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1 OS PROCESSOS COMUNICACIONAIS NAS RÁDIOS COMUNITÁRIAS LEGALIZADAS DO SERTÃO DO PIAUÍ 1 Orlando Maurício de Carvalho Berti 2 Resumo O trabalho reflete sobre os processos comunicacionais das 30 primeiras rádios comunitárias legalizadas do sertão do Piauí: Ativa (cidade de Piracuruca Sertão Norte); Bom Conselho (cidade de São João da Fronteira Sertão Norte); Cidade (cidade de Valença do Piauí Sertão Central); Eldorado (cidade de Elesbão Veloso Sertão Central); Estação (cidade de Brasileira Sertão Norte); Família (cidade de Piripiri Sertão Norte); Gety (cidade de Curimatá Sertão Sul); Guaribas (cidade de Picos Sertão Central); Liberdade (cidade de Oeiras Sertão Central); Luzes (cidade de Colônia do Gurguéia Sertão Sul); Malhada do Jatobá (cidade de São João do Piauí Sertão Sul); Marvão (cidade de Castelo do Piauí Sertão Norte); Matões (cidade de Pedro II Sertão Norte); Nossa Senhora da Conceição (cidade de Bocaina Sertão Central); Nossa Senhora da Conceição (cidade de São Julião Sertão Central); Nova Cidade (cidade de Cabeceiras Sertão Norte); O Grito de Ipiranga (cidade de Ipiranga do Piauí Sertão Central); Progresso (cidade de Lagoa do Barro do Piauí Sertão Sul); Redenção (cidade de Redenção do Gurguéia Sertão Sul); Serra (cidade de São Francisco de Assis do Piauí Sertão Sul); Terceiro Milênio (cidade de Dom Expedito Lopes Sertão Central); Tribuna (cidade de Pimenteiras Sertão Central); Tribuna Cantoense (cidade de Canto do Buriti Sertão Sul); Umbuzeiro (cidade de Pio IX Sertão Central); Vale do Itain (cidade de Itainópolis Sertão Central); Vale do Sambito (cidade de São Félix do Piauí Sertão Central); Vale Esperança (cidade de Queimada Nova Sertão Sul); Verdes Canas (cidade de Boa Hora Sertão Norte); Veredas (cidade de Simões Sertão Central) e Villa dos Humildes (cidade de Alto Longá Sertão Norte). Procura traçar o panorama dessas emissoras, identificar as rádios que têm mais vínculos e atuação comunitária e também analisar seus papéis sociais e diferenças. Objetiva-se ainda seus processos comunicativos, além de mapear e fornecer visão do funcionamento de cada emissora, entender como ocorre a participação das comunidades, a visão do fazer radialismo e o significado das emissoras consideradas emblemáticas no fazer comunitário. Metodologicamente adota-se o método qualitativo, o qual foi desenvolvido com base em pesquisa bibliográfica, estudo documental e pesquisa de campo, cujas técnicas usadas foram: estudos de produção bibliográfica e de documentos virtuais e hemerográficos e realização de entrevistas semi-estruturadas presenciais com membros das emissoras. As rádios comunitárias pesquisadas têm ampla importância nos espaços em que estão instaladas porque contribuem difundindo informação local e favorecendo o debate sobre novas demandas de cidadania e novos rumos para a região sertaneja piauiense. Palavras-chave: Comunicação Comunitária; Rádio comunitária; Processos Comunicacionais; Sertão; Piauí. 1 Artigo baseado na dissertação de Mestrado em Comunicação Social: “Os processos comunicacionais nas rádios comunitárias legalizadas do Sertão do Piauí”, apresentada ao Programa de Pós-graduação em Comunicação Social da UMESP Universidade Metodista de São Paulo e apresentado no X Simpósio de Produção Científica da UESPI. 2 Professor e pesquisador em Comunicação Social com ênfase em Comunicação Comunitária, Comunicação Regional, Fotojornalismo e Pesquisa em Comunicação da UESPI. E-mail: [email protected]

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OS PROCESSOS COMUNICACIONAIS NAS RÁDIOS

COMUNITÁRIAS LEGALIZADAS DO SERTÃO DO

PIAUÍ1

Orlando Maurício de Carvalho Berti2

Resumo

O trabalho reflete sobre os processos comunicacionais das 30 primeiras rádios comunitárias

legalizadas do sertão do Piauí: Ativa (cidade de Piracuruca – Sertão Norte); Bom Conselho (cidade

de São João da Fronteira – Sertão Norte); Cidade (cidade de Valença do Piauí – Sertão Central);

Eldorado (cidade de Elesbão Veloso – Sertão Central); Estação (cidade de Brasileira – Sertão

Norte); Família (cidade de Piripiri – Sertão Norte); Gety (cidade de Curimatá – Sertão Sul);

Guaribas (cidade de Picos – Sertão Central); Liberdade (cidade de Oeiras – Sertão Central); Luzes

(cidade de Colônia do Gurguéia – Sertão Sul); Malhada do Jatobá (cidade de São João do Piauí –

Sertão Sul); Marvão (cidade de Castelo do Piauí – Sertão Norte); Matões (cidade de Pedro II –

Sertão Norte); Nossa Senhora da Conceição (cidade de Bocaina – Sertão Central); Nossa Senhora

da Conceição (cidade de São Julião – Sertão Central); Nova Cidade (cidade de Cabeceiras – Sertão

Norte); O Grito de Ipiranga (cidade de Ipiranga do Piauí – Sertão Central); Progresso (cidade de

Lagoa do Barro do Piauí – Sertão Sul); Redenção (cidade de Redenção do Gurguéia – Sertão Sul);

Serra (cidade de São Francisco de Assis do Piauí – Sertão Sul); Terceiro Milênio (cidade de Dom

Expedito Lopes – Sertão Central); Tribuna (cidade de Pimenteiras – Sertão Central); Tribuna

Cantoense (cidade de Canto do Buriti – Sertão Sul); Umbuzeiro (cidade de Pio IX – Sertão

Central); Vale do Itain (cidade de Itainópolis – Sertão Central); Vale do Sambito (cidade de São

Félix do Piauí – Sertão Central); Vale Esperança (cidade de Queimada Nova – Sertão Sul); Verdes

Canas (cidade de Boa Hora – Sertão Norte); Veredas (cidade de Simões – Sertão Central) e Villa

dos Humildes (cidade de Alto Longá – Sertão Norte). Procura traçar o panorama dessas emissoras,

identificar as rádios que têm mais vínculos e atuação comunitária e também analisar seus papéis

sociais e diferenças. Objetiva-se ainda seus processos comunicativos, além de mapear e fornecer

visão do funcionamento de cada emissora, entender como ocorre a participação das comunidades, a

visão do fazer radialismo e o significado das emissoras consideradas emblemáticas no fazer

comunitário. Metodologicamente adota-se o método qualitativo, o qual foi desenvolvido com base

em pesquisa bibliográfica, estudo documental e pesquisa de campo, cujas técnicas usadas foram:

estudos de produção bibliográfica e de documentos virtuais e hemerográficos e realização de

entrevistas semi-estruturadas presenciais com membros das emissoras. As rádios comunitárias

pesquisadas têm ampla importância nos espaços em que estão instaladas porque contribuem

difundindo informação local e favorecendo o debate sobre novas demandas de cidadania e novos

rumos para a região sertaneja piauiense.

Palavras-chave: Comunicação Comunitária; Rádio comunitária; Processos

Comunicacionais; Sertão; Piauí.

1 Artigo baseado na dissertação de Mestrado em Comunicação Social: “Os processos comunicacionais nas rádios

comunitárias legalizadas do Sertão do Piauí”, apresentada ao Programa de Pós-graduação em Comunicação Social da

UMESP – Universidade Metodista de São Paulo e apresentado no X Simpósio de Produção Científica da UESPI. 2 Professor e pesquisador em Comunicação Social com ênfase em Comunicação Comunitária, Comunicação Regional,

Fotojornalismo e Pesquisa em Comunicação da UESPI. E-mail: [email protected]

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I – Processos Comunicacionais, Comunidade e a Comunicação Comunitária na

construção de uma nova comunicação

Os processos comunicacionais são uma das formas de explicação dos preceitos da

comunicação, como também forma de caracterização e ainda como ajuda de definição da

própria Comunicação: desde sua forma intrapessoal (do sujeito, para o próprio sujeito) à

comunicação massiva (de um sujeito para muitos, sendo esses muitos: milhares, milhões

ou até bilhões, permitindo algum feedback para esse sujeito). Perfazendo sempre um

procedimento básico de emissão (quem emite, quem transmite, quem perpassa, quem

transpassa, quem instiga), através de um meio (canal de comunicação, onde e através as

mensagens são transmitidas entre o emissor e o receptor) e de uma recepção (quem recebe,

que é perpassado, quem interage, que é instigado). Os processos comunicacionais derivam

das associações, das formações de tornarem-se comuns, das igualitariedades, dos

entendimentos, das transmissões, das compreensões e socializações de mensagens no

sentido de tornar-se entendível e/ou compreensível.

Processos comunicacionais também são entendidos em consonância com reflexões

trazidas por David K. Berlo (1972) de que quando iniciada a comunicação, respondendo-a

e agindo-se na serventia, observância ou análise comunicativa, esta mesma comunicação

serve para afetar e influenciar. A comunicação é um processo, citado pelo autor como algo

que não tem um começo, um fim, uma sequência fixa de eventos. Não é coisa estática, é

móvel.

Os processos comunicacionais, apontados por Juaz Diaz Bornenave (1987, p.31),

servem para que ocorra na comunicação: expressões, perguntas, respostas, informações,

solicitação de informações, ensino, revelações, ocultações, preparações, acusações,

queixas, mostras, diversões, risos, choros, preocupações, despreocupações, despertar de

curiosidades, satisfações com curiosidades, chamados de atenção, distrações à atenção,

ordenações, aceitação de ordenações. Também servindo para confirmar a autodefinição e a

autoimagem que a pessoa tem de si mesma, ou para desconfirmá-la, ajudando a formar a

personalidade dos indivíduos. A comunicação não é um ato isolado, ou uma série de atos

individuais desconexos, mas um fluxo contínuo, de muitas origens e direções, com

conteúdos e formas em constante mutação. Vera Teixeira de Aguiar (2004, p.11) afirma

que a palavra comunicação vem do latim communicare, com significação de: “tornar

comum”, “partilhar”, “repartir”, “associar”, “trocar opiniões”, “conferenciar”.

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Partindo para outros conceitos mais modernos e abrangentes dessa comunicação,

em que não existe mais o papel prioritário e extremamente definido dos emissores e

receptores, mudam-se as tendências para uma comunicação em que pode acontecer do

emissor ser ao mesmo tempo receptor e o receptor ser ao mesmo tempo emissor, um não se

sobressaindo sobre o outro e, mais ainda, o meio ser a mensagem, como propôs Marshall

McLuhan (1964).

Esses processos da Comunicação só ocorrem por conta da mediação

comunicacional, que, por si só já justifica o parâmetro da troca de informações, da

socialização das mesmas e utilização dos preceitos comunicacionais na possibilidade da

construção de uma sociedade mais igualitária.

1.2. Comunidade, conceitos do ontem ao hoje

No atual espaço de debates comunicacionais, sociológicos, humanísticos aplicados

em prol de intencionalidades de um mundo melhor e uma sociedade mais justa e

igualitária, e também nos debates e profusão de novas ideias, de novas descobertas e

redescobertas dos atos sociais, das novas formas de convívio social e da reverberação

comunicacional transformadora, entremeio às novas tendências, abre-se um outro espaço

para o local, ganhando-se novas tônicas, principalmente nas discussões sobre comunidade:

seu papel, sua interrelação, sua relação, suas lições e permanência em um ambiente cada

vez mais global, mas que tem urgentemente mais necessidade de ser mútuo. São

reaflorados debates, reeditando-se múltiplos pensamentos e trazendo-se novos e polêmicos

conceitos em uma sociedade cada vez mais transformada, sem desprezar os conceitos-base

e influências de outros setores que, ao menos durante a Idade Moderna, vêm tentando

compreender as práticas de vivências coletivas e a socialização de ideias e ideais,

principalmente via utilização dos processos comunicacionais e da relação destes com as

comunidades.

Comunidade hoje pode também ser entendida como um local isolado

geograficamente nos confins das regiões distantes do País, ou nos grandes centros,

socialmente desassistidos, bem como com membros que procuram identidades próprias.

As comunidades são consideradas hoje locais “esquecidos” ou quase não assistidos

pelos poderes públicos constituídos (infelizmente, grande maioria no Brasil). Constata-se

que a comunidade territorial-local, enquanto ambiente de vivência, de socialização é lugar

de união, de mais sentido coletivo e ainda mais social. Armand e Michèle Mattelart (2003,

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p.31) destacam que comunidade é definida por três elementos: uma população organizada

em um território, em maior ou menor medida nele enraizado, cujos membros vivem em

uma relação de interdependência mútua de caráter simbiótico. Os conceitos clássicos de

comunidade vêm do sociólogo alemão Ferdinand Tönnies (1995), pensados ainda no

século XIX e que trouxeram o ideário de comunidade universal e perfeita, em alemão

Gemeinschaft, sendo a comunidade um organismo vivo, enquanto a sociedade, Gesellschft,

é agregada de mecanismos e artificialidades. As origens sociais na comunidade

possibilitam três tipos de vivência comunitária, como comenta Raquel Paiva (2007, p.135)

sobre os ensinamentos de Tönnies: comunidade consanguínea, existente por conta de laços

de parentesco, comunidade de proximidade, existente por conta dos laços de vizinhança, e

comunidade espiritual, existente por sentimentos, interesses e afetos comuns.

Outro importante teórico que discute comunidade, aperfeiçoando e modernizando

os ensinamentos deixados por Tönnies é Martin Buber (1987, pp.33-39), que evolui sobre

os conceitos seminais, pregando a comunidade como também um organismo vivo

configurado pelo Eu e pelo Tu, ou seja, pelo espírito comunal das pessoas e dos grupos

formados por essas pessoas, rejeitando o individualismo atomístico (o ser sozinho) e o

coletivismo totalitário (vivência em grupo, mas forçada), mas sim de um espaço mútuo e

intermediário entre esses dois tipos de convivência social. Buber discute também sobre o

papel da comunidade como espaço de socialização.

Já o contemporâneo sociólogo polonês Zygmunt Bauman (2003, p.129), ao destacar

os conceitos de comunidade visando as relações do século XXI, traz a ideia de comunidade

de compartilhamento, em conceitos mais coletivizantes. O autor também destaca a ideia de

comunidade como local de cuidado mútuo, sendo um avanço sobre sua interação social,

onde ainda haja direitos iguais e igual capacidade coletiva de ação em relação à defesa dos

direitos (humanos, sociais, coletivos e plurais). Marcos Palácios (1995) enfatiza que a

comunidade é uma invenção da modernidade, onde as comunidades são pensadas enquanto

tal e não mais vivenciadas enquanto ambientes sociais. Ele reflete sobre cinco elementos

necessários para se identificar uma comunidade: o primeiro é o sentido de ligação e

pertencimento, ou seja, os membros têm de se sentir parte; o segundo é o sentido

cooperativo, de ajuda e solidariedade; o terceiro é a permanência em contraposição à

efemeridade; o quarto é a territorialidade e aí ele traz não só como território real, mas

também território simbólico; o quinto é a existência de uma forma própria de comunicação

entre seus membros, através de veículos específicos.

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1.3. Comunicação Comunitária

Na diversidade dos processos comunicacionais do século XXI, suas segmentações

trazem uma série de formas de expressividades e instigam novas vivências. Uma delas é o

lado cidadão (ou de possibilidade de cidadania), participativo (ou de possibilidade de

participação), e ainda fraternal e coletivo, voltado para as comunidades, localidades ou

lugares mais esquecidos pelos poderes públicos, que ajudam a definir as áreas e

abrangências de atuação da Comunicação Comunitária. Entende-se como Comunicação

Comunitária a comunicação das comunidades, feitas nas comunidades e para as

comunidades, também sendo presente em localidades e grupos que se assumem como

comunidades ou nichos comunitários, dando vazão às suas vozes, ideias e ideais,

geralmente em contraponto aos meios de comunicação tradicionais (que raramente dão voz

e espaço a essas comunidades e grupos) ou nova forma de visão, mesmo sendo reverberada

por outros meios, frente às mídias tidas como tradicionais e historicamente massivas, não

socializantes em certos aspectos que ocorrem nas comunidades.

Os meios de comunicação comunitários, segundo a professora Cicília Peruzzo

(2007a, p.190) têm potencial de ser, simultaneamente, parte de um processo de

organização popular e também canais carregados de conteúdos informacionais e culturais,

possibilitando a prática das participações diretas nos mecanismos de planejamento,

produção e gestão. Ela ainda destaca que não são todos os meios de comunicação presentes

nas comunidades que podem ser considerados meios de comunicação comunitários,

principalmente por conta das conjunturas e até da forma com que alguns ideais são

desviados, mas os meios que assumem esse papel contribuem duplamente para a

construção da cidadania. Os meios de comunicação comunitária ainda envolvem-se no dia

a dia do local em que estão instalados.

Sendo que essa comunicação, ainda pelo pensamento de Cicília Peruzzo (1998a,

p.152), gira em torno das questões da informação, educação, arte e cultura, com mais

espaços para entretenimento, prestação de serviços, participação de várias organizações e

divulgação de manifestações culturais locais. Outro conceito de comunicação comunitária,

também mais moderno, é apontado por Cicília Peruzzo (2005, p.77), relacionando-a com a

conceituação de processo comunicacional, mostrando que essa comunicação é aquela que:

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envolve a participação popular autônoma, da gestão à produção de

conteúdos, ou seja, trata-se de uma comunicação destinada a atender

demandas locais mediante o exercício da cidadania a partir dos próprios

cidadãos. Suas diferenças em relação à mídia local comercial são claras,

embora possa atuar no mesmo universo territorial temático (PERUZZO,

2005, pp.77).

Um dos fortes fatores da comunicação comunitária é sua forma de instigar a

participação, principalmente dos membros da comunidade e dos grupos em que os meios

de comunicação comunitários estão inseridos.

Participação nos meios de comunicação, segundo PERUZZO (2007b, p.10), que

parte dos conceitos do pensador latino-americano José Merino Utreras, pode ocorrer em

quatro níveis. O primeiro é o da participação nas mensagens, através da concessão de

entrevistas, solicitação de músicas, e de outros pedidos mais básicos; o segundo nível é o

da participação na produção de mensagens, materiais e programas, elaborando-se e

editando-se o que será veiculado nos meios de comunicação comunitária; o terceiro nível é

o da participação no planejamento, com a comunidade envolvendo-se no estabelecimento

de políticas do meio, bem como nas elaborações e planos de formatação dos veículos e das

programações e o quarto e mais profundo nível é o da participação na gestão do meio de

comunicação comunitário, com participação nos processos de administração e controle do

meio.

A Comunicação Comunitária, também em concordância com Cicília Peruzzo

(1998a), pluraliza, está em sintonia com as especificidades de cada realidade onde está

inserida e mais ainda, instiga a participação ativa de entidades não governamentais e sem

fins lucrativos. São novas vozes, novos caminhos, novas formas de comunicação, novas

formas de se trazer vozes polissêmicas, de se participar, interagir e vivenciar essa ótica

comunitária. Esses caminhos ganham espaço na academia, mesmo ainda de forma um

pouco tímida, onde o interesse de pesquisar, estudar e entender tais movimentos, tais

caminhos e tais diferenciações para com as mídias convencionais vem aos poucos gerando

interesse dos acadêmicos, sendo realizados trabalhos de conclusão de curso, dissertações e

teses, retratando esses movimentos, essas formas de comunicação social.

Raquel Paiva (2007), ao debater sobre as novas interfaces da comunicação

comunitária, destaca que existem oito pontos para a justificativa da perspectiva

comunitária no campo comunicacional. São eles:

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1. A comunicação comunitária constitui uma força contra-hegemônica no

campo comunicacional;

2. A comunicação comunitária atua na direção de uma estrutura

polifônica;

3. A comunicação comunitária produz novas formas de linguagem;

4. A comunicação comunitária capacita-se para interferir no sistema

produtivo;

5. A comunicação comunitária gera uma estrutura mais integrada entre

consumidores e produtores de mensagens;

6. A comunicação comunitária atua com o propósito primeiro da

educação;

7. A comunicação comunitária pode engendrar novas pesquisas

tecnológicas;

8. A comunicação comunitária como lugar propiciador de novas formas

de reflexão sobre a comunicação (PAIVA, 2007, pp.137-147).

Com novas temáticas, demandas, retroalimentando-se e conseguindo concentrar em

torno de si preocupações e temáticas destinadas a consolidar novos paradigmas e

perspectivas, inclusive para o bom entendimento e operacionalidade do que significa

comunidade (PAIVA, 2007, p.146).

II – Comunicação local e Regional

A comunicação se constitui de múltiplos processos e contempla as mais diferentes

manifestações, principalmente em explicar os procedimentos de emissão, mensagens e

recepção3. Uma dessas formas de processos comunicacionais se dá nos lugares,

entendendo-se lugar como espaço de relações, aqui enfocados nos níveis regional e local.

Nos espaços locais e regionais ocorrem maiores produções para quem está mais próximo

aos espaços, destacando-se, vivendo-se, socializando-se mais facilmente e com maior

fortificação do “aqui”, do “local”, do “perto”.

Esses processos comunicacionais, principalmente nos âmbitos regional e local são

também mais segmentados e menos globalizantes, menos pasteurizados do que aqueles de

nível nacional. As identidades estão mais evidentes localmente e regionalmente, mas não

deixam de interagir com o global, visto que não há paredes que prendam os processos

comunicacionais e, muito menos, que os impeçam de serem socializados além desses

espaços.

3 Pontos principais dos processos comunicacionais.

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As interfaces dessa interação é que são um dos principais pontos de permeabilidade

do local, principalmente quando ligado ao comunitário. As peculiaridades do local e do

regional também ajudam a explicar o fenômeno das novas tendências dos processos

comunicacionais da contemporaneidade, elencando novas pluralizações, mediações,

transmissões e socializações de informações, principalmente no sentido desses processos

serem entendidos como formas de comunicação social.

O local e o regional, notadamente em relação ao pensamento comunicacional

brasileiro, sempre foram amplos espaços sociais, que congregam e firmam as relações

sociais (surgidas na localidade e historicamente não menos importante, expandindo-se para

o regional, congregando vários “locais”). Era no territorial e no lugar que ocorriam os

processos comunicacionais, principalmente antes dos inventos tecnológicos que

despontaram a partir do século XX e puderam socializar a massividade à comunicação

social, podendo chegar a muito mais localidades e territórios.

Com a propagação de invenções como o rádio, a televisão, e muito mais tarde: a

Internet e a possibilidade de ampliação do acesso à leitura4, esse poder de congregação

comunicacional local foi deixado de lado, ou ao menos desprezado, para dar lugar a

práticas da comunicação de forma mais nacional e internacional, principalmente pelos

termos estrondosos de valorização financeira desses eventos e da possibilidade de

ampliação dos mercados também revertidos em produtos comunicacionais e culturais para

serem consumidos de forma massiva. Era mais fácil criar um produto para ser veiculado

em vários países e em várias regiões a se criar produtos comunicacionais respeitando-se as

fronteiras e peculiaridades de cada uma das regiões e cidades do Mundo.

O atual desenvolvimento do regional e, consequentemente do local, é apontado pela

estudiosa em Comunicação Anamaria Fadul (2006, p.23) também como uma consequência

da descentralização industrial de São Paulo e o deslocamento de importantes indústrias

automobilísticas, bem como o desenvolvimento agrícola das regiões Centro-Oeste e Norte

e ainda o desenvolvimento de setores de serviço, beneficiando as regiões Nordeste, Centro-

Oeste e Norte, regiões historicamente integradas em uma visão dominante das regiões

Sudeste e do Sul, deixando-se de lado as manifestações populares, culturais, feitas da, para

e na região, da, para e no local. Rogério Bazi (2001, pp.11-19) destaca que a

4Visto que somente no final do século XX que o nível de escolaridade do brasileiro começou a aumentar e sua

consequente chegada à leiturabilidade.

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regionalização é um dos caminhos da comunicação no século XXI, ao retratar os assuntos

locais, proporciona o acompanhamento do que ocorre no país e no mundo.

No local recebe-se e filtra-se o nacional, o mundial e até o regional,

retroalimentando os processos comunicacionais, agora não mais com uma visão nacional,

mas regional e local. Bazi (2001, p.18) cita Darci Debona e Odil Fontella que frisam que

um dos dois sentidos para a comunicação atual é a globalização ou a regionalização, com

espaços para as emissoras e programações locais, servindo para desenvolver as

características culturais de cada comunidade, combatendo uma homogeneização.

Só que esse local e regional, e, consequentemente, seus processos comunicacionais,

não devem ser pensados apenas territorialmente, como outrora, fugindo-se dos

entendimentos do sociólogo Morris Janowitz5, que em publicação de 1971 discutia sobre

os processos de comunicação subtendendo-se e exemplificando os mesmos como

sentimentos e ligações a uma área geográfica, não importando sua transitoriedade ou

complexidade. À época, até por conta da possibilidade global e das suas consequências,

pouco se ousava fugir da territorialidade, fato não tão mais marcante como hoje, onde o

local ainda pode ser pensado como territorial, mas não somente como tal, mas um misto

entre comunicação local, regional, nacional e global. Armand e Michèle Mattelart (2003,

p.175) discutem, refletem e polemizam as ideias dos sociólogos europeus Philippe

d’Iribarne e Peter Drucker, de que a cultura da globalização não pode ser pensada apenas

em forma de território, pois isso impede a superação da identidade global pela identidade

formada com base na pertença a um território nacional ou local. Entender o global, o

nacional, o regional e o local, bem como suas diferenças, fronteiras, aproximações e

consequências é o que será discutido separadamente para a sedimentação desses lugares

em relação aos seus processos comunicacionais.

O professor português Jorge Pedro Sousa (2003, pp.81-126) ao estudar os aspectos

da comunicação local e regional, além de concordar que os processos comunicacionais no

local e no regional são importantes e crescentes, ainda destaca que nesses lugares ajuda-se

a informar, formar, entreter, mas também trazem espaços de convivências e conivências,

sendo suas principais funções: a informatividade e a utilitariedade.

Jorge Pedro Sousa (2003) também frisa que há três conceitos-chave para o

entendimento desse local e regional: o primeiro é a comunidade, o segundo as relações de

vizinhança e o terceiro, a possibilidade dos meios de comunicação estarem próximos das

5 Citado e refletido por DORNELES (2000).

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pessoas que os usam. Sousa (2003) ainda traz a perspectiva de comunicação comunitária,

destacando que a territorialização é um conceito-chave para se explicitar as comunicações

das localidades e das regiões, sendo que os conceitos dessas comunicações não explicam as

comunidades desterriorializadas.

A Comunicação desenvolve-se nesses nichos, principalmente no comunitário, como

afirma Jorge Pedro Sousa (2003, p.87), por conta das proximidades e interações,

aglutinadas em grupos de valores, famílias, modos de vida, interesses e línguas comuns.

Citando Xosé Lopez Garcia, destaca que o comunitário é menos abrangente no espaço

local, mais abrangente no espaço territorial, porque o regional congrega muitas

comunidades, enquanto à própria comunidade só se restringe a ela.

III – O Sertão Nordestino e sua histórica exclusão

O Sertão Brasileiro (ou semi-árido) é uma das áreas mais pobres, mais esquecidas e

mais desvalorizadas (em termos sociais) do País, principalmente, por conta de seus altos

índices de miséria e de desigualdade social. É uma região de paradoxos, notadamente por

ter forte e tradicional cultura, e ainda possuir, em relação a outras regiões do Brasil, um

dos maiores potenciais de crescimento social, econômico, cidadão e, também,

comunicacional, com grande ênfase à comunicação feita por instituições e movimentos

sociais ligados à manutenção das tradições locais culturais e a melhoria da vida do

sertanejo. O Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (2009) do Brasil

classifica como sertão a região que congrega áreas do País com pequeno número de

precipitações pluviométricas (chuvas) de médias anuais inferiores a 800 milímetros, com

índice de aridez (secura do solo) 6 extrema e risco anual de estiagem (seca) maior que

60%7.

O sertão brasileiro ocupa uma área8 de 969.584,4 quilômetros quadrados,

compreendendo 1.133 municípios, com população de 20.858.264 habitantes (44% desse

contingente vivendo em regiões rurais). O sertão do Brasil, segundo o IBGE – Instituto

Brasileiro de Geografia e Estatística (2009), abrange grande parte dos estados nordestinos

6 “Calculado pelo balanço hídrico que relaciona as precipitações e a evapotranspiração potencial, no período entre 1961 e

1990” (MINISTÉRIO DO DESENVOLVIMENTO SOCIAL E COMBATE À FOME, 2009). 7 “Tomando-se por base o período entre 1970 e 1990” (IDEM). 8 Todos os dados e áreas neste capítulo são resultados de consultas ao IBGE (2009) e de cruzamento de informações

tabuladas pelo autor, visto que não há dados oficiais realizando essas comparações.

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de: Alagoas, Ceará, Bahia, Paraíba, Pernambuco, Piauí, Rio Grande do Norte e Sergipe,

além de uma porção Norte (conhecida por Vale do Jequitinhonha9) do estado de Minas

Gerais (que fica no Sudeste).

A diferenciação entre sertão e semi-árido é apenas de nomenclatura, sendo que

parte dos órgãos e dos estudiosos nordestinos abordam o termo “semi-árido” para definir

essa região do País, principalmente por conta de condições geográficas semelhantes; mas a

maioria dos habitantes dessa parte do Nordeste a chamam de Sertão10

e se consideram

sertanejos, moradores “do interior” nordestino ou ainda do interior dos estados nordestinos

(excetuando-se o Maranhão, que não tem áreas no Sertão) e do Vale do Jequitinhonha

(mineiro, que faz parte do Sudeste, mas tem cidades pertencentes ao Sertão).

Em termos de Brasil, o sertão corresponde11

a 11,38% do território nacional (dos

8.514.876 quilômetros quadrados de área total do País), e a 10,87% da população (dos

191.790.900 habitantes do País). Nessa região também encontram-se 20.858.254 dos

51.534.406 habitantes do Nordeste e a 20,36% do número de municípios brasileiros (dos

5.564 existentes). Se fosse um País, em termos territoriais, o Sertão do Brasil seria o

trigésimo maior país do Mundo, logo após o décimo maior do Hemisfério Sul, o oitavo

maior das Américas e o quinto maior da América do Sul12

, não havendo, inclusive na

Europa, nenhum país que superasse o seu tamanho territorial.

Comunicacionalmente, o sertão do Brasil é a região do País com a maior

concentração de meios de comunicação (principalmente canais de rádio e televisão) nas

mãos de políticos, que são artífices e impulsionadores das grandes negociações em Brasília

(DF), sendo geralmente ocupantes de cargos de chefia na Câmara dos Deputados, Senado

Federal e ainda os principais órgãos estatais federais, reverberando seus poderes também

nas esferas estaduais e locais do Sertão.

9 Apesar de alguns autores (em número minoritário) darem também uma pequena parte do Norte do Estado do Espírito

Santo como parte dessa região, decidiu-se abordar a definição do IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

(2009) que não traz essa parte do Espírito Santo como sendo região sertaneja. 10 A abordagem em todo este trabalho é do termo sertão, sendo que todas as vezes que destacar-se sertão nordestino,

também estar-se-á abordando o mesmo que semi-árido, ou vice-versa. 11 Dados cruzados e filtrados pelo autor deste trabalho com informações do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

– IBGE (2009) e ainda dados obtidos junto ao Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (2009). 12 Com cruzamento de dados do IBGE PAÍSES (2009).

Page 12: OS PROCESSOS COMUNICACIONAIS NAS RÁDIOS …€¦ · O trabalho reflete sobre os processos comunicacionais das 30 primeiras rádios comunitárias legalizadas ... Canas (cidade de

12

3.1. O Sertão piauiense e caracterização dos meios de comunicação nessa região

brasileira

O Piauí, segundo o IBGE (2009), tem uma área de 251.529,186 quilômetros

quadrados (sendo o décimo primeiro maior estado do País13

), com uma população de

3.032.421 habitantes (sendo o décimo sétimo mais populoso estado da Nação).

O sertão do Piauí é delimitado através do Decreto Estadual número 11.292, de 19

de janeiro de 2004 (SECRETARIA DE FAZENDA DO PIAUÍ, 2009) para normatizar

principalmente a ajuda estatal aos municípios do Estado em períodos de estiagem. Essa

parte do Sertão do Brasil é composta por 151 municípios14

dos 224 do Estado, ou 67,41%

do total de municípios piauienses.

O Sertão piauiense ocupa uma área de 155.762 quilômetros quadrados (ou 61,93%

do território piauiense) com 1.280.753 habitantes (42,24% da população estadual e 6,14%

da população do sertão do Brasil). Antes da existência da província do Piauí, essa região

sertaneja foi subordinada durante os primeiros 200 anos de colonização portuguesa no

Brasil à Bahia e depois ao Maranhão.

No Piauí os meios de comunicação nascem áulicos em 1832. Segundo o

pesquisador Celso Pinheiro Filho (1988), o primeiro meio de comunicação de massa do

estado (então província), foi o jornal O Piauiense, nascido na sertaneja cidade de Oeiras, e

que até o final do século XX essa mesma imprensa era praticamente pautada pela disputa

política entre famílias tradicionais do Estado.

3.2. Os meios de comunicação do sertão do Piauí

Mesmo tendo dimensões de país e com área maior do que metade das federações do

Mundo, o sertão do Piauí ainda carece da presença diversificada de meios de comunicação.

Uma das explicações é o coronelismo eletrônico, que poda os meios de comunicação

comunitários e as formas de comunicação alternativa, ainda insipientes nessa região do

País.

13 O Piauí perde em extensão territorial para os estados: Amazonas, Bahia, Goiás, Maranhão, Mato Grosso, Mato Grosso

do Sul, Minas Gerais, Pará, Rio Grande do Sul e Tocantins. 14 O decreto original previa 148 municípios, sendo anexados em 2004 os municípios de Domingos Mourão e Pedro II, no

Norte do Estado. Em 2005 a região contou com mais um município: Aroeiras do Itain, desmembrada da também cidade

sertaneja de Picos, no Centro-Sul do Estado.

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13

Atualmente existe, com sede no sertão do Piauí, uma emissora de televisão: a TV

Picos (afiliada à TV Cultura – de São Paulo – controlada pela Fundação Antares, ligada ao

Governo do Estado, que funciona na cidade de Picos – Sertão Central); 27 emissoras de

rádio convencionais, sendo vinte rádios AMs e sete rádios FMs, 37 rádios comunitárias

legalizadas e, aproximadamente, 300 emissoras de rádio que, para funcionar utilizam a

nomenclatura de rádios comunitárias. Existem ainda no Sertão piauiense cinco periódicos

impressos com circulação semanal ou mensal, quais sejam: Total Informativo, O Povo,

Jornal de Picos e Folha de Picos – da cidade de Picos, Visão – da cidade de Piripiri –

Sertão Norte, além de uma revista, a Mais Foco (da cidade de Picos). Há também,

aproximadamente, vinte sítios que se propõem a ser noticiosos, sendo que, efetivamente

dois funcionam com atualização constante em todo o Sertão: RiachãoNet e o Portal O Povo

(ambos sediados em Picos, mas que cobrem praticamente todo o Sertão Central). Há outros

sítios e correspondentes de portais da capital, mas que contam com atualização incerta,

além de sítios de coberturas de festas e eventos considerados sociais.

Em termos do número de cidades (151), de suas distâncias, peculiaridades, história

e necessidades, o número de meios de comunicação é pequeno, sendo que, excetuando-se o

rádio, praticamente os outros meios só existem na cidade de Picos.

Das 15 emissoras de rádio FM convencionais do Piauí, sete estão no Sertão do

Estado: FM Verdes Campos (na cidade de Campo Maior – Sertão Norte); FM Cidade de

Piripiri (na cidade de Piripiri – Sertão Norte); Cidade Modelo FM e Grande Picos FM (na

cidade de Picos – Sertão Central); FM Imperial (na cidade de Pedro II – Sertão Norte); FM

Piauí e Vale do Piauí FM (na cidade de São João do Piauí – Sertão Sul). Ou seja, das 151

cidades do sertão do Piauí, apenas cinco (ou 4,64% do total) têm emissoras FM

convencionais, sendo que no Sertão Central e Sertão Sul há emissoras FM em apenas uma

cidade (respectivamente Picos e São João do Piauí).

Apesar dessas emissoras FM exercerem influência comunicacional, de forma

regional geralmente não chega a um terço de todos os municípios do Sertão, deixando mais

de dois terços (mais de cem municípios) sem programação regional (via FMs).

Das 45 emissoras de rádio AM do Piauí, 20 localizam-se no sertão do Piauí. Das

151 cidades do sertão do Piauí apenas 17 (ou 11,26%) têm emissoras AM, sendo que no

Sertão Central, onde há o maior número de municípios, há apenas sete municípios com

emissoras AM, enquanto no Sertão Sul há apenas três municípios, também, assim como as

FMs, deixam parte significativa dos municípios do Sertão do Estado sem emissoras locais,

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14

não havendo meios locais convencionais de comunicação de massa. Em termos de

números e atuações das emissoras AM do sertão do Piauí os mesmos podem ser ainda

piores, visto que em algumas cidades, como Elesbão Veloso e Valença do Piauí (ambas no

Sertão Central) suas emissoras AM, apesar de legalizadas e autorizadas a funcionar e com

mais de vinte anos de existência, atualmente estão fechadas por conta de problemas

financeiros e trabalhistas, deixando suas regiões sem canais de comunicação radiofônicos.

Uma das soluções para o fim ou diminuição do isolamento dessas comunidades,

localidades e até regiões do sertão do Piauí, em termos de transmissão radiofônica têm sido

as emissoras de rádio comunitária, hoje maioria no Piauí, principalmente no Sertão.

Como já foi dito, a mídia rádio é praticamente a única a funcionar localmente e ter

programação e linguagens mais em consonância com o sertanejo piauiense. Apesar do

Piauí ainda ter poucas emissoras de rádio comunitária legalizadas, no Estado já existem 64

FMs autorizadas a funcionar, sendo que dessas, 37 estão no sertão do Piauí.

Mesmo já havendo uma distribuição de rádios comunitárias legalizadas de forma

mais justa em termos de sertão do Piauí, o Sertão Sul permanece em larga desvantagem em

relação às outras regiões sertanejas do Estado. Enquanto o Sertão Norte tem 12 emissoras

legalizadas, e o Sertão Central tem 15, o Sertão Sul só tem oito, mesmo sendo a maior área

territorial e também a área mais carente de meios regionais. É na região do Sertão Sul que

também há o maior número de cidades sem sequer um meio radiofônico comunitário.

Em termos de rádios comunitárias não legalizadas, o número de acesso de cidades

às essas rádios é muito maior do que as emissoras convencionais. Aproximadamente 85%

dos municípios do sertão do Piauí têm rádios comunitárias (ou ditas comunitárias),

fenômeno crescente desde o final da década de 1990.

IV – O papel das rádios comunitárias nos processos comunicacionais

As rádios comunitárias são uma das categorias de meios de comunicação social

radiofônico existente no Brasil entremeio a rádios: convencionais, públicas, educativas,

livres, de poste, cada uma com seu modo e intencionalidade de reverberar, através de sons,

processos comunicacionais, geralmente massivos e com vivências, confluências,

consequências próprios, o que torna esse meio uma das maiores e mais heterogêneas

formas de pluralização da comunicação. Desde as primeiras transmissões radiofônicas no

Brasil, ocorridas há menos de um século, que esse meio de comunicação vem deixando sua

Page 15: OS PROCESSOS COMUNICACIONAIS NAS RÁDIOS …€¦ · O trabalho reflete sobre os processos comunicacionais das 30 primeiras rádios comunitárias legalizadas ... Canas (cidade de

15

marca na vida do brasileiro, mesmo muitas vezes passando por crises e discussões se será

ou não suplantado por outras mídias, tidas como mais modernas e abrangentes.

Por serem orais, instigando principalmente a audição de quem acessa os produtos

comunicativos, as rádios trazem o entendimento dos processos comunicacionais com maior

rapidez, notadamente por serem de fácil acesso (devido aos aparelhos de rádio custarem

menos do que outros eletro-eletrônicos e, na maioria das vezes, portáteis, não custando

muito cara mantê-los), não necessitando leiturabilidade visual, visto que também se torna

útil e popular por conta do grande índice de analfabetismo funcional no País, além de haver

o maior número de meios de comunicação desse tipo no Brasil, principalmente nas regiões

mais pobres, hoje, ainda majoritárias no território nacional.

Uma emissora de rádio tem também a possibilidade de ser a principal forma de

representação e possibilidade de reverberação dos ideais comunitários, ou ainda dos ideais

e ideias nos âmbitos: regional e local, principalmente por conta dessa proximidade e

fidelização com o receptor.

José Eugênio de Oliveira Menezes (2007, pp.22-24) destaca que as emissoras de

rádio contemplam diversos fios de tempos e vozes que se misturam na vida de um lugar, e

ainda possibilitam a sincronização da vida em sociedade, promovendo, em termos de

sensações, a criação de cenários mentais e imagens endógenas, ou seja: próprias para o

cidadão receptor. O rádio tem o poder de transformar e construir novas sociabilidades,

mudando lugares, pessoas, mentalidades e instigando uma sociedade mais justa,

principalmente se tiver por trás pessoas compromissadas e unidas com causas

coletivizantes. José Ignácio López Vigil (2003) aumenta a discussão trazendo o que

considera “rádios espelhos” e “rádios janelas”, sendo as primeiras: emissoras radiofônicas

locais e as segundas: emissoras radiofônicas nacionais. As rádios locais constroem

identidades e as rádios nacionais (incluindo-se as regionais) divisam outros mundos e

constroem solidariedade. Necessitando-se para o desenvolvimento das sociedades os dois

tipos de emissoras radiofônicas.

Nessa segmentação que perfaz a importância das emissoras de rádio comunitárias,

principalmente como meios de comunicação local, “o rádio local nos ensina que não temos

menos valor que os outros. A nacional, que não temos mais valor que os outros” (LÓPEZ

VIGIL, 2003, p.488). Segundo a professora gaúcha Denise Cogo (2004, p.45), esse tipo de

comunicação, baseando-se, principalmente, em rádios comunitárias locais, vem sendo

marcada por demandas pautadas em micropolíticas identitárias e reivindicatórias de setores

Page 16: OS PROCESSOS COMUNICACIONAIS NAS RÁDIOS …€¦ · O trabalho reflete sobre os processos comunicacionais das 30 primeiras rádios comunitárias legalizadas ... Canas (cidade de

16

sociais específicos. Ou seja, nas rádios comunitárias e livres reivindica-se o que é comum,

o que é mais pautado para os interesses daquele nicho comunitário, utilizando-se mídias da

e para a comunidade. Regina Mota e Takashi Tome (2005), ao debaterem sobre aspectos

de poder de inclusão do rádio, enfatizam que essa nova comunicação sai de um aspecto

vertical da comunicação, para uma tendência horizontal, saindo da homogeneização

internacional, para condições sociais, políticas e econômicas de cada país, ditando suas

evoluções locais. Essa horizontalidade da comunicação é mais democratizante e mais

socializante, onde os atores sociais do processo comunicacional são mais explícitos,

havendo maior interação entre os mesmo e assim uma liberdade maior de comunicar,

podendo-se realizar mais inclusões.

4.2. As rádios comunitárias

As rádios comunitárias são uma das categorias de emissoras de rádio,

numericamente se comparadas às comerciais e às público-estatais, hoje no País em l maior

quantidade.

Em termos de funcionamento e emissão de sinais as rádios comunitárias são iguais

a qualquer outra rádio. Operam em Frequência Modulada (FM) e hoje estão presentes em

praticamente todas as regiões do Brasil.

Segundo o Ministério das Comunicações (2009) até o último dia de janeiro de 2009

existiam no Brasil: 3.378 emissoras de rádio comunitárias legalizadas. Estima-se que este

número seja dez vezes maior em termos do número de emissoras não legalizadas que se

consideram comunitárias, livres, de bairro, locais ou regionais15

.

As primeiras legalizações de emissoras de rádio que utilizam e se assumem como

comunitárias só ocorreram há pouco mais de dez anos com a implantação da Lei 9.612, de

19 de fevereiro de 1998, mais conhecida como Lei das Rádios Comunitárias.

Mesmo assim, o movimento de rádios comunitárias e rádios livres no Brasil é muito

mais antigo que a lei, que foi uma consequência histórica desse movimento em uma série

de lugares no País e de milhares de embates Brasil afora para garantir o direito de

15 Não há dados exatos sobre o número de rádios comunitárias e livres no Brasil (apenas estimativas) visto que, por conta

de suas situações de clandestinidade, vivem constantemente sendo fechada pelos órgãos fiscalizadores ou ainda fecham

as portas para não terem seus equipamentos apreendidos ou então as entidades que as mantém, multadas, havendo

fechamentos, reaberturas, re-localizações e novas movimentações oscilando diariamente o número.

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17

transmitir radiofonicamente o que ocorria em comunidades e localidades, geralmente não

assistidas ou não representadas pelos meios de comunicação convencionais.

Luiz Artur Ferrareto (2001, p.50) considera também uma rádio comunitária como

sendo uma emissora que operam em frequência modulada, com transmissores de baixa

potência e antenas não superiores a 30 metros de altura, sendo que essas rádios devem

atender às comunidades onde estão instaladas, difundindo ideias, elementos culturais,

tradições e hábitos locais, além de estimular lazer, integração, convívio e prestar serviços

de utilidade pública. Márcia Detoni (2004, p.279), aderindo os aspectos teóricos mais

aceitos, classifica rádio comunitária como a que tem:

programação voltada para os problemas e realidades do bairro ou

região, que valorize a cultura local e tenha um forte compromisso

com a educação para a cidadania;

participação direta da população ao microfone e na produção dos

programas;

participação da comunidade no gerenciamento e na definição dos

programas da emissora por meio de assembléias coletivas;

finalidade não lucrativa. Os recursos para o funcionamento da

emissora são arrecadados através de apoio cultural e de contribuições

da comunidade.

Mesmo existindo lei específica, boa parte das rádios comunitárias no País não estão

legalizadas16

, sendo vítimas de constantes perseguições, ocorrendo até mortes, como o caso

ocorrido na Rádio Utopia, no bairro Lourival Parente, em Teresina, capital do Piauí, em

que uma funcionária faleceu, vítima de ataque cardíaco, após ser pressionada por policiais

federais e fiscais da ANATEL a revelar onde estava o transmissor da rádio, que não tinha

permissão do Governo Federal para funcionar. Mesmo com o episódio do falecimento da

funcionária, a rádio Utopia já foi fechada outras vezes e ainda continua na ilegalidade17

. O

processo de legalização da emissora, mesmo tendo sido solicitado ao Ministério das

Comunicações está emperrado na burocracia da capital federal.

Cicília Peruzzo (1998c) destaca que é importante as rádios serem chamadas de

comunitárias em vez da nomenclatura de rádios pirata (termo até hoje aplicado

principalmente pelas emissoras comerciais ou grupos comunicacionais hegemônicos).

16 Calcula-se que, para cada rádio comunitária legalizada no Brasil haja, pelo menos, outras dez sem serem legalizadas. 17 Segundo fiscais da Unidade Operacional da ANATEL no Piauí, a morte da funcionária da FM Utopia não ocorreu por

conta da ação do fechamento da emissora, mas sim por pressões de próprios funcionários da rádio que teriam repreendido

a funcionária porque ela havia permitido a entrada na emissora de agentes da Polícia Federal e da ANATEL. O caso

ganhou repercussão nacional e teve acompanhamento de várias comissões estaduais e federais de Direitos Humanos, mas

o caso já está arquivado.

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18

Segundo Raquel Paiva (2003, p.139), “uma das razões para a criação de um veículo

comunitário é a vontade de produção de um discurso próprio, sem filtros e intermediários”.

É nesse contexto de rádios comunitárias com a produção do local e também

instigando-se e pautando-se pelo regional que encontram-se as rádios comunitárias

legalizadas do sertão do Piauí.

Todas essas emissoras já passaram da fase da luta pela legalização, sendo, inclusive

muitas delas, pioneiras no movimento de rádios comunitárias no Nordeste.

V – As rádios comunitárias legalizadas do Sertão do Piauí

No sertão do Piauí até o início de 2008 existiam 30 emissoras de rádio comunitária

legalizadas18

. Até 31 de janeiro de 2009 a mesma região sertaneja brasileira já contava com

37 emissoras de rádio, mas as sete novas FMs autorizadas a funcionar a partir de março de

2008 ainda estavam em fase de instalação, com programação experimental e puramente

musical, algumas contando ainda com a construção e reforma de prédios e compra e/ou

modernização de equipamentos, principalmente porque estavam fechadas e lacradas antes

de suas autorizações pelo Ministério das Comunicações.

Como apresentamos em texto sobre a histórica situação de legalização das

emissoras de rádio comunitárias no Sertão Nordestino: o sertão do Piauí é a região do País

que tem, em termos proporcionais (número de municípios, pelo número de emissoras de

rádio), o menor número de emissoras de rádio comunitárias legalizadas do País. O Piauí,

como um todo, é o terceiro estado do País a ter o menor número de emissoras de rádio

comunitária legalizadas, mesmo o estado sendo uma das doze maiores unidades federativas

brasileiras e com presença de meios de comunicação ainda de forma muito tímida e sem

muita representatividade comunicacional (BERTI, 2008, pp.2-14).

A legalização dessas rádios comunitárias (feitas ainda de forma muito tímida no

Piauí) é um dos caminhos de garantia de funcionamento das mesmas, evitando-se

desgastes, perdas, preocupações de fechamento, além de canalizar esforços para a melhoria

da comunidade, localidade e até região em que estão inseridas, e ainda promovendo

18 Escolheu-se o último dia de fevereiro de 2008 como data limite de recorte, principalmente porque necessitava-se de um

fechamento de data para o Exame de Qualificação e ainda para sistematizar a escolha do acompanhamento das emissoras

de rádio comunitárias legalizadas nessa região do País.

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19

debates, socializando ideias e tentando melhorar a situação do sertão, principalmente nos

locais mais isolados ou que têm poucos ou nenhum meio de comunicação.

Para conhecer as 30 primeiras emissoras de rádio comunitárias legalizadas da

história do sertão do Piauí, fez-se um trabalho de campo, com visitas a todas estas

emissoras – entre janeiro de 2007 e fevereiro de 2008 – além de novas visitas às rádios

consideradas emblemáticas entre junho de 2008 e janeiro de 2009.

Foram consideradas emissoras de rádio comunitárias legalizadas emblemáticas no

sertão do Piauí, emissoras que têm diferenciais positivos em relação às rádios

convencionais nas regiões que estão inseridas e também suas atividades em relação ao

compromisso local e integração que trazem para com as comunidades que essas emissoras

abrangem.

Ao todo foram percorridos pelo autor mais de 19.000 quilômetros (em doze

viagens19

), tiradas mais de cinco mil fotografias, gravadas quase cem horas de entrevistas e

depoimentos, além do conhecimento a fundo da comunicação feita nessa região do País,

interagindo com produtores das emissoras e moradores das cidades sertanejas.

A seguir são apresentadas as 30 emissoras de rádio comunitária legalizadas do

sertão do Piauí, respectivas cidades em que estão instaladas e localização nas áreas

sertanejas piauiense: Ativa (cidade de Piracuruca – Sertão Norte); Bom Conselho (cidade

de São João da Fronteira – Sertão Norte); Cidade (cidade de Valença do Piauí – Sertão

Central); Eldorado (cidade de Elesbão Veloso – Sertão Central); Estação (cidade de

Brasileira – Sertão Norte); Família (cidade de Piripiri – Sertão Norte); Gety (cidade de

Curimatá – Sertão Sul); Guaribas (cidade de Picos – Sertão Central); Liberdade (cidade de

Oeiras – Sertão Central); Luzes (cidade de Colônia do Gurguéia – Sertão Sul); Malhada do

Jatobá (cidade de São João do Piauí – Sertão Sul); Marvão (cidade de Castelo do Piauí –

Sertão Norte); Matões (cidade de Pedro II – Sertão Norte); Nossa Senhora da Conceição

(cidade de Bocaina – Sertão Central); Nossa Senhora da Conceição (cidade de São Julião –

19 A primeira viagem ocorreu entre 03 e 15 de janeiro de 2007, percorrendo-se municípios do Sertão Central. A segunda

viagem aconteceu entre 08 e 20 de julho de 2007, percorrendo-se municípios do Sertão Norte. A terceira viagem foi feita

entre 02 e 12 de outubro de 2007, percorrendo-se municípios do Sertão Norte e Sertão Central. Já a quarta viagem

ocorreu entre 15 e 22 de dezembro de 2007, percorrendo-se municípios do Sertão Central. A quinta viagem aconteceu

entre 02 e 11 de janeiro de 2008, percorrendo-se municípios do Sertão Central e Sertão Sul. A sexta viagem foi feita entre

04 de fevereiro e 16 de fevereiro, percorrendo-se municípios do Sertão Sul e Sertão Norte. Já a sétima viagem aconteceu

entre 19 e 24 de fevereiro, percorrendo-se municípios do Sertão Central e Sertão Sul. A oitava viagem ocorreu entre 01 e

10 de junho de 2008, percorrendo-se municípios do Sertão Central e Sertão Sul. A nona viagem aconteceu entre 20 e 30

de agosto de 2008, percorrendo-se municípios do Sertão Norte, Central e Sul. A décima viagem foi realizada entre 03 e

10 de outubro de 2008, percorrendo-se municípios do Sertão Norte, Central e Sul. Já a décima primeira viagem ocorreu

entre 15 e 25 de outubro de 2008, percorrendo-se municípios do Sertão Norte, Central e Sul. A décima segunda, e última

viagem foi realizada entre 05 e 11 de janeiro de 2009, percorrendo-se municípios do Sertão Norte, Central e Sul.

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20

Sertão Central); Nova Cidade (cidade de Cabeceiras – Sertão Norte); O Grito de Ipiranga

(cidade de Ipiranga do Piauí – Sertão Central); Progresso (cidade de Lagoa do Barro do

Piauí – Sertão Sul); Redenção (cidade de Redenção do Gurguéia – Sertão Sul); Serra

(cidade de São Francisco de Assis do Piauí – Sertão Sul); Terceiro Milênio (cidade de

Dom Expedito Lopes – Sertão Central); Tribuna (cidade de Pimenteiras – Sertão Central);

Tribuna Cantoense (cidade de Canto do Buriti – Sertão Sul); Umbuzeiro (cidade de Pio IX

– Sertão Central); Vale do Itain (cidade de Itainópolis – Sertão Central); Vale do Sambito

(cidade de São Félix do Piauí – Sertão Central); Vale Esperança (cidade de Queimada

Nova – Sertão Sul); Verdes Canas (cidade de Boa Hora – Sertão Norte); Veredas (cidade

de Simões – Sertão Central) e Villa dos Humildes (cidade de Alto Longá – Sertão Norte).

Em cada uma das rádios contextualizamos suas histórias (desde a concepção da

ideia de se montar a emissora até a atualidade), lutas pela legalização, atual situação,

inclusive como interage com os locais em que estão inseridas, programação, se seus

diretores e membros a consideram comunitárias e o seu conhecimento sobre a Lei 9.612/98

(Lei das rádios comunitárias), dentre outras peculiaridades.

As frequências das emissoras foram conseguidas por meio de pesquisa de campo e

verificação em visitas às cidades e às rádios20

. Os nomes das entidades mantenedoras

foram extraídos da lista oficial do Ministério das Comunicações (2008)21

. A distância das

cidades do sertão piauiense à capital denotam do Mapa Rodoviário do Piauí (1996)22

,

sendo fornecidas as distâncias das cidades até Teresina (capital do Estado) e se suas

localizações estão à Norte ou à Sul da Capital. Ainda são fornecidos dados da população e

também da área territorial dos municípios em que as rádios estão instaladas23

(IBGE, 2007)

e ainda o IDH – Índice de Desenvolvimento Humano, fornecido pelo PNUD (2008). As

informações orais foram checadas pelo autor por meio de entrevistas, em todas as viagens,

principalmente no sentido de datas e peculiaridades dos municípios e das rádios. Todos os

depoimentos contidos no capítulo estão gravados digitalmente.

QUADRO 1 – RESUMO DOS PRINCIPAIS ASPECTOS DAS RÁDIOS COMUNITÁRIAS

LEGALIZADAS DO SERTÃO DO PIAUÍ

20 Visto que em alguns casos a frequência informada pela autorização da ANATEL não é respeitada ou confunde-se com

emissoras da região em que funcionam as emissoras de rádio comunitária legalizadas do sertão do Piauí. Para evitar

confrontos as frequências são trocadas, geralmente respeitando as frequências do período em que a emissora não era

legalizada. 21 Disponível em: http://www.mc.gov.br/radio-comunitaria/processos-autorizados 22 Mais preciso documento cartográfico sobre distâncias do Estado, visto que foi realizado por meio de GPS, com

distâncias precisas e tido como o mapa mais respeitado para distâncias do Piauí. 23 Dados do Censo Demográfico de 2007 (IBGE, 2007), mais atual e mais confiável contagem da população brasileira.

Page 21: OS PROCESSOS COMUNICACIONAIS NAS RÁDIOS …€¦ · O trabalho reflete sobre os processos comunicacionais das 30 primeiras rádios comunitárias legalizadas ... Canas (cidade de

21

Nome da

emissora

do Sertão

do Piauí

MHz Cidade Pop. I

D

H

Kms

da

capital

Única

rádio

da

cidade

Fica

em

divisa

Formas de

participação

das

comunidades

Visão de

consideração

como rádio

comunitária

Assume

ligação

com

partidos

políticos

Ativa 92,9 Piracuruca 25.625 0,

6

0

9

196 km NÃO NÃO Telefone

Cartas

Bilhetes

Visitas

Só se

considera

comunitária

no nome

NÃO

Bom

Conselho

104,9 São João da

Fronteira

5.008 0,

5

5

4

226 km SIM SIM Telefone

Cartas

Bilhetes

Visitas

Se acha

comunitária,

mas

programação

é

convencional

SIM,

com o

DEM

Cidade 104,9 Valença do

Piauí

19.716 0,

6

4

7

210 km NÃO NÃO Telefone

Cartas

Bilhetes

Visitas

Faz

campanhas

beneficentes

Não se acha

comunitária

SIM,

com o

DEM

Eldorado 87,9 Elesbão

Veloso

14.174 0,

6

0

1

155 km NÃO NÃO Telefone

Cartas

Bilhetes

Se acha

comunitária

apesar de ter

dono

SIM,

com o

PP

Estação 104,9 Brasileira 7.699 0,

5

8

0

172 km NÃO NÃO Telefone

Cartas

Bilhetes

Visitas

E-mail

Se acha

comunitária,

mas repete

programação

convencional

SIM,

com o

PMDB

Família 104,9 Piripiri 60.249 0,

6

4

1

157 km NÃO NÃO Telefone

Cartas

Bilhetes

E-mail

Acesso ao

sitio da rádio

Se acha e

defende o

comunitário,

mas tem

ligação com

a Igreja

Católica

NÃO

assume

Mas há

ligação

com o

PT

Gety 100,1 Curimatá 10.360 0,

6

8

0

775 km NÃO SIM Telefone

Cartas

Bilhetes

Visitas

Diz que é

comunitária,

mas tem

programação

igual a uma

convencional

SIM, ao

PMDB,

pres. é

política

Guaribas 106,3 Picos 70.450 0,

7

0

3

311 km NÃO NÃO Telefone

Cartas

Bilhetes

Visitas

Diz que é

comunitária,

mas tem

programação

igual a uma

convencional

SIM, ao

PMDB,

pres. é

sec. de

com. da

cidade

Liberdade 87,9 Oeiras 35.075 0,

6

2

5

313 km NÃO NÃO Só os

evangélicos

para pedir

hinos

Rádio para

evangélicos.

Faz questão

de ser assim

NÃO

mas

houve

lobby de

dep. de

SP

Luzes 87,9 Colônia do

Gurguéia

5.700 0,

6

4

1

507 km NÃO NÃO Telefone

Cartas

Bilhetes

Visitas

Acha que é

comunitária,

mas a

população

participa

muito pouco

SIM,

PMDB

Page 22: OS PROCESSOS COMUNICACIONAIS NAS RÁDIOS …€¦ · O trabalho reflete sobre os processos comunicacionais das 30 primeiras rádios comunitárias legalizadas ... Canas (cidade de

22

Malhada

do Jatobá

90,5 São João do

Piauí

18.689 0,

6

5

0

486 km NÃO NÃO Telefone

Cartas

Bilhetes

Visitas

Campanhas

educativas

Programas de

entidades

Se acha,

notadamente

por sua

história e por

dizer que dá

espaço a

todos os

segmentos da

sociedade

NÃO,

mas

muitos

são

ligados

ao PT

Marvão 104,9 Castelo do

Piauí

18.550 0,

5

9

6

190 km NÃO NÃO Telefone

Cartas

Bilhetes

Visitas

Se diz

comunitária

mas não

tenta provar

NÃO,

apesar

de ter

Matões 104,9 Pedro II 36.675 0,

6

0

5

195 km NÃO SIM Telefone

Cartas

Bilhetes

Visitas

Programas de

instituições

Diz e tenta

enveredar

por esse

caminho,

notadamente

no

jornalismo

NÃO,

apesar

de terem

gente no

PT e

PCdoB

Nossa

Senhora da

Conceição

105,9 Bocaina 4.039 0,

6

5

7

324 km NÃO NÃO Rádio

fechada

Rádio

Fechada

Ligada

ao DEM

Nossa

Senhora da

Conceição

99,5 São Julião 5.908 0,

5

7

8

382 km NÃO NÃO Telefone

Cartas

Bilhetes

Se acha

comunitária,

mas tem

programação

toda

copiando as

comerciais

Ligada

ao DEM

Nova

Cidade

87,9 Cabeceiras 9.438 0,

5

2

5

93 km NÃO NÃO Telefone

Cartas

Bilhetes

Visitas

Se acha

comunitária,

mas tem

programação

toda

copiando as

comerciais

NÃO,

mas

pres. é

pref.

ligado

ao PTB

O Grito de

Ipiranga

90,1 Ipiranga do

Piauí

9.354 0,

6

0

1

256 km SIM NÃO Telefone

Cartas

Bilhetes

Visitas

Se diz

comunitária

mas pouco

diferencia da

convencional

SIM,

ligada

ao

PCdoB

Progresso 104,9 Lagoa do

Barro do

Piauí

4.543 0,

5

9

7

542 km SIM NÃO Telefone

Cartas

Bilhetes

Se diz

comunitária

mas pouco

diferencia da

convencional

NÃO,

mas é

ligada à

prefe.

Redenção 88,1 Redenção do

Gurguéia

8.263 0,

5

8

3

691 km SIM NÃO Cartas

Bilhetes

Visitas

Tenta ser

comunitária.

Faz lutas

ecológicas e

parcerias

com colégios

SIM, ao

PSDB

Serra 97,3 São

Francisco de

Assis do

Piauí

5.150 0,

5

2

0

499 km SIM NÃO Telefone

Cartas

Bilhetes

Visitas

Tenta ser

comunitária

com ligação

de agentes

pastorais

NÃO,

mas

ligada

ao

PSDB

Terceiro 105,9 Dom 6.532 0, 281 km SIM NÃO Telefone Se diz SIM,

Page 23: OS PROCESSOS COMUNICACIONAIS NAS RÁDIOS …€¦ · O trabalho reflete sobre os processos comunicacionais das 30 primeiras rádios comunitárias legalizadas ... Canas (cidade de

23

Milênio Expedito

Lopes

6

3

5

Cartas

Bilhetes

Visitas

comunitária e

tenta dar

espaço para

vários setores

populares da

cidade

com o

PSB

Tribuna 92,7 Pimenteiras 11.722 0,

5

7

4

252 km NÃO SIM Telefone

Cartas

Bilhetes

Visitas

Ajuda em

programa

voltado para

a

comunidade

Tenta ser

comunitária e

em seu jeito

de ser vem

conseguindo

apesar das

dificuldades

NÃO,

mas são

ligados

ao PT

Tribuna

Cantoese

107,9 Canto do

Buriti

20. 673 0,

6

1

6

405 km NÃO NÃO Fechada Dizia que

sim

NÃO,

mas

tudo é

respon-

dido por

uma só

pessoa

Umbuzeiro 105,9 Pio IX 17.123 0,

5

7

2

434 km SIM SIM Telefone

Cartas

Bilhetes

Visitas

Diz que já

foram, hoje

estão

desmotivado

s

SIM, ao

PSB

Vale do

Itain

104,9 Itainópolis 11.084 0,

5

8

5

356 kM NÃO NÃO Carta

Visita

Bilhete

Não tem SIM,

ligado

ao PT

Vale do

Sambito

87,9 São Félix do

Piauí

3.132 0,

5

2

4

157 km SIM NÃO Telefone

Cartas

Bilhetes

Visitas

Se diz

comunitária,

mas segue

passos de

convencional

SIM,

com o

PMDB

Vale

Esperança

Ainda

não

tem

Queimada

Nova

9.146 0,

5

3

2

522 km SIM SIM Não está no

ar!

Não está no

ar!

SIM,

com o

PT

Verdes

Canas

101,3 Boa Hora 6.086 0,

5

3

6

137 km NÃO NÃO Telefone

Cartas

Bilhetes

Visitas

Se diz

comunitária,

mas age

como uma

convencional

SIM, ao

DEM, e

ao

prefeito

da

cidade

Veredas 87,9 Simões 13.734 0,

5

6

5

440 km SIM SIM Telefone

Cartas

Bilhetes

Visitas

Se diz e quer

ser

comunitária

NÃO,

apesar

de

ligação

com PT

Villa dos

Humildes

87,9 Alto Longá 13.612 0,

5

8

0

76 km NÃO NÃO Telefone

Cartas

Bilhetes

Se assume

como rádio

convencional

SIM, a

político

da

cidade

que

busca o

poder

FONTE: Dados do autor cruzados com Censo 2007 (IBGE, 2008), pesquisa de campo do autor e Mapa

Rodoviário do Piauí (DER-PI, 1998).

Page 24: OS PROCESSOS COMUNICACIONAIS NAS RÁDIOS …€¦ · O trabalho reflete sobre os processos comunicacionais das 30 primeiras rádios comunitárias legalizadas ... Canas (cidade de

24

VI – Experiências emblemáticas nas rádios comunitárias legalizadas do Sertão

do Piauí

Como exemplos emblemáticos de rádios comunitárias legalizadas no sertão do

Piauí, destacamos emissoras radiofônicas que têm diferenciais positivos em relação à

comunicação comunitária nessa região do País, principalmente por seus papéis enquanto

meios de comunicação social dedicados à região sertaneja nordestina.

Essas emissoras também refletem e instigam peculiaridades visando o

desenvolvimento sertanejo local. São rádios que contribuem com as melhorias e

desenvolvimentos das áreas geográficas em que estão instaladas. Não são simples meios de

comunicação tocadores de músicas ou de participação passiva (como solicitação de

veiculação de sucessos musicais do momento ou de simples difusões de recados).

Entre elas há FMs que contrastam com as outras utilizadas como serventia de

grupos políticos ou grupos segmentados de poder econômico e social, que atualmente, por

conta da multiplicação de influência político-partidária-econômica, notadamente na região

do Sertão do Nordeste. Estas também se aproveitam das brechas da Lei das Rádios

Comunitárias, aumentando seus controles e o lobby visando a concessão e instalação de

rádios tidas como comunitárias que, ao contrário dos exemplos emblemáticos, desvirtuam

o movimento de emissoras comprometidas com o social deixando cidades, e até regiões,

inteiras sem um meio de comunicação realmente representativo.

Os exemplos emblemáticos, nos seus jeitos simples e muitas vezes amadores e

populares de ser, fazem a diferença e escrevem uma história peculiar nesse Sertão de

pobreza e exclusão social.

Chegou-se ao termo “emblemático” após analisar as diferenciações dessas

emissoras não só como meios de comunicação comunitários ou locais nas 151 cidades do

sertão do Piauí, mas também em relação aos diferenciais positivos perante rádios das

regiões em que estão inseridas, ou então, nas regiões em que, quase sozinhas, são os únicos

meios de comunicação.

Apontam-se nove emissoras classificadas como exemplos emblemáticos de

comunicação comunitária radiofônica no sertão do Piauí, ocorrido após pesquisas de

Page 25: OS PROCESSOS COMUNICACIONAIS NAS RÁDIOS …€¦ · O trabalho reflete sobre os processos comunicacionais das 30 primeiras rádios comunitárias legalizadas ... Canas (cidade de

25

campo24

junto às 30 primeiras emissoras de rádio comunitária legalizadas nessa região do

País até o dia 31 de janeiro de 2009.

Após comparações e visitas25

, são consideradas emblemáticas as emissoras

sertanejas comunitárias: FM Família; FM Liberdade; FM Malhada do Jatobá; FM Matões;

FM Terceiro Milênio; Redenção FM; Serra FM; Tribuna FM e Veredas FM.

A FM Família (da cidade de Piripiri – no Sertão Norte) é considerada como

emblemática por seus diferenciais em relação às outras rádios da cidade (inclusive as

também tidas como comunitárias), por sua história de luta (de mais de uma década para se

tornar legalizada, inclusive com prisões, arbitrariedades e multas), por suas formas de

participação da população e, principalmente, em relação às entidades e movimentos

sociais, e ainda por suas formas de participação virtual, através de seu sitio na Internet.

Outro exemplo é a FM Liberdade (da cidade de Oeiras – no Sertão Central), por sua

diferenciação como emissora sertaneja cem por cento evangélica, por sua forma de integrar

o público evangélico do mais antigo município do sertão do Piauí, por respeitar os outros

credos evangélicos da região, realizando programação sem anúncios comerciais (filosofia

da rádio por entender que anúncios deixariam a emissora refém dos anunciantes – quase

maioria na cidade também controladores da política partidária de Oeiras) e com

informações com uma filtragem de emissão diferente de quase todas as outras emissoras de

rádio do Piauí.

A FM Malhada do Jatobá (da cidade de São João do Piauí – no Sertão Sul) é outro

exemplo por sua história de luta (de mais de uma década), por suas maneiras de gestão

compartilhada do comando da emissora pelos movimentos sociais da cidade, inclusive as

minorias, e devido suas formas de tentativa de resgate cultural e manutenção dos preceitos

sertanejos piauienses, via programação e ações de cidadania no dia a dia dos microfones e

ações desse meio de comunicação.

Com igual exemplo a FM Matões (da cidade de Pedro II – no Sertão Norte),

também é destacada positivamente por suas lutas históricas para se manter funcionando

como rádio comunitária, interagindo e beneficiando a comunidade da cidade e região, em

contraponto às duas históricas emissoras de rádio que funcionam em Pedro II. Também

tem diferencial porque tem visões e ações diferentes de ser comunitária (principalmente no

24 Feitas durante dois anos após visitas a todas as emissoras de rádio comunitária legalizadas do sertão do Piauí até o

primeiro mês de 2008. 25 Visitas ocorridas entre janeiro de 2007 e janeiro de 2009. E comparações ocorridas durante quase todo o ano de 2008.

Page 26: OS PROCESSOS COMUNICACIONAIS NAS RÁDIOS …€¦ · O trabalho reflete sobre os processos comunicacionais das 30 primeiras rádios comunitárias legalizadas ... Canas (cidade de

26

sentido teórico), mas envereda por vivências coletivas de meios de comunicação, além de

instigar lutas e participações comunitárias através do que é transmitido pela rádio.

A FM Terceiro Milênio (da cidade de Dom Expedito Lopes – no Sertão Central),

por sua forma integracionista entre moradores da zona urbana e zona rural da cidade, como

única voz do município e ainda como meio de comunicação a trazer para a localidade

assuntos nacionais e estaduais, tornando o entender “local” e o compreender a vida do

município: fatos conhecidos e com possibilidades de debates, e assim, de proporcionar

melhorias sociais antes inexistentes em Dom Expedito Lopes.

A Redenção FM (da cidade de Redenção do Gurguéia – no Sertão Sul), também

como única voz em um raio de quase cem quilômetros, com suas campanhas educativas e

formas de instigar e mobilizar a participação em uma das áreas mais isoladas do Piauí e

também de debater as questões ecológicas, econômicas e políticas da região.

Já a Serra FM (da cidade de São Francisco de Assis do Piauí – no Sertão Sul), é tida

como emblemática por sua forma de beneficiamento do homem do campo (hoje extrema

maioria da população do município), com seu exemplo de agentes comunitários de rádio

comunitária (que atuam na zona rural e que utilizam a FM para socializar conhecimentos) e

participação em campanhas sociais e integração da população da cidade, que é uma das

cinco mais isoladas do Piauí.

A Tribuna FM (da cidade de Pimenteiras – no Sertão Central) tem forte destaque

por sua forma de fazer rádio comunitária através de ideias sindicais e movimentos sociais

sertanejos, por seus exemplos de tentativa de valorização da comunidade e vivências

coletivas no sertão do Piauí, principalmente porque o município é um dos cinco maiores do

Piauí em termos de extensão territorial.

E a Veredas FM (da cidade de Simões – no Sertão Central), por sua história, fruto

de um grupo de jovens pensadores que lutam durante há quase duas décadas pelo

desenvolvimento da região em que estão inseridos e que viram em um meio de

comunicação uma forma de pluralizar mais esses ideais. A rádio também tem grande

destaque por sua atuação como forma de construção coletiva e por suas idas e vindas,

entremeio a se fazer comunicação comunitária em uma das áreas mais conturbadas

(política e socialmente) do Piauí.

Essas nove emissoras, entremeio às rádios comunitárias sertanejas piauienses,

também se diferenciam em termos gerais e com características parecidas (em relação às

outras rádios comunitárias legalizadas sertanejas e até a quase totalidade de rádios dessa

Page 27: OS PROCESSOS COMUNICACIONAIS NAS RÁDIOS …€¦ · O trabalho reflete sobre os processos comunicacionais das 30 primeiras rádios comunitárias legalizadas ... Canas (cidade de

27

região do País) por conta de suas aproximações de função comunitária (ou sensação de

função comunitária), função e importância local (integradora e preocupada com o dia a dia

da localidade e melhores dias para seus moradores), função regional (de serem um meio de

interligação e desenvolvimento de várias cidades, também integrando regiões antes

desagregadas), função de instigar a participação ou desenvolvimento social e de

diferenciação positiva em relação aos processos comunicacionais nessa região do País.

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