Os Rubayat - Omar Khayyan - Livro

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  • 8/8/2019 Os Rubayat - Omar Khayyan - Livro

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    eBookLibris

    OS RUBAYATOmar Khayyan

    Verso em portugus deAlfredo Braga

    Os RubayatOmar Khayyan

    Verso em portugus de Alfredo Braga

    Verso para eBookeBooksBrasil.com

    Fonte Digitalhttp://www.alfredo-braga.pro.br

    Imagens:Edmund Dulac (1882-1953)Willy Pogany (1882-1955)

    Fonte digital:www.bpib.com

    2003 Omar Khayyan

    ndice

    Sobre as tradues dos Rubaiyat de Omar KhayyamAlfredo Braga

    O AutorAlfredo Braga

    OS RUBAYAT

    Noite, silncio, folhas imveis;imvel o meu pensamento.Onde ests, tu que me ofereceste a taa?

    Hoje caiu a primeira ptala.

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    Eu sei, uma rosa no murchaperto de quem tu agora sacias a sede;mas sentes a falta do prazer que eu soube te dar,e que te fez desfalecer.

    Acorda... e olha como o sol em seu regressovai apagando as estrelas do campo da noite;do mesmo modo ele vai desvaneceras grandes luzes da soberba torre do Sulto.

    Omar Khayyam

    Sobre as traduesdos Rubaiyat

    de Omar Khayyam

    Alfredo Braga

    Octvio Tarqinio de Souza, Manuel Bandeira, Jamil Almansur Haddad e outros delngua portuguesa, ao se depararem com os Rubaiyat, procuraram fazer as suas

    tradues atravs daquelas de Edward Fitzgerald e tambm sobre as verses francesascomo as de Dulac, Grolleau, Toussaint e tantas outras, cada uma com os seus mritos,ou demritos.

    Num ensaio de Borges, onde se aborda a obra potica do persa, ele atribui aFitzgerald, antes do que a simples traduo, a quase incrvel e fantstica inveno dosRubaiyat, e comenta certas nfases, tanto da poca, como as do prprio autor, umerudito cavalheiro que depois de longas viagens por remotos lugares, tambm procuravaimpressionar os seus curiosos e pudicos leitores, e leitoras, em seus saraus e salesvitorianos.

    Fitzgerald preservou as rimas, mas carregou o texto com exagerados orientalismos eoutros estilismos esperados pelos seus contemporneos; depois os franceses, cada um sua maneira, foram insinuando os seus maneirismos; e depois os nossos, desde ento

    tm ido, de roldo, repetindo o justo pudor dos tradutores: aquele de se respeitar osoriginais. Mas, no caso dos Rubaiyat de Omar Khayyam, depois de novecentos anos,a que originais eles querem se referir? Aos romnticos floreios? Aos voleios e volteiosde um certo e afetado modo de se escrever poeticamente? Ora, mas acima de tudo, eantes de mais nada, no seria Khayyam quem nos devia interessar primeiro? Se assimfor, ser necessrio rever os textos em que o persa desenvolve os seus cristalinosenunciados de geometria, ou de lgebra; creio que ento amos compreender melhor avoz desse poeta exageradamente traduzido: pontual, concisa, elegante; e exatamente oque Borges nos aponta em seuRubaiyat. Repare-se na sobriedade do vocabulrio, na

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    simplicidade da construo e do fraseado: uma cuidadosa arqueologia da literatura, a recuperao, mais do que a mera transcrio, de um modo de ver, de pensar, dedizer. ORubaiyatde Borges a melhor orientao para se verter Khayyam para outrataa, sem perder o fino buqu, ou a cida agulha.

    Qualquer traduo uma opinio, e quase nunca o que pretendia ser; ser um

    reflexo daquilo que o tradutor alcana ver, ou pde ver. A de Manuel Bandeira nosustenta o rigor e a finura que subsistem nos rubaiyat, distncia de nove sculos e soba camada de muitas tradues sobrepostas. A adio de regionalismos, como o seino (e aquelas reticncias...) soa mal, no quadra, apenas outra reduo infeliz. Decerto modo prefiro a de Octvio Tarqnio de Sousa: simples, amorfa, ou ingnua econfusa, mas ainda guarda parte da perplexidade e da lcida amargura de Khayyam,sem perder o ritmo de ponto e contra ponto entre as metforas e as imagens.

    Um homem erudito e sofisticado, que sabe da assombrosa trajetria dos astros, dapureza da rigorosa geometria e da elegante lgebra, que percebe a inconseqentesoberba dos homens sbios (e a dos outros) e caminha entre rosas, tulipas, lindasmulheres e finos vinhos, provavelmente no ia se entregar a to imponente singeleza

    para falar do ltimo gesto, daquele ato inelutvel de um outro crepsculo:

    Cavaleiro que vejo ao longe na neblinaDo crepsculo, aonde ir? Sei no. Por ValesE montanhas? Sei no. Estar amanhestendido...Sobre a terra?... Ou debaixo da terra?... Seino.

    Creio que um Patativa do Assar, se fosse traduzir Khayyam, havia de achar outrasmaneiras de recontar aquela mesma inquietao, sem alterar simplicidade porrusticidade. Octvio Tarqnio, durante a sua convalescena, entre Cannes e Nice, emvez de decifrar palavras cruzadas, preferiu assim:

    Vejo um cavaleiro que se afastana bruma da tarde.

    Ir ele atravessar florestas,ou plancies ridas?Aonde vai? No sei.

    Amanh estarei deitadosobre a terra ou debaixo dela?

    No sei.

    Se formos ler osRubaiyat, em qualquer traduo, tambm encontraremos Pessoa, ou

    Whitmam, que no o traduziram, mas o conheciam. E quando Borges aproxima asnegras noites e os brancos dias do tabuleiro do xadrez, rifo de Omar , diz ele,talvez em resposta a este verso do persa: Somos os pees deste jogo do xadrez que

    Deus trama, e a este: Velho mundo, sob o passo do cavalo branco e negro dos dias edas noites, Omar Khayyam aflora.

    E continua, em outros poetas; est nos dias e nas noites dos setenta e cinco anos deWalt Whitmam, que tambm se estendem at ns, como ele queria, ou quando aqueleoutro de lngua espanhola, ou castelhana, diz: Neste vero completarei cinqenta anos;a morte me desgasta, incessante; Omar tinha escrito: Os meus cabelos esto brancos,

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    tenho setenta anos de idade; e isto: O tempo estraga a minha bela rosa; e naqueleoutro rabe, tambm colhido por Borges, em seuMuseu, que apesar do reconhecimentoe da glria diz:Oxal eu tivesse nascido morto.; essa mesma angstia aparece, deoutra maneira, nos versos de Khayyam: Feliz a criana que expirou ao nascer; mais

    feliz quem no veio ao mundo.; e ainda aparece, em outro lugar, com Ricardo Reis:

    To cedo passa tudo quanto passa!Morre to jovem ante os deuses quantoMorre! Tudo to pouco!

    Nada se sabe, tudo se imagina.Circunda-te de rosas, ama, bebe

    E cala. O mais nada.

    Ou esses versos ainda seriam de Omar Khayyam, noutraAutopsicografia deFernando Pessoa?

    So vrios poetas a falar, em vrias pocas, em vrios modos, em vrios lugares; maso que tm a dizer, e como dizem, to prximo, como se estivessem juntos, na mesmamesa daquela taverna, ou daquele bar. So esses os poetas que vo traduzindo a poesia.

    Quando Borges diz que os livros conversam entre si, atravs dos escritores, no estdivagando; o dilogo continua, claro, sereno, at por entre os rudos das tradues, e daaflita agitao das opinies, e dos estilos. E seguem, conversando, ao lado de Khayyame de Shakespeare (nem mrmore, nem ureos monumentos de reis ho de durar maisque estas rimas) e de outros que, apesar de tudo, resistem aos tradutores e aosatores... e queles portentosos diretores-tradutores mais as suas espantosas releituras.

    Omar Khayyan

    Omar Ibn Ibrahim El Khayyam nasceu em Nichapur, na Prsia, em 1040 e morreunessa mesma cidade em 1120.

    Khayyam significa, em persa, fabricante de tendas; ele adotou esse nome emmemria do pai que era fabricante de tendas.

    Alm de poeta Omar Khayyam foi matemtico e astrnomo. Dos seus livros decincia chegaram at ns o Tratado de Algumas Dificuldades das Definies de

    Euclides e asDemonstraes dos problemas de lgebra. Em 1074, diretor doObservatrio de Merv, fez a reforma do calendrio muulmano.

    Rubaiyat o plural da palavra persa rubai, e quer dizer quadras, quartetos. No rubai,o primeiro, o segundo e o quarto versos so rimados, o terceiro branco.

    Nesta traduo, no mantivemos a rima, nem a mtrica originais.

    Os Rubaiyat

    OmarKhayyan

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    Verso em Portugus deAlfredo Braga

    OS RUBAYAT

    Omar Khayyan

    1Nunca murmurei uma prece,nem escondi os meus pecados.Ignoro se existe uma Justia, ou Misericrdia;mas no desespero: sou um homem sincero.

    2O que vale mais? Meditar numa taverna,ou prosternado na mesquita implorar o Cu?

    No sei se temos um Senhor,nem que destino me reservou.

    3Olha com indulgncia aqueles que se embriagam;os teus defeitos no so menores.Se queres paz e serenidade, lembra-te

    da dor de tantos outros, e te julgars feliz.

    4Que o teu saber no humilhe o teu prximo.Cuidado, no deixes que a ira te domine.Se esperas a paz, sorri ao destino que te fere;no firas ningum.

    5Busca a felicidade agora, no sabes de amanh.Apanha um grande copo cheio de vinho,senta-te ao luar, e pensa:Talvez amanh a lua me procure em vo.

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    6No procures muitos amigos, nem busques prolongara simpatia que algum te inspirou;antes de apertares a mo que te estendem,considera se um dia ela no se erguer contra ti.

    7Alcoro, o livro supremo, pode ser lido s vezes,mas ningum se deleita sempre em suas pginas.

    No copo de vinho est gravado um texto de adorvelsabedoria que a boca l, a cada vez com mais delcia.

    8H muito tempo, esta nfora foi um amante,

    como eu: sofria com a indiferena de uma mulher;a asa curva no gargalo o brao que enlaavaos ombros lisos da bem amada.

    9Que pobre o corao que no sabe amare no conhece o delrio da paixo.Se no amas, que sol pode te aquecer,ou que lua te consolar?

    10Hoje os meus anos reflorescem.Quero o vinho que me d calor.Dizes que amargo? Vinho!Que seja amargo, como a vida.

    11

    intil a tua aflio;nada podes sobre o teu destino.Se s prudente, toma o que tens mo.Amanh... que sabes do amanh?

    12Alm da Terra, pelo Infinito,

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    procurei, em vo, o Cu e o Inferno.Depois uma voz me disse:Cu e Inferno esto em ti.

    13No vamos falar agora, d-me vinho. Nesta noitea tua boca a mais linda rosa, e me basta.D-me vinho, e que seja vermelho como os teus lbios;o meu remorso ser leve como os teus cabelos.

    14Tenho igual desprezo por libertinos ou devotos.Quem ir dizer se tero o Cu ou o Inferno?Conheces algum que visitou esses lugares?

    E ainda queres encher o mar com pedras?

    15Na sombra azulada do jardimo ar da primavera renova as rosase ilumina os meigos olhos da minha amada.Ontem, amanh... to grande o prazer agora.

    16Bebo, mas no sei quem te fez, grande nfora;

    podes conter trs medidas de vinho, mas um diaa Morte te quebrar. Numa outra hora perguntareicomo foste criada, se foste feliz, ou por que sers p.

    17Como o rio, ou como o vento,vo passando os dias.

    H dois dias que me so indiferentes:O que foi ontem, o que vir amanh.

    18No me lembro do dia em que nasci;no sei em que dia morrerei.

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    Vem, minha doce amiga, vamos beber desta taae esquecer a nossa incurvel ignorncia.

    19

    Khayyam, enquanto erguias a tenda da Sabedoria,caste na fogueira da dor; agora s cinzas.O Anjo Azrail cortou as cordas da tua tendae a Morte vendeu-a por uma ninharia.

    20 intil te afligires por teres pecado;tambm intil a tua contrio:alm da morte estar o Nada,ou a Misericrdia.

    21Cristos, judeus, muulmanos, rezam,com medo do inferno; mas se realmente soubessemdos segredos de Deus, no iam plantaras mesquinhas sementes do medo e da splica.

    22Na estao das rosas procuro um campo floridoe sento-me sombra com uma linda mulher;no cuido da minha salvao: tomo o vinhoque ela me oferece; seno, o que valeria eu?

    23O vasto mundo: um gro de areia no espao.A cincia dos homens: palavras. Os povos,os animais, as flores dos sete climas: sombras.

    O profundo resultado da tua meditao: nada.

    24Eu estava com sono e a Sabedoria me disse:A rosa da felicidade no se abre para quem dorme;

    por qu te entregares a esse irmo da morte?Bebe vinho; tens tantos sculos para dormir.

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    25Admito que j resolveste o enigma da Criao;e o teu destino? Aceito que desvendaste a Verdade;e o teu destino? Est bem, viveste cem anos felizes

    e ainda tens muitos para viver; e o teu destino?

    26Ningum desvendar o Mistrio. Nunca saberemoso que se oculta por trs das aparncias.As nossas moradas so provisrias, menos aquela ltima.

    No vamos falar, toma o teu vinho.

    27Olha, um dia a alma deixar o teu corpoe ficars por trs do vu, entre o Universoe o desconhecido. Enquanto no chega a hora,

    procura ser feliz. Para onde irs depois?

    28Os sbios mais ilustres caminharam nas trevas da ignorncia,e eram os luminares do seu tempo.O que fizeram? Balbuciaram algumas frases confusas,e depois adormeceram, cansados.

    29A vida um jogo montono que d dois prmios:A Dor e a Morte.Feliz a criana que expirou ao nascer;mais feliz quem no veio ao mundo.

    30Na feira que atravessas no procures amigosou abrigo seguro. Aceita a dor que no tem remdioe sorri ao infortnio; no esperes que te sorriam:Seria tempo perdido.

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    31O mundo gira, distrado dos clculos dos sbios.Renuncia vaidade de contar os astrose lembra-te: vais morrer, no sonhars mais,e os vermes da terra cuidaro do teu cadver.

    32Aquele que criou o Universo e as estrelasexagerou quando inventou a dor.Lbios vermelhos como rubis, cabelos perfumados,quantos sois no mundo?

    33Velho mundo sob o passo do cavalo branco e negro

    dos dias e das noites, s o palcio triste onde mil Djenchidssonharam com a glria e mil Bahrams com o amor,e a cada manh acordavam chorando.

    34Sono sobre a terra, sono debaixo da terra.Sobre a terra, sob a terra: homens deitados.

    Nada em toda a parte. Deserto.Homens chegam, outros partem.

    35Enquanto o rouxinol lhe entoava um hino,murchou a bela rosa por causa do vento sul.Lamentaremos por ela ou por ns?Quando morrermos, outra rosa desabrochar.

    36

    Se no tiveste a recompensa que merecias,no te importes, no esperes nada;j estava tudo nas pginas daquele livroque o vento da eternidade vai virando ao acaso.

    37Quando me falam das delcias que na outra vida

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    os eleitos iro gozar, respondo:Confio no vinho, no em promessas;o som dos tambores s belo ao longe.

    38Bebe vinho, ele te devolver a mocidade,a divina estao das rosas, da vida eterna,dos amigos sinceros. Bebe, e desfrutao instante fugidio que a tua vida.

    39Bebe o teu vinho. Vais dormir muito tempodebaixo da terra, sem amigos, sem mulheres.Confio-te um grande segredo:

    As tulipas murchas no reflorescem mais.

    40Baixinho a argila diziaao oleiro que a torneava:J fui como tu, no te esqueas,no me maltrates.

    41Oleiro, vai com cuidado, trata bem a argilacom que Ado foi conformado.Vejo no torno que moves a mo de Feridun,o corao de Khosru... o que fizeste?

    42A tulipa rubra nasce no campo que foi regado

    pelo sangue de um altivo rei.

    A violeta brota do sinal de beleza que palpitavana face de uma doce adolescente.

    43H tanto tempo giram os astros no espao;h tanto tempo se revezam os dias e as noites.

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    Anda de leve na terra, talvez aonde vais pisarainda estejam os olhos meigos de um adolescente.

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    As razes do narciso que se inclina suave,bebem a vida nos lbios mortos de uma mulher.Pisa leve a relva macia, ela nasce das cinzasde rostos to belos quanto as tulipas.

    45O oleiro ia modelando as alas e os contornosde uma nfora. O barro que ele conformavaera feito de crnios de sultese mos de mendigos.

    46O bem e o mal se entrelaam no mundo.

    No agradeas ao Cupela sorte que te coube, nem o acuses:Ele indiferente.

    47Se em teu corao cultivaste a rosa do amor,quer tenhas procurado ouvir a voz de Deus,ou esgotado a taa do prazer,a tua vida no foi em vo.

    48Vai com prudncia, viajante.A estrada perigosa, a adaga do destino acerada. No colhas as amndoas doces,

    so venenosas.

    49Um jardim florido, uma bela mulher, e vinho.Eis o meu prazer e a minha amargura,o meu paraso e o meu inferno.Mas quem sabe o que Cu e o que Inferno?

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    50Com a tua face como a rosa, com o teu rosto belo,como o de um dolo chins, no sabeso que o teu olhar faz do rei da Babilnia?

    Um bispo do xadrez, que foge da rainha.

    51A vida passa. O que resta de Bagdad e Balk?A aragem mais leve fatal rosa j desabrochada.Bebe o vinho, e contempla a lua:lembra-te das civilizaes que ela j viu morrer.

    52Ouve o que a Sabedoria diz todos os dias:A vida breve.

    No te esqueas, no s como certas plantasque rebrotam depois de cortadas.

    53Mestres e sbios morreramsem se entenderem sobre o Ser e o No Ser.

    Ns, ignorantes, vamos apanhar as tenras uvas;que os grandes homens se regalem com as passas.

    54O meu nascimento no aumentou o Universo,nem a minha morte lhe fanar o esplendor.

    Ningum me dir por qu vim ao mundo,ou porqu um dia irei embora.

    55Iremos nos perder na estrada do amor,e o destino nos pisar, indiferente.Vem, menina, taa encantada, d-me de beberem teus lbios, antes que eu me torne p.

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    56S de nome conhecemos a felicidade.O nosso melhor amigo o vinho;afaga a nica que te fiel: a nfora,cheia do sangue das vinhas.

    57No te inquietes, a vida como um suspiro.As cinzas de Djenchid e de Kai-Kobad volteiamna poeira vermelha que tolda o ar.O Universo uma miragem, a vida um sonho.

    58Senta-te e bebe, felicidade que Mahmud no teve.

    Escuta os sussuros dos amantes, so os Salmos de Davi.No te importes com o passado, no sondes o futuro,no percas este instante: Eis a paz.

    59Pessoas presunosas e obtusas inventaramdiferenas entre o corpo e a alma.Sei apenas que o vinho apaga as angstiasque nos atormentam, e nos devolve a calma.

    60Que enigma os astros que andam pelo espao.Agarra-te corda da sabedoria, Khayyam.Presta ateno vertigemque faz cair perto de ti os teus companheiros.

    61

    No temo a morte. Prefiro esse ato inelutvelao outro que me foi imposto no dia em que nasci.O que a vida, afinal? Um bem que me confiaramsem me consultarem e que entregarei com indiferena.

    62Estou velho, e a paixo que me inspiraste

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    Um dia uma grande voz dir: No h caminho,nem atalho.

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    Brinda ao resplendor da aurora, e dedicao vinho vermelho desta taa, em forma de chama,ou de tulipa, ao sorriso meigo de algum adolescente.Bebe, e esquece que o punho da dor te prostrar.

    70Vinho! Que palpite em minhas veias,que inunde a minha cabea. Silncio!Tudo mentira. Copos! Depressa!Envelheci muito.

    71Do meu tmulo vir um tal perfume de vinhoque embriagar os que por l passarem,e uma tal serenidade vai pairar ali,que os amantes no querero se afastar.

    72No turbilho da vida so felizes aquelesque presumindo saber tudo no se instruem.Fui buscar os segredos do Universo e volteiinvejando os cegos que encontrei pelo caminho.

    73Alguns amigos me dizem: No bebas mais Khayyam.Respondo: Quando bebo, ouo o que me dizemas rosas, as tulipas, os jasmins;

    ouo at o que no me diz a minha amada.

    74Em que pensas? Nos que j morreram? So p no p.Pensas nas virtudes que tiveram? Sim? Deixa-me sorrir.Toma este copo, vamos beber; ouve sem inquietaoo vasto Silncio do Universo.

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    75No faas planos para amanh.Sabes se poders terminar a frase que vais dizer?Talvez amanh estejamos to longe deste albergue,

    como os outros que j se foram h sete mil anos.

    76Conquistador de coraes, belo moode olhos brilhantes e altivo semblante,senta-te e apanha um copo. Eu te contemplo,e penso na nfora que sers um dia.

    77H muito tempo a minha mocidade se foi.Primavera da minha vida, passaste como passaramas outras primaveras: sem que eu percebesse.Partiste, como se vo os melhores dias.

    78Sente todos os perfumes, todas as cores,todas as msicas; ama todas as mulheres.Lembra-te que a vida breve,e que breve voltars ao p.

    79No ters paz na terra, e tolice acreditarno repouso eterno. Depois da morteteu sono ser breve: renascers na ervaque ser pisada, ou na flor que murchar.

    80O que realmente possuo?O que restar de mim depois da morte? to breve a vida, uma fogueira:Chamas, e depois, cinzas.

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    81Convico e dvida, erro e verdade:so palavras, como bolhas de ar;

    brilhantes, ou baas: vazias,como a existncia dos homens.

    82Escuta, isto ningum te contou:Quando a primeira alba clareou o mundo,Ado j era uma criatura dolorosa,que pedia a noite, ansiava a morte.

    83No pedi para nascer. Recebo, sem espanto ou ira,

    o que a vida me entrega. Um dia hei de partir;no me importa saber qual o motivoda minha misteriosa passagem pelo mundo.

    84Colhe os frutos que a vida te oferecee escolhe as taas maiores;no creias que Deus v fazer as contasdos teus vcios e das tuas virtudes.

    85Os meus cabelos esto brancos,tenho setenta anos de idade.Agarro agora a felicidade; amanh,talvez no me restem foras.

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    Nunca procurei saber onde encontraro manto da mentira e do ardil,mas sempre andei procurados melhores vinhos.

    87Alguns sbios da Grcia sabiam propor enigmas?

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    absoluta a minha indiferena por tanta inteligncia.D-me vinho, minha amiga; deixa-me ouvir o alade,olha como lembra o vento que passa, como ns.

    88 o ms do Ramad. Amanh o solvai iluminar uma cidade silenciosa;os vinhos dormiro em suas urnase as mulheres sombra dos bosques.

    89Somos os pees deste jogo do xadrezque Deus trama. Ele nos move, lana-nosuns contra os outros, nos desloca, e depois

    nos recolhe, um a um, Caixa do Nada.

    90A abbada celeste se parece a uma taa emborcada;sob ela, em vo, erram os sbios.Ama a tua amada como a nfora ama o copo;olha, boca a boca, ela lhe d o seu prprio sangue.

    91O amor que no consome, no amor;a brasa tem o mesmo calor de uma fogueira?Aquele que ama, pelas noites e dias,vai se consumindo no prazer e na dor.

    92No aprendeste nada com os sbios,mas o roar dos lbios de uma mulher em teu peito

    pode te revelar a felicidade.Tens os dias contados. Toma vinho.

    93O vinho d-te o calor que no tens;suaviza o jugo do passado e te alivia

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    das brumas do futuro; inunda-te de luze te liberta desta priso.

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    Nunca rezei nas mesquitas, mas antesainda sentia uma tnue esperana.Agora gosto de me sentar l;aquela sombra propcia ao sono.

    95Na terra cheia de cores algum caminha:no muulmano, no infiel, nem pobre, nem rico;no acredita na Verdade e no afirma nada.Quem esse, intrpido e triste?

    96Um dia pedi a um velho sbioque me falasse sobre os que j se foram.Ele disse:

    No voltaro. Eis o que sei.

    97Olha, a rosa estremece ao sopro do vento;um pssaro entoa um hino; uma nuvem paira.Bebe, e esquece que o vento vai ressecar a rosa,levar a nuvem refrescante e o canto do rouxinol.

    98Onde esto os nossos amigos? J morreram?Ainda os ouo na taverna...

    j se foram? ou estaro embriagados

    de tanto terem vivido?

    99Quando eu no mais viver, no haver mais rosas,nem lbios vermelhos, nem vinhos perfumados;no haver auroras, nem amores, nem penas:o Universo ter acabado, pois ele o meu pensamento.

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    100Podes sondar a profunda noite que nos envolvee ir pelo mistrio adentro. Em vo.Ado, Eva, como deve ter sido amargo aquele beijo

    que nos gerou to desesperanados.

    101Cansado de perguntar aos sbios, perguntei taa:Para onde irei depois da morte?Ela me respondeu baixinho: Bebe em minha boca,

    bebe longamente: no voltars.

    102Eu estava numa olaria e mil nforas murmuravam.Ento uma delas disse: Silncio, deixemque esse homem se lembre dos oleirose dos compradores de nforas que j fomos.

    103Nesta noite caem ptalas das estrelas,mas o meu jardim ainda no est coberto delas.Assim como o cu derrama flores sobre a terra,verto em minha taa o vinho da cor das rosas.

    104Queres saber como ser o amanh? Tolice.Confia, ou o fado justificar os teus receios.

    No te apegues, no questiones livros nem pessoas,nosso destino insondvel.

    105A aurora encheu de rosas a taa do cu,e o ltimo rouxinol canta o seu meigo canto;e ainda h quem pense em honras e glrias...Vem, menina... que sedosos so os teus cabelos...

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    106Vai um cavaleiro pelas sombras do entardecer.Aonde ir, por serras e por vales?e onde estar deitado amanh?Sobre a terra, ou debaixo dela?

    107O vinho da cor das rosas;talvez no seja o sangue das uvas, mas das rosas;e o azul desta taa talvez seja o cu cristalizado;e no seria a noite a plpebra do dia?

    108Mais outra aurora. Como em todas as manhs,

    deparo a beleza do mundo, e no posso agradecer:h tantas rosas, tantos lbios. Vem minha amiga,

    pousa o teu alade, os pssaros esto cantando.

    109Homem ingnuo, pensas que s sbioe ests sufocado entre os dois infinitosdo passado e do futuro. No podes sair.Bebe, e esquece a tua impotncia.

    110O que farei hoje? Ir taverna? Ler um livro?Um pssaro passa. Aonde ir? J no o vejo.Embriaguez de uma ave no cu azul e morno;melancolia de um homem que ainda se lembra.

    111

    Mais vinho, minha amiga,as tuas faces ainda no esto rosadas.Um pouco mais de tristeza, Khayyam,tua amada vai te olhar, vai sorrir.

    112No tragam lmpadas, os meus amigos adormeceram;

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    esto imveis, plidos, como ficaro no tmulo.No tragam as lmpadas,os mortos no precisam delas.

    113Estudei muito e tive mestres eminentese me orgulhava dos meus progressos e triunfos.Agora lembro-me do sbio que eu era: era como a guaque toma a forma do vaso, como a fumaa ao vento.

    114Guardo as minhas tristezas como a avese esconde para morrer. D-me vinho, minha amiga,e escuta os meus gracejos: Vinho, rosas, lbios,

    e a tua indiferena pela minha dor.

    115Despe-te dessas roupas que te envaideceme que no trazias ao nascer;os teus conhecidos no te cumprimentaro mais,mas em teu peito cantaro os Serafins do cu.

    116Aconteceu o que eu j esperava: Ela me deixou.Quando eu a tinha era to fcil a renncia;

    junto dela, como estavas s, Khayyam;ela se foi para te refugiares nela.

    117Ah, Senhor, destruste a minha alegria,ergueste uma muralha entre mim e a minha amada,

    pisaste a minha bela seara; vou morrer,e Tu, cambaleias, embriagado.

    118Silncio, dor da minha alma,deixa-me procurar um remdio.

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    preciso viver; os mortos no se lembrame eu quero rever a minha amada.

    119

    grande a tua dor? No lhe ds ateno.Lembra-te dos outros que sofrem inutilmente.Procura uma linda mulher; mas cuidado, evita am-la,e ela, que no te ame.

    120Rosas, taas, lbios vermelhos:

    brinquedos que o Tempo estraga;estudo, meditao, renncia:cinzas que o Tempo espalha.

    ILP

    Para mais informaes sobre poesia persa, consultar o nmero 14 daRevista PoesiaSempre, da Fundao Biblioteca Nacional.Poesia Sempre Rua da Imprensa 16, 11andar Centro Rio de Janeiro, RJ 20030-120 Tels: (xx21) 2544-8597 / 2544-8514/ 25544-8703 Fax: (xx21) 2220-1009 E-mail:[email protected].

    A seriedade da traduo de Fitzgerald rigorosamente contestada no livroRubaiyyat, El poema original del mstico Sufi, Traduccin directa del persa: Omar Ali-Shah y Robert Graves Versin espaola: Alejandro Calleja, Coleccion Maestros Sufis,Ediciones Dervish International, Buenos Aires, 1989.

    2003 Omar KhayyanVerso em portugus 2003 Alfredo Braga

    Verso para eBookeBooksBrasil.com

    __________________Abril 2003

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    __________________Maro 2006