, a praça é um ponto de encontro, festas,

acontecimentos, ornamentados, arborizada e limpa, tornando-se mais atraente com um

clima ameno sob um céu cintilante do sertão semiárido.

Foto 20 - Sabores da Praça - feira da manhã de sábado

Fonte: Thiago Rodrigues Gomes, 2014.

93

Aracatiaçu tem poucas ruas, demasiados intervalos sem edificações, por vezes

dividindo espaços com currais, próprios da caprina-ovinocultura. É rodeada por áreas de

cultivo – os “roçados” – e fazendas de gado bovino, além de ser marcada por

interflúvios. Mas é na Praça que sentimos exalar um ar florejante da puberdade do lugar,

que ainda não floresceu a um mundo (dito) “pós-moderno”, reservando ainda costumes

do espaço agrário, como a rústica feira aos finais de semana, um verdadeiro convite aos

sabores e cheiros.

Após uma hora e meia de observações na Praça da Matriz, os alunos puderam

captar o (in)visível e o interpretável, conforme nos revela o aluno identificado por A22:

Na visão, identificamos as aves, as montanhas, árvores. A gente viu um

bando de pássaros brigando, mostrando que a natureza é viva. Tem muita

natureza. Vimos também sobre o trânsito. Vimos que, nesse instante, pela

percepção, que vinha passando aqui uma moto, e aí essa moto ia batendo na

outra, se chocando. Isso quer dizer que ia passar direto, ele não teve atenção.

A gente viu muita movimentação do vento, de pessoas, de carro, de barulho,

mau cheiro do lixo. Quando estava assim, de manhã, o cheiro estava bom,

bom mesmo! Aí, quando passou o carro do lixo, eu lhe digo: foi um desastre!

Eu fiquei sem noção, porque assim: eu sei que é obrigatório pegar o lixo, mas

um fedorzão! O movimento foi aumentando com o tempo. Eu vi também,

sobre as bandeiras, que elas são uma poluição visual, porque distraem o olhar

da pessoa e a pessoa não vê outra coisa, só vê as bandeiras. Eles vieram pra

cá porque aqui é mais movimentado. A temperatura agora está quente, mas

na hora que a gente chegou estava fria. Estamos sentindo ela pelo corpo, pela

pele. À audição: barulho do trânsito, canto dos pássaros. Agora, nesse

momento, o que se destaca é o som da ação do vento. Depois, o som dos

políticos que vieram depois, a gente só pôde perceber, quando paramos,

como estamos fazendo agora (informação verbal)32

.

Nota-se que, dos cinco sentidos, a ênfase foi dada à visão, ao tato, à audição e ao

olfato. Como vemos, a Praça da Matriz é dos mais importantes espaços públicos para o

distrito, favorável à ocorrência de eventos variados como lazer, convívio da população,

tráfego de veículos automotores e transeuntes. Ela se insere no imaginário urbano

subjetivo e imaterial; aparece como uma referência para a construção da cidade

material, pois é no seu entorno que os núcleos urbanos se concretizaram, isto é, a

construção das primeiras casas. A partir daí, as pessoas passaram a ter a Praça como

uma extensão dos seus lares.

Vale ainda frisar um aspecto bastante curioso no relato do aluno A23, que,

através do seu sexto sentido, conseguiu unir em uma única “tela” os sentidos desse

recorte espacial, descrevendo em minúcias, sem deixar de fora os conflitos que,

32

Entrevista com o aluno A22.

94

certamente, não captaria de forma tão plural senão estivesse nessa atividade. Já para o

aluno A23 tem o seguinte entendimento:

Bom, no local onde estávamos, falávamos do que estávamos sentindo sobre

os elementos visíveis e invisíveis, né? Pra mim, dos elementos invisíveis, eu

senti o cheiro sim muito do carro do lixo que passou, e também da fumaça

dos carros que soltam e dos elementos visíveis, foi à natureza. Por aqui tem

muitas plantas, né? Aí, nós estávamos falando que as plantas estão meio mal

aguadas, e precisava mesmo, mais, da chuva, Acho que só. Nós falávamos

também que, quando nós chegamos aqui, as coisas estavam mais calmas,

tinha menos movimentação e, quando começou a aumentar, nós percebemos

que o barulho das motos também aumentou e a movimentação das pessoas. E

também, quando estávamos ali, o pessoal passava e como não está

acostumado a ver muito essas coisas, quando eles passavam, sempre olhavam

e achavam estranho, aquelas muitas pessoas ali, naquele local (informação

verbal)33

.

O referido aluno utilizou três dos cinco sentidos na sua observação: a visão, o

olfato e audição. Como percebemos em sua leitura, ele conseguiu guiar-se pelos

sentidos no espaço, extraindo um sexto sentido bastante reflexivo, longe da passividade

na sua visão de/do mundo, encontrando em movimento do espaço em que é possível e

passível de visibilidade aos nossos olhos. Por fim, insere o político e o social na sua

leitura, revelando, dessa forma, a participação destes na construção, uso e ocupação do

espaço, quer de forma ideológico-partidária, quer pelo movimento apartidário.

Seguimos para a segunda parada do Roteiro (1) descrito a seguir.

3.2.2 Roteiro 2: Espelho D’água

2a Parada: o açude

Finalizamos este roteiro com as observações no açude Santo Antônio do

Aracatiaçu, onde chegamos às 10h30 da manhã do dia 02 de setembro do ano corrente.

Neste local, mantivemos os mesmos grupos de alunos e professores, todos dispostos no

sentido circular em relação às margens do açude, permanecendo por 30 minutos em

atividade de observação do espaço.

Está situado na microbacia do rio Aracatiaçu, sobre um embasamento de rochas

cristalinas datadas do pré-cambriano inferior e médio, abrangendo onze municípios,

dentre eles o município de Sobral/CE. Construído na década de 1950, tem um volume

esperado de armazenamento de água de 8.200.00 m³/ano (ver Mapa 3, adiante).

33

Entrevista com o aluno A21.

95

96

O açude representa a fonte da vida, feito uma mãe que alimenta os seus filhos na

fartura deixada pelas boas chuvas e oferece peixes, camarão e água farta para as

residências e para o lazer. Mas quando a seca chega ao sertão semiárido, tudo fica

esturricado, até mesmo o açude, e a vida que nele habita, assim como no entorno, vai

embora e ele fica nu; é só observarmos a paisagem pedindo socorro (Foto 21).

Foto 21 - Açude Santo Antônio do Aracatiaçu - vista panorâmica.

Fonte: Thiago Rodrigues Gomes, 2014.

O canto triste e silencioso dos pássaros nos alcança feito uma nota suave,

despertando emoção e sentimentos que ganham força e nos envolvem com as rajadas do

vento leste em disparada, carregando a umidade da pouca água do açude em plena seca.

O aluno A24 empregou visão e tato na leitura perceptiva sobre o açude:

Quando a gente veio, o clima estava quente. Aí a gente veio com tanta

preguiça de sentar aqui pra perceber o clima. Mas, depois, ele foi diminuindo,

foi ficando mais frio, o sol foi baixando.

‘Os barcos parados significam o que?’, perguntou a professora-pesquisadora.

Que os pescadores não estão trabalhando. Não estão bem! Tá interferindo na

renda deles, porque os pescadores vivem da pescaria, sobrevivem da pescaria

e os peixes que pegam é muito pouco. Pescam cará, tilápia, pescada, crumatã,

camarão e piaba. Esse espaço é geográfico, mas ele tá mais natural

(informação verbal)34

.

34

Entrevista com o aluno A24.

97

Ao caminhar com os alunos e professores até a beira do açude, mergulhamos na

paisagem como um fenômeno vivido através da seca, incitando-nos a observar

demoradamente o cenário de temperaturas elevadas, agravadas pela forte degradação

ambiental, pela seca e, ainda, por significativas condições de semiaridez. A paisagem

desse recorte espacial nos oferece apenas uma parte de um contexto maior, mas, de certa

forma, é uma parte constituinte de uma totalidade que não se limita aos horizontes do

olhar, que complementa sob diversas formas a nossa imaginação, inclusive dos barcos

ancorados à beira do açude.

Em relação aos barcos parados, lembrei-me de um provérbio português que diz:

“Barco parado não faz viagem” (informação verbal). A aluna A25, como os demais

alunos (ver o relato da aluna A26 da dupla seguinte), conseguiu compreender os efeitos

da seca no cotidiano e na qualidade de vida das pessoas, sobretudo dos pescadores, que

têm como sua principal fonte de renda a pesca.

Na leitura desse grupo, diferentes odores foram percebidos e, de modo geral,

foram ressaltadas percepções agradáveis e desagradáveis:

A visão foi o sentido que mais se destacou, porque a gente vê a caixa d’água,

o balneário, as pedras, o açude e a terra que está aí em erosão. [...] E o olfato

e o paladar deram pra gente sentir aqui. O mau cheiro forte de camarão, de

coisa podre. Deu vontade de cuspir! Mau cheiro de esgoto! O esgoto da

fábrica de pólvora. A presença de lixo no açude e do desmatamento. O som

que mais se destacou foi do vento e do canto dos pássaros, da água, nossas

vozes. Mais do que na Praça da Matriz, porque não tem muita movimentação

de carro (informação verbal)35

.

‘E esses barcos, o que eles dizem sobre esse espaço?’, perguntou a

professora-pesquisadora. Que já diminuiu o nível da água e eles não puderam

mais entrar na água. Que o nível da água tá baixando e a água tá diminuindo

(informação verbal)36

.

Ao olhar, a gente já vê logo pela visão. Depois vem a audição. Depois, o

olfato. Daí vem a imaginação (informação verbal)37

A percepção dos sentidos do espaço vivido possibilita reaprender a pensar como

fez a aluna A26, guiando-se pelos sentidos no espaço. Os cheiros próprios dos

ambientes urbanos têm interferido negativamente na construção sensitiva dos cheiros da

natureza em sua essência, um grande indício do isolamento dos indivíduos na dita

sociedade moderna. Para a aluna A26, assim como para os demais, foi preciso reeducar

35

Entrevista com a aluna A26. 36

Entrevista com a aluna A27. 37

Professora de Geografia do CSTI Maria de Lourdes de Vasconcelos - P1.

98

o olhar para observar, descrever, registrar e analisar melhor o sexto sentido, ou seja, a

imaginação. Isto muito bem reforçado pela professora P1(Foto 22).38

Apesar da teorização e discussão estabelecida, convém destacar que a

imaginação trazida por alguns alunos de que o “[...] mundo está totalmente integrado

pela globalização, estamos caindo numa horizontalidade sem profundidade de conexão

imediata [...] que não deixa de ser uma cosmologia política” (MASSEY, 2008, p. 118).

Foto 22 - Açude Santo Antônio do Aracatiaçu - Vista Panorâmica

Fonte: Thiago Rodrigues Gomes, 2014.

Como conceber a globalização com sua falsa ideia de integração dos espaços, se,

no distrito de Aracatiaçu, não conseguimos usar o celular para realizar uma chamada

telefônica ou conectar à internet, porque não temos cobertura das operadoras, uma das

quais tem introjetado, por meio do marketing, que não tem fronteiras ("TIM: você, sem

fronteiras")?

Conclui-se que o distrito de Aracatiaçu não foi, até o presente momento,

integrado à simultaneidade dos eventos da comunidade global de comunicação, muito

embora, com o tempo, isso vá ocorrer. Veja que estamos especializando o tempo, visto

que este não pode ser pensado sem reconhecer as multiplicidades espaciais ao passo que

o espaço não pode ser pensado como instantâneo sem profundidade, totalmente

interconectado. Nesse sentido, podemos dizer que, sim, nós vivemos numa era espacial!

38

A letra "P” é de professora. O número "1"é da ordem das quantidades de depoimentos no texto.

99

A partir de agora, iremos apresentar o terceiro percurso, o Roteiro (3),

entrecruzando os espaços dos distritos de Sobral - Sede e Aracatiaçu, com ambos os

colégios e suas respectivas turmas de 7ᵒ ano em momentos distintos.

3.3 Da cidade ao distrito e do distrito à cidade: trajetórias que se entrecruzam no

espaço

Mapa 4 - Roteiros Multissensoriais Entrecruzando os Espaços

Fonte: Manoel Guedes, 2014.

Nesses dois roteiros multissensoriais, entrecruzamos dois espaços, sendo eles

cidade e distrito, fazendo uma referência ao espaço rural-urbano, que, diante das

transformações recentes na relação cidade-campo, tem resultado em modificações

marcantes (Mapa 4). Portanto, seguimos a concepção de rural-urbano que considera em

sua análise a intensidade das alterações realizadas pelo homem no meio através da

técnica, caracterizando o espaço rural em relação ao urbano pelo seu menor grau de

100

artificialização, densidades mais tênues, contato mais direto com a natureza e tempos

mais longos, conforme apresenta Girardi (2008).

A este respeito, Siqueira e Osório (2001), afirmam que o conceito de rural-

urbano deve ser utilizado com moderação, uma vez que é mais adequado aos países

desenvolvidos e em algumas regiões de países subdesenvolvidos, como é o caso do

Brasil. Com isso, procuramos a perspectiva do olhar, leitura e análise perceptiva por

parte dos alunos a partir do seu espaço de vivência (in loco) com um espaço longínquo

para compreendermos o que mudou na percepção deles ao contraporem os sentidos dos

espaços.

No que tange a estes espaços, destacamos que existem muitas diferenças em

viver na cidade e viver na sede do distrito. A cidade vive mergulhada numa velocidade

constante. Nela, os espaços são divididos entre carros, fábricas, lojas, prédios, casas,

supermercados, universidades, hospitais, várias estradas e pessoas se locomovendo o

tempo inteiro; um verdadeiro corre-corre, poluição, carros, ônibus, motos, ao ponto das

pessoas se sentirem incomodadas por ter que parar por mais tempo numa fila qualquer.

Em contrapartida, no distrito a vida ainda segue mais calma, permitindo um

contato mais frequente com os animais domésticos e selvagens. Existe menos asfalto e

mais estradas carroçais, com a maior presença de árvores, hortas, plantas medicinais -,

onde as crianças podem brincar com mais liberdade.

Portanto, do ponto de vista natural o distrito – ainda, nos remete a ideia de vida

mais saudável no campo. Muito embora, com as transformações recorrentes ao rural-

urbano, muitas localidades rurais, seja possívelencontrar pessoas que moram e

trabalham nas localidades rurais com hábitos urbanos, devido às influências do urbano

sobre o rural e do rural sobre o urbano, as vertentes do conceito de continuum, com suas

distintas territorialidades, como apontam (FERNANDES; PONTE, 2002).

No entremeio desses recortes do espaço existe um percurso a ser feito através de

um roteiro de deslocamento entre cidade-distrito, que, ao realizarmos, simplesmente

adentramos em “espaços vazios e não-vazios”, pois tratam-se de espaços distantes no

contexto da espacialidade.

Consideremos, antes, que estamos trabalhando com duas categorias de alunos,

com valores culturais distintos, sendo que uma mora na cidade e outra no distrito –,

semi-rural, cada uma com seu mapa mental característico. Basta analisarmos as

percepções através dos relatos dos alunos para uma constatação óbvia sobre os mapas

101

mentais39

. Num primeiro momento, esse percurso foi realizado com os alunos da sede

do município do CSTI Maria Dorilene Arruda Aragão ao distrito de Aracatiaçu. O

translado em si foi uma forma de penetrarmos num recorte do espaço para perceber e

analisar o que representam os espaços vazios nesse roteiro de percurso.

Para Bauman (2001, p. 120), os espaços vazios são, antes de mais nada, vazios

de significado. Não que sejam sem significado porque são vazios: é porque não têm

significado, nem acredita que possa tê-lo, que são vistos como vazios (melhor seria

dizer “não-vistos”).

Foto 23 - Vista panorâmica do percurso de Sobral a Aracatiaçu

Fonte: Vanuzia Brito Lima, 2014.

39

É um produto, quer dizer, uma representação que uma pessoa dá de seu entorno espacial: ela permite

fixar imagens de uma área dada e executar os limites dos conhecimentos espaciais. O mapa mental

permite observar se o aluno tem uma percepção efetiva da ocorrência de um fenômeno no espaço e

condições de fazer a sua transposição para o papel. Ela vai trabalhar com todos os elementos essenciais

que a cartografia postula no tocante a sua forma de expressão – a linguagem gráfica. Ele nos possibilita

analisar a representação oblíqua e vertical, o desenho pictórico ou abstrato, a noção de proporção, a

legenda, as referências utilizadas (particular, local, internacional e inexistente) e o título (SIMIELLI,

2001, p.107). Atualmente essa metodologia conta com CmapTools - um software desenvolvido pelo

IHMC (Institute for Humanand Machine Cognition), especialmente para ajudar trabalho pedagógico

mediado por mapas conceituais para sintetizar e relacionar os conceitos de forma interativa por meio do

computador.

102

Percebemos, durante o percurso de Sobral a Aracatiaçu, que para os alunos da

cidade esse recorte do espaço, ou seja, do trajeto, não tem muito significado pelo fato de

não terem nenhuma afinidade e/ou ligação afetiva com o mesmo, mas isso não significa

que os vários recortes desse espaço não tenham lhes despertado interesse ou curiosidade

num primeiro momento (Foto 23, citada anterior); basta percebermos a visão sendo

tomada por olhares através das câmeras fotográficas pelas janelas do ônibus por um

tempo demorado durante o trajeto, interrompido somente pelos vários aspectos lúdicos

no interior do veículo, desde a entonação do grito de guerra ao som das palmas, até o

uso das novas mídias como tablets, ipads, máquinas digitais, celulares e fones de

ouvido.

Assim, acreditamos no poder que tem a observação no processo da descoberta

em campo, em que as imagens registradas em campo podem, sem dúvida, subsidiar o

“lugar do olhar”, conforme sugere Gomes (2013). Para o autor, as imagens se

configuram como instrumentos para pensar e, ao mesmo tempo, enquanto objetos do

olhar no contexto da análise espacial.

Diga-se de passagem, que o aluno carrega consigo um sentido de espaço, muito

embora mal trabalhado, visto que ele, em seu sentido largo, pensa como aprendiz, com

autonomia intelectual capaz de dialogar cotidianamente com a Geografia e demais

disciplinas do currículo escolar, mesmo que inconscientemente e, agora mais do que

nunca, com a globalização vigente.

3.3.1 Roteiro 3: da cidade ao distrito de Aracatiaçu "urbamo-rural"

1a. Parada: Açude Santo Antônio

Iniciamos Roteiro (3) da cidade ao distrito de Aracatiaçu "urbamo-rural". A

atividade contou com a participação de 40 alunos provenientes das duas turmas do 7ᵒ

ano A e B do CSTI Maria Dorilene Arruda Aragão. É importante lembrar que, para esse

roteiro, não houve seleção de alunos, mas inscrições espontâneas realizadas pelo

professor de Geografia década colégio. Contamos com a participação de somente três

professores colaboradores, sendo dois de História e uma educadora social vinculada ao

Conselho Tutelar.

103

Foto 24 - Açude Santo Antônio do Aracatiaçu - vista panorâmica.

Fonte: Thiago Rodrigues Gomes, 2014.

Chegamos às 7h30 da manhã do dia 13 de outubro no Açude Santo Antônio. Em

seguida, dividimos a turma em três grupos, para iniciarmos o percurso multissensorial,

totalizando dois grupos de treze e outro de catorze alunos para cada professor

colaborador, dispostos no sentido circular as margens do açude (Foto 24). O

procedimento foi o mesmo dos roteiros anteriores, destinamos uma hora e meia para as

observações, tendo os professores como acompanhantes com os olhares ao andamento

da turma, sem intervenção na cognição num primeiro momento em respeito à leitura

empírica dos alunos (ver Mapa 4).

Em conversas em grupo, começamos a documentar as percepções dos sujeitos

sobre os sentidos captados pela turma sobre o Açude:

A seca, a poluição global aqui nesse espaço. O solo está todo rachado por

conta da seca. A água está verde! (informação verbal)40

.

É porque, antigamente, aqui, era um açude elevado, muito volumoso. Aí

fizeram aquela muralha ali, pra ver se empatava. Aí, com o decorrer da seca,

apareceram essas marquinhas aqui [Apontou com o dedo para mostrar as

marcas da vazão na parede do açude] (informação verbal)41

.

40

Entrevista com a aluna A28. 41

Entrevista com a aluna A29.

104

Olhando, a gente consegue perceber o espaço. Os barcos estão parados,

porque o açude tá secando, os peixes estão morrendo. E o barulho é muito

agradável por causa do som da água. Eu ouço! (informação verbal)42

.

Eu acho bonito, por conta das rochas. Eu queria ir pra ali. Me leve?!

[Apontando para um lado de difícil acesso e, portanto, um tanto arriscado].’

Por que você quer ir pra lá?’, perguntou a professora-pesquisadora. ‘Porque

eu acho bonito’ (risos) (informação verbal)43

.

Como se pode notar, esse grupo utilizou dois dos cinco sentidos na sua leitura de

observação do espaço: a visão e a audição, sendo que o primeiro foi o sentido mais

utilizado. Isto certamente aconteceu por termos sido tomados por uma paisagem de

estiagem que perdura há três anos, agravada no momento atual, sensibilizando

indistintamente todos os nordestinos, principalmente aqueles que estão sofrendo mais

diretamente com a escassez de água na "região da seca”.

Este sentimento, de certa forma, responsabiliza professores e alunos a esclarecer

os mitos e verdades, bem como a desenvolver estratégias de convivência com a seca,

pois, podemos perceber de forma expressa preocupações através do sexto sentido

relatado pelos alunos, que conseguiram estabelecer uma conexão disso com a questão

ambiental global somada ao sentimento topofílico, que, mesmo diante da seca,

conduzira-nos ao estado da arte a beleza da paisagem.

Concomitantemente e por um relance, a professora-pesquisadora e o fotógrafo

captaram a Foto 24, citada anteriormente no momento em passava um caminhão da

Coca-Cola na estrada. Ao fundo da foto, uma imagem que passou despercebida pelos

alunos em suas observações nesse roteiro; decerto pelo seu movimento espontâneo pelo

espaço. Um convite à compreensão da globalização a-espacial discutida por Massey

(2012, p. 125), que destaca a imaginação geográfica, isto é, todo mundo está interligado

num só processo e não está, pois alguns grupos sociais fazem parte desse movimento

sem, entretanto, serem responsáveis por seu processo. Por exemplo, pessoas vivendo

nas cidades e no campo ingerem Coca-Cola sem se dar conta da sua participação no

processo de globalização.

Salientamos a participação de uma aluna com necessidades especiais de natureza

intelectual em todas as etapas do TC, do CSTI Maria Dorilene Arruda Aragão. Para a

nossa surpresa, em todas as atividades práticas, como as oficinas e de campo, ela

demonstrou um desempenho equivalente aos dos alunos sem necessidades especiais,

42

Entrevista com a aluna A30. 43

Entrevista com a aluna A31.

105

comprovando que determinadas necessidades ditas especiais não anulam as múltiplas

habilidades - no caso de portadores de necessidades especiais, são altas habilidades.

Paralelamente, chamamos a atenção para o fato de alguns alunos não terem

expressado alguma informação e/ou sensação não signifique que não tenha apreendido

ou usado alguns dos sentidos do seu sistema sensorial. Para isso, pode-se atribuir fatores

como, timidez e pouca desenvoltura; problemas emocionais consequência do silêncioso

bullying dos próprios colegas de sala; falta de motivação do professor e dos colegas.

Na sequência, partimos para o Santuário Nossa Sra. de Fátima.

2a Parada: Santuário Nossa Sr

a. de Fátima

Ao chegarmos no Santuário Nossa Sra. de Fátima, às 09:30h, mantivemos os

mesmos grupos da rota anterior para subir, um após o outro, e permanecer por 30

minutos aos pés do Cristo Redentor, em atividade de observação do espaço a partir da

vista panorâmica. Portanto, antes das turmas descerem era feito o registro das

percepções dos sujeitos sobre os sentidos do espaço em grupo. Vejamos a seguir:

Aqui deu pra gente perceber que [aquele] lado [ali] é urbano, e esse aqui,

rural [Apontou com o dedo para ambos os lados]. No urbano, tem várias

casas, igrejas, e aqui tem mato [Apontou para o lado rural] (informação

verbal)44

.

Aqui nessa área deu pra perceber muitas coisas: uma escola como a nossa. O

sexto sentido que eu percebi aqui é que a escola como a nossa [Colégio

Sobralense de Tempo Integral - CSTI] e que houve mudança de clima, tipo,

lá em baixo estava mais, sei lá, calorento, mais quente. Aqui, está mais úmido

[ventilado, porque é um morro], o clima melhorou muito. E, pra mim, hoje,

foi ótimo o dia, a viagem (informação verbal)45

.

Acho que, futuramente, daqui a dez anos, o homem vai querer transformar

esse espaço, vai querer construir mais casas. E que aqui é um distrito que

estão querendo transformar em cidade. Pois é (informação verbal)46

.

A riqueza. Aqui, as pessoas são muito educadas, porque aqui é mais limpo, as

casas; Aqui é mais calmo. Na religião, aqui tem mais católicos, porque aqui

tem mais igrejas católicas. A cruz bem na frente, a capela, o santuário, as

imagens de Maria (informação verbal)47

.

‘A igreja católica demarca o seu lugar no espaço. Isso é importante?’,

pergunta a professora-pesquisadora. Eu acho que sim. A Igreja Católica,

qualquer Igreja, as pessoas falam do mesmo Deus. A Igreja Católica tem isso:

ela vê um lugar e fica lá, ninguém mais tira. Já a Igreja Evangélica, ela fica

44

Entrevista com a aluna A32. 45

Entrevista com a aluna A33. 46

Entrevista com a aluna A35. 47

Entrevista com a aluna A36.

106

num lugar por um tempo e, depois, pode sair, se não tiver muito movimento

na igreja (informação verbal)48

.

Dos cinco sentidos, esse grupo empregou a visão e o tato, sendo que o primeiro

foi o sentido mais utilizado. Numa certa altitude fomos tomados pela vista panorâmica

da sede, vilarejos e fazendas de Aracatiaçu. Em meio à competição de imagens neste

cenário, identificamos o CSTI da mesma rede de “tempo integral” que atende a um

padrão de estrutura física moderna que impressiona e rouba o olhar de quem observa,

dando um corte no espaço rural-urbano com casas de taipa e alvenaria.

Foto 25 - Vista panorâmica da sede do distrito de Aracatiaçu.

Fonte: Vanúzia Brito Lima, 2014.

Dada a altitude do Santuário e a paisagem rural bastante degrada, há melhor

circulação dos ventos, reduzindo e amenizando as temperaturas sensíveis a qualquer

hora do dia. De modo natural, a imaginação permeou o sexto sentido dos alunos,

transportando-lhes dez anos à frente nesse espaço, revelando possibilidades de

transformação pela relação Sociedade-Natureza.

A visibilidade dos alunos foi abarcada pelos signos dominantes da Igreja

Católica, estabelecendo um marco religioso no contexto espacial e seu poder de

transformação do espaço, historicamente indefinido na cultura brasileira (Foto 25).

Sendo que, quanto mais condições de desenvolvimento econômico tivessem,

48

Entrevista com a aluna A37.

107

independente da escala e porte das cidades e distritos, a Igreja Católica se fazia presente,

atraída pelo caráter produtivo da economia local, como foi o caso do distrito de

Aracatiaçu. Esse ponto de vista é compartilhado pela aluna A36/A37 quando esta

aponta, nas entre linhas, para um aspecto interessante para justificar a edificação e

permanência das igrejas católicas e evangélicas no espaço, que é o capital.

É importante destacar que as religiões tornaram-se, mais do que nunca, um

comércio da fé, abrindo as portas para o capitalismo com sua livre concorrência. De um

lado, a secular igreja católica com suas bases sólidas substituindo, o vigário pelo

administrador da paróquia subvertendo o seu papel atribuído inicialmente - o de “cuidar

das ovelhas do rebanho de Cristo”. Do outro lado, as igrejas evangélicas, com destaque

para as neopentecostais, apregoando a teologia da prosperidade e seguindo os moldes de

franquias, passam a explorar um determinado território sem que haja concorrência do

mesmo ramo, a fim de que a atividade seja rentável. Para o melhor êxito, devem ter

como base o Velho Testamento, supervalorizando o poder do diabo, obrigando os fieis a

contribuir com rigor os 10 % da sua renda mensal, sob forma de dizimo.

Para tudo isso encontramos algumas explicações no próprio capitalismo, a partir

da ideologia do consumo, gerando diversas necessidades materiais no ser humano,

consequentemente, onde a salvação pela graça (essência do cristianismo) deu lugar à

satisfação do cliente, ou seja, de suas necessidades humanas, tais como: o resgatar da

cidadania; a reintegração social, antes excluído pelo sistema; ajustes dos lares

destruídos; o retorno da auto-estima e sentido da vida.

3.3.2 O caminho inverso

No segundo momento, realizamos o percurso no sentido inverso; dessa vez com

os alunos do distrito de Aracatiaçu do Colégio Sobralense de Tempo Integral Maria de

Lourdes de Vasconcelos. Optamos pelo translado por acreditarmos ser uma forma de

penetrarmos no espaço em estudo para perceber e analisar o que representa os espaços

não-vazios desse trajeto (Foto 26, adiante).

Para Bauman (2001, p. 122), o vazio do lugar está no olho de quem vê e nas

pernas ou rodas de quem anda. Vazios são os lugares em que não se entram e onde

alguém se sentiria perdido e vulnerável, surpreendido e um tanto atemorizado pela

presença de humanos. Veja que, para os alunos do distrito, esse deslocamento simboliza

penetrar em espaços não-vazios.

108

Foto 26 - Translado de Sobral a Aracatiaçu

Fonte: Thiago Rodrigues Gomes, 2014.

Notamos que esse percurso foi ou é realizado por um pequeno número de

alunos, mesmo que esporadicamente, pois se trata do caminho que conduz à sede do

município. É na cidade para onde se dirigem à procura de atendimento hospitalar,

prefeitura, conselho tutelar, museus, teatro, ginásio poliesportivo, dentre outras

repartições públicas e até mesmo onde mora parte dos familiares. Em outras palavras,

para reconhecer um determinado espaço, uma determinada situação é uma forma de

atribuir sentido; o conhecimento do meio é aquilo que se explica.

Portanto, para essa categoria de alunos cada elemento presente nesse espaço está

carregado de sentidos e faz parte do seu mapa mental, revisitado através dos olhares dos

próprios alunos, alguns residentes em localidades desse percurso até a cidade. Assim,

alguns elementos — árvores marcantes (juazeiro, carnaubais etc.), blocos de pedras às

margens da estrada, lagoas, áreas de cultivo e criação de animais, pontes, casas de

arquitetura variadas (taipa e alvenaria), a rotatória no caminho, as curvas da BR-222, as

placas de sinalização, dentre outros contidos nas paisagens observadas pelas janelas do

ônibus — configuram-se como formas de expressão e linguagem gráfica gravadas em

suas memórias, sendo capazes de descreverem mentalmente e cartograficamente durante

e após o percurso. Agora, o caminho será percorrido pelos alunos do distrito de

Aracatiaçu até a cidade de Sobral.

109

3.3.3 Roteiro 3: Do distrito de Aracatiaçu à cidade "rural-urbano"

1a Parada: a Margem Esquerda do Rio Acaraú

No Roteiro (3) do Distrito a cidade (rural-urbano), 40 alunos das duas turmas do

7ᵒ ano A e B do CSTI Maria de Lourdes de Vasconcelos, acompanhados por dois

professores titulares das disciplinas de Ed. Física e Artes, bem como pela pessoa do

serviço de "apoio" do colégio e por um professor colaborador de História.

Foto 27 - Vista panorâmica da Margem Esquerda do Rio Acaraú (Sobral).

Fonte: Vanúzia Brito Lima, 2014.

Chegamos às 8h da manhã do dia13 de outubro na Margem Esquerda do Rio

Acaraú e iniciamos aos trabalhos, dividimos a turma em dois grupos, totalizando uma

média de 20 alunos para dois professores, dispostos no sentido longitudinal do rio.

Seguimos o mesmo procedimento dos roteiros anteriores, destinamos uma hora e meia

para as observações, acompanhados pelos olhos dos professores e sem intervenção na

cognição (Foto 27, citada anteriormente).

Diferente do que fora percebido antes, esse grupo de alunos mergulhou em outro

cenário. Vejamos a seguir:

As pedras revelam que está seco. Vimos muita fumaça de queimadas na

cidade. A gente percebeu que esse rio está cheio de poluição, mas tem

110

algumas pessoas que sobrevivem pescando os peixes, por mais que esse rio

esteja poluído. Ele cria peixes e [eles são] [...] consumidos pela população. E

ainda tem animais que sobrevivem do capim que fica ao redor do rio. Tá ali ó

[Apontou com o dedo] (informação verbal)49

.

Sinceramente, eu observei sobre a visão. Passavam motos e carros direto, e o

rio Acaraú, né?! Naquela ponte ali, que chama muito atenção pela

movimentação. As pessoas trabalhando e fazendo barulho direto. Percebi

muito lixo dentro do rio. Percebi espaço de muita cultura, por exemplo: a

biblioteca, aquelas pinturas ali ó. O rio, as igrejas, o anfiteatro (informação

verbal)50

.

Eu percebi muita poluição na água; ao redor dela é cheio de sujo,

principalmente pra dentro, o mau cheiro, os peixes da água (informação

verbal)51

.

E sabendo que tem pessoas que ganham o pão de cada dia com os peixes,

alguma coisa que a gente vê (informação verbal)52

.

Apesar de toda poluição, tem várias árvores também, som de pássaros e dos

carros e ventos. O mau cheiro também, causado pelos esgotos (informação

verbal)53

.

Aquilo me chamou muito atenção porque tem uma forma geométrica

[Apontou para a fonte] (informação verbal)54

.

Na observação dos alunos sobre esse espaço, a ênfase foi dada à visão, em

seguida ao olfato e à audição. A percepção revelada sobre o meio tem um caráter de

muita importância na compreensão das interrelações entre sociedade e natureza para se

fundamentar uma análise e, consequentemente, um julgamento pautado numa prática.

Tocados por uma sensibilidade “topofílica” e mediante o exposto aos sentidos

em campo, os alunos destacaram a sua preocupação como meio ambiente e com

problemas ambientais, conforme apresentamos nos relatos. Percebemos o

estarrecimento diante dos problemas socioambientais por eles percebidos nesse recorte

do espaço, o que remete à ideia do distanciamento da Sociedade urbana da própria

Natureza.

Considerando, antes, que uma parte dos alunos do CSTI da sede do distrito de

Aracatiaçu reside em fazendas, vilas e lugarejos, ou seja, na zona rural – e, portanto,

com um forte contato com o ambiente rural-urbano –, essa observação ganha um novo

sentido. Ela também vale para o segundo momento dessa atividade em campo, realizada

no Alto do Cristo.

49

Entrevista com a aluna A37. 50

Entrevista com a aluna A38. 51

Entrevista com a aluna A39. 52

Entrevista com a aluna A40. 53

Entrevista com a aluna A41. 54

Entrevista com a aluna A41.

111

Por fim, um aspecto muito importante a ser considerado é o da Geografia como

ciência com caráter multidisciplinar durante a prática de campo, onde os saberes se

apresentam de forma interligada na leitura perceptiva dos alunos, defrontando-se com a

Geografia, Ciências, História, Matemática, Artes e Formação Humano-Religiosa numa

só tela, o espaço. Por sinal, quando em campo, o aluno apresenta um comportamento

dotado de atitudes interdisciplinares, pois consegue estabelecer pontes, mesmo que

desordenadas, entre as várias áreas do conhecimento. Dialoga com elas de modo

espontâneo, mais do que os próprios professores, que ainda compreendem o

conhecimento com o algo compartimentado, fragmentado em disciplinas estanques do

currículo escolar.

Seguimos para a próxima rota, o Cristo Redentor.

2a parada: Cristo Redentor (Alto do Cristo)

Chegamos ao Cristo Redentor, localizado no bairro Alto do Cristo, às 9h30 da

manhã do dia13 de setembro e iniciamos os trabalhos de observação. Deixamos a turma

à vontade em torno da estátua do Cristo, destinando uma hora e meia para as

observações. Os alunos estavam sempre acompanhados pelos professores, mas sem

intervenção direta na cognição na leitura empírica.

Após a leitura do espaço, partimos para o registro das percepções dos sujeitos a

partir do Cristo Redentor, no bairro Alto do Cristo. Notamos que esse grupo manifestou

o desejo espontâneo e intenso de se expressar no ato da coleta de registro, despertando,

de certa forma, a possibilidade de ampliar a riqueza de detalhes das percepções captadas

pelo seu sexto sentido. Realizamos uma conversa grupo. Vejamos a seguir:

Eu percebi que aqui tem muitas casas, ao invés de árvores. Um pouco

diferente de lá do Aracatiaçu. Lá, era mais árvores do que casas e, lá, tinha

mais espaço rural do que urbano. Lá, dava pra gente perceber que o cheiro de

lá é diferente do daqui. Aqui tem cheiro de fumaça, e o cheiro de lá tem

cheiro de natureza, um vento fresco e aqui é um vento quente (informação

verbal)55

.

A intensidade do vento é quase a mesma. Um vento forte! Porque está num

lugar mais alto. Tanto aqui como lá, né?! Deu pra observar que, a partir desse

espaço aqui, deu pra observar quase que Sobral todo. Tem uma visão grande,

a gente percebe como aqui dá pra gente perceber Sobral todo. De lá, do

Santuário, dá pra gente perceber o Santuário todo (informação verbal)56

.

55

Entrevista com a aluna A42. 56

Entrevista com a aluna A43.

112

‘O que observamos lá é a mesma coisa do que observamos aqui?’, perguntou

a professora-pesquisadora. A resposta foi em coro. ‘Não!’ (informação

verbal)57

.

Lá tem mais mato, mais aves, mais casas, mais espaço rural, e aqui tem

poucas. Lá também é menos movimento não tem esse trânsito todo como tem

aqui. A gente percebe também na audição muito barulho de carros e motos

buzinando. Lá, algumas motos e poucos carros – pouco movimento. A gente

vê que aqui é mais sujo do que lá, que é mais tudo limpinho, tudo bem

cuidado, e aqui não. Lá todo mundo tem a consciência de que, quando a

gente vem para o Santuário [Em Aracatiaçu], a gente não faz as necessidades

lá. Como aqui deu pra perceber: xixi, pelo mau cheiro. Picharam as paredes.

Daqui, deu pra gente perceber a queima de mato, lixo. Eu acho que, para

construir mais casas, prejudica é o nosso ar e o meio ambiente (informação

verbal)58

.

Utilizamos a visão, o olfato, o tato e a audição, sendo a visão o sentido mais

enfatizado (Foto 28). Nota-se que, ao realizar as observações, o sexto sentido dos alunos

traz um aspecto esperado, que é a analogia dos espaços observados, coincidentemente

do alto de um morro, onde se localiza a estátua do Cristo Redentor, permitindo uma

ampla visão panorâmica do espaço, conforme lemos nos relatos.

Foto 28 - Vista Panorâmica da Cidade de Sobral (Alto do Cristo).

Fonte: Thiago Rodrigues Gomes, 2014.

57

Momento de conversa com todos os alunos. 58

Entrevista com a aluna A44.

113

O contato com o espaço permite vivenciar e testemunhar determinados

acontecimentos, ressignificando os conteúdos obtidos em sala de aula a partir de

experiências e versões particulares, por meio das observações em campo, destacando,

em sua percepção, a qualidade de vida na cidade em comparação com a vida no distrito

(ver Mapa 4).

Os alunos puderam fazer uma leitura sob diversos ângulos do espaço, admirando

e encantando-se, também falando sobre as suas curiosidades entre si e com os

professores, apontando em direção a alguns recortes do espaço que lhe tenham lhe

chamado bastante a atenção, como quem escreve um texto no ar, ao embalo do som da

cidade.

Vejamos:

Quando nós chegamos, não tinha ninguém. Depois, chegou um casal de

turistas, bateram fotos e depois saíram. Se melhorassem, seria um lugar mais

visitado, como Aracatiaçu, [que] vai ser um polo de referência. Aqui era pra

ter segurança. Faltam grades de corrimão, porque aqui é perigoso. As pessoas

têm que ter segurança de vir aqui para trazer os filhos pra brincar, cuidar do

seu ambiente. Quando vir, por exemplo, uma criança que não tem noção da

vida, correndo, pode cair [...] aí. [Apontou para o abismo do morro]

(informação verbal)59

.

E, aqui, também lá em Aracatiaçu, tem uma diferença muito grande, com

certeza. Foi o que percebi: Aqui há muitos crimes, e lá não (informação

verbal)60

.

‘Mas você viu alguns crimes aqui?’, perguntou a professora-pesquisadora.

Não. Mas tem marcas de tiros (informação verbal)61

.

A professora reitera a pergunta: ‘Onde você viu as marcas de tiro?’. A aluna

A47apontou para as paredes ao redor do Cristo Redentor, onde havia várias

rajadas de tiros (informação verbal)62

.

‘Onde vemos o tempo no espaço?”, perguntou a professora-pesquisadora. O

trem é o passado. Aqui, esse prédio, o monumento do Cristo é o presente

(informação verbal)63

.

Aquela construção do SAAE já tá antiga. Olhando para o shopping, ele é o

futuro. Essa torre é o passado. O conjunto Mãe Rainha é o presente

(informação verbal)64

.

A visão tomou conta da cidade sob um olhar atento dos alunos. Diante de uma

vista panorâmica, o sexto sentido dos alunos revelou a preocupação com a questão

socioeconômica: as desigualdades sociais através da segregação dos bairros ricos e

59

Entrevista com a aluna A45. 60

Entrevista com a aluna A46. 61

Entrevista com a aluna A46. 62

Entrevista com a aluna A47. 63

Entrevista com a aluna A47. 64

Entrevista com a aluna A48.

114

pobres; a violência urbana, a partir das marcas de tiro nas paredes do monumento; o

descaso com o patrimônio público, demonstrado pelas pichações e pelo mau cheiro de

urina nas paredes do monumento.

É interessante que os alunos percebam tudo isso de modo espontâneo. E, ainda, a

noção do tempo no contexto da espacialidade percebido como linear, que muda com

frequência a materialidade do espaço por meio das construções de prédios, pontes,

bairros, dentre outros, sendo percebido somente de forma gradual, tornando-se melhor

compreendido através de gerações, conforme as duas alunas mostram em suas

percepções, que vão da constatação do “tempo” até a aceitação do mesmo, mesmo que

inconsciente, melhor do que seus pais.

Nessa ocasião, convidamos um morador de 19 anos de idade do bairro Alto do

Cristo, aluno da rede estadual de ensino, para falar sobre a sua vivência no bairro:

Esse local não está abandonado. O poder público, a segurança também visa

muito aqui. Vocês veem que aqui, pra muitos, aqui é perigoso. Mas não é.A

segurança mantém aqui um local fora de risco e um local que é fora de risco

não tem a visão pra sociedade, não tem visão pros maiores. Entendeu?! Não

tem visão, é pra ser -, pode ser bem localizado, assim, porque turistas – vocês

são turistas, estão sendo turistas nesse certo momento, né?! – E até então

precisa de alguém forte em olhar para a nossa situação, como vocês. Se aqui

fossem representantes da prefeitura, do governo, ele ia analisar não a forma

geográfica, ele ia analisar o sistema em que está hoje aqui. Hoje, vocês estão

aqui fazendo a área geográfica. Se ele viesse pra cá fazer isso, talvez ele fosse

analisar o que precisa melhorar. Por isso que hoje está desse jeito, está sendo

tomada de conta pela sociedade. Aqui à noite, ocorre um grupo de orações.

Aqui é uma área calma e muito boa pra se morar. É esse momento aqui,

sempre, esse momento de lazer. Quando dá 3h da tarde, junta uma galera e

vem jogar bola aqui. É uma área boa de morar. Então, até então, você vê

coisas no céu. Aí dá pra ver Sobral todinho. Um réveillon aqui é muito bom

réveillon, final de ano. Quem tiver sorte de vir pra cá no réveillon, é muito

bom! O bairro todinho junto e vem todo mundo pra cá, assistir os fogos que

são queimados lá na beira rio, e é muito bonito. Você dali dá pra ver a cidade,

né?! E vários pontos. É muito bonita a visão daqui. E, pra finalizar, é o

seguinte: aqui, onde nós moramos é um lugar onde todo mundo quer estar. É

o segundo céu, onde Jesus Cristo está abençoando a cidade. Aqui, é o Cristo

quem abençoa a cidade todinha! (informação verbal)65

.

A princípio a intenção foi confrontar as percepções, o lugar do olhar de quem

mora no bairro com o olhar externo do visitante, “o turista”, aquele que não tem

nenhuma relação com o espaço observado. Diante da percepção interna e externa,

podemos concluir, com o relato do aluno morador do bairro denominado de A49, o

apego ao meio, manifestado sob forma de um sentimento "topofílico" conforme aponta

TUAN (2012, p.135), e, ao mesmo tempo, a identidade do lugar expressa ao falar sobre

65

Entrevista com o aluno A49.

115

a sua vivência no bairro, em especial pelo topo do “alto do Cristo” (Cristo Redentor) -,

de onde se apropriam das contradições e singularidades do espaço ao olhar a vista

panorâmica da cidade, mesmo que não reflitam a totalidade concreta do espaço, mas

revela os efeitos da imaginabilidade66

.

Lynch (1998) apresenta o conceito de “imaginabilidade”, que são as

características que um objecto físico tem em evocar uma imagem forte,

independentemente do observador. Assim, um espaço com alta “imaginabilidade” é

aquele que é de fácil identificação e estruturação visual, como é o caso descrito pelo

aluno morador do bairro denominado de A49, em que essas imagens remetem-lhe a

coisas efêmeras e familiares, aos acontecimentos e à experiências, como cita em seu

relato.

Compreendemos que, o imaginário contribui para revelar a forma como se

constrói as imagens e como estas moldam, por meio da cultura, o espaço, resultando nos

valores e costumes de uma sociedade. Vemos que o morador A49 teve a preocupação de

preservar a imagem do seu bairro, que é muito conhecido na cidade como sendo

perigoso, em razão da intervenção do tráfico de drogas, sendo comuns episódios de

arrastões e tiroteios. Lembremos que, momentos antes, a aluna A46 desconstruiu essa

imagem ao mostrar as marcas de tiro nas paredes do Cristo Redentor.

Por outro lado, devemos considerar que a expansão urbana implica diretamente

na expansão e surgimento de novos bairros, independente da classe socioeconômica.

Temos acompanhado, por meio da impressa local, que a violência urbana cresce a

expansão urbana. Tem migrado, por exemplo, para o conjunto habitacional “Minha

Casa, Minha Vida", uma extensão do bairro Cidade José Euclides F. Gomes Jr., que

vem apresentado maior incidência do tráfico de drogas, mudando a imagem e o

imaginário que se tem do bairro. E, ainda, por mais que a queima de fogos seja mais

bonita a partir do Alto do Cristo, os ricos não vão até lá para apreciar esse momento de

muita expressão na vida das pessoas que é o réveillon.

Por fim, verificamos, no entrecruzamento dos espaços "cidade-distrito", que a

perspectiva do olhar sobre a espacialidade envolve aspectos relacionados com a nossa

origem, ou seja, com o espaço de vivência. Basta analisarmos a experiência revelada por

cada aluno nos roteiros sensoriais, na condição de residente e/ou visitante, onde todos

66

Pode ser definida em termos de uma qualidade de um objeto físico que lhe dá uma grande probabilidade

de evocar uma imagem forte num dado observador. Por, LYNCH, Kevin. A imagem da cidade. São

Paulo, Martins Fontes, 1998.

116

indistintamente puderam confrontar o seu espaço (in loco) com os espaços visitados e

que, ao retornar ao seu lugar de origem, possam reavaliar as expectativas em relação às

imagens obtidas da cidade e distrito "campo" e vice-versa.

De acordo com as reflexões apresentadas e expostas ao longo da pesquisa, os

objetivos propostos foram sendo alcançados. Portanto, acreditamos na possibilidade

dessa perspectiva de trabalho contribuir de significativa para o “fazer pedagógico” e

para formação para a cidadania.

Esta pesquisa não foi desenvolvida de forma interdisciplinar em decorrência de

alguns fatores registrados na fase de planejamento nos grupos de estudos de área, como

a dificuldade encontrada por alguns professores em se inserir na proposta de trabalho; a

pouca vontade de se inserir aos trabalhos da pesquisa e a alegação por parte dos

professores de não ter disponibilidade de tempo, uma vez que, segundo eles, precisavam

preencher formulários, relatórios e diários da sua disciplina. No entanto, fizeram uma

escala para se fazerem presentes em alguns momentos do desenvolvimento dos

trabalhos, embora sem participação direta.

A avaliação final, ou seja, a culminância dessa pesquisa ocorrerá da seguinte

forma, como também propõem a pesquisa-ação e o próprio programa de Mestrado

Acadêmico de Geografia:

1ᵒ) daremos um feedback ao núcleo gestor, aos alunos e também aos professores

dos dois Colégios Sobralenses de Tempo Integral de Sobral e Aracatiaçu;

2ᵒ) será montado um vídeo documentário em HD sobre os resultados da pesquisa

a ser postado no Youtube, dando o acesso aos interessados ao tratarem sobre a temática

dos sentidos e/ou até mesmo dar continuidade a pesquisa.

117

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Esta pesquisa teve como objetivo central a compreensão do espaço por meio dos

sentidos, utilizando a percepção sensorial para captar o imaginário e desvendar as

diferentes formas de perceber as transformações do espaço através da metodologia do

TC no processo de ensino-aprendizagem da Geografia Escolar.

Ao propiciar o contato dos alunos com o espaço e aguçar os sentidos do sistema

sensorial para captar o visível e o invisível da realidade observada, pudemos constatar

que os alunos se defrontaram com uma realidade que está para além da natureza

tangível, indo até o pensamento permeando pelos sentimentos como resposta ao contato

subjetivo. A partir dessa experiência empírica, gravada em filmagens para análises,

pôde-se observar claramente como todos os alunos questionaram de forma espontânea

sobre como a Sociedade vem se comportando e modificando a Natureza, ou seja, o

espaço; modificação que, na maioria das vezes, é negativa.

Assim, a partir das informações analisadas durante a pesquisa, foi possível

identificar como a percepção dos alunos tem sido limitada pela forma como é conduzido

o processo de ensino-aprendizagem entre as quatro paredes da sala de aula. Uma prova

dessa constatação são os relatos das percepções dos alunos. Basta lerem para

comprovarmos o fato da utilização parcial dos cinco sentidos durante as "aulas de

campo" nos roteiros sensoriais sistematizados para o empírico da pesquisa e ver que a

visão é o sentido sensorial mais utilizado nas percepções, seguida do tato e olfato.

Contudo, até em relação à visão (que naturalmente nos coloca em contato com o

mundo sem muitos esforços, em que precisamos somente abrir os olhos) foi necessário

trabalhar os ritmos interiores dos alunos, que estão movidos pela velocidade que as

novas mídias nos impõem e levá-los a escutar o tempo e sentir o movimento do espaço.

Para isso, tivemos que deixá-los por meia hora em trabalho de observação em cada

roteiro preestabelecido, sem permissão de uso de celular, de modo que não pudessem

ouvir músicas no fone de ouvido, ficando permitido somente para fins de registros

fotográficos e filmagens, como um terceiro olho.

Dessa forma, realizamos a leitura dos conceitos geográficos na prática em

campo diante das marcas impressas pela Sociedade na Natureza, sendo o homem o

principal agente de transformações do espaço, revelando também a forma como se

relaciona entre si. Outro aspecto importante a considerar foi a metodologia empregada,

a qual fugiu ao tradicional roteiro prévio com questões "amarradas" a serem verificadas

118

por meio de questionário e/ou roteiro de entrevistas, dando lugar a questão

desencadeadora e a questão-eixo, tornando a prática mais dialógica.

Dessa forma, procuramos respeitar a autonomia dos alunos, quase que de forma

absoluta. Para isso, foi necessário estimular os sentidos por meio das oficinas, como

também direcionar o olhar dos alunos em campo, aliando a fundamentação dos

conceitos da Geografia Escolar, de modo que a maior parte das percepções fossem

frutos da sua própria compreensão e imaginação, salvo exceção quando em campo; por

raros momentos de pausas longas e silenciosas, necessitou-se de intervenção pela

professora pesquisadora.

Essa emancipação nos fez compreender que, até o 7ᵒ ano do Ensino

Fundamental, os alunos já dispõem de alguma fundamentação sobre os conteúdos

elementares dessa etapa cognitiva. Os alunos realizaram as suas percepções sem que

houvesse a intervenção de terceiros. Os resultados nos surpreenderam, pois eles

mostraram sensibilidade para captar os elementos mais sutis e poder de análise crítico-

reflexivo, bastante relevantes para essa pesquisa, inclusive fora do seu espaço de

vivência (in loco), por ocasião do entrecruzamento dos espaços — a experiência campo-

cidade e vice-versa —, uma vez que assumimos, desde o início da pesquisa, o

compromisso de verificar a percepção dos alunos no sentido de avaliar o que muda na

subjetividade na forma de ler o espaço e compreender se os aspectos culturais

interferem na compreensão do meio.

Como resultado, constatamos que os alunos de Sobral — tanto da sede quanto de

Aracatiaçu — valorizam e se relacionam de forma bastante diferenciada, e isso tem

muito a ver com a cultura e com a forma que veem as coisas em seu meio. Ao

analisarmos os depoimentos das observações, notamos que cada aluno tem uma

compreensão diferente sobre o espaço, seja ele o espaço de origem ou não, onde os

aspectos culturais influenciam bastante as experiências do olhar. E, por fim, a prática foi

bastante significativa, nos revelando para além da percepção dos alunos sobre os

elementos contidos no espaço, o imaginário, ou seja, os resultados das diferentes formas

de perceber o espaço.

Desenvolver uma pesquisa dessa natureza — em que trata sobre os sentidos do

espaço —, utilizando a percepção sensorial para captar o imaginário é um trabalho

ousado, um caminho a ser percorrido cheio de surpresas, porque estamos tratando da

percepção e imaginação dos alunos, "coisas" intangíveis que sugerem novas

descobertas, inclusive para quem está pesquisando. Portanto, esta pesquisa coloborativa

119

impactou significativamente a minha prática pedagógica, possibilitando um

conhecimento menos abstrato e consequentemente, um ensino-aprendizagem, mais

'paupável' da compreensão da realidade estudada.

Diferentemente de outrora, nessa perspectiva de trabalho reconduzimos os

alunos das séries finais do ensino fundamental a reviver as experiências sentidas do

ensino infantil, que por sua vez eram diretamente ligadas ao mundo abstrato -, aprendia-

se, o espaço com o movimento do corpo. De certa maneira, esse aspecto foi o mais

desafiador, motivando-me a ler, refletir e escrever sobre esse novo entendimento para

poder reportar-me ao tema com conhecimento de causa, compreendendo que existe

muito a desvendar sobre o mesmo, conduzindo novas reflexões em torno da proposta.

Como vimos, a metodologia utilizada convidou a dois momentos distintos. Um

em sala de aula (as oficinas), podendo ser desenvolvido no decorrer das aulas destinadas

a própria disciplina, no caso a de Geografia; e o outro em campo (para percepções),

exigindo do professor a extensão da sua carga horária para a realização da prática de

campo. Constatamos ainda que essa perpectiva de trabalho pode ser aplicada a alunos de

diversas classes socioeconômicas, uma vez que várias políticas públicas vêm sendo

implementadas, contemplando notavelmente grande parte delas, dando acesso, por

exemplo, aos modernos aparelhos celulares, tablets, notebooks e máquinas digitais (a

própria instituição escolar modestamente não tem ficado de fora).

Ao finalizar essa pesquisa, sem sombra de dúvidas podemos afirmar que a

mesma repercutirá positivamente sobre a minha a atuação profissional, melhorando a

experiência de ensino e pesquisa sobre o TC. Pois, acreditamos que aproximando os

alunos da realidade espacial, contribua para que eles sejam menos alienados e distantes

do seu 'mundo', despertanto o senso crítico/ativos - tornando-se capazes de interferir nos

problemas existentes, uma vez que, o contato com o meio possibilita múltiplas leituras e

o essencial, gera atitudes.

E por fim, como toda pesquisa suscita uma continuidade, deixamos em aberto

para as possibilidades a serem realizadas a partir da perspectiva dos sentidos do espaço

a fim de que haja uma continuidade do trabalho tendo como ponto de encontro a

Geografia da Percepção e a multissensorialidade do espaço apoiados na metodologia do

TC. Considera-se que esse tipo de abordagem permite o retorno da Sociedade a sua

própria origem, ampliando as possibilidades de uma perspectiva de análise humanística

do espaço.

120

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123

ANEXO

Plano Didático - Pedagógico: Os Roteiros Multissensoriais

1. Plano didático-pedagógico: Os Roteiros Multissensoriais

Roteiro: Distrito Sobral - Sede

Roteiro (1): Centro Comercial

PARADAS: 1a. Rota: Praça de Cuba

2a. Rota: Mercado Central

UNIDADE DE ENSINO: CSTI- Maria Dorilene Arruda Aragão

DURAÇÃO PREVISTA: 4 horas de trajeto com percurso a pé

PÚBLICO ALVO: 7ᵒ ano (B)

OBJETIVO GERAL:

- Utilizar a percepção sensorial dos alunos a partir dos cinco sentidos como ferramenta

pedagógica para a leitura descritiva e narrativa do espaço, reconstruindo papéis e

construindo desejos que reforcem o sentimento de pertencimento ao cotidiano.

OBJETIVOS ESPECÍFICOS:

O enfoque relacional do espaço na dinâmica e construção do conhecimento por meio

dos sentidos;

Construir uma trajetória pelo espaço em busca de novas percepções e sentidos muitas

vezes esquecidos no âmbito da Geografia escolar;

Desvendar pelos sentidos a imagem congelada do espaço por meio dos roteiros

sensoriais eternizando em cada percurso - imagens, cheiros, sabores, temperaturas e

som;

Conceber os sentidos do espaço como caminhos a serem percorridos e reconstruídos.

PLANEJAMENTO EM SALA:

Para conduzir os alunos a campo, sentimos a necessidade de trabalharmos os

cinco sentidos por meio de oficinas de percepção multissensorial, a fim de estimularmos

a leitura perceptiva do espaço a ser observado em campo. Assim, com a ajuda dos

professores de Ed. Física, Geografia, Ciências e Artes, realizamos quatro oficinas, sendo

124

elas: percepção visual, percepção tátil, percepção sonora e por fim, percepção paladar e

olfato (ver na parte metodológica).

Durante a realização das oficinas de percepção sensorial fomos trabalhando

com os alunos em que parte do distrito-sede poderíamos estabelecer como roteiro a ser

percorrido em busca dos sentidos no espaço. A partir de então, foram surgindo as ideias

e possibilidades desses roteiros pelo espaço urbano. Consideramos que não existe um

recorte espacial ideal, pois os sentidos permeiam todos os lugares, basta pararmos para

observar. Em um determinado local pode ser bom para captarmos simultaneamente

todos os sentidos; em outros, não.

CAMINHO METODOLÓGICO SEGUIDO EM CAMPO:

- Na primeira Rota (1): Praça de Cuba, às 7h30, onde permanecemos até as 9h30 da

manhã do dia 09/08/2014 (sábado). A professora e os professores colaboradores

delimitaram a Praça no sentido vertical e horizontal em quatro pontos, resultando em

quatro equipes, e colocaram os alunos na posição de observadores. O papel da equipe de

professores neste momento é instrumentalizar os alunos para a leitura desse recorte do

espaço.

- Na Rota (2): o Mercado Central das 10h00 até as 11h30 da manhã do mesmo dia.

Seguimos a mesma sistemática, dividimos o Mercado em quatro pontos, sendo dois

embaixo: um na parte das frutas e outro na parte dos armazéns, peixarias e frigoríficos;

dois em cima: um na parte das confecções e eletrônicos e outro na parte da alimentação

e das ervas medicinais. A equipe de professores deixou os alunos livres para observar e

sentir o espaço do Mercado.

AVALIAÇÃO:

- Participação e engajamento nas atividades; observações e questionamentos; fotos e a

documentação dos relatos em gravação de vídeo (Full HD).

POSSIBILIDADES PARA UM TRABALHO INTEDISCIPLINAR:

- Disciplinas: Ed. Física, Geografia, Ciências e Artes.