Os projetos de vida da juventude do perímetro Curu-Paraipaba

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1 VIRZÂNGELA PAULA SANDY MENDES OS PROJETOS DE VIDA DA JUVENTUDE DO PERÍMETRO CURU-PARAIPABA: entre o sonho e a realidade Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado Acadêmico em políticas Públicas e Sociedade do Centro de Estudos Sociais Aplicados da Universidade Estadual do Ceará como requisito parcial para a obtenção do grau de Mestre em Políticas Públicas e Sociedade. Área de concentração: Políticas Públicas Orientador: Profº Dr. Francisco Josênio Camelo Parente FORTALEZA CEARÁ 2011

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VIRZÂNGELA PAULA SANDY MENDES

OS PROJETOS DE VIDA DA JUVENTUDE DO

PERÍMETRO CURU-PARAIPABA: entre o sonho e a

realidade

Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado Acadêmico

em políticas Públicas e Sociedade do Centro de Estudos

Sociais Aplicados da Universidade Estadual do Ceará como

requisito parcial para a obtenção do grau de Mestre em

Políticas Públicas e Sociedade.

Área de concentração: Políticas Públicas

Orientador: Profº Dr. Francisco Josênio Camelo Parente

FORTALEZA – CEARÁ

2011

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M538p Mendes, Virzângela Paula Sandy

OS PROJETOS DE VIDA DA JUVENTUDE DO

PERÍMETRO CURU-PARAIPABA: entre o sonho e a

realidade. – Fortaleza, 2011

174 p

Orientador: Profº Dr. Fco. Josênio Camelo Parente

Dissertação (Mestrado Acadêmico em Políticas

Públicas e Sociedade) – Universidade Estadual do

Ceará.

1. Agricultura familiar e Perímetro. 2. Sucessão

hereditária. 3. Juventude e Projetos de vida. I.

Universidade Estadual do Ceará.

CDD: 320.6

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VIRZÂNGELA PAULA SANDY MENDES

OS PROJETOS DE VIDA DA JUVENTUDE DO PERÍMETRO CURU-PARAIPABA: entre

o sonho e a realidade

Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado

Acadêmico em políticas Públicas e Sociedade do

Centro de Estudos Sociais aplicados da

Universidade Estadual do Ceará como requisito

parcial para a obtenção do grau de Mestre em

Políticas Públicas e Sociedade.

Área de concentração: Políticas Públicas.

Aprovada em: 28/02/2011

BANCA EXAMINADORA:

______________________________________

Professor Dr. Francisco Josênio Camelo Parente (Orientador)

Universidade Estadual do Ceará - UECE

______________________________________

Professora Dra. Celecina de Maria Veras Sales

Universidade Federal do Ceará - UFC

______________________________________

Professor Dr. Geovani Jacó de Freitas

Universidade Estadual do Ceará - UECE

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Dedico esse trabalho a minha querida mãe guerreira Celia,

a meu pai Astolfo e aos meus irmãos Verbena e Velber.

Dedico ainda ao companheiro Cauby e às minhas três filhas

(Hanna, Lais e Laila), que são a minha razão de viver.

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AGRADECIMENTOS

Agradecer às pessoas que me acompanharam nessa travessia é um

momento especialmente emocionante. Transmite-me a sensação de que estou prestes a

realizar um sonho que até pouco mais de dois anos parecia impossível e distante.

Esse sonho começou em 2008 quando recebi a visita de uma pesquisadora

da EMBRAPA. Ela queria a minha contribuição em sua tese de doutorado. A

colaboração almejada seria tanto na qualidade de entrevistada – já que eu era a gerente

administrativa do Distrito -, como também para facilitar sua introdução no cotidiano

das famílias do Perímetro Curu-Paraipaba. Eu não pensei duas vezes e afirmei que

colaboraria desde que ela também me ajudasse a passar na seleção do mestrado. Ela

topou no mesmo instante.

Essa relação, que mais tarde se transformou numa grande amizade, foi

decisiva e me encorajou a ir à luta, a voltar a estudar e a pensar reflexivamente sobre a

complexidade do universo que me rodeava. Então, por uma questão de

reconhecimento, divido os possíveis méritos pela realização desse trabalho a irmã

Helenira que, embora estivesse atribulada para terminar sua tese sempre arranjou

tempo para me ajudar e não me deixou esmorecer nos momentos difíceis.

Agradeço aos meus pais (Celia e Astolfo), que tanto contribuíram para que

eu me tornasse quem sou e por terem vibrado a cada uma de minhas conquistas.

Aos meus dois irmãos – Verbena e Velber – pessoas queridas que me

apoiaram fraternalmente nessa trilha. Agradeço todos os incentivos.

Ao meu companheiro Cauby, agradeço a paciência de ter disputado com os

livros e o computador a minha atenção e dedicação. Sem o seu incentivo e suporte eu

não teria alcançado esse titulo.

Às minha queridas meninas, Hanna, Lais e Laila, agradeço pelo simples

fato delas existirem e estarem ao meu lado, independente da situação. Sempre tive

muito medo de falhar e deixar de ser pra elas uma referência. Então também lhes devo

o título de mestre aqui conquistado.

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Agradeço a todos os irrigantes e aos jovens que me concederam entrevistas,

participaram dos grupos focais, me receberam em suas casas e permitiram que eu

conhecesse mais profundamente suas histórias de vida, suas trajetórias e lutas. Em

especial agradeço a Citon e a João, que na condição de presidente do Distrito,

apoiaram e acreditaram na importância desse trabalho. A eles agradeço,

principalmente, o conhecimento compartilhado nas longas conversas durante as

inúmeras viagens e os longos debates que só me fizeram crescer profissionalmente.

Não posso deixar de agradecer à irmã Aninha, que foi e é o meu suporte

operacional. Agradeço a ela o cuidado com minhas filhas, sem o qual eu não teria

como me dedicar a esse estudo.

À FUNCAP, que me concedeu uma bolsa durante um ano e meio,

possibilitando a realização deste trabalho.

Sou grata ao meu orientador, professor Josênio, pelo seu incansável

empenho nessa construção teórica e reflexiva.

A todos os professores que possibilitaram meu aprofundamento teórico e,

em especial, aos professores Hermano e Rejane. Ao professor Nilson Weisheimer que

partilhou comigo sua tese de doutorado. E aos professores Gil e Celecina, que desde a

minha banca de qualificação me apresentaram tantas contribuições. Aos meus queridos

companheiros de turma. Que saudade da nossa tapioca com café!

Agradeço, antes de tudo, a Deus, pelo amparo reconfortante nos momentos

de angústia e desânimo.

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“A luta pela água é uma coisa horrorosa.

Nada mais silencioso e mais formidável.

Luta de vida e de morte, luta do homem contra a rocha.

Das energias dum coração contra as energias da natureza

inteira.

Nada é mais selvático do que cavar, sob a abrasadora

canícula da seca, uma cacimba a picareta e a pá.”

Gustavo Barroso, 1956

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RESUMO

Este estudo apresenta uma reflexão sobre os processos de sucessão, envelhecimento, êxodo

rural da agricultura familiar e as mudanças que vêm se processando ao longo dos trinta e

quatro anos de existência do Perímetro Irrigado Curu-Paraipaba – projeto implantado pelo

Departamento Nacional de Obras Contra as Secas –, enfatizando, como elemento primordial

de análise, as alterações que se verificam nos padrões sucessórios, ensejando o desinteresse da

juventude atual em suceder os pais no trabalho dos lotes agrícolas. Nessa discussão se

articulam três categorias analíticas – juventude, agricultura familiar e espaço rural – autores

como Castro, Carneiro, Bourdieu, Stropasolas, Abramovay, Weisheimer e Wanderley

elucidaram a compreensão do objeto. A metodologia utilizada foi um estudo de caso,

combinando as técnicas de questionários, grupos focais, entrevistas e observações diretas. Os

resultados apontam o envelhecimento gradual e irrevogável dos “colonos”, pois 30,0% têm

idade entre 56 e 65 anos e 38,4% estão entre 66 e 85 anos. Por outro lado, o público jovem é

significativo – quase 20% estão na faixa de 15 a 25 anos. Nesse contexto, a (des)

profissionalização dos jovens na atividade agrícola e o seu distanciamento do cotidiano do

perímetro vêm colocando em risco a reprodutibilidade das famílias na agricultura irrigada,

comprometendo, inclusive, o processo emancipatório do referido projeto. A pesquisa

demonstrou que, apesar de toda precariedade do sistema, do pouco caso do DNOCS e das

demais esferas de Governo, o perímetro sobrevive e continua sendo um dos maiores pilares da

economia local. Por outra via, embora dispersos, os desejos expressados pelos jovens

denotam que eles podem contribuir para assegurar a sustentabilidade da área irrigada, desde

que, a partir de ações coordenadas, os jovens não executem apenas atividades eminentemente

agrícolas, mas também atividades não agrícolas que os possibilite dar vazão às suas

capacidades criativa e empreendedora, ultrapassando a letargia política dos que receberam a

dádiva e partiram para a gratidão. A democracia requer nova cidadania. Percebe-se que os

jovens têm potencial para fazer suas escolhas e traçar seus próprios caminhos.

Palavras-chave: Juventude. Agricultura familiar. Espaço rural.

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ABSTRACT

When it comes to issues that are inherent to the family agriculture, some deserve special

mention: succession, aging, e rural exodus. This study presents a reflection about the changes

that are taking place in the thirty four years of the Perimetro Irrigado Curu-Paraipaba - a

project by the Deparatamento Nacional de Obras Contra a Seca - emphasizing the changes in

the patterns of succession as its primordial element, inducing a lack of interest by the current

youth in succeeding their parents in their work in the agricultural plots. By articulating three

analytical cathegories - youth, family agriculture and rural space - authors like Castro,

Carneiro, Bourdieu, Stropasolas, Abramovay, Weisheimer e Wanderley, elucidated the

comprehension of the object. The methodology was a case study, combining surveys, focal

groups, interviews, e direct observation. The results point out to the gradual aging of the

'colonos': 30..0% are between 56 and 65 years old and 38.4% between 66 and 85 years old.

Within this context the loss of professional attachment by the young from the agricultural

activity and their distancing from the daily life of the perimeter risk the capacity of families in

the irrigated agriculture to reproduce and compromise the very emancipatory process of the

project. The research has shown that, despite all the precariousness of the system, the disdain

from DNOCS and other Government instances, the perimeter survives and remains one of the

pillars of the local economy. Although dispersed, the desires expressed by the young show

that they can contribute to secure the sustainability of the irrigated area, provided that,

through coordinated actions, they not only run purely agricultural activities but they have

facilitated the coordination with activities that allow them to make use of their creative and

entrepreneurial capacities, thus overcoming the political lethargy that characterizes those who

received a gift and settled for the gratitude. Democracy requires a new citizenship. At the end,

the young may be able to make their choices and follow their own paths.

Key words: Youth. Family agriculture. Rural space

LISTA DE FIGURAS

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FIGURA 01 Mapa de Paraipaba

FIGURA 02

FIGURA 03

Mapa do perímetro

Divisa do Perímetro com a sede de Paraipaba

FIGURA 04 Reunião para tratar sobre a titulação dos lotes

FIGURA 05 lote “reloteado” para instalação de comércios

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LISTA DE GRÁFICOS

Gráfico 01 A qualidade em percentual da pressão dos lotes e quintais

Gráfico 02 % de irrigantes que receberam assistência técnica

Gráfico 03 Qualidade dos serviços prestados (Em %)

Gráfico 04 Situação dos irrigantes em relação ao crédito (Em %)

Gráfico 05 Bens materiais dos irrigantes (Em %)

Gráfico 06 Principais fontes de renda dos irrigantes (Em %)

Gráfico 07 % de irrigantes com renda não agrícola

Gráfico 08 % de irrigantes aposentados

Gráfico 09 % de esposas que contribuem com a renda familiar de acordo com fonte

Gráfico 10 Renda mensal complementar de fonte não agrícola (Em %)

Gráfico 11 Renda mensal agrícola (Em %)

Gráfico 12 Quantidade de irrigantes que querem o título (Em %)

Gráfico 13 % de irrigantes que querem o titulo

Gráfico 14 Tipo de abastecimento de água (Em %)

Gráfico 15 Tipo de tratamento de água (Em %)

Gráfico 16 Tipo de coleta de lixo (Em %)

Gráfico 17 Perfil etário das famílias irrigantes do perímetro (Em %)

Gráfico 18 Faixa etária dos jovens do ensino fundamental (Em %)

Gráfico 19 Faixa etária dos jovens do ensino médio (Em %)

Gráfico 20 % de jovens do ensino médio que tem irmãos trabalhando na agricultura

Gráfico 21 % de jovens do ensino fundamental que trabalham na agricultura irrigada

Gráfico 22 Motivos dos jovens do ens. Fundamental não trabalharem na agricultura (em

%)

Gráfico 23 Razões dos jovens do ens. Fundamental gostarem da agricultura (em %)

Gráfico 24 % dos jovens do ens. Médio que trabalharem na agricultura

Gráfico 25 % de jovens do ensino médio que gostam da agricultura

Gráfico 26 % de jovens do ensino médio que sabem trabalham na agricultura

Gráfico 27 Opinião dos jovens do ensino fundamental sobre o nível educacional mínimo

necessário para trabalhar na agricultura (em %)

Gráfico 28 Opinião dos jovens do ensino médio sobre o nível educacional mínimo

necessário para se trabalhar na agricultura (em %)

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Gráfico 29 % de jovens do ensino fundamental que exercem atividade renumerada

Gráfico 30 % de jovens no ensino fundamental que contribuem com as despesas da

família

Gráfico 31 % de jovens do ensino médio que exercem atividade para ganhar dinheiro

Gráfico 32 Motivação dos jovens para ganhar dinheiro (Em %)

Gráfico 33 % de preferência dos jovens do ensino médio para aplicação dos recursos

Gráfico 34 % de jovens do ensino fundamental que pretendem concluir o ensino médio

Gráfico 35 Razões dos jovens no ens. fundamental concluir o ensino médio

Gráfico 36 % de desejo dos jovens do ensino médio em termos de futuro profissional

Gráfico 37 Opinião dos jovens do ensino médio sobre qual será o seu futuro profissional

(Em %)

Gráfico 38 % de jovens que pretende continuar morando no projeto quando terminar os

estudos

Gráfico 39 O que os jovens do ensino fundam. vêem de mais importante no perímetro

(Em %)

Gráfico 40 O que os pais/avós falam do perímetro aos jovens do ens. fundamental (Em

%)

Gráfico 41 % de jovens que conhecem o Distrito

Gráfico 42 % de jovens que conhecem o DNOCS

Gráfico 43 % de jovens do ens médio que concordam com a divisão do lote

Gráfico 44 Opinião dos jovens do ens médio sobre critérios para a sucessão do lote (Em

%)

Gráfico 45 Opinião dos jovens do ens médio sobre a melhor forma de compensação (Em

%)

Gráfico 46 Opinião sobre o momento de se processar a divisão do lote (Em %)

Gráfico 47 Maiores problemas da juventude segundo jovens do ens fundamental (Em %)

Gráfico 47 Opinião dos jovens do ens médio sobre o tipo de ação governamental que

incentivaria a permanência dos jovens (Em %)

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LISTA DE QUADROS

QUADRO 01 Atividades que os jovens exercem para ganhar dinheiro

QUADRO 02 Qual o seu desejo em termos de futuro profissional?

QUADRO 03 Qual será o seu futuro profissional?

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

ABID Associação Brasileira de Irrigação e Drenagem

AGROVALE Companhia Agroindustrial Vale do Curu

ANA Agência Nacional de Águas

ADICP Associação do Distrito de Irrigação Curu-Paraipaba

ATER Assistência técnica e extensão rural

BID Banco Interamericano de Desenvolvimento

BNB Banco do Nordeste do Brasil

CIVAC Cooperativa dos Irrigantes do Vale do Curu Ltda.

COCIVAC Cooperativa Central dos Irrigantes do Vale do Curu Ltda

COAPROL Cooperativa Agropecuária dos Produtores Rurais do Setor “B” Ltda

COPROSEL Cooperativa dos Produtores Rurais do Setor “D” Ltda

COAPI Cooperativa Agropecuária dos Produtores do PICP do Setor E” “Ltda.

CESA Centro de Estudos Sociais Aplicados

CETREDE Centro de Treinamento e Desenvolvimento

CHESF Companhia Hidroelétrica do Rio São Francisco

CODEVASF Companhia de Desenvolvimento do Vale do São Francisco

COGERH Companhia de Gestão dos Recursos Hídricos do Ceará

CVSF Comissão do Vale do São Francisco

DDH Departamento de Desenvolvimento Hidroagrícola

DIRGA Diretoria de Irrigação

DNOCS Departamento Nacional de Obras Contra as Secas

ETENE Escritório Técnico de Estudos Econômicos

FAO Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação

FIDA International Fund for Agricultural Development

FNE Fundo Constitucional de Financiamento do Nordeste

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FMI Fundo Monetário Internacional

GEIDA Grupo Executivo de Irrigação e Desenvolvimento Agrário

GEVJ Grupo de Estudos do Vale do Jaguaribe

GISF Grupo de Irrigação do São Francisco

GTDN Grupo de Trabalho para o Desenvolvimento do Nordeste

IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

IFOCS Inspetoria Federal de Obras Contra as Secas

IICA Instituto Interamericano de Cooperação para a Agricultura

IOCS Inspetoria de Obras Contra as Secas

IPECE Instituto de Pesquisa e Estratégia Econômica do Ceará

MI Ministério da Integração Nacional

PIN Programa de Integração Nacional

PNI Plano Nacional de Irrigação

PNUD Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento

PPI Programa Plurianual de Irrigação

PROEMA Programa de Emancipação dos Perímetros Públicos de Irrigação

PROFIR Programa de Financiamento para Equipamentos de Irrigação

PROINE Programa de Irrigação do Nordeste

PRONI Programa Nacional de Irrigação

PRONID Programa Nacional de Irrigação e Drenagem

PROVÁRZEAS Programa Nacional para o Aproveitamento Racional de Várzeas Irrigáveis

SEAGRI Secretaria da Agricultura Irrigada e Pecuária do Estado do Ceará

SUDENE Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste

SUVALE Superintendência do Vale do São Francisco

UECE Universidade Estadual do Ceará

UFC Universidade Federal do Ceará

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ...................................................................................................... 17

O Perímetro: caracterização geográfica .......................................................... 19

Caminhos que levaram à formulação do objeto .............................................. 22

Discutindo sobre duas categorias balizadoras ................................................. 28

Juventude como categoria central de análise .................................................. 32

Capítulo 01 – De agricultor a colono: uma trajetória de conflitos e esperanças ... 34

1.1. A área de Paraipaba como palco do “desenvolvimento” .......................... 35

1.2. A chegada ao perímetro ........................................................................... 39

1.3. A atuação do DNOCS ............................................................................. 42

1.4. A Modernização do Nordeste e o Perímetro Curu-Paraipaba .................. 49

1.5. A Política de Irrigação e a trajetória de consolidação do Perímetro .......... 53

1.6. A criação do Distrito: uma nova tentativa para emancipar o perímetro..... 65

Capítulo 02 – Rupturas no processo de sucessão hereditária: impasses e desafios .... 81

2.1. Condicionantes que interferem a sucessão hereditária no Perímetro ......... 81

2.2. Assistência técnica e acesso ao crédito .................................................... 85

2.3. Aspectos sócio-econômicos relevantes .................................................... 91

2.4. Regularização fundiária: a sucessão em uma área de posseiros ................ 96

2.5. Infra-estrutura social ............................................................................. 102

2.6. Os dilemas da sucessão hereditária e a agricultura familiar .................... 107

Capítulo 03 – Os projetos de vida da juventude: entre o sonho e a realidade .......... 117

3.1. Conceituando a categoria juventude ...................................................... 118

3.2. Percepções sobre a agricultura ............................................................... 121

3.3. Inserção no mercado de trabalho ........................................................... 130

3.4. Percepções dos jovens sobre o seu futuro profissional ........................... 135

3.5. Versões e opiniões sobre o perímetro e suas organizações ..................... 142

3.6. Versões e opiniões sobre a sucessão da agricultura familiar ................... 147

3.7. Percepções da juventude sobre si e sobre seus problemas ...................... 152

Considerações Finais............................................................................................. 156

BIBLIOGRAFIA CONSULTADA ....................................................................... 163

ANEXOS .............................................................................................................. 169

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INTRODUÇÃO

Chegamos ao Perímetro Irrigado Curu-Paraipaba no dia 29 de janeiro de 2001,

compondo uma equipe de assistência técnica, da qual também faziam parte dois técnicos

agrícolas e um engenheiro agrônomo. Essa equipe resultou de um convênio entre o DNOCS1

e o Distrito,2 tendo como objetivo principal conferir ao segundo a responsabilidade por

administrar, operar e manter a infraestrutura de irrigação de uso comum do citado projeto de

irrigação.

Quando participamos do processo seletivo para a contratação dessas equipes de

ATER, dissemos que queríamos ir para o Curu-Paraipaba, não por conhecermos as pessoas ou

a região, mas simplesmente por ser mais perto de Fortaleza, local onde ficaria nossa família.

Na ocasião, os técnicos do DNOCS se admiraram por essa escolha, uma vez que aquele era

um lugar de muitos conflitos, o que só viríamos a perceber mais tarde.

Carregávamos muitas expectativas, dúvidas e também insegurança. Conhecíamos

nossas limitações técnicas e a versão dos técnicos do DNOCS sobre a realidade do perímetro,

de certa forma, nos inquietava.

Nesse contexto, ao pisarmos pela primeira vez no perímetro,3 não

dimensionávamos toda a complexidade daquele universo. Embora possa parecer

superficial, o que mais nos chamou atenção naquele momento foi a imensidão dos

coqueirais e a água da irrigação que parecia escorregar farta pelos canais, até chegar

nos aspersores4 das unidades parcelares/lotes agrícolas. Isto nos era totalmente novo.

Gradativamente a imersão nesse universo permitiu-nos transpor as primeiras

visões imediatas, indo para além dos imensos coqueirais, passando a perceber que

eram de fato as pessoas quem davam vida àquele espaço rural. No decorrer de nossa

trajetória – como técnica assistente social e posteriormente pesquisadora – pudemos

apreender um pouco mais sobre essas famílias e os desafios advindos da agricultura

moderna praticada num projeto de colonização implantado, na década de 19, pelo

DNOCS.

Ao adentrarmos nessa complexa realidade – feita de acertos e desacertos

coordenados pela intervenção estatal – a ausência da juventude durante as reuniões,

1 Órgão centenário, de grande relevância técnica na área de construção de açudes e barragens, que esconde em

seu bojo uma história marcada pelo paternalismo e práticas tecnicistas. 2 Trata-se da Associação do Distrito de irrigação Curu-Paraipaba, entidade criada pelo DNOCS para administrar

o Perímetro através de convênio celebrado com o mesmo órgão. 3 Projeto público de irrigação. Local/comunidade onde moram as famílias assentadas. 4 É um método de sistema de irrigação onde a água é lançada ao solo de forma semelhante à chuva, ou seja,

distribuída de modo uniforme.

Page 18: Os projetos de vida da juventude do perímetro Curu-Paraipaba

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assembleias e outros eventos nos instigou a investigar sobre esses sujeitos

aparentemente invisíveis, buscando compreender quais as causas que estão

promovendo rupturas no processo de sucessão hereditária da agricultura familiar no

âmbito do perímetro analisado.

Os resultados deste estudo – antes de discorrer sobre dados numéricos ou

estatísticos – versa sobre sonhos, lutas, conflitos e esperanças. Assim, desvendar um

pouco mais esse universo é o grande desafio deste trabalho.

Nessa perspectiva, com o intento de sistematizar o arcabouço teórico da pesquisa

em questão, bem como apresentar a análise dos dados empíricos coletados e sistematizados ao

longo de nossa caminhada, nessa introdução procuramos mergulhar na delimitação do

objeto de análise, buscando responder sobre os anseios iniciais que impulsionaram a

pesquisa, detalhando melhor sobre a nossa caminhada, bem como sobre os pressupostos

metodológicos de orientação, a justificativa, os objetivos, as categorias analíticas utilizadas e

todas as dúvidas e perguntas que possibilitaram a organização dessa longa caminhada de

pesquisa.

No primeiro capítulo, intitulado “DE AGRICULTOR A COLONO: UMA

TRAJETÓRIA DE CONFLITOS E DE ESPERANÇAS”, analisamos como se deu a

trajetória das famílias até a implantação do perímetro, buscando apreender o contexto

histórico-político da implantação e consolidação do respectivo projeto de irrigação. Neste

debate foram levantadas questões sobre a chegada das famílias, o estranhamento inicial com o

projeto de irrigação e a conduta do DNOCS. Também foram discutidos temas voltados à

política de irrigação e à implantação dos perímetros públicos, procurando situar o Perímetro

Curu-Paraipaba nesse contexto.

No segundo capítulo, intitulado “RUPTURAS NO PROCESSO DE

SUCESSÃO HEREDITÁRIA: IMPASSES E DESAFIOS”, refletimos sobre os dilemas da

sucessão na agricultura familiar, por meio da análise dos resultados de algumas pesquisas

relevantes sobre o tema e do confronto dessa análise com a realidade do perímetro enfocado.

No terceiro capítulo, denominado “OS PROJETOS DE VIDA DA

JUVENTUDE: ENTRE O SONHO E A REALIDADE”, buscamos analisar as expectativas

de futuro profissional dos jovens do perímetro, bem como a sua percepção sobre a agricultura.

Neste debate procuramos apreender como eles percebem o perímetro, as organizações e as

possibilidades da agricultura irrigada, além de suas visões sobre as políticas públicas para

inserção da juventude.

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Em seguida, a título de considerações finais, apresentamos algumas reflexões

sobre as perspectivas de inserção da juventude no contexto do Perímetro Curu-Paraipaba,

analisando quais suas expectativas sobre continuar morando no perímetro, quais os seus

sonhos e projetos. Pretendemos, ainda que consciente da limitação deste estudo, tecer algumas

exposições sobre como as políticas públicas poderiam contribuir para a inclusão da juventude

nesse espaço rural.

O Perímetro: caracterização geográfica

O Perímetro Irrigado Curu-Paraipaba está situado no município de Paraipaba, que

foi criado pela Lei Estadual nº 11.009, de 05-02-198 e desmembrado do município de

Paracuru. O Município conta com uma área de 301 Km², sendo que o seu acesso se dá pelas

rodovias BR 222, CE 423 - 115 Km - ou pela via Estruturante Costa do Sol Poente. Paraipaba

limita-se com os seguintes pontos: ao NORTE, com o Oceano Atlântico; ao SUL, com São

Gonçalo do Amarante; ao LESTE, com Paracuru e OESTE, com Trairi, conforme mostra a

figura 01.

Page 20: Os projetos de vida da juventude do perímetro Curu-Paraipaba

20

Figura 01 – Mapa de Paraipaba

Em termos populacionais, o Município conta com 30.041 habitantes, sendo que

53,07% desse total estão concentrados na zona rural. Apesar da maior faixa de terra da Cidade

estar concentrada no entorno do Perímetro, este não é considerado um Distrito e está incluído

no Distrito de Paraipaba. (IBGE, 2010)

O Perímetro está situado à margem esquerda do Rio Curu, Estado do Ceará, a 90

km da capital, Fortaleza, e apresenta as coordenadas geográficas seguintes: 3o 30‟ de latitude

Sul e 39o 15‟ de longitude W.G, com uma altitude de 25 m acima do nível do mar. O

suprimento hídrico é feito pelo Rio Curu, o qual é perenizado pelos Açudes Públicos de

General Sampaio, com capacidade de armazenamento de 322.200.000 m3, Pereira de

Page 21: Os projetos de vida da juventude do perímetro Curu-Paraipaba

21

Miranda, com capacidade de 395.638.000 m3, Frios, com capacidade de 33.025.000 m

3 e

Caxitoré, com capacidade de 202.000.000 m3. (DNOCS, 2010)

De acordo com o DNOCS, a área desapropriada inicialmente foi de 12.347

hectares, sendo operados atualmente apenas 3.279 hectares. Vale lembrar que cerca de 5.000

hectares (onde seria implantada a terceira etapa) foram doados ao INCRA para fins de

reforma agrária, o que ainda não se concretizou. Abaixo vemos o mapa do perímetro,

destacando a área dos lotes5 e quintais

6.

Figura 02 – mapa do perímetro

5 Área de cerca de 3,2 hectares também é denominado de lote agrícola. É o local destinado à produção das

culturas. 6 Também denominado lote habitacional, é no quintal que está situada a casa do irrigante e de sua família. No

quintal também existe uma área de 0,5 hectares onde são implantadas culturas diversas.

Page 22: Os projetos de vida da juventude do perímetro Curu-Paraipaba

22

Caminhos que levaram à formulação do objeto

Este estudo, intitulado “OS PROJETOS DE VIDA DA JUVENTUDE DO

PERÍMETRO CURU-PARAIPABA: entre o sonho e a realidade”, busca compreender, a

partir da visão dos jovens, as causas das rupturas nos processos de sucessão profissional da

agricultura familiar no âmbito do citado perímetro.

Entretanto, cumpre salientar que o enunciado deste trabalho, bem como o objetivo

a que se propõe, não nasceu pronto e nem dissociado de nossa trajetória profissional. Ao

contrário. Sua composição foi formulada a partir de um longo tempo de vivência no campo,

que se iniciou no ano de 2001, a partir da nossa inserção nesse espaço rural, como técnica em

organização de produtores. Assim, esse objetivo foi construído e reconstruído a partir do

contato direto com os agricultores irrigantes e suas famílias.

Nessa trajetória, fomos nos aproximando do Perímetro e, numa primeira

análise, pudemos entender que esse espaço geográfico foi constituído a partir do

ajuntamento de uma população diversificada, composta por famílias que “deixaram

suas casas e apostaram numa vida melhor através da agricultura irrigada” (DINIZ,

2002). Essa afirmativa foi confirmada no depoimento de vários colonos, aqui

destacado na fala de uma pessoa que chegou no perímetro aos 12 anos de idade.

[...] “Quando chegamos no projeto com nossa família, eu, meu pai, minha mãe

e mais sete irmãos víamos a possibilidade de melhorar de vida, de ter a possibilidade de produzir, já que aqui tinha água e terra, coisa que não

tinhamos no sertão. Então foi uma alegria. Nós corremo pra cima e limpamos

o quintal, capinamos, plantamos o lote.” (Francisco, 32 anos, produtor e ex

funcionário do Distrito)

Nessa análise, gradativamente, fomos adentrando em um complexo mosaico

de histórias de vida, o que significou mais que um estreitamento de laços de amizade e

de solidariedade, ou seja, essa experiência colaborou para a superação de uma postura

estritamente técnico-assistencialista, aguçando, sobremaneira, a inquietude de

compreensão da realidade que ali se construiu, constituindo-se em estímulo

permanente para dotar um olhar crítico à rotina de trabalho na área do projeto.

Balizada pela necessidade de aproximarmos do público-alvo dos serviços de

assistência técnica, em 2001, realizamos juntamente com a equipe contratada uma

Page 23: Os projetos de vida da juventude do perímetro Curu-Paraipaba

23

primeira pesquisa, intitulada “Marco Zero 25”7. Naquela época uma questão de fundo

já chamava atenção para a necessidade de elaborar uma futura agenda de pesquisa: o

numeroso contigente de irrigantes (titulares dos lotes) idosos.

Nesse aspecto, a curiosidade de compreender essa realidade - em princípio tão

facilmente “naturalizada” -, se tornou cada vez mais forte, reclamando um esforço na busca e

sistematização de leitura dos documentos que fundamentaram a implantação do referido

projeto de irrigação, o que nos levaria a um valioso instrumento de pesquisa, não apenas

através da vasta documentação, que delineava o projeto em sua concepção original, como

também por meio de diagnósticos e relatórios diversos ali contidos, além de trabalhos

acadêmicos como monografias, teses e comunicações em congressos.

É importante frisar que essa leitura inicial, apesar de extremamente relevante na

aproximação com o futuro objeto de pesquisa, não permitiu assimilar de imediato como se

dera a construção da sociabilidade das famílias irrigantes em torno do trabalho, das relações

de solidariedade, do lazer, dos conflitos, das lutas e das próprias relações familiares.

Assim, apenas mais tarde, aprofundando a pesquisa, é que pudemos entender que

as famílias chegadas ao perímetro haviam sido selecionadas mediante critérios previamente

estabelecidos pelo Estado. Observações que só pudemos constatar mediante acesso às pastas

dos colonos, nas quais estavam transcritas todas as ocorrências verificadas pelos técnicos que

acompanhavam as famílias. Esse instrumento foi muito valioso, pois nos possibilitou, dentre

outros fatores, analisar como era feita a assistência técnica e o acompanhamento social a essas

famílias, por parte do DNOCS, desde a seleção, ao assentamento das mesmas.

Vale frisar que, antes do assentamento das famílias selecionadas, o DNOCS já

havia desapropriado aquela mesma terra e expulsado diversas outras famílias que produziam e

sobreviviam naquele espaço rural. Dessa forma, o perímetro foi constituído em meio a

conflitos e lutas, povoado por pessoas advindas da Região do Vale do Curu, mas também da

Serra de Itapipoca, Uruburetama, Itapajé, Pentecoste, Paracuru, São Gonçalo do Amarante,

Pacatuba e vários outros locais do Estado do Ceará.

Nesse movimento, muitos desconhecidos juntaram seus destinos e, de certa forma,

reconstruíram uma nova identidade, ou seja, a de trabalhadores irrigantes. Essas famílias, a

maioria formada por antigos moradores, parceiros e arrendatários, passaram, portanto, do

apadrinhamento dos fazendeiros para a tutela do Estado interventor. (DINIZ, 2002)

7 Esta pesquisa foi batizada de “Marco Zero 25” porque estávamos chegando num projeto de 25 anos, ou seja era

marco zero para nós técnicos, mas não para os agricultores.

Page 24: Os projetos de vida da juventude do perímetro Curu-Paraipaba

24

Vale realçar que a literatura temática visitada corroborou para clarear a subjacente

ideia de que as realidades não estão naturalmente postas. Constroem-se e reconstroem-se de

acordo com diferentes olhares, sugerindo, de antemão, que a investigação deve ir se moldando

aos fatos, sem prejuízos do rigor científico.

Assim, tomando outro caminho, sem escamotear o que já vinha percorrendo ou

até mesmo para confrontá-lo e aprofundá-lo, as leituras das ciências sociais foram se

transformando em ricos aportes conceituais. Esses conceitos teóricos foram essenciais, não

apenas para o entendimento da construção social do Perímetro, mas também pela própria

necessidade do rigor científico na produção e explicação do fenômeno estudado, buscando,

especialmente, dar voz às pessoas que compuseram o citado espaço rural.

Nesse aspecto, tomamos como orientação valiosa a reflexão de Bourdieu, quando

este afirma que, para se buscar uma maior proximidade do real, é imprescindível pensar

relacionalmente, pois “se é verdade que o real é relacional, pode acontecer que eu nada

saiba de uma instituição acerca da qual eu julgo saber tudo, porque ele nada é fora das suas

relações com o todo”. (BOURDIEU, 1989, p.31)

Seguindo essa orientação metodológica, ao longo de cinco anos, o objeto de

estudo foi sendo delineado por meio de depoimentos e, sobretudo, por meio da convivência

cotidiana com as famílias, da participação em eventos da comunidade e também em reuniões

transcorridas nos vários setores do perímetro. Nesses momentos colhíamos informações e

fazíamos anotações, frutos da observação participante8. Muito bem lembrado por Cardoso

(1997), observar é contar, descrever e situar os fatos únicos e cotidianos, construindo cadeias

de significação, pressupondo um investimento do observador no seu próprio modo de olhar.

Continuando nossa trajetória profissional junto aos agricultores do perímetro e,

sobretudo, buscando investigar os dilemas e desafios dessas pessoas que dão vida ao

projeto, especialmente, em meio a um contexto de aceleradas mudanças9 próprias do

contexto da modernidade, em 2007, realizamos uma nova pesquisa. Essa investigação

exibiu dados supreendentes10

, dentre os quais mereceu destaque o aumento do

contingente de irrigantes idosos, ou seja, cerca de 30,0% dos irrigantes apresentavam

8 Ao longo desse tempo fui participando de reuniões, assembléias e outras instâncias coletivas de acirramento ou

de negociações de conflito, nas quais exercia meu papel de técnica e, ao mesmo tempo, fazia anotações que,

mais tarde, serviriam como pistas para desvendar meu objeto de pesquisa. 9 Essas mudanças podem ser percebidas pela implantação de agroindústrias que exportam a água de coco, em

conflito com as dificuldades vividas pelos agricultores para garantir a sua competitividade e inserção no

mercado. Existem ainda as dificuldades em garantir o sustento de sua família, a implantação e a dependência das

transferências de renda oriundas das políticas públicas, dentre outras. 10 A citada pesquisa ressaltou a visão do próprio irrigante sobre sua situação econômica, produtiva e diversos

aspectos sociais relevantes.

Page 25: Os projetos de vida da juventude do perímetro Curu-Paraipaba

25

idade entre 56 e 65 anos e 38,4% estavam entre 66 e 85 anos. Comparando com a outra

pesquisa – “Marco Zero 25” realizada em 2001 -, ficou comprovado um aumento de idade

aproximado de 24,0%, já que, à época, apenas 29,3% dos irrigantes ultrapassavam os 66 anos.

Com efeito, a citada investigação revelou a persistência do envelhecimento gradual

e irrevogável dos „colonos11

‟. Essa problemática, associada ao distanciamento dos jovens das

atividades agrícolas nas unidades parcelares, evidenciava riscos à reprodutibilidade das

famílias na agricultura irrigada, uma vez que esses mesmos jovens tradicionalmente seriam os

sucessores diretos na reprodução de novas unidades familiares. Isso avultou a nossa

inquietação em compreender esse mundo construído por meio de uma intervenção

governamental e vivido por cerca de oitocentas famílias rurais, buscando apreender quais as

oportunidades, os dilemas e os riscos ocasionados pela suposta exclusão dessa juventude.

Nessa análise, os números desenhavam um quadro que apontava para mudanças

nas trajetórias ocupacionais dos filhos dos agricultores familiares do perímetro. Entretanto, os

dados quantitativos requeriam um aprofundamento que nos possibilitasse uma maior

aproximação dos aspectos da subjetividade desses indivíduos.

Nesse contexto, a necessidade e o desejo de aprofundar este estudo nos levaram a

formular um projeto de pesquisa e submetê-lo à seleção do Mestrado Acadêmico em Políticas

Públicas e Sociedade, o que nos forneceu bagagem teórico-metodológica para continuar essa

trajetória investigativa.

Esse diálogo, entre a empiria vivenciada no campo e o debate acadêmico,

proporcionou uma revisão crítica do objeto da pesquisa, tendo como consequência um novo

olhar sobre o perímetro, as famílias, a juventude e, mais especificamente, sobre os dilemas da

sucessão na agricultura familiar.

Nesse debate, e para responder a esse desafio, buscamos uma linha de

investigação que se utilizou tanto de métodos quantitativos – representados na aplicação dos

questionários – como também de métodos qualitativos, por entender, conforme salienta

Minayo, que os aspectos sociais não podem ser totalmente quantificados, ou seja, “os

significados das ações, atitudes, aspirações e relações humanas não podem ser perceptíveis

em equações, médias e estatísticas.” (1994, p. 21-22)

A esse propósito, tomamos emprestadas valiosas observações de Antonio

Candido, quando este afirmou que em suas pesquisas utilizou tanto técnicas estatísticas – que

11 Os irrigantes assentados pelo DNOCS também são conhecidos como colonos, mais à frente nos deteremos a

esse assunto.

Page 26: Os projetos de vida da juventude do perímetro Curu-Paraipaba

26

correm o risco de diluírem os sujeitos, mas que são necessárias para analisar certos aspectos

do objeto pesquisado – como também se valeu de recursos subjetivos, movido pelo seu

[...] interesse pelos casos individuais, pelos detalhes significativos, [...] elaborado na certeza de que o senso do qualitativo é condição de eficiência nas disciplinas sociais,

e que a decisão interior do sociólogo, desenvolvida pela meditação e o contato com

a realidade viva dos grupos, é tão importante quanto a técnica de manipulação dos

dados. (CANDIDO, 1975, p. 19)

Assim, a compreensão do objeto de estudo – centralizado na juventude do

Perímetro Curu-Paraipaba – adotou como referência os jovens nascidos no perímetro, filhos

de irrigantes da 1ª etapa12

que foram selecionados pelo DNOCS na década de 1970 e que, em

2009, estavam cursando o nono ano13

do Ensino Fundamental, e do Ensino Médio. Assim,

durante a execução do trabalho de campo foram aplicados 65 questionários (com questões

abertas e fechadas) com jovens entre 14 anos e 20 anos, sendo 25 do Ensino Médio e 31 do

nono ano do Ensino Fundamental.

O confronto dos resultados desses questionários aplicados a esses dois grupos –

com o objetivo de analisar e comparar as expectativas de futuro profissional dos dois grupos –

foi dialogado com os resultados das entrevistas e depoimentos registrados no grupo focal,

realizado com jovens que já terminaram o Ensino Médio e estão buscando trabalho (que

chamo de terceiro grupo).

Como pode ser percebido, o trabalho de campo teve três momentos distintos,

embora estreitamente articulados processualmente, a saber: a aplicação dos primeiros

questionários em 2001 (Pesquisa Marco Zero 25), através da qual tivemos um contato inicial

com o perímetro, suas organizações e com os sujeitos envolvidos; a segunda aplicação de

questionários, em 2007 (Pesquisa Versão 32 Anos), que contribuiu para ampliar o nosso

material empírico e, finalmente, o retorno ao projeto a partir da entrada no Mestrado, o que

ampliou nosso arcabouço teórico.

Nessa terceira fase iniciamos o trabalho de campo com a realização de entrevistas

junto às lideranças. Esse instrumental, apesar de seguir um roteiro previamente estabelecido,

foi flexível o suficiente para “introduzir variações de acordo com cada informante.”

(HEREDIA, 1979, p. 22) Esse material foi cuidadosamente gravado e transcrito, embora uma

12 Escolhemos trabalhar com este público porque é na primeira etapa que se encontra os irrigantes de origem, os

quais tiveram maior influência da atuação do DNOCS e onde se encontra cerca de dois terços da população do

projeto. 13 Serão pesquisados estes jovens porque o nono ano do Ensino Fundamental é um marco na vida do jovem,

quando ele decide se continua os estudos ou se vai trabalhar.

Page 27: Os projetos de vida da juventude do perímetro Curu-Paraipaba

27

parte das entrevistas, devido ao caráter informal do momento, tenha sido registrada apenas no

caderno de campo. Concomitantemente, fizemos entrevistas estruturadas com o terceiro grupo

de jovens e realizamos o primeiro grupo focal com eles, quando foi possível desenhar melhor

o objetivo do estudo, ou seja, possibilitou um maior estreitamento com os jovens do

Perímetro.

Em seguida aplicamos os questionários com os dois primeiros grupos de jovens

(do Ensino Médio e nono ano do Ensino Fundamental), cujo intuito era aprofundar as

discussões e chegar o mais próximo possível do perfil ocupacional da juventude do perímetro,

bem como analisar suas expectativas profissionais. Nesse movimento, somado à análise das

entrevistas e depoimentos colhidos na realização dos grupos focais, foi possível também

apreender como eles percebem o Perímetro, as organizações e a agricultura irrigada, além de

sua visão sobre as políticas públicas para inserção da juventude. Este debate, sem ter a

pretensão de ser conclusivo ou se impor como verdade inquestionável, oferece pistas sobre o

processo de descontinuidade da agricultura familiar, vivenciado no contexto do Perímetro

estudado.

Com a pretensão de dar ênfase às questões norteadoras do estudo, procuramos

apoio em alguns pressupostos teóricos que auxiliaram e serviram de sustentação para a

problemática da pesquisa em foco. Nesse sentido, o estudo articula três categorias analíticas:

agricultura familiar, espaço rural e juventude. É importante salientar que estas categorias

foram escolhidas por reterem as relações sociais fundamentais e, portanto, serem consideradas

imprescindíveis para o conhecimento do objeto nos seus aspectos gerais.

Vale acrescentar que é coerente estabelecermos uma análise sobre o conceito de

agricultura irrigada empregado ao longo deste estudo, destacando a necessidade de ultrapassar

o viés eminentemente técnico – segundo o qual se trata de um modo de produzir utilizando a

irrigação, ou seja, através da colocação artificial de água no solo, em intervalos definidos,

para oferecer às espécies vegetais a umidade necessária ao seu pleno desempenho – para

apreendê-la muito mais a partir das mudanças por ela processadas na vida das famílias que se

transpuseram para o perímetro e passaram a adotar abruptamente essa técnica moderna de

produção. Assim, destacamos as relações de trabalho estabelecidas e os processos de (re)

socialização a partir dela engendrados.

Discutindo sobre duas categorias balizadoras

A nomenclatura “agricultura familiar” foi ganhando legitimidade – tanto no cenário

político como no acadêmico – a partir da década de 1990. Conforme esclarece o pesquisador

Page 28: Os projetos de vida da juventude do perímetro Curu-Paraipaba

28

Sergio Schneider, apesar do interesse pela agricultura familiar e o reconhecimento de sua

importância ser de certo modo recentes, não se pode considerá-la como uma “novidade”, pois

o que se denomina hoje como agricultor familiar, em outra época recebeu outras

nomenclaturas. Assim,

A afirmação recente sob a noção de agricultura familiar deveu-se a um movimento

sincronizado conjugado por fatores sociais, políticos e intelectuais. Do ponto de

vista social, a categoria emergiu como resultante das mobilizações patrocinadas pelo

movimento sindical, no início da década de noventa (especialmente a CONTAG)

(...) Em termos político-institucionais a agricultura familiar alcança legitimidade

crescente a partir da criação do PRONAF (Decreto 1946, de 28 de junho de 1986) e

de uma estrutura específica destinada a operar para este público no interior do

Ministério do Desenvolvimento Agrário. (SCHNEIDER, 2009, p. 9)

A escolha da agricultura familiar como categoria analítica, neste estudo, pode,

aparentemente, parecer um deslocamento ou contraditório, já que uma das vertentes do

perímetro irrigado é a sua suposta vinculação compulsória ao agronegócio, aqui entendido

como modelo de exploração capitalista que usa indiscriminadamente os recursos naturais e

humanos, visando, sobretudo, ao lucro e, portanto, contrapondo-se aos pressupostos

“ideológicos” do que se entende por agricultura familiar.

Nessa análise, corroboramos com Schneider, quando este afirma que é necessário

ultrapassar a

[...] simplificação e o maniqueísmo ideológico que lhe corresponde, pois a mera

contraposição entre campesinato e agricultura familiar e, as vezes, agronegócio,

pouco acrescenta ao entendimento da diversidade das formas familiares de produção

e trabalho, das suas dinâmicas territoriais, das estratégias individuais e coletivas de

reprodução e dos processos de diferenciação social. (2009, p. 9)

Por outro lado, embora se assista no espaço rural estudado “uma espécie de

invasão de pessoas de fora”, as quais adquirem os lotes dos colonos de origem (conforme

detalharemos adiante), ainda assim existe a predominância da atividade agrícola de base

familiar, embora esses contratem mão de obra externa ao estabelecimento para realização de

algumas práticas agrícolas, especialmente a pulverização.

Vale lembrar que muitas famílias também diversificam suas estratégias de

sobrevivência. Ou melhor, o contato direto com as famílias do perímetro permitiu-nos

observar que é até certo ponto usual, o (a) filho (a), por exemplo, trabalhar em uma parte do

terreno e exercer outras atividades para complementar a renda familiar, como por exemplo

carregar caminhão e colher ou descascar coco. Também existem aqueles que são donos ou

Page 29: Os projetos de vida da juventude do perímetro Curu-Paraipaba

29

simplesmente trabalham em pequenos comércios de frutas, verduras, cereais e mantimentos

variados e em restaurantes e lanchonetes. Algumas filhas de colonos também se deslocam

diariamente até a sede do município para trabalharem como empregada doméstica ou no

comércio local. Muitos outros também estão trabalhando nas agroindústrias14

localizadas no

perímetro ou mesmo na cooperativa e Distrito de Irrigação.

Esse fato, contudo, não os descaracteriza como agricultores familiares15

. Ao

contrário, essas especificidades apontam a complexidade que permeia os espaços rurais e

colocam esses sujeitos na condição de famílias pluriativas.

A emergência da pluriatividade ocorre em situações em que os membros que compõem as famílias domiciliadas nos espaços rurais combinam a atividade agrícola

com outras formas de ocupação em atividades não agrícolas. [...] Portanto, a

pluriatividade manifesta-se naquelas situações em que a integração dos membros da

família ao mercado de trabalho passa a ocorrer, também, pela via do mercado de

trabalho. (SCHNEIDER et alli, 2009, p. 141)

Por outra via, apesar de entender essa complexidade e pretender, em certo sentido,

ultrapassar os conceitos institucionais do que seja a agricultura familiar – conceitos estes que

norteiam o acesso a determinadas políticas públicas –, este estudo privilegia o entendimento

de que esta categoria possui características próprias, onde

[...] a gestão do trabalho e da propriedade dos meios de produção – mesmo que não,

necessariamente, da terra – encontram-se sob a responsabilidade da família,

entendida como grupo doméstico de trabalho e de consumo, que realiza a

reprodução geracional do processo de trabalho e a transmissão do patrimônio

familiar. (WESHEMEIR, 2009, p. 103)

Dessa forma, o emprego da categoria “agricultura familiar” neste estudo justifica-

se pelo fato de que o seu conceito abrange características relevantes para compreender a rede

de significações que envolvem o jovem no contexto do perímetro estudado, que se

caracterizou originalmente pelo assentamento de pequenos produtores.16

Além disso, neste

estudo a juventude é analisada, considerando o contexto das relações sociais de produção

estabelecidas no âmbito perímetro.

Nessa perspectiva, o uso dessa categoria é necessário na medida em que delimita

sujeitos e reconhece os espaços onde se estabelecem relações que são determinadas por

14 Especialmente na Paraipaba Agroindustrial, Ypióca, CBC ou CIAUNE. 15

Inclusive a maioria está classificada como “pronafianos”, ou seja, possui a Declaração de Aptidão ao

PRONAF – DAP e é sócia do Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras rurais de Paraipaba – STTR. 16 Embora na época de implantação do projeto não existia essa categoria. Os que são chamados hoje de

agricultores familiares eram denominados de pequenos produtores, embora as características fossem as mesmas.

Page 30: Os projetos de vida da juventude do perímetro Curu-Paraipaba

30

aspectos socioculturais específicos. Além disso, esses sujeitos partilham espaços comuns de

socialização, vivenciados tanto nas relações com a vizinhança, na escola, na igreja, no

trabalho, no campo de futebol e também nas suas organizações representativas.

Diante dessa teia de complexidade, utilizamos neste estudo o espaço rural como

categoria analítica, que, por sua vez, subtende uma compreensão que se sobrepõe à visão

reducionista de considerar apenas os aspectos físicos e de produção das chamadas zonas

rurais, passando a enxergá-lo como local onde os atores sociais vivem as suas sociabilidades

ou, nas palavras de Carneiro (2008, p. 27), “requalificar o olhar sobre as novas dinâmicas da

ruralidade”.

Nesse sentido, entender o espaço rural é mergulhar em relações sociais

multifacetadas, que envolvem pessoas, aspectos socioculturais, econômicos, ambientais,

entrelaçando ainda as formas de ocupação, a paisagem, as relações de trabalho e as

representações sociais. O espaço rural, assim entendido, alinha-se à concepção que dele tem

um dos mais respeitados nomes da sociologia rural brasileira, Maria Nazaré Wanderley,

quando afirma que o espaço rural é o lócus de um

[...] singular espaço de vida, socialmente construído pelos seus habitantes, em

função das relações fundadas nos laços de parentesco e de vizinhança, e isto, tanto

ao nível da vida cotidiana, quando dos ritmos dos acontecimentos que determinam

os ciclos da vida familiar, tais como, nascimentos, casamentos e mortes e, ainda, no

que se refere ao calendário das manifestações de ordem cultural e religiosa.

(WANDERLEY, 2000, p. 29).

Nesse contexto, este trabalho valoriza os aspectos mais pungentes colocados por

Wanderley para a compreensão das sociedades do tipo camponesa. Entretanto, nessa citação

em particular e com o olhar debruçado para uma área irrigada, na qual o Estado

propositadamente insistiu em separar na unidade doméstica a produção do consumo,

questiona-se se a singularidade do espaço rural se mantém, tal qual vista pelos clássicos da

sociologia rural brasileira. Esse questionamento apresenta um valor delimitador na pesquisa,

uma vez que a juventude está no centro da análise, e essa ruptura na lógica da agricultura

familiar se insinua como um elemento instigador de novas identidades, no qual a continuidade

desses jovens como agricultores familiares parece pronunciar-se como um de seus mais

evidentes desdobramentos.

Page 31: Os projetos de vida da juventude do perímetro Curu-Paraipaba

31

Por outra via, considerando a sua evidente aproximação com a zona urbana do

Município, além de ser uma via de acesso a diversos polos turísticos,17

é conveniente observar

as ponderações de Carneiro.

[...] esse conjunto de reflexões nos leva a pensar a ruralidade como um processo

dinâmico em constante reestruturação dos elementos da cultura local, mediante a

incorporação de novos valores, hábitos e técnicas. Tal processo implica um

movimento em duas direções, nas quais se identificam, de um lado, a reapropriação dos elementos da cultura local a partir de uma releitura possibilitada pela

emergência de novos códigos e, de outro, a apropriação pela cultura urbana de bens

culturais e naturais do mundo rural, produzindo assim, uma situação que pode

contribuir para alimentar a sociabilidade e reforçar os laços com a localidade.

(Carneiro, 2008, p. 35)

Nessa análise, convém situar o entendimento sobre a juventude como categoria

analítica.

Juventude como categoria central de análise

A análise desse objeto de estudo possibilita perceber a complexidade e

ambiguidade que permeiam esta categoria. Portanto, não há um viés único e preciso,

sobretudo porque os estudos sobre juventude no contexto rural permaneceu, durante muito

tempo, no anonimato e, até certo ponto, fora da agenda dos pesquisadores.

Cabe esclarecer, conforme assinalou Weisheimer (2009, p. 85), que a construção

da juventude como categoria sociológica supõe entender que ela [...] “não se constitui e nem

se explica, simplesmente, por meio de princípios naturais ou determinações biológicas”.

Assim, este estudo de caso se inspira na colaboração do autor à medida que este apreende a

citada categoria numa perspectiva relacional.

Entende-se por juventude uma categoria relacional fundada em representações

sociais, tais como as que conferem sentidos ao pertencimento a uma faixa etária, que

posiciona os sujeitos na hierarquia social a fim de promover a incorporação de

papeis sociais através dos diferentes processos de socialização que configuram as

transições da infância à vida adulta. [...] Entre as características dessa categoria, destaca-se a ambivalência típica de sua situação liminar e transitória; a posição

subalterna aos adultos na hierarquia social; a conflitividade originada pelo processo

de individualização nesta situação liminar e subalterna; a criatividade e capacidade

de inovação própria do contato original das novas gerações com a cultura pré-

estabelecida. (Weisheimer, 2009, p. 86)

17 Todos os turistas que se encaminham para as praias da Lagoinha, Fleicheiras, Mundaú, Baleia e até

Jericoacoara, vindos pela estrada do Sol Poente, passam necessariamente por dentro do perímetro. Esse fator

favorece a troca de saberes, o intercâmbio de culturas. Muitos deles param nas barracas para tomar café, comprar

frutas ou fazer refeições e acabam criando laços com o lugar. Isso também chama o interesse deles pela região e

muitos acabam comprando lotes ou áreas mortas. Essas relações também trazem aspectos negativos, dentre eles

o principal é o tráfico de drogas.

Page 32: Os projetos de vida da juventude do perímetro Curu-Paraipaba

32

Neste estudo, relacionamos o enfoque da juventude com os processos de

socialização, fomentados desde a constituição do Perímetro Irrigado Curu-Paraipaba, os quais

foram reproduzidos pelas famílias que compõem esse espaço rural e que tiveram e tem as suas

repercussões na vida desses jovens, inclusive refletindo nas suas escolhas em termos de futuro

profissional e, consequentemente, interferindo na perspectiva de continuidade da agricultura

familiar.

Colaboram com esse debate as recomendações de Castro, situando a necessidade

“de - substancializar esta categoria, procurando conhecê-la em seus múltiplos significados”,

(2005, p. 6). Dessa forma, analisar a juventude no contexto do Perímetro Curu-Paraipaba é

entendê-la como

[...] uma categoria social pressionada pelas mudanças e crises da realidade no campo

[...] representada no risco da descontinuidade das relações familiares estabelecidas

com a terra, caracterizada na imagem de desinteresse do homem pela roça” (2005, p.

29), [...] “no seio das relações sociais marcada pela hierarquia e autoridade, que

envolvem a posição de pai/adulto/chefe de família e responsável pela terra em

oposição a filho/jovem/solteiro [...] marcado pelo pouco acesso aos espaços de

decisão na família e nas esferas organizativas. (2005, p. 35)

Portanto, a apreensão dessas variáveis passa, inicialmente, pelo reconhecimento

da trajetória vivenciada pelas famílias que foram transportadas para o projeto de irrigação,

assunto que abordamos no próximo capítulo.

Page 33: Os projetos de vida da juventude do perímetro Curu-Paraipaba

33

CAPÍTULO 01 - DE AGRICULTOR A COLONO: UMA TRAJETÓRIA DE

CONFLITOS E DE ESPERANÇAS

“Nos trabalhos dos roçados, brocas, quebras, queimas e limpas; na apanha do feijão, na

quebra do milho, na desmancha da mandioca, fazem-se os adjuntos. Reúnem-se todos os

vizinhos em casa daquele que precisa fazer qualquer desses serviços. Ele fica devendo a

cada um o tempo que trabalhou para ele”.

Gustavo Barroso

Na primeira parte deste capítulo destacamos como se deu a chegada das famílias

ao Perímetro, o estranhamento inicial com o projeto de irrigação e como foi a atuação do

DNOCS em relação a esse público.

Assim, buscamos registrar e apreender alguns aspectos característicos do papel

exercido pelo DNOCS durante a implantação do projeto, os quais foram decisivos para a

socialização das famílias que ali viveram e vivem e, inclusive, tiveram seus reflexos no

distanciamento da sua juventude das atividades agrícolas.

Os estudos que tratavam sobre a viabilidade do Perímetro destacavam que o

sucesso deste empreendimento agrícola – traduzido pela produção e comercialização de

citros, legumes, leite e hortaliças - seria suficiente para “elevar o padrão de vida dos colonos”,

mas sem que houvesse a preocupação em investigar que tipo de padrão de vida essa família

almejava.

O planejamento previa tão somente as condições necessárias para garantir o

sucesso do projeto de irrigação em si, bastando, para isso, selecionar as famílias capazes de se

inserirem nesse contexto.

Para facilitar a seleção das famílias, desenvolveu-se uma equação bem complexa

que buscava um suposto perfil ideal de família apta a se adaptar ao sistema. Contam os relatos

dos remanescentes, que os técnicos do DNOCS saíam pelas localidades vizinhas “buscando”

agricultores, preferencialmente os que não tinham terra, que fossem bem conceituados pela

comunidade, com força de trabalho abundante (que tivessem muitos filhos) e que possuíssem

experiência com a agricultura, dentre outros critérios, conforme documento apresentado nos

Anexos A e B.

De acordo com Carneiro, essa perspectiva foi, de certa forma, adotada e

reproduzida pela sociologia rural tradicional, que se constituiu “como uma disciplina

Page 34: Os projetos de vida da juventude do perímetro Curu-Paraipaba

34

instrumental e tecnocrática voltada para o desenvolvimento, a eficácia e a modernização da

produção agrícola.” (2008, p. 23) Por outro lado, esses critérios refletiam a estratégia de

desenvolvimento adotada pelo Estado para o Nordeste, conforme destaca relatório de

auditoria do TCU nas áreas dos perímetros18

.

A implementação de tais perímetros visava à elevação do nível de renda média da

população rural, bem como ao desenvolvimento da capacidade gerencial e da organização dos produtores, aprimorando os benefícios econômicos gerados pelos

perímetros públicos de irrigação e os benefícios sociais deles advindos,

minimizando os efeitos da seca. (TCU, 1998, p. 8)

Para entender a chegada dos colonos ao Perímetro usamos como base, além dos

depoimentos dos colonos de origem, importante documento elaborado pelo consórcio

Sondotécnica e Tahal – empresas do Rio de Janeiro e Tel-aviv, respectivamente – que

apresentou um estudo de viabilidade da chamada área de Paraipaba.19

Na segunda parte analisamos a política de irrigação e a proposta de implantação

dos perímetros públicos, buscando, também, situar, analisar e apreender o contexto histórico-

político da implantação e consolidação do Perímetro Curu-Paraipaba.

Nesse sentido, entender a implantação dos perímetros públicos é perceber a

atuação do Estado no Nordeste, o qual sempre foi visto como problema devido aos longos

períodos de seca e dominação por parte das oligarquias locais.

Por outro lado, especificamente falando do Ceará, esta política está estreitamente

ligada à criação do DNOCS e sua atuação na construção de grandes reservatórios d‟água

como forma de combater os fenômenos da seca. (GUERRA, 1981)

1.1.A área de Paraipaba como palco do “desenvolvimento”

O contato inicial do DNOCS com o Vale do Curu data, aproximadamente, da

década de 1950, quando realizava obras de combate à seca na região. Por outro lado, sua

18 A presente auditoria tem origem na Decisão nº 703/99-TCU - Plenário, Ata nº 44/99, decorrente de

Representação formulada pela SECEX/SE, TC-009.619/1999-2, que redundou na realização de auditorias na área de projetos de irrigação, financiados com recursos federais na região abrangida pela SUDENE, incluindo-se

os órgãos e entidades responsáveis pela implementação desses projetos, dentre os quais o Departamento

Nacional de Obras Contra as Secas - DNOCS. (idem, 1998. p. 8)

19 Antes de implantar o perímetro em Paraipaba, foi realizado um minucioso estudo em três áreas (Paraipaba,

Paracuru e Pentecoste-Croatá) para verificar qual a mais viável economicamente, sendo escolhida a de

Paraipaba. Esta foi escolhida porque apresentou menor custo de investimento (US$1.640/ha), além de menor

custo unitário da água, uma melhor renda líquida da família agrícola e a possibilidade de usar águas subterrâneas

para abastecimento humano. (DNOCS, 1970)

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35

presença mais atuante na área de Paraipaba se deu em consequência de uma tragédia que

assolou o então lugarejo, que ficou conhecido como Paraipaba Velha.

De acordo com o historiador Afonso Barroso Cordeiro20

, o ano de 1964 trouxe um

pesado inverno para as famílias que se situavam às margens do rio Curu. Na ocasião, as casas

e as plantações foram inundadas e os moradores tiveram que recorrer a parentes que moravam

em outras comunidades.

Nessa ocasião, segundo ele, as lideranças locais se uniram para reconstruir a

cidade e o DNOCS foi chamado para colaborar. Depois de doadas as terras pelos fazendeiros

do lugar, o DNOCS providenciou o desmatamento, construiu noventa e duas casas, dois poços

profundos, além do mercado central.

Ao final do mesmo ano a Nova Paraipaba foi inaugurada e nessa mesma época o

DNOCS lançou o documento “Aproveitamento Hidro-agrícola da Bacia do Rio Curu”.

Situado num contexto mais amplo de incremento de todo o Vale, o documento em pauta

salientava os efeitos positivos que a implantação desse perímetro de irrigação traria para o

desenvolvimento da região, enfatizando, ainda, que “a meta primordial do projeto é

estruturar os recursos humanos e institucionais fundamentais da área através da criação de

uma economia eficiente, baseada na agricultura, a fim de elevar o nível de emprego, a receita

real e os padrões de vida gerais da população rural”. (DNOCS, 1970 p. 5-1)

Nessa perspectiva, para a concretização do projeto de irrigação, o referido estudo

propôs um plano de colonização que previa a estruturação de uma espécie de pequena cidade,

onde seriam planejados rigorosamente os espaços de residência/povoado, setor de produção,

de comércio, de serviços, zona industrial, áreas não cultivadas, áreas de quebra-vento e terras

de reserva, dentre outros. Assim, o plano não se destinou [...] “meramente a delinear a

estrutura física necessária, mas também a mostrar como se propõe seja o ambiente moldado

de modo a promover o progresso da área”. (Idem, p. 6-1)

Embora o documento citado tenha proposto um planejamento com um rigoroso

esquema de implantação, na prática, o plano de colonização do Perímetro ocorreu diferente,

ou seja, inicialmente foi construída a primeira etapa (compreendida dos setores B, C1, C2,

D1, D2 e E, sendo que o primeiro setor a ser povoado foi o D1, quando recebeu os treze

primeiros colonos). O Sr. Chico Caipira, que fez parte do grupo e se encontra até hoje no

perímetro, disse que foi uma época muito difícil. Segundo ele, no começo não havia luz

elétrica e eles passaram por muitas privações, servindo como uma espécie de cobaias por

20 Citado no site oficial da Prefeitura de Paraipaba.

Page 36: Os projetos de vida da juventude do perímetro Curu-Paraipaba

36

estarem na área de “expermento21

”. “Na época muitos queriam desistir, mas eu aguentei firme

e segurei o pessoal para não ir embora. Eu era o líder do grupo”. (Chico Caipira, colono)

Enquanto o DNOCS construía o Perímetro, foi implantada junto com a área

experimental dos treze colonos a chamada gerência velha, local onde foi instalado

provisoriamente o escritório local da autarquia, o da empresa construtora, bem como a

residência dos técnicos agrícolas, agrônomos, assistentes sociais, médicos, veterinários e

extensionistas em geral.

Pouco tempo depois foi construído o Centro Gerencial do DNOCS, local mais

adequado, tendo em vista a complexidade do perímetro. Nessa localidade, além do escritório

do DNOCS, havia o povoado onde foram residir os técnicos mencionados anteriormente,

além de vários profissionais que trabalhavam no Perímetro. Também foram instalados: um

posto médico, o escritório da cooperativa e galpões para armazenagem de insumos e

maquinários diversos. Foi implantada também uma área de lazer para os funcionários do

DNOCS – conhecida como balneário – além de um hotel para receber visitantes e técnicos.

Além do Centro Gerencial foram construídos os citados setores com os seus

respectivos povoados, os quais também possuíam uma estrutura mínima, composta por

residências (chamados de quintais) equipadas com estábulos e área de cerca de 0,50ha para

produção agrícola, estrutura de abastecimento d‟água, armazéns, escola, casa de comércio e

centro comunitário.

É importante ressaltar que antes da implantação do perímetro, conforme

observamos anteriormente, a área de Paraipaba era apenas mais uma localidade do município

de Paracuru, com uma população em torno de 600 habitantes, totalizando uma área produtiva

de 500 ha, implantada com culturas de subsistência, sendo elas, feijão, milho e mandioca.

Cerca de dez anos depois da implantação do perímetro, Paraipaba foi elevada à categoria de

município – fruto de um movimento político iniciado no perímetro – e atualmente tem uma

população total de 30.041 (trinta mil e quarenta e um) habitantes22

, sendo que cerca de 10.000

(dez mil) concentram-se na área do DNOCS, ou seja, no perímetro.

Esses dados, grosso modo, demonstram como a implantação de áreas irrigadas

contribui para o desenvolvimento dos municípios em que elas se inserem, embora traga

consigo muitos percalços e contradições, conforme trataremos ao longo deste estudo.

21

O Sr. Chico Caipira usa essa expressão para salientar que eles eram uma espécie de cobaias e que, inclusive,

deveriam plantar de acordo com as orientações técnicas, muitas vezes diferentes da forma tradicional que eles

cultivavam. 22 IBGE, 2010.

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37

De acordo com o prévio planejamento, os lotes agrícolas foram devidamente

projetados para a implantação de culturas diversificadas, inclusive era orientada a rotação de

culturas, sendo que as principais foram milho para grãos, amendoim, tomate, pepino, cebola,

alho, laranja, pastagem, e até uva. O referido planejamento também contemplou um breve

estudo de mercado, baseando-se na proximidade do perímetro com a capital cearense, para

garantir o escoamento da produção.

Outros aspectos abordados no documento salientaram a importância da eficiência

organizacional do projeto para assegurar o seu êxito, destacando a relevância dos serviços de

extensão e comercialização. Embora o referido reconheça a importância dos serviços

econômicos e sociais, foi proposta ainda uma drástica separação entre esses serviços, pois se

acreditava que (...) “os serviços sociais e municipais diferem dos serviços econômicos, não

apenas por sua natureza, mas no sentido de seu crescimento em longo prazo”. (DNOCS,

1970, p. 7-5) Nessa lógica, cabia à entidade executora do projeto tratar das questões

econômicas, enquanto ao município23

caberia o atendimento aos serviços ditos sociais.

Por outra via, não obstante priorizar as questões ligadas à infraestrutura geral e

aspectos produtivos, o documento ressaltou também a organização do perímetro como

pressuposto básico para garantir o sucesso do projeto.

A entidade gerenciadora do projeto deve, porém, ocupar-se também,

simultaneamente, com as tarefas humana e organizacional, a fim de garantir as

operações: os agricultores devem ser treinados e educados, a estrutura

organizacional deve ser estabelecida e o seu pessoal treinado para ocupar os cargos

da organização. O órgão que realiza esse trabalho deve ter a seu cargo a execução de

todas estas funções e o preparo do terreno para a produção. (Idem p. 7-5)

Apesar de sinalizar a preocupação com as tarefas humana e organizacional, essas

estão explicitamente direcionadas para a organização da produção, priorizando sobremaneira

os aspectos econômicos em detrimento das questões mais subjetivas.

Nesse sentido, o interesse maior era garantir o êxito do projeto de irrigação, sendo

as famílias assentadas mais um item inserido nesse complexo arcabouço estatal de fomento ao

progresso. A seguir analisamos como foi a reação inicial dessas famílias transportadas para

esses espaços rurais e como elas foram se moldando a esse novo momento de suas vidas.

23 O citado documento sugere a importância de que o perímetro fosse implantado no entorno de um município

consolidado capaz de atender às demandas por serviços sociais.

Page 38: Os projetos de vida da juventude do perímetro Curu-Paraipaba

38

1.2. A chegada ao perímetro

De acordo com o relato dos colonos e também de funcionários da autarquia, no início,

os técnicos procuraram os agricultores que eram moradores das fazendas que foram

desapropriadas para a implantação do projeto de irrigação. Alguns destes se inscreveram para

permanecerem na área, na condição de colonos reassentados. Esse movimento foi relatado por

alguns dos antigos proprietários, conforme destaca o depoimento de uma antiga moradora:

Foi o patrão do meu marido que incentivou nós a se inscrever no DNOCS. Ele disse

que era bom pra nós, porque nós ia ter uma terra, ter condições de trabalhar. Ele

sabia que meu marido era muito trabalhador e gostava muito da gente. Não queria

deixar a gente desamparado. No começo meu marido não queria, mas depois acabou

ficando. (Maria, esposa de irrigante do setor E)

Nessa ocasião houve muita desistência, mas o perímetro nasceu com as treze

primeiras famílias.

[...] Chegamos em 1975. Quando foi em 1977 começou a chegar mais. Era 16 casas

e ficou apenas três casas desocupadas. Pensava que aqui era uma escravidão, mas

mesmo assim viemos enfrentar essa batalha. Esses treze eram todos daqui perto, das

redondezas. Depois foi que vieram as pessoas de Itapipoca e dos outros lugares. [...] Sofri muito aqui. Não tinha energia e nem tinha água. [...] Eu banhava os meninos o

dia todim e essa água eu ajuntava todinha e aproveitava essa água pra aguar o

canteiro. Quando viemos pra cá íamos pegar água no “E”. [...] O DNOCS viu o

sofrimento então mandaram um carro pipa e colocaram só a pipa em cima de uma

forquilha. E quando nós queríamos água íamos buscar. [...] Só chegou água nas

casas depois de dois anos. [...] Quando chegou energia e água, foi que começaram

colocar mais gente. (M. B., agricultora do setor D1)

Durante a fase de experimentação com os treze primeiros colonos, o DNOCS já

havia encaminhado seu corpo técnico para selecionar as famílias. Geralmente o chefe da

família se inscrevia na gerência do Perímetro. Caso a família atendesse aos pré-requisitos,

uma equipe se encaminhava até sua residência para verificar a veracidade das informações

prestadas e avaliar se estava apta a conseguir uma vaga de colono, conforme salienta Diniz:

[...] os irrigantes para ingressarem no perímetro passavam por uma seleção feita pelo

DNOCS que para tal possuía uma matriz de avaliação que envolvia o conhecimento

da vida do candidato e de sua mulher. Primeiro o trabalhador se candidatava a uma

Page 39: Os projetos de vida da juventude do perímetro Curu-Paraipaba

39

vaga e preenchendo os requisitos exigidos pelo programa, era selecionado.

Posteriormente, o candidato era visitado por uma equipe técnica. Dentre os itens

destacados pelo programa estavam o volume de mão-de-obra familiar e as

experiências agrícolas. Além dos requisitos exigidos, a vida pregressa do candidato

a irrigante era bastante investigada. (Diniz, 1999, p. 86)

Essa afirmativa foi confirmada no depoimento de muitos irrigantes:

Eles procuraram a gente pra se inscrever. A gente se inscrevia e ficava esperando

chamar. A gente fazia logo exame de sangue, exame de saúde, fazia tudo... (C.S.,

agricultor)

[...] Você tinha que trazer uma folha corrida. A gente tinha que passar na delegacia

do seu lugar e trazer uma folha corrida. (G., agricultor)

O DNOCS foi direto ao sindicato. Eu nessa época era apenas secretário. Eles

prometiam que nós teríamos dias melhores, não é o céu, mas terão direito a trabalhar

para vocês, em terras de vocês, vão ganhar financiamento, vai ter uma cooperativa e

o lote é irrigado. Quando chegamos já tinha o “D-1”, depois veio o “D-2”, “C-2”, e

“E”, e o “C-1”. Os quarenta que vieram conosco ficaram espalhados no setor “E”,

outros no “C-1” e “B”. Vim por conta das promessas, pois trabalhávamos de

aluguel. Isso foi o que mais incentivou. Passamos por uma seleção que era de

exames de saúde e entrevista. Depois foram buscar as famílias de caminhão. (Luis,

colono de origem que não mora mais no perímetro)

Assim, cumprida a fase inicial de entrevistas e exames médicos, o agricultor e sua

família eram instalados nos lotes, que recebiam mediante sorteio. Segundo os depoimentos, o

DNOCS ainda providenciava a vinda dos mesmos através de caminhões do próprio órgão.

Alguns relatos apontaram que em um único caminhão chegavam até três famílias, munidas de

alguns poucos pertences.

Durante uma das várias entrevistas com os colonos e suas esposas, nos chamou

atenção o depoimento de Dona Mariana, que disse ter chorado muito quando chegou ao

Projeto. Eles vieram pela possibilidade de adquirir uma terra para trabalhar, mas sentiram o

peso das normas preestabelecidas:

Aqui a gente era tudo preso. Lá a gente tirava o leite e aí dava pra duas vizinha que

não tinha leite e tinha duas criancinha pequena. O resto a gente deixava pra coalhar.

E aí a noite os vizinho vinha “comê” com a gente. E aqui num era assim. Sofri muito

porque aqui a gente num tinha boi. A gente empurrava a carroça. Eu do lado do

Manel (seu esposo). Quando a gente chegava em casa era o cabelo todo cheio de

porcaria de gado porque o vento dava assim e melava o cabelo todo de bosta. Porque

num tinha boi. Nós tinha lá (onde eles moravam), mas num podia “trazê”. Nem o

“cachorrin” nem o gato a gente podia “trazê. (Dona Mariana, agricultora, 76 anos)

Page 40: Os projetos de vida da juventude do perímetro Curu-Paraipaba

40

Conforme ressaltado, eles tiveram que vender ou deixar seus animais e trazerem

apenas alguns pertences básicos. Dessa forma, a chegada ao perímetro foi um momento

difícil, e eles precisaram se adaptar às novas regras.

Eles chegavam nas casa dos patrões e procuravam informações sobre os moradores,

muitos desistiram, pois falavam que aqui tinha um portão de ferro e que ninguém

podia sair. Depois de entrar lá, só sai com permissão. Não vô lá pra esse cativeiro,

Deus mim livre, dizia o povo. Aqui mesmo no C2, para as pessoas que iam trabalhar

na pecuária o gado não tinha chegado. Plantávamos feijão e todos os dias os técnicos

passavam olhando. Era técnico demais. Um dia saiu um colono daqui lá pra

Gerência, pra pedir permissão pra apanhar feijão pra comer. Era duro. (J., irrigante)

O pessoal diziam que depois que entrava aqui eles botava o cadeado e não deixava

mais sair. Eles diziam que era um cativeiro, uma prisão. A gente tinha vontade de

vim, mas tinha medo. Depois que cheguei teve uma época que eu queria que meu

pai me roubasse, me tirasse daqui, mas depois me acostumei. (Chico B., irrigante)

Por outro lado, alguns trouxeram apenas a força de trabalho familiar e a esperança

de uma vida melhor, outros trouxeram também alguns mantimentos, conforme é destacado no

depoimento a seguir:

Chegamos aqui e encontramos um lugar repleto de mato no ano de 1978, dia 18 de

janeiro, na boquinha da noite. Viemos da Assunção. Quando chegamos trouxemos

as meninas. Ficou apenas uma, pois já era casada. Foram doze filhos que vieram.

Trouxemos farinha, feijão, goma, galinha. Chegamos bem fornecidos. Todo mundo

se admirou do que tínhamos. Depois foi se acabando tudo e recebíamos apenas a

mão de obra. O finado cabeção fez um fornecimento para vender produtos os colonos, para receber por ano, no corte da cana. Isso dava apenas para pagar as

dívidas, aí falei assim: vamo embora daqui, mas nós chegamos agora... (M.,

irrigante)

O diálogo entre as várias discussões teóricas (DINIZ, 2002; BURSZTYN, 1984;

CARVALHO, 1987; MARTINS, 2008), o levantamento documental e os relatados das

entrevistas, nos permitem afirmar que os agricultores assentados no Perímetro passaram por

um longo processo de estranhamento, de readaptação às novas imposições e que, apesar de

muitos terem abandonado seus lotes em função de todas essas imposições, essas famílias não

se mostraram apáticas ou omissas. Elas foram incorporando padrões, mas também foram

criando resistências e, por conseguinte, impuseram novos processos de sociabilidade e,

gradativamente, foram aceitando o Perímetro como a sua nova casa, conforme salienta o

depoimento a seguir:

Logo quando eu cheguei aqui tive a oportunidade de comprar uma Kombi

financiada. Foi o gerente da cooperativa que foi no banco comigo e ajeitou o

empréstimo. Então essa Kombi não tinha sossego. Toda semana os colonos

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41

alugavam pra visitar a terra deles. Eles tinha saudade. Isso só foi no começo. Depois

o pessoal se acostumou aqui. (Chico Caipira, irrigante do Setor D1)

1.3.A atuação do DNOCS

Quando fomos selecionadas para atuar como técnica em organização de

produtores – embora a especificação do cargo diferenciasse as antigas assistentes sociais e

extensionistas – uma assistente social do DNOCS nos alertou que procurássemos nos

envolvermos com os trabalhos ditos mais técnicos. Nessa conjuntura, os agrônomos e técnicos

agrícolas eram considerados “os técnicos”, enquanto nós éramos o “pessoal da área social”,

como se essa fosse uma atribuição inferior. Só fomos entender essa separação mais à frente,

ao analisar a trajetória do Perímetro.

Assim, percebemos, ao longo da história do Perímetro, uma separação ou

distanciamento das questões econômico-produtivas das questões sociais, o que ficou marcado

na vida das famílias assentadas. Dessa forma, em termos práticos, a parte econômico-

produtiva foi direcionada ao colono, e estava relacionada à irrigação e aos tratos culturais,

enquanto a parte dita social foi tratada de forma secundária.

Nessa perspectiva, embora esses ensinamentos – apesar de desvalorizados –

também fossem importantes, percebemos que as extensionistas se ocupavam mais em ensinar

às mulheres a cuidar da casa, da alimentação e dos hábitos de higiene, conforme ilustrado nos

depoimentos a seguir:

A Dona Zuila (extensionista) ia ensiná como é que era que a gente podia trabalhar,

fazer canteiro, barrer o terreiro, limpá a casa. Tudo ela ensinava. A gente sabia fazer,

mas ela ensinava. (Dona Tereza, agricultora, 76 anos)

Tinha a Zulmira (extensionista) que era abusada. A gente fazia as coisa e ela

pedindo que a gente fizesse mais, melhor. A gente barria o terrero e ela dizia que

tinha que barrer por acolá tudo. Dizia que o coqueiro que tava perto tinha que limpá

bem limpin. (Dona Almerinda, agricultora,72 anos)

Ela dava a ordem e tinha que fazer. Quem tava acostumada a zelar sua casa, limpá

seus terrero não sentiu dificuldade nenhuma. Mas a pessoa que não tinha esse

costume, que vivia por aí a locel... Aí ela tinha que fazer. Quando ela dava uma

ordem tinha que cumprir. (Nenzinha, agricultora, 71 anos)

Apesar das imposições serem acatadas na maioria das vezes, alguns colonos se

indignavam com essa postura e resistiam, conforme depoimento em destaque:

Page 42: Os projetos de vida da juventude do perímetro Curu-Paraipaba

42

No dia que a D. Zuila veio pra medir o arroz e o óleo lá em casa eu disse: dona Zuila

a senhora nunca trouxe aqui um quilo de arroz ou uma lata de óleo. Então pode

voltar pra trás com essa conversa. (J. B., irrigante)

Esses depoimentos são comprovados pelas várias anotações das extensionistas,

registradas nas pastas dos colonos, que ficam até hoje na gerência do Projeto e cuja cópia

coloca-se anexa (D e E) para ilustrar.

Essa postura paternalista e centralizadora do órgão também foi destacada por um

funcionário da autarquia, que na época era filho de colono.

No início o DNOCS agia assim: a assistente social ia na casa do colono e perguntava

se tava faltando alguma coisa. Olhava tudo. Se uma lâmpada ou um interruptor

estivesse com defeito, ela mandava o eletricista trocar. Se tivesse um doente em casa

o médico ia lá na casa dele. Se fosse preciso mandava para Fortaleza. Lá na central

tinha um posto médico todo equipado. Aqui no Centro Gerencial também tinha um posto. Só levava pra Fortaleza se não resolvesse aqui. (A. funcionário do DNOCS)

Vale acrescentar que esses procedimentos eram adotados, segundo os técnicos do

órgão (o que foi relatado também no depoimento de muitos irrigantes), porque a maioria dos

colonos selecionados era composta por pessoas de pouca instrução e desconhecia as noções

elementares de higiene, necessitando, portanto, desse trabalho educativo específico. Além

disso, o DNOCS era aparelhado tecnicamente e estruturalmente para prestar todos esses

serviços aos colonos e a seus funcionários.

Por outro lado, se às mulheres cabiam os “assuntos do lar”, num primeiro

momento, a sua participação no contexto comunitário do Projeto foi até minada pelo DNOCS.

A postura discriminatória exercida pela autarquia é revelada no depoimento prestado por uma

agricultora. O citado, em última instância, denuncia a postura do técnico no tocante à

discriminação de gênero:

Um dia meu marido me chamou pra participar de uma reunião dos irrigantes e eu

disse que só ia se ele fosse porque lá só tinha um magote de homem. Então eu fui,

quando cheguei lá o Zé Francisco (gerente da cooperativa e funcionário do DNOCS)

disse que a reunião é só para os irrigantes, e eu disse vou assistir a reunião e ai de

quem me tirar daqui dessa cadeira, vou assistir a reunião, ouvir tudo e se precisar

falar eu falo. Ele respondeu que eu além de tudo era linguaruda. (Dona Mazé,

agricultora, 54 anos)

Portanto, para as mulheres, estavam reservadas as atividades domésticas,

enquanto para os homens, cabiam as atividades relacionadas à produção, sendo que deveriam

ser bem capacitados para exercê-las de forma a garantir o sucesso do projeto. Isso não quer

dizer que as mulheres não trabalhassem na agricultura. Os depoimentos delas destacaram que,

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43

principalmente durante o plantio da cana-de-açúcar, elas trabalhavam constantemente,

inclusive levavam os filhos para ajudar no trabalho da família.

Aqui até as mulheres trabalhavam, apanhavam feijão e cortava cana. (...) naquela

época as mulheres trabalhavam muito. Lembro grávida eu ia pro lote cortar capim

pra ajudar o meu marido, tava com três meses de gravidez. (M. irrigante)

Por outro lado, a administração das cooperativas, embora a diretoria fosse

composta por irrigantes, era um técnico determinado pelo DNOCS quem gerenciava a

entidade. Segundo os colonos, na prática, quem “mandava” era a autarquia.

As regras vinham de cima pra baixo. Porque naquele tempo a diretoria quase num

apitava nada. Era o Zé Francisco do DNOCS quem mandava. O que ele fizesse tava

feito. Quando a gente queria fazer um coisa lá vinha uma ruma de dôtor chamar a atenção a nós. (Z. B., irrigante)

Nessa perspectiva, tem-se a formação de uma comunidade composta por famílias

advindas de lugares diversos, de culturas com especificidades próprias e que foram “unidas” a

partir de uma decisão governamental. Ou melhor, além da decisão estatal como forma de dar

respostas concretas à situação crítica24

em que se encontrava a população nordestina rural,

foram as questões objetivas relacionadas ao nível de pobreza da região e a possibilidade de

aquisição de uma terra própria para produzir – aliadas a tantas outras questões subjetivas não

menos importantes – os fatores decisivos para a ocupação do perímetro.

Assim, chegaram os futuros colonos com suas extensas famílias. Muitos sem ter a

ideia exata sobre a realidade a ser vivenciada. Muitos, conforme salientamos anteriormente,

foram obrigados a deixar seus animais para trás e, de certa forma, eliminar ou ocultar seu

passado e abraçar, de certo modo, uma nova vida. Logo no início eles aprenderam que no

sertão,25

embora plantassem na “terra dos outros” eles tinham liberdade (embora fosse uma

liberdade questionável porque eles já eram sujeitados aos patrões fazendeiros), enquanto no

projeto eles deveriam obedecer às ordens do DNOCS e não tinham qualquer autonomia sob a

sua produção e livre locomoção.

Quando nós chegamo aqui tudo era regrado. O técnico contava o tanto de gente que

tinha na casa e dizia quanto deveria ficar de feijão, de leite. O resto ia pra

24 Ao longo do capítulo analisamos o contexto histórico-político que levou à implantação de áreas irrigadas

como estratégia de combate aos fenômenos da seca, da fome e do êxodo rural do nordeste. 25 A maioria das famílias vinha do sertão e cultivava a agricultura de sequeiro.

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44

cooperativa. O técnico sabia mais que a gente quantos litros dava de leite cada vaca.

A gente num tinha direito de dar um litro de leite pra quem morasse fora do projeto.

(João, agricultor, 51 anos)

A gente passou por muita afronta. Uma afronta grande que eu passei foi na planta do

feijão. Disseram que era pra deixar tudo na gerência velha. Daí eu fui lá a noite e vi

que um jumento tava comendo tudo. Daí eu num levei o meu não. Tirei uns 50 litros

pra comer e ensaquei o resto. Daí deram parte lá na gerência pro cabo. Me chamaram na gerência. O Dr. Cabral perguntou porque eu tava desobedecendo as

ordens da cooperativa. Eu disse: eu num tô desrespeitando não doutor. (...) eu bati o

feijão, separei o de comer e o resto deixei lá, mas dentro de casa, não no meio do

tempo como tá lá pro jumento comer. (Z. B., irrigante)

Nessa época vivíamos na ditadura. Existia uma guarita que impedia que

passássemos com qualquer tipo de mercadorias. Chegou até a acontecer de um

vizinho ser preso exatamente por esse motivo: na casa dele estava faltando arroz, farinha, café e açúcar. Então ele levou três sacas de feijão até Paraipaba para vender

e comprar o que estava faltando. Quando encontrou o guarda, então ele tomou a

mercadoria, pois dizia que não podia desviar a produção. Então veio a extensionista.

Quando chega à minha parte, eu como um líder sindical, disse um monte de coisa,

não concordei muito. Prometeu até prisão por ter dito que era uma ditadura, mas

mesmo assim levaram preso o feijão de meu vizinho, da casa vinte e seis do “D-2”.

Ele foi preso por esse simples motivo. (...) Então se ajuntou noventa e cinco homens

para não deixar ele ser preso e nem sair do perímetro. Chegando lá o delegado foi

logo dizendo que havia chamado só um e iria chamar a segurança publica. Então

dissemos: ele só entra com nós e só saímos com ele. Então o delegado perguntou

quem era o líder e respondi: aqui é um por todos e todos por um. A mulher ficou

assim e disse: mas você sabe quem desvia do DNOCS é ladrão. Então perguntei: Quem é mais ladrão? É quem trabalha pra comer, ou quem toma o produto do outro?

É o seguinte: ele pegou toda sua produção e entregou lá e deram apenas três sacos

pra ele comer. O senhor come feijão escoteiro, passa tempo sem beber café, arroz

pra você e sua família, você se atreve a passar o tempo inteiro só com feijão d‟água

e escoteiro? Ele trouxe o feijão para trocar por outras mercadorias, foi só isso. Então

o delegado resolveu nos mandar embora e depois ia falar com o doutor. Só saímos

com ele. A coisa era bem apertada. (L., colono assentado que não reside no

perímetro)

Os depoimentos acima são reveladores e chama a atenção esse último, onde os

colonos se rebelaram contra a autoridade do DNOCS e dos dirigentes da cooperativa e

defenderam um colono que, segundo ele, precisou desviar uma parte de sua produção para

vendê-la e comprar outros mantimentos necessários para a alimentação da sua família. (Ver

Anexo F). Percebemos nos relatos o autoritarismo vivenciado na época da ditadura militar,

período da história brasileira deflagrado a partir do golpe de 1964, marcado pela coerção

violenta às lutas sociais e aos movimentos populares, à livre imprensa e, consequentemente,

exercendo forte controle sob os indivíduos.

Verificamos ainda nos depoimentos a presença de um cabo reformado, contratado

pela cooperativa, segundo os colonos, para “pastorar a gente”. Ao investigarmos essa figura

pitoresca da história do Perímetro, verificamos que o mesmo tinha a função de impedir que os

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45

irrigantes desviassem a sua produção, ou seja, deixassem de entregá-la à cooperativa. O

depoimento a seguir relata sobre a atuação desse funcionário.

Foi a cooperativa, o Zé Francisco26 que contratou ele pra vigiar os colonos, pra não

passar nada pra fora. Só que ele vigiava nós. O pessoal que vinha de fora levava

tudo. Um dia eu fui no Zé Francisco e pedi um dinheiro pra comprar um remédio e

ele disse que num tinha. Então eu disse eu vou vender laranja. Ele disse que não

pode não. Se você vender eu mando o cabo tomar. Pois mande amanhã bem cedinho

que eu vou vender. [...] Quando eu tava despachando as laranjas na cancela ele veio

mais o Zé Francisco. [...] Mandaram me chamar lá na cooperativa. Como é que eu

era um fiscal e fazia um trabalho desses, dizia ele. Era porque eu precisava de

dinheiro. Você tinha e não me arranjou, disse eu, e mandou foi o cabo Araújo vigiar

nós, ganhando o nosso dinheiro pra tomar o que é nosso. Ai foi uma confusão

danada. (Z. B., irrigante)

Essa prática adotada pelo DNOCS, conforme já destacamos, refletia

categoricamente o momento político do país, marcado pela imposição do regime militar.

Eram os técnicos – com seus planos agrícolas – que definiam o que os agricultores iam

plantar, como, quando e qual o tamanho da área. Tudo que eles produziam deveria ir para a

cooperativa, entidade criada pelo órgão, gerenciada por um técnico da autarquia e que detinha

o controle total sobre a política de crédito, assistência técnica, extensão e gestão da

infraestrutura de irrigação de uso comum. Os agricultores, portanto, não tinham qualquer

autonomia sobre suas vidas, embora, conforme já ressaltamos, existissem insatisfações e

resistências.

Nesse sentido, a atuação desse profissional (juntamente com sua equipe de vigias

que ficavam nas guaritas ou circulando em suas motos) perdurou por cerca de sete anos e

depois de muita pressão da parte dos colonos – alguns até o ameaçaram de morte –, ele

acabou sendo afastado. Apesar da equipe fiscalizadora permanecer em vigília contínua no

entorno do projeto, alguns colonos relataram que eles os perseguiam, mas não conseguiam

impedir que os atravessadores entrassem no perímetro e comprassem a produção local.

Muitos, segundo eles, até subornavam os vigias das guaritas para fazer “vista grossa”.

A demissão dessa equipe coincidiu com a abertura política. Assim, com a chegada

da democracia não havia mais “clima” para a execução desses mecanismos coercitivos tão

diretos. Além do mais, houve muita pressão por parte dos irrigantes, já insatisfeitos com essa

imposição.

26 Funcionário do DNOCS cedido para gerenciar a cooperativa.

Page 46: Os projetos de vida da juventude do perímetro Curu-Paraipaba

46

Por outro lado, na visão dos técnicos do DNOCS e até de alguns dirigentes da

cooperativa, esses mecanismos eram justificados pela necessidade de garantir que os

agricultores não desviassem a sua produção. Segundo esta ótica, tratava-se de uma maneira de

assegurar o fortalecimento do cooperativismo e a união entre os mesmos. Acontece que o

sucesso da atividade cooperativista é que os cooperados entendam a importância de estarem

comercializando juntos, de se fortalecerem e decidirem sobre o seu futuro. E mais que isso,

para que eles permaneçam organizados em cooperativa o agricultor deve sentir a necessidade

de agregar valor à sua produção, ou seja, ser mais bem remunerado através da cooperativa do

que com o atravessador.

Mediante análise de vários depoimentos e documentos, percebemos que não havia

a opção entre ser ou não cooperado, ou seja, participar da cooperativa era uma condição para

ser assentado no Perímetro. No entanto, percebemos que esta experiência não foi positiva, em

razão de diversos fatores que explicitamos ao longo deste estudo.

De acordo com vários depoimentos dos irrigantes, a CIVAC – Cooperativa dos

Irrigantes do Vale do Curu – já estava em declínio quando surgiu um possível “salvador da

pátria” que iria resgatá-la. Então veio a negociação com o BNB para financiar a aquisição de

gado.

Nessa época, de comum acordo entre os dirigentes da cooperativa, dos sócios que

fizeram o empréstimo, dos técnicos e dirigentes do DNOCS e até por parte da própria

gerência do BNB, uma parte desses recursos foi desviado para a construção de um posto de

gasolina, uma rádio comunitária e um frigorífico, os quais seriam administrados pela CIVAC.

Segundo relatos locais, em função de divergências políticas internas, essa transação foi

denunciada e uma sindicância foi aberta para apurar os fatos. Consta ainda que o então

gerente do BNB foi afastado e os projetos que aguardavam liberação foram suspensos por

tempo indeterminado. Há quem diga no Perímetro, que o objetivo maior do presidente da

cooperativa na época era soerguer a empresa. Ele acreditava que através desses

empreendimentos e com os outros financiamentos prometidos pelo banco a entidade decolaria

novamente.

Além de todos esses problemas, segundo os colonos, parte do gado comprado

também não tinha qualidade e já estava disponível para descarte por seu proprietário. Consta

também que uma parte dos bezerros foi desviada.

Embora as razões que levaram à falência da CIVAC tenham sido muitas e

complexas, o fato é que sua derrocada colocou em cheque a capacidade organizacional dos

Page 47: Os projetos de vida da juventude do perímetro Curu-Paraipaba

47

irrigantes, a credibilidade das instituições governamentais e marcou profundamente a vida de

todos que compõem este espaço rural.

Nessa perspectiva, uma análise do processo de socialização coordenado pelo

DNOCS nos permite supor, preliminarmente, que este contribuiu para o atual distanciamento

dos jovens, conforme destacado no depoimento a seguir:

Os filhos de irrigantes não se interessaram em continuar porque eles viam como os

pais eram tratados. Era uma fartura sem liberdade, aí eles foram se desestimulando.

Eu tenho raiva quando o pessoal diz que tem saudade daquele tempo. A gente

produzia muito, mas tinha que entregar a produção para a cooperativa e eles não tinham como vender tudo. Daí a gente tinha grande prejuízo, porque eles também

não tinham como vender. (D. Mazé, agricultora)

Embora saibamos dos condicionamentos históricos e estruturais específicos

daquele momento e sem entrarmos no mérito das causas ou apurarmos culpados, todas essas

experiências negativas – implantação de culturas que fracassaram pela ausência ou

insuficiências de canais de comercialização capazes de absorver a superprodução,27

a

obrigatoriedade de se filiar a uma cooperativa28

, além de conviverem sob as rédeas impostas

verticalmente pelo DNOCS – acarretaram marcas profundas nas pessoas desse projeto de

irrigação.

Essas marcas podem ser visualizadas na dificuldade dos colonos acreditarem no

cooperativismo29

e na honestidade de seus dirigentes, na dificuldade de se reunirem em torno

de objetivos comuns, enfim, de se fortalecerem enquanto comunidade e discutirem os

problemas comuns de forma coletiva.30

Essa descrença é repassada – consciente ou

inconscientemente – para os filhos e netos, que, por sua vez, as reproduzem e com isso vão se

distanciando dos seus lotes e das atividades agrícolas nessas respectivas unidades.

Embora a tônica principal deste trabalho não seja a análise da prática adotada

anteriormente pelo DNOCS, partimos do pressuposto de que, para se entender porque os

27 Os agricultores relatam que chegaram a “jogar” tomate na BR-222 como forma de protesto pela falta de

comércio, além da superprodução de laranja e legumes que também não tiveram comércio, dentre muitas outras. 28 Eles não tinham autonomia, mas tiveram que arcar com o peso de todos os fracassos. 29 Atualmente o projeto tem uma cooperativa (COPROCOP), que também foi formada a partir de uma política

governamental (dessa vez pelo Governo do Estado em 2001), mas que é administrada por uma diretoria formada

de irrigantes. Ainda não tem sustentabilidade financeira e grande parte dos sócios permanece na mesma, por

causa de um contrato de integração com a Ypióca, o qual garante o pagamento da energia de bombeamento e

aquisição de adubos. Esse financiamento é descontado anualmente após o corte da cana-de-açúcar. 30 Um dos principais problemas do projeto está na comercialização do coco, que fica subordinada aos revezes do

mercado. Eles “preferem” negociar com seus atravessadores do que através da cooperativa, na maioria dos casos.

Por outro lado, a cooperativa não tem capital de giro para assegurar o melhor preço para o associado.

Page 48: Os projetos de vida da juventude do perímetro Curu-Paraipaba

48

jovens não estão sucedendo os pais na atividade agrícola, culminando com a venda de lotes31

,

faz-se necessário apreender todas as conexões estruturais e políticas que levaram a essa

realidade. Assim, conhecer a história do projeto, a trajetória das famílias assentadas e a

intervenção do DNOCS são panos de fundo essenciais para esta análise.

Vale lembrar que, conforme veremos a seguir, essas discussões não podem ser

processadas isoladamente ou descoladas do contexto socioeconômico e político regional e

nacional mais amplo em que se inserem. Entender esse movimento complexo é essencial para

desvendarmos as questões locais, fruto da investigação proposta.

1.4.A modernização do Nordeste e o Perímetro Curu-Paraipaba

O Nordeste, conforme destaca a história, sempre foi vítima dos reveses climáticos

que ocasionaram grandes secas. Esse fenômeno foi costumeiramente tratado como calamidade

e serviu, sobretudo, para o favorecimento de suas elites. (BURSZTYN, 1984; CARVALHO,

1987)

Nesse sentido, a atuação do Estado em relação a esse fenômeno se deu de diversas

formas, sendo inicialmente pautada em ações de cunho assistencialista e como forma de

amenizar as consequências das secas. Para tanto, no início do século XX, com a criação da

Inspetoria de Obras Contra as Secas – mais tarde transformada no Departamento Nacional de

Obras Contra as Secas (DNOCS) –, foram incrementados estudos técnicos sobre essa região

do Brasil e, consequentemente, desenvolveram-se ações para a construção de reservatórios

d‟água, os quais serviam, inclusive, para a ocupação da farta mão de obra local, além de

minimizar os efeitos da fome e da miséria. (GUERRA, 1981)

Nessa época predominava o discurso da seca e a visão do Nordeste como lugar de

atraso. Esse discurso justificava a liberação de recursos financeiros federais para a região, os

quais, sobretudo, garantiam a continuidade e a manutenção das estruturas de poder local.

(BURSZTYN, 1984; CARVALHO, 1987)

Para Guerra – ex-diretor do DNOCS, estudioso da trajetória histórica da

autarquia, além de defensor fervoroso do mesmo –, foi a partir da construção dessas obras de

31 Existe uma rotatividade grande no projeto que, por ser perto de Fortaleza (90 km) e a 14km de uma das praias

mais bonitas do Ceará (Lagoinha), atrai muitos “gringos”, aposentados e empresários. Muitos deles se interessam

em adquirir os lotes para transformá-los em sítios ou casas de veraneio.

Page 49: Os projetos de vida da juventude do perímetro Curu-Paraipaba

49

armazenamento de água – os açudes – que foi possível a implantação de áreas irrigadas,

consideradas por ele como um “antídoto por excelência contra as secas” (1981, p. 224)

Nessa época, o Estado, através do DNOCS, viabilizou a implantação de áreas

irrigadas nas fazendas particulares. O discurso oficial enfatizava que a ideia central era

garantir a produção agrícola e a fixação do homem no campo, através da parceria entre o

poder público e o privado. Todavia, segundo Carvalho, a seca acabava por beneficiar esses

fazendeiros (que representavam a estrutura de poder local), através da realização de obras

públicas em suas propriedades, além do recebimento de fundos públicos. Essas ações

favoreciam o controle e a subordinação dos agricultores mediante práticas caracterizadas pelo

clientelismo.

Como se sabe, essas práticas não se traduziram na resolução, atenuação ou sequer

em um melhor entendimento dos problemas dessa área. Capturados pelas oligarquias

nordestinas, os organismos encarregados do tratamento desses problemas passaram a

atuar fundamentalmente em benefício daqueles segmentos (...) As obras de busca ou

acumulação de água se concentraram nas propriedades privadas dos médios ou

grandes fazendeiros. Nas fases da seca, o DNOCS recrutava a mão-de-obra por ela

desocupada só depois que os poucos recursos dos sitiantes, meeiros e parceiros haviam-se esgotado; essa mão-de-obra era, as vezes, remunerada em espécie e

empregada na construção de estradas e barragens, em muitos casos no interior dos

grandes latifúndios, com a transferência de recursos do Estado para a implementação

de benefícios em propriedades privadas. (CARVALHO, 1987, p. 46-47)

Apesar desses investimentos, nesse período, a agricultura irrigada não se

desenvolveu como esperado. Conforme Guerra, faltaram recursos para o DNOCS desenvolver

as ações necessárias (assistência técnica, apoio tecnológico e fundo para a compra de

insumos), enquanto os irrigantes-fazendeiros demonstraram desinteresse pela atividade, pois

era mais prático criar gado e continuar “produzindo de metade32

” com os seus moradores, que

atuar numa atividade que requeria tratos culturais específicos e constantes. (GUERRA, 1981)

Nesse movimento, a irrigação somente passou a ser tratada de uma forma mais

planejada a partir da criação da Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste –

SUDENE. Por conseguinte, a implantação dos perímetros públicos, segundo Diniz, estava

intrinsecamente relacionada com a presença do Estado enquanto promotor das transformações

tecnológicas e econômicas necessárias à expansão capitalista, ocorrida, especialmente, após a

criação desta entidade, e em decorrência de diversos fatores.

32

Nesse caso os moradores eram autorizados a plantar e de tudo que eles produziam, metade era do dono da

terra. Assim, o fazendeiro não tinha qualquer trabalho e ainda utilizava os restos culturais, como pasto para o seu

gado. Os irrigantes disseram também que eram obrigados a trabalhar, pelo menos três dias, para os patrões ou

eram obrigados a deixar as casas situadas nas fazendas.

Page 50: Os projetos de vida da juventude do perímetro Curu-Paraipaba

50

A criação da SUDENE não se dá por acaso, porquanto no âmbito nacional a

sedimentação da hegemonia econômica do Centro-Sul industrializado exigia a

inserção econômica do espaço social nordestino. Por outro lado, no Nordeste, as

massas populares começam a se organizar, tanto que a pressão (...) especialmente

das ligas camponesas e dos emergentes sindicatos rurais, gerou um agravamento das

tensões sociais e acelerou o êxodo rural, transferindo os problemas do campo para as

cidades. [...] [colocando] em risco o poder da burguesia nordestina, levando o

Estado a alterar o seu papel na região. (DINIZ, 2002, p. 40)

Vale acrescentar que, modernizar o Nordeste, através do desenvolvimento do

setor agrícola, era prioritário e, inclusive, passava por uma perspectiva de expansão do capital

internacional, materializado através do incentivo dado pelo governo americano, que interferiu

diretamente nesse contexto a partir dos postulados do acordo Usaid-Sudene (1962), que

vieram a contribuir com o golpe militar de 1964:

Sob o pretexto de prestar assistência financeira, a Usaid interferiu fortemente nos

assuntos internos do País [...] Utilizou diversas estratégias para enfraquecer o

esforço de coordenação da autarquia regional, sendo a principal delas a articulação

direta com os governadores nordestinos para implementar ações emergenciais e de

caráter permanente. [...] Os recursos dos convênios com os estados da região eram

repassados aos adversários políticos do Governo Federal, fortalecendo a oposição a João Goulart, e retidos, no caso dos seus aliados. (MARTINS, 2008, p. 35)

Durante o governo militar – sobretudo a partir do final da década de 1960 –, a

SUDENE perdeu espaço como instância de planejamento, ocasionando uma nova forma de

atuação do Estado. Com isso, essa forma de intervenção estatal passou a concentrar-se em

espaços mais restritos e que se apresentaram mais propensos ao desenvolvimento, ou seja, que

ofereceram condições mais favoráveis para dar respostas imediatas. Destacou-se, nessa fase, a

criação do PROINE – Programa de Irrigação do Nordeste.

Nessa época, a irrigação foi tratada como prioridade de Governo. Esta política

visava tanto à criação de perímetros públicos para exploração agrícola familiar – a ser

implementada pelo DNOCS – como a exploração do Vale do São Francisco, que priorizou a

exploração empresarial.

Nesse sentido, esse programa disseminador da irrigação, segundo Diniz, visava a

garantia da expansão capitalista no campo, mediante a implantação de infraestrutura

econômica, além da aplicação de capitais públicos e expropriação de terras.

[...] a intervenção do Estado, via criação de perímetros irrigados, produziu um

espaço adequado às necessidades do modo de produção capitalista, ao viabilizar a

transformação da renda da terra em capital, utilizando-se das relações de trabalho

familiar e não contratando mão-de-obra assalariada. Ou seja, [...] os irrigantes são

Page 51: Os projetos de vida da juventude do perímetro Curu-Paraipaba

51

convertidos em pequenos capitalistas e sua condição como produtores constitui a

reprodução do próprio capital, materializado na forma de máquinas, adubos,

sementes selecionadas, etc. (DINIZ, 2002, p. 40)

Por outro lado, é válido frisar que essa expansão capitalista no semiárido

nordestino, segundo Martins, baseava-se na concepção de desenvolvimento regional já tratada

no relatório do Grupo de Trabalho para o Desenvolvimento do Nordeste (GTDN) 33

, onde o

papel do Estado consistia em gerar empregos e reforçar o surgimento de uma classe dirigente

mais comprometida com a ideologia desenvolvimentista e disposta a combater o “atraso” da

região, marcada pela seca, fome, analfabetismo e pobreza. (MARTINS, 2008)

Vale acrescentar que os documentos que subsidiaram a implantação do perímetro

já ressaltavam a necessidade de superar a estrutura econômica precária do Nordeste, a qual se

apresentava atrasada em relação às regiões Sul e Sudeste, conforme citação a seguir:

Os principais sintomas da estrutura econômica insatisfatória da Região podem ser

encontrados nos seguintes pontos: a economia baseia-se no setor primário, que

envolve mais de 90% da população assalariada, embora este setor primário – dadas

as condições e falta de instalações para a irrigação – se encontram em estado de relativa estagnação; cerca de 50% da população potencialmente ativa é constituída

de desempregados; o produto bruto da região é estimado em menos de 20% do PNB;

(...) o crescimento do Nordeste é estimado em apenas 2,15%, taxa de crescimento

relativamente baixa, que se atribui, em parte, à elevada taxa de mortalidade, e, em

parte, aos intensos movimentos migratórios provocados pelas condições econômicas

pouco satisfatórias da região. (DNOCS, 1970, p. 1-2)

Por conseguinte, apresentava-se a necessidade de modernizar a agricultura através

da implantação de áreas irrigadas:

Qualquer tentativa de reestruturação da agricultura da área deve basear-se no estabelecimento de uma agricultura moderna, orientada para o mercado, culturas

agrícolas diversificadas de pronta venda (cash crops); para obter rendimentos

ótimos, deve-se introduzir normas de manejo que se baseiam na aplicação de

insumos de produção não utilizados anteriormente pela agricultura tradicional.

(DNOCS, 1970, p. 2-1)

33 Também conhecido, até os dias atuais, como Relatório do GTDN, de autoria de Celso Furtado, foi o suporte

teórico para a intervenção planejada na região Nordeste e culminou com a criação da Superintendência do

Desenvolvimento do Nordeste (SUDENE). O estudo preconizava a superação do elevado grau de desigualdade

inter-regional no país, sobretudo pela via de uma maciça industrialização na citada região, articulada à própria

reorganização da agricultura nas áreas irrigáveis - para que a produção de alimentos desse suporte à expansão do

parque industrial nos principais centros urbanos. Essas ações deveriam ser deflagradas pelo Estado nacional-

desenvolvimentista. (MARTINS, 2008)

Page 52: Os projetos de vida da juventude do perímetro Curu-Paraipaba

52

Dessa forma, a agricultura irrigada se contraporia à agricultura tradicional. Ao

analisarmos como se deu essa política modernizante no Perímetro Irrigado Curu-Paraipaba é

importante pontuarmos, a título de exemplo, o depoimento de uma liderança local, destacando

que no início do projeto, atendendo ao planejamento agrícola, não faltavam recursos para a

aquisição de insumos e defensivos. Nessa época, inclusive, os técnicos incentivavam (para

não dizer obrigavam) a implantação de culturas temporárias e eram contrários às culturas

permanentes que, segundo eles, eram inviáveis economicamente. Segundo funcionário do

órgão que trabalhou nessa época, essa orientação foi devido ao fato de que os irrigantes ainda

não eram os donos da terra e, inclusive, poderiam sair a qualquer momento. Porém, alguns

irrigantes destacaram outros motivos, conforme o depoimento dessa liderança local.

No início o DNOCS não aceitava que ninguém plantasse coco. Porque eles diziam

que a nossa área tinha que plantar culturas que você estivesse sempre virando a terra.

Não podiam plantar culturas que enraizassem a terra porque elas não pagavam a

autossustentabilidade do perímetro. Eles queriam que plantassem culturas

temporárias porque o vendedor de adubos era amigo deles. Então havia um consumo

de adubos muito grande. Imagine três mil hectares sendo renovados a cada cento e

vinte dias. A visão deles era consumo. Ou seja, nós passamos uma década como cobaias só para consumir insumos e jogar na terra e a nossa lucratividade que fosse

para o espaço. (Raimundo, liderança local)

O depoimento salienta aspectos relevantes na condução da política modernizante

fomentada no campo pela assistência técnica aos agricultores do perímetro, traduzida na

postura ditatorial e arrogante dos técnicos e no incentivo exagerado ao consumo de defensivos

agropecuários, o que contribuiu, sobretudo, para intensificar os problemas ambientais e de

segurança alimentar. Além disso, determinou, segundo Diniz,

[...] uma subordinação direta ao capital uma vez que os irrigantes são convertidos em pequenos capitalistas e sua condição de sobrevivência como produtores constitui a

reprodução do próprio capital, materializado na forma de máquinas, adubos, sementes

selecionadas, etc., (...) subordinado tanto ao capital financeiro, quando precisa contrair

empréstimo no Banco, quanto ao capital industrial. (DINIZ, 1999, p. 85)

A seguir veremos mais detalhadamente como se processou a política de irrigação

no contexto nacional até a implantação e consolidação do Perímetro Curu-Paraipaba.

Page 53: Os projetos de vida da juventude do perímetro Curu-Paraipaba

53

1.5. A Política de Irrigação e a trajetória de consolidação do Perímetro

A implantação da agricultura irrigada no Brasil, como pôde ser vista, foi se

processando a partir da criação de várias instituições voltadas a questões relacionadas ao

clima, recursos hídricos e de obras de combate à seca, das quais podemos citar como exemplo

o DNOCS, a CHESF, a SUVALE, a CODEVASF, a SUDENE e o Banco do Nordeste.

(Ministério da Integração Nacional, 2008)

Essas instituições – principalmente a partir da criação da SUDENE e do Banco do

Nordeste – foram articuladas em torno do debate sobre as desigualdades regionais, baseado,

conforme ressaltado anteriormente, na teoria desenvolvimentista, e fruto da atuação planejada

do Estado no Nordeste. Nesse contexto, a intervenção do Governo Federal visava à

implementação de políticas regionais voltadas à modernização do Nordeste e à diminuição

das disparidades de renda entre esta Região e o Centro-Sul do País. (MARTINS, 2008)

Destaca-se, nesse contexto, a atuação da SUDENE como instância responsável

pelo desenvolvimento e planejamento regional, cuja meta era a reorganização da economia do

semiárido do Nordeste brasileiro, com a abertura das frentes de colonização nos vales úmidos

maranhenses, a promoção da irrigação no Polígono das Secas e a intensificação dos

investimentos industriais.

Conforme destacado anteriormente, o GTDN propôs diversas ações para

incrementar, tanto o setor industrial do Nordeste, como a sua agropecuária. Para tanto, sugeriu

a modernização das indústrias têxteis, assessoramento técnico para os setores ditos

prioritários, recomendações para facilitar o acesso a financiamentos e tantas outras medidas

que visavam atrair empresários e investimentos governamentais. Por outra via, as propostas

para o setor agropecuário giraram em torno da oferta de terras, da modernização agrícola e da

produção de alimentos,

[...] com a implantação de uma agricultura voltada para o mercado em terras

subutilizadas das zonas úmidas ou na faixa semi-árida onde fosse possível a

irrigação, dotando essa agricultura de padrões tecnológicos e organizacionais que

lhes garantissem uma alta produtividade. (CARVALHO, 1987, p. 69)

Com efeito, a irrigação assumiu caráter prioritário, cabendo aos especialistas

identificar as possibilidades para ampliar a produção nas áreas irrigáveis. Nesse sentido, no

início da década de 1960 foram criados o Grupo de Irrigação do São Francisco – GISF (1960)

e o Grupo de Estudos do Vale do Jaguaribe – GEVJ (1961), os quais levantaram a

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54

possibilidade de expandir a irrigação nos vales perenizados dos rios São Francisco (Bahia) e

Jaguaribe (Ceará).

Nesse período foi lançado o I Plano Diretor da SUDENE (1961-1963), que

destacou a necessidade de promover a irrigação nas bacias dos açudes e barragens públicos e

a colonização das terras úmidas do Maranhão. Apesar das recomendações, as ações da

SUDENE para o desenvolvimento da agricultura foram limitadas a projetos-piloto e estudos

de viabilidade, além de outros incentivos à ampliação da produtividade e racionalização dos

principais cultivos da Região. (CARVALHO, 1987)

Em seguida foram lançados ainda mais dois planos diretores, cuja premissa estava

em expandir a irrigação através da implantação de perímetros públicos (Perímetros Irrigados

Morada Nova, no Vale do Jaguaribe-CE, Bebedouro-Favela, no Vale do São Francisco-PE e

Lameiro, no Vale do Parnaíba-PI). Os referidos documentos também previam a implantação

de um programa de assistência técnica, além do acesso ao crédito agrícola e apoio à

comercialização.

Nessa mesma década o Governo Federal instituiu o GEIDA (Grupo Executivo de

Irrigação e Desenvolvimento Agrário), que, com a assessoria técnica de uma empresa

israelense, realizou amplo estudo acerca das potencialidades da irrigação no Brasil,

determinando a viabilidade técnico-econômica de 73 perímetros irrigados, sendo 62

localizados na região Nordeste

Nesse contexto, a política de irrigação definida pelo GEIDA determinava a

divisão da área desapropriada, em lotes familiares, os quais seriam repassados aos agricultores

mediante instrumento de concessão de posse.

Essas ações planejadas não obtiveram os efeitos esperados pela intervenção das

oligarquias agrárias e, em 1970, uma grande seca colocou a questão Nordeste no cenário

político nacional. Essa situação teve ampla divulgação nos meios de comunicação de massa,

que registraram o deslocamento dos flagelados e a invasão às cidades, na busca de alimentos e

da solução para os problemas dos agricultores. Apesar de tentarem minimizar os fatos, a

situação de calamidade se estendeu, obrigando o governo a adotar medidas emergenciais,

conforme relata Carvalho:

Mas as chuvas não chegaram, a estiagem se tornou irreversível e os problemas das

populações atingidas cada vez mais graves, obrigando o Governo a recorrer, mais

uma vez a medidas assistenciais de urgência para socorrê-las, com a implantação das

chamadas frentes de emergência, que, em maio de 1970, já ocupavam 106.000

trabalhadores. Alguns meses mais tarde, essas frentes absorveriam mais de

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55

quinhentos mil flagelados, que se dedicavam a construção de estradas, depósitos de

água e outras obras públicas [...], em troca de salários que mal dava para sobreviver.

(CARVALHO, 1987, p. 154-155)

Essa problemática, apesar da censura à imprensa, teve grande repercussão. E, mais

que isso, deixou patente o fracasso das intervenções estatais e de sua política de

desenvolvimento regional. Não tendo como ser abafada ou desconsiderada, o Governo

Federal teve que intervir, pois [...] “tornara-se necessário neutralizar o impacto amplo, forte e

nacional dessas críticas e noticias, controlar os graves problemas sociais decorrentes da

estiagem e conservar ou preservar a legitimação e a confiança no poder e nas ações do

Estado e da „revolução‟”. (CARVALHO, 1987, p. 156)

Assim, o governo militar, capitaneado pelo presidente Médici, resolveu tomar as

medidas necessárias para corrigir rumos, buscando, segundo ele, fortalecer a agricultura

nordestina e liberar recursos substanciais para a implantação de programas de irrigação em

áreas selecionadas. (IDEM, 1987)

Nesse mesmo ano, o GEIDA lançou o Programa Plurianual de Irrigação (PPI),

que definia as normas, procedimentos e critérios para implantação de projetos de irrigação,

sendo a maior parte da destinação dos recursos para a região Nordeste, como estratégia de

desenvolvimento econômico e combate à pobreza. (Ministério da Integração Nacional, 2008)

Segundo Sousa (2005), esse instrumento de intervenção do Estado (o PPI) marcou

o início da irrigação como política pública, quando o Estado passou a atuar, de forma

planejada, para expandir a irrigação por meio de altos investimentos públicos, os quais se

materializaram nas obras de açudagem e implantação de infraestruturas de irrigação. Assim,

destacou-se a supremacia da irrigação pública federal, a qual foi concebida, planejada e

executada no Ceará pelo DNOCS.

Por outro lado, foi lançado o Plano de Desenvolvimento do Nordeste (1971), cujo

objetivo principal passou a ser a busca de incorporação do Nordeste ao chamado “Brasil

Grande”34

, ou seja, promover um desenvolvimento capaz de elevar o crescimento econômico,

eliminar as desigualdades regionais, além de desenvolver um programa social de ampliação

da qualidade de vida dessas populações.

34 Analisando os documentos desta época, Carvalho relata discurso do presidente Médici onde afirma que “o

atraso e a pobreza do Nordeste e da Amazônia, além de serem social e politicamente inaceitáveis, tinham

repercussões negativas que chegavam a prejudicar fortemente a produção e a economia do Centro-Sul do País.”

Segundo o presidente, por essas regiões não apresentarem poder de consumo e nem capacidade produtiva

competitivas, acabam não participando do mercado interno e, por conseguinte, contribuem para a elevação dos

custos de produção e consequentemente, aumentar a inflação. (Carvalho, 1987, p. 163)

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56

Essa política desenvolvimentista previa a expansão de investimentos para

consolidar o processo de industrialização do Nordeste, vinculando-o à indústria nacional e

baseando-se, sobretudo, na exploração dos seus recursos naturais. Nesse processo inclui-se a

modernização do campo.

[...] essa reestruturação abrangia recomendações como a racionalização da

agroindústria canavieira, restabelecendo a sua eficiência e liberando terras para a absorção dos excedentes de mão-de-obra, a extensão da fronteira agrícola para as

áreas úmidas do Nordeste e para a Amazônia, a irrigação do semi-árido, e o

desenvolvimento de programas de reforma agrária e colonização. E se preocupava

com a transformação da produção de subsistência e com a expansão de uma

agropecuária em bases capitalistas e empresariais, com a transformação tecnológica,

o aumento da produtividade e a modernização. (CARVALHO, 1987, p. 164)

Nesse contexto, em 1975, foi implantado o Perímetro Curu-Paraipaba. A história

do projeto, relatada pelo “público-alvo”, ressalta o caráter da política implantada pela ditadura

militar35

- salientando, também, uma ação mais planejada de intervenção no Nordeste.

Analisando essa época, os depoimentos dos colonos detalharam uma prática marcada pelo

autoritarismo, medo e tecnicismo, ou seja, baseada na crença maior de que, através da

modernização agrícola se alcançaria o progresso. Mas, que progresso foi esse?

Assim, dentro de uma matriz de intervenções estatais, nasceu o perímetro. O

DNOCS já vinha atuando na região do Vale do Curu,36

através da construção de açudes e

barragens, conhecendo, portanto, suas potencialidades para a irrigação.

Em 1970, antes da implantação do perímetro, houve o lançamento de um terceiro

volume que versava sobre o aproveitamento hidroagrícola da Bacia do Rio Curu,37

estudo este

que foi desenvolvido através de um consórcio “Tahal e Sondotécnica” e que, apesar de

centralizar-se na área de Paraipaba, destacou a potencialidade hídrica da região do Vale do

Curu como um todo.

35 Conforme foi tratado, a expansão de projetos públicos de irrigação nos anos 1970 objetiva-se a modernização

agrícola bem como a transformação dos agricultores em pequenos e médios empresários. Para tanto, o Estado

investe, através de empréstimos do Banco Mundial, na implantação de obras de infraestrutura hídrica, políticas oficiais de crédito e de transferência de tecnologia. (FRANÇA, 2001)

36 Região localizada às margens do Rio Curu, com água em abundância e, portanto, propícia para a implantação

de um projeto público de irrigação. 37 Não tivemos acesso aos outros volumes. Aliás, este terceiro volume nos foi emprestado por um ex-funcionário

do Distrito, que, segundo ele, o tirou do lixo. Segundo referência desse trabalho, o volume 2 detalha as razões da

escolha da chamada “área de Paraipaba” para a implantação do perímetro. Salienta, todavia, que foi fruto das

conclusões obtidas durante os estudos do Plano Diretor, realizado em várias áreas da bacia do Curu. (Ministério

do Interior, 1970)

Page 57: Os projetos de vida da juventude do perímetro Curu-Paraipaba

57

Nesse contexto, o referido estudo consistiu na elaboração do projeto básico para

instalação do perímetro, bem como tratou do seu planejamento agrícola, sistema de irrigação,

estimativa de custos do sistema de irrigação, plano de colonização, organização do projeto,

custos globais do projeto e necessidades anuais de caixa, finalizando com recomendações para

antes e depois da implantação do perímetro. Enfim, foram planejados detalhadamente todos

os aspectos necessários para garantir o sucesso do empreendimento. Após a conclusão dessa

etapa, conseguido o aporte financeiro para a sua implantação e, sobretudo, após o início das

obras, o DNOCS encaminhou técnicos para buscar as famílias que comporiam aquele espaço

rural.

Dessa forma, a análise dos documentos oficiais que tratam do planejamento do

projeto, corroborando com a literatura pesquisada, permite-nos afirmar que o homem foi

tratado de forma secundária, ou melhor, demonstra que a implantação de áreas irrigadas

passou, em primeira instância, por uma decisão de Estado, situada num complexo e

contraditório movimento de intervenção mais eficiente na questão Nordeste, buscando inseri-

lo no contexto nacional de expansão capitalista. Por outro lado, não podemos esquecer que

esta decisão estava estreitamente vinculada ao contexto de lutas e conflitos no campo,

agravados pela exposição da realidade dos “flagelados da seca” em cadeia nacional.

Nesse contexto, coube aos técnicos do DNOCS a seleção das famílias “aptas” a se

adequarem àquela nova realidade – a agricultura irrigada. Uma importante publicação sobre a

agricultura no polígono das secas salienta que a intervenção técnica, após a conclusão do

projeto, deve tornar o homem preparado para usufruir dos benefícios das obras de irrigação:

As operações nas construções das obras de engenharia já foram “rotinadas”, já não

falta mais o numerário, o que não existe é o preparo do homem comum para

aproveitar melhor ou completar o esforço do técnico, que introduziu abruptamente a irrigação como uma cunha na Organização Social Nordestina. (DUQUE, 1973, p.

12)

Assim, embora o homem não estivesse preparado para produzir mediante uso da

irrigação, cabia ao Estado selecionar os mais propensos a se adequarem ao novo modelo de

produção tecnificada.

Nesse contexto, conforme destacou Diniz,

[...] o próprio processo de seleção já se constituía numa forma de controle dos

irrigantes, o que passou a ser constante na vida desses atores, pois ao entrarem no

perímetro já encontravam as regras pré-estabelecidas. Cabia a estes seguir o modelo

de comportamento social, econômico e tecnológico do projeto. (DINIZ, 1999, p. 86-

87)

Page 58: Os projetos de vida da juventude do perímetro Curu-Paraipaba

58

Esse rol de imposições prévias foram decisivas no processo de construção dessa

comunidade de irrigantes, conforme detalhado anteriormente.

Continuando essa história de acertos e desacertos, a partir da metade da década de

1980, a política de irrigação assumiu uma nova fase, marcada pela implantação de vários

programas governamentais, com destaque para o Programa Nacional para o Aproveitamento

Racional de Várzeas Irrigáveis – PROVÁRZEAS (1981), que apoiava técnica e

financeiramente os produtores rurais na implantação de projetos de irrigação em suas

propriedades; Programa de Financiamento para Equipamentos de Irrigação – PROFIR

(1982); Programa Nacional de Irrigação – PRONI (1986), cujo objetivo era impulsionar a

irrigação no Sul, Centro-Oeste e Norte, através de investimentos públicos em obras de

infraestrutura e serviços, e o Programa de Irrigação do Nordeste – PROINE (1986), que

objetivava expandir a irrigação no Nordeste. (Ministério da Integração Nacional, 2008)

Essa década, portanto, sinalizava um novo momento da irrigação brasileira,

caracterizado pela intensificação da premissa modernizante para o setor agrícola, além dos

incentivos para a irrigação privada no Nordeste. De acordo com estudo patrocinado pelo

Ministério da Integração Nacional/IICA, foi uma época

[...] marcada por decisões adotadas em função de prioridades claramente

estabelecidas pelo Governo Federal, em articulação com o setor privado, (...)

restringindo-se a atuação do governo a execução de obras coletivas de uso comum e

indutoras da prática de irrigação em áreas potenciais (...) e a ações de suporte,

cabendo à iniciativa privada as demais providências para a consecução das

atividades produtivas. (Ministério da Integração Nacional, 2008, p. 11 e 12)

Nessa época, a irrigação teve grande impulso financeiro devido às linhas de

crédito específicas, sendo que o PROVÁRZEAS e o PROFIR receberam a maior fatia, recursos

que foram captados inclusive através de empréstimos externos, sobretudo do Banco

Interamericano de Desenvolvimento – BID, do International Fund for Agricultural

Development – FIDA, do KFW Bankengruppe e do governo japonês. Já o PROINE foi

administrado pelo Banco do Brasil e Banco do Nordeste. (OLIVEIRA, 2005)

No âmbito do Perímetro Irrigado Curu-Paraipaba, o final da década de 1970 e

início da década de 1980 significaram um aprofundamento das relações capitalistas,

traduzidas na integração - intermediada pelo DNOCS – entre a Cooperativa dos Produtores do

Vale do Curu (CIVAC) e a AGROVALE.

Page 59: Os projetos de vida da juventude do perímetro Curu-Paraipaba

59

De acordo com Martins (2008), a AGROVALE foi uma agroindústria de cana-de-

açúcar situada no Vale do Curu, que teve a sua implantação e expansão conduzidas pelo

Estado. Assim, decidida a ampliar o seu cultivo restou à agroindústria apropriar-se da força de

trabalho dos irrigantes e de suas famílias. Para tanto fechou contrato com os mesmos através

da respectiva cooperativa, o que, de certa forma, foi determinado pelo DNOCS, uma vez que

este detinha o controle dos irrigantes e de sua produção38

.

Nesse sentido, a empresa teve irrestrito apoio político e financeiro do Estado e das

instituições bancárias, uma vez que a ele propiciou todas as condições logísticas através da

implantação de infraestrutura, além de favorecer o acesso a empréstimos com juros

subsidiados. Por outro lado, garantiu que os agricultores produziriam a matéria-prima (a cana-

de-açúcar). Para os técnicos do DNOCS tratava-se de um casamento “perfeito”, onde o

produtor tinha a garantia do canal de comercialização.

No entanto, de acordo com Martins (2008), essa relação se processou de forma

conflituosa, sendo que a aparente perfeição perdurou até o declínio da agroindústria,

impulsionado pelo mercado e pelo fim dos programas governamentais de incentivo à

produção de álcool, destacado a seguir:

Entrementes, o fim da ditadura militar, o aumento da produção brasileira de petróleo

e o declínio dos preços internacionais deste produto provocaram a retração do setor

sucroalcooleiro. (...) O Próalcool apresentou sintomas de esgotamento: escassez de

recursos, atraso no pagamento dos produtores, fechamento de destilarias, queda da venda de carros a álcool. (...) Em 1990, acompanhando as reformas neoliberais desta

agência e do FMI, o Governo Collor extinguiu o IAA e o Próalcool. (Martins, 2008,

p. 181)

O auge da exploração da cana-de-açúcar foi até 1988, quando esta detinha 43% do

total da área irrigada na primeira etapa do perímetro. Essa relação direta com a CIVAC foi até

1987 quando o DNOCS apresentou um novo modelo de cooperativismo, ao implantar a

COCIVAC – Cooperativa Central dos Irrigantes do Vale do Curu Ltda., ao mesmo tempo em

que criou mais quatro cooperativas em cada setor. As cooperativas criadas foram a

COAPROL (Cooperativa Agropecuária dos Produtores Rurais do Setor “B” Ltda.), COSEC

(Cooperativa Agropecuária do Setor “C” Ltda.), COPROSEL (Cooperativa dos Produtores

Rurais do Setor “D” Ltda.) e COAPI (Cooperativa Agropecuária dos Produtores do PICP do

Setor E” “Ltda.). (Queiroz, 1992)

38 A esse respeito consultar Açúcar no Sertão, de Mônica Dias Martins.

Page 60: Os projetos de vida da juventude do perímetro Curu-Paraipaba

60

Na prática, a COCIVAC – que seria a cooperativa central – era a mesma CIVAC,

a qual ficou funcionando apenas no papel. Alguns irrigantes hoje criticam esta divisão que,

segundo eles, foi imposta pelo DNOCS e que acabou enfraquecendo a CIVAC, que teve que

dividir o seu patrimônio com as singulares:

Eu levei foi um carão do Dr. Menezes – técnico do DNOCS. Ele disse que se no

projeto tivesse gente pessimista como eu não iria pra frente. Eu disse na reunião que não acreditava, pois se uma não deu certo, imagine um bocado dividido, sem

recursos, sem nada. Ora, a CIVAC tinha ônibus, caminhão, tratores e até boi

reprodutor e mais de cento e trinta funcionários. Nessa época da divisão já não tinha

mais nada. (João, presidente do Distrito)

Por outro lado, segundo depoimento de funcionário do órgão, essa determinação

veio da administração central em função do novo momento do País, ou seja, a democracia.

Para este funcionário, o DNOCS foi uma instituição forte na época da ditadura militar e a

cooperativa só funcionou enquanto foi gerenciada por funcionários do órgão.

A cooperativa só funcionou enquanto foi gerenciada pelo DNOCS. Funcionava por causa

da ditadura. Com o fim da ditadura a ordem era entregar a administração pros colonos.

Então o DNOCS afastou o Zé Francisco (ex-gerente e funcionário do DNOCS) e foi uma

catástrofe. Quando eles criaram as singulares foi um desastre porque eles entregaram pros

colonos administrar, que eram tudo analfabeto, que não sabia administrar. Daí não deu

certo. Só deu despesa. Só durou uns três anos e foi três anos de decadência. (A. funcionário

do DNOCS)

Nesse sentido, pesquisa realizada na época apontou que 16,1% dos irrigantes não

aderiram às cooperativas singulares, significando, de certa forma, que o DNOCS já não

detinha o controle absoluto sobre a vida dos irrigantes. (QUEIROZ, 1992) Muitos motivos

foram apresentados para esta não adesão, e um deles foi que a experiência cooperativista da

CIVAC não foi positiva, sobretudo pela má atuação dos seus dirigentes, que acabou

resultando no desmembramento. Por outro lado, essa insatisfação com os dirigentes se

justificava pelos desvios de recursos e de produção, ou melhor, pelo fato destes dirigentes,

juntamente com funcionários do DNOCS, se autofavorecerem da estrutura da cooperativa:

Eu sei que o desvio era grande. Tinha diretor e funcionários que desviava a

produção dos demais irrigantes, vendia e ficava com o dinheiro. Tudo que o pessoal

Page 61: Os projetos de vida da juventude do perímetro Curu-Paraipaba

61

do DNOCS fazia era com a conveniência dos dirigentes, que também se

beneficiavam enquanto os colonos ficavam no prejuízo. O preço era o que eles

diziam e a gente não podia vender pra outro que pagavam melhor porque eles não

deixavam. (Francisco, irrigante)

Eu ouvia a maioria dos colonos dizer que lutavam para sair da cooperativa. Eles

queriam achar um jeito de sair fora. No começo todo mundo ia porque era sujeito,

obrigado. A gente via a coisa errada. O presidente melhor que teve por aqui pegava o carro da cooperativa e passava a noite num cabaré lá em São Luiz do Curu.

Certamente gastando o dinheiro da cooperativa. (João, irrigante)

Sempre aparecia roubo, eram poucas pessoas que tinham saldo. Às vezes levava de

carrada de produção e mesmo assim não tirava saldo. Tirávamos dez litros de leite

de manhã e ainda tirava em outro balde. Era umas vacas muito boas, vindas da

Argentina. Elas comiam uma ração balanceada. Tínhamos muito cuidado com elas,

davam vinte litros de leite. Esse leite era todo entregue a Cooperativa. Parece que entrava num buraco de formigueiro e sumia. Por isso a descrença dos colonos em

relação a Cooperativa. (M., irrigante)

Por outro lado, os problemas relacionados à comercialização da cana-de-açúcar

colaboraram para o descrédito dos colonos em relação à cooperativa.

Para mim a cooperativa fracassou por causa da desvalorização da cana-de-açúcar.

No começo todo o mundo tinha saldo, a terra era fértil. Com o tempo já não

compensava produzir. No início dos anos noventa apenas uns dez por cento

continuaram com a cana. (João, irrigante)

Além disso, muitos se afastaram da cooperativa porque alegaram que tiveram

prejuízos na comercialização. Isso ocorreu porque, em grande parte das vezes, eles produziam

e só depois é que a cooperativa buscava a comercialização, ocasionando a armazenagem dos

produtos durante semanas. Para eles era melhor vender aos atravessadores, pois recebiam o

pagamento na hora e não precisavam pagar os encargos cobrados pela cooperativa, ou seja,

7% de taxa de comercialização e 2,5% do Funrural. (QUEIROZ, 1992)

Vale acrescentar que os técnicos do DNOCS eram os responsáveis pela

elaboração dos planos de cultivos, ou seja, eram eles quem definiam as culturas a serem

implantadas. Dessa forma, embora não vissem por este lado, também eram responsáveis

diretos pelos prejuízos dos irrigantes, que entregavam a sua produção à cooperativa –

gerenciada por um técnico do órgão – a qual – por dificuldades de escoar a referida produção,

chegava até a “jogar no mato” carradas de tomate, feijão e laranja, conforme destacam os

depoimentos a seguir:

Olha os colonos tinham prejuízo. Eu vi muitas vezes tomate se perder no lote,

macaxeira se perder no lote porque não tinha comércio. A laranja era comprada

pelos próprios vendedores de insumos que colhiam a produção do irrigante e

mandava jogar na BR-222. Eles faziam isso pra dar uma resposta aos irrigantes, mas

Page 62: Os projetos de vida da juventude do perímetro Curu-Paraipaba

62

diziam que não vendiam porque a laranja era azeda. O valor que os colonos

recebiam da cooperativa era inferior aos custos de produção. Eles sempre tinham

prejuízo. (Raimundo, irrigante do Setor D2)

Eu queria que o Governo tivesse garantido a comercialização da nossa produção

porque eu produzi muita cenoura e não tive pra quem vender. Foi uma tristeza ver

tudo se estragando. (Manoel, irrigante do Setor D2)

Todos esses problemas e tantos outros contribuíram para a falência das

cooperativas e do cooperativismo no Perímetro, a primeira a fechar foi a COCIVAC, em

1991, e as singulares se arrastaram até meados de 1995. A antiga CIVAC voltou a funcionar

em seguida, mas já de forma precária. Essa situação, por sua vez, gerou como consequência

certo distanciamento estratégico do DNOCS, no que se refere à sua interferência nas questões

produtivas e de comercialização. Uma análise dessa história nos permite afirmar que,

geralmente, quando os planos não davam certo, o Governo se retirava, deixando os produtores

com o prejuízo. Estes, precisando criar novas estratégias de sobrevivência, acabaram

plantando coco, mesmo sem o consentimento do DNOCS.

Por outro lado, apesar de todas as dificuldades relacionadas à comercialização,

produção e organização social dos irrigantes através das cooperativas, vale destacar que,

durante a sua implantação e até o final da década de 1980, houve investimento maciço, por

parte do governo federal, no Perímetro, através da implantação de obras de infraestrutura de

irrigação de uso comum, além de redes de energia elétrica, rede viária, rede de abastecimento

d‟água, construção de casas, escolas, postos de saúde, galpões para armazenar produção e

maquinários, escritórios das cooperativas, dentre outras39

.

No entanto, os irrigantes da chamada segunda etapa – implantada entre os anos de

1985 e 1990 – não tiveram os mesmos benefícios, ou seja, eles receberam os lotes no mato e

só ganhavam o sistema de irrigação depois de desmatá-lo e destocá-lo. Além disso, apenas os

quarenta e cinco primeiros receberam as casas parcialmente construídas por conta de

problemas na relação com a construtora contratada.

Em seus relatos, os irrigantes da segunda etapa lamentaram por não receberem os

mesmos benefícios dos irrigantes da primeira etapa, quando os recursos eram, pelo menos

aparentemente, mais fartos. Assim, a maioria desses irrigantes selecionados pelo DNOCS

acabou desistindo de assumir o lote. O depoimento de um funcionário da autarquia nos ajuda

a entender esse momento:

39 Todos esses serviços eram executados pelo DNOCS, através da contratação de firmas.

Page 63: Os projetos de vida da juventude do perímetro Curu-Paraipaba

63

Na época o DNOCS me dava a relação e eu entregava os lotes. Depois que entreguei

os quarenta e cinco primeiros kit‟s de irrigação e teve a confusão das casas, muita

gente desistiu. Tinha gente que queria especular, mas eu tomava o lote. Daí os lotes

que ninguém queria foi entregue pras cooperativas e elas botavam quem elas

queriam. Entrou muito filho de colonos. Daqueles mais espertos, que tinham

amizade com o pessoal da cooperativa. Tinha funcionário do DNOCS que agiam de

má fé, faziam politicagem e houve muita denúncia. A partir de 1993 os ricos

começaram a comprar os lotes e houve denúncia até na imprensa. Foi aberta

sindicância, que durou mais ou menos até o ano 2000. O DNOCS até tentou impedir

a venda, mas não conseguiu. (A. funcionário do DNOCS)

O depoimento do funcionário, apesar de não aprofundar o assunto, revela as

condutas praticadas naquela época, marcada por posturas clientelistas e pouco transparentes,

tanto por parte de funcionários do órgão como por parte dos dirigentes das cooperativas. O

relato destaca ainda que nessa época houve confusões e escândalos relacionados à venda de

lotes para pessoas ditas ricas, que queriam usar os lotes habitacionais do perímetro, como

morada de veraneio40

ou apenas especular.

Esses fatos contribuíram para que a credibilidade do DNOCS perante a

comunidade fosse abalada irremediavelmente41

. Os demais colonos, que não participavam

desse círculo vicioso42

, tornaram-se críticos ferrenhos de suas próprias organizações e até hoje

muitos ainda dizem que todos que entram na associação são desonestos, o que demonstra que

o histórico desastroso dessas organizações tem reflexos negativos na atualidade e contribui

para o enfraquecimento das mesmas.

Por outra via, gradativamente, a condução de algumas políticas públicas,- como

saúde e educação – que até a metade da década de 1980 foram executadas diretamente pelo

órgão, foram absorvidas pelo Município. Outras, tais como assistência técnica, continuou sob

a responsabilidade do órgão, embora historicamente não tenha sido bem conduzida. Relatos

dos irrigantes informaram que esta política, apesar do seu caráter autoritário, só existiu, de

fato, na primeira década de implantação do Projeto. A partir da segunda década ela foi se

dando de forma precária, ou seja, apenas quando “surgia” verba era que o DNOCS transferia

o recurso para as cooperativas e, após sua falência, para o Distrito – organização dos

irrigantes – ou até mesmo contratavam empresas por meio de licitação. Assim, como não é

uma política pública consolidada, com recursos garantidos, esta vem sendo desenvolvida de

40 O perímetro está localizado há 14 km de Lagoinha, uma das praias mais bonitas do Ceará e que está incluída

no seu roteiro turístico. Essa proximidade da praia, aliada à proximidade da Capital atrai investidores e

estrangeiros. 41

Alguns relatos dos colonos destacam, de forma irônica, que, a partir dessa época, “quando aparece carro do

DNOCS cheio de técnicos é porque foi liberada diária para eles gastar.” 42 Geralmente, alguns colonos que faziam parte dos cargos diretivos – cooperativa ou Distrito – costumavam

usar os respectivos cargos para se autobeneficiarem.

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64

forma fragmentada, descontinuada e à mercê das intenções dos governos, causando, na

maioria das vezes, muito mais danos do que benefícios, além de aumentar o descrédito do

DNOCS perante os colonos.

Vale a pena situar nesse contexto a criação da Associação do Distrito de Irrigação

Curu-Paraipaba no início da década de noventa. Nessa época, a política de irrigação deu

ênfase à emancipação, que já vinha sendo debatida no cenário nacional desde a segunda

metade da década de oitenta. Situada num contexto neoliberal, o raciocínio básico era que o

Estado não poderia mais arcar financeiramente com a manutenção dos perímetros, e que seria

necessário capacitar as organizações dos produtores para assumirem a gestão da infraestrutura

de irrigação de uso comum, independentemente do aporte de recursos federais. Esse momento

do perímetro será discutido a seguir.

1.6.A criação do Distrito: nova tentativa para emancipar o perímetro

Em 1988, fruto de um convênio celebrado entre PRONI/PROINE/IICA, foi

elaborada uma proposta técnico-econômica para formulação de planos de recuperação e

modernização dos perímetros irrigados do DNOCS, cujo objetivo maior era promover a

emancipação dos mesmos. De acordo com este documento, a proposta era que um grupo de

técnicos brasileiros e estrangeiros – formado por profissionais de agronomia, especialistas em

irrigação, economia agrícola e extensão rural – elaborasse um diagnóstico e um plano de

recuperação específico para cada perímetro, inclusive para o Perímetro Curu-Paraipaba.

Embora não tenhamos encontrado, na biblioteca do DNOCS ou na internet,

registro sobre os resultados desse trabalho, é importante frisar que a proposta de emancipação

nele contida foi uma resposta do governo brasileiro à determinação dos organismos

internacionais, ou seja, fruto da política neoliberal coordenada pelos norte-americanos que

impunham como condição básica para a cooperação financeira – através de empréstimos do

Banco Mundial e FMI – a adoção de uma política de redução do papel do Estado, além do

controle fiscal e abertura da economia. (OLIVEIRA, 2003; FRANÇA, 1990)

Apesar dos cenários internacional e nacional convergirem para a política de

emancipação, na prática, ela começou a tomar corpo no perímetro estudado a partir da criação

da Associação do Distrito de Irrigação Curu-Paraipaba. Assim, em 2001, quando participamos

do processo seletivo para fazer parte de uma equipe técnica que prestaria assistência ao

perímetro, durante uma entrevista, o então Diretor de Irrigação do DNOCS disse-nos que os

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65

distritos foram criados porque o DNOCS já havia feito de tudo para unir os irrigantes, e a

forma que eles encontraram foi por meio da água. Segundo o diretor, independentemente das

culturas a serem implantadas, todas precisariam de água. Ou seja, caberia ao Distrito fazer

chegar água às unidades parcelares, através da administração, operação e manutenção da

infraestrutura de irrigação de uso comum.

Por outro lado, conforme expressamos anteriormente, o Distrito nasceu no

contexto da chamada emancipação, que previa repassar aos irrigantes, através de suas

organizações, as funções até então exercidas diretamente pelo DNOCS, ou seja, a gestão do

perímetro. Embora já existissem as cooperativas que se ocupavam de algumas atividades

ligadas à gestão do Perímetro, segundo a proposta do IICA, “a maioria dessas cooperativas

não têm atingido um grau de desenvolvimento e capitalização que lhes permita constituir-se

no órgão gerencial das atividades do perímetro” (IICA, 1988, p. 3), o que talvez tenha

contribuído para a criação de uma nova entidade, o Distrito.

Vale lembrar que a implantação de distritos para administrar os perímetros

também era apontada como uma tendência mundial, sendo essa nomenclatura importada dos

Estados Unidos. Além disso, o cooperativismo implantado no perímetro já dava sinais de

decadência, e muitas cooperativas já estavam inadimplentes perante as instituições bancárias e

em relação aos encargos sociais, o que também as impossibilitavam de celebrar convênios

com órgãos públicos, notadamente o DNOCS. Assim, era mais “prático” criar uma nova

entidade, ignorando o fato de que essa “nova” entidade seria composta pelos mesmos

“velhos” associados.

De acordo com a análise documental das atas das assembleias gerais do Distrito,

bem como as das reuniões do seu Conselho Administrativo (órgão formado por irrigantes

eleitos para administrar o perímetro), essa entidade foi criada de forma precária e registrou

baixa participação dos usuários, ou seja, apenas noventa e sete participaram da sua

constituição oficial.

Nesse sentido, as cooperativas, que até então acumulavam algumas atividades

relacionadas à gestão da infraestrutura de uso comum juntamente com o DNOCS, passaram a

atuar apenas no que se refere à parte produtiva, principalmente na comercialização e acesso ao

crédito.

Dessa forma, através do IICA – Instituto Interamericano de Cooperação para a

Agricultura, em 1990, o DNOCS realizou um grande trabalho de mobilização dos irrigantes,

colocando a importância da emancipação, ou seja, que estes “caminhem com seus próprios

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66

pés”. O Governo se comprometeu a apoiar, e falava da emancipação como uma necessidade

do momento atual.

Nessa ocasião foram criados os comitês setoriais, formados pelo conjunto de

irrigantes de cada setor do perímetro. Esses comitês teriam como foco principal

[...] analisar, discutir e buscar soluções dos problemas que afetam o sistema

operacional de irrigação, bem como outras questões de interesse da comunidade setorial; [...] cooperar com a fiscalização das utilizações irregulares da infra-

estrutura de irrigação e social de uso comum, bem como zelar pela utilização

racional da água e do solo dos setores; [...] indicar os membros do Conselho de

Representantes. (Art. 43º do Estatuto Social da ADICP)

Também foi formado o Conselho de Representantes, cuja atribuição maior, além

de indicar os componentes do Conselho Administrativo, era fiscalizar os atos da

administração, inclusive, [...] “o acompanhamento das atividades do Conselho de

Administração, discutindo e executando projetos que visem o desenvolvimento do

Perímetro”. (Art. 44º do Estatuto Social da ADICP)

Assim foi constituída a estrutura de funcionamento do Distrito, sendo implantado

também, conforme previa a Lei de Irrigação (Lei nº 6662, de 25.06.1979, regulamentada pelo

Decreto Nº 89.496/84 e mais à frente pelo Decreto Nº 2.178/97), o K², tarifa composta pela

taxa de manutenção (para cobrir as despesas de administração, operação e manutenção da

infraestrutura de irrigação de uso comum) e pela taxa para pagamento da energia de

bombeamento.

Apesar do respaldo legal, e do DNOCS ter tomado todas as providências para a

composição burocrática dessa entidade, na prática o processo de emancipação teve muitas

dificuldades, especialmente na sua fase inicial. De acordo com os respectivos livros de atas

citados, o Conselho Administrativo eleito não tinha condições técnicas e financeiras para

atuar diante dos enormes problemas relacionados ao sucateamento da infraestrutura. Por outro

lado, não havia convênio repassando essas atribuições para o Distrito, conforme destaca ata de

reunião deste conselho seis meses após a constituição do Distrito:

Os demais (diretores) disseram que com a demora da assinatura do contrato e do

convênio, o Distrito não pode operar ou tomar decisões em relação ao que lhes

compete e que isto poderia aumentar o descrédito dos irrigantes, atrapalhando todo o

trabalho de conscientização feito junto aos irrigantes reunidos em comitês. (Ata do

Conselho Administrativo da ADICP, em 28/12/1990).

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67

Em janeiro do ano seguinte o DNOCS contrata a empresa Água Solos para

administrar o Perímetro. A análise da ata da diretoria daquele período demonstra a

insatisfação dos irrigantes por entenderem que a referida empresa iria fazer o trabalho que o

Distrito legalmente deveria fazer, contrariando também os princípios do Programa de

Emancipação, que previa passar estas atividades para a organização dos irrigantes.

Essas situações dificultaram o início do processo emancipatório, destacando a

morosidade do DNOCS para efetivar o convênio de transferência de responsabilidades, além

da contradição verificada quando este resolveu contratar uma empresa para executar papel

que foi destinado à organização dos produtores. Não há relatos nesses livros de ata se tal

contratação foi à frente. Por outro lado, em outubro de 1991, o Distrito assinou o primeiro

convênio, cujo objeto destacava:

Este convênio tem por finalidade transferir ao Distrito a execução de serviços e

atividades relativos a administração, operação, manutenção e apoio à produção

agrícola do projeto, bem como conceder, em uso, os bens inerentes à execução

desses serviços e atividades, com vistas a emancipação do Projeto Curu-Paraipaba.

(Convênio PGE 70/91, cláusula primeira)

Em 1992, com apenas vinte e nove irrigantes, outra diretoria do Distrito foi eleita,

sem que tenha sido registrada qualquer de suas realizações. Apenas a partir de setembro de

1994, também com um número inexpressivo de irrigantes (apenas trinta e dois), uma nova

eleição foi realizada no mesmo contexto de dificuldades. A ata, além dos problemas

relacionados à inadimplência, destaca o sucateamento da infraestrutura de uso comum.

Na oportunidade, fizeram uso da palavra vários usuários, destacando-se a

explanação da situação em que se encontra o Distrito de Irrigação, tendo sido

apresentado várias sugestões com o intuito de minimizar a penúria em que se

encontra o sistema de bombeamento d‟água. (Ata de assembléia geral da ADICP,

1994)

Apesar da situação de “penúria” destacada pelos usuários, a nova diretoria apenas

se reuniu oficialmente seis meses depois para discutir os citados problemas. Como solução,

foi apresentada a ideia de pedir apoio ao DNOCS para disponibilizar pessoal para trabalhar na

manutenção e operação do Perímetro. O então coordenador da equipe de fiscalização do

DNOCS no Perímetro ficou com a incumbência de levar esta reivindicação aos superiores. Na

reunião seguinte, este trouxe a resposta de que o órgão não teria como disponibilizar pessoal

Page 68: Os projetos de vida da juventude do perímetro Curu-Paraipaba

68

ou recursos financeiros, cabendo ao Distrito criar estratégias para aumentar a sua arrecadação.

O citado coordenador sugeriu que o distrito contratasse um agrônomo – ex-funcionário da

empresa Água Solos – para gerenciar o Projeto. Pressionado a cumprir seu papel de

administrador do projeto, o Conselho Administrativo resolveu criar uma taxa extra, elevando

a taxa de administração e manutenção para R$10,20 (dez reais e vinte centavos).

Essas providências, contudo, pareceram não surtir os efeitos esperados e o Distrito

não conseguiu reverter a situação de inadimplência e, consequentemente, resolver o problema

do sucateamento da infraestrutura de uso comum, que apenas se agravou, conforme destacado

na ata de reunião da diretoria, que contou com a presença do coordenador do DNOCS no

Perímetro, além do Diretor Regional do órgão e o então procurador:

A presidente do Distrito [...] falou aos presentes das dificuldades constantes do

Distrito no tocante a falta de recursos e de pessoal especializado para operar e

manter o sistema de irrigação, bem como da grande inadimplência dos irrigantes

quanto ao pagamento da taxa de energia para bombeamento d‟água, da taxa de

manutenção e taxa administrativa. [...] o Distrito não tinha meios e autoridade

suficiente para sanar os problemas, notadamente quanto a inadimplência dos

usuários, estando muitos deles com atrasos superiores a seis meses e alguns com lotes em completo abandono. [...] A presidente alertou, mais uma vez, que, de

acordo com aquele convênio a carga de trabalho para o Distrito era imensa e que

sem a ajuda financeira e apoio técnico do DNOCS, tornava-se praticamente inviável.

(Ata de reunião do Conselho Administrativo da ADICP, em 12.05.1995)

Apesar dos apelos da diretoria, o DNOCS alegou não possuir recursos financeiros

e nem pessoal de nível superior disponível para atuar no Distrito. Por outro lado, é válido

destacar que o DNOCS vinha disponibilizando todo o pessoal operacional, ou seja, os

operadores de bombas para as estações de bombeamento, além de pessoal administrativo e os

práticos que atuavam na equipe de manutenção. O que o Conselho Administrativo do Distrito

reivindicava naquele momento era a disponibilidade de profissionais de nível superior, tanto

para gerenciar o perímetro quanto para atuar na coordenação dos trabalhos da equipe de

manutenção, que carecia de atuação mais técnica. Além disso, a taxa de manutenção

arrecadada, segundo eles, não era compatível com as despesas do perímetro, carecendo de

aporte financeiro do Governo.

Nesse contexto, conforme já destacamos, o processo emancipatório do Perímetro

não foi conduzido de forma planejada e nem de conformidade com o que preconizava a

própria política de irrigação. De acordo com a legislação, o processo de emancipação deve

ocorrer [...] quando constatados o término das obras de infra-estrutura indispensável, o

assentamento de, pelo menos, 2/3 (dois terços) dos irrigantes e a comunidade esteja social e

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69

economicamente apta a se desenvolver, dispondo de uma organização interna que lhe

assegure vida administrativa própria e atividades comerciais autônomas. (Inciso 2º do

DECRETO Nº 89.496/84)

Dessa forma, apesar da infraestrutura estar implantada e os colonos devidamente

assentados, conforme as análises documentais e depoimentos coletados, as suas entidades

associativas ainda não estavam plenamente organizadas. Ou melhor, o Distrito ainda não

estava preparado para assumir a gestão do Perímetro, pois não possuía auto-suficiência

técnica, econômica e administrativa. Inclusive é difícil entender como o DNOCS esperava

que uma entidade praticamente criada “a toque de caixa”, com baixa participação dos

irrigantes – percebida pela baixa frequência nas assembléias – pudesse se autogerir em tão

pouco espaço de tempo. A impressão que se tem é que o DNOCS queria, a todo custo, se

livrar do fardo que se tornou o Perímetro, já que não havia nem recursos financeiros nem

interesse em investir no mesmo.

Vale destacar que essa postura do órgão, àquela época, vinha de encontro ao que

preconizava o próprio convênio celebrado com o Distrito, no qual foram destacadas

obrigações que o DNOCS não cumpriu ou cumpriu parcialmente, sobretudo as seguintes:

Assumir responsabilidades financeira, de acordo com as suas disponibilidades e conveniência administrativa, pelas obras de recuperação da infra-estrutura de

irrigação de uso comum, relacionada no anexo deste convênio. (Convênio PGE

70/91, cláusula segunda)

Por outro lado, é importante ressaltar que, como a citada cláusula diz, a

recuperação da infraestrutura está subordinada à disponibilidade financeira e conveniência

administrativa, o que sempre deixou o órgão em posição confortável frente aos problemas

estruturais do Perímetro. Ou melhor, se não há orçamento federal, não há responsabilidade da

autarquia perante a organização dos produtores.

Além disso, as organizações que tratavam da parte produtiva ainda estavam em

processo de falência e já havia muitos lotes abandonados, sem falar nos altos índices de

inadimplência, conforme destacado nos relatos das assembleias e reuniões. De um modo

geral, os irrigantes, naquela época, não queriam a emancipação, pois eles alegavam que “se

estava ruim com a precária atuação do DNOCS, ficaria ainda pior sem o mesmo”. Muitos se

negavam a pagar as taxas de manutenção e energia de bombeamento, pois acreditavam que

era obrigação do DNOCS.

Page 70: Os projetos de vida da juventude do perímetro Curu-Paraipaba

70

Os irrigantes temem a emancipação porque eles reclamam do DNOCS, mas hoje

ainda tem alguém a quem eles culpar. Com a emancipação eles não terão mais

ninguém para responsabilizar. (Colaço, ex-presidente do Distrito)

Embora o depoimento demonstre que, não obstante todos os problemas

relacionados à atuação ou má atuação do DNOCS, este funciona como uma espécie de cortina

que faz com que o irrigante não enxergue sua capacidade ou não assuma suas

responsabilidades perante a gestão do Perímetro. Contudo, o fato é que a condução do

processo de emancipação vem se dando de forma equivocada e capenga.

Eu participei das reuniões no início da formação do Distrito. A idéia era passar tudo

para os irrigantes. Eles - o DNOCS - querem, mas de fato parece que eles não

querem soltar. Ekes não davam as condições. O Distrito não tinha nenhuma

estrutura. Era uns birôs velhos do DNOCS, máquinas de escrever precárias. (Colaço, ex-presidente do Distrito)

Vale ressaltar que, de acordo com Relatório do Tribunal de Contas da União –

cujo objetivo era conhecer os projetos de irrigação do DNOCS, a sua sistemática de atuação,

critérios de seleção, bem como os modelos de irrigação adotados pelo órgão – historicamente,

a atuação do DNOCS, no que se refere à emancipação dos perímetros, não se deu de forma

eficaz:

Até meados dos anos 80, os perímetros jurisdicionados pelo DNOCS conviveram com um gerenciamento do tipo misto, no qual grande parte das funções cabia ao

órgão, enquanto as organizações de produtores tinham pequena ou nenhuma

participação no processo decisório dos perímetros. Por força da própria Lei de

Irrigação, foi estimulada a participação dos irrigantes e de suas organizações na

gestão dos perímetros. O DNOCS iniciou um tímido programa de emancipação de

seus perímetros em meados de 1983, que consistiu, fundamentalmente, na tentativa

de romper com o paternalismo do órgão para com as organizações. O programa foi

ineficaz, pois além da falta de recursos, não desenvolveu ações integradas no âmbito

do próprio DNOCS, fazendo com que a Diretoria de Irrigação (DIRGA) o operasse e

desenvolvesse em um contexto específico, sem considerar todas as variáveis

necessárias para que fosse efetivamente implementado. Com o advento do Programa de Irrigação do Nordeste - PROINE, em 1986, deu-se a segunda tentativa do

DNOCS em prol da emancipação dos perímetros. Embora os recursos financeiros

alocados tenham sido satisfatórios, o órgão não conseguiu alcançar as metas

programadas. (Relatório TCU, 2000, p. 8)

Em termos de política de irrigação, a partir de 1995, em nível nacional, se discute

o Projeto Novo Modelo de Irrigação:

[...] os objetivos específicos do projeto eram apresentar políticas e estratégias que

viabilizem: estimular o investimento privado em todas as fases do agronegócio da

irrigação, orientar a produção para as oportunidades de mercado e redirecionar a

participação do governo na atividade, priorizando os papéis de indução, orientação,

regulação e promoção. (Ministério da Integração Nacional, 2008, p. 12)

Page 71: Os projetos de vida da juventude do perímetro Curu-Paraipaba

71

De acordo com o Relatório do TCU (2000), esse novo modelo foi

desencadeado a partir de inúmeras críticas dirigidas ao modelo de irrigação adotado pelo

Estado desde a década de 1970 que, segundo Relatório da Prestação de Contas, (TCU, 1999)

estava esgotado. Ao Estado, nesse novo momento, cabiam outras atribuições:

Com o Novo Modelo de Irrigação, não é demais lembrar, o Estado deverá atuar em

duas frentes, a primeira em projetos em operação, onde deverá ser realizada uma

“reengenharia” a fim de adequá-los às suas diretrizes para fins de emancipação

desses perímetros, transferindo às organizações de produtores de cada Projeto a

responsabilidade pela administração, operação e manutenção dos mesmos. É a

proposta do Programa de Emancipação- PROEMA, através do qual os irrigantes e as

empresas assumirão a condução dos seus negócios, sem tutela e sem paternalismo,

como deve ser em qualquer atividade econômica. Na segunda frente, deverá atuar nos perímetros em implantação ou a iniciar, por meio de investimentos em infra-

estrutura básica para o funcionamento do perímetro e, ainda, disponibilizar créditos

para investimentos em infra-estrutura individual a fim de viabilizar economicamente

o desenvolvimento do projeto, com participação do setor privado no processo após o

investimento inicial na infra-estrutura realizado pelo poder público. (Relatório TCU,

2000, p. 12)

Assim, alinhada a esta política e na tentativa de ampliar o desempenho dos

projetos públicos e, no fundo, muito mais interessado em diminuir as responsabilidades do

Estado, principalmente no que se refere à gestão e ao aporte de recursos financeiros, fica

instituído o PROEMA – Programa de Emancipação. Esse programa – a terceira tentativa do

DNOCS para concretizar a emancipação – previa a transferência da gestão do perímetro para

a organização dos produtores, tornando-os, como num “passe de mágica”, independentes

administrativa e financeiramente. Esse modelo administrativo, no caso do Perímetro Curu-

Paraipaba, não obteve êxito por diversas questões, sendo a principal delas a descontinuidade

administrativa43

.

Por outro lado, voltando à análise documental do perímetro – notadamente os

livros de atas já citados – entre os anos de 1995 a 1998 percebemos uma espécie de vazio

histórico, ou seja, não há registros da atuação do Conselho Administrativo ou realização de

assembleias. Quando procuramos o Distrito encontramos muitos documentos deste período

que ajudam a elucidar esse suposto vácuo.

43 Resgatando uma publicação do DNOCS do final da década de 40, de autoria de um ex- dirigente do órgão,

Engº Agrônomo José Guimarães Duque, observamos que a descontinuidade administrativa já era apontada como

um grande gargalo para a expansão da agricultura irrigada: [...] resulta que os programas anuais são alterados e

a descontinuidade administrativa causa a perda de tempo, de estudos e de verbas. (DUQUE, 1973, p. 9) Isso

ainda não mudou.

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72

Através da portaria “84 DG/PGE”, de três de julho de 1995, o DNOCS rescindiu o

convênio anterior e, teoricamente, assumiu a gestão do perímetro juntamente com todas as

atividades que eram, em termos, realizadas pelo Distrito, ou seja, diz o documento:

“considerando que os referidos documentos evidenciam que o Distrito de Irrigação Curu-

Paraipaba não vem cumprindo com proficiência as condições pactuadas no aludido convênio

PGE 70/91, resultando caracterizada a sua inadimplência, por ofensa ao item1, 2, 3 e 4,

todos da cláusula segunda, II” (Portaria nº84 DG/PGE, 1995)

De acordo com ex-presidente do Distrito, apesar do DNOCS ter assumido

legalmente a gestão do perímetro, na prática, continuou a mesma situação, ou melhor, ficou

pior, pois o Distrito continuou administrando, sendo que agora irregularmente:

Eles acusaram que não estava sendo executadas as cláusulas do convênio. A meu ver

muito mais pela falta de condições do DNOCS do que qualquer outra coisa. Porque

a parte dele ele também não cumpriu. Só que ele – DNOCS – faz isso, retoma a

administração, mas a presidente do Distrito continua lá, fazendo um papel irregular.

Recebia as taxas, energia, fazendo cobrança, quando a responsabilidade deveria ser

do DNOCS. Eles deixaram correr frouxo. (Colaço, ex-presidente do Distrito)

Além disso, a inadimplência era muito grande devido, principalmente, à falta de

transparência e desorganização técnico-administrativa da entidade organizativa dos irrigantes.

Segundo depoimento do Sr. Colaço, ex-presidente do Distrito, nessa época, essa entidade era

uma desordem. Os funcionários do DNOCS recebiam gratificação, apesar de serem

funcionários públicos. Segundo o mesmo, houve desvios e o irrigante não se sentia seguro em

pagar as taxas, chegando a pagar duas vezes pela mesma conta. O Distrito estava sem

credibilidade perante os irrigantes, além de inadimplente perante o DNOCS.

A partir dessa época, já no contexto do PROEMA, verificamos o registro das

atividades do Distrito, através da eleição de nova diretoria – tendo à frente, a mesma

presidenta eleita em 1994 e que ficou à frente da entidade até 1999 –, bem como a proposta

para assinatura de novo convênio de delegação de atribuições, por parte do DNOCS, à citada

organização dos produtores.

O registro da ata aponta que os irrigantes presentes aprovaram a assinatura

do convênio (que de fato só foi assinado no ano seguinte e noutra administração) desde que o

DNOCS fizesse os reparos necessários ao bom funcionamento da irrigação. Também se

registrou nessa época a aprovação de nova taxa de manutenção para tentar garantir a operação

e manutenção do Perímetro.

Page 73: Os projetos de vida da juventude do perímetro Curu-Paraipaba

73

Nessa época, a CIVAC – Cooperativa dos Irrigantes do Vale do Curu – já

estava em decadência e as singulares já estavam fechadas, configurando-se numa época crítica

para os irrigantes do perímetro. Por outra via, o Distrito continuava desorganizado, gerando

descontentamento por parte de muitos associados. O registro da assembléia de julho de 1998

destaca que os irrigantes continuavam aguardando celebração de parceria para a recuperação

do Perímetro e informa que um grupo de irrigantes, liderado pelo Sr. José Ribamar Colaço,

exigiu da administração do Distrito, uma cópia do demonstrativo contábil.

Vale frisar que a coordenação desse grupo era capitaneada por irrigantes cujos

lotes eram considerados microempresas. O depoimento a seguir destaca como foi esse

processo:

Havia uma disciplina muito grande até 84. Com a democratização a coisa ficou mais

relaxada. Então até 84 não se podia vender os lotes. Se o irrigante queria sair do

projeto ele ia na gerência e expressava sua vontade. O DNOCS então fazia uma

avaliação do seu lote, indenizava o colono e selecionava outro irrigante. Para este

era repassado o lote e o débito. Mas as coisas foram ficando mais difícil, o DNOCS

já não tinha recursos para indenizar e chegou a dificultar essas vendas. Daí o Cimas

– diretor do DNOCS – disse numa reunião que quem quisesse sair podia sair. Ele não esperava que aquelas palavras dele fosse um sinal que muita gente tava

esperando. A partir daí começaram as vendas, mas a situação ficou sem freio. Houve

uma saída enorme de irrigantes (especialmente dos irrigantes da 2ª etapa) até eles

fecharem novamente. Como eu e muitos outros não tinha perfil porque não

trabalhávamos a terra, eles encontraram uma maneira para que todos que entraram

nesse sistema constituíssem empresas e assinarem contrato de concessão com o

DNOCS, o que já era permitido pela lei. (Colaço, ex-presidente do distrito)

Assim, eles “compraram” os lotes de colonos que desistiram de produzir por

motivos diversos e acabaram contribuindo para um novo momento do Perímetro, ou seja,

levaram o Distrito a uma atuação mais profissional, organizada e menos dependente do

DNOCS no que se refere à tomada de decisões.

Nesse contexto, o movimento liderado por José Ribamar Colaço assumiu

grandes proporções. Eles faziam reuniões semanais, contando com a presença de quase cem

colonos, conforme registros do próprio líder. Este grupo denunciou as irregularidades da

administração do Distrito e pressionou o DNOCS para encaminhar assessoria para reorganizar

a entidade. A autarquia decidiu encaminhar uma consultora técnica do IICA para coordenar a

reorganização do Distrito. Esse trabalho promoveu diversas reuniões nos setores e reformulou

os Comitês Setoriais e o Conselho de Representantes. Este último, em fevereiro de 1999

elegeu uma nova diretoria, cujo presidente foi o Sr. Colaço, grande defensor da moralidade e

transparência na gestão do Distrito, que iniciava uma nova fase.

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74

Depois de empossada, a diretoria eleita fez um minucioso trabalho de

reorganização e moralização da entidade: os funcionários da administração anterior foram

demitidos e um novo gerente, além de contador, tesoureira e canaleiro foram contratados. As

gratificações pagas aos funcionários do DNOCS foram suspensas. Foi feito levantamento das

dívidas dos irrigantes perante o Distrito e estes receberam cobranças. A diretoria, portanto,

passou a atuar de forma mais profissional e acabou contratando uma auditoria para analisar as

contas da diretoria anterior. Um ano depois foi convocada uma assembleia geral para aprovar

ou não a prestação de contas da diretoria anterior, sendo que as referidas foram desaprovadas

por unanimidade, deflagrando um processo judicial que perdura até os dias atuais.

Da parte do DNOCS foi contratada – mediante processo licitatório aberto em

agosto de noventa e oito – uma empresa para recuperar a infraestrutura de irrigação do

perímetro, sendo que o trabalho foi fiscalizado pelo Diretor de Operação e Manutenção do

Distrito. Posteriormente, um relatório do Distrito apontou que os trabalhos contratados não

foram bem executados. Segundo o presidente da época, eles denunciaram, mas o caso foi

abafado.

Nessa época já havia sido assinado o novo convênio, o “PGE 04/99”. A respectiva

diretoria encaminhou ao DNOCS um documento, datado de “03 de 12 de 1999”, apontando as

deficiências do sistema de irrigação, além de denúncias de construções irregulares ao longo

do perímetro. Apesar dos esforços, nenhuma decisão efetiva foi tomada pelo DNOCS e sua

credibilidade perante os irrigantes continuou declinando.

Recentemente foi realizada recuperação da infra-estrutura das estações de

bombeamento através da empresa ganhadora da licitação referente, quando

constatou-se que as obras ali realizadas, [...] não tendo sido seguida as

especificações orçamentárias correspondentes, [...] num flagrante desrespeito aos

princípios elementares da construção civil. Sugerimos uma fiscalização eficaz como

forma de regularizar [...]; áreas ditas mortas foram e estão sendo

indiscriminadamente invadidas [...]; o Distrito detém hoje um elevado índice de

construções irregulares [...]; os bens imóveis encontram-se ocupados [...]; não há

como negar o estado de sucateamento como recebemos os equipamentos

hidráulicos, reservatórios, canais, tubulações, veículos e quaisquer outras formas de

bens agora sob a guarda desse Distrito [...]. (Ofício do Distrito, de 03.12.1999)

Essa situação foi se arrastando até meados dos anos 2000. Assim, o PROEMA, no

perímetro estudado, não obteve os resultados esperados, ou seja, não proporcionou a

emancipação. Além disso, apesar do DNOCS reconhecer (...) “ter havido muitas distorções

na implantação dos perímetros no sentido de que se investiu muito na transformação física do

meio e pouquíssimos na educação e capacitação do homem” (TCU, 2000, p.9), o citado

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75

programa previa um conjunto de ações que, na prática, conforme discussão apresentada,

aconteceu de forma precária e desorganizada.

Por outro lado, todas essas dificuldades e fatos acabaram incorporados pelos

irrigantes e são reproduzidas até hoje no cotidiano das famílias que compõem esse espaço

rural, deixando marcas que podem ser percebidas claramente na dinâmica socializante das

famílias e das organizações associativas do projeto.

Segundo o respectivo relatório, [...] “A perspectiva do DNOCS para os próximos

três anos (2000-2003) é recuperar a infra-estrutura de irrigação de uso comum de todos os

perímetros, efetuar a regularização fundiária e promover a capacitação, com ênfase especial

na assistência gerencial técnica e extensão rural”. (TCU, 2000, p. 9) Essas ações, excetuando

parte do terceiro item, de fato, nunca aconteceram no perímetro estudado.

Os primeiros três anos do novo século também foram difíceis para os irrigantes do

perímetro. O DNOCS, cada vez mais desacreditado, através de termo aditivo ao convênio

PGE 04/99, repassou ao Distrito recursos para a contratação de uma equipe técnica. Conforme

detalharemos mais adiante, essa equipe não teve condições objetivas de cumprir com o seu

papel, tanto pela quantidade de técnicos como pela falta de estrutura básica. O DNOCS

também não cumpriu com os outros alicerces do PROEMA: recuperação da infraestrutura,

regularização fundiária e acesso ao crédito.

Em 2003 assumiu uma nova diretoria e, um ano depois, o Ministério da

Integração Nacional, na tentativa de, mais uma vez, consolidar o processo de transferência da

gestão44

, realizou um grande diagnóstico para avaliar a situação atual dos principais

perímetros públicos, identificando os diversos problemas, demandas e formulando, inclusive,

recomendações que, uma vez implementadas, consolidariam a emancipação dos mesmos.

Naquele momento a recomendação era que não fossem iniciados novos projetos sem que os

antigos estivessem consolidados.

Para tanto, um plano de ação foi discutido com as organizações dos produtores,

metas foram estabelecidas, responsabilidades foram compartilhadas. O Governo se

responsabilizaria em recuperar a infraestrutura de uso comum, garantir assistência técnica,

crédito e promover a regularização fundiária, enquanto os irrigantes deveriam implantar o

chamado K2 sustentável45

para, gradativamente, irem assumindo as responsabilidades pela

gestão, operação e manutenção do projeto, além de diminuírem a dependência do Governo.

44 O antigo PROEMA passou a ser intitulado como PTG – Programa de Transferência da Gestão. 45 A Lei de Irrigação especifica o que é o K2, que corresponde aos recursos necessários para administrar, operar

e manter a infraestrutura de irrigação de uso comum, o qual é determinado através da elaboração de um Plano

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76

Apesar do governo ter disponibilizado recursos da ordem de cerca de

R$5.000.000,00 (cinco milhões) ao longo dos anos 2005, 2006 e 2007 para recuperar a

infraestrutura, além da contratação de gerentes e custear parte das despesas de administração,

operação e manutenção, esse programa também não foi consolidado e, mais uma vez, o

Estado não fez a sua parte, conforme destaca o depoimento do Sr. Washington, ex-presidente

do Distrito de Paraipaba e atual presidente da FAPID – Federação de Apoio às Organizações

de Produtores dos Perímetros Públicos do DNOCS:

O Governo nos convidou para participar do programa de transferência da gestão.

Nos fez várias promessas e os irrigantes aceitaram o desafio. Agora na hora de dizer

que tinha acabado ele não avisou a ninguém. E mais uma vez ficamos no prejuízo.

(Washington, agricultor, presidente da FAPID)

Segundo referido dirigente, o DNOCS não cumpriu sua parte quando deixou os

irrigantes sem assistência técnica, uma vez que o convênio com o Estado, iniciado em outubro

de 2005, acabou em 2007. Além disso, a política para facilitar o acesso ao crédito não

aconteceu e os recursos disponibilizados para a recuperação da infraestrutura também não

foram suficientes, conforme será abordado mais à frente.

É importante frisar que nessa época também foram feitos vários estudos para

discutir o novo modelo de gestão da irrigação, onde foram recomendados vários princípios,

dentre os quais merece destaque: “ênfase no agronegócio (mudança de mentalidade e de

critérios de seleção de irrigantes; [...] foco no mercado; apelo ambiental no marketing [...];

integração das esferas federais, estaduais e municipais” (Ministério da Integração Nacional,

2008, p. 13)

Essa nova visão do Estado frente à irrigação pública apresentou, na prática, várias

distorções, que afetam diretamente os agricultores que foram assentados a partir de uma

concepção própria e de um momento histórico, conjuntural e político específico.

Num primeiro momento, é possível afirmar que ela contrasta com a atual –

embora antiga – Lei de Irrigação46

, cuja base principal foi pautada na ênfase da função social

para a implantação de projetos públicos. Essa característica direciona o marco legal da

Operativo Anual. Este plano deve conter todos os serviços necessários para assegurar a irrigação das unidades

parcelares e garantir a produção agrícola. 46

O primeiro ordenamento jurídico entrou em vigor em 1979, com a publicação da Lei Nº 6.662, regulamentada

em 1984, pelo Decreto Nº 89.496. Em 1993 foi publicada a Lei N 8.657, que acrescenta parágrafos ao artigo 27º

da Lei de Irrigação. Atualmente tramita no Congresso Nacional o Projeto de Lei Nº 6.381/2005. (Ministério da

Integração Nacional, 2008)

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política de irrigação, onde é de responsabilidade do Poder Executivo Federal estabelecer as

suas diretrizes, sendo ele o gestor dessa política.

Vale ressaltar que os críticos dessa política argumentam que mesmo o novo

modelo de irrigação – contemplado no projeto de lei que tramita no Congresso Nacional (ver

nota anterior) – apesar de criar a possibilidade de gestão de perímetros públicos mediante

concessão e parcerias público-privadas, continua priorizando a atuação do setor público para a

implantação de sistemas públicos de irrigação e deixando no anonimato a agricultura irrigada

de um modo geral, [...] “ignora que o futuro não está neste tipo de projeto, mas sim no

decidido fomento à participação da iniciativa privada no crescimento da produção irrigada.”

(Ministério da Integração Nacional, 2008, p. 19 - 20)

Sem entrar nesse mérito da importância da iniciativa privada para o agronegócio

da irrigação ou mesmo sobre a “invisibilidade” desse setor para o Estado, o que temos na

atualidade é um quadro de descaso do Governo para com os produtores irrigantes dos

perímetros públicos. A política atual do Governo privilegia a construção de novos projetos

(ver PAC 1 e PAC 2) em detrimento das providências necessárias47

à autossustentabilidade

desses contornos irrigados.

A esse respeito importa citar alguns exemplos ilustrativos: contrariando

determinações do Plano Nacional de Irrigação e Drenagem (PLANIRD), elaborado nos anos

2000 e 2001, no Ceará estão sendo ampliados dois projetos públicos – Baixo Acaraú e

Tabuleiro de Russas – sem que suas áreas atuais estejam devidamente ocupadas. Atualmente

funciona menos de 30% da sua área total implantada48

.

Por outro lado, se o Estado não modernizou sua legislação, na prática, os novos

perímetros já estão adotando um modelo empresarial: geralmente quando se desapropria uma

determinada área para a implantação de um perímetro público uma pequena área é destinada a

reassentados49

e as demais são encaminhadas para licitação.

Nesse processo licitatório as áreas são divididas entre pequenos produtores

qualificados, técnicos e empresários, os quais concorrem com propostas que avaliam a

experiência e capacidade financeira para implantar as culturas. As áreas também são maiores:

47 Regularização fundiária, assistência técnica, acesso ao crédito e recuperação da infraestrutura de uso comum

são alguns exemplos dessas providências que deveriam ser implementadas pelo Estado. 48 Dados do próprio DNOCS e confirmados pelos respectivos Distritos de irrigação. 49 Geralmente, pequenos agricultores da própria região – posseiros ou caseiros dos ex-proprietários – que têm o

direito de permanecer na terra, desde que de acordo com os novos padrões de funcionamento do projeto. Esses

agricultores, por inúmeras razões, acabam sendo “engolidos” pelos empresários que arrendam suas terras, por

não terem condições de produzir – falta de crédito e assistência técnica, por exemplo – ou acabam endividados

pela falta de experiência e de assistência técnica adequada. O primeiro caso aconteceu no Tabuleiro de Russa e o

segundo no Baixo Acaraú.

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enquanto que no Curu-Paraipaba um lote tem cerca de 3,72 ha, no Baixo Acaraú são 8 ha,

portanto com maior possibilidade de ser viável economicamente. O essencial do certame é

afunilar para que fiquem apenas os mais aptos a arcarem com os custos de administração,

operação e manutenção do projeto.

Sem fazer uma análise comparativa entre o modelo de política pública para os

novos e antigos projetos de irrigação, queremos chamar atenção para o fato de que um projeto

como o de Paraipaba – sem poder enterrar o seu passado – é levado a conviver e a dialogar

com essa nova conjuntura, cheia de contradições e controvérsias.

Em primeiro lugar, como aponta o documento em análise, não há uma política

pública claramente definida que abranja a agricultura irrigada como um todo. (Ministério da

Integração Nacional, 2008) E, embora a legislação discipline a atuação do Governo, mesmo

que esteja defasada, as ações não acontecem de forma coordenada, contínua e compatível com

a realidade dos projetos.

Outra questão central é que um irrigante do projeto estudado pode ser classificado

como agricultor familiar50

, cujas políticas, em nível federal, são conduzidas pelo Ministério

do Desenvolvimento Agrário51

. Contudo, por estar assentado num perímetro conduzido pela

política de irrigação, este agricultor está vinculado ao DNOCS e, em nível federal, ao

Ministério da Integração Nacional, cujas ações são mais voltadas para o agronegócio

empresarial e, por conseguinte, desconhecendo os dilemas próprios da agricultura familiar,

como a questão da sucessão, por exemplo, e tantas outras já enfatizadas.

Essas contradições servem de pano de fundo para a realização deste estudo sobre

os dilemas da juventude do Perímetro Irrigado Curu-Paraipaba, um público que não é sequer

mencionado nos documentos que tratam sobre a agricultura irrigada no Brasil ou na política

de irrigação, mas que existe, tem demanda própria e o atendimento da mesma é essencial para

garantir a continuidade da agricultura irrigada no projeto em análise.

A partir do entendimento dessas contradições, e sem fugir delas, analisamos a

seguir as condições atuais em que sobrevivem as famílias do projeto, inclusive tentando

desvendar como essas situações concretas interferem no processo de descontinuidade da

juventude nas atividades agrícolas do Perímetro.

50 Conforme ressaltado anteriormente, a maioria está enquadrada nos critérios definidos pelo PRONAF –

Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar. 51 O estudo também cita que o MDA, através da Secretaria da Agricultura Familiar (SAF), tem no agricultor

familiar o objeto de sua política. Para ele, trata-se de filosofias distintas, embora não se tratem de enfoques

excludentes (Ministério da Integração Nacional, 2008)

Page 79: Os projetos de vida da juventude do perímetro Curu-Paraipaba

79

CAPÍTULO 2 - RUPTURAS NO PROCESSO DE SUCESSÃO HEREDITÁRIA:

IMPASSES E DESAFIOS

“Quem serão os responsáveis pela gestão da agricultura e do meio rural daqui pra frente?

Deixar que as próprias unidades familiares respondam a esta questão é perder a

oportunidade de utilizar socialmente vocações e capacidades profissionais e, sobretudo,

encarar como fatalidade irredutível a desertificação social, econômica e cultural que

ameaçam tantas regiões brasileiras hoje”.

Abramovay

Este capítulo tem o propósito de refletir sobre os dilemas de sucessão na

agricultura familiar, situando e confrontando o resultado de algumas pesquisas relevantes

sobre o tema – ABRAMOVAY, 1998; BRUMER, 2007; CARNEIRO, 2008; WEISHEIMER,

2009; ABRAMO, 2008; SIQUEIRA, 2004 e CASTRO, 2005 – com a realidade do perímetro,

estudado através dos resultados da pesquisa, Perímetro Irrigado Versão 32 anos.

Com esse intuito, apresentamos uma reflexão sobre como as condições objetivas

de infraestrutura de irrigação de uso comum e parcelar do Perímetro, bem como os aspectos

relacionados à produção e comercialização que podem interferir ou influenciar o processo

sucessório.

2.1. Condicionantes que interferem na sucessão hereditária no Perímetro

Conforme destacado anteriormente, o Perímetro Irrigado Curu-Paraipaba foi

implantado há cerca de 35 anos. Por conta de uma ineficiente política de manutenção dos

equipamentos de irrigação, sua estrutura possui uma série de limitações que dificulta seu pleno

funcionamento, refletindo na reprodução social das famílias e, inclusive, acaba afastando sua

juventude, que deixa de percebê-lo como uma perspectiva de futuro profissional viável e

seguro.

O perímetro foi implantado a partir de uma infraestrutura de uso comum coletiva,

constituída por oito estações de bombeamento devidamente equipadas com conjuntos motores

bombas, sendo uma principal, que capta a água diretamente do Rio Curu e a transporta para as

estações secundárias – através de adutoras e canais, que, por sua vez, faz chegar a água que

Page 80: Os projetos de vida da juventude do perímetro Curu-Paraipaba

80

irriga as culturas na unidade parcelar. Além dessas estações, existem canais primários e

secundários, adutoras, barragens de derivação, sifões, seis reservatórios de compensação, redes

viárias, redes de drenagem e tubulações de ferro fundido e cimento amianto de diâmetros

diversos. (VER ANEXO G)

Para manter esse complexo sistema operando plenamente, a Lei de Irrigação (Lei

6.662/79) prescreve que os custos de administração, operação e manutenção sejam divididos

entre os usuários, mediante o pagamento do K² fixo.52

Além dessa tarifa, existem as despesas

referentes à energia de bombeamento. Com isso, visando absorver todo esse custo, é

imprescindível que as culturas implantadas sejam lucrativas, ou seja, capazes de manter o

Perímetro e também garantir a sobrevivência da família.

Entretanto, essas culturas – cuja principal é o coco – não estão apresentando

índices considerados economicamente rentáveis. Vários motivos concorrem para a ineficiência

econômica do Perímetro, sendo que a falta de recursos para realizar os tratos culturais

adequados53

e a falta de assistência técnica têm merecido maior destaque. Não se pode deixar

de fazer o registro de que os valores definidos nas assembleias dos irrigantes, para manter

esses custos, estão sempre aquém das reais necessidades, gerando uma dependência de

liberação de recursos complementares do Governo Federal. Este último, por sua vez, não tem

uma política pública voltada à autogestão dos perímetros irrigados, conforme já destacado.

Dessa forma, esses agricultores convivem com o crescente sucateamento da

infraestrutura de uso comum, apenas realizando os serviços mais urgentes para não deixá-lo

parar, conforme enfatizado no depoimento do ex-presidente do Distrito:

Esse sucateamento desestimula o irrigante porque a quebradeira é constante e por sua

vez encarece a manutenção do dia-a-dia, diminuindo a produção. Existe dois

entendimentos. Nós que fazemos o Distrito nós temos o entendimento de que o

DNOCS não mandou recursos para recuperar a infra-estrutura, mas sim tocar uma

manutenção que por sua vez tava abandonada há dez anos. (Washington, ex-

presidente do Distrito)

Com isso, segundo depoimento em destaque, esse sucateamento interfere na

capacidade produtiva desse contorno irrigado, pois como não são feitos os serviços de

manutenção e recuperação adequadamente, além de não haver repasse de recursos públicos

52 A Lei de Irrigação determina a fixação do K², que é dividido entre fixo e variável. O fixo refere-se aos custos

de administração, operação e manutenção da infraestrutura de irrigação de uso comum, enquanto o variável

refere-se à energia de bombeamento. 53 Para garantir uma boa produção é necessário que o irrigante faça a adubação adequada, o controle de pragas e

doenças contínuo, bem como irrigar na quantidade ideal e no período certo.

Page 81: Os projetos de vida da juventude do perímetro Curu-Paraipaba

81

para a modernização do próprio sistema de irrigação, a água bombeada também não é

suficiente para manter as culturas implantadas em bons níveis de produtividade e nem para

diversificar ou ampliar possíveis áreas. Em termos práticos, o Distrito disponibiliza, para o

produtor, dez horas de irrigação três vezes por semana e em dias alternados –

independentemente da cultura e de acordo com a disponibilidade hídrica dos reservatórios –

enquanto tecnicamente o ideal seria calcular a necessidade hídrica das culturas e viabilizar um

sistema de irrigação diário.

Cabe frisar, ainda, que o Perímetro foi planejado originalmente para ser operado

através de irrigação por aspersão convencional54

e, somente nos últimos dez anos, com o

advento de novas tecnologias, é que a irrigação localizada – sistema mais eficiente – começou

a ser implantada. Assim, em linhas gerais, de acordo com “Pesquisa Versão 32 anos”, 47,17%

da área total do Perímetro (dentre lotes e quintais) possuem irrigação localizada.

Por outro lado, também é importante frisar que esta tecnologia foi implantada com

recursos próprios e a maioria delas sem o devido acompanhamento técnico. Com isso, a

adoção dessa tecnologia não vem apresentando todos os benefícios esperados – maior

eficiência do sistema e, consequentemente, menor desperdício d‟água. Acrescente-se que

outro grande problema nesse entorno está associado à baixa pressão da entrada de água nos

lotes e quintais. Isso ocorre, geralmente, em virtude da adulteração do sistema de irrigação das

unidades parcelares (uso irregular por parte dos irrigantes), além dos vazamentos e do próprio

desgaste do sistema de irrigação de uso comum.

Assim, a pesquisa demonstrou a insatisfação, por parte de grande número dos

usuários, em relação à qualidade da pressão que vem chegando aos lotes. De acordo com os

resultados do estudo “Marco Zero 25” (2001), apenas 10% consideravam a pressão péssima.

Atualmente esse número saltou para 15,3%. Aqueles que consideravam a pressão como boa

caíram de 48,4% para 36,1%. Por outro lado, registra-se que em 2001 apenas 4,2% dos

entrevistados consideravam a pressão ótima e hoje esse percentual saltou para 6,0%, embora

não seja um aumento percentual tão significativo.

Esse número de unidades agrícolas com problema de pressão limita a atividade

exploratória agrícola e reduz a produtividade, deixando o colono com dificuldades para arcar

com os pagamentos de suas taxas junto ao Distrito.

54

Método de irrigação cuja aplicação de água no solo resulta da fragmentação de um jato de água lançado sob

pressão por meio de bocais de aspersores. (EMBRAPA) Esse método exige alta disponibilidade hídrica e bons

níveis de pressão. No caso do perímetro esse método não é tão eficaz por causa dos problemas da infraestrutura e

disponibilidade hídrica.

Page 82: Os projetos de vida da juventude do perímetro Curu-Paraipaba

82

Gráfico 01 – A QUALIDADE EM PERCENTUAL DA PRESSÃO DOS LOTES E QUINTAIS

Fonte: ADICP, 2007

Ainda em termos produtivos, o tamanho da área também é um fator limitante, ou

seja, a área de 3,72 hectares é pequena para determinadas culturas – a exemplo da cana-de-

açúcar – dificultando a prática da diversificação das culturas. Assim, fica difícil para o

irrigante diversificar sua produção, tanto pelas limitações financeiras, como pela necessidade

de produzir em escala comercial. Por outro lado, se pensarmos que essa mesma área deverá

garantir a sobrevivência de várias famílias, o fator tamanho torna-se ainda mais limitante. Ex-

presidente do Distrito destaca que o tamanho da área pode ser um fator limitante para a

sustentabilidade econômica do perímetro.

Talvez tenha havido um erro de estrutura porque eles fizeram lotes de três hectares,

que não é terra suficiente para produzir economicamente. É de economia familiar.

[...] E ainda hoje tem gente comprando lote achando que é uma boa e não é. Ainda vale pra quem é colono. Pra quem realmente trabalha. Porque se ele tirar um salário

tá bom. Mas para quem vai pagar uma pessoa pra trabalhar não dá. Só se ele quiser

pra passeio, para diletantismo. Aí a inadimplência pode ser um problema. (Colaço,

ex-presidente do Distrito)

Por outro lado, apesar das citadas limitações, se pensarmos na dimensão do

Perímetro como um todo, conforme salientam algumas lideranças locais, a diversificação

existe, embora possa ser melhorada:

A nossa produção é diversificada. O pessoal tem que entender que o irrigante hoje se

dá o direito de produzir feijão apenas para o consumo dele. A gente produz

macaxeira, melancia, gado leiteiro e gado de corte. Agora quem se destaca é o coco. Já há a diversificação, mas dá para melhorar e muito desde que haja assistência

técnica, crédito, etc. Agora alguém, eu digo uma entidade precisa chamar a

responsabilidade para si e dizer vamos desenvolver isso, vamos fazer isso ali grande

porque imagine o seguinte: o pequeno agricultor quando ele vai vender uma idéia

636,1

42,7

15,3

QUALIDADE DA PRESSÃO

DOS LOTES (%)

Ótima

Boa

4,329,3

38,6

27,9

QUALIDADE DA PRESSÃO

DOS QUINTAIS (%)

Ótima

Boa

Page 83: Os projetos de vida da juventude do perímetro Curu-Paraipaba

83

para o amigo dele o outro pergunta quem vai bancar, quem vai financiar. A estrutura

(de uso comum, energia e insumos) hoje é cara. (liderança local)

O depoimento da liderança enfatiza a capacidade produtiva do Projeto, embora

sejam necessários investimentos governamentais para garantir os serviços de assistência

técnica, além do acesso ao crédito, para que os produtores possam melhorar a produtividade

das culturas implantadas ou mesmo diversificar mais a produção.

2.2. Assistência técnica e acesso ao crédito

Sem a pretensão de analisarmos profundamente as metodologias empregadas ou

mesmo a qualidade dos serviços de ATER, prestados aos irrigantes ao longo da implantação

do Perímetro é possível afirmarmos que, em linhas gerais, a assistência técnica reproduziu –

ao longo da história do Projeto – as políticas governamentais direcionadas ao campo,

baseando-se no estilo convencional de desenvolvimento e cujo modelo extensionista era

baseado na Teoria da Difusão de Inovações e nos tradicionais pacotes tecnológicos da

“Revolução Verde55

”.

Não obstante essa preliminar análise crítica, é indiscutível a importância dessas

políticas – assistência técnica e acesso ao crédito –- especialmente em se tratando de

perímetros irrigados, que requerem elevados padrões de produtividade, conforme já

destacado, tanto para cobrir os custos de produção da infraestrutura de uso comum, como a

própria reprodução familiar.

A priori, em se tratando dos serviços de ATER direcionados aos colonos do

perímetro estudado, de um modo geral, percebemos a adoção de uma perspectiva de caráter

monodisciplinar em suas atividades de campo, já que não se insere em sua grade de

atividades, serviços de capacitação não formal, de caráter continuado, que promovam

processos de autogestão, produção, beneficiamento e comercialização das atividades e

serviços agropecuários e não agropecuários, inclusive atividades agroindustriais e artesanais.

Essas atividades, em princípio, deveriam envolver todo o corpo familiar, buscando discutir

55 A Revolução Verde refere-se à invenção e disseminação de novas sementes e práticas agrícolas que

permitiram um vasto aumento na produção agrícola em países menos desenvolvidos durante as décadas de 60 e

70. Este amplo programa foi idealizado para aumentar a produção agrícola no mundo, por meio do

'melhoramento genético' de sementes, uso intensivo de insumos industriais, mecanização e redução do custo de

manejo. Apesar de contribuir para a garantia do abastecimento humano, essa revolução também trouxe efeitos

negativos, sobretudo relacionados à preservação ambiental e intensificação do capitalismo no campo,

privilegiando sobremaneira ao fortalecimento do agronegócio. (SANTOS, 2006)

Page 84: Os projetos de vida da juventude do perímetro Curu-Paraipaba

84

com o mesmo suas expectativas de vida, de trabalho e de futuro, ou seja, construir

coletivamente um modelo de comunidade que este vislumbrasse.

Por outra via, os serviços de ATER, se no início, foram intensos, atualmente,

padecem de extrema descontinuidade, embora de acordo com a Lei de Irrigação (Lei nº 6.662)

e em todos os documentos que tratam de perímetros irrigados, a garantia de assistência técnica

gratuita de qualidade e contínua, seja um direito dos agricultores familiares (então

denominados de pequenos produtores).

Notamos que, a partir da década de 1990, quando os recursos destinados aos

perímetros públicos começaram a diminuir e, mais especificamente no caso do Curu-

Paraipaba, quando o DNOCS se afastou um pouco das questões produtivas (pelas razões já

relatadas), os serviços de ATER aos agricultores do Perímetro dão-se de forma descontinuada

e de baixa qualidade, sobretudo em função da quantidade insuficiente para atender à demanda

e também pela impossibilidade dos produtores atenderem às recomendações técnicas, em

razão da dificuldade de acesso a financiamentos bancários.

No início sim houve assistência técnica (prestada pelos funcionários do DNOCS) só

que num modelo ditatorial [...] o irrigante que plantasse uma cultura que não fosse

dita por eles, pela assistência técnica ou pela administração ela era brutalmente

erradicada. [...] Isso aconteceu até oitenta e três, oitenta e quatro. Depois disso a

assistência técnica começou a ser falha, não atendia a necessidade do perímetro. Os técnicos começaram a ser transferidos (...) ou inchar a própria administração central.

Os técnicos que tavam no campo saíram do campo para inchar os escritórios. Depois

da crise da cana-de-açúcar houve uma parceria entre cooperativa, DNOCS e uma

empresa chamada COTIA, que prestava assistência técnica para as culturas que ela

se interessava em implantar (melancia, abóbora e mamão). Durou menos de três

anos. Depois disso não me lembro do DNOCS ter prestado assistência técnica. (...)

No meu entender houve várias tentativas. (Washington, ex-presidente do Distrito)

O depoimento anterior faz uma breve retrospectiva de como se desenvolveram os

serviços de assistência técnica desde o início do projeto, revelando as descontinuidades

administrativas. Nesse contexto, vale acrescentar trecho de ofício do Distrito, endereçado ao

Diretor Geral do DNOCS, que corrobora com o citado depoimento:

A inexistência de assistência técnica responsável e capaz é fator preponderante da

baixa produtividade das culturas e inferior qualidade dos frutos produzidos. Uma orientação técnica permanente, eficiente e conhecedora dos nossos principais

sistemas produtivos, certamente conseguiria, em prazo satisfatório, capacitar nossos

Page 85: Os projetos de vida da juventude do perímetro Curu-Paraipaba

85

irrigantes para o alcance de índices aceitáveis pelo mercado competitivo. (ADICP,

1999)

Ressaltamos que em 2001, quando chegamos ao Perímetro como membro de uma

equipe composta por um engenheiro agrônomo, dois técnicos agrícolas e uma técnica em

organização de produtores (eu mesma), a assistência técnica era o nosso desafio, pois se

tratava, evidentemente, de uma equipe insuficiente para atender aos oitocentos produtores

locais.

Vale ressaltar que, de um lado, os recursos aportados pelo DNOCS supriram

apenas a parte de pagamento de pessoal, não havendo nenhum programa consistente voltado

para a recuperação da infraestrutura56

, política de acesso ao crédito, renegociação de dívidas e

regularização fundiária. Por todas essas questões, os trabalhos dessa equipe não obtiveram

grandes resultados.

De outro lado, o convênio firmado entre Distrito e DNOCS acabou gerando uma

dívida para os irrigantes, no que se refere aos encargos sociais, uma vez que os recursos eram

repassados com atrasos. Assim, como os técnicos tinham carteiras assinadas pelo Distrito e

este, por sua vez, não tinha como cobrir os custos com os encargos sociais, a entidade acabou

inadimplente e teve que arcar com o pagamento de juros, cujos valores o DNOCS não

reembolsava. Essa situação acabou contribuindo ainda mais para o descrédito – tanto em

relação ao DNOCS quanto ao próprio Distrito – perante os irrigantes e, por conseguinte, para

as equipes de ATER vindouras.

Apesar da situação adversa, a equipe realizou um trabalho, ainda que precário,

atendendo certo número de agricultores, e contribuiu minimamente para ampliar a

credibilidade do Distrito perante os associados. Contudo, após inúmeros atrasos e descasos,

em 2003 a equipe foi demitida, retornando apenas um ano depois – em agosto de 2004 – para

um contrato de apenas seis meses – durou até fevereiro de 2005 – com um técnico a menos e

nas mesmas condições deficitárias anteriores. Por conseguinte, da mesma forma, executando

serviços pontuais e de baixa eficiência, além de não atingir a totalidade dos agricultores.

Em 2005, o Ministério da Integração Nacional lançou o PTG e com ele foi

efetivada, através de convênio do DNOCS e o Governo do Estado, a contratação de várias

equipes de ATER para oito perímetros do Estado do Ceará, inclusive o Curu-Paraipaba. O

convênio, com duração prevista para cinco anos, estava vinculado à proposta do citado

56 O Distrito naquela época lutava contra a inadimplência e o corte do fornecimento de energia por parte da

COELCE, além do sucateamento da infraestrutura de uso comum. A luta, então, era manter o perímetro

funcionando, ainda que precariamente.

Page 86: Os projetos de vida da juventude do perímetro Curu-Paraipaba

86

programa, onde, junto ao trabalho de ATER, seriam resolvidos todos os entraves à plena

sustentabilidade do Perímetro, inclusive o acesso ao crédito e à regularização fundiária.

É importante frisar que, apesar de todos os problemas, em 2001, quando da

chegada da primeira equipe, ao ser realizada a “Pesquisa Marco Zero 25”, cerca de 86% dos

entrevistados afirmaram não terem recebido qualquer tipo de assistência técnica, sendo que

em 2007, com a pesquisa “versão 32 anos”, esse percentual caiu para 34,70%, conforme

apresentado no gráfico a seguir.

Gráfico 02

Fonte: ADICP, 2007

A pesquisa procurou também avaliar a percepção dos agricultores sobre a

qualidade dos serviços prestados. O resultado do “gráfico 03” aponta uma prevalência do item

“bom” sobre os demais, com um percentual de 46,06% do total, vindo a seguir “regular” com

36,61%, “ótimo” com 10,24% e “insuficiente” com 7,09%. Desses resultados podemos

concluir na soma de “ótimo” e “bom”, que mais de 50,00% dos colonos justificam a presença

e reconhecem a necessidade de tais serviços.

Gráfico 03

Fonte: ADICP, 2007

65,3

34,7

% de irrigantes que receberam assistência técnica

Convênio DNOCS/SEAGRI

não receberam

01020304050

10,24

46,0636,61

7,09

QUALIDADE DOS SERVIÇOS PRESTADOS EM%

Page 87: Os projetos de vida da juventude do perímetro Curu-Paraipaba

87

Combinado com os serviços de ATER, o acesso a financiamentos bancários é

também uma ferramenta importante para garantir o bom desempenho produtivo das culturas e,

consequentemente, para a satisfação das necessidades básicas das famílias de agricultores do

Perímetro.

Apesar da relevância, o acesso a esse recurso foi dificultado sobremaneira a partir

da década de 1990, com o endividamento da Cooperativa dos Irrigantes do Vale do Curu –

CIVAC - após o chamado financiamento do gado57

. A partir dessa época, o Banco do

Nordeste, de certa forma, fechou as portas para os produtores do Perímetro, por conta da

inadimplência. Também o próprio DNOCS reduziu sua atuação nesse campo, deixando os

irrigantes à mercê da política interna do banco.

A Pesquisa “Perímetro Irrigado: Versão 32 Anos” indagou aos irrigantes sobre o

acesso ao crédito, e constatou que a maioria dos colonos da primeira etapa, 249, ou seja,

64,01%, não estão recorrendo a este instrumento para conduzir as suas atividades agrícolas.

Somente 139 dos colonos, ou seja, 35,73% recorrem a estes recursos, e um irrigante deixou de

responder à pesquisa (0,26%). Vale destacar que cerca de 11% se declararam inadimplentes.

Gráfico 04

Fonte: ADICP, 2007

Por outro lado, em 2007, com a Lei Nº 11.322, que permitiu a renegociação de

dívidas dos produtores com descontos, abriu-se a perspectiva para os irrigantes “limparem” o

seu nome e voltarem a operar com as instituições bancárias.

Não obstante ao esforço conjunto de diversas instituições locais, representadas

pelo então Comitê Assessor de Apoio ao Desenvolvimento do Perímetro Curu-Paraipaba58

57 Já narrado anteriormente. 58 Esse comitê foi coordenado pela equipe de ATER do convênio DNOCS/SEAGRI, que terminou juntamente

010203040506070

64,01

6,43 14,44,37 6,43 0,51 2,06 1,54 0,26

SITUAÇÃO DOS IRRIGANTES EM RELAÇÃO AO CRÉDITO EM %

Page 88: Os projetos de vida da juventude do perímetro Curu-Paraipaba

88

e, sobretudo, da equipe de assistência técnica e diretorias do Distrito e da Cooperativa, dos

cento e quarenta e quatro (144) produtores vinculados ao débito da CIVAC junto ao BNB,

apenas dez (10) produtores aderiram à lei, o que é um percentual muito tímido. Isso ocorreu

porque parte dos devedores não morava mais no perímetro, sobretudo, porque a maioria não

tinha condições financeiras de renegociar a dívida.

Apesar dessa situação, o Distrito estava se organizando politicamente para cobrar

das instituições o direito ao crédito para os produtores adimplentes. Assim, através da

realização de vários encontros com lideranças políticas, iniciou-se uma tímida aproximação

com o Banco do Nordeste. Com isso, foram liberados 03 projetos de custeio e investimento, o

que é irrelevante diante de um quantitativo de oitocentos irrigantes.

Todavia, os produtores voltaram a acreditar na possibilidade do acesso ao crédito

(cerca de cento e cinquenta produtores procuraram a assistência técnica para a elaboração de

projetos). Foram encaminhados ao BNB cento e vinte e três processos para análise

documental, foram encaminhados projetos de seis produtores. Também estava sendo discutido

o projeto do grupo de apicultores da 2ª etapa.

Todas essas ações foram interrompidas com o término do Convênio de ATER, em

junho de 2007 – firmado entre o DNOCS e o Governo do Estado do Ceará. Assim, mais uma

vez, a descontinuidade administrativa se consolidou como uma marca registrada dos

Governos.

Dois anos depois o DNOCS fez uma licitação milionária para a contratação de

serviços de assistência técnica através de empresas privadas. O vencedor desse certame foi o

consórcio Magna/CETREDE. Para as organizações dos produtores, essa foi a contratação

mais desastrosa, pois, em menos de dois meses de sua chegada ao campo, a equipe foi desfeita

em meio a acusações múltiplas. Nesse contexto, o CETREDE acusou o DNOCS de não

repassar os recursos, e o DNOCS acusou ao CETREDE de não ter executado os serviços

contratados.

Essa polêmica ainda está na Justiça, pois as organizações dos produtores entraram

junto ao Ministério Público para exigir o direito à assistência técnica enquanto política pública

e direito dos pequenos produtores. O DNOCS, por sua vez, rescindiu o contrato, por

orientação de sua auditoria interna e da CGU – Controladoria Geral da União, enquanto o

CETREDE colocou a autarquia na Justiça, cobrando pagamentos por supostos serviços

com o final deste convênio.

Page 89: Os projetos de vida da juventude do perímetro Curu-Paraipaba

89

executados. Parte dos técnicos contratados pelo CETREDE também recorreu à Justiça do

Trabalho, em busca de seus direitos trabalhistas.

Assim, em meio a tantos desacertos, a descontinuidade dos serviços de ATER,

somado aos problemas ocasionados pela dificuldade de acesso ao crédito e ausência de

investimentos, contribui para os processos de descontinuidade da agricultura familiar no

projeto estudado.

2.3. Aspectos socioeconômicos relevantes

De acordo com a “Pesquisa versão 32 Anos”, a grande maioria dos irrigantes que

mora no Perímetro possui, pelo menos, uma geladeira, uma televisão, uma bicicleta, um

aparelho de som, um fogão a gás e um telefone celular, com uma média de 85,1%, o que

indica que os mesmos vivem com relativo conforto, em termos de bens de consumo.

Comparando com os dados do “Marco Zero 25”, foram incluídos como bens de

consumo mais populares entre os irrigantes o aparelho de som e o telefone celular, com

destaque para este último, que registrou um aumento de 81,2% em relação a 2001.

Assim, em linhas gerais, registrou-se um aumento no poder de consumo dos

irrigantes em relação a todos os itens. Isso deve ocorrer, dentre outros motivos, em razão da

facilidade de acesso a crediários nas lojas da cidade, as transferências de renda (Bolsa família)

e as aposentadorias. Vejamos o gráfico.

Gráfico 05

Fonte: ADICP, 2007

0102030405060708090

10092,5

8490,3

71

42,6

19,832,5

19

100

73

BENS MATERIAIS DOS IRRIGANTES EM %

Page 90: Os projetos de vida da juventude do perímetro Curu-Paraipaba

90

Em termos de fonte renda, a pesquisa assinalou que os irrigantes que moram no

Perímetro vivem principalmente da agricultura irrigada, conforme afirmação de 57,6% dos

entrevistados, representada no próximo gráfico.

Gráfico 06

Fonte: ADICP, 2007

Por outro lado, vem crescendo a quantidade de irrigantes que afirmam que a

principal renda familiar provém de fontes de renda não agrícolas, com quase 43% dos

entrevistados.

Nesse sentido, em 2001, apenas 13,5% dos irrigantes afirmaram que a

aposentadoria era a principal fonte de renda, enquanto na pesquisa atual esse percentual subiu

para 35,6%, registrando um aumento significativo da ordem de 62%.

Analisando com maior profundidade esse dado, temos que, devido aos vários

problemas citados anteriormente, diversos colonos deixaram de considerar a agricultura

irrigada como atividade principal. Muitos acabaram abandonando os lotes, em termos de

investimentos, ou até os venderam por conta dos filhos não quererem dar seguimento à

atividade agrícola.

Corroborando com esse raciocínio, temos que quase 70% dos entrevistados

possuem uma fonte de renda não agrícola. Comparado à pesquisa de 2001, houve um aumento

de quase 68% - antes apenas 22,4% dos irrigantes afirmaram possuir uma fonte de renda

extra-agricultura. Vejamos o gráfico.

57,6

35,6

1

1

4,3

2

0 10 20 30 40 50 60 70

Agricultura irrigada

Aposentadoria/pensão

Diarista

Comprador de coco

Empregado

Comércio

PRINCIPAIS FONTES DE RENDA DOS IRRIGANTES EM %

Page 91: Os projetos de vida da juventude do perímetro Curu-Paraipaba

91

Gráfico 07

Fonte: ADICP, 2007

Nesse sentido, a aposentadoria é a principal fonte de renda dos irrigantes que

complementam a renda familiar com fontes não agrícolas. Essa situação indica “o

envelhecimento gradual e irreversível dos colonos”, destacando a necessidade de que os filhos

e netos assumam as funções no Perímetro. Comparando, mais uma vez, com o Marco Zero 25,

percebe-se o aumento significativo no número de aposentados (em torno de 20%), o que

apenas confirma a afirmação anterior.

Gráfico 08

Fonte: ADICP, 2007

Por outro lado, a pesquisa revelou que 67,7% das esposas dos colonos

também colaboram na formação da renda familiar, sendo que a aposentadoria é a principal

fonte de renda, com 64,0%, embora seja importante salientar que quase 20% destas – apesar

da idade avançada – ainda trabalham no lote, ou seja, exercem atividade agrícola, o que

também corrobora com a afirmativa de que estamos num projeto de cunho familiar agrícola.

Além disso, a esmagadora maioria dessas aposentadorias advém de sua condição de ser

agricultora, o que lhes garante a condição de segurado especial59

.

59 De acordo com a legislação vigente os trabalhadores rurais têm o direito de se aposentar – desde que atendam

69,5

30,5

% DE IRRIGANTES COM RENDA NÃO AGRÍCOLA

Sim

Não

59,8

39,2

% DE IRRIGANTES APOSENTADOS

Sim

Não

Page 92: Os projetos de vida da juventude do perímetro Curu-Paraipaba

92

Gráfico 09

Fonte: ADICP, 2007

Esse grande contingente de aposentados, se por um lado complementa a renda

familiar, por outro lado, de acordo com vários depoimentos coletados em campo, atrapalha o

desenvolvimento do perímetro e contribui para o distanciamento da sua juventude. Esse

posicionamento é assinalado no depoimento do ex-presidente do Distrito:

A aposentadoria há mais de dez anos atrás foi a lavoura para não deixar o perímetro

parar, mas hoje ela é atrapalha. Há dez anos a gente tava num processo de

erradicação de uma cultura – a cana-de-açúcar e o gado – para implantar outra. E

isso tem um processo, tem um tempo para dar resultado. E quem bancou essa

transição quando o Banco do Nordeste foi omisso foi, infelizmente, a aposentadoria

dos agricultores. Hoje atrapalha porque a gente vê claramente um comodismo, não

pela idade, não pelo salário, é porque isso também tá viciando o jovem, que não tá alertado para dar continuidade na área produtiva do pai ou do avô dele.

(Washington, ex-presidente do Distrito)

Esse posicionamento é polêmico e sugere algumas ponderações relevantes. Uma

delas é que a aposentadoria do trabalhador rural, considerado legalmente como segurado

especial, trata-se de um direito adquirido depois de um longo processo de lutas dos

trabalhadores rurais, o qual foi coordenado por suas entidades de classes (os sindicatos de

trabalhadores e trabalhadoras rurais). Além disso, se por um lado, esse benefício, segundo os

relatos, pode gerar uma acomodação por parte do irrigante e de seus familiares em relação às

suas responsabilidades perante o Distrito60

, por outro lhe confere maior autonomia para tomar

suas decisões e escolher suas prioridades, inclusive deixar de produzir, se for o caso.

aos requisitos estabelecidos- apesar de não contribuírem formalmente com a previdência. 60

Ao ser assentado num perímetro público, o irrigante assume a responsabilidade de produzir e arcar com os

custos de administração, operação e manutenção da infra-estrutura de irrigação de uso comum. Nesse caso, seu

lote deve produzir o suficiente para garantir a reprodução da família e do próprio perímetro, conforme já

salientamos.

6419

0,36,71,55,92,6

% DE ESPOSAS QUE CONTRIBUEM COM A RENDA FAMILIAR DE ACORDO COM FONTE

Aposentadoria

Trabalha no lote

Empregada de empresa privada

Page 93: Os projetos de vida da juventude do perímetro Curu-Paraipaba

93

O gráfico 10 descreve a renda complementar proveniente de fontes não agrícolas.

De acordo com a pesquisa, a renda complementar das famílias soma entre ½ até 2 salários

mínimos com quase 64,0% das respostas dos entrevistados, o que é proveniente,

principalmente das aposentadorias. Cerca de 33% possuem renda familiar acima de 2 e até 5

salários mínimos e apenas 3,1% dos entrevistados afirmaram possuir renda familiar não

agrícola acima de 5 salários mínimos.

Gráfico 10

Fonte: ADICP, 2007

Ao analisar a renda proveniente da exploração agrícola, percebemos que os

irrigantes possuem uma renda relativamente baixa, pois cerca de 29,9% afirmaram viver com

uma renda entre ½ e 1 salário mínimo e 42,8% recebem entre 1 e 2 salários mínimos. Esses

valores são fruto da inconstância dos preços da produção agrícola, sendo que há épocas em

que o preço da unidade de coco – principal cultura do projeto – chega a R$0,10 (dez

centavos), levando muitos a se submeterem aos preços irrisórios e outros não conseguem

sequer vender e são obrigados a deixar o coco secar, ficando até três meses sem renda

agrícola.

Se compararmos com o resultado de 2001, verificamos que os irrigantes estão

ganhando menos com a agricultura irrigada, quando a renda média girava em torno de 2,1

salários mínimos/mês e hoje foi reduzido para 1,7.

010203040

½ - 1 1 – 2 2 – 3 3 – 4 4 – 5 5 – 6 Mais de 6

salários

27,636,2

18,410,7

4 1,2 1,9

RENDA MENSAL COMPLEMENTAR DE FONTE NÃO AGRÍCOLA EM %

Page 94: Os projetos de vida da juventude do perímetro Curu-Paraipaba

94

Gráfico 11

Fonte: ADICP, 2007

Um dos fatores que influenciam diretamente a baixa renda dos irrigantes está na

desorganização dos mesmos no momento da comercialização, sendo que a única cooperativa

dos irrigantes (entidade que está em processo de reorganização), que possui pouco mais de

20% do total dos agricultores associados, ainda não está conseguindo negociar o seu principal

produto, o coco.

Essa dificuldade de resgatar o cooperativismo – que será mais bem discutida mais

à frente – se dá, dentre outros fatores, pelo descrédito por parte dos próprios produtores em

suas organizações em função das experiências negativas do passado. Por conta disso, estes

continuam à mercê dos atravessadores e das oscilações do mercado, conforme destacou a

pesquisa, na qual 91,3% dos agricultores afirmaram que a sua produção é comercializada por

esta via.

É importante relatar que dentre os 12 principais atravessadores da localidade

estudada, 3 já adquiriram lotes de terceiros e hoje são considerados irrigantes, embora não

participem diretamente das organizações dos produtores e nem trabalhem diretamente a terra.

Por outra via, 8 são filhos de colonos de origem e apenas 1 ainda não “comprou” lote no

Projeto. Vale lembrar que existem dezenas de “atravessadores dos atravessadores”, os quais

compram indiretamente a produção dos agricultores e repassam aos atravessadores do grupo

anterior. Existem ainda os “atravessadores aventureiros”, que só aparecem nas épocas em que

o preço do coco está muito baixo devido à superprodução. Estes dois últimos grupos também

são, em sua maioria, filhos de colonos. (COPROCOP, 2009)

Nesse sentido, a produção do coco em Paraipaba é uma atividade que, se não é

sustentável economicamente para o produtor, por outro lado, favorece a distribuição de renda

e o aquecimento do comércio local. Essa afirmativa se justifica pelo envolvimento direto dos

filhos de colonos nas diversas atividades, que vão desde a colheita até a comercialização.

0

20

40

60

½ - 1 1 – 2 2 – 3 3 – 4 4 – 5 5 – 6

29,942,8

17,46,7 1,8 1,4

RENDA MENSAL AGRÍCOLA EM %

Page 95: Os projetos de vida da juventude do perímetro Curu-Paraipaba

95

Muito embora devamos ressaltar que os maiores beneficiários são os atravessadores, que

mantém a sua margem de lucro, independente do preço do coco na lavoura. Na maioria das

vezes, quanto menor o preço para o agricultor maior é a margem de lucro deles.

2.4. Regularização fundiária: a sucessão em uma área de posseiros

Além de todas as dificuldades enfrentadas pelos irrigantes, no sentido de garantir

a reprodução de suas famílias e a sustentabilidade do Perímetro, a falta de titularidade da terra

desponta entre as mais graves, pois desafiam a questão da sucessão hereditária.

Nesse sentido, a titularidade da terra também é um problema crônico no Projeto

estudado, sendo que nenhum irrigante de origem tem o título da terra. Esta questão é

polêmica, em se tratando do espaço rural estudado. Para alguns técnicos do DNOCS, os

irrigantes não querem pagar por estarem acostumados com a postura paternalista do órgão. De

outro lado, a organização dos produtores questiona a morosidade do DNOCS em repassar os

títulos e que os valores cobrados não estão considerando o contrato assinado com os mesmos,

no final dos anos 1970. Em todo o caso, a maioria dos irrigantes quer o título da terra,

conforme salientou a pesquisa.

Gráfico 12

Fonte: ADICP, 2007

Vale frisar que a preocupação com a regularização fundiária foi mais intensa no

início dos anos 2000 – mais de duas décadas depois da implantação do Projeto. Os irrigantes

contam que certo doutor do DNOCS afirmou – logo quando eles chegaram ao Perímetro – que

eles iriam pagar os lotes com ovos de galinha, ou seja, que seria um valor irrisório. Talvez

esta afirmativa tenha sido em função do próprio contrato não prever uma correção monetária,

conforme destaca o depoimento a seguir.

81,2

18,40,4

QUANTIDADE DE IRRIGANTES QUE

QUEREM O TÍTULO EM %

Sim

Não

Não respondeu

Page 96: Os projetos de vida da juventude do perímetro Curu-Paraipaba

96

O doutor disse vocês vão pagar esse lote com a venda de ovo de uma galinha, mas isso não foi concretizado. Por exemplo, houve o contrato que os irrigantes

assinaram, com cinco anos de carência e vinte pra pagar. Quando passasse vinte e

cinco anos o DNOCS passaria a escritura para os irrigantes. Os irrigantes pagaram

dois anos e o DNOCS disse não precisa ninguém pagar porque a moeda se

desvalorizou. Trinta anos depois o DNOCS vem e diz a casa é tanto, o hectare é

tanto, soma-se tudo e dá o valor do lote quando o contrato não diz isso.

(Washington, ex-presidente do Distrito)

O depoimento evidencia que, de fato, os irrigantes começaram a pagar os lotes,

cujo valor já era descontado pela cooperativa e repassado ao DNOCS no ato da prestação de

contas anual. Eles dizem que chegaram a pagar duas ou três vezes, mas a moeda se

desvalorizou e eles não tiveram como continuar pagando. Por outro lado, como o DNOCS

nunca cobrou ou atualizou os referidos contratos, eles ficaram sem pagar.

Nesse sentido, a partir de dois mil e um, os técnicos do DNOCS vieram ao

perímetro para recadastrar os irrigantes, medir as áreas, providenciar o cadastro da terra junto

ao INCRA, enfim, tomar as medidas necessárias para a dita regularização fundiária. Contudo,

o processo não se concretizou e a equipe retornou à Fortaleza sem que nenhum lote tenha sido

entregue. Entrevistando uma assistente social do DNOCS, ela confirmou que os técnicos

sempre ficaram nas mãos dos administradores e faziam aquilo que eles achavam que era

prioridade. Assim, quando esse serviço deixou de ser prioritário, acabaram as diárias e eles

tiveram que voltar à sede da autarquia. E enquanto isso os produtores permaneceram

produzindo em suas terras, independentemente da titulação.

Cerca de um ano depois o trabalho foi reiniciado. Os técnicos retornam ao

Perímetro e garantiram que agora o “título da terra sai”. Fizeram inúmeras reuniões, das quais

pudemos participar, e a notícia era que os irrigantes detentores de contratos de promessa de

compra e venda – aqueles assinados no final dos anos 1970 – iriam receber o título “de

graça”, pagando apenas o equivalente às despesas cartoriais e alguma área acrescentada ao

lote original. Todos ficaram muito felizes, embora temerosos. Muitos “não tinham fé que o

processo fosse para frente” por não acreditar mais que o DNOCS finalmente entregasse esses

títulos.

Por outro lado, o Distrito de Irrigação deu todo o apoio, acompanhou as reuniões e

fez licitação para conseguir um melhor preço. A Procuradoria do DNOCS, da época,

interferiu a favor de um cartório, mas mesmo assim quase trezentos processos ficaram

prontos, inclusive com a documentação dos irrigantes e do lote.

Contudo, mais uma vez, o DNOCS voltou atrás. A Procuradoria, que no início

reconheceu o direito dos irrigantes assentados e que tinham contrato de promessa de compra e

Page 97: Os projetos de vida da juventude do perímetro Curu-Paraipaba

97

venda, recuou, fez um novo parecer e passou a afirmar que eles deveriam pagar o mesmo que

um irrigante que não tinha contrato algum. Daí aconteceu uma revolta no Perímetro. Muitos

irrigantes reclamaram e se recusaram a pagar. A credibilidade do DNOCS ficou ainda mais

abalada perante os mesmos.

O Dr. Vagner uma vez fez uma reunião com os colonos do C2, e apresentou um

técnico que iria nos ajudar. passou-se, passou-se e ele disse que iríamos pagar esse terreno com um ovo. Isso eles falavam em todos os setores. Depois vieram com uma

historia de venda dos lotes, que iria ser de dez mil reais. Eu disse que não ia pagar

por que já tinha feito a minha parte. Se quisesse a galinha tá aqui. Leve ela e os

ovos. (M., irrigante)

Ainda assim, cerca de cinco produtores que “compraram” 61

os lotes de irrigantes

de origem, aceitaram as condições e adquiriram do DNOCS a área nas condições propostas,

que sairia por cerca de dez mil reais (valor à vista), com até vinte anos para pagar e até cinco

de carência. Considerando que a proposta – que ele deveria começar a pagar do zero –

nivelava o colono de mais de setenta anos e com quase trinta anos de perímetro, com outro

que adquiriu as terras e nem sequer passou pelos critérios do DNOCS, esta foi repudiada pelo

conjunto de irrigantes.

Nesse movimento, em dois mil e quatro, os técnicos do Governo voltaram ao

Perímetro para detectar os problemas e entraves ao seu pleno desenvolvimento. Eram os

técnicos do Ministério da Integração Nacional, mesclados com técnicos do DNOCS e da

CODEVASF. Era o início do processo chamado de “Programa de Transferência de Gestão”

(PTG).

Assim, o problema da regularização fundiária ressurgiu em 2005, com a

implantação desse programa. A primeira iniciativa desse programa foi a realização de um

levantamento dos custos para recuperar a infraestrutura de irrigação de uso comum do

perímetro, bem como recuperar o seu potencial produtivo (através dos serviços de ATER,

crédito e apoio à comercialização). O Governo, por meio do DNOCS, se comprometeu a

executar todas essas ações necessárias num prazo de cinco anos ininterruptos e propôs que os

irrigantes rediscutissem a sustentabilidade do Perímetro e consequentemente, o pagamento

pela titulação dos lotes.

Mais uma vez foram realizadas inúmeras reuniões com os produtores sob a

coordenação do Distrito. Nesse período, um dos eixos estruturantes do programa, uma equipe

61 Colocamos entre aspas porque, na verdade, eles não poderiam vender. O correto seria devolver ao DNOCS, e

este licitar ou repassar a outro que atendesse aos requisitos.

Page 98: Os projetos de vida da juventude do perímetro Curu-Paraipaba

98

de assistência técnica (da qual eu participava como técnica em organização de produtores e

que foi fruto de uma parceria com o Governo do Estado e executada pelo Instituto Agropolos)

foi contratada para contribuir com a consolidação desse processo.

Para dar conta do desafio, o Distrito rediscutiu os recursos para recuperação e

modernização do Projeto (contestando os dados do Ministério que diziam que cinco milhões

seriam suficientes para executar os investimentos na recuperação do Projeto) e propôs um

Plano de Ação orçado em quarenta milhões, contemplando obras de recuperação,

investimentos na modernização da infraestrutura de uso comum, custeio para administração

do projeto e propostas para solucionar todos os entraves à sustentabilidade do Perímetro. O

ex-presidente do Distrito nos afirmou que foi chamado de louco quando apresentou esta

contraproposta para os técnicos do Governo. Na época, o então presidente reafirmou o

compromisso dos irrigantes em discutir a sustentabilidade do respectivo contorno irrigado,

mas exigiram responsabilidade, ou seja, eles acatariam a transferência de gestão desde que o

Governo cumprisse a sua parte.

Nessa ocasião foi constituída uma comissão de irrigantes especificamente para

tratar da regularização fundiária. Um seminário sobre o assunto foi promovido pela

organização dos produtores, sendo que o DNOCS enviou duas técnicas que não tinham

qualquer poder de decisão, mas, mesmo assim, a comissão apresentou a sua proposta de

pagamento dos lotes. Essa proposta incluiu as diversas categorias de irrigantes, ou seja, os

originais assentados pelo DNOCS na década de 1970 com “contrato de promessa de compra e

venda”, os que tinham “contratos experimentais”, os que tinham “contratos de concessão de

uso” vencidos e os que não tinham contrato.

Vale salientar que as discussões foram ampliadas, ganhando força uma proposta

que contemplou a situação dos ocupantes das chamadas áreas mortas (que são áreas de

sequeiro, que deveriam ser áreas de preservação ambiental e que estão totalmente invadidas),

bem como a das áreas ocupadas onde foram construídas casas residenciais e que hoje se

constituem em grandes aglomerados populacionais. De acordo com o depoimento de técnicos

da Prefeitura e compreendido por muitos irrigantes, essa ocupação se deu pela proximidade

do Perímetro com a zona urbana de Paraipaba. Na figura abaixo, no lugar da imagem de Santa

Rita de Cássia era a antiga guarita, local onde os fiscais vistoriavam quem saía ou entrava no

perímetro. Embora essa área seja ocupada por coqueiros, residências e comércios, toda ela

ainda pertence ao DNOCS, tendo sido ocupadas irregularmente.

Page 99: Os projetos de vida da juventude do perímetro Curu-Paraipaba

99

.

Figura 03 – Divisa do Perímetro com a sede de Paraipaba

Vale ressaltar que, segundo os colonos entrevistados, grande parte dessas

ocupações ocorreu de comum acordo com a gerência local do DNOCS, ainda que

extraoficialmente. Na ocasião do seminário, também se discutiu o problema dos patrimônios

públicos (escolas e postos de saúde, por exemplo), cuja proposta seria que o órgão doasse à

Prefeitura, já que esta é quem vinha administrando e mantendo os respectivos. O então

presidente do Distrito destaca o sentimento da organização dos produtores naquela época:

Em 2005 eu acreditava que ia acontecer a regularização fundiária porque eu entendo

que as pessoas sérias tem que fazer valer os direitos da sociedade. Quando o

DNOCS não tinha uma definição nós do Curu-Paraipaba partimos na frente e tivemos um posicionamento: do jeito que vocês querem nós não pagamos, mas tá

aqui. Ali era pra gente sentar na mesa e chegar a um denominador comum, coisa que

o DNOCS nunca sinalizou. [...] Aí o DNOCS diz que os irrigantes não quer que

aconteça o título da terra. É o contrário, o DNOCS é que não tem uma definição.

Mas eu diria que a regularização não é simplesmente entregar o título para o

irrigante. Por exemplo, cadê as áreas públicas? Vai ser destinada para quem? E as

áreas mortas que estão ocupadas? [...] Então a gente tem que discutir com

profundidade. [...] Eu sonho com a legalidade do meu município. (Washington, ex-

presidente do Distrito)

Como pudemos perceber, o problema da regularização fundiária no Perímetro é

muito mais que vender os lotes aos colonos/irrigantes, trata-se também de resolver a questão

das áreas invadidas, das construções irregulares e dos citados bens públicos. De acordo com a

pesquisa “Perímetro irrigado Versão 32 Anos”, em 2007 existia cerca de novecentas e oitenta

construções em áreas mortas – número que é ampliado diariamente, segundo o escritório local

do DNOCS –, sendo que apenas 11% afirmaram possuir contrato com o DNOCS. Ao serem

questionados sobre a vontade de resolver a situação, cerca de 90% afirmaram querer

regularizar a posse da terra.

Page 100: Os projetos de vida da juventude do perímetro Curu-Paraipaba

100

Vale acrescentar que este problema é extensivo a todas as áreas públicas ao longo

do Vale do Curu, as quais foram desapropriadas pelo DNOCS para a construção de açudes,

barragens e também para a implantação de perímetros. Estas áreas foram reocupadas

irregularmente, sem que o órgão exercesse qualquer tipo de controle eficaz. Esta situação,

portanto, trata-se de um grave problema social que merece a atenção dos órgãos públicos

competentes e da mobilização de toda a sociedade.

Voltando à questão específica dos irrigantes, a proposta citada anteriormente foi

encaminhada ao DNOCS, sendo que até hoje, segundo os dirigentes do Distrito, nunca veio

uma resposta oficial. Prevalecem, portanto, os mesmos critérios, ou seja, todos devem

comprar nas condições já explanadas. Atualmente existe apenas cerca de treze lotes titulados,

dos quais apenas um pertence a uma filha de colono de origem. Esta, por sua vez, pagou pela

escritura do respectivo lote – que fica nas proximidades da sede da cidade – com o intuito de

“reloteá-lo”62

.

Assim, persiste a insolvência da questão fundiária, problema este que os

agricultores não vislumbram solução viável até á época da realização da pesquisa de campo.

Vale ressaltar que, ao contrário do que muitos técnicos do DNOCS chegaram a

cogitar, a Pesquisa Versão 32 anos demonstrou que 81,2% dos irrigantes querem receber o

título da terra para serem os donos legítimos dos imóveis, conforme informou cerca de 60%

dos entrevistados, deixando clara a relevância do assunto e a necessidade de encontrar

coletivamente uma solução viável.

Gráfico 13

Fonte: ADICP, 2007

62 Esse procedimento é totalmente irregular, pois apesar do irrigante poder comprar o lote, este não pode alterar a

sua função original, que é a atividade agrícola. Esse caso foi denunciado e existe um processo na Justiça Federal.

O citado irrigante não se abalou e continua “reloteando” áreas e vendendo a preços exorbitantes.

81,2

18,4 0,4

% DE IRRIGANTES QUE QUEREM O

TÍTULO

Sim

Não

Não respondeu

Page 101: Os projetos de vida da juventude do perímetro Curu-Paraipaba

101

Desde então o DNOCS só retornou para apresentar, ao Distrito e aos técnicos do

escritório local do DNOCS, como formalizar um processo de regularização fundiária para os

que quisessem adquirir o título da terra. Foram realizadas também algumas reuniões nos

setores com os irrigantes da segunda etapa, mas sem adesões significativas. Dessa forma, a

sucessão hereditária também é dificultada pelas questões legais, sendo pertinente levantar a

seguinte questão: o irrigante pode passar a seu filho uma terra que de direito ainda não é sua?

2.5. Infraestrutura Social

A questão da infraestrutura social do Perímetro Irrigado Curu-Paraipaba será

discutida neste item, a partir das informações sobre água, saneamento, lixo e necessidades de

recuperação e modernização do sistema de irrigação de uso comum, identificadas na

“Pesquisa Versão 32 Anos”.

2. 5.1. Água

As informações prestadas na pesquisa revelaram que 52,1% das famílias se

utilizam de cacimbas, 32,70% utilizam poços e apenas 15,2% afirmaram utilizar água

encanada, proveniente do abastecimento implantado pelo DNOCS e cuja manutenção provém

atualmente da Prefeitura.

Em relação a esse último tipo de abastecimento, é válido destacar que o DNOCS

construiu poços em todas as comunidades, porém o sistema encontra-se precário, não

atendendo à totalidade das famílias, além de não ser contínuo e, por isso, a maioria das

famílias acaba montando sistema complementar. Por outro lado, nenhum dos sistemas garante

uma água de qualidade, ou seja, água potável/tratada.

Gráfico 14

Page 102: Os projetos de vida da juventude do perímetro Curu-Paraipaba

102

Fonte: ADICP, 2007

A pesquisa questionou sobre o tratamento da água, o qual guarda estreita relação com

a prevenção de doenças de veiculação hídrica. O resultado apontou que a maioria dos

entrevistados, com 86,9%, realiza algum tipo de tratamento na água de beber. Nesse sentido,

56,4% das famílias utilizam a cloração, 29,9% bebem água filtrada e 0,6% utilizam a fervura.

Gráfico 15

Fonte: ADICP, 2007

Por outra via, apesar de todo o trabalho dos agentes de saúde, e demais campanhas

preventivas e educativas, ainda existem famílias que não adotam qualquer tipo de tratamento

ou apenas coam a água, com 13,1% das respostas, o que não é um método eficaz. Por outro

lado, comparando com os dados de 2001, verificamos que houve um significativo aumento –

na ordem de 12% – na utilização de métodos de tratamento da água, considerados eficazes.

É válido frisar que o tratamento da água para o consumo reflete a educação das

pessoas e o interesse do setor público em dotar os habitantes de água de boa qualidade. Nesse

sentido, destaca-se a luta capitaneada pelo Distrito junto ao Governo do Estado para implantar

políticas de abastecimento de água tratada para as respectivas comunidades rurais. Segundo

Poço

Encanada

Cacimba

32,7

15,2

52,1

TIPOS DE ABASTECIMENTO D'ÁGUA (Em

%)

29,9

56,4

11,90,61,2

TIPO DE TRATAMENTO DA ÁGUA EM %

Filtrada

Cloração

Coada

Fervida

Não é feito

Page 103: Os projetos de vida da juventude do perímetro Curu-Paraipaba

103

esta entidade, a CAGECE já fez o levantamento topográfico e situacional dos poços

existentes, mas ainda não há previsão para a implantação de nenhum projeto.

2.5.2. Saneamento e Lixo

A preservação ambiental, que deve ser a preocupação básica de qualquer sistema

de produção, assim como nos aglomerados urbanos e no meio rural, tem sido relegada ao

esquecimento. Uma das formas de preservação está no manejo dos dejetos e rejeitos dos

animais, inclusive os humanos. Os dejetos podem ser usados como adubo orgânico,

respeitando sempre as limitações impostas pelo solo, água e planta. Quando isso não for

possível, há necessidade de tratar os dejetos adequadamente, de maneira que não ofereçam

riscos de poluição quando retornarem à natureza.

No Perímetro estudado, o destino dos dejetos é o encaminhamento para a fossa

comum, conforme apontam 100% dos entrevistados. É um processo um pouco mais

avançado, se comparado a outras práticas de manejo em comunidades mais pobres, que é

jogar os dejetos a céu aberto, provocando mau cheiro e a contaminação das águas e do solo e,

inclusive, ocasionando os mais variados tipos de doenças.

Como o Projeto é de produção agrícola, o manejo dos dejetos deveria ser feito

através de um projeto de coleta, armazenagem, tratamento, transporte e disposição, de acordo

com as características da área. Contudo, o saneamento das áreas rurais ainda é um sonho a ser

perseguido. De acordo com dados da ONU, apenas 23,1% da população rural brasileira é

atendida por saneamento adequado63

.

Quanto à coleta do lixo doméstico, o Poder Público Municipal não dispõe de

coleta sistemática do lixo, consequentemente a maioria das famílias, isto é, 83,2%, precisa

queimar seu lixo, o que não é uma técnica ambientalmente correta. Esta forma de destinar o

lixo tem efeitos perversos e, sobretudo, ameaça a preservação ambiental.

Nesse sentido, esse tipo de incineração demanda custos elevados e a necessidade

de um super e rigoroso controle de emissão de gases poluentes. Além disso, com o avanço da

industrialização e utilização de produtos químicos e plásticos, o lixo se tornou mais

complexo, gerando mais resíduos tóxicos e tornando-se uma ameaça ao meio ambiente e à

saúde humana e dos animais.

63 Esses dados foram divulgados em março de 2010, pelo 4º Relatório Nacional de Acompanhamento dos

Objetivos de Desenvolvimento do Milênio, da Organização das Nações Unidas (ONU)

Page 104: Os projetos de vida da juventude do perímetro Curu-Paraipaba

104

Por outra via, quase 12% dos colonos enterram o seu lixo doméstico, que,

também, é uma forma perversa de destino do lixo, em virtude dos danos causados às águas

subterrâneas, conforme gráfico a seguir:

Gráfico 16

Fonte: ADICP, 2007

De uma maneira geral, garantir o destino adequado ao lixo é um problema

generalizado e desafia o Poder Público. De acordo com dados do Estudo Indicadores de

Desenvolvimento Sustentável (IDS) – Brasil 2010, cerca de vinte e cinco milhões de

domicílios do país não têm acesso a abastecimento d‟água por rede geral, esgotamento

sanitário por rede coletora ou fossa séptica, coleta de lixo direta ou indireta. Em se tratando de

áreas rurais, apenas cerca de 23,3% dos domicílios têm seu lixo coletado adequadamente.

Assim, longe de ser resolvida na zona rural, como no caso do perímetro, esta situação perdura

sem previsão de solução.

Vale destacar que, embora poucos tenham mencionado jogar o lixo a céu aberto,

como tipos de coleta ou destino do lixo, esse problema é visível ao longo do Perímetro e,

segundo dados do Distrito, os materiais como sacos plásticos e garrafas pet‟s são os maiores

causadores de entupimento do sistema de bombeamento. Além do lixo doméstico, a casca do

coco também é um problema ambiental grave no citado espaço rural.

As cascas do coco verde correspondem a 80% do peso bruto do fruto. No entanto,

ao contrário das cascas de coco seco que são utilizadas tradicionalmente para a produção de

pó e fibra, o resíduo do coco verde é comumente descartado.

No perímetro estudado existe uma agroindústria particular que processa

diariamente até 80.000 frutos (para a produção de água coco, que é exportada) e quase todo o

material é descartado a céu aberto. Em Fortaleza – a 90 km de Paraipaba – este material vem

sendo disposto em aterros e lixões, provocando um enorme problema para os serviços

municipais de coleta de lixo, em função, principalmente, do grande volume.

14,5

83,2

11,3

TIPO DE COLETA DE LIXO EM %

Coleta

A céu aberto

Queimado

Enterrado

Page 105: Os projetos de vida da juventude do perímetro Curu-Paraipaba

105

O Perímetro Irrigado Curu-Paraipaba conta com quase 2.500 ha de coco,

produzindo anualmente em torno de 32.000.000 frutos, sendo que, desse total, 40% é

comercializado seco e quase 40% é comercializado para as agroindústrias.

A comercialização da parte seca – cerca de nove milhões de casca – se dá por

meio dos atravessadores, que colhem o produto no campo e deixam as cascas a céu aberto ou

queimam, contribuindo para a poluição do meio ambiente e a proliferação de doenças. A parte

comercializada para as agroindústrias ocasiona os mesmos problemas ambientais.

Como alternativa para amenizar o problema, a EMBRAPA Agroindustrial

desenvolveu um processo para obtenção do pó e da fibra da casca de coco, através da

utilização de um conjunto de equipamentos desenvolvidos em parceria com uma metalúrgica.

Nesse sentido, em parceria com o DNOCS e o Distrito foi implantada, pela

EMBRAPA, uma unidade demonstrativa, que ainda não funcionou, de fato, devido a

problemas de infraestrutura deficiente, falta de capital de giro e apoio à comercialização. O

Distrito vem lutando para resolver estas pendências e colocar a referida unidade em

funcionamento. Também está sendo implantada uma unidade para beneficiar a casca de coco

seco.

Contudo, mesmo com as unidades em funcionamento, este grave problema está

longe de ser resolvido. Por outro lado, boa parte desse material processado poderia retornar

para as lavouras na forma de cobertura morta64

ou compostagem65

, técnicas que elevariam a

capacidade produtiva do Projeto.

2.6. Os dilemas da sucessão hereditária e seus impactos na agricultura familiar

Após primeira análise sobre o funcionamento atual do Projeto, temos que os irrigantes

passam por diversas dificuldades relacionadas tanto às questões do sucateamento da

infraestrutura de irrigação de uso comum, como as de caráter social e econômico-produtiva.

Esses aspectos abordados reforçam os entraves ao desenvolvimento dessa área e sinalizam

algumas razões que favorecem o distanciamento de sua juventude.

Dessa forma, não diferente dos dilemas inerentes à agricultura familiar, o Perímetro

convive com algumas questões preponderantes: sucessão profissional, envelhecimento,

aposentadoria, continuidade e êxodo rural.

64 Técnica recomendada pela EMBRAPA, como forma de proteger os solos e aumentar a eficiência da irrigação. 65 Técnica de adubação natural, recomendada pela EMATER e EMBRAPA, na qual se utiliza restos culturais

orgânicos (nesse caso a casca do coco) e mistura-se com esterco de gado (por exemplo).

Page 106: Os projetos de vida da juventude do perímetro Curu-Paraipaba

106

Embora a questão da sucessão hereditária seja um dilema central da agricultura familiar

e fruto de diversos estudos atuais, essa preocupação parece não ter sido visualizada pela

política executada pelo DNOCS, confirmada no depoimento de uma Assistente Social

pertencente ao seu quadro técnico:

[...] Não existia um trabalho específico para a inclusão dos jovens nas metas dos

programas governamentais. A própria questão fundiária, principalmente no que se refere à titulação dos lotes passou a ser alvo do governo apenas no final de 2002,

quando os perímetros mais antigos já tinham mais de 30 anos de implantação e

muitos colonos titulares dos lotes até já haviam falecido sem que a questão da

sucessão e mesmo da titulação tivesse sido resolvida. Como eu disse, as atividades

direcionadas aos jovens – executadas diretamente pelo DNOCS – estavam muito

mais ligadas a temas de relacionamentos. Por outro lado, os mesmos não eram

convidados a participar das discussões sobre a gestão do perímetro, formação dos

distritos e cooperativas. Apenas o produtor/irrigante era convocado para esses

momentos, o que de certa forma, afastou os jovens. (Raimundinha, Assistente Social

do DNOCS)

Essa conduta do DNOCS, em princípio, foi decisiva no processo de socialização

dos jovens, seja no seio da família ou no contexto comunitário, deixando-os à margem e

invisíveis, o que, consequentemente, vem dificultando a continuidade da agricultura familiar

no projeto.

Nessa perspectiva, várias pesquisas – principalmente localizadas na região sul do

Brasil – destacam uma perspectiva de esvaziamento do meio rural, o qual é ocasionado, dentre

outros fatores, pela insatisfação com os rendimentos gerados por meio da agricultura, pela

imagem negativa deste trabalho, destacando-a como uma atividade penosa e sem prestígio

social. Alia-se a esses fatores a possibilidade dos jovens ampliarem seus estudos e

conseguirem empregos mais rentáveis e mais valorizados nos espaços urbanos. (CASTRO,

2005; ABRAMOVAY e CARAMANO, 1998; BRUMER (Coord.), 2002; CARNEIRO, 1998;

SIQUEIRA, 2003; SILVESTRO, 2001)

Nesse contexto, surge a preocupação com a juventude e sua reprodução nesses

espaços rurais, a sua formação e a continuidade da atividade agrícola. Se junta também a essas

discussões o próprio futuro desses espaços, bem como todas as concepções de vida e de

desenvolvimento que estão embutidas nessa problemática.

É relevante confirmar que nesta investigação estamos nos apoiando nas reflexões

sobre desenvolvimento, impetradas por Veiga (2001, p. 105). Segundo o autor, não se pode

enxergá-lo somente por seu viés econômico ou como uma simples “manipulação ideológica”,

englobando também a possibilidade dos sujeitos desempenharem suas capacidades criativas e

Page 107: Os projetos de vida da juventude do perímetro Curu-Paraipaba

107

de fazerem suas escolhas, o que está associado ao “processo de expansão das liberdades reais

que as pessoas desfrutam66

”.

O processo de desenvolvimento pode expandir as capacidades humanas, expandindo as escolhas que as pessoas têm para viver vidas plenas e criativas. E as pessoas são

tanto beneficiárias desse desenvolvimento, como agentes do processo e da mudança

que provocam. (VEIGA, 2008, p. 85)

Com isso, o desenvolvimento rural está associado à redução da pobreza e das

desigualdades sociais e, consequentemente, a ampliação do acesso dos indivíduos aos serviços

públicos essenciais (saúde, educação, seguridade, segurança, emprego, transporte, lazer,

cultura, etc.), mas também possibilitar aos agricultores o acesso a terra, com condições para

produzir e viver dignamente. (VEIGA, 2001)

Diante dessas considerações, temos o debate sobre a formação de novos

agricultores. De acordo com Abramovay, a preocupação em formar novas gerações para o

exercício da atividade agrícola se justifica porque esta atividade “[...] envolve mais que o

aprendizado de um ofício, a gestão de um patrimônio imobilizado em terras e capital.”

Inserido num contexto familiar em que o jovem está devidamente incorporado, este patrimônio

por um lado é “[...] a base material de um negócio mercantil e por outro é sobre ele que

repousa não só a manutenção, mas a própria organização da vida familiar.”

(ABRAMOVAY, 1998, p.18)

Esta preocupação também é legítima quando nos reportarmos ao contexto do

Perímetro estudado, pois esta questão interfere na sua própria sustentabilidade. Conforme

salientado anteriormente, o Projeto dispõe de uma infraestrutura de irrigação de uso comum –

implantada com recursos públicos – que, segundo os objetivos que justificaram a implantação

do empreendimento, deve garantir a produção agrícola nas unidades parcelares.67

Logo, todas

essas unidades devem estar produzindo inteiramente, a fim de possibilitar uma renda capaz de

absorver os custos de gestão, operação e manutenção dessa mesma infraestrutura de uso

comum e, sobretudo, a reprodução de todo núcleo familiar.

Dessa forma, incluir e oferecer oportunidades para que a juventude dê

continuidade à atividade agrícola no contorno irrigado, é muito importante para a

sustentabilidade do projeto em sua totalidade. É oportuno salientar que esta juventude só terá

66 Veiga toma emprestada a teoria de Amartya Sem, prêmio Nobel de economia em 1998. 67 Ou seja, nos lotes.

Page 108: Os projetos de vida da juventude do perímetro Curu-Paraipaba

108

interesse em dar continuidade a esta atividade se esta oferecer condições viáveis à sua

reprodução social, o que envolve uma discussão bem mais ampla.

Nessa perspectiva, estudos vêm mostrando que o envelhecimento tende a se

ampliar no mundo rural (ABRAMOVAY, 1998), fato que tem sido constatado através dos

resultados das pesquisas já citadas, nas quais de 30,0% dos irrigantes têm idade entre 56 e 65

anos e 38,4% estão entre 66 e 85 anos, o que reforça a importância de se ampliar os estudos

sobre o futuro da juventude rural.

Essa situação, especificamente falando da realidade estudada, vem contribuindo

para o aumento da quantidade de lotes abandonados ou subutilizados (usados apenas como

moradia). De acordo com os dados da Associação do Distrito de Irrigação Curu-Paraipaba,

existe em torno de 45 lotes que estão com o fornecimento de água suspenso por falta de

pagamento das tarifas de energia e manutenção. Esses lotes, consequentemente, estão

improdutivos.

Esses dados são preocupantes, pois vem gradativamente onerando os custos de

produção dos demais irrigantes, uma vez que toda a infraestrutura de irrigação de uso comum

foi dimensionada para atendimento total das unidades parcelares, ocasionado, inclusive,

elevados custos de manutenção e de energia de bombeamento.

É possível citar, a título de exemplo, o caso de uma família de colono do setor

C268

que a partir do falecimento do seu patriarca, a esposa, apesar de ter três filhos, foi

obrigada a “vender” a posse do lote a terceiros, por não ter quem quisesse suceder às

atividades agrícolas:

[...] Eu gostava muito de trabalhar no lote. Quando eu tinha saúde eu e o meu

Francisco cuidava bem do lote. Agora que ele se foi eu tenho que vender o lote para

pagar dívidas porque eu tive que pedir dinheiro emprestado para custear o tratamento do Francisco. Meus filhos não têm condições de colocar o lote para

frente, de cuidar. Um é empregado dos Correios, o outro não quer trabalhar no lote

porque não tem recurso e minha filha não tem vocação para agricultura. Então vou

vender o lote e ficar com o meu quintal. Com o dinheiro pago minhas contas e

invisto no quintal. (D. Mazé – agricultora, viúva).

68 O Perímetro é subdividido em setores: B, C1, C2, D1, D2, E, G e H. Os seis primeiros correspondem à

primeira etapa e os dois últimos, à segunda etapa.

Page 109: Os projetos de vida da juventude do perímetro Curu-Paraipaba

109

Esse depoimento é reforçado por outra liderança local, que também se preocupa

com o esvaziamento do Perímetro por parte dos irrigantes de origem e, ao mesmo tempo, com

a ocupação de pessoas ditas “estrangeiras”69

:

[...] Hoje o único problema que sofremo é com a venda de lote. Veio muitas pessoas

de lugares diferentes, as rédeas foram soltas e perdeu o controle sobre o perímetro,

pois a maioria dos lotes vendidos foram para estrangeiros, o que gera certo

descontrole e acaba prejudicando o relacionamento da população, pois aumenta o tráfico e roubos. Mas de quem é a culpa? Esses culpados somos nós mesmos, pois

antigamente não podia colocar ninguém de fora, só se fosse filho de colono, mas

com o grande número de venda de terreno o perímetro se encontra um desastre. (Zé

Barroso, liderança local)

Como podemos perceber, o abandono das áreas irrigadas pelos colonos, em razão

dos filhos não quererem sucedê-los, também abre espaço para que pessoas alheias à

agricultura familiar, ou melhor, fora dos critérios originais de seleção do DNOCS, acabem

“comprando” essas propriedades. Esse fato, se por um lado compromete a segurança das

famílias originais, conforme detalha o depoimento, por outro lado também possibilitou a

vinda de pessoas que possuíam outras fontes de renda – especialmente aposentados – que

passaram a investir na agricultura irrigada, o que até foi bem visto pelo DNOCS, conforme

depoimento de um proprietário de lote.

Outra coisa é que o pessoal do DNOCS acreditava que o pessoal como eu, que

estava irrigante, poderia melhorar o perímetro, mas nós não fomos bem aceitos pelos

irrigantes tradicionais. Então houve sempre um pé atrás com a gente. (J.R.,

aposentado)

Outro depoimento de uma liderança local – ex-presidente do Distrito – destaca sua

preocupação com o abandono dos lotes:

A maioria dos moto-taxis aqui do projeto são filhos de irrigantes, e a maioria deles

tem lote e está parado. Então ele preferiu pegar o dinheiro de uma moto, comprar

uma moto, uma bata e trabalhar de taxista. E o lote parado. Quando produz é muito

mal. (Washington, ex-presidente do Distrito)

69 Grifos nossos. Estrangeiro aqui pode ser tanto uma pessoa de fora do país, como uma pessoa de fora do

perímetro, que adquiriu o lote e não foi selecionado pelo DNOCS.

Page 110: Os projetos de vida da juventude do perímetro Curu-Paraipaba

110

Esses dados preliminares reforçam a necessidade de se discutir sobre o futuro do

Projeto, e essa questão remonta à discussão do lugar que ocupa o jovem agricultor nesse

contexto, tão bem ressaltado no depoimento de uma jovem – filha de irrigante:

[...] Sou filha de irrigante, nascida no Perímetro, moradora dele desde então.

Trabalho com irrigantes há 04 (quatro) anos e todos os dias escuto histórias sobre o

Perímetro, agricultura familiar, nossa finalidade no Perímetro e muitas outras coisas, e sei que ainda há muito o que se saber. Meu pai (agricultor) faz parte da segunda

geração de irrigantes, sempre cuidou do lote sozinho, ajudávamos apenas a fazer

algumas plantações e colheitas, nunca participávamos ativamente da vida da

agricultura familiar como tinha que ser. Só aos 21 anos, quanto comecei a trabalhar

na cooperativa foi que descobri que as coisas não eram tão fáceis como parecia, meu

pai tinha que se virar como podia pra não deixar faltar alimento em nossa casa. As

coisas aconteciam e não havia um diálogo de esclarecimento entre ele e nós,

estávamos por fora da realidade do nosso dia-a-dia. Descobri que meu pai cultivava

cana-de-açúcar pra poder manter em dias a energia de bombeamento e manter a

estrutura do lote, que ele não tinha um documento que comprovasse que ele era

dono da terra e outras coisas mais. Vi que tudo que parecia muito fácil, era realmente muito difícil, mas isso não acontecia só comigo, a grande maioria dos

jovens continuam sem saber. Eles não sabem a diferença entre os órgãos como

DNOCS, Associação e Cooperativa. Uma pequena parte da terceira geração da qual

faço parte, sonham em concluir os estudos, entrar em uma faculdade e mudar

totalmente de vida, outros estudam apenas para escapar das atividades impostas

pelos pais, e só se preocupam em quando terminar os estudos procurar uma

ocupação fora da agricultura. Eles são incentivados pelos pais e principalmente pelas

mães, que dizem que não querem que os filhos passem pelo que elas passaram e por

isso os abstêm dos serviços pesados70; o restante abandonam os estudos, não se

interessam pela agricultura e fazem coisas ilícitas para manter vícios que eles

adquirem. (Cristiane, 24 anos, filha de irrigante, funcionária da Cooperativa).

O depoimento da jovem sinaliza aspectos muito relevantes, tais como o

distanciamento dos jovens do cotidiano do projeto, a falta de comunicação entre pais e filhos

sobre esse assunto, o (des) incentivo dos pais e, sobretudo, da mãe, para que os filhos deem

continuidade à atividade agrícola. Destaca-se ainda no depoimento a visão que eles têm da

agricultura como uma atividade penosa, “pesada” e de pouco retorno econômico, além do

desconhecimento sobre a estrutura organizacional do próprio projeto, fato este que também é

destacado nos estudos de outros espaços rurais.

Outro aspecto relevante apontado nos estudos sobre sucessão na agricultura

familiar está relacionado à limitação da área: “[...] o negócio exige a continuidade do caráter

familiar da gestão e do trabalho e suas dimensões não permitem que dele dependam mais que

uma família.” (ABRAMOVAY, 1998, p. 19) Nesse sentido, por esse e vários outros fatores

70 Grifos nossos.

Page 111: Os projetos de vida da juventude do perímetro Curu-Paraipaba

111

limitantes, os jovens acabam sendo levados a procurar outras formas de sobrevivência.

(CARNEIRO, 1998; BRUMER, 2007; CASTRO, 2005)

No caso do Perímetro em estudo acontece um fato singular: o lote e o quintal

(com uma área total de 3,72 hectares), apesar de ser considerado legalmente indivisível,

costumam ser “repartido” informalmente entre os filhos que desejam continuar ou precisam

continuar trabalhando na agricultura irrigada, embora o patriarca continue formalmente

responsável pela área. Esse processo ocorre geralmente quando o mesmo se aposenta e deixa

de depender financeiramente da renda agrícola, coincidindo com o fato dos filhos se casarem

e constituírem família, as quais, muitas vezes, se fixam na mesma área dos pais. Essas

reflexões serão aprofundadas a partir das discussões dos resultados da pesquisa de campo com

a juventude.

Essa afirmativa se confirma no resultado da “Pesquisa Perímetro Irrigado: Versão

32 Anos”, onde 49,3% dos lotes dos entrevistados possuem mais de uma família morando,

sendo que 62,6% desses mesmos irrigantes afirmaram possuir filhos e/ou netos trabalhando

na mesma unidade familiar.

Vale acrescentar que a maioria das unidades que foram subdivididas perdeu a sua

viabilidade econômica, deixando de ser autossustentáveis. Assim, observando esse

movimento, como a produção agrícola não absorve todos os custos de produção e reprodução

familiar, entendemos que esses grupos precisaram buscar outras fontes de renda e muitos,

inclusive, são atendidos pelo Programa Bolsa Família ou dependem economicamente da

aposentadoria dos mais velhos.

Nesse contexto, percebemos, que, apesar da agricultura irrigada ser a principal

fonte de renda desses produtores, quase 70% deles afirmaram possuir renda não agrícola,

sendo que a principal é a aposentadoria. Por outro lado, de acordo com a Secretaria Municipal

de Desenvolvimento Social, 661 famílias que moram no perímetro são atendidas pelo

Programa Bolsa Família. Já mencionados, esses dados demonstram a perda de centralidade da

agricultura irrigada como única fonte de renda, como o fora no início do projeto.

Por outro lado, conforme ressaltou Abramovay (1998, p. 66), “[...] o processo

sucessório na agricultura familiar está articulado em torno da figura paterna que determina

o momento e a forma da passagem das responsabilidades sobre a gestão do estabelecimento

para a próxima geração.” Este dado é confirmado pela pesquisa, quando 67,7% dos

agricultores entrevistados afirmaram serem os responsáveis pela gestão da sua unidade

agrícola, apesar de possuírem filhos ou netos trabalhando na mesma terra. Esse assunto será

aprofundado no próximo capítulo.

Page 112: Os projetos de vida da juventude do perímetro Curu-Paraipaba

112

Assim, estudos coordenados por Castro (2005, p. 26), destacam “o peso da

autoridade paterna”, que limita e controla o envolvimento dos jovens na gestão da unidade

agrícola, bem como determina o processo sucessório, o que também se percebe no Perímetro

estudado.

É importante destacar que no universo estudado temos, pelo menos, três gerações

envolvidas: o colono – que foi em sua maioria assentado pelo DNOCS e que está com mais de

66 anos –, o filho que permaneceu na terra, que já constituiu família e que está com mais de

40 anos, e os netos, que possuem idades variadas de até 29 anos. Acreditamos que seja esta

terceira geração a mais vulnerável, e que a mesma esteja na citada condição de isolamento

social.

Nesse sentido, de acordo com Abramovay “o interesse dos jovens pela vida no

meio rural passa pela valorização de suas iniciativas e, portanto, pelas responsabilidades

que eles podem assumir no interior das unidades produtivas.” (1998, p. 92) Outras pesquisas

realizadas na região Sul corroboram com essa premissa, ou seja, repassar responsabilidades

para os filhos, além de garantir uma renda própria para os mesmos, trata-se do

reconhecimento pela importância do seu trabalho. (WEISHEIMER, 2005)

No caso do perímetro em questão, percebemos que o irrigante continua

responsável pela gestão do lote até a sua morte ou prostração por motivos de doença, sendo

que a participação dos filhos é limitada. Nesse caso, muitos não recebem qualquer

remuneração e sua força de trabalho é tida como uma ajuda, o que os estimula a procurar

outras fontes de renda, conforme depoimento de um jovem filho de irrigante.

Eu gostava de trabalhar no lote com meu pai, mas a gente não recebia uma diária

como a dos trabalhadores que o pai contratava. E a gente trabalhava igual a eles.

Quando o meu irmão queria ganhar um dinheirinho tinha que trabalhar alugado para os outros. Então eu vim trabalhar na fábrica e ganhar o meu salário. (Gerlan, 19

anos, filhos de irrigante)

Portanto, as motivações e estímulos aos quais os autores fazem alusão passam, em

nosso entendimento, a requerer das instituições mediadoras e de seus agentes uma atuação

relevante no sentido de avaliar o papel da educação e das demais instâncias envolvidas nessa

complexa teia de relações, buscando perceber em que medida está colaborando com a

permanência dos jovens no campo, de que forma esta propicia a interação com a realidade

local ou mesmo se valoriza ou não o trabalho agrícola.

Page 113: Os projetos de vida da juventude do perímetro Curu-Paraipaba

113

Além disso, os dados empíricos sugerem uma avaliação sobre a intervenção das

políticas públicas de proteção e controle social, especialmente as políticas de prevenção e

erradicação do trabalho infantil, definidas pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei n°

8.069/90 de 13 de julho de 1990) uma vez que a formação do agricultor, conforme

demonstrado em diversos estudos se dá junto à família no dia a dia, e desde muito cedo.

Resultados de pesquisa realizada no Vale do Jequitinhonha (MG) – cujos dados demonstram

uma valorização do trabalho agrícola, ao contrário do que aponta grande parte das pesquisas

sobre o tema – destaca que “[...] esses ensinamentos começam com as crianças observando

diariamente o trabalho dos pais. Realizam pequenas tarefas e, à medida que vai crescendo, o

trabalho vai se intensificando até dominarem todas as atividades desenvolvidas na unidade

familiar.” (MENDONÇA, RIBEIRO e GALIZONI, 2008: 9)

Dessa forma, segundo Neves (1999), no caso da formação de agricultor, é

essencial que os pais transmitam seus conhecimentos e experiências. Esse processo se dá na

prática cotidiana.

A proibição do trabalho infantil – embora se destine a garantir que todas as

crianças e adolescentes tenham acesso à educação e, no caso do meio rural, impeça que estes

trabalhem em situações de risco e insalubres, como no corte da cana-de-açúcar, por exemplo –

, acaba impedindo que os pais ensinem a seus filhos o valor do trabalho agrícola e incentiva o

distanciamento da juventude de seu espaço rural, conforme destaca o depoimento de um

irrigante do setor C2.

A maioria dos lotes se encontra abandonados, principalmente pelos filhos de colono,

eles não querem saber da agricultura. Em minha opinião, isso vem acontecendo

devido ao uso de drogas, bebidas, e a falta de ensinamento da parte dos pais, pois

eles deveriam entusiasmar mais seus filhos, para que eles pudessem dar

continuidade ao trabalho. Comecei a trabalhar com oito anos de idade. Hoje há

muito problema com o Conselho Tutelar em colocar os filhos para trabalhar. [...] Eu

sou contra em alguns pontos, pois tem a hora de trabalhar e a hora de estudar. Um

não atrapalhando o outro da certo. [...] Eu sempre falei que não tem autoridade no mundo que faça eu botar um filho meu no mundo para não trabalhar. [...] Temos que

saber educar os nossos filhos, para que depois não estejam nos fazendo sofrer, se

envolvendo no que não deve. (Francisco de Oliveira, irrigante)

Nessa perspectiva, em primeira instância, percebemos um enorme isolamento

social dos jovens que vivem no Projeto. Muitos terminam o nível médio e não sabem o que

vão fazer ou não têm condições econômicas para realizar seus sonhos e projetos profissionais

na própria localidade. Outros vão trabalhar em atividades ligadas à comercialização do coco,

Page 114: Os projetos de vida da juventude do perímetro Curu-Paraipaba

114

tais como: “tiradores” de coco verde ou “descascadores” de coco seco, além de carregadores

dos caminhões que realizam o transporte da produção. Alguns também vão “trabalhar

alugado”71

, de moto-taxi ou na Prefeitura. Nesse último caso, na maioria das vezes, como

moeda de troca pelo voto na última eleição, submetendo-se a salários irrisórios72

. Essas

reflexões serão resgatadas e ampliadas no capítulo posterior.

Assim, registramos uma tendência de surgimento de famílias pluriativas73

no

projeto estudado, sendo que essa categoria vem sendo discutida na agenda de pesquisas de

vários estudiosos do mundo rural74

. Carneiro (2008), quando analisa que a sociologia rural

tradicionalmente “provocou a reificação de uma imagem dicotômica da sociedade sustentada

na oposição entre campo e cidade”, tendo como consequência a “identificação do rural com

a produção agrícola e do urbano com o trabalho industrial, comercial e de serviços”, aponta

para uma tendência de valorização do urbano como espaço de progresso e desenvolvimento,

enquanto “ao rural cabe o estigma do atraso, da tradição e do estático”. (Idem, p. 22 - 23)

Muito incisivo, o depoimento do atual presidente do Distrito a esse respeito é revelador.

[...] Se ponha no lugar de um pai, nenhum quer ver seu filho morrer de trabalhar

dentro de um lote, você quer ver seu filho estudando, para conseguir algo melhor.

Pra mim a agricultura é a ultima profissão que ficou no mundo. Isso é pra quem não

tem estudo nenhum. Os nossos pais sempre disseram, quem não quer estudar vai

trabalhar no cabo da inchada, é muito sacrificoso. Quando a pessoa num dá pra ser

nada ela dá bem certinho pra ser agricultor. (João, 51 anos, agricultor)

Essa situação fomenta a necessidade de uma investigação mais aprofundada,

buscando verificar as possibilidades e os limites de desenvolvimento do próprio perímetro.

Conforme alertado anteriormente, se somam à ausência de incentivos para que o jovem dê

continuidade à atividade da agricultura irrigada, os problemas relacionados aos custos de

produção, às limitações de recursos financeiros e dificuldade de acesso a financiamentos,

além dos problemas estruturais já levantados.

Dessa forma, essas discussões são muito importantes para analisarmos o futuro

das regiões rurais e, especificamente, o futuro do Perímetro Curu- Paraipaba, como espaço de

71 Esta expressão é usada quando alguém vai trabalhar na diária em lote de propriedade de terceiros, ou seja, não

familiar. 72 Muitos que trabalham na Prefeitura têm emprego de meio expediente, não são concursados e ganham menos

de um salário, além de receberem quase sempre atrasado. 73 Considerada como uma das estratégias de reprodução da agricultura familiar, Scheneider define objetivamente

a pluriatividade como (...) “um fenômeno que pressupõe a combinação de duas ou mais atividades, sendo uma

delas a agricultura”. (2009, p. 141) 74 Para obter maiores informações sobre pluriatividade, consultar Carneiro (1998, 2009), Scheneider (1999,

2001, 2003, 2004, 2009), Sacco dos Anjos ( 2009)

Page 115: Os projetos de vida da juventude do perímetro Curu-Paraipaba

115

produção agrícola familiar. E mais que isso, diante de todos os impasses, controvérsias e

problemas, é importante indagarmos se o trabalho na agricultura irrigada é realmente viável

para a juventude ou mesmo como eles percebem o perímetro e quais as suas expectativas

profissionais.

Page 116: Os projetos de vida da juventude do perímetro Curu-Paraipaba

116

CAPÍTULO 03 - OS PROJETOS DE VIDA DA JUVENTUDE: ENTRE O SONHO E A

REALIDADE

“Uma verdadeira política de desenvolvimento rural deve associar a atribuição de ativos aos

jovens – dos quais o mais importante é a educação de qualidade – com o estímulo a um

ambiente que estimule a formação de projetos inovadores que façam do meio rural, não

uma fatalidade, mas uma opção de vida”.

Abramovay

O Perímetro estudado caracteriza-se por um elevado contingente de pessoas na

faixa etária entre 55 e 85 anos – totalizando mais de 20% da sua população. Por outro lado,

notamos a existência de um significativo percentual de pessoas na faixa etária de 15 a 25

anos, totalizando cerca de 17%, conforme visualizamos no gráfico a seguir.

Gráfico 17

Fonte: ADICP, 2007

Com base nisso, verificamos, claramente, que, no Perímetro, se de um lado é

expressiva a quantidade de idosos (especialmente formada pelos colonos titulares dos lotes)

de outro, é significativa a permanência de uma população considerada jovem, capaz, portanto,

de suceder os pais nas atividades agrícolas, invocando a necessidade de uma investigação

mais aprofundada acerca desses sujeitos, enfatizando suas expectativas em termos de futuro

profissional, a percepção que eles têm sobre a agricultura, o Perímetro, as suas organizações e

as possibilidades da agricultura irrigada.

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117

Com esse intuito, este capítulo retrata os resultados da pesquisa, tendo em vista a

apreensão do constructo mental da juventude, em relação aos aspectos já citados. A análise

avança, ainda, para o entendimento do cenário que se prospecta para essa faixa da população,

ou seja, se existem e quais são os tipos de incentivos voltados para a permanência da

juventude na atividade agrícola do perímetro, bem como a sua visão sobre a existência ou

necessidade de políticas públicas voltadas para a sua inserção.

3.1. Conceituando a categoria juventude

Considerando que juventude é categoria chave para compreensão deste estudo,

necessário se faz esclarecer o enquadramento teórico que balizou as análises aqui

apresentadas. Sem pretensão de dar conta dos vários entendimentos que fazem o delineamento

conceitual da juventude no campo das ciências sociais, o estudo – dado o seu empenho em

desvendar aspectos da cultura local – seguiu uma orientação que, sem desmerecer as demais,

olha essa categoria sociológica, ultrapassando os limites de seus aspectos estritamente

biológicos ou cronológicos, pois, conforme situa Bourdieu

[...] a idade é um dado biológico socialmente manipulado e manipulável; e que falar

dos jovens como se fossem uma unidade social, um grupo constituído, dotado de

interesses comuns, e relacionar esses interesses a uma idade definida biologicamente

já constitui uma manipulação evidente. (Bourdieu, 1983, p. 113)

Assim, embora reconhecendo a relevância de outros enfoques, a análise da juventude

do Perímetro Curu-Paraipaba requer visões que apreendam o seu universo relacional, ou seja,

que a perceba como construção sociocultural-histórica complexa, sem perder de vista suas

múltiplas dimensões, conforme a riqueza descrita por Weisheimer:

Entende-se por juventude uma categoria relacional fundada em representações

sociais, tais como as que conferem sentidos ao pertencimento a uma faixa etária, que

posiciona os sujeitos na hierarquia social a fim de promover a incorporação de papeis sociais através dos diferentes processos de socialização que configuram as

transições da infância à vida adulta. (...) Entre as características dessa categoria,

destaca-se a ambivalência típica de sua situação liminar e transitória; a posição

subalterna aos adultos na hierarquia social; a conflitividade originada pelo processo

de individualização nesta situação liminar e subalterna; a criatividade e capacidade

de inovação própria do contato original das novas gerações com a cultura pré-

estabelecida. (WEISHEIMER, 2009, p. 86)

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118

Assim sendo, o conteúdo analítico traçou caminhos metodológicos que olha a

juventude integrando-a ao contexto do Perímetro Irrigado Curu-Paraipaba, quer dizer,

considerando todo o processo de socialização em que ela se insere, percebendo, inclusive, os

principais condicionantes dessa realidade, os quais produzem seus reflexos nessa mesma

juventude.

Em termos operacionais, sem, necessariamente, priorizar uma faixa etária,

consideramos como público de análise três grupos de jovens a seguir detalhados: 1) os jovens

que estão cursando o nono ano do ensino fundamental (etapa em que eles têm um

relacionamento mais aproximado com os pais, irmãos e vizinhança, marcado por uma fase em

que os mesmos estão terminando a primeira etapa de escolarização e devem definir se

pretendem continuar ou não os estudos na sede da Cidade75

); 2) os jovens que estão no ensino

médio (essa etapa representa, de certa forma, um rompimento com a fase em que o indivíduo

se relaciona quase exclusivamente com os familiares e vizinhos, iniciando um novo ciclo, pois

já experimenta uma relativa autonomia em relação aos pais, gozando de liberdade, por

exemplo, para apanhar o transporte escolar sozinho, para se relacionar com jovens de outras

localidades e da sede). Os resultados das várias opiniões desses dois grupos de jovens serão

debatidas e confrontadas com as discussões travadas com os jovens filhos ou netos de

irrigantes que não estão mais estudando e buscam se inserir no mercado de trabalho.

A análise dos dados coletados em campo impôs a necessidade de organização dos

resultados agrupados nos seguintes aspectos:

i. Percepções sobre a agricultura;

ii. Inserção no mercado de trabalho;

iii. Percepções sobre o futuro profissional;

iv. Versões e opiniões sobre o Perímetro e suas organizações;

v. Versões e opiniões sobre a sucessão da agricultura familiar;

vi. Percepções da juventude sobre si e sobre seus problemas.

Antes de iniciar os blocos de discussões é importante acentuar um breve perfil do

público pesquisado. Em termos de faixa etária, os jovens do nono ano do ensino fundamental

contam entre 14 e 18 anos, sendo que a grande maioria encontra-se na faixa de 14 a 16 anos,

com 88%. Vejamos o gráfico abaixo:

75 As escolas do Perímetro oferecem até o Ensino Fundamental. O Ensino Médio é ofertado nas escolas da sede

da cidade.

Page 119: Os projetos de vida da juventude do perímetro Curu-Paraipaba

119

Gráfico 18

Fonte: Pesquisa de Campo

Em relação aos aspectos conjugais, 87% deles são solteiros e 100% moram com

os pais.

Quanto aos jovens do Ensino Médio, a grande maioria está na faixa etária entre 15

a 17 anos, com quase 67%, conforme se verifica no gráfico a seguir:

Gráfico 19

Fonte: Pesquisa de Campo

Em relação aos aspectos conjugais, 100% deles são solteiros e quase 88% moram

com os pais.

Esses resultados preliminares salientam que o público estudado, até pela condição

etária76

, em sua maioria, está vinculado ecnomicamente ao núcleo familiar. Mesmo os poucos

que constituíram família continuam no mesmo teto dos pais, demonstrando pouca autonomia.

Quando indagados sobre terem irmãos, cerca de 84% dos jovens do ensino

fundamental afirmaram possuir irmãos, sendo que apenas 19% deles trabalham na agricultura.

76 A esmagadora maioria tem menos de 17 anos.

Page 120: Os projetos de vida da juventude do perímetro Curu-Paraipaba

120

Quanto aos jovens do ensino médio, quase 96% têm irmãos, sendo que 57% destes não

trabalham na agricultura, conforme gráfico a seguir apresentado:

Gráfico 20

Fonte: Pesquisa de Campo

Ao analisar os dois públicos, esses resultados podem enfatizar, preliminarmente,

tendência de ruptura com o trabalho agrícola, uma vez que a grande maioria dos irmãos dos

jovens do ensino fundamental não está exercendo essa atividade.

Quanto aos jovens do terceiro grupo – com o qual foi realizada a técnica

conhecida como grupo focal – pode-se afirmar que se trata de um grupo formado por jovens

entre 18 e 22 anos, sendo que a maioria já concluiu o ensino médio, estão solteiros e

continuam morando com os pais77

.

Quanto ao fato de terem irmãos, todos têm irmãos, sendo que 60% deles

trabalham na agricultura. Embora a maioria tenha irmãos trabalhando na agricultura, não

podemos deixar de considerar que também nessa faixa etária registramos processo de ruptura

com o trabalho agrícola no âmbito da unidade parcelar.

3.2. Percepções sobre a agricultura

Alguns estudos sobre a juventude rural apontam que o desejo de permanecer no

campo não significa mais necessariamente dar continuidade à profissão de agricultor,

apresentando a tendência de que o rural não está mais naturalmente vinculado ao agrícola

(CARNEIRO, 1998; ABRAMOVAY et al, 1998).

77 Dos sete jovens que participaram do grupo focal, seis moram com os pais e apenas um é casado e tem uma

casa própria.

sim43%

não57%

% DE JOVENS DO ENS. MÉDIO QUE

TÊM IRMÃOS TRABALHANDO NA

AGRICULTURA

Page 121: Os projetos de vida da juventude do perímetro Curu-Paraipaba

121

Por outro lado, existe uma tendência em considerar o rural como um lugar de

atraso, o que, de certa forma, tem a ver com as condições objetivas de infraestrutura desses

espaços rurais em comparação com os centros urbanos, ou seja, é no campo que se encontra o

menor índice de qualidade de vida no que se refere a saneamento básico, por exemplo, ou

mesmo possibilidade para acessar a universidade pública gratuita.

Nesse sentido, alguns estudos reforçam o debate em torno da necessidade de

melhoria das condições de vida das pequenas cidades e das zonas rurais, pois se por um lado o

jovem não pretende necessariamente ser agricultor, por outro, ele também não pretende

impreterivelmente sair de sua localidade, embora não queira abrir mão da qualidade de vida e

acesso à educação, lazer, trabalho, dentre outros, conforme assinala Carneiro (2007, p. 63).

A valorização da aldeia não implica a negação dos bens imateriais e materiais urbanos. [...]

Mesmo não relacionando seu futuro a agricultura, muito jovens pretendem continuar

morando na localidade rural, mas sem abrir mão do acesso a educação e a novos campos de

conhecimento como a informática, por exemplo [...]

Esse breve debate se impôs para dar suporte às analises que, decorrentes da

pesquisa, buscaram apreender as várias visões dos jovens sobre a atividade agrícola, bem

como sua relação com a mesma.

É válido acrescentar que nesse estudo estamos considerando como trabalho

agrícola aquele praticado na unidade familiar agrícola.

Assim, os jovens do Ensino Fundamental, quando indagados sobre a experiência

de trabalho na agricultura, confirmam o que têm mostrado, recentemente, as principais

referências teóricas no que se refere à perspectiva de rompimento com o trabalho agrícola.

Consultando os gráficos a seguir, constatamos que apenas 7% do público pesquisado exerce,

regularmente, atividades agrícolas; 32% trabalham, mas só esporadicamente, enquanto 61%

desses estudantes distanciaram-se totalmente da atividade. Esses últimos, por diversos

motivos, sendo que o principal deles foi não gostar dessa atividade, com quase 32%, seguido

dos que consideram esse trabalho como algo penoso, com 26%, enquanto quase 16% dizem

que a mãe dá preferência que o jovem estude ao invés de exercer o trabalho agrícola. Vejamos

os gráficos.

Page 122: Os projetos de vida da juventude do perímetro Curu-Paraipaba

122

Gráfico 21

Fonte: Pesquisa de Campo.

Gráfico 22

Fonte: Pesquisa de Campo.

Esses primeiros resultados corroboram com as pesquisas que apontam para uma

tendência de descontinuidade da profissão de agricultor, colocando em risco o futuro da

agricultura familiar no bojo do perímetro estudado. Assim, a não inserção dos jovens no

processo de trabalho familiar agrícola, de acordo com as observações empíricas, podem

interferir em suas decisões sobre a continuidade dessa atividade. Essas observações são

relevantes, se considerarmos que o processo de socialização da agricultura familiar produz e

incorpora conhecimentos e saberes próprios, reproduzindo, sobretudo, valores culturais

específicos. (NASCIMENTO, 2010)

Por outro lado, considerando que “o trabalho familiar é o elemento central da

reprodução da agricultura familiar” (WEISHEMER, 2009, p. 172) e que este importante elo

vem se rompendo (pelo menos em relação aos jovens que estão concluindo o Ensino

Fundamental), questionamos sobre que incentivos esses jovens estão recebendo para

permanecer na agricultura.

Durante a realização da pesquisa questionamos se existem incentivos para aqueles

jovens que pretendem continuar o trabalho agrícola familiar e o resultado nos chamou a

atenção, ou seja, a maioria de quase 84% afirmou que existem incentivos, sendo que estes

Page 123: Os projetos de vida da juventude do perímetro Curu-Paraipaba

123

incentivos estão relacionados às interferências da própria família e não estão vinculadas à

atuação de instituições de direito público ou privado. Melhor explicando, a pesquisa

demonstrou que os jovens desconhecem ações articuladas pelas esferas públicas ou privadas

que tenham como foco a discussão sobre agricultura familiar no âmbito do Perímetro.

Nessa perspectiva, além das três ocorrências não respondidas, as demais dezoito

se remetem a respostas relacionadas às condições objetivas de sobrevivência financeira, ou

seja, eles são incentivados a trabalhar na agricultura para “ter um futuro melhor e cuidar dos

filhos e netos, ajudar aos pais”, ou mesmo “impedir que os pais comercializem o seu lote”,

que se trata de uma fonte de subsistência familiar.

Por outro lado, os que responderam que não há incentivos atingiram um total de

cinco ocorrências, apresentando os seguintes argumentos: alegam que os pais estão vendendo

os lotes, que os jovens não se interessam mais por trabalhar no campo, porque o adolescente

não é para trabalhar no campo e outros motivos relacionado ao comportamento do pai ou da

família.

Desses resultados, dois chamaram mais a atenção. O primeiro é o não incentivo

para o trabalho na agricultura pelo fato dos pais estarem vendendo os terrenos, e o segundo é

que os jovens não querem mais trabalhar no campo. Esta primeira afirmativa já foi tratada

anteriormente, quando se detectou que alguns colonos de origem venderam seus lotes em

razão de terem perdido a sua força de trabalho e por não terem filhos aptos para sucedê-los.

Outros tomaram essa decisão por optarem pela divisão do valor arrecadado com a venda entre

todos os membros da família, assunto que detalharemos a seguir.

Já a segunda manifestação – dado confirmado em várias pesquisas acerca desse

assunto – pode ser explicada por diversos motivos, sendo que um deles pode estar relacionado

às dificuldades que os agricultores enfrentam para produzir, pela penosidade do trabalho ou

até mesmo porque os pais não estão preparando os filhos para essa sucessão, sobretudo por

causa da atuação das políticas públicas voltadas para a erradicação do trabalho infantil, as

quais generalizam esse trabalho como exploração e desconhecem ou desconsideram que o

trabalho no seio da agricultura familiar também pode ter outra lógica, baseada na formação de

cidadãos dignos e detentores de valores éticos. (NASCIMENTO, 2010; NEVES, 1999)

Por outra via, existem jovens que gostam do trabalho agrícola (cerca de 39%),

sendo que os motivos apresentados para trabalharem ou gostarem desse trabalho também

refletem as condições objetivas de sobrevivência, ou seja, cerca de 50% trabalham devido à

necessidade de ajudar os pais ou por acreditarem ser o futuro dos seus filhos. Não é possível

desconhecer que o mesmo percentual diz gostar da atividade e das características inerentes a

Page 124: Os projetos de vida da juventude do perímetro Curu-Paraipaba

124

esta, que é “mexer com a terra e com a irrigação”, o que direciona que há possibilidade de

sucessão da agricultura familiar no perímetro estudado. Vejamos o gráfico.

Gráfico 23

Fonte: Pesquisa de Campo

Comparando esses resultados com os dos jovens do Ensino Médio, percebemos que o

percentual dos que trabalham na agricultura passa a ser significativo quando somamos os que

afirmaram trabalhar, com aqueles que trabalham esporadicamente, o que totaliza cerca de

54%. Em princípio, esse percentual dos que trabalham tenderia a aumentar, em função do

próprio aumento da faixa etária em relação aos jovens do Ensino Fundamental, ou seja, à

medida que eles vão crescendo surge a necessidade de trabalhar, e a agricultura é a opção

mais próxima para se conseguir ganhar dinheiro. Vejamos o próximo gráfico.

Gráfico 24

Fonte: Pesquisa de campo.

Por outra via, é importante destacar que a maioria dos jovens do Ensino Médio

gosta da agricultura (cerca de 79%), sendo que os motivos apresentados para gostarem dessa

atividade também refletem as condições objetivas de sobrevivência, ou seja, mais de 79%

trabalham devido à necessidade de tirar da terra o seu sustento e poderem pagar suas despesas

Page 125: Os projetos de vida da juventude do perímetro Curu-Paraipaba

125

pessoais. Não é possível desconsiderar, também, que cerca de 21% disseram gostar da

atividade porque através dela se aproximam dos pais e/ou avós, passando a entender os

percalços atravessados pelos mesmos. Vale lembrar que aqueles que não gostam dessa

atividade relataram como justificativa o fato de ser um serviço pesado ou simplesmente não

gostarem de suar ou não conhecerem o trabalho.

Esses dados demonstram que os jovens não romperam definitivamente com as

atividades agrícolas, o que pode sinalizar possibilidades deles continuarem o trabalho agrícola

na área da família. Por outro lado, gostar da agricultura não signifique, necessariamente,

querer ser agricultor. Assim, é necessário analisar diversas outras variáveis ao longo deste

estudo.

Gráfico 25

Fonte: Pesquisa de campo.

O gráfico a seguir enfatiza que, apesar da grande maioria gostar da agricultura,

cerca de 54% afirmaram não saber trabalhar nesta atividade, o que reforça as observações

anteriores. Vale considerarmos que aqueles que afirmaram saber trabalhar aprenderam com

seus pais ou avós, o que também enfatiza as análises anteriormente desenvolvidas. Nesse

caso, o pai agricultor assumi a função de mestre em relação ao filho aprendiz para garantir a

continuidade da agricultura familiar ou, sobretudo, para preparar o filho para que este faça

suas próprias escolhas, sejam elas relacionadas à agricultura ou não. Por outro lado, 73% dos

que não sabem trabalhar nesta atividade são mulheres, o que reforça os resultados de várias

pesquisas que destacam o distanciamneto maior destas em relação à agricultura.

(CARNEIRO, 1998; ABRAMOVAY, 1998; CASTRO, 2005; BRUMER, 2007

WANDERLEY, 2007)

Page 126: Os projetos de vida da juventude do perímetro Curu-Paraipaba

126

Gráfico 26

Fonte: Pesquisa de campo.

Para discussão sobre as possibilidades da agricultura irrigada, na visão do

terceiro grupo de jovens – os que já terminaram o Ensino Médio e estão buscando trabalho – e

sobre os incentivos para a continuidade desta atividade, vale a pena analisarmos os

depoimentos a seguir:

A irrigação é importante porque a gente não precisa esperar o inverno, a gente colhe

mais feijão, mais macaxeira, essas coisas. Na agricultura de sequeiro a gente só pode

plantar feijão e macaxeira no inverno ai quando chega a seca morre tudo. A gente

precisa da irrigação. Meu pai incentivou o trabalho desde pequeno. Sou acostumado

a trabalhar de agricultor. Ele me incentivou. (C., 20 anos)

O meu pai sempre quando eu era pequeno me acordava às 04 horas da manhã pra

nós ir mudar as redes de cano.78 No começo eu fazia só engatar os canos mesmo.

Depois ele começou a trabalhar no colégio aí mandou eu ir ajudar meu avô. Eu

continuo ainda ajudando ele por causa da idade. Porque ele já é muito idoso. (F., 18

anos)

O benefício é que a agricultura irrigada traz sempre as plantações verdinhas. Como

tem muitos sertões que não tem essa oportunidade. Aqui tem água todo dia pra

gente, mas o inverno também é importante pra encher os rios, porque se não fosse a

água das chuvas pra encher os rios como teria essa irrigação? Eu não tive

convivência com meu pai. Ele foi embora quando eu tinha 2 anos. Quem me ensinou

a trabalhar no lote foi o meu tio. Sempre me incentivava. Eu fazia rodapé lá no

tronquinho do coqueiro e com ele nós aprendemos muita coisa, a gostar do

perímetro. (Ch., 22 anos)

Deus me perdoe, mas a chuva é boa, mas todo o mundo sabe que o melhor pra

planta mesmo é a água irrigada. Porque a plantar quer é a água ali no tronco dela

mesmo. Por isso é que quando chega a irrigação é 100%. Melhora tudo em todos os

aspectos, melhora a planta, melhora o fruto. Sobre essa parte de ter influência meu

pai faleceu eu era muito novo ainda. Hoje quem me influencia muito é os meus

irmão. A gente trabalha no lote. (S., 21 anos)

Eu não consigo ver o agricultor sem água irrigada porque é de onde vem o sustento.

Quer queira quer não é de onde vem o sustento da família é da agricultura. Se fosse

esperar pelo inverno se ia plantar de seis em seis meses contando com a chuva. Com

78 Através desses canos é que a água chega para irrigar as culturas plantadas nos lotes.

Page 127: Os projetos de vida da juventude do perímetro Curu-Paraipaba

127

uma coisa que você não ia ter certeza de que ia ser bom ou não o inverno.. (...)

Desde os meus 6 anos que o meu pai me levava pro lote e eu passei uns 03 anos e

meio cuidando do lote sozinho porque ele trabalhava como pedreiro. (...) Hoje a

gente tem plantação no lote e quando não tem construção a gente ta trabalhando no

lote juntamente com ele. Então isso já vem da infância. O incentivo que ele me deu

foi esse, me ensinou a trabalhar na maior riqueza que a gente aqui dentro do projeto

que é a nossa agricultura. (T., 22 anos)

A apreciação dos depoimentos nos fornece a compreensão sobre como os jovens

do Perímetro percebem a agricultura irrigada em oposição à agricultura de sequeiro, ou seja,

eles valorizam muito a irrigação, e como eles nasceram no Projeto e sempre conviveram com

esse modelo de agricultura, até estranham a possibilidade de se trabalhar apenas com culturas

de inverno, que são a principal forma de produção ainda hoje no Brasil. Além disso, é

possivel perceber que os jovens pesquisados têm esse vínculo com a agricultura irrigada

porque foram socializados na atividade, quer seja diretamente pelos pais ou por um familiar

mais próximo.

Visto de outro ângulo, apesar deles valorizarem a agricultura irrigada, estão

buscado um trabalho fora da unidade agrícola da família. Isso ocorre constantemente no

Perímetro por diversos motivos, sendo que um deles está no fato do tamanho do lote não ser

suficiente para atender às necessidades da família e à medida que os jovens vão crescendo ou

vão constituindo família, eles sentem a necessidade de ter a sua própria independência

financeira, conforme destacado nos depoimentos a seguir.

É que nem todo mundo ta dizendo mesmo, como lá em casa. Lá em casa é o lote todo mas é

dividido pra três, quatro irmão pra trabalhar, por exemplo. Hoje eu não tenho família, mas

se tivesse ia sobreviver como? Por isso é que sobrevivo pra pagar minhas continhas é

tirando coco seco. É a única coisa que apareceu. (S., 21 anos)

Pra manter a família com agricultura não dá. Porque agricultura só se for o dono do lote. E

se a gente não tem terreno próprio pra produzir a gente não vai ter aquele dinheirinho certo

todo o mês. A gente vai trabalhar fazendo bico. Quem trabalha com agricultura dois ou tres

dias com carrada de coco. Chega o sábado e o domingo a gente tá parado ai chega um

bicozinho e a gente tem que fazer aquele bico pra mode arrumar o dinheiro da semana.

Porque se não aparecer a gente vai passar dificuldade. (G., 20 anos)

Eu fui trabalhar na fábrica porque eu tenho vontade de conseguir as coisas eu mesmo. Ter

um transporte, fazer algum curso, comprar minhas roupas, um calçado, essas coisas. (G. S.

V., 19 anos)

A pesquisa de campo também procurou apreender a visão dos jovens sobre a

agricultura irrigada, a partir do questionamento sobre que nível educacional mínimo é

necessário para o exercício dessa atividade. Nesse sentido, para quase 42% dos jovens do

Page 128: Os projetos de vida da juventude do perímetro Curu-Paraipaba

128

nono ano do Ensino Fundamental, o nível mínino deve ser o Ensino Fundamental, enquanto

cerca de 29% afirmaram que não necessitam ter qualquer instrução. Por outro lado, esse

mesmo percentual afirmou que é necessário ter o nível superior, o que pode indicar um certo

rompimento com a visão de que a agricultura é uma atividade para aqueles que não querem ou

não tiveram “chance” de estudar.

Cumpre ressaltar que a atividade irrigada requer tanto o conhecimento dos

especialistas – além de técnicos qualificados para produção, comercialização, manejo das

águas e do solo, controles de pragas e doenças e práticas ambientais sustentáveis – como

também de trabalhadores, cuja execução da atividade requer conhecimentos empíricos

tradicionais sobre a agricultura, tais como limpeza, capina, aplicação de defensivos e

adubação, dentre outras. Considerando ainda a possibilidade de existir a industrialização dos

produtos do perímetro, novas atividades são requeridas, aumentando substancialmente a

necessidade de outros profissionais, qualificados ou não.

Nesse sentido, é importante compreender que a agricultura, no contexto do

Perímetro estudado, vai além das atividades tradicionalmente executadas pelos trabalhadores

rurais, impondo a necessidade de formação de novos agentes capazes de gerenciar suas áreas,

colocarem seus produtos no mercado, além de ampliar a qualidade e produtividade dos

mesmos, dentre outras questões. Vejamos o gráfico:

Gráfico 27

Fonte: Pesquisa de campo.

Ao analisarmos a opinião dos jovens do Ensino Médio, temos que o percentual

dos que acreditam não precisar de qualquer nível de instrução para o execício da atividade

agrícola irrigada é muito expressivo, ou seja, 62,5% das respostas, o que pode demonstrar que

eles não apreendem a agricultura irrigada em suas múltiplas possibilidades. Também é

relevante ressaltar que 12,5% não souberam opinar, e que o mesmo percentual de 8,33% se

dividiu entre Ensino Fundamental, Ensino Médio e apenas Alfabetizado. Nenhum dos

Page 129: Os projetos de vida da juventude do perímetro Curu-Paraipaba

129

entrevistados citou a necessidade de possuir o Nível Superior. Muitos dos entrevistados

justificaram suas respostas alegando que seus avós não possuíam nenhum nível de educação

formal e administram seus lotes até a presente data.

Nessa mesma via de raciocíneo, a observação direta nos possibilitou perceber que,

no discurso dos adultos (pais ou avós), estudar significa ter a possibilidade de conseguir um

emprego estável, sendo que a agricultura é vista como uma profissão desqualificada e inferior

na escala social.

Por outra via, é necessário acrescentar, conforme frisamos anteriormente, que a

agricultura irrigada possibilita espaço para todos os tipos de saberes, tanto o técnico como o

empírico. Ou nas palavras de Wanderley (2007, p. 137):

O jovem agricultor quando assume a profissão tem que assumir a tradição e a inovação. É o

desafio desse jovem. [...] A profissão de agricultor é extremamente exigente na sociedade

moderna porque tem que conciliar tradição e inovação.

Nesse sentido, é provável que os jovens entrevistados não tenham percebido as

várias possibilidades da agricultura irrigada, concentrando-se apenas nos seus aspectos mais

tradicionais. Vejamos o gráfico:

Gráfico 28

Fonte: Pesquisa de campo.

3.3. Inserção no mercado de trabalho

Seguindo rigorosamente os objetivos da pesquisa, a análise dos gráficos a seguir

demonstra que 39% dos jovens do Ensino Fundamental já exercem alguma atividade

remunerada, embora menos de 10% afirmem que contribuem com a renda familiar. Estas

respostas sugerem que se faça um breve comentário sobre o que regula o trabalho infantil e de

jovens adolescentes no Brasil.

Page 130: Os projetos de vida da juventude do perímetro Curu-Paraipaba

130

Segundo a legislação trabalhista brasileira é proibido o trabalho do jovem menor

de 18 anos, em condições perigosas e insalubres, enquanto os trabalhos técnicos ou

administrativos são permitidos, desde que realizados fora das áreas de risco à saúde e à

segurança. Ao menor de 16 anos é vedado qualquer trabalho, salvo na condição de aprendiz e

a partir de 14 anos, sendo que a partir dessa idade é admissível o Contrato de Aprendiz. Ao

menor é devido, no mínimo, o salário mínimo federal. Outra função que pode ser exercida por

menores é o Estágio – Lei 6.494/77. Alunos que estiverem frequentando cursos de Nível

Superior, profissionalizante de Ensino Médio ou escolas de Educação Especial podem ser

contratados como estagiários. A legislação determina que todo empregador que contratar

menor será obrigado a conceder-lhe o tempo que for necessário para a frequência às aulas.

Gráfico 29

Fonte: Pesquisa de campo.

Gráfico 30

Fonte: Pesquisa de campo.

Os dados da pesquisa não nos possibilitam verificar em que condições específicas

esses jovens adolecentes trabalham, mas é possivel afirmar que todos trabalham avulso ou

informalmente e sem qualquer vínculo empregatício, o que contraria a legislação trabalhista.

Page 131: Os projetos de vida da juventude do perímetro Curu-Paraipaba

131

A seguir podemos visualisar quais atividades eles exercem para ganhar dinheiro, segundo

levantamento de campo.

Quadro 01 - Atividades que os jovens exercem para ganhar dinheiro

ATIVIDADE %

Caçar pássaros raros (que é uma atividade ilegal) 7,7

Trabalhar a terra 15,4

Não se manifestaram 15,4

Trabalhar em oficina do avô 7,7

Trabalho doméstico (lava roupa) 7,7

Trabalho no cultivo de feijão e jerimum 7,7

Condutor de veículos que transporta familiares à escola 7,7

Trabalha com instrumentos agrícolas (ex: enxada) 7,7

Transportador de coco 7,7

Ajudante do pai na criação de animais 7,7

Professora 7,7

TOTAL 100,0

Fonte: Pesquisa de campo.

Com base nos dados apresentados acima, podemos notar que os trabalhos que

geram renda estão, na sua maioria, relacionados às atividades agrícolas do Perímetro, ou seja,

trabalhar a terra, no cultivo do feijão, com instrumentos agrícolas, e outras, são as principais

ocupações desses sujeitos, conforme salienta a pesquisa de campo.

Assim, os resultados da pesquisa indicam que entre aqueles recebedores de

remuneração, quase 42% exercem atividades relacionadas com a agricultura. Se, por um lado,

esses dados podem sinalizar que eles estão na agricultura por tratar-se de uma das poucas

possibilidades de trabalho remunerado na sua localidade, por outro, esse fato também sinaliza

que eles não perderam o vínculo com a respectiva atividade. Essas discussões são travadas ao

longo deste trabalho.

A análise do gráfico a seguir aponta que 46% dos jovens do Ensino Médio

também exercem alguma atividade remunerada, ou seja, 7% a mais que os jovens do Ensino

Fundamental. Esse aumento é provável também que seja em função da ampliação da faixa

etária em relação aos jovens do nono ano do Ensino Fundamental, ou melhor, à medida que

esses jovens crescem, vão ampliando suas necessidades de consumo, de buscar independência

financeira ou até mesmo contribuir com a renda familiar, conforme resultado do gráfico 16,

que trata das motivações desse público para ganhar dinheiro.

Vale acrescentar que, embora quase 55% dos que recebem remuneração trabalhem

em atividades vinculadas à agricultura, menos de 21% – se tivessem recursos – aplicariam no

Page 132: Os projetos de vida da juventude do perímetro Curu-Paraipaba

132

lote ou na agricultura. Dessa forma, os maiores interesses dos jovens, no que se refere à

aplicação de recursos, estão na garantia dos estudos e em comprar ou reformar sua casa, além

daqueles que sonham em abrir um negócio próprio.

Gráfico 31

Fonte: Pesquisa de campo.

Gráfico 32

Fonte: Pesquisa de campo.

Gráfico 33

Fonte: Pesquisa de campo.

Em relação às expectativas de estudos, quase 94% dos jovens do nono ano do

Ensino Fundamental pretendem concluir o Ensino Médio, sendo que quase 93% acreditam

que através do estudo poderão ter um futuro melhor, conseguir um bom emprego para ajudar

Page 133: Os projetos de vida da juventude do perímetro Curu-Paraipaba

133

a família, ter uma profissão ou mesmo abrir um negócio. De forma específica, nenhum dos

jovens se referiu às atividades agrícolas como justificativa para concluírem o Ensino Médio.

Nesse sentido, uma das vias delineadas pelos sujeitos pesquisados é a perspectiva

de ascensão social em razão dos estudos. Na ótica dos jovens, assim como na visão dos seus

pais, ao se dedicarem aos estudos, eles se tornarão aptos a ingressar no mercado de trabalho.

Vejamos os gráficos 34 e 35.

Gráfico 34

Fonte: Pesquisa de campo.

Gráfico 35

Fonte: Pesquisa de campo.

O resultado deste estudo, entre outros aspectos, nos remete a uma reflexão de

Carneiro (2008) sobre sua análise dos resultados da pesquisa “Perfil da juventude brasileira”,

que apontou, dentre outras questões, que a educação e o emprego são dois dos maiores

interesses desse público.

Apesar das dificuldades atuais enfrentadas pelos jovens rurais para se estabelecerem no mercado de trabalho e da precariedade das condições de trabalho a que são

submetidos, a avaliação que fazem do futuro próximo é, paradoxalmente otimista. A

quase totalidade deles vislumbram um futuro melhor para suas vidas pessoais com

Page 134: Os projetos de vida da juventude do perímetro Curu-Paraipaba

134

base em dois principais fatores: a possibilidade de virem trabalhar (ou de terem uma

profissão) e o término da formação escolar (um associado ao outro). (CARNEIRO,

2008, p. 252)

3.4. Percepções dos jovens sobre o seu futuro profissional

O aprofundamento dos objetivos da pesquisa no que se refere às expectativas de

futuro profissional dos jovens do nono ano do Ensino Fundamental e Ensino Médio,

residentes no perímetro estudado, impõe que apresentemos a definição de projeto profissional

ora trabalhado.

De acordo com Weisheimer (2009, p. 264-265), o projeto profissional

[...] é o projeto de inserção socioprofissional em médio prazo. Reflete as imagens profissionais que os jovens agricultores reservam para si, os tipos de grupos profissionais e

respectivos recursos a que aspiram. [...] construídas por meio de processos de socialização

cada vez mais diversificados que ampliam o campo de possibilidades projetivas.

O autor complementa ainda afirmando que “os projetos profissionais permitem a

objetivação das representações dos jovens sobre suas possibilidades futuras de permanência

ou saída da atividade agrícola.” (WEISHEIMER, 2009, p. 265)

A partir dessas considerações iniciais, o quadro a seguir apresenta o que os

jovens do Ensino Fundamental desejam em relação ao seu futuro profissional. O referido

assinala uma diversidade de anseios, bem como enfatiza a pouca relação com as atividades

tradicionalmente agrícolas.

Nesse sentido, em primeira análise percebemos, por um lado uma diversidade de

respostas espontâneas, sendo que apenas 3,23% afirmaram que pretendem ser agricultores. Ao

agruparmos em categorias por aproximação, podemos afirmar que 19,37% desses jovens

optaram por profissões relacionadas à agropecuária. Excluindo o percentual de menos de 10%

que não sabem ou não expressaram exatamente o que desejam, uma parcela considerável –

quase 68% – põe em relevo que almeja profissões não agrícolas. Vejamos o quadro a seguir:

Page 135: Os projetos de vida da juventude do perímetro Curu-Paraipaba

135

Quadro 02 – Qual o seu desejo, em termos de futuro profissional?

Respostas %

Técnico agrícola 3,23

Florista 3,23

Piloto de avião 3,23

Ganhar dinheiro 3,23

Empresário 3,23

Auxiliar de enfermagem 3,23

Agricultor 3,23

Mecânico 3,23

Indefinido 3,23

Dança (dançarina) 3,23

Seguir atuação dos pais 3,23

Arquiteto 3,23

Veterinária 3,23

Ser policial 6,45

Agrônomo ou técnico agrícola 6,45

Informática 6,45

Ser médico 9,68

Jogador de futebol profissional 9,68

Advogado (2ª opção: secretária) 19,35

Total 100,00

Fonte: Pesquisa de campo.

Assim, a análise dos dados possibilita afirmar que a definição de uma profissão,

por parte dos mesmos, dependerá de diversos condicionantes que vão além de suas vontades e

desejos. Nesse diálogo, embora as opções apresentadas se configurem como expectativas de

futuro profissional que poderão ser materializadas através do estabelecimento de metas, ou

melhor, através da elaboração de um projeto profissional, estes desejos podem ser alcançados

ou não, conforme destaca Weisheimer:

Sua construção deve-se ao cruzamento entre biografia individual e interação social.

Individual, na medida em que implica a avaliação e o posicionamento do sujeito

diante de um plano de realização pessoal e estratégias particulares. Social, devido ao

fato de que esta tomada de posição se realiza num contexto social e cultural

específico, independente da vontade individual, e na interação com outros atores

sociais e projetos coletivos e individuais. Deste modo, os projetos apresentam-se cambiantes e mesmo contraditórios. Com efeito, os projetos profissionais, como o

futuro em aberto, têm um grande grau de indeterminação e podem ser alterados ao

longo da trajetória dos atores sociais e em reação a processos de interação

experenciados. ( 2009, p. 277-278)

Embora percebamos os limites dessa investigação, os questionamentos serviram

para apreendermos até que ponto os jovens têm um projeto profissional definido e se estes

projetos possuem algum vínculo com a continuidade da agricultura familiar no contexto do

Page 136: Os projetos de vida da juventude do perímetro Curu-Paraipaba

136

Perímetro estudado. Essa pergunta foi formulada de forma aberta, dando margem para que

eles expusessem suas apreensões livremente. Assim, a análise aprimorada do quadro a seguir

nos ajuda a perceber que as expectativas desses jovens ainda não estão definidas, o que estão

expostos nas contradições das respostas que definem seus desejos e suas expectativas em

termos de futuro profissional. Dessa forma, do total de respostas sobre o desejo, apenas

32,26% confirmaram ou mantiveram a opinião quanto ao futuro profissional, apenas um se

manteve indefinido e os que se contradisseram somam 64,52%.

Quadro 3. Qual será seu futuro profissional?

Profissão que acredita ter futuramente Nº de

Ocorrências Correlação com a profissão que deseja

Acha que não vai ser advogado 1 Advogado

Acha que não vai ser piloto de avião 1 Piloto de avião

Acha que vai ser o que quer 1 Advogado

Advogado 1 Depende da situação financeira do pai

Ainda tem dúvidas 1 Agrônomo

Arquiteto 1 Manteve

Arranjar trabalho melhor que na agricultura 1 Ser médico

Depende: posso querer ser advogado ou

escolher outra 1 Advogado

Não opinou 1 Ser médico

Não sabe 1 Ser médico

Não sabe, mas que continuar o que os pais fazem 1 Manteve

Não tem certeza, mas quer ser agricultor 1 Manteve

Pedreiro 1 Policial

Policia militar 1 Aeromoça

Qualquer coisa 1 Jogador de futebol

Que vai ser outra coisa 1 Trabalhar na polícia

Repórter 1 Veterinária

Ser jogador 1 Manteve

Ser mecânico 1 Manteve

Ser professora 1 Dançaria ou pode ser professora de dança

Ser recepcionista 1 Auxiliar de enfermagem

Serei grande jogador 1 Manteve

Técnico agrícola 1 Manteve

Técnico agrícola 1 Manteve

Tem tudo para ser 1 Advogada ou secretária

Trabalhar em cursos de informática e na polícia 1 Manteve (+ ou -)

Trabalhar em informática 1 Manteve

Trabalho voltado para a natureza 1 Indefinido, não tem certeza

Trabalhar com coco 1 Ganhar dinheiro e ajudar a família

Vai depender do meu interesse 1 Empresário

Vigilante de água 1 Florista

Total 31

Fonte: Pesquisa de campo

Estas contradições podem ser fruto da imaturidade, em razão deles não saberem o

que querem realmente e, consequentemente, tomarem a decisão de lutar por este objetivo

previamente estabelecido. Por outro lado, eles podem refletir que para conseguirem atingir

Page 137: Os projetos de vida da juventude do perímetro Curu-Paraipaba

137

seus desejos é necessário mais do que vontade e, nesse caso, eles preferem optar por projetos

teoricamente mais fáceis ou possíveis de serem alcançados. Nessa perspectiva, como se pode

perceber, a profissão de interesse mais citada pelos jovens recaiu com mais frequência na

advocacia, com 19,35%, seguida pela de médico e de jogador de futebol profissional

(esportes), ambas com 9,70%. Com 6,45% apareceram as profissões de policial, informática e

de agrônomo ou técnico agrícola.

Vale ressaltar que estas profissões, exceto a de agrônomo ou técnico agrícola, que

é mais voltada para o setor agrícola, são típicas do setor urbano, embora seja precipitado

afirmar que no campo não possam trabalhar advogados, médicos ou jogadores de futebol. Por

outra via, os resultados podem assinalar uma intenção dos jovens em se transferirem para o

meio urbano, abandonando o rural, pelo menos num primeiro momento, pois não há

universidades ou faculdades que ofereçam esses dois cursos dentro do território do município

e nem na região.

Quando levamos essa análise para os jovens do Ensino Médio temos praticamente

o mesmo resultado, ou seja, a grande maioria pretende seguir profissões de Nível Superior,

não relacionadas ao setor agropecuário, com quase 46% das respostas. Esse resultado

apresenta uma tendência de esvaziamento do espaço rural estudado, em função dos motivos já

especificados anteriormente. Essa hipótese é reforçada quando verificamos que 16,67% dos

jovens estudados também pretendem seguir profissões de Nível Médio dissociadas da

agropecuária. Vale frisar que 16,67% afirmaram ter a pretensão de abrir o próprio negócio, ou

seja, serem empresários, podendo se instalar tanto no meio rural quanto urbano. Vale

acrescentar que apenas 8,33% pretendem ser agricultores, conforme evidencia o gráfico a

seguir.

Gráfico 36

Fonte: Pesquisa de campo.

Page 138: Os projetos de vida da juventude do perímetro Curu-Paraipaba

138

Quando analisamos a opinião desses jovens sobre qual será realmente o seu futuro

profissional, ao agruparmos as respostas, vimos que 12,5% não sabem, e esse mesmo

percentual acredita que terá uma profissão de Nível Médio, apesar de sonhar com uma de

Nível Superior. É válido registrar que quase 30% apresentaram uma visão mais realista

quando disseram que seu futuro dependerá das condições financeiras. Provavelmente eles

afirmaram isso porque no Município não existem universidades públicas e gratuitas e muitos

jovens que pretendem ingressar no ensino superior precisam ter condições financeiras para

arcar com os custos de uma faculdade.

Por outro lado, essas faculdades oferecem poucas opções de cursos, os quais são

mais voltados para a área de humanas e licenciatura. Nesse sentido, os cursos como medicina

ou advocacia (líder na preferência dos jovens) não estão disponíveis no Município, mesmo

para quem pode pagar.

Vale destacar que, apesar das dificuldades, 37,5% acreditam que conseguirão ser

o que projetaram, ou seja, terão profissões de Nível Superior e, em consolidando esse projeto,

abandonarão o Perímetro, pelo menos enquanto estiverem cursando a faculdade. Por outra via,

os mesmos que projetaram que seriam agricultores, acreditam que realmente serão

agricultores, embora seja um percentual muito baixo, com 8,33% das respostas.

Gráfico 37

Fonte: Pesquisa de campo.

Os resultados desta pesquisa retratam uma tendência registrada em outros estudos

(PAULO; WANDERLEY, 2006, p. 270), que indicam que o desejo de seguir outras

atividades não é apenas o desejo de romper com a tradição paterna, ou seja, [...] “o desejo de

seguir outra profissão pode estar expressando uma recusa as condições de vida e de trabalho

Page 139: Os projetos de vida da juventude do perímetro Curu-Paraipaba

139

a que está relegado esse tipo de agricultor na sociedade brasileira [...] A essas razões,

devem-se acrescentar as oportunidades que são vislumbradas por meio do acesso ao nível

mais avançado de escolaridade”.

Em todo caso, conforme ressaltou Brumer (2007, p. 61), [...] “permanecer no

campo exige-se pensar em alternativas não agrícolas tanto para moças quanto para rapazes

ou, ao menos, em um modo de fazer agricultura diferente da realizada por seus pais”. Assim,

garantir que os jovens possam realizar seus projetos na sua localidade ou, pelo menos, na sede

da cidade é uma das condições para garantir a permanência da juventude no campo.

Nesse sentido, a pesquisa demonstrou que, apesar da maioria dos jovens se

identificarem com profissões não agrícolas, quase 65% deles não pretendem sair do perímetro

após o término dos estudos, o que reforça as ponderações descritas no parágrafo anterior. Ao

indagarmos a um jovem de 19 anos sobre a sua pretensão de sair ou não do perímetro, ele

afirmou que pretende permanecer na localidade, embora não queira exercer a atividade

agrícola. Segue afirmação do citado jovem:

Eu pretendo continuar morando aqui porque eu já tô acostumado. Porque eu nasci

aqui. Pela tranquilidade daqui. Também eu num gosto de bagunça. Eu só iria

trabalhar fora se compensasse. Por um salário eu fico aqui mesmo. (Jovem de 19

anos, Setor C1)

Assim, o próximo gráfico retrata que, independentemente de dar continuidade à

atividade agrícola dos pais, os jovens pretendem ficar morando no projeto.

Gráfico 38

Fonte: Pesquisa de campo.

Por outra via, quando indagamos aos jovens do terceiro grupo sobre o que eles

esperam do futuro, as respostas foram bem realistas e destacaram o principal problema

Page 140: Os projetos de vida da juventude do perímetro Curu-Paraipaba

140

apontado por eles, que é a dificuldade de inserção no mercado de trabalho, ou seja, a

sobrevivência deles e de suas famílias, conforme acentuam os depoimentos a seguir:

Eu me preocupo com o futuro. Tem muita gente que acha que tá bom do jeito que tá,

mas a gente sabe que tem que melhorar mais e mais o perímetro. Muitos colonos

acham que tá bom do jeito que tá a vida. Todo o mês tira aquele coquim, mas

nenhum querem adubar, querem? Os que tão só com o quintal não vê o futuro. Que

ainda tem os netos e muitos ainda depende dos pais aposentados dentro de casa. E

quando os pais falecer? Como é que o pessoal vai sobreviver? Então nós devemos

botar o perímetro pra frente porque o futuro é incerto. (F., 18 anos)

O que eu espero é que haja mais oportunidade pros jovens, tanto os que quer

trabalhar na agricultura como os que quer trabalhar nas empresas e fábricas. (S., 20

anos)

O futuro que eu imagino, assim, é um futuro de esperança de vida melhor pra gente.

Na parte lá em casa a gente vê assim. O lote que a agente tem é da minha avó. Só

que foi dividido entre o meu tio e o irmão dele. Então eu tenho que esperar vir das

mãos do meu tio pras minhas mãos. E se eu tivesse um filho hoje eu qual o futuro

que eu tinha que dá pro meu filho? Então no futuro o que eu espero é que o Governo

traga mais emprego pra os jovens e os adultos. Trazendo emprego os próprios

trabalhadores iam formar o seu futuro. (T., 22 anos)

A questão do meu futuro é conseguir um trabalho bom, construir uma casa e dá uma

boa vida pra minha mulher e pro meu filho, basicamente isso. (A, 21 anos)

Nessa perspectiva, os resultados da pesquisa demonstraram que uma das maiores

preocupações da juventude do terceiro grupo é a garantia de suas necessidades básicas e de

suas famílias, quer seja através da agricultura – com condições positivas para produzir, ou

seja, ter terra, crédito e assistência técnica, dentre outros – ou através de empregos formais.

Por outro lado, nos impressionou o depoimento de um jovem que terminou o

Ensino Médio e está trabalhando numa fábrica situada no Perímetro.

Os 13 que estudavam mais eu só eu trabalho. Nenhum tá fazendo nada. Tão tudo em

casa. Tudo filho de colono ou neto, mas nenhum vai trabalhar no lote não. Quando muito trabalha é na diária. Pros outros. Só pra ter dinheiro pra comprar alguma coisa

ou pra ir no som. Eu acho que eles não gostavam e o pai também nem chamava eles

pro lote. Deixava eles tudo dormindo. Da agricultura eles só falavam mal. Tipo

negócio de lote eu é que não quero. Essas coisas. Os jovens não querem mais

trabalhar nesse negócio de agricultura. Por isso os pais tão vendendo os lotes aqui no

C1. (Gerlan, 19 anos)

Este depoimento é instigante e nos leva a reflexões sobre os porquês dos pais não

estarem preparando seus filhos para trabalharem na agricultura ou mesmo traçarem seus

próprios caminhos (situações já tratadas anteriormente). Também nos estimula a repensar

sobre essa suposta apatia gerada após o término do Ensino Médio, as dificuldades enfrentadas

Page 141: Os projetos de vida da juventude do perímetro Curu-Paraipaba

141

por esses jovens até a sua afirmação profissional. Embora não tenhamos elementos empíricos

para apresentar conclusões sobre os motivos que acarretam essa acomodação, a observação

direta nos permite afirmar que as razões são complexas e vão desde as relacionadas aos

aspectos subjetivos, como também às questões objetivas já tratadas, destacando, dentre elas, o

distanciamento do Perímetro, a falta de oportunidade de trabalho e de perspectiva de

continuarem os estudos na própria localidade.

4.5. Versões e opiniões sobre o perímetro e suas organizações

Conforme já tratado em diversas pesquisas (WEISHEIMER, 2009; NEVES,

1999) e também ressaltado ao longo deste estudo, a formação de novos agricultores familiares

se dá exatamente no processo de socialização desses jovens, no trabalho familiar agrícola. Por

outro lado, considerando que os jovens estudados estão inseridos num contexto específico, ou

seja, no bojo de um perímetro público de irrigação, é relevante apreendermos até que ponto

esses sujeitos conhecem seu espaço rural, bem como as instituições e organizações existentes.

Além disso, é importante percebermos até que ponto os “adultos” – pais e/ou avós – estão

apresentando aos jovens o Projeto no qual eles foram inseridos, assim como as organizações

que fizeram e fazem parte dessa história.

Para compreendermos essa problemática, a pesquisa questionou inicialmente

sobre o que eles veem de mais importante no Perímetro, cujas respostas são as apresentadas

no gráfico seguinte:

Gráfico 39

Fonte: Pesquisa de campo.

Page 142: Os projetos de vida da juventude do perímetro Curu-Paraipaba

142

O enquadramento e análise das respostas – assim como demonstraram os

depoimentos dos jovens do terceiro grupo –, nos levam a concluir que os jovens não estão

totalmente alheios ao espaço rural no qual eles estão inseridos, ou seja, cerca de 65% destes,

acreditam que o que há de mais importante no Perímetro é a própria agricultura irrigada,

materializada a partir da imagem das plantações, do coqueiral e da própria água que garante a

produção.

Nessa perspectiva, uma análise geral das respostas nos leva a concluir que os

jovens, mesmo com todo distanciamento do Distrito (que oficialmente é a entidade que os

representa), consideram o Perímetro um projeto importante, já que menos de 10% afirmaram

não saber responder ou não considerar nada importante.

O gráfico 40 a seguir questiona sobre o que os pais ou avós relataram aos jovens

sobre o perímetro. É curioso verificarmos que 45% dos pais ou avós não relataram nada sobre

o Perímetro aos seus filhos ou netos, o que contribui para o distanciamento desses jovens do

cotidiano do Perímetro e dos seus espaços organizativos. Os dados coletados, considerando os

limites dessa investigação, também sugerem a necessidade de um aprofundamento sobre o

que representa não repassar ou não falar nada aos filhos e netos sobre a comunidade que eles

fazem parte.

Por outro lado, não podemos desconsiderar que um percentual de quase 13%

relatou aos jovens sobre sua trajetória como colono e também sobre as dificuldades

encontradas no início, quando estes receberam as casas cobertas pelo mato, por exemplo.

Além disso, cerca de 23% dos pais ou avós relataram os aspectos positivos do perímetro

enquanto moradia agradável e outros 16% relataram os assuntos mais atuais relacionados à

irrigação, à produção e sobre as dificuldade na comercialização do coco, principal cultura do

projeto. De maneira geral, a análise dos dados nos permite afirmar que os pais incentivam os

filhos a continuarem estudando e alegam também que o projeto está se desenvolvendo, mas

que ainda existem problemas. Vejamos o resultado informado no gráfico 40.

Page 143: Os projetos de vida da juventude do perímetro Curu-Paraipaba

143

Gráfico 40

Fonte: Pesquisa de campo.

Com o objetivo de analisar o processo de socialização dos jovens no contexto do

Perímetro Irrigado Curu-Paraipaba questionamos, inicialmente, se eles sabem o que é o

Distrito. No entanto, antes de passarmos ao resultado, é importante lembrar que o Distrito é o

órgão representativo de todos os irrigantes, cuja criação foi estimulada e coordenada pelo

DNOCS e que, mediante convênio com o DNOCS, é o responsável pela administração,

operação e manutenção de toda a infraestrutura de irrigação de uso comum.

Nessa perspectiva, apesar da relevância da citada entidade para a estrutura

operacional do Projeto, constatamos que cerca de 81% dos jovens pesquisados não sabem

nada sobre o funcionamento do Distrito, e apenas 19% conhecem ou ouviram falar alguma

coisa. Vale lembrar que mesmo esse percentual que afirmou conhecer ou ter ouvido falar na

citada entidade, não emitiu uma resposta aproximada do que seja legalmente essa

organização, ou seja, apenas 3,2% responderam algo mais próximo da definição que foi “é um

distrito de irrigação de água”, afirmativa ainda incompleta. Vejamos o gráfico 41:

Gráfico 41

Fonte: Pesquisa de campo.

Page 144: Os projetos de vida da juventude do perímetro Curu-Paraipaba

144

Nesse sentido, podemos considerar que esses jovens não têm familiaridade com o

assunto, embora vivam dentro de um Perímetro que é administrado pelo Distrito. Esses dados

também nos levam a alguns questionamentos sobre a importância e legitimidade dessa

entidade. Embora tenhamos clareza dos limites dessa abordagem, a observação direta nos

permite emitir algumas considerações sobre esse assunto. O Distrito, como já dissemos, foi

criado verticalmente pelo DNOCS, apresentando certo distanciamento em relação aos

próprios associados, que são filiados compulsoriamente a partir da necessidade da água para

irrigação (só tem direito a irrigação os que são associados e pagam suas tarifas). Nesse caso,

para a maioria dos irrigantes o Distrito é apenas um órgão arrecadador vinculado ao DNOCS.

Cotidianamente eles se referem ao Distrito como um órgão que não lhes pertence ou como se

eles não fizessem parte dele.

Por outro lado, esses dados também podem possibilitar que o núcleo diretivo do

Distrito também reveja sua relação com a juventude, fazendo-os refletir sobre até que ponto

eles estão divulgando suas ações e, por conseguinte, se aproximando mais dos irrigantes e de

suas famílias.

É válido ressaltar que, apesar da assembléia geral do Distrito, desde 2003, ter

aberto aos filhos, netos ou outro familiar o direito de representar o irrigante/colono nas suas

instâncias organizativas (seja comitê setorial, conselho de representantes ou conselho

administrativo) e, ainda, considerando que dos quatro diretores atuais do distrito, dois são

irrigantes/colonos de origem e dois são filhos de irrigantes/colonos, a presença dos mesmos

nas reuniões setoriais ainda é muito pequena. Ou melhor, nos últimos dez anos, conforme

anotações de nossa observação direta, bem como através da análise dos vários livros de

presença das reuniões, percebemos que a participação dos colonos vem diminuindo

gradativamente. Além disso, de uma maneira geral, nas reuniões ainda prevalece a presença

dos colonos idosos em detrimento dos mais novos, quer sejam filhos ou netos, conforme

visualizamos na figura 04.

Page 145: Os projetos de vida da juventude do perímetro Curu-Paraipaba

145

Figura 04 – Reunião para tratar sobre a titulação dos lotes

O gráfico a seguir nos possibilita visualizar se eles conhecem o DNOCS,

autarquia que criou/implantou o Perímetro e que assumiu a sua coordenação direta durante

anos, e até os dias atuais é o responsável do Governo Federal por toda infraestrutura de uso

comum, inclusive tem o domínio de todas as terras, uma vez que ainda não foram repassadas

oficialmente aos colonos ou posseiros.

Assim, a pesquisa com os jovens do nono ano apresentou um resultado curioso,

ou seja, 90% não conhecem ou nunca ouviram falar sobre o DNOCS. Por outro lado, os 10%

que alegaram conhecer algo sobre a autarquia deram informações imprecisas e incompletas,

ou seja, afirmaram que se tratava de um “Departamento Nacional”, um “lugar onde planta

cana-de-açúcar” ou “a fonte de apoio à agricultura e irrigação”. Assim, também neste caso,

mostraram-se sem um conhecimento apurado para responder o que lhes foi solicitado e mais

uma vez nos questionamos sobre como está se dando o processo de socialização desses jovens

(gráfico 42). Esses dados também sugerem uma reflexão sobre o papel que esta instituição

vem desenvolvendo junto aos irrigantes e suas famílias ou porque essa autarquia perdeu a sua

centralidade em relação a esse público, questões que foram tratadas em capítulos anteriores.

Gráfico 42

Fonte: Pesquisa de campo.

Page 146: Os projetos de vida da juventude do perímetro Curu-Paraipaba

146

Esse distanciamento dos jovens em relação às principais instituições do Perímetro

também é percebido entre os jovens do terceiro grupo. Durante a realização da técnica de

grupo focal foi possível apreender que eles confundem o que é Distrito e o que é o DNOCS e,

consequentemente, atribuem a estas instituições funções adversas, conforme destacam os

depoimentos.

O que eu conheço do Curu-Paraipaba (risos) nada. (C., 20 anos)

Eu conheço aqui no perímetro o DNOCS, que é uma instituição que desde o início

batalha pra botar o perímetro pra frente. As vezes o Governo não apóia muito, mas

estão aqui. Estão sempre aqui para apoiar os produtores. (C., 22 anos)

O que eu vejo assim é que eles (os colonos) precisam muito daqui. Porque quando

eles precisam de um trator para aradar a terra eles aqui. Ajuda muito no preço

também. Os colonos que tem cana-de-açúcar, por exemplo, eles não precisam pagar

a água. Eles descontam tudo79. (C., 22 anos)

O pouco conhecimento que eu tenho no Distrito é, alguns anos atrás a gente podia

ver que os agricultores eram assim um pouco esquecidos e agora que a gente vê o

Distrito a gente vê que eles luta pelo benefício ao agricultor. Por exemplo na questão

das casa de bomba a gente vê que agora melhorou. O Distrito também tá lutando pra

trazer novas empresas pra dentro do Distrito pra melhoria dos jovens, que é o futuro

da cidade. É o que eu penso. (T., 22 anos)

Esses testemunhos demonstram que eles não conhecem essas entidades que

compõem o Perímetro – DNOCS, Distrito e cooperativa. A observação direta, ao longo dos

anos de convivência com os moradores do Perímetro, nos possibilita afirmar que a maioria

confunde as atribuições dessas entidades e alguns até acreditam que todas são a mesma coisa.

Conforme já assinalamos, todas essas entidades foram criadas verticalmente pelo DNOCS,

sendo questionável a sua legitimidade perante os irrigantes e suas famílias.

No caso do segundo depoimento, provavelmente, o jovem refere-se ao Distrito,

pois o DNOCS há muitos anos não atua diretamente no perímetro. Já no terceiro depoimento

o jovem está considerando Distrito e cooperativa como se fossem uma só instituição, pois

quem tem o controle dos tratores é o Distrito, enquanto a parceria com a Ypióca para adiantar

o pagamento da energia de bombeamento é capitaneada pela cooperativa.

O último depoimento, por sua vez, também demonstra certa confusão, pois em

algum momento dá a entender que o Distrito é o próprio lugar onde eles produzem, ou seja, o

próprio perímetro. O jovem também parece não entender ou apreender que o Distrito é

formado por todos os irrigantes.

79 Ele faz referência ao contrato que a cooperativa tem com a Ypióca. Esta adianta os pagamentos de energia e

taxas e desconta no período da safra, quando os produtores prestam contas.

Page 147: Os projetos de vida da juventude do perímetro Curu-Paraipaba

147

Essas análises sugerem – especialmente no que se refere às organizações dos

produtores – alguns questionamentos sobre como vem se dando o seu relacionamento com os

jovens e, mais ainda, será que esse distanciamento demonstra que as mesmas são incapazes de

considerar esses jovens enquanto sujeitos aptos a participar de todas as suas instâncias

decisórias? Essas questões são complexas. A observação direta nos possibilita afirmar que a

atuação dessas entidades em relação aos jovens ainda é muito tímida. Os jovens ainda não se

sentem parte dessas entidades.

4.6. Versões e opiniões sobre a sucessão da agricultura familiar

O debate sobre a sucessão na agricultura familiar é tema recorrente em diversas

pesquisas acadêmicas (ABRAMOVAY et alli, 1998; SILVESTRO et alli, 2001; CASTRO,

2005; WANDERLEY, 2005 E SACCO DOS ANJOS, 2009) e, conforme vem demonstrando

o resultado da pesquisa de campo, tem grande relevância e apresenta grandes impasses no

contexto do Perímetro Irrigado Curu-Paraipaba.

Conforme destacou Abramovay, a sucessão comporta três dimensões essenciais,

ou seja, a transferência da terra, a continuidade da agricultura como profissão herdada dos

pais e a transferência da gestão da unidade agrícola dos pais para os filhos.

No contexto do perímetro estudado, conforme destacado anteriormente, não é

possível falar em transferência da terra em termos legais, pois o DNOCS ainda é o dono

oficial dos lotes. Logo, não é possível para o colono entregar oficialmente suas terras aos

filhos sucessores, a menos que ele queira comprar a terra.

Dessa forma, embora já tenhamos esboçado sobre os dilemas da regularização

fundiária no Perímetro estudado, os resultados da pesquisa salientam muito mais os dois

últimos aspectos e, nesse item específico, focalizamos no terceiro aspecto, ou melhor, sobre

como se configura a gestão do lote e se vem ocorrendo transferência na sua administração.

Assim, a observação direta, bem como os dados coletados através da aplicação

dos questionários e entrevistas, nos possibilita afirmar que o processo sucessório no Perímetro

vem se dando informalmente, ou seja, quando o colono não vende seu lote e divide o dinheiro

entre os filhos, este reparte os coqueiros80

entre os filhos adultos que permanecem no

perímetro, quer esteja vivendo apenas da agricultura ou somando a renda agrícola com outras

atividades.

80 Geralmente eles dividem uma quantidade de carreiras de coqueiro para cada filho. Na maioria das vezes essa

divisão acontece entre os filhos homens, sendo que as mulheres, após casamento, contam com os “coqueiros”

herdados pelo esposo.

Page 148: Os projetos de vida da juventude do perímetro Curu-Paraipaba

148

Esse fato, no contexto estudado, apresenta nuanças complexas que merecem uma

análise reflexiva apurada. Se, de um lado, quase 67% (gráfico 27) dos jovens pesquisados

concordam com essa divisão dos lotes, não é possível desconsiderar que essa divisão

compromete a sustentabilidade dessas unidades e, muitas vezes, recai sobre o colono a

obrigação – muitas vezes com os recursos da aposentadoria – de arcar com as despesas de

energia e taxa de manutenção.

Gráfico 43

Fonte: Pesquisa de campo.

A pesquisa também procurou apreender quais são os critérios identificados por

esses jovens para a sucessão satisfatória dessas unidades, sendo que 75% deles confirmaram

as observações de campo, ou seja, que o lote deveria ser dividido igualmente entre os filhos,

sendo que apenas 6,25% acreditam que o lote deveria ficar com o filho que mais trabalhou na

referida unidade agrícola. É válido lembrar que cerca de 19% sinaliza que essa divisão deve

se dar antes do colono falecer, certamente para evitar futuros desentendimentos entre os filhos

sucessores.

Gráfico 44

Fonte: Pesquisa de campo.

Page 149: Os projetos de vida da juventude do perímetro Curu-Paraipaba

149

É oportuno acrescentar que essa forma de divisão ou sucessão contraria à Lei de

Irrigação, ou seja, legalmente falando, considerando que esses colonos estão assentados em

um perímetro público de irrigação, a gestão da unidade parcelar só se transfere a partir da

falência do titular, quando esta é repassada para a esposa viúva. Assim, somente a partir do

falecimento do casal, o lote poderis ser transferido, não a todos os filhos, mas a um único

herdeiro, que se comprometeria a adotar as mesmas regras seguidas pelos pais.

Nessa análise, a pesquisa também buscou apreender sobre como poderia ser a

compensação dos outros filhos, se a propriedade rural ficasse apenas com um deles. Os

resultados foram diversificados, mas é importante notar que quase 40% não souberam opinar

ou não concordaram com essa possibilidade, o que corrobora com o resultado anterior, no

qual a maioria está convencida que deve haver a partilha do lote entre os filhos herdeiros,

desconsiderando, aparentemente, os aspectos legais e de viabilidade econômica.

Por outro lado, quase 60% consideraram a hipótese de entregar o lote apenas para

um filho, sendo que a compensação, conforme resultados da pesquisa, seria em dinheiro

(29,17%), através da divisão dos gastos e lucros com quase 17%, ou através da divisão

puramente dos lucros (12,5%) e até mesmo proporcional ao trabalho de cada um na referida

unidade, com 4,17%. Vejamos o gráfico 45:

Gráfico 45

Fonte: Pesquisa de campo.

Nesse sentido, concordando com os resultados da pesquisa de Silvestro et alli

(2001, p. 69) “quando o patrimônio fundiário e o valor do negócio é relativamente

importante sua transmissão dá lugar, quase sempre, á compensação dos herdeiros não

Page 150: Os projetos de vida da juventude do perímetro Curu-Paraipaba

150

sucessores”. Considerando a realidade do perímetro estudado, temos que a maioria dos lotes

estão valorizados e, dependendo da localização, ou seja, se for próximo da sede da cidade

onde já existem pontos que foram “re-loteados” pelos próprios irrigantes, esses lotes chegam

a valer de sessenta mil reais (R$ 60.000,00) a cem mil reais (R$100.000,00)81

. Na figura 05

temos um exemplo claro disso, ou seja, os comércios estão inseridos numa área que era lote,

registrando uma tendência de que todos os lotes situados “na beira da pista” tendem a ser

“reloteados”.

Figura 05 – lote “reloteado” para instalação de comércios

Por outro lado, mesmo os lotes distantes da sede, dependendo das condições

estruturais ou das culturas implantadas, estão custando em torno de cinquenta mil reais (R$

50.000,00). Esses valores referem-se apenas ao preço do lote, sendo que o quintal geralmente

é cobrado à parte – se for o caso.

Esses dados, embora enfatizem um valor monetário relativamente alto dos lotes –

o que vem levando muitos colonos a se desfazerem deles, conforme já salientamos no

decorrer deste estudo – quando o lote é dividido entre todos os filhos e o casal, eles podem ser

considerados ínfimos, o que também foi revelado em depoimentos anteriores.

Assim, se por um lado a divisão dos lotes entre os filhos compromete a

autossuficiência econômica da unidade agrícola, simplesmente se desfazer desse patrimônio e

ratear o valor recebido entre os filhos também não é uma saída viável, conforme destaca o

depoimento dos jovens do terceiro grupo:

Eu tenho um tio que incentivou o meu avô a vender o lote porque ele não tinha

coragem de trabalhar. Quem trabalhava no lote era eu e meu pai. Meu avô vendeu o

lote aí pronto. A gente ficou sem terreno pra trabalhar. (C., 20 anos)

81 Esses valores foram avaliados antes do reloteamento. Depois de reloteados em áreas menores, esses valores

quadruplicam.

Page 151: Os projetos de vida da juventude do perímetro Curu-Paraipaba

151

Esse negócio de vender o lote é sério. Tem uma pessoa que se arrepende, por

exemplo lá em casa é o meu pai, que foi obrigado a vender porque era longe pra

gente ir porque a gente era pequeno. Agora não, o maior novo tem 15 anos e o mais

velho tem 25 anos. Se a gente tivesse um terreno nós não ia trabalhar pra fora, ia

trabalhar pra nós mesmo. (T., 22 anos)

Não adianta a pessoa ter um lote e vender aquele terreno ali não. Só pensa em

receber o dinheiro aí é só gastar e não se pensa mais na frente. Depois quando tiver

gastado o dinheiro todo aí é que vai pensar. E se ele não tivesse vendido o lote todo

o mês ele teria aquele dinheirinho pra gastar, agora tá liso. Aí fica arrependido.

Antes de fazer a besteira não pensa. O que eu vejo é isso. (F., 18 anos)

Na sequência deste debate, a pesquisa identificou que, para quase 63% dos jovens

pesquisados (gráfico 46), o melhor momento para se processar a divisão do lote é enquanto o

colono ainda está vivo, preocupação já demonstrada nos resultados anteriores, tendo em vista

a necessidade de evitar possíveis conflitos entre os herdeiros.

Corroborando, de certa forma, com essa maioria, cerca de 33% afirmou que a

divisão do lote deve se processar a partir do momento em que o colono se aposentar,

apresentar problemas de saúde ou ainda, quando estiver com a idade avançada e,

consequentemente, não puder mais gerir ou trabalhar diretamente na respectiva unidade.

Dessa forma, segundo a pesquisa, o momento certo é, preferencialmente, com o colono ainda

vivo, embora este apresente problemas de saúde, seja idoso ou mesmo aposentado.

Gráfico 46

Fonte: Pesquisa de campo.

4.7. Percepções da juventude sobre si e sobre seus problemas

Ao longo deste estudo foi possível perceber os entraves impostos ao pleno

desenvolvimento do perímetro e que estes repercutem nos problemas enfrentados por sua

juventude. Isso significa dizer que, ao estudarmos sobre a juventude do Perímetro, estamos

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152

também discutindo e buscando compreender os processos sociais mais abrangentes que

envolvem essa comunidade.

Nesse sentido, vamos analisar a percepção dos jovens do terceiro grupo sobre a

juventude do Perímetro, de um modo geral, conforme os depoimentos a seguir transcritos:

No meu ponto de vista eu vejo que os joves não querem trabalhar na agricultura

porque não tá dando produção. Os antigos trabalhavam porque os pais incentivavam eles a trabalhar e os novatos agora não querem trabalhar porque não ta dando mais

produção no lote. (C., 20 anos)

Tem jovem que quer trabalhar na agricultura e jovem que não quer e dizem que isso

não dá pra ele ou não quer viver dentro do lote. Tem aqueles que não querem saber

nada de frutas. Eles querem uma coisa melhor. (F., 18 anos)

Os jovens não querem trabalhar na agricultura e estão incentivando seus pais a

vender os lotes e ficar só com o quintal. Pra eles papocarem só com coisa que não

tem futuro. O incentivo de muitos jovens é que os pais vendam o lote e repartam o

dinheiro com eles. Mas eu acredito que também tem muito jovem que quer botar o perímetro pra frente e se interessam ainda pela terra que é a herança dos pais. (C.,

22 anos)

Eu acho que é 50% para cada lado. Por que também não adianta você ir só com a

cara e a coragem. Precisa ter recurso pra tocar né? A pessoa que vai trabalhar na

agricultura só som a cara e a coragem e não tem como investir não tem como. (S., 22

anos)

Vou falar por mim. A maioria dos jovens não querem mais saber de agricultura, mas

porque? A maioria de todas as frutas que colhidas aqui dentro do projeto o maior

que a gente vê que tras resultado é o coco. Já as outras plantações esse negício de milho, feijão e maxixe, muitos só plantam pra comer. E hoje a gente vê que os

jovens estão escolhendo trabalhar na parte do coco pra encher caminhão do que tá

trabalhando pra produzir. Porque eles vê mais a parte do dinheiro. Ta dando melhor

você trabalhar pra encher carro de coco do que trabalhando pra colher e vender o

coco. Então o que eu vejo é que falta apoio para os agricultores e os filhos verem um

futuro melhor pra trabalhar na agricultura. (T., 22 anos)

O que vejo é que muitos jovens não querem trabalhar na agricultura, ajudar seu pai,

ajudar sua mãe. Porque ele trabalha pro pai e quer que o pai pague ele e então

inventa de trabalhar fora pra ganhar dinheiro. (A., 21 anos)

Acho que isso já começa de casa. Tem pai que desde cedo incentiva seu filho a ir pro lote mais ele. Ai ele começa a gostar. Mas tem uns que eu conheço que vai pro

lote sozinho e tem a casa cheia de filhos e vai pro lote sozinho. Pra não levar os

meninos pra pegar sol e quer que o menino estude pra ser doutor, essas coisas. (C.,

22 anos)

Também tem muitos pais que querem levar os filhos de 12 ou 13 anos, mas as

politicas públicas diz que não pode botar de menor pra trabalhar. Ai os filhos vão

crescendo sem vergonha e diz não eu não posso ir se não vou pro conselho tutelar,

eu sou de menor. Mas graças a Deus no meu caso não foi assim. O meu pai ele

sempre me levou pro lote, nem que fosse só pra eu ficar debaixo do coqueiro. Ele ia

capinar e eu ficava debaixo do coqueiro até a hora dele vir pra casa. (P., 23 anos)

Page 153: Os projetos de vida da juventude do perímetro Curu-Paraipaba

153

Essas declarações apresentam muitas revelações que foram debatidas ao longo

deste trabalho. Se, de um lado, os jovens estão abandonando o trabalho agrícola, eles estão

assim procedendo devido às dificuldades em produzir, ou, como refere um deles, “falta

produção” e também porque faltam incentivos advindos do crédito e da assistência técnica,

por exemplo “por que não adianta ir só com a cara e a coragem”. Essas dificuldades fazem

com que muitos jovens procurem trabalho na comercialização do coco, conforme o exemplo

dado, “enchendo caminhão de coco”.

Vale ressaltar que outros fatores igualmente importantes foram referenciados nos

discursos dos jovens pesquisados, especialmente quando eles relatam a importância dos pais

socializarem seus filhos nas atividades agrícolas praticadas no lote familiar. Essa dificuldade

se dá, dentre outros fatores, em face da atuação das políticas de prevenção ao trabalho infantil,

as quais são, geralmente, coordenadas pelos conselhos tutelares.

Por outro lado, eles observam de um modo geral que, no Perímetro, tanto existem

aqueles jovens que pretendem abandonar a agricultura como também existem aqueles que

querem dar continuidade a essa atividade.

Assim, as reflexões trazidas por esses jovens são complementadas pelo gráfico a

seguir, no qual os jovens do Ensino Fundamental – excetuando quase 26% que não souberam

opinar –retrataram os maiores problemas da juventude.

Gráfico 47

Fonte: Pesquisa de campo.

Assim, quase 33% afirmaram que o maior problema da juventude é a falta de

opção de empregos e, por conseguinte, poucas opções de futuro, o que também foi bastante

mencionado entre os jovens do terceiro grupo. Outro importante problema relatado foi o fato

dos jovens não quererem mais trabalhar na agricultura, com quase 20% das respostas, o que

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154

também foi muito discutido entre os jovens do terceiro grupo. Não podemos deixar de relatar

que quase 13% enfatizaram os problemas relacionados ao uso de drogas, seguido dos

problemas relacionados à educação – quer seja a falta de escolas de Ensino Médio no

perímetro ou o fato deles não quererem mais se dedicar aos estudos.

Seguindo os propósitos da pesquisa, questionamos os jovens sobre quais ações

governamentais seriam necessárias para garantir a permanência deles no Perímetro,

independentemente deles seguirem a profissão de agricultor.

Gráfico 48

Fonte: Pesquisa de campo.

Assim, o gráfico 48 apresenta diversas opiniões, sendo que a principal – com

37,5% – corroborou com as discussões anteriores, ou seja, apontaram como prioridade a

geração de empregos e o incentivo para a implantação de fábricas. Outros 29,17% acreditam

ser necessário investir na educação e na profissionalização dos jovens. Esse dado é muito

pertinente e complementa as discussões anteriores sobre as pretensões profissionais dessa

juventude, ou seja, a maioria pretende continuar os estudos e quer seguir profissões que

exigem a formação acadêmica que não é disponível no Perímetro e nem na sede do município.

Por outro lado, mesmo sendo uma pergunta aberta, sem opções de respostas, 25%

desses jovens fizeram referência às possibilidades de sucessão das atividades agrícolas,

apontando que, para que isso aconteça, faz-se necessário a garantia do acesso à terra e ao

crédito. Essas opiniões são complementadas pelos depoimentos dos jovens do terceiro grupo.

Como todos estão dizendo ai a ajuda (do Governo) ainda é pouca, mas no meu modo

de vista ele deveria tipo assim mandar empréstimos. Vir empréstimo e assistência

técnica. Não adianta vir empréstimo se você não vai saber cultivar aquela planta e

tendo assistência técnica não, você vai saber. Vai produzir frutos bons e muitos. E

também ter tipo uma associação pra comprar aquela fruta aqui mesmo pra exportar

pra outro canto. Mas ter um preço bom. Tendo isso acho que nem todos os jovens

Page 155: Os projetos de vida da juventude do perímetro Curu-Paraipaba

155

iam querem sair daqui não, iriam ficar aqui mesmo pra ter um lucro bom. (S., 22

anos)

Pelo o pouco que eu vejo o Governo não ajuda assim o agricultor aqui do perímetro.

O que a gente vê aqui é o produtor nas mãos do atravessador. Ele não tem um ponto

X para colocar o coco. Então o agricultor trabalha e espera o preço do atravessador.

Então o Governo deveria ajudar na construção de fábricas onde o agricultor viesse a

ter um contrato com aquela fábrica e todo o mês você ia ter aquele tanto de coco com o preço X. Então o agricultor ia trabalhar com a base do que poderia recolher e

a motivação do filho era ver o crescimento desse trabalho. Ele ia dizer meu pai

trabalhou, conseguiu melhorar, conseguiu seus sonhos. Então eu agora também

vou dar continuidade ao trabalho do meu pai. (T., 22 anos)

Nessa perpectiva, embora os depoimentos apresentem uma ideia um pouco

distorcida sobre o papel do Estado ou a atuação dos governos, os dados reforçam os interesses

imediatos desses jovens, ou seja, o que eles querem mesmo é que seus maiores problemas

(especialmente os relacionados à produção e comercialização do coco, que é a principal

cultura explorada no perímetro) sejam resolvidos. E, assim, eles possam ter condições dignas

de existência.

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156

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A discussão sobre a juventude do Perímetro Curu-Paraipaba partiu de alguns fatos

concretos, ou seja, os colonos de origem estavam envelhecendo, se aposentando ou falecendo,

inclusive muitos estavam “vendendo” seus lotes e ficando apenas com o quintal. Em

contrapartida, apesar do “envelhecimento gradual e irreversível dos colonos” exist ia uma

juventude aparentemente invisível e distante do Perímetro e de suas organizações.

Diante desse impasse, ao longo deste estudo, buscamos compreender, a partir da

visão dos jovens, as causas das rupturas nos processos de sucessão profissional da agricultura

familiar no âmbito do citado Perímetro. E ainda, buscamos refletir sobre as perspectivas de

inserção da juventude no contexto do Perímetro Curu-Paraipaba, procurando apreender, ainda

que consciente dos limites da pesquisa, quais as expectativas desses sujeitos continuarem

morando no perímetro, seja exercendo a atividade agrícola ou não. Buscamos também refletir

sobre os seus sonhos, os seus projetos profissionais e apresentar algumas pistas que

sinalizassem sobre como as políticas públicas poderiam favorecer a emancipação desses

atores no espaço rural em que se inserem.

Essas reflexões, porém, não foram imediatas. Procuramos, antes de tudo, resgatar

um pouco da trajetória das famílias que se transpuseram para esse espaço rural específico,

como foi o estranhamento inicial, e como estas foram, gradativamente, se “adaptando” às

regras impostas pela política do DNOCS.

Neste debate percebemos que essas imposições se deram num clima de constante

conflito, tendo em vista que as famílias não foram apáticas e acabaram criando resistências e,

por conseguinte, impuseram novos processos de sociabilidade.

É importante perceber que essas discussões não se processaram descoladas do

contexto socioeconômico e político regional e nacional em que se deu a implantação do citado

projeto de irrigação. Ao contrário, o estudo mostrou que a criação dos perímetros públicos foi

uma estratégia adotada pelo Estado para “modernizar o Nordeste”, garantindo as

transformações econômicas necessárias à expansão capitalista, situado, todavia, num contexto

internacional mais amplo.

Vale lembrar que existia uma tensão no campo, promovida pelos movimentos

organizados dos camponeses e sindicatos rurais, os quais exigiam respostas imediatas do

Estado. De certa forma, ou o Estado “resolvia” o problema das regiões rurais ou o êxodo rural

assumiria proporções irremediáveis, transferindo e ampliando as mazelas para as cidades.

Page 157: Os projetos de vida da juventude do perímetro Curu-Paraipaba

157

Nesse contexto, a modernização da agricultura, através da implantação de

perímetros públicos, traria como efeito contíguo o desenvolvimento do Nordeste, sendo,

portanto, a aparente solução para tirar essa região do “atraso” ao qual estava condenada há

décadas.

Assim, ao longo deste estudo foi possível demonstrar, ainda que superficialmente,

como se processou a irrigação enquanto política pública federal, com ênfase na que foi

concebida, planejada e executada aqui no Ceará, pelo DNOCS, tendo os seus desdobramentos

na implantação do Perímetro Curu-Paraipaba.

Nesse sentido, a análise documental e a literatura pesquisada, combinada com os

dados de campo, permitem revelar que as famílias foram tratadas de forma secundária, ou

melhor, caberia ao Estado preparar esses sujeitos para “usufruir” dos benefícios do progresso,

que partiria da agricultura irrigada. Daí coube aos técnicos a seleção das famílias mais aptas a

se adaptarem ao novo modelo.

Por outro lado, se o projeto, no papel, estava bem articulado, bem resolvido, e

contemplava todas as etapas necessárias à sua completa consolidação, na prática, a

intervenção nesses moldes durou menos de uma década. Nessa etapa o DNOCS atuava

diretamente através de seus técnicos, na gerência das cooperativas e também nas atividades de

administração, operação e manutenção da infraestrutura de irrigação de uso comum. Nesse

período eles impuseram uma severa política de controle da produção e das famílias, sem,

contudo, prepará-los para a autogestão, para serem realmente empreendedores. Apesar dessa

atuação direta, inclusive garantindo crédito abundante, a pesquisa de campo comprovou que

os irrigantes acumularam prejuízos na comercialização dos produtos, fato este que aumentou

o descrédito desses em relação às suas organizações.

Além disso, é impossível negar que a intervenção paternalista, clientelista e

incompetente do órgão, com a conivência de algumas “lideranças” – que, embora não sejam

inocentes, foram cooptadas ou seduzidas por algumas regalias que os cargos diretivos lhes

ofereciam – colaboraram para o descrédito dos demais irrigantes em suas entidades

representativas e para a sua desmobilização, sendo que todas essas nuances, a nosso ver,

repercutiu e repercutem no distanciamento da sua juventude, no abandono ou “venda” dos

lotes, e nas reais possibilidades de descaracterizar o perímetro, como um agrupamento

formado eminentemente por agricultores familiares.

Vale ressaltar, ainda, que a política de irrigação, historicamente, se processou de

forma descontínua, fragmentada e não respondeu às reais necessidades das famílias

assentadas nesses espaços rurais. No caso do perímetro estudado, essa afirmativa é

Page 158: Os projetos de vida da juventude do perímetro Curu-Paraipaba

158

perfeitamente justificada quando observamos que, por exemplo, a regularização fundiária

ainda não foi concretizada e que a assistência técnica também não é garantida como direito

dos pequenos produtores (nomenclatura expressa na Lei de Irrigação) ou agricultores

familiares (na legislação atual).

Somam-se a esses fatores os problemas ocasionados pelo sucateamento da

infraestrutura de irrigação de uso comum, ocasionado pela falta de manutenção adequada,

bem como pelo tempo de funcionamento do sistema. Todos esses fatores, adicionados aos

problemas inerentes às questões produtivas já detalhadas (área pequena, falta de acesso ao

crédito, baixa produtividade e oscilação do mercado), são entraves ao desenvolvimento do

Perímetro e sinalizam algumas razões que interferem diretamente no processo de continuidade

da agricultura familiar como projeto profissional dos jovens do Perímetro.

Por outra via, a pesquisa documental evidenciou uma mudança no público-alvo da

política de irrigação, ou seja, no início ela visava “acabar” com o atraso do Nordeste, com a

pobreza e o êxodo rural. Então, o seu foco eram famílias de agricultores sem terra, detentores

de farta mão de obra (filhos), que viviam em condições de extrema pobreza e ainda sob o

domínio dos fazendeiros (donos da terra).

Atualmente o foco é outro, ou seja, embora a agricultura irrigada na ótica do

Ministério da Integração Nacional também deva alavancar o desenvolvimento regional, os

perímetros devem ser ocupados por empresas ou produtores “qualificados”. Este público

estaria, segundo esse prisma, apto a participar de um processo licitatório que exige, dentre

outras coisas, que este tenha condições de absorver os custos de administração, operação e

manutenção da infraestrutura de irrigação de uso comum. Para tanto, conta mais ponto aquele

que apresentar melhor capacidade de produzir e de investir na produção com recursos

próprios. A partir desses critérios, essas áreas irrigadas dos perímetros novos estão ocupadas,

sobretudo por investidores/empresários do agronegócio.

Assim, as questões inerentes aos dilemas da agricultura familiar (sucessão,

envelhecimento, aposentadoria e êxodo rural) não foram tratadas anteriormente, e também

não são consideradas agora, nesse novo modelo de irrigação. O mais contraditório, a nosso

ver, é que todos os perímetros (os novos e o velhos) são “subordinados” ou coordenados pelo

mesmo órgão e mesmo Ministério. Portanto, “submissos” às mesmas políticas, que não

percebem ou não consideram as nuances próprias de cada contexto.

No caso do Perímetro estudado, vimos que os produtores atualmente não são mais

os mesmos da década de 1970, quando foram assentados pelo DNOCS. Hoje eles já

incorporaram a tecnologia da irrigação ao seu dia a dia e os seus filhos e netos sequer

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159

consideram a possibilidade de produzir somente culturas de inverno. Por outro lado, também

foram incorporando essas idas e vindas da política de irrigação conduzida pelo DNOCS.

Todos esses fatores, se por um lado, os distancia dos agricultores familiares tradicionais os

aproximam no que tange aos dilemas da sucessão profissional, sem contar com os fatores

ligados à produção e comercialização.

Nesse sentido, somam-se aos problemas do Perímetro o desincentivo dos pais, que

não veem futuro na agricultura irrigada, os quais estão descrentes em relação às perspectivas

do Projeto e que, por conseguinte, não socializam mais os filhos no trabalho agrícola na

unidade parcelar. Fica, sobretudo a cargo da escola, dos amigos e da internet os mais

elementares ensinamentos sobre valores e ética.

É evidente que “os tempos são outros”. Muitos agricultores entrevistados

informaram que “os jovens de hoje têm mais oportunidade de estudar” que eles. Naquela

época, suceder os pais no trabalho agrícola também era uma das poucas opções, além de

migrar para os grandes centros urbanos – sobretudo São Paulo. Muitos alegaram ainda a

interferência do Conselho Tutelar, que em certos casos não consegue diferenciar o trabalho

infantil opressor, do trabalho familiar educador, contribuindo para a formação de gerações

deslocadas do Perímetro e fechadas para as possibilidades advindas da agricultura irrigada.

Em todo caso, a pesquisa ressaltou que os jovens desconhecem a estrutura

organizativa do perímetro (sobretudo o Distrito e o DNOCS) e que seus pais ou avós não

estão preocupados em informá-los sobre as mesmas ou não as consideram relevante ou até

mesmo não se identificam com estas. Assim, segundo os jovens, a maioria dos pais/avós não

fala nada sobre o Projeto ou sobre suas entidades, criando-os à margem. Esse dado é negativo

á medida que pode sinalizar a não preocupação em formar as novas gerações, o que dificulta o

vínculo desses jovens com o Perímetro e com a prática da agricultura irrigada.

Dessa forma, o estudo de caso evidenciou que os jovens, grosso modo, não estão

mais acompanhando os pais no trabalho agrícola, sendo que as principais justificativas são

que estes não se identificam com essa labuta ou por ser um serviço penoso. Outro motivo

alegado é que os pais preferem que eles estudem. Isso demonstra a visão de que a agricultura

é uma atividade inferior, que não necessita de conhecimentos técnicos específicos.

Por outra via, os dados de campo permitem afirmar que, até pela escassez de

alternativas, geralmente eles começam a trabalhar em atividades ligadas à agricultura

(sobretudo aquelas ligadas à colheita e à comercialização do coco) à medida que vão

crescendo (a partir dos 18 anos ou quando terminam o Ensino Médio ou constituem família)

Page 160: Os projetos de vida da juventude do perímetro Curu-Paraipaba

160

vai surgindo a necessidade de alcançar uma mínima autonomia financeira em relação aos pais

ou mesmo suprir suas necessidades individuais de consumo.

Contudo, a pesquisa também assinalou que esses trabalhos não são o que

realmente os jovens almejam em termos de futuro profissional, ou seja, a grande maioria

deseja seguir profissões não agrícolas (embora possam ser exercida no espaço rural), sendo

que muitos deles pretendem seguir uma área que exige uma formação superior. Quando

cruzamos os dados do desejo com o futuro provável tivemos respostas muito diversificadas, o

que ratificou que os jovens ainda não têm projetos definidos, ou mesmo que eles entendem

que o seu futuro está sujeito a muitos fatores objetivos, conforme assinalou uma parte

significativa dos jovens do Ensino Médio.

Outra questão importante relatada é que a maioria dos jovens pretende concluir o

Ensino Médio, pois tributam à educação a possibilidade de melhoria de condições de vida e

até de conseguir uma colocação no mercado de trabalho.

Nesse sentido, o cruzamento entre o desejo de continuar os estudos com o futuro

sonhado por esses jovens poderia sugerir uma tendência de esvaziamento desse espaço rural,

já que o município não dispõe de universidades com os cursos que eles ambicionam.

Entretanto, estudar fora ou cursar uma faculdade exige que os pais tenham condições

financeiras de responder pelas despesas. Assim, ainda que aparentemente contraditório, a

pesquisa forneceu subsídios para afirmar que a tendência é que esses jovens permaneçam, de

fato, no perímetro, quer seja executando as atividades disponíveis ligadas à colheita ou

comercialização do coco, ou como diaristas nos pequenos comércios, moto-táxi, domésticas,

operários nas fábricas, na Prefeitura (geralmente sem os direitos trabalhistas ou recebendo

salários irrisórios) ou continuem acomodados e dependendo economicamente dos pais.

É válido ressaltar que esses sujeitos realmente não querem sair do Perímetro e,

não obstante a todas as adversidades, eles sonham com um futuro melhor. Eles querem ter um

emprego, uma profissão e, sobretudo, poder realizá-los no seu espaço rural. Esses dados

reforçam a necessidade da implantação de políticas públicas capazes de responder a essas

demandas.

A esse respeito, a pesquisa identificou que a maioria dos jovens apontou como

ações prioritárias do Estado a geração de empregos, o incentivo à implantação de fábricas,

além do investimento em educação e na profissionalização desses sujeitos. Esses resultados

apontam para a importância de se implantar universidade pública e gratuita (capacitando-os

em diversas profissões) ou escola do tipo familiar agrícola, com capacidade de preparar os

jovens que querem desenvolver atividades agropecuárias de forma mais técnica e mais

Page 161: Os projetos de vida da juventude do perímetro Curu-Paraipaba

161

sustentável. Isso se justifica porque a pesquisa mostrou que uma parte dos jovens, ainda que

pequena, querem trabalhar na agricultura, dando continuidade a agricultura familiar no

Projeto. Nesse caso, eles apontaram como prioridade as políticas públicas que garantam

financiamentos bancários e o acesso dos jovens a terra.

Outra questão elucidada pela pesquisa trata sobre o processo sucessório,

destacando que este vem ocorrendo de maneira informal, ou seja, repartindo “as carreiras de

coqueiro” entre os filhos que continuam no Perímetro. Essa divisão – apesar de aceita pelos

filhos herdeiros –, de fato, vem comprometendo a sustentabilidade dessas unidades, incidindo

sobre o colono a obrigação – por meio da aposentadoria – de arcar com as despesas de energia

e taxa de manutenção. Para a maioria dos jovens pesquisados o ideal é que esta divisão ocorra

com o colono ainda vivo. Possivelmente para evitar conflitos entre os irmãos.

Por outro lado, a pesquisa permitiu perceber que a divisão do patrimônio familiar

(o lote) também ocorre quando o colono resolve “vendê-lo”. Esse procedimento ilegal

acontece naturalmente, sendo que um fator que estimula a descontinuidade da agricultura

familiar, nesse caso, é devido à supervalorização desses terrenos, o que, inclusive, chega a ser

estimulada pelos próprios filhos. Quando isso ocorre, a primeira providência, segundo

observações empíricas, é a aquisição de uma moto pelos filhos, enquanto o casal se preocupa

com a reforma da casa, uma vez que eles permanecem morando no quintal.

Dessa forma, esse aparente valor significativo do lote transforma-se em quase

nada quando é dividido entre todos os filhos, levando muitos ao arrependimento, pois não

promove a emancipação financeira dessas famílias.

Diante destas considerações, e sem termos a pretensão de elaborar conclusões

definitivas – mas, sobretudo visando contribuir com os estudiosos do assunto e provocar

novas agendas de pesquisas –, acreditamos que o processo sucessório da agricultura familiar

no espaço rural estudado está em risco, mas não de forma irremediável.

Nesse sentido, a sua continuidade depende de uma série de fatores, os quais

envolvem um entendimento mais amplo quanto à intervenção estatal, promovendo a

articulação de diversas políticas públicas, dentre as quais se destacam a assistência técnica

continuada e de qualidade, além de uma política de acesso ao crédito e à terra, para os jovens

que querem trabalhar. Exige, portanto, uma nova postura do Estado, no sentido de executar a

política de irrigação de forma mais abrangente e, sobretudo, cumprir com a sua parte também

em relação aos aspectos fundiários e de recuperação da infraestrutura de irrigação de uso

comum.

Page 162: Os projetos de vida da juventude do perímetro Curu-Paraipaba

162

Apesar do aparente esgotamento do Perímetro Curu-Paraipaba, a pesquisa

demonstrou a sua importância econômica e social para a região e para as famílias que vivem

nesse entorno. Assim, existe a possibilidade de promover ou criar um novo modelo de

desenvolvimento que parta das próprias organizações dos produtores e partir do envolvimento

de todos os atores sociais (inclusive a juventude).

A pesquisa também mostrou que o Distrito – se pretender aproximar a juventude

do Perímetro - deve dialogar com esses jovens em seus espaços de socialização, sendo um dos

principais a escola. Nesse caso, a escola poderá reconhecer o Perímetro e a importância da

agricultura irrigada, incorporando metodologias que aproximem as crianças e os jovens do

cotidiano do Projeto, contribuindo, assim, para a formação de um novo olhar sobre a

agricultura

De outra via, a sucessão também abrange questões subjetivas, exigindo uma

autorreflexão por parte dos pais, no que se refere à sua postura socializadora e educativa em

relação aos filhos e a continuidade da atividade agrícola familiar.

Muitos diagnósticos e planejamentos já foram elaborados que chegam a

desanimar. O que eles almejam são soluções traduzidas com o conhecimento da região.

Apesar de toda a precariedade do sistema, do pouco caso do DNOCS, bem como das

instâncias federal, estadual e municipal, ainda é o Perímetro que movimenta toda a economia

de Paraipaba.

Dispersos, os jovens podem ser o futuro do Perímetro, não apenas executando as

atividades tradicionalmente agrícolas e exercendo outras profissões, dando vazão à sua

capacidade criativa e empreendedora, mas também ultrapassando a letargia política dos que

receberam a dádiva e partiram para a gratidão. A democracia requer nova cidadania. Enfim,

os jovens podem se tornar capazes de fazer suas escolhas e traçar seus próprios caminhos.

Page 163: Os projetos de vida da juventude do perímetro Curu-Paraipaba

163

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169

ANEXOS

Page 170: Os projetos de vida da juventude do perímetro Curu-Paraipaba

170

Nos Anexos A e B vemos como era feita a análise para seleção das famílias que

ocupariam o projeto. Tentei analisar o primeiro documento completo, mas não consegui

entender como era feito o cálculo avaliativo. No segundo documento temos um parecer final

sobre a família a ser selecionada, destacando como aspectos relevantes para a seleção o

vínculo com o trabalho agrícola, aceitabilidade as orientações técnicas, ser livre de vícios e

gozar de boa saúde. Encontramos ainda outras fichas nas pastas dos irrigantes, tais como ficha

de saúde, entrevistas com pessoas da comunidade para avaliar a conduta da família e também

era exigido um atestado de conduta (ANEXO C), que era emitido pelo delegado da cidade

onde morava a família.

Page 171: Os projetos de vida da juventude do perímetro Curu-Paraipaba

171

No Anexo D temos um relatório de visita das extensionistas do DNOCS, onde se

percebe a divisão de papéis de gênero e a ênfase aos aspectos de higiene corporal e

organização da casa e controle da vida familiar e no Anexo E temos uma ficha de

acompanhamento familiar que aponta os principais aspectos de controle avaliativo das

famílias que viviam no projeto.

.

Page 172: Os projetos de vida da juventude do perímetro Curu-Paraipaba

172

O Anexo F retrata um episódio marcante na história do perímetro, onde um colono foi

preso porque havia “desviado” parte do seu feijão sem a ordem do gerente do DNOCS e cerca

de cem colonos foram até a delegacia para defender o mesmo. No decorrer da pesquisa de

campo conhecemos o Sr. Luis que nos narrou o citado episódio, que ressalta a conduta do

órgão àquela época.

Page 173: Os projetos de vida da juventude do perímetro Curu-Paraipaba

173

ANEXO G

FOTOS DO PERÍMETRO CURU-PARAIPABA

Na primeira foto vemos a entrada no perímetro pela estrada do Sol Poente (setor D2) e na segunda vemos um

chafariz público que foi construído pelo DNOCS. Ao seu redor antigamente era só mato.

Apesar da proximidade com a cidade, o perímetro ainda conta com maior representatividade da agricultura

familiar

Esta casa está localizada numa área morta – ocupação irregular – e já está a venda. Na segunda foto também um

comércio construídos irregularmente

Page 174: Os projetos de vida da juventude do perímetro Curu-Paraipaba

174

Estrutura de irrigação: motores, captação principal e canal secundário

A chegada na casa do Sr. Chico Caipira e entre as frutas e o trabalho, uma jovem estuda para ter um futuro

melhor

Foto com irrigantes

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