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OS REAIS EFEITOS DO VOTO NULO NA ATUALIDADE E SEU REFLEXO PARA O REGIME DA DEMOCRACIA REPRESENTATIVA NO BRASIL 61 Rev. Estudos Legislativos, Porto Alegre, ano 7, n. 7, p. 61-93, 2013 OS REAIS EFEITOS DO VOTO NULO NA ATUALIDADE E SEU REFLEXO PARA O REGIME DA DEMOCRACIA REPRESENTATIVA NO BRASIL 1 Juliana Bramraiter 2 RESUMO O presente trabalho pretende analisar a atual interpretação do Tribunal Superior Eleitoral Brasileiro quanto à aplicação do artigo 224 de nosso Código Eleitoral. Objetiva demonstrar que o entendimento do TSE, no sentido de que votos nulos por erro ou para fins de protesto não devem ser considerados para o cancelamento do pleito, constitui ofensa aos princípios do regime democrático por representação. Para tanto, expõe conceitos relevantes no campo das nulidades eleitorais, ao qual dá atenção elevada ante a sua complexidade e relevância, explorando a doutrina e a legislação pertinentes, bem como casos de jurisprudência diversos. Palavras-chave: Voto Nulo. TSE. Democracia Representativa. ABSTRACT This study aims to analyze the current interpretation of the Brazilian Superior Electoral Court regarding the application of Article 224 of our Electoral Code. Aims to demonstrate that the understanding of the TSE, in the sense that null votes in error or for purposes of protest should not be considered for the cancellation of the election, is an offense to the principles of democracy by representation. Therefore, exposes relevant concepts in the field of election nullities, which gives high attention due to complexity and relevance, exploring the doctrine and legislation as well as several cases of jurisprudence. Keywords: Vote Null. TSE. Representative Democracy. 1 Artigo produzido a partir de Trabalho de Conclusão da Pós-Graduação em Direito do Estado da UFRGS, sob a orientação do Professor Doutor Marcelo Schenk Duque. 2 Graduada em Direito pela UFRGS, Pós-graduada em Direito do Estado pela UFRGS e graduanda em Políticas Públicas pela UFRGS.

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61Rev. Estudos Legislativos, Porto Alegre, ano 7, n. 7, p. 61-93, 2013

OS REAIS EFEITOS DO VOTO NULO NA ATUALIDADE E SEU REFLEXO PARA O REGIME DA DEMOCRACIA

REPRESENTATIVA NO BRASIL1

Juliana Bramraiter2

RESUMOO presente trabalho pretende analisar a atual interpretação do Tribunal Superior Eleitoral Brasileiro quanto à aplicação do artigo 224 de nosso Código Eleitoral. Objetiva demonstrar que o entendimento do TSE, no sentido de que votos nulos por erro ou para fins de protesto não devem ser considerados para o cancelamento do pleito, constitui ofensa aos princípios do regime democrático por representação. Para tanto, expõe conceitos relevantes no campo das nulidades eleitorais, ao qual dá atenção elevada ante a sua complexidade e relevância, explorando a doutrina e a legislação pertinentes, bem como casos de jurisprudência diversos. Palavras-chave: Voto Nulo. TSE. Democracia Representativa.

ABSTRACTThis study aims to analyze the current interpretation of the Brazilian Superior Electoral Court regarding the application of Article 224 of our Electoral Code. Aims to demonstrate that the understanding of the TSE, in the sense that null votes in error or for purposes of protest should not be considered for the cancellation of the election, is an offense to the principles of democracy by representation. Therefore, exposes relevant concepts in the field of election nullities, which gives high attention due to complexity and relevance, exploring the doctrine and legislation as well as several cases of jurisprudence.Keywords: Vote Null. TSE. Representative Democracy.

1 Artigo produzido a partir de Trabalho de Conclusão da Pós-Graduação em Direito do Estado da UFRGS, sob a orientação do Professor Doutor Marcelo Schenk Duque.

2 Graduada em Direito pela UFRGS, Pós-graduada em Direito do Estado pela UFRGS e graduanda em Políticas Públicas pela UFRGS.

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1 INTRODUÇÃO

Quais as consequências do voto nulo? Não é de hoje que se veem manifestos populares pregando-o no Brasil. Dá-se nas ruas, nas redes sociais, nas rodas de amigos. O “boom” veio na década passada, quando mais ecoaram campanhas nesse sentido. Mas será que o povo tem consciência do real significado de tal opção eleitoral?

Em geral, as pessoas acreditam que se mais da metade dos eleitores que comparecerem às urnas anularem seu voto, haverá novo pleito, ficando uma demonstração do desgosto para com os políticos em geral. É o que divulgam movimentos de protesto e também interpretação possível da lei. Ocorre que o atual entendimento do Tribunal Superior Eleitoral acerca dos efeitos do voto nulo em nosso país é bem diverso, no sentido de que, quando decorrente este de manifestação apolítica do eleitor, mesmo atingida a maioria, não enseja a realização de novas eleições. Esta seria cabível apenas no tocante a votos nulificados pela justiça eleitoral.

Apropriada assim uma análise do tema, que apresenta relevância em virtude do que já se deu em determinados municípios e também do que pode ocorrer em âmbitos estadual e nacional caso a maioria dos votantes opte pela nulidade. Caso mais de cinquenta por cento dos eleitores nulifique sua opção eleitoral nas urnas, haverá novas eleições? De fato, tal manifestação de protesto provocará os resultados almejados? Quais serão suas consequências quanto à validade do pleito? Há diferença entre votar branco e votar nulo? Qual o reflexo do voto nulo sobre a democracia representativa? Considerados tais fatores e questões é que teve origem o presente trabalho. Com o propósito de contribuir para o esclarecimento destas, pretende-se analisar a interpretação vigente do TSE à luz de nosso regime de governo, perpassando por definições imprescindíveis para tanto. Dá-se em três capítulos:

Parte-se da diferenciação entre nulidade e anulabilidade do voto, com explanação dos conceitos de nulidade e nulidade eleitoral para

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verificar no que consiste o voto nulo e o voto em branco, classificações do voto. No segundo momento, o foco é o entendimento jurisprudencial da Corte Maior em matéria de eleições a respeito do artigo 224 de nosso Código Eleitoral, principal base legal sobre o assunto, passando-se por fases distintas. Por fim, com base no exposto, e em linhas gerais sobre a democracia representativa, avaliam-se os reais efeitos do voto nulo sobre nosso regime de governo nos dias atuais. Tudo com base na legislação, na interpretação jurisprudencial vigente e em doutrinas das mais respeitadas.

Apesar de o foco principal destes escritos ser os reflexos do voto nulificado pelo eleitor para fins de protesto, aproveita-se para destinar atenção especial às nulidades lato sensu em Direito Eleitoral por tratar-se de tema complexo e de suma relevância para a manutenção do Estado Democrático de Direito. Gize-se que estas páginas almejam colaborar para o clareamento da questão, sem a pretensão de significativas definições ante o terreno nebuloso sobre o qual se paira.

2 DA NULIDADE DO VOTO

Para uma abordagem válida, como a monografia trata das consequências do voto nulo, primordial que se parta dos conceitos que permeiam este. Assim, inicia-se indicando em que consistem nulidade e anulabilidade no campo do direito em sentido lato, para depois se restringir aos apontamentos atinentes ao direito eleitoral e ao voto.

2.1 Definições Basilares

Martinho Garcez, vide Nulidade dos Atos Jurídicos, define nulidade como “... o vício que impede um ato ou uma convenção de ter existência legal ou produzir efeito”3. Para Clóvis Beviláqua (em Teoria Geral do Direito Civil), refere-se aos atos que, “... inquinados por algum vício 3 GARCEZ apud FERREIRA, Luis Pinto. Código eleitoral comentado. 4. ed. ampl.

atual. São Paulo: Saraiva, 1997, p. 263.

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essencial, não podem ter eficácia jurídica”. Assim, tal conceito tem como pressuposto a ideia de eficácia4.

A nulidade pode ser absoluta, na qual se compreendem os atos inexistentes5 e os nulos; ou relativa, que pertine aos atos anuláveis. Por ato inexistente, tem-se aquele em que um de seus elementos constitutivos faz-se ausente. Ato nulo é o eivado de vício essencial que o torna absolutamente ineficaz. Como já referido, essas duas espécies de atos configuram nulidade absoluta. O ato anulável, que caracteriza a anulabilidade, é o comprometido por vício capaz de lhe tornar ineficaz. A modalidade absoluta pode ser declarada de ofício pelo juiz, sem que tenha havido alegação por alguma parte; enquanto a relativa, ou anulabilidade, somente pode ser arguida pelos interessados6. No tocante aos efeitos, “... o ato nulo, uma vez declarada a sua nulidade, deixa de ter qualquer efeito jurídico desde o início ou de sua realização; ao passo que o ato anulável surte os seus efeitos normais, como se fosse perfeito, até o momento da declaração da nulidade” 7. Tudo consoante o previsto em nossos Códigos Civil e de Processo Civil8.

Como a finalidade da presente explanação é verificar os reflexos do voto nulo sobre a democracia, as pinceladas acima são suficientes no tocante ao plano da validade em termos gerais. Assim, passa-se à sua análise adstrita ao campo das eleições.

2.2 Nulidades Eleitorais

Em matéria eleitoral, de regra, a nulidade decorre da qualidade ou capacidade do votante, ou de defeito formal do sufrágio9, não devendo ser

4 BEVILÁQUA apud FERREIRA, loc. cit.5 Nosso Código Civil adotou a divisão bipartida, falando apenas em atos nulos e anuláveis

ao incluir os inexistentes no primeiro grupo. Vide FERREIRA, op. cit., p. 264.6 Ibidem, pp. 264 e 265.7 GOMES NETO, F.A. Teoria e prática do código eleitoral vigente. Rio de Janeiro: José

Konfino, 1954, p. 266.8 Artigos 168 e 177 do Código Civil e artigo 248 do Código de Processo Civil.9 FERREIRA, Luis Pinto. Código eleitoral comentado. 4. ed. ampl. atual. São Paulo:

Saraiva, 1997, p. 269.

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declarada quando inexista prejuízo10. É o que prevê o artigo 219 de nosso Código Eleitoral, instituído pela Lei n. 4.737, de 15 de julho de 1965 e em vigor até estes dias:

Art. 219. Na aplicação da lei eleitoral o juiz atenderá sempre aos fins e resultados a que ela se dirige, abstendo-se de pronunciar nulidades sem demonstração de prejuízo.Parágrafo único. A declaração de nulidade não poderá ser requerida pela parte que lhe deu causa nem a ela aproveitar.

Assim, a nulidade eleitoral possui dois pressupostos: além do vício essencial que viole a lei, tal como se dá no Direito Civil, a existência efetiva de prejuízo daí decorrente11. É preciso ter em mente que

[...] o objetivo do Direito Eleitoral é o disciplinamento do processo de escolha dos representantes do povo para o exercício do poder. Essa escolha deve-se dar sem mácula que importe beneficiamento em favor de determinado participante do certame. Logo, qualquer ação ilegal da qual resulte proveito para um candidato em detrimento de outro atrai a sanção da nulidade12.

Gize-se que os casos de nulidade são taxativos, sendo apenas aqueles expressos na lei13. Havendo qualquer destes, é como se o voto inexistisse, não produzindo efeitos.

Trata-se da aplicação do princípio “quod nullum est nullum producit effectum”14. Hoje, com a adoção das urnas eletrônicas no Brasil, fala-se apenas em nulidade do voto e nulidade da votação. Porém, há menos de

10 PINTO, Djalma. Direito eleitoral: improbidade administrativa e responsabilidade fiscal – noções gerais. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2006, p. 309.

11 PINTO, Djalma. Direito eleitoral: improbidade administrativa e responsabilidade fiscal – noções gerais. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2006, p. 309.

12 Loc. cit.13 GOMES NETO, F.A. Teoria e prática do código eleitoral vigente. Rio de Janeiro: José

Konfino, 1954, p. 260.14 FERREIRA, Luis Pinto. Código eleitoral comentado. 4. ed. ampl. atual. São Paulo:

Saraiva, 1997, p. 269.

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duas décadas, era de extrema importância a distinção entre voto nulo e cédula nula. Desse modo, de adentrar em tais definições, constantes na Seção da Contagem dos Votos, Capítulo Da Apuração nas Juntas, Título V, Parte Quarta do Código Eleitoral15:

Art. 175. Serão nulas as cédulas: I - que não corresponderem ao modelo oficial; II - que não estiverem devidamente autenticadas;III - que contiverem expressões, frases ou sinais que possam identificar o voto.§ 1º Serão nulos os votos, em cada eleição majoritária: I - quando forem assinalados os nomes de dois ou mais candidatos para o mesmo cargo;II - quando a assinalação estiver colocada fora do quadrilátero próprio, desde que torne duvidosa a manifestação da vontade do eleitor.§ 2º Serão nulos os votos, em cada eleição pelo sistema proporcional: I - quando o candidato não for indicado, através do nome ou do número, com clareza suficiente para distingui-lo de outro candidato ao mesmo cargo, mas de outro partido, e o eleitor não indicar a legenda;II - se o eleitor escrever o nome de mais de um candidato ao mesmo cargo, pertencentes a partidos diversos, ou, indicando apenas os números, o fizer também de candidatos de partidos diferentes;III - se o eleitor, não manifestando preferência por candidato, ou o fazendo de modo que não se possa identificar o de sua preferência, escrever wduas ou mais legendas diferentes no espaço relativo à mesma eleição.§ 3º Serão nulos, para todos os efeitos, os votos dados a candidatos inelegíveis ou não registrados. § 4º O disposto no parágrafo anterior não se aplica quando a decisão de inelegibilidade ou de cancelamento de registro for proferida após a realização da eleição a que concorreu o candidato alcançado pela sentença, caso em que os votos serão contados para o partido pelo qual tiver sido feito o seu registro. (grifou-se)

15 FERREIRA, op. cit.

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Assim, caso haja necessidade de eleição por cédula, esta será nula quando houver vício nela própria, advindo de transgressão a normas basilares para assegurar a legitimidade do voto. Exige-se modelo específico, bem como, devida autenticação para evitar a falsificação do voto. Já o veto a sinais que possam identificar a titularidade do voto visa ao respeito ao princípio do voto secreto.

Por outro lado, configura-se o voto nulo quando, apesar da certeza da vontade de manifestação do eleitor, não seja possível identificar a sua escolha. Há ainda a hipótese de voto nulo quando escolhido um candidato inelegível ou não registrado – com a ressalva de que os votos vão para o respectivo partido no caso de a decisão de inelegibilidade ou cancelamento de registro ser posterior à realização da eleição. Trata-se de vícios que tornam a cédula ou o voto totalmente ineficazes de antemão.

O Código das Eleições distingue também entre votação nula e anulável, no capítulo Das Nulidades da Votação, Título V, Parte Quarta16:

Art. 220. É nula a votação:I - quando feita perante mesa não nomeada pelo juiz eleitoral, ou constituída com ofensa à letra da lei;II - quando efetuada em folhas de votação falsas;III - quando realizada em dia, hora, ou local diferentes do designado ou encerrada antes das 17 horas;IV - quando preterida formalidade essencial do sigilo dos sufrágios.V - quando a seção eleitoral tiver sido localizada com infração do disposto nos §§ 4º e 5º do art. 135.Parágrafo único. A nulidade será pronunciada quando o órgão apurador conhecer do ato ou dos seus efeitos e o encontrar provada, não lhe sendo lícito supri-la, ainda que haja consenso das partes.

Art. 221. É anulável a votação:I - quando houver extravio de documento reputado essencial;II - quando for negado ou sofrer restrição o direito de fiscalizar, e o fato constar da ata ou de protesto

16 FERREIRA, Luis Pinto. Código eleitoral comentado. 4. ed. ampl. atual. São Paulo: Saraiva, 1997, p. 269.

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interposto, por escrito, no momento:III - quando votar, sem as cautelas do Art. 147, § 2º.a) eleitor excluído por sentença não cumprida por ocasião da remessa das folhas individuais de votação à mesa, desde que haja oportuna reclamação de partido;b) eleitor de outra seção, salvo a hipótese do Art. 145;c) alguém com falsa identidade em lugar do eleitor chamado.Art. 222. É também anulável a votação, quando viciada de falsidade, fraude, coação, uso de meios de que trata o Art. 237, ou emprego de processo de propaganda ou captação de sufrágios vedado por lei.Art. 223. A nulidade de qualquer ato, não decretada de ofício pela Junta, só poderá ser argüida quando de sua prática, não mais podendo ser alegada, salvo se a argüição se basear em motivo superveniente ou de ordem constitucional.§ 1º Se a nulidade ocorrer em fase na qual não possa ser alegada no ato, poderá ser argüida na primeira oportunidade que para tanto se apresente.§ 2º Se se basear em motivo superveniente deverá ser alegada imediatamente, assim que se tornar conhecida, podendo as razões do recurso ser aditadas no prazo de 2 (dois) dias.§ 3º A nulidade de qualquer ato, baseada em motivo de ordem constitucional, não poderá ser conhecida em recurso interposto fora do prazo. Perdido o prazo numa fase própria, só em outra que se apresentar poderá ser argüida. Art. 224. Se a nulidade atingir a mais de metade dos votos do país nas eleições presidenciais, do Estado nas eleições federais e estaduais ou do município nas eleições municipais, julgar-se-ão prejudicadas as demais votações e o Tribunal marcará dia para nova eleição dentro do prazo de 20 (vinte) a 40 (quarenta) dias.§ 1º Se o Tribunal Regional na área de sua competência, deixar de cumprir o disposto neste artigo, o Procurador Regional levará o fato ao conhecimento do Procurador Geral, que providenciará junto ao Tribunal Superior para que seja marcada imediatamente nova eleição.§ 2º Ocorrendo qualquer dos casos previstos neste capítulo o Ministério Público promoverá, imediatamente a punição dos culpados.(grifou-se)

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Esse capítulo trata de nulidade ou anulabilidade do processo de votação, não se atrelando ao voto ou cédula relativos ao eleitor ou ao candidato, tal como no caso do artigo 175. Não se trata de nulificar um voto porque não foi possível identificar a intenção do eleitor ou porque sua escolha não seria eficaz diante inelegibilidade ou falta de registro do candidato.

Votação nula é aquela que se dá perante mesa sem competência para tanto; através de cédulas falsas; em dia, hora ou local diferente do estipulado ou que se encerre antes do horário previsto; sem garantia do sigilo; em seção eleitoral localizada em propriedade de uso vedado para tanto. Veja-se que os vícios não constam dos votos individualmente ou de todos atribuídos a determinado candidato, mas pertinem a mesas receptoras ou seções eleitorais17, por isso falando-se em nulidade da votação.

Anulável é a votação quando o vício existente não é essencial a ponto de faltar um de seus elementos constitutivos, elencando a Lei. N. 4.737 os casos de extravio de documento essencial para sua realização; de restrição ao direito de fiscalizar o procedimento; de estarem ausentes as cautelas legais quando de dúvida sobre a identidade do eleitor18; de falsidade, fraude, coação, uso de interferência do poder econômico ou desvio ou abuso do poder de autoridade em desfavor da liberdade do voto; de emprego de propaganda ou captação de sufrágios vedados por lei19 .

Aplicadas as diferenças quanto às consequências no tempo entre nulidade e anulabilidade, consoante se dá no Direito Civil, conclui-se que

17 Conforme o art. 7º da Resolução n. 23.372 das últimas eleições, “A cada Seção Eleitoral corresponde uma Mesa Receptora de Votos, salvo na hipótese de agregação (Código Eleitoral, art. 119)”. TSE - Resolução nº 23.372 de 14 de dezembro de 2011. Tribunal Superior Eleitoral, Brasil, 14 dez. 2011. Arquivos. TSE. Disponível em: <http://www.justicaeleitoral.jus.br/arquivos/tse-resolucao-tse-no-23-372-eleicoes-2012/view>. Acesso em: 05 abr. 2013.

18 Artigo 147 do Código Eleitoral.19 Com o sistema das urnas eletrônicas, há também o caso do eleitor que demora muito para

votar – o TSE adotou por resolução o critério de limitar em pouco mais de um minuto o tempo para cada eleitor de modo a possibilitar que todos votem até o encerramento das eleições. Nessa hipótese, o mesário pode anular os votos faltantes do eleitor moroso, encerrando sua votação para desobstruir a fila, sendo a decisão de anular ou não os votos de exclusividade do Presidente da mesa. Vide BRUNAZO FILHO, Amílcar; CORTIZ, Maria Aparecida. Fraudes e defesas no voto eletrônico. São Paulo: All Print Editora, 2006, p. 63.

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a primeira gera efeitos ex tunc, de modo que “... se um candidato for eleito por eleição nula, nos termos do art. 123, uma vez declarada a nulidade, ele perde todos os direitos decorrentes da eleição, ... desde o início”.

A segunda, como parte de vícios capazes de tornar a votação ineficaz, ex nunc, sendo que, se o candidato for “... eleito por uma eleição apenas anulável, nos termos do art. 124, declarada a nulidade ele só perde os direitos decorrentes da eleição a partir da declaração definitiva da nulidade20. De frisar que Djalma Pinto, mesmo utilizada a expressão “votação anulável” pelo legislador, sustenta tratar-se as hipóteses descritas no artigo 221 e seguintes do CE de “... casos típicos de votação nula”, e não de anulabilidade.

Assim, afirma que sendo declarada a votação nula (e anulável, nos termos do Código), tanto pelos vícios do artigo 220 quanto pelos do 221, a nulidade retroage até o momento da feitura do ato, com efeitos ex tunc21. Tal entendimento simplifica um pouco a abordagem quanto às nulidades eleitorais.

Para finalizar este subcapítulo, cabe um breve histórico do voto nulo para fins de protesto. Quando vigente o sistema do voto manual, uma tática dos eleitores descontentes com o quadro político era a descarga dos votos num alvo peculiar, como o rinoceronte Cacareco em São Paulo ou o macaco Tião no Rio de Janeiro22. 20 Leia-se artigos 221 e 22, pois o comentário refere-se ao Código de 1950. Vide GOMES

NETO, F.A. Teoria e prática do código eleitoral vigente. Rio de Janeiro: José Konfino, 1954, p. 266.

21 PINTO, Djalma. Direito eleitoral: improbidade administrativa e responsabilidade fiscal – noções gerais. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2006, pp. 311 e 313.

22 De citar que “... o movimento estudantil fez uma campanha pelo voto nulo em 1970, num dos momentos mais violentos do regime militar que vigorava no país. A lógica por trás da campanha era a de que as eleições para cargos legislativos serviam apenas para dar uma aparência democrática à ditadura, que proibira, por outro lado, as eleições para os cargos executivos (presidente, governador e prefeitos das cidades grandes). Naqueles tempos, portanto, o voto nulo não deixava de ser uma escolha política. Nesse sentido, as origens do voto nulo remontam ao movimento anarquista da virada dos séculos 19 e 20. Por alimentar o sonho de uma sociedade autogerida, que prescindida de Estado, o anarquismo considerava que votar nulo era uma forma de se recusar a entregar a própria liberdade nas mãos de um líder ou de qualquer autoridade”. OLIVIERI, Carlos Antonio. Voto nulo e branco: Diferenças entre os dois e a obrigatoriedade do voto. UOL Educação. 08 mar. 2007. Disponível em: <http://educacao.uol.com.br/disciplinas/

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A indignação também se mostrava através de palavras ofensivas escritas nas cédulas eleitorais. Tais votos eram anulados, apenas diminuindo o percentual de votos válidos23.

Com o advento das urnas eletrônicas, tais formas de manifestação tiveram que ser substituídas. Não sendo mais possível votar em figuras simbólicas como aquelas, já que as urnas são limitadas, a escolha por candidatos peculiares passou a demonstrar a angústia com a corrupção no campo político, mas sem o condão de nulificar o voto. Daí que adveio a enorme votação do candidato Enéas para Deputado Federal de São Paulo em 2002, elegendo outros cinco candidatos do PRONA, sendo que três obtiveram menos de 500 votos diretos cada24. Outro caso mais recente foi o relativo ao Deputado Tiririca, que também levou consigo outros candidatos de expressão quase inexistente. É a aplicação do famoso “Vote no Palhaço”25. Outra alternativa do cidadão descontente com a política e/ou que desaprova todos os candidatos, é digitar zero-zero e CONFIRMA, anulando o seu voto. Seguem mais considerações no tópico a seguir.

cidadania/voto-nulo-e-branco-diferencas-entre-os-dois-e-a-obrigatoriedade-do-voto.htm>. Acesso em: 03 abr. 2013.

23 BRUNAZO FILHO, Amílcar; CORTIZ, Maria Aparecida. Fraudes e defesas no voto eletrônico. São Paulo: All Print Editora, 2006, pp. 65 e 66.

24 Como se vê, o voto de protesto, que antes aumentava a quantidade de votos nulos, agora pode até eleger uma bancada de candidatos que nunca seriam eleitos. Ibidem, pp. 66 e 67.

25 É o fenômeno dos “puxadores de votos”, típico do sistema de votação proporcional brasileiro ante a determinação da lei para que os órgãos de representação coletiva sejam preenchidos mediante os quocientes eleitoral e partidário. Vários candidatos que teriam chance remota de se eleger acabam sendo beneficiados por tal método, já que são considerados no cálculo tanto os votos direcionados a candidatos quanto os na legenda partidária (art. 5º da Lei n. 9.504: Nas eleições proporcionais, contam-se como válidos apenas os votos dados a candidatos regularmente inscritos e às legendas partidárias). Divide-se o número de votos válidos pelo número de cadeiras da respectiva casa legislativa, resultando o quociente eleitoral, que deve ser denominador na divisão que tem o número de votos válidos para uma legenda como numerador a fim de se alcançar o quociente partidário – número de vagas por partido. Seguem os respectivos artigos do

Código Eleitoral: Art. 106. Determina-se o quociente eleitoral dividindo-se o número de votos válidos

apurados pelo de lugares a preencher em cada circunscrição eleitoral, desprezada a fração se igual ou inferior a meio, equivalente a um, se superior.

Art. 107 - Determina-se para cada Partido ou coligação o quociente partidário, dividindo-se pelo quociente eleitoral o número de votos válidos dados sob a mesma legenda ou coligação de legendas, desprezada a fração.

Art. 108 - Estarão eleitos tantos candidatos registrados por um Partido ou coligação quantos o respectivo quociente partidário indicar, na ordem da votação nominal que cada um tenha recebido.

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2.3 Classificações do Voto

Indicadas as nulidades eleitorais à luz do respectivo Codex, de dar mais atenção à configurada diante da impossibilidade de se identificar a escolha do eleitor. Tomado o sistema eletrônico, são as hipóteses de digitar número inexistente por erro ou propositalmente. É o voto nulo a que o povo se refere e que tanto confunde com o voto em branco, sendo imprescindível a devida distinção. Para Ney Moura Teles, voto nulo é o que revela a vontade do eleitor de não escolher um dos postulantes ao cargo eletivo, inutilizando a cédula de votação, bem assim aquele que não revela a vontade do eleitor por não conseguir externar perfeitamente a sua vontade por deficiência ou erro.

Em branco é aquele em cuja cédula de votação não é grafado qualquer sinal que revele a intenção do eleitor de escolher esse ou aquele candidato. É o voto cuja cédula é deixada completamente em branco. O autor refere que voto válido é o que não for branco nem nulo. Fala também do conceito de cédula nula, disposto no artigo 175 do Código Eleitoral, ao referir ser aquela que não corresponde ao modelo oficial, que não está devidamente autenticada ou que contém expressões que possam identificar o voto. Caso haja necessidade de votação por escrito, nula a cédula, nulo é o voto26.

Carlos Velloso define voto nulo como uma manifestação apolítica do eleitor, por não estar este de acordo com nenhuma das candidaturas postas até o momento, seja porque discorda da sistemática do processo eleitoral, seja porque não se agradou das candidaturas postas. Relativamente ao voto em branco, discorre que este se configura quando o eleitor prefere não se manifestar no pleito eleitoral, que não expressa nenhum tipo de repulsa ao sistema eleitoral ou aos candidatos. Assim, o voto em branco é a ausência de voto, a renúncia ao direito de preferência; o nulo, um voto positivo, pois representa uma manifestação da vontade eleitoral, condenatória no caso de 26 TELES, Ney Moura. Direito eleitoral: comentários à lei 9.100, de 29 de setembro de

1995. São Paulo: LED, 1996, p. 108.

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protesto, mas sempre afirmativa27. Nessa mesma linha, de citar na íntegra as conclusões de Roberto Amaral28:

[...] ausência de voto, renúncia ao direito de preferência, o voto nulo é, nesses termos, um voto positivo, no sentido em que, como o voto em um candidato ou em um partido, ele representa uma manifestação da vontade eleitoral. Condenatória, mas sempre vontade afirmativa. Pois é por seu intermédio que o cidadão expressa sua condenação às limitações do pleito. O voto em branco é de quem cala; o voto nulo é de quem fala, protestando. Daquele que, particularmente nas rodadas de segundo turno, não se vê contemplado pelas candidaturas em disputa. O voto nulo, aliás, interfere no resultado do pleito, porque pode anulá-lo, como vimos anteriormente. Mas o voto nulo também pode resultar de ausência de vontade, quando é o voto do erro, do que não soube votar corretamente. (grifou-se)

Como já se discorreu bastante acerca do voto nulo, de adentrar em mais considerações sobre a modalidade branca, principalmente porque, num apanhado histórico, houve alteração significativa de seu significado para o processo eleitoral. Até a entrada em vigor da Lei n. 9.504, de 30 de setembro de 1997, os votos em branco eram considerados válidos, visto que só deveriam ser deduzidos do quociente eleitoral os nulos ou anulados, entrando os em branco na conta dos válidos ou manifestados. É o que comentava Pinto Ferreira anteriormente à publicação da lei, referindo ainda que os manifestos de contestação ao regime eram equivocados ao recomendar o voto nulo, quando, pelo fim pretendido, a intenção seria a de recomendar o voto em branco29. Desde o Código Eleitoral de 1932, Decreto n. 21.076, foi assim. Seu artigo 58, n. 6, dizia: “Determina-se o

27 VELLOSO, Carlos Mario da Silva. Elementos de direito eleitoral. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 205.

28 AMARAL, Roberto; CUNHA, Sérgio Sérvulo da. Manual das eleições. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 89.

29 FERREIRA, Luis Pinto. Código Eleitoral Comentado. 4. ed. ampl. atual. São Paulo: Saraiva, 1997, pp. 273-277.

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quociente eleitoral dividindo-se o número de eleitores que compareceram à eleição pelo número de lugares a preencher no círculo eleitoral, desprezada a fração” 30. Tanto que Gomes de Castro referia:

[...] vê-se que ali não se falava em votos válidos, mas de eleitores que compareceram à eleição. O Tribunal Superior, em acórdão que foi relator o Sr. Ministro Eduardo Espínola, interpretou que os votos nulos não se poderiam considerar como de eleitores que compareceram à eleição, porque votos nulos não existem, é como se nunca tivessem sido dados. Ora, os votos em branco não são nulos, e os eleitores que assim votaram não podem deixar de ser considerados como tendo comparecido à eleição.31

Após, os votos em branco foram considerados expressamente válidos, o que se consolidou com os Códigos Eleitorais de 1950 e 196532. Ocorre que a Constituição Federal determinou não fossem computados os votos em branco para eleger os cargos do Executivo, estabelecendo-se um impasse no tocante às eleições proporcionais, já que o respectivo disposto do Código continuava vigendo. O debate foi encerrado com o disposto no art. 5º da nova Lei Eleitoral – a Lei nº 9.504: “Nas eleições proporcionais, contam-se como válidos apenas os votos dados a candidatos regularmente inscritos e às legendas partidárias”. 33

De mencionar a crítica de Roberto Porto à reforma ocorrida, com a revogação do artigo 106, § único do Código Eleitoral, a partir da qual o voto em branco deixou de interferir no quociente eleitoral e partidário. Ele afirma: “... os votos brancos são votos válidos, que expressam a vontade do 30 BRASIL. Decreto n. 21.076/1932. Disponível em: <http://legis.senado.gov.br/legislacao/

ListaPublicacoes.action?id=33626>. Acesso em: 20 mar. 2013.31 CASTRO, Augusto O. Gomes de. A Lei Eleitoral comentada. Rio: B. de Souza, 1945, p. 48.32 Art. 106. Determina-se o quociente eleitoral dividindo-se o número de votos válidos

apurados pelo de lugares a preencher em cada circunscrição eleitoral, desprezada a fração se igual ou inferior a meio, equivalente a um, se superior. Parágrafo único. Contam-se como válidos os votos em branco para determinação do quociente eleitoral.

33 VOTO em branco. Tribunal Superior Eleitoral, Brasil, 23 mar. 2012. Eleitor. Glossário eleitoral. Termos. Disponível em: <http://www.tse.jus.br/eleitor/glossario/termos/voto-em-branco>. Acesso em: 21 mar. 2013.

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eleitor de não eleger quem quer que seja. Esse desejo deveria ser valorado, aumentando, por consequência, o quociente eleitoral”34. Bem delineadas as diferenças entre voto nulo e voto em branco, segue-se à análise do artigo 224 do Código Eleitoral.

3 O ARTIGO 224 DO CÓDIGO ELEITORAL SEGUNDO O TSE

A Carta manda que o eleito para presidente tenha pelo menos 50% mais um dos votos válidos. Estão excluídos desse cálculo os brancos e os nulos. Mas se, por hipótese, 60% dos votos forem brancos ou nulos, o que não acredito que vá acontecer, os 40% de votos dados aos candidatos serão os válidos. Basta a um dos candidatos obter 20% mais um desses votos para estar eleito.

Essas foram algumas das palavras proferidas em entrevista ao jornal Folha de São Paulo por Marco Aurélio Mello no ano de 2006, quando presidia o TSE35 - intitulada Voto nulo não invalida eleição, diz Marco Aurélio. A discussão causa polêmica, pois circula nas redes que se mais da metade dos votos forem nulos, as eleições, por inválidas, deverão ser renovadas. Cabe, assim, uma análise dos julgados recentes do Tribunal quanto aos efeitos do voto nulo perante o artigo 224 da Lei 4.737 de 1965, passando-se por seus entendimentos anteriores e consideradas as legislações envolvidas. É o que se fará nos subcapítulos a seguir.

3.1 De 1965 até a Década de 2000

Apesar do mencionado acima, inicialmente, prevaleciam os julgamentos no sentido de que toda e qualquer nulidade, seja qual fosse a sua causa, acarretaria a incidência do art. 224 do CE, com a necessária 34 PORTO, Roberto. Lei eleitoral anotada: Lei n.9.504, de 30 de setembro de 1997. São

Paulo: Saraiva, 2009, p.9.35 RODRIGUES, Fernando. Voto nulo não invalida eleição, diz Marco Aurélio. Folha

Online. 06 set. 2006. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/folha/brasil/ult96u82610.shtml>. Acesso em: 01 abr. 2013.

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realização de novo pleito. Referia-se à nulidade em sentido amplo, inclusas as hipóteses de anulabilidade. Seguem ementas de dois julgados do TSE da década de 70, primeiros anos da vigência do Código, a corroborar, bem como trecho relevante de cada voto. A Primeira é do Recurso Especial n. 4005, de relatoria do Min. Márcio Ribeiro, datada de 05/04/1973:

ELEIÇÃO MUNICIPAL. NULIDADE.Votos marcados com sigla de partido, que não registrara candidato a Prefeito, excedendo de mais da metade o total da votação.Incidência do art. 224 do Cód. Eleitoral.Provimento de Recurso Especial.36

O voto, de que resultou decisão unânime, assim dispôs:

A Jurisprudência deste Tribunal firmou-se no sentido da anulação da eleição majoritária, qualquer que seja o motivo da nulidade da votação, votos ou cédula, desde que se apure o excesso de mais da metade sobre o total do comparecimento.Seria razoável distinguir a nulidade de votação a que se refere o capítulo VI do Código Eleitoral, das nulidades de cédulas do art. 175, caput e seu § 3º. Mas, a lei não o fez. Com precisão matemática, apenas instituiu a nulidade, de pleno direito, da eleição.

A outra ementa refere-se ao Acórdão n. 4020, do Rel. Ministro C. E. de Barros Barreto, de 27/09/73:

A norma do art. 224 do Código Eleitoral, de realização de novo pleito quando mais de metade dos votos hajam sido anulados, é aplicável, qualquer que tenha sido a causa da anulação.Precedentes do Tribunal Superior Eleitoral.Recurso Especial não conhecido.

36 Este e todos os julgados que seguem foram extraídos da página do TSE: INTEIRO teor de acórdãos e resoluções. Tribunal Superior Eleitoral, Brasil, 06 jun. 2012. Jurisprudência. Inteiro teor. Disponível em: <http://www.tse.jus.br/jurisprudencia/inteiro-teor>. Acesso em: 04 abr. 2013.

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77Rev. Estudos Legislativos, Porto Alegre, ano 7, n. 7, p. 61-93, 2013

Trecho de relevância do voto é:

Ora, a nulidade dos votos tanto pode ter o caráter de adquirida por força ou como conseqüência da nulidade ou anulação da votação, como pode ocorrer ab initio, por vícios materiais inerentes às cédulas ou ao seu preenchimento, ou porque dados a candidatos inelegíveis ou não registrados.

Como se verifica, tão logo passou a viger o atual Código Eleitoral, o TSE sustentava que tanto as hipóteses de nulidade previstas no artigo 175 do Código Eleitoral – pertinentes às cédulas e aos votos – quanto as dos artigos 220, 221 e 222 do diploma – nulidade e anulabilidade da votação – ensejavam a realização de nova eleição em caso de atingida mais da metade dos votos. No primeiro julgado citado, o relator até se expressou no sentido de que seria razoável distinguir as nulidades conforme seus capítulos, de modo que o artigo 224 fizesse referência somente aos artigos que imediatamente lhe antecedem. No entanto, reconhecendo que a lei assim não o fez, prevendo novo pleito relativamente à nulidade por maioria absoluta genericamente, votou nesse sentido.

Na mesma linha do relator os comentários de Paulo Lauro também na década de 70. De citar ipsis litteris37:

A nulidade de que fala o art. 224 do Código eleitoral é, evidentemente, a contida no Capítulo onde ele se encontra e se inscreve, com o título – Das nulidades de votação – no Código Eleitoral, abrangendo os artigos de números 219 a 224.No entanto, esta não é a jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral, que aplica, no caso, também os casos de nulidade dos votos – art. 175 do Código, inserido, a nosso ver, erroneamente neste Capítulo, para os fins de decretar a nulidade de eleições.

Como se pode ver pelos escritos de Paulo Lauro, esse era o 37 LAURO, Paulo. Código eleitoral: comentado por assunto e Lei de inelegibilidades:

explicada de forma prática. São Paulo: Editora Brasileira de Direito, 1975, p. 314.

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entendimento predominante à época. Segue a ementa de precedente mencionado pelo autor, julgado em 27.09.197338:

Para a nulidade da eleição, tratada no art. 224 do Código Eleitoral, concorrem não só as nulidades da votação (art. 220 a 222), quanto as do voto (art. 175).Precedentes do Tribunal Superior Eleitoral. Agravo desprovido.Protocolo n. 2.020-73.

Perpassando pela década de 80, interessante indicar trecho do voto do relator no Acórdão n. 7.160, relativo ao Mandado de Segurança n. 601, de 17 de maio de 1983:

[...] Houve, portanto, 3.806 votos nulos, isto é, 3.581 dos candidatos não registrados do PDS, mais 225 de votos nulos propriamente ditos; por outro lado, os votos válidos foram 2.852 do candidato do PMDB acrescidos dos 366 em branco – que são obviamente votos válidos – ou sejam, 3.218. Ora, se a nulidade atingiu a 3.806 e só 3.218 permaneceram válidos, é claro que mais da metade dos votos apurados foi de votos nulos (a metade de 7.024 seria 3.512, número evidentemente inferior a 3.806). [...]39

E assim manteve-se o Tribunal Superior Eleitoral, com julgamentos em prol de considerar tanto as nulidades da votação quanto às do voto como passíveis de convocação de novas eleições. Segue ementa de acórdão prolatado no Recurso Especial n. 10.989, de relatoria do Min. Sepúlveda Pertence e publicado no DJ de 13.05.1993:

Recurso especial. Eleições majoritárias. Nulidade.Alegação de inconstitucionalidade superveniente do art. 224 do Código Eleitoral e do art. 58, § 1º, da Resolução TSE nº 18.335/92, por força dos arts. 77 e

38 Lauro ainda refere que seria impossível o cumprimento do § 2º do artigo 224, que fala da punição dos culpados por parte do Ministério Público, já que se trataria também de punir o eleitorado. Ibidem, pp. 289 e 290.

39 Consoante já visto no capítulo anterior, os votos em branco ainda eram tidos por válidos.

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§ §, 32 e § § e 29 da Constituição Federal.É firme a jurisprudência desta Corte no sentido de que, para a incidência do art. 224, não importa a causa da nulidade dos votos (Acórdão nº 5.464, CE, Barros Barreto, BE 268/1.309) e, especificamente, de que, para o mesmo efeito, consideram-se nulos, a teor do art. 175, § 3º, CE, “os votos dados a candidatos inelegíveis ou não registrados”.Impertinência da invocação, in casu, do art. 175, § 4º, porquanto aplicável exclusivamente às eleições proporcionais.Na hipótese de renovação de eleições, todo o processo eleitoral há de reabrir-se desde a escolha de candidatos em convenção (Resolução TSE nº 9.391/72).Recurso não conhecido. (grifo em negrito)

Por fim, segue parte de acórdão mais recente a corroborar a predominância de tal linha de raciocínio, o prolatado pelo nos autos do mandado de segurança n. 3.113, publicado em 27.06.2003:

[...] Na matéria de fundo, o entendimento desta Corte pode ser resumido assim:[...]c) se a nulidade dos votos atingir mais da metade da votação - seja pela nulificação das cédulas, seja pela votação em candidatos inelegíveis ou sem registro, situação que o Código Eleitoral não distingue procede-se a nova eleição, conforme determina o art. 224 daquele Código. [...]

E assim foi até meados da década passada. Prevaleciam os julgamentos do TSE no sentido de que nulidade de qualquer espécie, alcançada a maioria absoluta dos votos, ensejaria a renovação das eleições.

3.2. Entendimento Atual

De acordo com a assessoria do tribunal, cria-se uma confusão em torno da interpretação do artigo 224 Código Eleitoral (Lei 4.737/65). Essa interpretação teria levado, ainda segundo o TSE, diversos setores da opinião publica a crer que as eleições poderiam ser anuladas caso o número de votos nulos ultrapasse

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os 50%. No entanto, o artigo faz referência aos votos anulados pela Justiça Eleitoral em decorrência de ilícitos, como falsidade, fraude, coação ou compra de votos. O dispositivo não faz referência aos votos anulados pelo eleitor, por vontade própria ou por erro. [...]A nota do TSE traz a seguinte interpretação do artigo: “Como os votos nulos (dos eleitores) são diferentes dos votos anulados (pela Justiça Eleitoral), as duas categorias não podem ser somadas, e, portanto, uma eleição só será invalidada se tiver mais de 50% de votos anulados somente pela Justiça Eleitoral”. (grifou-se)

O excerto acima é da publicação Revista Última Instância, veiculada em 08.09.200640, logo após o julgamento do Recurso Especial n. 25.937/BA, de relatoria do Min. José Augusto Delgado, de 17.08.2006, com publicação no D.J. em 01.11.2006. Segue trecho relevante da ementa:

[...] 3. Votos nulos não se confundem com votos anuláveis. Estes são reconhecidos a priori como válidos, mas dados a candidato que praticou captação ilícita ou abuso do poder político e econômico durante o processo eleitoral. 4. A jurisprudência deste Tribunal consagrou como válidos, mas suscetíveis de anulação posterior, decorrente da aplicação do art. 41-A da Lei nº 9.504/97, os votos obtidos por candidato infrator, por refletirem uma vontade orientada à escolha de um mandatário político. Não se somam a estes, para fins de novas eleições, os votos nulos decorrentes de manifestação apolítica do eleitor, no momento do escrutínio, seja ela deliberada ou decorrente de erro. Precedentes: AgRg no MS nº 3387 /RS, Rel. Min. Humberto Gomes de Barros, DJ d e 17.2.2006; REspe nº 19.845/GO, Rel. Min. Carlos Velloso, DJ de 1 9.9.2003; REspe nº 19.759/ PR, Re l. Min. Carlos Madeira, DJ de 14.2.2003. 5. Anulados menos de 50% dos votos válidos, impõe-se a posse do candidato segundo

40 REDAÇÃO, da. Maioria de votos nulos de eleitores não anulará eleições. Última Instância. 08 set. 2006. Disponível em: <http://ultimainstancia.uol.com.br/conteudo/noticias/22409/maioria+de+votos+nulos+de +eleitores+nao+anulara+eleicoes.shtml>. Acesso em: 18 mar. 2013.

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colocado, e não a aplicação do comando posto no art. 224 do Código Eleitoral. 6. Recurso especial eleitoral parcialmente conhecido e não provido. (grifo nosso)

Consoante se vislumbra, o Tribunal Superior Eleitoral vem sustentando que apenas os casos de votações anuláveis invocariam a aplicação do artigo 224 do Código, excluindo-se os votos nulos por constituírem manifestação apolítica do eleitor, seja deliberada ou decorrente de erro. O fundamento básico é o artigo em questão constar no capítulo que trata das nulidades da votação, e não do voto. Tal entendimento tem início mais precisamente a partir de 2006. Através da pesquisa executada para a elaboração do presente, encontrou-se como primeira ementa expressa nesse sentido a colacionada supra. Antes disso, já havia manifestações no Tribunal nesse diapasão, mas de forma isolada, que veio ganhando força. Destacar o Ministro Marco Aurélio Mello, que sempre compartilhou de tal posição. Tanto que foi voto vencido de forma isolada lá no Acórdão prolatado no Recurso Especial n. 10.989, precedente dos anos 90, citado no subcapítulo antecedente. Marco Aurélio participou de entrevistas justificando o entendimento, como a concedidas à Folha de São Paulo em 06 de setembro de 200641, indicada na introdução deste capítulo.

Segue trecho do publicado por tal mídia:

O fato é que a “nulidade” à qual se refere esse artigo 224 do Código Eleitoral é aquela decorrente de fraude, de algum ilícito ou de acidente durante o processo eleitoral. Por exemplo, quando alguém usa documento falso para votar em nome de terceiro, ou quando as urnas se extraviam ou são furtadas. Isso fica claro no parágrafo 2º desse artigo, que determina ao Ministério Público promover “imediatamente a punição dos culpados”.“Quem vota nulo por vontade ou por erro não é culpado de nada nem pode ser punido, até porque

41 RODRIGUES, Fernando. Voto nulo não invalida eleição, diz Marco Aurélio. Folha Online. 06 set. 2006. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/folha/brasil/ult96u82610.shtml>. Acesso em: 1 abr. 2013.

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o voto é dado de maneira secreta”, diz Marco Aurélio.Para reforçar seu entendimento, ele cita os artigos anteriores ao 224, que tratam também da nulidade dos votos. O artigo 220 diz que existe a anulação se a votação foi “perante mesa não nomeada pelo juiz eleitoral”, “em folhas de votação falsas”, realizada “em dia, hora, ou local diferentes do designado ou encerrada antes das 17 horas” ou “quando preterida formalidade essencial do sigilo dos sufrágios”. Ou seja, nada que esteja relacionado ao voto nulo dado pelo eleitor. O artigo 222 é claro sobre as possibilidades de anulação: “É também anulável a votação, quando viciada de falsidade, fraude, coação (...) ou emprego de processo de propaganda ou captação de sufrágios vedado por lei”. (grifou-se)

Veja-se que outro argumento citado pelo Ministro é a previsão de punição dos culpados pela nulidade por parte do Ministério Público. Refere que é mais uma prova, além da colocação em capítulo próprio, de que o artigo 224 não pertine aos votos nulos, mas às eleições nulas, já que o eleitor não poderia ser castigado por cometer um erro e desejar votar de determinada forma.

De firmar a constitucionalidade do artigo no qual se centra a discussão. Muito já se difundiu que o art. 224 do C.E.42 seria inconstitucional por afrontar o art. 77, § 2º, de nossa Constituição Federal43. O próprio Marco Aurélio, que é Ministro do Supremo Tribunal Federal desde 1990 (e hoje Vice-presidente do TSE44), era um dos que levantava tal ideia. Mas restou assentado há tempos o entendimento pela constitucionalidade através do julgamento do Recurso Ordinário em Mandado de Segurança n. 23.234-

42 Art. 224. Se a nulidade atingir a mais de metade dos votos do país nas eleições presidenciais, do Estado nas eleições federais e estaduais ou do município nas eleições municipais, julgar-se-ão prejudicadas as demais votações e o Tribunal marcará dia para nova eleição dentro do prazo de 20 (vinte) a 40 (quarenta) dias.

43 Art. 77. (...) § 2º - Será considerado eleito Presidente o candidato que, registrado por partido político,

obtiver a maioria absoluta de votos, não computados os em branco e os nulos.44 Fonte: MINISTROS – Composição do Tribunal. Tribunal Superior Eleitoral, Brasil, 05

abr. 2013. Institucional. Ministros. Disponível em: <http://www.tse.jus.br/institucional/ministros>. Acesso em: 05 abr. 2013.

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8, julgado pelo STF em 02.10.1998 (publicação no D.J. em 20.11.98) 45. Para esclarecimento, basta a leitura da ementa, que muito bem sintetiza os fundamentos para a decisão:

Eleições majoritárias: nulidades: maioria de votos nulos, como tais entendidos os dados a candidatos cujo registro fora indeferido: incidência do art. 224 C. El., recebido pela Constituição.O art. 77, § 2º, da Constituição Federal, ao definir a maioria absoluta, trata de estabelecer critério para a proclamação do eleito, no primeiro turno das eleições majoritárias a ela sujeitas; mas, é óbvio, não se cogita de proclamação de resultado eleitoral antes de verificada a validade das eleições; e sobre a validade da eleição – pressuposto da proclamação do seu resultado, é que versa o art. 224 do Código Eleitoral, ao reclamar, sob pena da renovação do pleito, que a maioria absoluta dos votos não seja de votos nulos; as duas normas – de cuja compatibilidade se questiona – regem, pois, dois momentos lógica e juridicamente inconfundíveis da aplicação do processo eleitoral; ora, pressuposto do conflito material de normas é a identidade ou a superposição, ainda que parcial do seu objeto normativo: preceitos que regem matérias diversas não entram em conflito. (grifou-se)

Para finalizar este tópico, cabe colacionar mais um julgado do TSE a corroborar a predominância da interpretação restritiva do artigo 224 do C.E. Segue a ementa prolatada no acórdão do Agravo Regimental no Recurso Especial n. 35.888/AM, Relator Min. Marcelo Henrique Ribeiro de Oliveira, publicada no Diário da Justiça em 15.12.10:

AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. PREFEITO ITINERANTE. IMPOSSIBILIDADE. PRINCÍPIO REPUBLICANO. NULIDADE.

45 Esse é o único julgado extraído da página do STF, sendo todos os outros da do TSE: BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso ordinário em mandado de segurança 23.234-8. Recorrente: Lino Marinho. Recorrido: Tribunal Regional Eleitoral do Amazonas. Relator: Min. Sepúlveda Pertence. Brasília, 20 nov. 1998. Disponível em: <http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=115963>. Acesso em: 01 abr. 2013.

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VOTOS. ART. 224, CE. DIFERENÇA. VOTOS NULOS. ART. 77, § 2º, CF. DESPROVIMENTO.1. Somente é possível eleger-se para o cargo de “prefeito municipal” por duas vezes consecutivas, permitindo-se, após, tão somente, a candidatura a “outro cargo”, respeitado o prazo de desincompatibilização de seis meses.2. A nulidade dos votos dados a candidato inelegível não se confunde com os votos nulos decorrentes de manifestação apolítica do eleitor, a que se refere o art. 77, § 2º, da CF, e nem a eles se somam, para fins de novas eleições (art. 224, CE).3. Agravo regimental a que se nega provimento.Decisão:O Tribunal, por maioria, desproveu o agravo regimental de Jucimar de Oliveira Veloso, nos termos do voto do Relator. Vencido o Ministro Marco Aurélio. (grifo nosso)

Veja-se que as mudanças de entendimento acerca do tema foram significativas. No primeiro momento, toda e qualquer nulidade ou anulabilidade que ultrapassasse a metade dos votos acarretava a marcação de novas eleições. No segundo, que é o dos dias de hoje, o Tribunal Superior Eleitoral prega que apenas as votações nulificadas possuem tal condão. Mas quais as consequências acarretadas ao nosso regime democrático?

4 O REFLEXO DO VOTO NULO SOBRE A DEMOCRACIA REPRESENTATIVA

De iniciar o capítulo derradeiro citando pergunta feita ao Min. Marco Aurélio em entrevista no programa Roda Viva, veiculado em 28 de agosto de 2006 do Canal Cultura: “Por que a democracia brasileira não dá a possibilidade da escolha de não votar”? Tal questionamento, como pode ser averiguado pelo respectivo vídeo46, foi elaborado por um ouvinte do programa tendo em vista a ausência da tecla “NULO” na urna

46 TSE admite anulação da eleição. 2006. Youtube. Online. Disponível em: <http://www.youtube.com/watch?feature=player_embedded&v=aJugkp5W2D4>. Acesso em: 19 mar. 2013.

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eletrônica. Porém tem cabimento também no tocante às consequências do entendimento atual do TSE, que desconsidera os votos nulos por vontade do eleitor para fins de marcação de novas eleições, excluindo-os da nulidade constante no art. 224 do Código Eleitoral.

Ao interpretar desse modo, o Tribunal Superior Eleitoral acaba igualando os efeitos do voto nulo aos do voto em branco, em posição contrária ao previsto legislativa e doutrinariamente. Enquanto manifestação apolítica do eleitor, o voto nulo é o que revela sua vontade de não escolher qualquer dos postulantes ao cargo eletivo, porque discorda da sistemática do processo eleitoral ou porque não se agradou das candidaturas postas. Trata-se assim de exercício do direito de liberdade de expressão, sendo o voto de quem fala. O voto em branco é aquele no qual o eleitor prefere não se manifestar, sem expressar qualquer tipo de repulsa. É o voto de quem cala ou mesmo a ausência de voto, considerado presente apenas para fins de cumprimento de sua obrigatoriedade em nosso sistema; ao passo que o nulo é um voto positivo, e condenatório no caso de protesto.

Relembrados tais conceitos primordiais e levadas em conta as explicações pretéritas, cabível explanar como é feita a contagem dos votos mediante as técnicas de escrutínio. Como disposto no art. 77, § 2º de nossa Constituição Federal, os votos em branco e nulos não são votos válidos: “Será considerado eleito Presidente o candidato que, registrado por partido político, obtiver a maioria absoluta de votos, não computados os em branco e os nulos”. Dessa feita, caso 60% dos eleitores votem em branco, restando 40% de votos válidos, tais eleitores formais, que optaram por não se manifestar, acabam tornando mais fácil a vitória em primeiro turno para o mais votado no sistema majoritário, já que este precisará apenas de 20% mais um do total de votos para ser eleito, sendo relativizada a maioria absoluta.

Veja-se que tal apontamento é de extrema relevância, considerando-se os mesmos percentuais quanto aos votos nulos. Nesse caso, consoante os entendimentos da doutrina e os vigentes no TSE até meados da década

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passada, seriam prejudicados os demais votos, marcando o Tribunal dia para nova eleição. Com a mudança de interpretação para restringir a aplicação do artigo 224 às votações nulificadas, sem considerar os votos nulos por força do eleitor, este acaba por perder, na prática, seu direito de protesto, advindo daí os mesmos resultados relativos ao voto em branco: facilitar o mais votado a se eleger em um único turno.

Mediante tal julgamento, no sistema proporcional, as consequências entre os dois tipos de voto também se equivalem, inexistindo a hipótese de renovação do pleito em caso de maioria de votos nulos, mas apenas de auxílio indireto a alguma legenda quanto à eleição de deputados e vereadores. Isso porque o quociente partidário, que é o número de cadeiras por partido num órgão legislativo é inversamente proporcional ao eleitoral, que diminui com a minoração dos votos válidos.

Ao igualar os reais efeitos do voto nulo ao em branco, o TSE interfere em sua aplicabilidade no tocante ao regime democrático, para o qual o voto nulo possui grande papel. Tomado um eleitor consciente da distinção entre o voto de quem fala e o de quem cala e que, no dia das eleições dirige-se até a seção eleitoral para nulificar o seu voto propositalmente, não pode ser ignorado o seu desejo de não contribuir com qualquer candidato ou partido. Agir de tal maneira fere o direito de liberdade de expressão inerente ao voto nulo apolítico por força do Estado Democrático de Direito, já que o direito de manifesto acaba ficando só no papel, sem que, de fato, os anseios do desgosto provoquem os resultados almejados. De pincelar breves linhas a respeito da democracia e sua forma representativa47 para que restem mais

47 Há a modalidade direta – dos antigos –, em que o próprio povo vota toda e qualquer norma, exercendo por si as funções do poder político do Estado ao tomar as decisões sem intermédio de ninguém; e indireta – moderna –, na qual o povo, através de cada cidadão, elege outros cidadãos para representá-los, ocupando órgãos para exercer as funções do poder político. É a forma adotada no Brasil, conhecida como democracia representativa. A modalidade participativa deriva desta, com o diferencial da participação popular direta e pessoal (por cada cidadão) na formação e fiscalização dos atos praticados pelo governo (poderes Legislativo, Judiciário e Executivo, Ministério Público e Tribunal de Contas). Vide SANSEVERINO, Francisco de Assis Vieira. Compra de votos: análise à luz dos princípios democráticos. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2007, pp. 78-82.

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claras as afirmações supra. É o regime de governo legitimado pelo povo48, sendo os governantes escolhidos pelos governados49 com vistas aos desejos da maioria, por meio dos ideais de liberdade e igualdade50.

Segundo Canotilho, é o princípio da organização da titularidade e exercício do poder51, com pilar em regras de alcance geral, expressando a vontade da comunidade, quanto a quem governará (titularidade) e de que modo (exercício)52. É o sistema político no qual o povo é governado por si próprio, e não por um regime ditatorial ou uma monarquia absolutista53. Baseia-se na soberania popular54. Segundo Carlos Velloso, para a constituição deste princípio, é essencial o respeito a outros três: da igualdade – para que todos possam influenciar nas decisões políticas com a mesma força; da liberdade – para que os cidadãos possam escolher como bem entenderem; e da dignidade da pessoa humana – para que sejam respeitados os valores inerentes às pessoas55.

Para os fins dessa explanação, merece atenção o princípio da liberdade. Este resta elencado dentre nossos direitos fundamentais, sendo imprescindível para o nosso Estado tal como constituído. De citar reflexos seus em prol da democracia, constantes do art. 5º de nossa Constituição: manifestação do pensamento; liberdade de consciência e de crença; de expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença; de acesso à informação resguardado o sigilo da fonte; de reunião e de associação. Partindo-se para

48 VELLOSO, Carlos Mario da Silva. Elementos de direito eleitoral. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 04.49 DUVERGER apud DAMACENA, Alexandre Bento. Técnicas de escrutínio. In:

LEMBO, Cláudio (Coord); Caggiano, Monica Herman S (Org.). O voto nas Américas. São Paulo: Minha Editora, 2008, p. 02.

50 ROUSSEAU apud GODOY, Miguel Gualano de. Constitucionalismo e democracia: uma leitura a partir de Carlos Santiag Nino e Roberto Gargarella. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 36.

51 CANOTILHO apud MADEIRA, Vinicius de Carvalho. República, democracia e reeleições: o princípio da renovação. Porto Alegre: Sergio Antônio Fabris Editor, 2013, p. 30.

52 MADEIRA, loc. cit.53 Ibidem, p. 29.54 GODOY, op. cit., p. 3755 VELLOSO, op. cit., p. 05.

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uma maior especificação de gizar que “a questão da proteção da liberdade do voto envolve exatamente a possibilidade de escolha livre e consciente a ser feita pelo eleitor, bem como a sua manifestação de vontade no dia da eleição...” 56. Cabe chamar a atenção para o direito de oposição no plano da liberdade, enquanto grande expoente desta no âmbito da expressão. Ele é inerente à democracia e decorre da soberania popular, possibilitando aos indivíduos de uma comunidade criticar o governo sem temer a opressão. “A mesma legitimidade que impõe a alguém, que esteja fora do poder, respeitar as ordens das autoridades constituídas credencia-lhe a oferecer críticas, mostrar a vulnerabilidade do governo...” 57.

Como dito por Djalma Pinto, não há dor pior para um povo suportar que a do “... amordaçamento, a falta de liberdade de expressão, a consciência de que a prerrogativa de criticar existe apenas na própria mente do cidadão, sem possibilidade de exteriorizar cada um...” 58. Essa oposição pode ser encarada em relação à política como um todo, interessando-nos a que vem por meio do voto. Os eleitores, descontentes com os candidatos que lhes são apresentados, quer porque sejam da base do governo, quer porque não apresentem ideias convincentes, podem desejar votar nulo para fins de não beneficiar qualquer candidato ou partido, demonstrando seu repúdio. Ao desconsiderar o TSE, na interpretação do artigo 224 do Código Eleitoral, o voto nulo fruto de manifestação apolítica do eleitor, estamos diante da aplicabilidade da frase retro, eis que, apesar de não haver censura, o povo perde instrumento de liberdade de expressão, sendo tolhido quanto a vislumbrar os resultados de seu manifesto.

Verifique-se assim que o princípio da democracia é confrontado ao vigorar tal entendimento de nosso Tribunal. Ao possuir o voto nulo as mesmas consequências práticas do voto em branco, ao invés de protestar,

56 SANSEVERINO, Francisco de Assis Vieira. Compra de votos: análise à luz dos princípios democráticos. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2007, pp. 95-97.

57 PINTO, Djalma. Direito eleitoral: improbidade administrativa e responsabilidade fiscal – noções gerais. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2006, p. 136.

58 Ibidem, p. 138.

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desejo do eleitor, acaba este ajudando alguns candidatos ou partidos, deixando de manifestar-se apoliticamente. E a liberdade de expressão, assegurada constitucionalmente e pressuposto essencial para a concretização da democracia, finda por tornar-se vazia, de modo que o voto como instrumento de protesto não possui o condão de alcançar o efeito almejado.

De citar o exemplo dos municípios de Bom Jesus do Itabapoana, no estado do Rio de Janeiro, nas eleições de 2008: “Em Bom Jesus, foram considerados nulos os votos dos candidatos Paulo Sérgio Cyrillo e Branca. João José Pimentel (PTB), com votos de apenas 1.492 dos mais de 23 mil eleitores do município, ganhou o primeiro turno” 59. Veja-se que com menos de 7% do total de votos do município um candidato venceu o primeiro turno. Isso é democracia? Com certeza não, pois não foi o desejo da maioria. O mesmo pode ocorrer em âmbitos estadual e nacional, sendo estrondosas as consequências para o nosso regime de governo60.

5 CONCLUSÃO

Diante de todo o discorrido, conclui-se respondendo as questões constantes da parte introdutória do presente. Quais as consequências do voto nulo? Como vislumbramos, nos dias de hoje, votar nulo, seja por erro ou para fins de protesto, possui como efeito prático, aplicadas as técnicas de escrutínio, apenas o de facilitar a vitória do mais votado no sistema majoritário ou de aumentar o número de cadeiras de uma legenda no sistema proporcional. E o povo tem consciência do real significado de tal opção eleitoral? Com certeza não, pois, em sua maioria, vota nulo para

59 BALBI, Aloysio. Rio: Bom Jesus do Itabapoana e Pádua terão nova eleição. O Globo. 25 out. 2008. Disponível em: <http://oglobo.globo.com/eleicoes-2008/rio-bom-jesus-do-itabapoana-padua-terao-nova-eleicao-5005003#ixzz2G0F33Cof> . Acesso em: 04 abr. 2013.

60 Conforme afirmado por Rogério Schmitt, doutor em ciência política: “se todos os eleitores menos um anularem o voto, o candidato que esse um válido votou vai estar eleito. Em tese, se isso acontecesse, a eleição seria considerada legal. Talvez não fosse considerada legítima, mas legal ela seria.” Vide JANKAUSKAS, Marina. Voto nulo não cancela eleição. Jornal do Campus. 21 set. 2010. Disponível em: <http://www.jornaldocampus.usp.br/index.php/2010/09/voto-nulo-nao-cancela-eleicao/>. Acesso em: 05 abr. 2013.

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fins de protesto. Há os que julgam saber o que estão fazendo por condenar apenas o voto em branco, sem, contudo, perceber que atualmente o voto nulo apresenta os mesmos resultados deste. Caso mais de cinquenta por cento dos eleitores nulifique sua opção eleitoral nas urnas, haverá novas eleições? De fato, tal manifestação de protesto provocará os resultados almejados? Conforme verificamos, a resposta para essas duas perguntas é um nítido não. Quais as consequências do voto nulo quanto à validade do pleito? Em se tratando de manifestação apolítica, nenhuma, porquanto, segundo entende o TSE, havendo apenas um voto válido, este possui o condão de eleger o candidato em questão. Há diferença entre votar branco e votar nulo? Original e conceitualmente sim, porém acerca dos efeitos práticos em nosso sistema eleitoral vigente, não.

Qual o reflexo do voto nulo sobre a democracia representativa? Apesar de gritarem o descontentamento dos eleitores, mesmo que atinjam a maioria, os votos nulos tais como compreendidos por nosso Tribunal eleitoral, não possuem força para anular a eleição, de modo que não respeitam nosso sistema de governo, ofendendo os seus princípios.

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