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OS NOVOS DESAFIOS EPISTEMOLÓGICOS DA SOCIOLOGIA Jean Michel Berthelot Resumo Um século após a sua fundação, como é que a sociologia pensa o seu programa epistémico fundamental? Esta questão pode parecer desmesurada. No entanto, ela é legítima e urgente. Legítima, porque a reflexão sobre o estatuto epistemológico da sociologia acompanha a disciplina desde a sua origem; urgente, porque o relativismo e o cepticismo contemporâneos lhe exacerbam o alcance. O presente artigo procura dar conta de como, na última década, a sociologia tem vindo a enfrentar este desafio. Acompanha as vias do debate sobre a internacionalização e a indigenização, o relativismo e o racionalismo, e põe em evidência, nos trabalhos epistemológicos contemporâneos, uma nova linha que conjuga pluralismo e racionalismo. Longe de qualquer pretensão normativa, esta perspectiva faz questão de apreender a disciplina não como ela se idealiza, mas sim como se revela à luz do seu processo de construção histórica. Palavras-chave Sociologia, epistemologia, pluralismo, racionalismo. Em que ponto se encontra a sociologia? 1 Esta é uma questão recorrente, nomeada- mente na tradição anglo-saxónica, habituada a States of The Art periódicos. É uma questão que pode ser abordada de diversas maneiras. Pode-se dedicar interesse à situação empírica actual da sociologia, ou ao seu estatuto teórico. Pode-se querer retomar o empreendimento fundador dos grandes teóricos (Habermas, 1981; Frei- tag, 1986). O nosso propósito será parcialmente diferente. Interrogar-nos-emos so- bre como a sociologia pensa hoje o seu programa epistémico fundamental. Esta interrogação merece alguns esclarecimentos. Se se olhar para a história da sociologia no decurso dos últimos cem anos, torna-se claro que esta disciplina não retira a sua unidade nem de um consenso sobre o objecto, nem de um consenso sobre o método, mas do que se poderia chamar, um tanto paradoxalmente, um con- senso polémico sobre o objectivo visado: elaborar um corpus de referências científicas. Esta pretensão comum constitui o terreno de um debate sobre a cientificidade, de- bate cuja recorrência, depois da célebre polémica sobre os métodos do século XIX, constitui talvez o traço mais específico da sociologia. Este debate foi durante muito tempo delimitado de forma bastante clara por três posições que poderiam grosseiramente resumir-se da maneira seguinte. 1 A sociologia não pode fundar-se senão sobre uma determinação crítica do seu objecto, irredutível a uma simples fenomenologia do existente. Esta posição é ilustrada exemplarmente por Adorno, na controvérsia que o opôs a Popper em 1961 (Adorno e Popper, 1969). Liga o projecto epistémico da sociologia ao programa de uma filosofia crítica. SOCIOLOGIA, PROBLEMAS E PRÁTICAS, n.º 33, 2000, pp. 111-131

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OS NOVOS DESAFIOS EPISTEMOLÓGICOS DA SOCIOLOGIA

Jean Michel Berthelot

Resumo Um século após a sua fundação, como é que a sociologia pensa o seuprograma epistémico fundamental? Esta questão pode parecer desmesurada. Noentanto, ela é legítima e urgente. Legítima, porque a reflexão sobre o estatutoepistemológico da sociologia acompanha a disciplina desde a sua origem; urgente,porque o relativismo e o cepticismo contemporâneos lhe exacerbam o alcance.O presente artigo procura dar conta de como, na última década, a sociologia temvindo a enfrentar este desafio. Acompanha as vias do debate sobre ainternacionalização e a indigenização, o relativismo e o racionalismo, e põe emevidência, nos trabalhos epistemológicos contemporâneos, uma nova linha queconjuga pluralismo e racionalismo. Longe de qualquer pretensão normativa, estaperspectiva faz questão de apreender a disciplina não como ela se idealiza, massim como se revela à luz do seu processo de construção histórica.

Palavras-chave Sociologia, epistemologia, pluralismo, racionalismo.

Em que pon to se en con tra a so ci o lo gia?1 Esta é uma ques tão re cor ren te, no me a da -men te na tra di ção an glo-sa xó ni ca, ha bi tu a da a Sta tes of The Art pe rió di cos. É umaques tão que pode ser abor da da de di ver sas ma ne i ras. Pode-se de di car in te res se àsi tu a ção em pí ri ca ac tu al da so ci o lo gia, ou ao seu es ta tu to teó ri co. Pode-se que rerre to mar o em pre en di men to fun da dor dos gran des teó ri cos (Ha ber mas, 1981; Fre i -tag, 1986). O nos so pro pó si to será par ci al men te di fe ren te. Inter ro gar-nos-emos so -bre como a so ci o lo gia pen sa hoje o seu pro gra ma epis té mi co fun da men tal.

Esta in ter ro ga ção me re ce al guns es cla re ci men tos. Se se olhar para a his tó riada so ci o lo gia no de cur so dos úl ti mos cem anos, tor na-se cla ro que esta dis ci pli nanão re ti ra a sua uni da de nem de um con sen so so bre o ob jec to, nem de um con sen soso bre o mé to do, mas do que se po de ria cha mar, um tan to pa ra do xal men te, um con -sen so po lé mi co so bre o ob jec ti vo vi sa do: ela bo rar um cor pus de re fe rên ci as ci en tí fi cas.Esta pre ten são co mum cons ti tui o ter re no de um de ba te so bre a ci en ti fi ci da de, de -ba te cuja re cor rên cia, de po is da cé le bre po lé mi ca so bre os mé to dos do sé cu lo XIX,cons ti tui tal vez o tra ço mais es pe cí fi co da so ci o lo gia.

Este de ba te foi du ran te mu i to tem po de li mi ta do de for ma bas tan te cla ra portrês po si ções que po de ri am gros se i ra men te re su mir-se da ma ne i ra se guin te.

1 A so ci o lo gia não pode fun dar-se se não so bre uma de ter mi na ção crí ti ca do seu ob jec to, ir re du tí vel a uma sim ples fe no me no lo gia do exis ten te. Esta po si ção éilus tra da exem plar men te por Ador no, na con tro vér sia que o opôs a Pop perem 1961 (Ador no e Pop per, 1969). Liga o pro jec to epis té mi co da so ci o lo gia aopro gra ma de uma fi lo so fia crí ti ca.

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2 A so ci o lo gia não pode ser se não uma ciên cia como as ou tras, de ven do-se ad -mi tir que, se a na tu re za está sub me ti da à au to ri da de do prin cí pio da ca u sa li -da de, não há ne nhu ma ra zão para que a so ci e da de es ca pe à sua le gis la ção.Esta po si ção, ina u gu ra da por Durk he im (1981) com a for ça que se co nhe ce,en car nou-se de po is nas di ver sas va ri an tes do ra ci o na lis mo ex pe ri men tal e do po si ti vis mo, por exem plo no sis te ma de Bour di eu (1970), o qual, na sua ver -são es tru tu ro-fun ci o na lis ta, ilus tra um ob jec ti vo de re fun da ção uni tá ria daso ci o lo gia ci en tí fi ca, com o ris co re cor ren te de na tu ra lis mo que sem dú vi dacom por ta.

3 A so ci o lo gia, en fim, deve ace i tar ao mes mo tem po o prin cí pio do ra ci o na lis -mo ex pe ri men tal e o prin cí pio do pres su pos to trans cen den tal da sub jec ti vi -da de. Esta as so ci a ção di fí cil mas fun da men tal é enun ci a da pela pri me i ra vezpor We ber (1904-1917, 1922) e é re to ma da por Schutz (1953, 1963) no seu diá -lo go com Hem pel e Na gel (1963).

Des tas três po si ções clás si cas po dem en con trar-se com fa ci li da de múl ti plos ecosnas di ver sas cor ren tes de pen sa men to que atra ves sam a so ci o lo gia con tem po râ -nea. Esta, no en tan to, é per cor ri da em si mul tâ neo por ten dên ci as de le té ri as for tesque já não se ins cre vem no es pa ço con fli tu al de le gi ti ma ção de fi ni do do modo as si -na la do: é o pró prio pro jec to epis té mi co da so ci o lo gia, a sua as pi ra ção a cons tru irum co nhe ci men to de ca rác ter ci en tí fi co - qual quer que seja o cri té rio adop ta do para de fi nir este úl ti mo - que pa re ce ser con tes ta do. Tudo se pas sa como se, cem anos de -po is do seu nas ci men to como dis ci pli na ci en tí fi ca au tó no ma, a so ci o lo gia fos sealvo de uma con tes ta ção ra di cal do ob jec ti vo por ela vi sa do.

Li mi tan do vo lun ta ri a men te a in ves ti ga ção à úl ti ma dé ca da, ou pou co mais,va mos pro cu rar ver como se es ta be le ce este novo de ba te da so ci o lo gia con si go pró -pria, a que crí ti cas tem de res pon der o seu pro jec to fun da men tal e se gun do que no -vas mo da li da des ele é pen sa do. Um pri me i ro tema emer gi rá dos di ver sos con tex -tos de dis cus são, o tema do uni ver sa lis mo, su je i to a uma pro ble ma ti za çãore no va da.

Internacionalização e indigenização: do debate político à questãoepistemológica

Em 1945, re fu gi a do nos Esta dos Uni dos tal como mu i tos ou tros uni ver si tá ri os eu -ro pe us, Ge or ges Gur vitch pu bli cou, em co la bo ra ção com Wil bert E. Mo o re, um tra -ta do de so ci o lo gia que per mi te ava li ar o ca mi nho per cor ri do des de en tão. Era umaobra efec ti va men te in ter na ci o nal; ape sar da pre sen ça pre do mi nan te dos ma i o resno mes da so ci o lo gia ame ri ca na, con sa gra va o seu se gun do tomo às so ci o lo gi as na -ci o na is, apre sen ta das na ma i o ria dos ca sos por um dos seus mem bros. Mas estaaber tu ra cons ci en te e co nhe ce do ra às tra di ções na ci o na is apa re cia a par de uma di -vi são te má ti ca a que era con sa gra do o pri me i ro vo lu me. Des de essa épo ca, duas

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mo di fi ca ções for tes afec ta ram o qua dro en tão apre sen ta do: as seg men ta ções per ti -nen tes do do mí nio da so ci o lo gia re ti das na obra — a meio ca mi nho en tre as ge ne ra -li da des teó ri cas ou me to do ló gi cas e as di vi sões sec to ri a is — fo ram-se pro gres si va -men te con fi nan do em es pe ci a li za ções cada vez mais acen tu a das e com fre quên ciaes tan ques (Col lins, 1986); e so bre tu do, des de a dé ca da de 80, a ar ti cu la ção en tre asso ci o lo gi as na ci o na is e o cor po co mum da dis ci pli na ces sou de ser tida como ób viapara se tor nar pro ble má ti ca. É a in ter na ci o na li za ção da so ci o lo gia, cujo mo vi men to,ape sar de es bo ça do des de o iní cio do sé cu lo XX, se ace le rou for te men te e se apro -fun dou a se guir à se gun da guer ra mun di al, que é sub me ti da a ques ti o na men to.Esta in ter ro ga ção nova é ela pró pria pro du to de dois fe nó me nos dis tin tos, se bemque li ga dos en tre si. O pri me i ro é o da glo ba li za ção, ter mo que de sig na, no me a da -men te no pen sa men to an glo-ame ri ca no (Wal lers te in, Tilly), a cons ti tu i ção pro gres -si va de um es pa ço-mun do úni co re gi do por me ca nis mos con ju ga dos, fun ci o nan doatra vés de re des mul ti pla men te in ter li ga das ten den do a so bre por às di fe ren çascul tu ra is tra di ci o na is um novo sis te ma co mum de re fe rên ci as e de co mu ni ca ção(Sztomp ka, 1988). O se gun do é o da cons ti tu i ção, com as as so ci a ções in ter na ci o na is de so ci o lo gia, de sig na da men te a ISA (Inter na ti o nal So ci o lo gi cal Asso ci a ti on), de umes pa ço in ter na ci o nal de dis cus são e de de ba te, apo i a do em lar ga me di da em re vis -tas como Cur rent So ci o logy ou Inter na ti o nal So ci o logy.

A in ter na ci o na li za ção da so ci o lo gia é ob jec to de um dis cur so novo, for te men -te con tras ta do. Apa re ce aos seus de fen so res como uma opor tu ni da de para a so ci o -lo gia. Assen te no pro ces so de glo ba li za ção que afec ta o mun do mo der no, cons ti tuium ver da de i ro de sa fio, tan to ins ti tu ci o nal como ci en tí fi co. Per mi te es pe rar que opro jec to uni ver sa lis ta dos fun da do res da so ci o lo gia ve nha a en con trar en fim, nasu pe ra ção dos par ti cu la ris mos na ci o na is, o seu ver da de i ro su por te (Sztomp ka,1988; Ge nov, 1991). Con vi da os so ció lo gos do mun do in te i ro a to mar o mun docomo ho ri zon te, a cons ti tuí-lo em es pa ço de re fe rên cia tan to dos seus tra ba lhoscomo dos seus en si na men tos (Tir ya ki an, 1986). O tí tu lo do Con gres so Mun di al deMa drid da ISA (em 1990) ins cre veu-se na mes ma pers pec ti va: So ci o logy for oneWorld.

No en tan to, esta li nha de pen sa men to op ti mis ta, ou vo lun ta ris ta, é obri ga da a en fren tar uma opo si ção cuja exis tên cia im por ta me nos do que os ar gu men tos porela avan ça dos. Estes, com efe i to, ata can do uma in ter na ci o na li za ção con ce bi da comopro ces so de do mi na ção, le van tam a ques tão do es ta tu to, não so men te po lí ti co mastam bém epis te mo ló gi co, das di fe ren ças na ci o na is na pro du ção e na di fu são do dis -cur so so ci o ló gi co.

O es pec tro de po si ções é evi den te men te lar go. No en tan to, a ar ti cu la ção dadi men são po lí ti ca com a di men são epis te mo ló gi ca é de ci si va. É, an tes de mais, aum pri me i ro ní vel que fun ci o na uma opo si ção re cor ren te en tre in ter na ci o na li za ção ein di ge ni za ção: a so ci o lo gia in ter na ci o nal é de fi ni da como uma so ci o lo gia oci den talque ex por ta para os pa í ses do ter ce i ro-mun do mo de los teó ri cos ina dap ta dos, como os da mo der ni za ção ou da mu dan ça so ci al, os qua is não re sis tem à pro va da res pec -ti va apli ca ção a con tex tos so ci a is e cul tu ra is di fe ren tes (San da, 1988). A in di ge ni za -ção, como mo vi men to in ver so, de sig na tan to um pro ces so cog ni ti vo de ela bo ra çãode mo de los adap ta dos às si tu a ções con cre tas de um dado país como um pro ces so

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ins ti tu ci o nal de cons ti tu i ção de “co mu ni da des na ci o na is de ciên ci as so ci a is”, au tó -no mas e es ta be le cen do per mu tas com qua is quer ou tras em es tri to pé de igual da de(Loub ser, 1988). Inter na ci o na li za ção con ju ga-se pois com do mi na ção, et no cen tris -mo e im pe ri a lis mo. Esta tese pode apo i ar-se no es tu do por me no ri za do do sis te made pro du ção e de tro ca de co nhe ci men tos em ciên ci as so ci a is e do lu gar de ter mi -nan te que nele ocu pam os au to res oci den ta is e, mais es pe ci fi ca men te, ame ri ca nos(Ga re au, 1985, 1988).

Por de trás des te de ba te po lí ti co joga-se, no en tan to, um de ba te epis te mo ló gi -co de al can ce bem mais vas to. O pos tu la do da uni ver sa li da de dos mo de los teó ri cos em so ci o lo gia pode ser afec ta do de ma ne i ra di ver sa se gun do a po si ção adop ta da eo es ta tu to atri bu í do ao en ra i za men to na ci o nal da dis ci pli na. A po lé mi ca que opôsJef frey C. Ale xan der a Ri chard Münch acer ca da ava li a ção da tra di ção ger mâ ni cacom pa ra da com a tra di ção ame ri ca na re ve la cla ra men te que a ques tão não se re duz ao par in ter na ci o na li za ção/in di ge ni za ção e às suas co no ta ções Nor te/Sul, mas en -vol ve a ques tão da per ti nên cia epis te mo ló gi ca de se to mar em con si de ra ção o con -tex to so ci e tal de ela bo ra ção das abor da gens teó ri cas. Afir mar que a de fi ni ção dospa ra dig mas mi cros so ci o ló gi cos im pli ca “a con cep ção et no cên tri ca de uma so ci e -da de cons ti tu í da pe las múl ti plas ac ti vi da des de agen tes li vres e in de pen den tes”(Münch, 1995: 553) trans for ma a trans fe rên cia e a ge ne ra li za ção de tais pa ra dig mas num em pre en di men to ile gí ti mo de im po si ção, jus ti fi can do a crí ti ca de “re du ci o -nis mo” (Ale xan der, 1995: 544). Por trás da de nún cia po lí ti ca de he ge mo nis mo pode per fi lar-se, di rec ta ou in di rec ta men te, o ques ti o na men to da pró pria pre ten são daso ci o lo gia a ela bo rar um dis cur so uni ver sa li zá vel.

No de ba te so bre a in ter na ci o na li za ção é, de fac to, e qual quer que seja a po si -ção adop ta da, a ques tão do uni ver sa lis mo que é co lo ca da: a glo ba li za ção é, parauns, o ga ran te de uma in ter na li za ção que apro xi ma os con tex tos de vida e de ex pe -riên cia, per mi tin do a re a li za ção prá ti ca do ide al dos fun da do res da so ci o lo gia(Sztomp ka, 1988); a fa lên cia do uni ver sa lis mo é, para ou tros, um es ta do de fac tove ri fi ca do pela pre ca ri e da de das te o ri as so ci o ló gi cas (San da, 1988) e pela in ca pa ci -da de dos in ves ti ga do res das ciên ci as so ci a is em cons ti tu í rem co mu ni da des ci en tí -fi cas uni das em tor no de con sen sos como nas ciên ci as da na tu re za (Ga re au, 1988).A de ter mi na ção so ci al e cul tu ral dos co nhe ci men tos tem de se apli car à so ci o lo giatal como aos ou tros sis te mas de co nhe ci men tos, e o mito uni ver sa lis ta não pas sa fi -nal men te de um pro du to da ilu são po si ti vis ta de uma ciên cia uni ver sal (Park,1988).

Seja qual for a per ti nên cia des tes ar gu men tos, e mes mo que seja pos sí vel de -sen vol ver uma po si ção in ter mé dia dis tin guin do uni ver sa lis mo ló gi co e uni ver sa li -za ção, e re gis tan do tan to os fac to res fa vo rá ve is como os hos tis à uni ver sa li za ção do sa ber em ciên ci as so ci a is (Smel ser, 1991), é cla ro que o con tex to de dis cus são que sere por ta à in ter na ci o na li za ção da so ci o lo gia afec ta a per ti nên cia do ob jec ti vo ori gi nal des ta. Mes mo se, como de cla ra apro pri a da men te Bryan S. Tur ner (1996), no seu co -men tá rio ao de ba te Ale xan der-Münch, os con fli tos en tre os as pec tos na ci o na is euni ver sa is da so ci o lo gia fo rem re sul tan te ne ces sá ria de uma di a léc ti ca do lo cal e do glo bal, e se se in cor re numa re duc tio ad ab sur dum ao que rer de sig nar-se uma so ci o lo -gia pela sua ori gem na ci o nal (“por que não uma so ci o lo gia da Ves te fá lia ou da

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Ba vi e ra?”), fica co lo ca da em ques tão a pos si bi li da de de sub sis tir a pre ten são da so -ci o lo gia à ci en ti fi ci da de, isto é, a um sa ber cuja va li da de seja ir re du tí vel às suascon di ções de pro du ção.

Esta ques tão é nova na tra di ção so ci o ló gi ca. O de ba te an te ri or não in ci dia so -bre a le gi ti mi da de do ob jec ti vo vi sa do, mas so bre a de fi ni ção de ci en ti fi ci da de: se -ria de ligá-la ao mo de lo fi si ca lis ta das ciên ci as da na tu re za, ins cre vê-la no de sen -vol vi men to de uma re fle xão crí ti ca ou ins ta lá-la na es pe ci fi ci da de de um co nhe ci -men to do ho mem? Nin guém pen sa va, fos se qual fos se a via que pri vi le gi as se, emne gar o va lor de ver da de da via que adop ta va. Pelo con trá rio, sub me ter o co nhe ci -men to so ci o ló gi co à de ter mi na ção ex clu si va do seu con tex to de pro du ção, é de cla -rá-lo de va lor re la ti vo. O que sig ni fi ca, por con se guin te, en trar num de ba te novo, emu i to mais am plo, as so ci a do ao de sen vol vi men to da epis te mo lo gia pós-po si ti vis -ta e do mo vi men to de re fle xão pós-mo der no, opon do já não uni ver sa lis mo e par ti -cu la ris mo, mas, bem mais ra di cal men te, ra ci o na lis mo e re la ti vis mo.

A sociologia perante o relativismo

Ao in tro du zir a re trans cri ção da mesa re don da con sa gra da ao pro ble ma do uni ver -sa lis mo e do in di ge nis mo aquan do do Con gres so da ISA re a li za do no Mé xi co em1982, Akin so la Aki wo wo es cre via: “Até que pon to os es que mas con cep tu a is e aspro po si ções cons ti tu ti vas das prin ci pa is te o ri as so ci o ló gi cas po dem ser ti dos como re le van do de prin cí pi os uni ver sa is de ex pli ca ção de toda e qual quer so ci e da de?”(Aki wo wo, 1988: 155). Fa zen do des ta ques tão o cer ne do de ba te en tre in ter na ci o na -li za ção e in di ge ni za ção, o au tor re to ma va im pli ci ta men te uma pro ble má ti ca clás si -ca da so ci o lo gia do co nhe ci men to, a qual não é inú til evo car, me nos para cap taruma mu dan ça de te má ti ca do que uma mu dan ça de con tex to.

Quer se tra te da te o ria mar xi a na da pro du ção so ci al das ide i as, da te o riadurk he i mi a na da so ci o gé ne se das ca te go ri as ló gi cas (Durk he im e Ma uss, 1903;Durk he im, 1985) ou da in ter ro ga ção we be ri a na so bre as con di ções de emer gên ciado ra ci o na lis mo oci den tal (We ber, 1905), a so ci o lo gia re co nhe ceu, des de as suasori gens, o pa pel das de ter mi na ções so ci a is na ela bo ra ção do co nhe ci men to. Masisso não lhe sur giu como um obs tá cu lo ao re co nhe ci men to, em si mul tâ neo, da va li -da de des se co nhe ci men to. O ma te ri a lis mo his tó ri co é, em Marx, a con cep ção domun do mais ca paz tan to de ex pri mir os in te res ses do pro le ta ri a do como de ana li -sar de ma ne i ra ci en tí fi ca as con fi gu ra ções his tó ri cas e so ci a is. O pen sa men to ci en tí -fi co, para Durk he im, re ti ra a sua ló gi ca e a sua for ça ori gi na is da re li gião, en quan tose vai des ta pro gres si va men te dis tin guin do pela sua exi gên cia de con tro lo: “O con -ce i to que, pri mi ti va men te, é tido por ver da de i ro por que é co lec ti vo, ten de a tor -nar-se co lec ti vo ape nas na con di ção de ser tido por ver da de i ro: pe di mos-lhe osseus tí tu los an tes de lhe con ce der a nos sa cren ça” (Durk he im, 1985: 624). Enra i za -do, se gun do Schutz, no co nhe ci men to cor ren te e nas suas ti pi fi ca ções, o co nhe ci -men to ci en tí fi co não de i xa por isso de se des pren der dos li mi tes do hic et nunc,

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atra vés do sis te ma de per ti nên cia que pro mo ve (Schutz, 1953). Não se re du zin doao es te reó ti po po si ti vis ta, sen do pelo con trá rio sus cep tí vel de mo du la ção, de acor -do com a di ver si da de das fi li a ções fi lo só fi cas, o uni ver sa lis mo ra ci o na lis ta con ti -nua a ser o pa drão de re fe rên cia co mum da pro fis são de fé so ci o ló gi ca.

É este pano de fun do que, no de cur so do sé cu lo XX, se vê aba la do, dan do lu -gar, a pou co e pou co, a no vas con vic ções, re la ti vis tas e cép ti cas. Des de o fim da se -gun da guer ra mun di al que Ro bert K. Mer ton (1945) as ti nha iden ti fi ca do mu i tocla ra men te. Mer ton via na com ple xi fi ca ção das so ci e da des con tem po râ ne as, noes ti lha ça men to dos va lo res e na mul ti pli ca ção con fli tu al das re fe rên ci as daí re sul -tan te, o fun da men to de uma per da de co mu ni da de de sen ti do, de uma “de si lu sãotra u má ti ca”, de uma “des con fi an ça ac ti va e re cí pro ca” aber ta a to das as pro pos -tas de re du ção da va li da de de um enun ci a do aos in te res ses so ci a is que é su pos toele ser vir: “Não só se for mam uni ver sos de pen sa men to di fe ren tes, mas a exis tên -cia de qual quer um de les tor na-se um de sa fio à va li da de e à le gi ti mi da de dos ou -tros” (Mer ton, 1945: 379). Sem ser ex pli ci ta men te for mu la do, o con ce i to de in co -men su ra bi li da de está já pre sen te, e com ele o ques ti o na men to de toda a con cep -ção ra ci o na lis ta de ver da de: “A ‘re vo lu ção co per ni ci a na’ nes te do mí nio de in ves -ti ga ção é a hi pó te se de que não so men te o erro, a ilu são ou a cren ça sem fun da -men to, mas mes mo a ver da de, são con di ci o na das pela so ci e da de e pela his tó ria”(Mer ton, 1945: 381).

Se esta re tros pec ti va his tó ri ca se im pu nha, é por que a ques tão da in ter na ci o -na li za ção não se li mi ta a re des co brir um de ba te epis te mo ló gi co sub ja cen te, masma ni fes ta, em si mul tâ neo, as trans for ma ções em pro fun di da de que nele ocor rem.O pro ble ma do en ra i za men to so ci al do co nhe ci men to muda de pers pec ti va e deam pli tu de. Já não é só ob jec to de aná li se cir cuns cri to a um seg men to par ti cu lar daso ci o lo gia, por fun da men tal que ele seja. Tor na-se um es co lho para a pró pria dis ci -pli na, en quan to tal, e, de for ma mais am pla, um obs tá cu lo a qual quer pre ten são àci en ti fi ci da de. De i xa de cons ti tu ir um de ba te no âm bi to da so ci o lo gia, pas san do aser, de for ma bem mais alar ga da, uma con fron ta ção en tre fi lo so fi as, con cep ções domun do, sis te mas de pen sa men to e de va lo res. Como de cla ra Ray mond Bou don,per to de cin quen ta anos de po is de Mer ton: “O cep ti cis mo, o re la ti vis mo, são des temodo pro mo vi dos ao es ta tu to de fi lo so fia vul gar das so ci e da des mo der nas” (Bou -don, 1995b: 240). Como é que a so ci o lo gia re a ge a este novo de sa fio, ra di cal men tedi fe ren te dos que pre si di ram à sua emer gên cia no sé cu lo XIX, quan do se tra ta va defa zer pro va da sua ap ti dão à ci en ti fi ci da de?

O re la ti vis mo con tem po râ neo tem fon tes e for mas di ver sas (Hol lis e Lu kes,1984). Vai bus car as suas ra í zes fi lo só fi cas a di ver sas cor ren tes que, de Ni etzsche aWitt gens te in, Fou ca ult, Der ri da ou Rorty, se em pe nha ram em des cons tru ir a ilu são as ser tó ri ca, quer di zer, a ide ia de que um enun ci a do so bre a re a li da de pos sa enun -ci ar sim ples men te so bre esta aqui lo que pre ten de enun ci ar. Ampli fi ca-se com a res -so nân cia e a dra ma tur gia his tó ri cas car re a das por uma nova gran de par ti lha en tremo der ni da de e pós-mo der ni da de, su ge rin do que ao “es go ta men to” do pro jec to da mo der ni da de cor res pon de ria o es ti lha ça men to das for mas tra di ci o na is de dis cur -so e que aos va lo res ló gi cos vi ri am subs ti tu ir-se os va lo res es té ti cos, éti cos e po lí ti -cos (Se id man e Wag ner, 1992; Ro se nau, 1992). Ali men ta-se dos de ba tes e das

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to ma das de po si ção que, fa zen do ape lo tan to à crí ti ca ao et no cen tris mo como àsrei vindicações de gru pos mi no ri tá ri os, re cu sam o pos tu la do we be ri a no da ne u tra -li da de axi o ló gi ca. Pro te i for me, o re la ti vis mo con tem po râ neo pre ci sa de ser de fi ni -do com mais pre ci são, sob pena de se mis tu rar o que de cor re da in ves ti ga ção e dacrí ti ca le gí ti mas dos sis te mas de pen sa men to e o que cons ti tui uma po si ção pre con -ce bi da con tes tá vel. Pro po re mos aqui, no pla no epis te mo ló gi co que nos ocu pa, ocri té rio se guin te: são re la ti vis tas to das as po si ções que re du zem o sig ni fi ca do de um enun -ci a do à ex pres são do seu con tex to sin gu lar de enun ci a ção. É com esse re la ti vis mo epis te -mo ló gi co que fun da men tal men te se vê con fron ta da a so ci o lo gia con tem po râ nea.Que po si ção é por esta adop ta da?

Te ria sido mu i to sur pre en den te se a so ci o lo gia, ten do em con ta a sua di ver si -da de in ter na, ti ves se fi ca do à mar gem do de ba te. No en tan to, na me di da em queseja pos sí vel apre sen tar uma vi são pa no râ mi ca, o seu en vol vi men to pa re ce ter as -su mi do no es sen ci al qua tro for mas:

— a de uma pro mo ção do re la ti vis mo epis te mo ló gi co, a par tir do pro gra ma for -te da so ci o lo gia da ciên cia, de sen vol ven do de al gum modo até ao li mi te as ten -dên ci as já di ag nos ti ca das por Mer ton no pós-guer ra;

— a de uma eman ci pa ção re la ti va men te aos cri té ri os “po si ti vis tas” de ci en ti fi ci -da de, en con tran do le gi ti mi da de his tó ri ca na tra di ção her me nêu ti ca, ven dono pen sa men to pós-mo der no a oca sião de tra çar no vas vias de co nhe ci men toe de es cri ta, mais es té ti cos e fi gu ra ti vos;

— a de uma crí ti ca fron tal ao re la ti vis mo e aos seus pres su pos tos;— a de uma ten ta ti va, en fim, de to mar em con ta esta nova si tu a ção ci vi li za ci o -

nal, so ci al e epis té mi ca, num apro fun da men to do pro jec to de ci en ti fi ci da deda so ci o lo gia.

Estas qua tro for mas cons ti tu em ide a is-ti pos we be ri a nos. Na prá ti ca, as di fe ren ças po -dem ser mais flu i das. Mas é re la ti va men te fá cil si tu ar nes ta ca te go ri za ção um con jun to de po si ções con tem po râ ne as. Assim, Jean Bra u dil lard é a fi gu ra em ble má ti ca de umaso ci o lo gia que se des faz da ar ma du ra ha bi tu al da de mons tra ção e da pro va para usarre cur sos li te rá ri os de ex pres são e de cons tru ção de sen ti do. Este es ti lo, no ver da de i rosen ti do, pra ti ca do em gran de me di da nas mar gens das dis ci pli nas, pode pro cu rar asua jus ti fi ca ção epis te mo ló gi ca numa crí ti ca da ra zão abs trac ta, num re gres so a umafe no me no lo gia do mun do vi vi do, numa sen si bi li da de de se jo sa de res ti tu ir a ple ni tu de da ex pe riên cia (Maf fe so li, 1985, 1996). Ca rac te ri za-se mais pe las li ber da des que tomare la ti va men te às nor mas de um co nhe ci men to stan dard e pela sua aver são ao mo de lopo si ti vis ta de ci en ti fi ci da de do que por uma re je i ção re la ti vis ta do pro jec to de co nhe ci -men to so ci o ló gi co. Pelo con trá rio, e é a quar ta for ma aci ma lo ca li za da, cer tos fe nó me -nos e cer tos pro ble mas re fe ren ci a dos pe las cor ren tes pós-mo der nis tas po dem ser re to -ma dos sem mo bi li zar a re tó ri ca des tas úl ti mas, con si de ra da mais como um re fle xo dacon di ção pós-mo der na (a mi me tic re pre sen ta ti on, Ba u man, 1988: 806) do que como a sua te o ri za ção so ci o ló gi ca. Esta far-se-á en tão por ou tras vias, re-in ter ro gan do a mo der ni -da de e o seu pro jec to, sem cor tar por isso as amar ras que a li gam à tra di ção so ci o ló gi ca(Ba lan di er, 1988, 1994; Tou ra i ne, 1992).

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Em con tra par ti da, o re la ti vis mo epis te mo ló gi co, no sen ti do pre ci so que lhefoi dado aci ma, en con trou na “nova so ci o lo gia da ciên cia” um re cur so tan to maisfor te quan to esta en fren ta va o pró prio co ra ção da ci da de la ra ci o na lis ta e não he si -ta va em vol tar con tra ela as suas pró pri as ar mas: os qua tro prin cí pi os do pro gra mafor te de Da vid Blo or (1976), que re con du zem qual quer ela bo ra ção con cep tu al aoefe i to de uma ca u sa me câ ni ca e qual quer su pe ri o ri da de de uma con cep ção so breou tra ao efe i to de uma va riá vel de ter mi nan te, não se li mi tam a es ta be le cer umprin cí pio me to do ló gi co de si me tria en tre te o ri as ver da de i ras e fal sas; su pri mem si -mul ta ne a men te qual quer di fe ren ça per ti nen te en tre os dois ter mos do pon to devis ta do co nhe ci men to. A dis si me tria en tre o ver da de i ro e o fal so já não de cor re, emúl ti ma aná li se, do va lor ci en tí fi co das te o ri as mas da for ça do ve re dic to so ci al quere pu dia im pla ca vel men te as te o ri as re pu ta das fal sas, à ima gem do in fe liz Pou chet,ví ti ma da sua con tro vér sia com Pas te ur (Far ley e Ge i son, 1974; La tour, 1989). Maisain da, tan to o es tu do his tó ri co mi nu ci o so das con tro vér si as ou dos pro du tos ci en tí -fi cos como a des cri ção me ti cu lo sa do tra ba lho diá rio dos in ves ti ga do res não ces -sam de alar gar o fos so en tre a ciên cia tal como ela se faz e tal como ela se diz, en tre are a li da de da sua ins cri ção con cre ta e a ide a li za ção da sua re pre sen ta ção nor ma ti va. A con cep ção se gun do a qual a va li da de de um enun ci a do pode ser re du zi da à es pe -ci fi ci da de das suas con di ções de enun ci a ção pa re ce, as sim, gra ças ao pro gra ma for -te e aos seus de ri va dos, pas sar do es ta tu to de es pe cu la ção fi lo só fi ca ao de ob ser va -ção em pí ri ca. Isto, aliás, na sua ver são já não es tri ta men te me ca ni cis ta, mas cons -tru ti vis ta (La tour, 1984), re en con tra as se du ções do es ti lo pós-mo der nis ta.

A crí ti ca ao re la ti vis mo epis te mo ló gi co é con du zi da, na so ci o lo gia con tem po -râ nea, de di ver sos pon tos de vis ta. Pode ser ne ces sá rio re lem brar, pe ran te a di ver -si da de dos ata ques anti-ciên cia de que ela é ob jec to, que um gran de nú me ro des tesata ques re sul tam mais de uma ca ri ca tu ra do que de uma apre ci a ção jus ta da ac ti vi -da de ci en tí fi ca (Col lins, 1989). Uma ou tra via con sis te em ater-se ao pró prio fun da -men to do ar gu men to re la ti vis ta, quer di zer à re du ção da va li da de de uma pro po si -ção ao seu con tex to de enun ci a ção. Isto im pli ca duas de ne ga ções que o re la ti vis mode ve ria ser ca paz de pro var: a do ca rác ter uni ver sal dos prin cí pi os ló gi cos, e es pe ci -fi ca men te do prin cí pio da não-con tra di ção, “pe dra de to que da in te li gi bi li da de en -quan to tal”; e a da pos si bi li da de de trans la ção bem su ce di da do sig ni fi ca do de con -ce i tos ou de sis te mas de con ce i tos (Archer, 1987, 1991). Apo i an do-se em exem plosti ra dos da an tro po lo gia, Ste ven Lu kes (1984) ou Mar ga ret Archer che gam à con clu -são que, in ver sa men te, a uni ver sa li da de dos prin cí pi os ló gi cos e a pos si bi li da de de trans la ção dos sig ni fi ca dos de um con tex to para ou tro são con di ções de exer cí ciodo pen sa men to. Pode-se igual men te su bli nhar o di le ma ló gi co em que se en vol ve o re la ti vis mo, cuja po si ção ou é ela pró pria uni ver sal, o que o nega, ou é re la ti va, oque o nega na mes ma (Bert he lot, 1996)!

Numa pers pec ti va ins cri ta so bre tu do na so ci o lo gia do co nhe ci men to, Ray -mond Bou don re lem bra que, sen do a ciên cia ao mes mo tem po con tex tu a li za da e pro -du to ra de pro po si ções uni ver sa is, a ver da de i ra ques tão é a de sa ber “por que é queos par ti dá ri os de cada cam po se de i xam per su a dir por so lu ções ab so lu ti zan tes (…)e por que é que a so lu ção so ci o lo gis ta é hoje em dia do mi nan te” (Bou don, 1994: 32).Numa es pé cie de in ver são, si mé tri ca à ope ra da pela nova so ci o lo gia da ciên cia a

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pro pó si to das prá ti cas ci en tí fi cas, o au tor co lo ca sob in ter ro ga ção as ra zões da ade -são aos pres su pos tos re la ti vis tas. O me ca nis mo da ade são re en via para um mo de loló gi co evi den ci a do por Sim mel, mo de lo que con sis te em re ti rar de pre mis sas vá li -das ou ace i tá ve is uma con clu são fal sa, de vi do à in ter ven ção im plí ci ta de enun ci a -dos não es pe ci fi ca dos. É o que se pas sa com o “tri le ma de Mun cha u sen”, adu zi dopor Hans Albert, no qual se pre ten de que ne nhu ma pro po si ção de du ti va pode serfun da men ta da em de fi ni ti vo, o que pode con du zir tan to a uma con clu são ra ci o na -lis ta de tipo pop pe ri a no como a uma con clu são re la ti vis ta. A di fe ren ça es ta rá emcri té ri os im plí ci tos, os qua is, para uma po si ção re la ti vis ta, se rão afi nal os de queuma te o ria só pode ser dita ob jec ti va se pu der ser de fi ni ti va men te fun da da, sen doque, em caso con trá rio, qual quer ade são a ela re le va ne ces sa ri a men te da cren ça(Bou don, 1995a: 509-511). A es co lha des ta con clu são re la ti vis ta em vez da con clu -são ra ci o na lis ta terá a ver, em úl ti ma aná li se, com o con tex to glo bal, cép ti co e ni i lis -ta, que a tor na mais cre dí vel (Bou don, 1995b).

Assim, os de ba tes so bre a in ter na ci o na li za ção e a in di ge ni za ção, so bre o racio -nalismo e o re la ti vis mo, as so ci am as pec tos epis te mo ló gi cos e as pec tos con tex tu a is: atese da in di ge ni za ção en con tra pon tos de apo io for tes na crí ti ca ao uni ver sa lis mo eao ra ci o na lis mo que lhe está na base; a ade são a uma po si ção re la ti vis ta, ao in vés, vaibus car pa ra do xal men te ar gu men to e cre di bi li da de ao su ces so das pró pri as ciên ci asso ci a is, à con tri bu i ção des tas para o re co nhe ci men to da di ver si da de cul tu ral e à le gi -ti mi da de que elas con fe rem às re i vin di ca ções de gru pos mi no ri tá ri os ou do mi na dos. Po de mos pois per gun tar-nos se, en du re cen do po si ções, re du zin do-as a dis jun çõeses tri tas, a so ci o lo gia não es ta rá a sub me ter-se à so bre de ter mi na ção do seu es pa çoepis té mi co por con fli tos que lhe são ex te ri o res. Mais pre ci sa men te, não ace i ta ela as -sim uma le i tu ra bi po lar de uma re a li da de mu i to mais com ple xa e ma ti za da, em que a ques tão cen tral não é de i tar às ur ti gas a fi na li da de ini ci al de fi ni da há um sé cu lo masre pen sá-la à luz das evo lu ções ul te ri o res? É esta, com efe i to, a via que se gue, nos de -ba tes pre ce den tes, um con jun to de au to res, re je i tan do as opo si ções bi u ní vo cas a fa -vor de um pa ra dig ma plu ra lis ta (Oom men, 1988).

Pluralismo e racionalismo

O ter mo plu ra lis mo é por ve zes as so ci a do ao de re la ti vis mo. Pode efec ti va men teser as sim quan do o plu ra lis mo ex pri me uma re i vin di ca ção de fen den do a re la ti vi -da de dos pon tos de vis ta para jus ti fi car a plu ra li da de des tes. Em con tra par ti da, oter mo pode de sig nar igual men te o re co nhe ci men to - a um ní vel de ela bo ra ção in -ter mé dio, o das te o ri as e dos pro gra mas - de uma plu ra li da de de cons tru ções, di fe -ren tes na sua ori en ta ção es pe cí fi ca, mas re cla man do-se de uma re fe rên cia co mumaos prin cí pi os ra ci o na is que re gem a ac ti vi da de de co nhe ci men to. Este plu ra lis moé uma das ca rac te rís ti cas fun da men ta is das ciên ci as so ci a is. É igual men te um re -sul ta do da sua his tó ria. E, hoje, as ciên ci as so ci a is de vem as su mir a ta re fa de lheana li sar as for mas e de lhe pen sar os fun da men tos.

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Esta ques tão é para a so ci o lo gia, mais uma vez, re la ti va men te nova. É umaques tão que trans bor da as gran des opo si ções clás si cas en tre po si ti vis mo ou so ci o -lo gia com pre en si va, in di vi du a lis mo ou ho lis mo, as qua is po dem apa re cer como re -des de ma lha de ma si a do lar ga que de i xam pas sar a es pe ci fi ci da de de abor da genssig ni fi ca ti va men te dis tin tas. Os de sen vol vi men tos, ao lon go do sé cu lo XX, de es co -las e cor ren tes que se cris ta li zam para me lhor se dis tin gui rem en tre si mos tramuma mul ti pli ca ção e um pu lu lar que al guns não he si tam em ana li sar em ter mos de“se i tas” (Ga re au, 1985) e que re co lo cam de um novo modo a ques tão da fi na li da defun da men tal da so ci o lo gia. Se a hora já não é de com ba tes fun da do res, se a so ci o lo -gia é uma dis ci pli na aca dé mi ca ins ta la da ten do lu gar as sen te no mun do in te i ro,po der-se-á atri bu ir al gum cré di to a uma ciên cia as sim tão di vi di da e es ti lha ça da?Sabe-se o que a re fe rên cia a Kuhn e a uti li za ção imo de ra da do ter mo pa ra dig ma fi -ze ram para “cla ri fi car” esta si tu a ção: se o que ca rac te ri za a ciên cia nor mal é a uni -da de pa ra dig má ti ca, se dois pa ra dig mas são in co men su rá ve is, en tão a so ci o lo gia,mul ti pli can do à von ta de os pa ra dig mas, se ria, de al gum modo, uma sub-ciên cia ao qua dra do! Vi são ape nas li ge i ra men te ca ri ca tu ral, a crer em Gi or da no Bu si no quefala, de ma ne i ra mais co me di da, de “uma ciên cia do en te” (Bu si no, 1993), es tig ma -ti zan do uma “co mu ni da de so ci o ló gi ca frag men ta da” (Bu si no, 1993: 10). Vi são estaque po de ria ir bus car ar gu men tos à in ca pa ci da de da so ci o lo gia em dar de si pró -pria uma face mais uni fi ca da, in clu in do nos seus me lho res tra ta dos, obri ga dosquer a as su mir essa plu ra li da de (Bot to mo re e Nis bet, 1978), quer a re du zi-la a fa vor de uma ori en ta ção par ti cu lar (Bou don, 1992), quer, ain da, a pos tu lar-lhe a re u ni fi -ca ção no seio de uma “ma triz dis ci pli nar úni ca” (Wal la ce, 1988).

A no vi da de des te de sa fio é que ele já não con fron ta o pro jec to de ci en ti fi ci da deda so ci o lo gia com uma pe ti ção de prin cí pio, mes mo se ali cer ça da na mais ri go ro sa re -fle xão epis te mo ló gi ca, como nos ca sos de Durk he im e de We ber, mas com uma ava li a -ção do exis ten te. A so ci o lo gia está a cum prir o seu con tra to? As suas tur bu lên ci as e assuas dis pu tas de su per fí cie, não pas sa rão elas de epi fe nó me nos mas ca ran do avan çosre a is (Col lins, 1989), ou cons ti tu i rão di vi sões inul tra pas sá ve is, com pro me ten do ir re -me di a vel men te o seu pro jec to fun da men tal? A di fi cul da de na res pos ta a es tas ques -tões está em que, na au sên cia de ob ser va do res ne u tros, ela en vol ve os au to res en quan -to jul ga do res e en quan to par tes, po den do ten tá-los a li mi tar a re fle xão epis te mo ló gi caà jus ti fi ca ção da abor da gem que pro põem. Em vez dis so, ope rar esse di ag nós ti co re -quer uma mu dan ça de sis te ma de per ti nên cia (Schutz, 1953) ou de ní vel ar gu men ta ti -vo (Ha ber mas, 1972): im pli ca a pas sa gem de um me ta dis cur so jus ti fi ca ti vo a um me ta -dis cur so ana lí ti co. Este úl ti mo dis tin gue-se mu i to cla ra men te de um me ta dis cur so defun da ção, do qual di ver sas ma ni fes ta ções são fa cil men te iden ti fi cá ve is na so ci o lo giacon tem po râ nea em au to res como Gid dens, Bour di eu, Fre i tag, Ha ber mas, etc. O seuob jec to não é pro du zir o fun da men to teó ri co de ex pli ca ções uni tá ri as, re sol ven do ascon tra di ções que atra ves sam o pen sa men to so ci o ló gi co, mas sub me ter este úl ti mo àaná li se epis te mo ló gi ca das suas for mas cons ti tu ti vas.2 A so ci o lo gia fran ce sa re cen tema ni fes ta um in te res se sus ten ta do por esta or dem de ques tões. As res pos tas que nelaen con tra mos en vol vem uma vi são e uma ava li a ção con tras ta das mas re no va das da ca -pa ci da de da so ci o lo gia para es ta be le cer ar ti cu la ções en tre a plu ra li da de de abor da -gens e o ob jec ti vo da ci en ti fi ci da de.

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Num tex to es cri to por oca sião do apa re ci men to da obra de Hen ri Men dras,Com ment De ve nir So ci o lo gue, Ray mond Bou don (1996) ex pri me o seu de sa cor do re -la ti va men te ao ni i lis mo de cá te dra que per cor re o li vro. Vê nele mais uma ex pres -são do cep ti cis mo con tem po râ neo já de nun ci a do an te ri or men te (Bou don, 1994,1995a e 1995b). Opõe-lhe, pelo con trá rio, a tese de que “exis te no mag ma das ciên -cias so ci a is uma cor ren te ci en tí fi ca ori en ta da para a pro du ção de um au tên ti co sa -ber” (Bou don, 1996: 58). Essa cor ren te é com pos ta por te o ri as de di ver sos ní ve is (A,B, C), cons ti tu in do uma ar qui tec tu ra con for me às exi gên ci as de ci en ti fi ci da de emvi gor em to das as dis ci pli nas. No es ca lão in fe ri or (A), uma te o ria é um con jun topro po si ci o nal dan do con ta de um enig ma: é uma te o ria que deve pre en cher o du -plo cri té rio da con gruên cia das suas pro po si ções em pí ri cas com to dos os fac tos dis -po ní ve is e de ace i ta bi li da de das suas pro po si ções não em pí ri cas. Sa tis fa zem tal exi -gên cia tan to as te o ri as clás si cas da fí si ca como um gran de nú me ro de te o ri as so ci o -ló gi cas que se pro põem re sol ver enig mas só cio-his tó ri cos ou so ci o ló gi cos: por queé que, con tra ri a men te à tese do de sen can to do mun do, é nos Esta dos Uni dos daAmé ri ca, o país mais mo der no, que se man tém o mais alto ní vel de re li gi o si da de?Por que é que os pin to res ho lan de ses do sé cu lo XVII pin ta vam na tu re zas mor tas em pro fu são? etc. (Bou don, 1996: 61). A um se gun do ní vel (B), exis tem te o ri as que ex -pli cam fe nó me nos he te ró cli tos. Um mes mo mo de lo pode ser apli ca do a uma sé riede fe nó me nos in de pen den tes uns dos ou tros: é o caso do mo de lo pro pos to porOlson para dar con ta de com por ta men tos pa ra do xa is ou o dos efe i tos per ver sospara dar con ta das con se quên ci as não de se ja das. A um ter ce i ro ní vel (C), por fim,mais per to do que se po de ria cha mar um pa ra dig ma, si tu am-se te o ri as de um ní velmais ele va do de abs trac ção, sus cep tí ve is de apli ca ção a múl ti plos ca sos, como a teoria da ac ção ra ci o nal ou o fun ci o na lis mo. No pró prio in te ri or des te do mí nio épos sí vel cons tru ir te o ri as ain da mais en glo ban tes, como a te o ria cog ni ti vis ta dasra zões jus ti fi ca ti vas.

A ava li a ção pro pos ta por Ray mond Bou don con ver ge, pois, no fun do, com aque se pode en con trar nos di ver sos au to res que pros se guem o ob jec ti vo de ci en ti fi -ci da de da so ci o lo gia. Tem, além do mais, o du plo in te res se de to mar a for ma de umba lan ço do exis ten te e de pen sar a plu ra li da de sob os aus pí ci os de uma hi e rar quiade ní ve is de apli ca ção.

Se bem que de ins pi ra ção di fe ren te, o tra ba lho de J.-C. Pas se ron (1991, 1994)per mi te com pa ra ções in te res san tes com esta con cep ção. A di fe ren ça re sul ta deuma le i tu ra es tri ta do pop pe ri a nis mo que, ex clu in do a so ci o lo gia do qua dro da fal -si fi ca bi li da de pop pe ri a na, tor na nela mu i to pro ble má ti ca qual quer ten ta ti va de cu -mu la ti vi da de. O nú cleo da ar gu men ta ção re si de na di fe ren ça es ta be le ci da porPop per en tre dois ti pos de uni ver sa li da de: a uni ver sa li da de ló gi ca, em que umapro po si ção p é tida por ver da de i ra qua is quer que se jam as va ri a ções de con di çõeses pa ci a is e tem po ra is; e a uni ver sa li da de nu mé ri ca, em que uma mes ma pro po si -ção p só é vá li da num cer to con tex to es pa ci o tem po ral de ter mi na do. Re sul ta des tadis tin ção que só os enun ci a dos da pri me i ra ca te go ria “cor res pon dem às exi gên ci asló gi cas da me câ ni ca fal si fi ca do ra” (Pas se ron, 1991: 378) e que por de fi ni ção osenun ci a dos so ci o ló gi cos per ten cem à se gun da ca te go ria. Ti ran do sis te ma ti ca men -te as con se quên ci as des ta si tu a ção, J.-C. Pas se ron re no va a pro ble má ti ca da

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ins cri ção da so ci o lo gia nas ciên ci as his tó ri cas. Não con clui, re cu san do o “di le maes té ril” do tudo ou nada (Pas se ron, 1994: 78), pela ex clu são da so ci o lo gia de qual -quer es pa ço de ci en ti fi ci da de, mas sim pela cons ti tu i ção de um es pa ço de ra ci o na li -da de es pe cí fi co, ex te ri or aos cri té ri os pop pe ri a nos, es ta be le cen do os gra us de se ve -ri da de dos seus mo dos de pro to co li za ção, mas sem ja ma is po der pre ten der à cul -mi nân cia ló gi ca do mo dus tol lens.3 Este es pa ço de ra ci o na li da de pode ser ele pró -prio des cri to a dois ní ve is: o da di ver si da de das te o ri as em pí ri cas (T2); e o da uni ci -da de dos prin cí pi os que as cons ti tu em, pre ci sa men te, como te o ri as so ci o ló gi cas.Este se gun do ní vel “tran sem pí ri co”, (T1), cons ti tui um ín dex, no sen ti do em que sepode fa lar em fí si ca de ín dex ga li la i co. Não é te o ria so ci o ló gi ca, mas sim te o ria do co -nhe ci men to so ci o ló gi co. De fi ne o “cam po de for mu la ção teó ri ca” das T2 e foi à res pec -ti va ex pli ci ta ção que os fun da do res da so ci o lo gia con sa gra ram o seu es for ço epis -te mo ló gi co. O pro ble ma, a par tir daí, é de fi nir para a so ci o lo gia um re fe ren ci al T1su fi ci en te men te aber to para ace i tar a di ver si da de de te o ri as T2 que a his tó ria da so -ci o lo gia mul ti pli cou, e su fi ci en te men te es tri to para não ace i tar uma cons tru çãoqual quer, não im por ta qual, como te o ria so ci o ló gi ca. Os qua tro prin cí pi os de fi ni -dos por J. -C. Pas se ron são dis cu tí ve is, no me a da men te a res pe i to da ar ti cu la ção en -tre o pos tu la do da in ter pre ta ção sub jec ti va de We ber-Schutz e o prin cí pio durk he i -mi a no da não trans pa rên cia.4 O es sen ci al, no en tan to, pa re ce-nos si tu ar-se nou tropla no. Re si de na afir ma ção de que o qua dro de ci en ti fi ci da de da so ci o lo gia nãopode ser de fi ni do a pri o ri mas tão-só como re sul tan te de uma du pla aná li se, umaaná li se ló gi ca das mo da li da des de co nhe ci men to so ci o ló gi co e uma aná li se his tó ri -ca do que no seu seio é re co nhe ci do va ler como ciên cia.

Di fe rin do so bre o di ag nós ti co do re gi me de ci en ti fi ci da de da so ci o lo gia (pop -pe ri a no ou não pop pe ri a no), Ray mond Bou don e Jean-Cla u de Pas se ron es tão pró -xi mos, em con tra par ti da, na con cep ção de uma hi e rar quia de ní ve is, a qual per mi te sub su mir a pro li fe ra ção de te o ri as sob a uni da de de al guns gran des pa ra dig mas (as te o ri as C, em Bou don), eles pró pri os sus cep tí ve is de ins cri ção numa me ta te o riaglo bal (a T1 de J. -C. Pas se ron).

Um pro ble ma, no en tan to, é ig no ra do pe las duas aná li ses. Diz ele res pe i to àpró pria plu ra li da de das abor da gens e dos qua dros de aná li se usa dos pe las di ver -sas te o ri as. Esta plu ra li da de ex pri me-se nas de sig na ções que a his tó ria das ciên ci asan tro pos so ci a is mul ti pli ca numa es pé cie de de sor dem per ma nen te: fun ci o na lis -mo, es tru tu ra lis mo, in te rac ci o nis mo, cons tru ti vis mo, etc. Po den do ser con si de ra -dos como te o ri as C na aná li se de Ray mond Bou don, não sen do es pe ci fi ca men te to -ma dos em con ta na aná li se de Jean-Cla u de Pas se ron, pode ava li ar-se a im por tân cia des tes qua dros de aná li se quan do se re pa ra que eles, não só são re la ti va men te in de -pen den tes das te o ri as en ten di das como sis te mas de con ce i tos e con jun tos de pro -po si ções, mas são sus cep tí ve is de in du zir ne las in fle xões e le i tu ras di fe ren tes: porexem plo, o mar xis mo e a psi ca ná li se, duas “ar ma du ras con cep tu a is” (Va la de, 1996: 435) do mi nan tes no sé cu lo XX, pu de ram ser in ter pre ta dos de um pon to de vis ta su -ces si va men te me ca ni cis ta, fun ci o na lis ta, her me nêu ti co, es tru tu ra lis ta e até ac ci o -na lis ta, sem que os seus ter mos fos sem mo di fi ca dos. Ora, de sig nan do cada um de -les pro gra mas ou con jun tos de pro gra mas de aná li se, es ses ter mos ten dem a de fi nir abor da gens in co men su rá ve is en tre si, pela pró pria ló gi ca de uma ex po si ção cujo

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ob jec ti vo pri me i ro é fun dar a sua per ti nên cia na dis tin ção face a ou tras. Em sen ti doin ver so, le vá mos a cabo a ten ta ti va de uma des cons tru ção ló gi ca das di ver sas abor -da gens sig ni fi ca ti vas em so ci o lo gia (Bert he lot, 1990). To man do como fio con du toro mo de lo de in te li gi bi li da de pro mo vi do por cada abor da gem, che gá mos à cons tru -ção de uma ta be la ló gi ca de seis es que mas, do ta dos das se guin tes pro pri e da des: es -pe ci fi ci da de ló gi ca de cada es que ma, iden ti fi cá vel com uma for ma ló gi ca de ter mi -na da; pas sa gem pos sí vel de um es que ma a ou tro, atra vés de um jogo de tra du çõese de ne u tra li za ções in va li dan do a tese da in co men su ra bi li da de; es pe ci fi ca ção decada es que ma em pro gra mas par ti cu la res, ten do o mes mo nú cleo de in te li gi bi li da -de fun da men tal mas se pa ran do-se quan to a axi o mas au xi li a res; ins cri ção, en fim,des tas di fe ren tes abor da gens num es pa ço co mum mas bi di men si o nal da pro va,pri vi le gi an do num pólo a per ti nên cia se mân ti ca e no ou tro a ve ri fi ca ção em pí ri ca.

Este tipo de aná li se é com ple ta men te con gru en te com os dois an tes apre sen -ta dos, de Ray mond Bou don e Jean-Cla u de Pas se ron: os dois cri té ri os we be ri a nosda ade qua ção ca u sal e da ade qua ção sig ni fi ca ti va (We ber, 1904-1917, 1922) de fi -nem uma te o ria ci en tí fi ca para Ray mond Bou don, po dem ser ins cri tos, de for maalgo mais ma ti za da no que toca ao se gun do, nas T1 de Jean-Cla u de Pas se ron, de li -mi tam en fim o es pa ço da pro va no nos so caso. A ar ti cu la ção, nas te o ri as T2 deJean-Cla u de Pas se ron, dos di ver sos ní ve is dis tin gui dos por Ray mond Bou don épa ra le la ao jogo dos es que mas e da sua es pe ci fi ca ção em pro gra mas na aná li se quepro pu se mos. Esta con gruên cia, para lá das di fe ren ças que se pa ram os au to res, per -mi te res pon der à ques tão ini ci al: o plu ra lis mo de fac to que a so ci o lo gia re ve la nãofra gi li za as suas pre ten sões ini ci a is à ci en ti fi ci da de. Em con tra par ti da, co lo ca trêspro ble mas: o da de pu ra ção das di ver sas abor da gens da sua gan ga ter mi no ló gi ca eda sua re tó ri ca de ex po si ção que, com de ma si a da fre quên cia, ten dem a trans for -mar os seus dis cur sos em má qui nas de guer ra; o da de ter mi na ção de cri té ri os queper mi tam, para di ver sas te o ri as re le van do de abor da gens di fe ren tes, ope rar umcon fron to re gu la do con du cen te a uma es pé cie de ba lan ço cog ni ti vo, des ta can do oscon tri bu tos e as fa lhas de cada uma e in cen ti van do a ul tra pas sar es tas úl ti mas; en -fim, o da de ter mi na ção do modo de ci en ti fi ci da de pró prio da so ci o lo gia. So bre estepon to, a re fe rên cia pop pe ri a na es ta be le ce uma li nha de cli va gem de ter mi nan te en -tre duas apre en sões do ra ci o na lis mo.

Estas três ques tões po dem re su mir-se numa só, tão mais ac tu al quan to se estáem tem po de ba lan ços: de que cu mu la ti vi da de é ca paz a so ci o lo gia? A res pos ta aesta ques tão exi ge, pa re ce-nos, um ar gu men to não só ló gi co mas his tó ri co.

A dialéctica da pluralização e da redução

As ten ta ti vas para re con du zir a di ver si da de das cons tru ções so ci o ló gi cas a uma or -ga ni za ção ló gi ca sub ja cen te, tra te-se de te o ri as, de “pa ra dig mas”, de es que mas deaná li se ou de pro gra mas, cho cam fre quen te men te com o cep ti cis mo mais ou me nos vin ca do da co mu ni da de so ci o ló gi ca. Esta pa re ce es tar sem pre em bus ca de no vos

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pon tos de vis ta per ti nen tes e sem pre pron ta a im pu tar ao tra ba lho de ra ci o na li za -ção in ten ções e efe i tos nor ma li za do res. O ró tu lo de anar quis mo me to do ló gi co dadopor Fe ye ra bend às suas po si ções in di ca como a as si mi la ção de uma re du ção ana lí ti -ca a uma im po si ção ar bi trá ria pode fa cil men te ser fe i ta. O de ba te en tre in ter na ci o -na li za ção e in di ge ni za ção, qual quer ou tro fun da men to que te nha, é igual men teuma ma ni fes ta ção des te me ca nis mo. Ora a re du ção ana lí ti ca ins cre ve-se numa ver -da de i ra di a léc ti ca his tó ri ca em que a pro li fe ra ção de no vas abor da gens, as so ci a dasà des co ber ta de no vos enig mas ou pro ble mas, en gen dra por sua vez pro ces sos dede can ta ção e de fil tra gem, aos qua is su ce dem no vas cri a ções e nova frag men ta ção.O jogo de fer ti li za ção re cí pro ca en tre te o ri as A, B, C evo ca do por Ray mond Bou don é, em si mul tâ neo, um jogo de de can ta ção his tó ri ca. Avan ça mos a tese de que o es tu -do des te pro ces so, mo bi li zan do de ma ne i ra po si ti va a his tó ria e a so ci o lo gia daciên cia, pode con cor rer de for ma de ci si va para a de ter mi na ção do re gi me de ci en ti -fi ci da de da dis ci pli na e es cla re cer as mo da li da des de uma cu mu la ti vi da de que nãopode ser do mes mo tipo do que a pre sen te nas ciên ci as da na tu re za.

A me mó ria das dis ci pli nas exer ce-se de modo di fe ren te con so an te elas se jamcons ti tu í das ou não por te o ri as ma te ma ti za das. No caso das ciên ci as fí si cas, porma i o ria de ra zão das ma te má ti cas, o pas sa do ins cre ve-se no pre sen te sob a for made tra du ção: a cada pas so da dis ci pli na, a lin gua gem mais con tem po râ nea re cu pe rae de pu ra os re sul ta dos an te ri o res ins cre ven do-os numa sis te ma ti ci da de ao mes motem po mais am pla e mais agu da. O pas sa do dis ci pli nar, não na es pe ci fi ci da de dasua his to ri ci da de — o con tex to de pro du ção do re sul ta do —, mas na uni ver sa li da -de di a léc ti ca — por que sem ces sar re co lo ca da sob aná li se — dos con te ú dos ra ci o -na is ela bo ra dos, está sem pre ac ti vo no pre sen te. Inscre ve-se na lin gua gem, nospro ce di men tos de cál cu lo, nos ins tru men tos de ex pe ri men ta ção. Incor po ra-se noho ri zon te de tra ba lho ac tu al de cada um. Nas ciên ci as hu ma nas, as co i sas pas -sam-se de ma ne i ra mu i to di fe ren te. A lín gua na tu ral que elas usam im pos si bi li taque, na uti li za ção des te ou da que le con ce i to, se le i am ime di a ta men te os es tra tossu ces si vos da sua ela bo ra ção his tó ri ca. Estes não re sul tam duma de pu ra ção len ta,de uma “per co la ção” (Ser res, 1993), como nas ma te má ti cas, mas do jogo in de fi ni dodas de no ta ções e das co no ta ções. A me mó ria dis ci pli nar exer ce-se en tão, não dema ne i ra ime di a ta e in cor po ra da, mas de modo dis jun to, por lem bran ças e re fe rên -ci as. Dis so é caso exem plar a so ci o lo gia, de que se pode mos trar, em com pa ra çãocom a an tro po lo gia, a his tó ria ou a eco no mia, que é a me nos su je i ta a cons tran gi -men tos tex tu a is for tes (Bert he lot, 1996). Acu mu la ção re cor ren te e ri tu al de re gres -sos dis per sos e por ve zes in te res sa dos ao pas sa do, mais numa pre o cu pa ção de le gi -ti ma ção do que de aná li se, as sim pa re ce fun ci o nar a me mó ria so ci o ló gi ca, a qualim por ta dis tin guir de todo em todo da his tó ria da so ci o lo gia.

Este fun ci o na men to da me mó ria pode tam bém con cor rer para uma des va lo -ri za ção ra di cal da so ci o lo gia. Os po si ti vis tas es tri tos ve rão nele a mar ca in con tes tá -vel da in co e rên cia epis té mi ca da dis ci pli na. Os re la ti vis tas po de rão fa cil men te evo -car essa mul ti pli ci da de ir re du tí vel dos pon tos de vis ta e das re fe rên ci as; os maisiró ni cos fa rão mes mo no tar que qual quer “in di ge ni za ção” cons ti tui uma es pé ciede re la ti vis mo ao qua dra do, pelo cru za men to de re fe rên ci as lo ca is com re fe rên ci asin ter na ci o na is, elas pró pri as se lec ci o na das se gun do o jogo das áre as de in fluên cia

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lin guís ti cas. A “cor ren te ci en tí fi ca” evo ca da por Ray mond Bou don para re fu tar ocep ti cis mo en vol ven te po de rá nes se sen ti do apa re cer bem es tre i ta e frá gil.

Ora, pelo con trá rio, acon te ce que, se o fun ci o na men to quo ti di a no da me mó -ria dis ci pli nar no tra ba lho ha bi tu al dos so ció lo gos pode pa re cer le var água ao mo i -nho re la ti vis ta, a con cre ti za ção de uma his tó ria ra ci o nal da dis ci pli na re cu sa-o tãofor te men te quan to a aná li se ló gi ca re fe ri da na par te pre ce den te.

A his tó ria das dis ci pli nas tem o mé ri to de cons ti tu ir as res pec ti vas me mó ri ascomo um mis to ir re du tí vel de pre ser va ção e de ide a li za ção do pas sa do. Tem, aliás,a van ta gem de ci si va de re du zir a dis tân cia en tre as di ver sas ciên ci as, de pôr em evi -dên cia os me ca nis mos co muns da sua cons ti tu i ção, de su ge rir apro xi ma ções iné di -tas. Assim, se as ciên ci as ma te ma ti za das e as pró pri as ma te má ti cas po dem su ge rir,em vir tu de dos seus pro ces sos de in cor po ra ção e de re es cri ta per ma nen te, a ide iade um de sen vol vi men to li ne ar, mes mo que que bra do por sal tos que cons ti tu emmu dan ças de epis te mo lo gia (Ba che lard, 1934) ou de pa ra dig ma (Kuhn, 1962), a sua his tó ria, ao in vés, re ve la a tex tu ra es pes sa de con ti nu i da des e des con ti nu i da des, de re cor rên ci as e re ver sões, de com ple xi fi ca ções e de pu ra ções, pe las qua is, pelo me -nos em ge o me tria, se cons trói um uni ver sal (Ser res, 1993).

A so ci o lo gia é sus cep tí vel do mes mo es cla re ci men to pela his tó ria. Esta per -mi te, ao mes mo tem po, com ple xi fi car cada mo men to, re ve lar-lhe as de ter mi nan tes múl ti plas, so ci a is, cul tu ra is, po lí ti cas, ci en tí fi cas, ins ti tu ci o na is, até mes mo bi o grá -fi cas (Four ni er, 1994), e cap tar as fi li a ções pro fun das, a de pu ra ção pro gres si va degran des ten dên ci as ex pli ca ti vas ou de gran des pon tos de vis ta ana lí ti cos. É pos sí -vel as sim, cem anos de po is das Règles de la Mét ho de So ci o lo gi que, fa zer o ba lan çoduma re cep ção con tras ta da do tex to (Bor lan di e Mu chi el li, 1996; Cuin, 1997) e lo ca -li zar, atra vés das con jun tu ras su ces si vas da sua le i tu ra, a li ber ta ção, re la ti va men teà gan ga ter mi no ló gi ca do fim do sé cu lo XIX que o en vol via, do pro gra ma ca u sa lis ta e ex pe ri men ta lis ta em so ci o lo gia (Bert he lot, 1995). Três me ca nis mos en tre la ça dos,ca rac te rís ti cos da cons ti tu i ção da so ci o lo gia como ciên cia ao lon go do tem po, po -dem as sim ser iden ti fi ca dos.

O pri me i ro é um me ca nis mo de pro li fe ra ção-re du ção: cada con jun tu ra dahis tó ria da so ci o lo gia apa re ce sem pre, à le i tu ra his tó ri ca, como de uma com ple xi -da de in fi ni ta men te ma i or do que aqui lo de que a me mó ria da dis ci pli na ti nha con -ser va do tra ços. O gru po da Année So ci o lo gi que não é um con jun to de an ti gos dis cí -pu los às or dens do mes tre. Jun ta um com ple xo de in di vi du a li da des di fe ren tes, ins -cri tas é cer to em re des de pro xi mi da de e tran sac ção (Bes nard, 1979), mas em que aade são a um pro jec to co lec ti vo pas sa pela com ple xi da de sin gu lar das con vic ções epela tro ca re i te ra da de ar gu men tos (Vogt, 1979; Bert he lot, 1995). Se a nas cen tesocio logia ale mã teve di fi cul da des em se cons ti tu ir como dis ci pli na au tó no ma de -vi do às suas ra í zes in te lec tu a is, sou be ra pi da men te, gra ças à fun da ção da De uts cheGe sellschaft fur So zi o lo gie, em 1909, e à ins ti tu i ção re gu lar das So zi o lo gen ta gen, cons -ti tu ir um meio de tro cas par ti cu lar men te rico e di ver si fi ca do (Käs ler, 1984). O con -fli to en tre os “qua li ta ti vis tas” da es co la de Chi ca go e os “ope ra ci o na lis tas” da es co -la de Co lum bia que, en tre as duas guer ras, pôs em cri se a Ame ri can Asso ci a ti on of So -ci o logy, es te ve lon ge de opor fron tal men te dois de par ta men tos ri gi di fi ca dos no seuan ta go nis mo. A es co la de Chi ca go ma ni fes tou, pelo con trá rio, tan to

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ins ti tu ci o nal men te como ci en ti fi ca men te, uma pre o cu pa ção per ma nen te de aber tu raà di ver si da de dos mé to dos (Bul mer, 1984). Do mes mo modo, as co ne xões en tre qua -dro teó ri co e téc ni ca de pes qui sa, com fre quên cia re du zi das de ma ne i ra apres sa da auma es pé cie de im pli ca ção ló gi ca, re ve lam-se no pla no his tó ri co de uma com ple xi da -de bas tan te ma i or, como mos tra Jen ni fer Platt para o fun ci o na lis mo e o in qué ri to stan -dard (1986). Pe ran te esta mul ti pli ci da de de ros tos que a so ci o lo gia sem pre apre sen ta,tor na-se pos sí vel com pre en der o pa pel da re du ção ana lí ti ca das di fe ren ças re pre sen ta do pe las di ver sas gran des obras teó ri cas ou pro gra má ti cas que en tre la çam a sua his tó ria.Pode de fen der-se a tese de que elas ocu pam, es tru tu ral men te, o mes mo lu gar que asobras equi va len tes nas dis ci pli nas das ciên ci as da na tu re za. O seu efe i to, no en tan to, édi fe ren te. Enquan to que, nes tas úl ti mas, de fi nem um novo pa ta mar de abs trac ção e dere com po si ção lin guís ti ca, em so ci o lo gia ape nas cons tituem um mo men to de fi xa ção ede cris ta li za ção, num pro ces so inin ter rup to de di fe ren ci a ção.

O me ca nis mo de pro li fe ra ção-re du ção, qual quer que seja a for ça das obrasque, a dada al tu ra do de sen vol vi men to da dis ci pli na, en ten dem ca na li sá-lo e con -tro lá-lo, apa re ce sem pre, si mul ta ne a men te, como um me ca nis mo de re du ção-pro -li fe ra ção: a de li mi ta ção pro vi só ria do que pode con tar, não como te o ria pri vi le gi a -da, mas como pa ra dig ma, no sen ti do que lhe é dado por Ray mond Bou don na ti po -lo gia que pro põe, não leva ape nas a pre ci sar e a fun da men tar os qua dros de aná li sede um pro gra ma exis tin do an te ri or men te em es ta do dis per so. Tor na pos sí vel aomes mo tem po a con tes ta ção, pon do a nu os pos tu la dos em que se sus ten ta. Se, nose gui men to de La ka tos, con si de rar mos que as gran des vias de aná li se so ci o ló gi cacons ti tu em pro gra mas e se, na con ti nu i da de do que foi lem bra do aci ma, re me ter -mos es tes para gran des es que mas ana lí ti cos, en tão o jogo de pro tec ção de um pro -gra ma pela cor ti na de hi pó te ses au xi li a res é tan to me nos efi caz em so ci o lo giaquan to o ve re dic to da ex pe riên cia é nela mais am bí guo. Uma obra for te fixa e de pu -ra um pro gra ma. Não re duz a di ver si da de pro gra má ti ca, mas des lo ca o pal co decon fron ta ção. Pode-se en con trar um exem plo re cen te no de ba te Co le man-Se wellso bre as re la ções en tre os ní ve is mi cro e ma cro na ex pli ca ção so ci o ló gi ca (Co le man,1986, 1988; Se well, 1988).

Esta per sis tên cia da plu ra li da de, ins cri ta numa ver da de i ra di a léc ti ca da plu -ra li za ção e da re du ção, pode dar de novo ali men to ao re la ti vis mo se nos con ten tar -mos em es ta be le cer tal cons ta ta ção ou em fa zer o res pec ti vo in ven tá rio. De fen de -mos, em con tra par ti da, que essa per sis tên cia ma ni fes ta em pro fun di da de um me -ca nis mo de de can ta ção a lon go pra zo do nú cleo ra ci o nal das di ver sas abor da gensso ci o ló gi cas, ho mó lo go ao me ca nis mo de fil tra gem e de per co la ção de que fala Mi -chel Ser res a pro pó si to da ge o me tria. Atra vés da di ver si da de das ocor rên ci as sin -gu la res e da mul ti pli ca ção dos ter re nos de aná li se, por trás das opo si ções en tre umuni ver sa lis mo sem pre pro vi só rio e as si tu a ções ins cri tas na sin gu la ri da de de umahis tó ria e de uma cul tu ra, tor nam-se pro gres si va men te vi sí ve is as ar ti cu la ções e as co -di fi ca ções con cep tu a is para aquém das qua is já não é pos sí vel re tro ce der: do or ga ni cis -mo pro li fe ran te no sé cu lo XIX ao pa ra dig ma fun ci o nal es ta be le ci do por Mer ton, do ca -u sa lis mo ain da im preg na do de me ta fí si ca de Durk he im aos mo de los da aná li se ca u sal mo der na, do in di vi du a lis mo me to do ló gi co do iní cio do sé cu lo XX à sua te ma ti za çãopor Co le man ou Bou don, re a li za-se um ver da de i ro pro gres so de co nhe ci men to.

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É cer to que este não tem a am pli tu de dos gran des êxi tos ci en tí fi cos mí ti cos.Mas não che ga rá para pro var que, um sé cu lo de po is, a so ci o lo gia se ate ve, pelo me -nos no es sen ci al, ao seu con tra to: cons tru ir um pro jec to de ci en ti fi ci da de de lon gadu ra ção su je i to à ve ri fi ca ção do real?

Conclusão

Esta cons tru ção é, afi nal, um tes te à pró pria ci en ti fi ci da de. As di ver sas dis cus sõesde que nos fi ze mos eco são por ve zes mar ca das pelo pri ma do de um ex tre mis modis jun ti vo pron to a re cu sar a va li da de de uma cons tru ção ou de uma pro po si çãoem nome de um prin cí pio im plí ci to de tudo ou nada (Bou don, 1995a). Este prin cí -pio pode, no caso de cer tas re i vin di ca ções iden ti tá ri as, ser ins tru men to de boa ca u -sa e jus ti fi car-se. Está-se en tão na or dem do de ba te po lí ti co, não na da ava li a çãoepis te mo ló gi ca. Esta é ao mes mo tem po mais ri go ro sa e mais sub til. Re quer queseja de li mi ta do o re gi me de co nhe ci men to pró prio de uma dis ci pli na e que sejacom pre en di da a di a léc ti ca his tó ri ca da cons ti tu i ção do ra ci o nal no seu seio. Talcomo os tra ba lhos fun da men ta is em his tó ria das ciên cas de Koy ré, de Ba che lard,de Blan ché ou de Hol ton não in va li da ram a na tu re za dos co nhe ci men tos da fí si caclás si ca ao re ve la rem o seu pano de fun do me ta fí si co ou sim bó li co, tam bém o plu -ra lis mo re cor ren te da so ci o lo gia não é ar gu men to para qual quer re la ti vis mo queseja. Pre ci sa, pelo con trá rio, de ser des cri to e ana li sa do tan to pe los me i os da in ves -ti ga ção his tó ri ca como da aná li se ló gi ca a fim de que seja pos to em evi dên cia o re gi -me de ci en ti fi ci da de da so ci o lo gia. A opo si ção en tre pop pe ri a nis mo e não-poppe -rianismo, por mais ar gu men ta da que seja, não nos pa re ce per ti nen te na me di da emque pos tu la que o pop pe ri a nis mo es tri to cons ti tui uma des cri ção sa tis fa tó ria da ac -ti vi da de das ciên ci as na tu ra is, o que está lon ge de ser una ni me men te ace i te (La ka -tos, 1970; Ro bert, 1993). Ao in vés, con ce ber a so ci o lo gia como um es for ço de des cri -ção re flec ti da do mun do so ci al, de re so lu ção de enig mas, de elu ci da ção de me ca -nis mos cons ti tu ti vos, de afe ri ção de es que mas in ter pre ta ti vos, per mi te de fi nir umvec tor epis te mo ló gi co co mum, ir re du tí vel sem dú vi da a uma uni fi ca ção teó ri ca,mas su fi ci en te para cir cuns cre ver um es pa ço de pro ble ma ti za ção par ti lha do.Apro fun dar esse es pa ço pela de pu ra ção e pela com pa ra ção re gu la da dos gran despro gra mas da so ci o lo gia, fa vo re cer os mo dos de cu mu la ti vi da de crí ti ca pro ce den -do, não por sim ples adi ção ou in te gra ção, mas por in de xa ção cla ra dos re sul ta dos are fe ren ci a is con fron tá ve is, cons ti tu em sem dú vi da ta re fas co muns que cem anosde so ci o lo gia le gam àque les que, ac tu al men te, con ti nu am a re cla mar-se do ob jec ti -vo por ela vi sa do des de iní cio.

[Tra du ção de Antó nio Fir mi no da Cos ta]

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Notas

1 Uma pri me i ra ver são des te ar ti go foi pu bli ca da, em fran cês, na re vis ta So ci o lo gie etSo cié tés, XXX (1), 1998.

2 Estas con tra di ções en gen dram, a par de obras de fun da ção, os seus pró pri osde ba tes. Encon tram-se dis so ecos ní ti dos na li te ra tu ra dos úl ti mos dez anos,por exem plo a pro pó si to dos ní ve is per ti nen tes da ex pli ca ção so ci o ló gi ca e dare la ção en tre mi cro e ma cro (Co le man, 1986; Se well, 1988), ou a pro pó si to dasre la ções en tre ac to res e es tru tu ras, por exem plo no de ba te es ta be le ci do ao lon -go dos nú me ros da Re vue Su is se de So ci o lo gie pu bli ca dos en tre 1992, 18 (1) e1994, 20 (2).

3 O mo dus tol lens, quer di zer a lei ló gi ca se gun do a qual de p®q, só a in fe rên cia¬q®¬ q é ver da de i ra, é o nú cleo da tese pop pe ri a na do po der ex clu si va men te re fu -ta ti vo da ex pe riên cia.

4 Prin cí pi os enun ci a dos des de Le Mé ti er de So ci o lo gue, de cons tru ção do ob jec to, denão trans pa rên cia, de ex pli ca ção do so ci al pelo so ci al, ao qual se jun ta um prin cí -pio de “po bre za do po der de or ga ni za ção sin té ti ca pró prio a qual quer te o ria so ci o -ló gi ca” (Bour di eu, Cham bo re don e Pas se ron, 1994, 1970: 115).

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