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* Aluna do Curso de Mestrado Profissional em Ensino de História do Programa de Pós-Graduação em
Ensino de História – PPGEH.
História e memórias da Segunda Guerra: o Museu Aeroespacial, soldados brasileiros e a
Associação de Ex-combatentes.
HELENA CRISTINA DIAS DE OLIVEIRA BARBOSA*
Introdução
Atividades pedagógicas em museus sempre despertam a atenção dos aluno,
constituindo um meio interessante de complementar ao que é ensinado em sala de aula. Esse
caráter de complementariedade deixa sempre uma dúvida acerca do que foi aprendido com
essa visita, para além de uma cópia de legendas e de horas agradáveis passadas em um
ambiente diferente, na companhia sempre prazerosa dos colegas.
Partindo do conceito de educação patrimonial como um processo permanente e
sistemático, que apresenta o Patrimônio Cultural como fonte primária de conhecimento,
propomos neste trabalho a elaboração de ações educativas que tornem a visita a um museu
uma atividade capaz de dinamizar o processo de ensino – aprendizagem. Além disso, cremos
que essas ações também podem contribuir para a construção de uma consciência crítica
comprometida com a valorização e preservação do patrimônio e capaz de refletir sobre a
relação entre história, memória, patrimônio e identidade pessoal e cultural.
Tomaremos como tema as memórias da participação brasileira na 2ª Guerra Mundial, a
partir de uma visita ao Museu Aeroespacial, no Campo dos Afonsos, no Rio de Janeiro, de
diferentes relatos e fotos de pracinhas e de uma visita à Associação de ex-combatentes. O
trabalho terá como objetivos: discutir os conceitos de história, memória, memória dominante,
memórias subterrâneas e lugar de memória; refletir sobre os processos de construção de
memória e do conhecimento histórico; identificar o Museu Aeroespacial como um lugar de
memória; analisar diferentes narrativas sobre a participação brasileira na 2ª Guerra.
Acreditamos na relevância do desenvolvimento de atividades que possibilitem o
reconhecimento dos bens culturais como patrimônio de todos, tornando os alunos capazes de
entender por que documentos e monumentos são preservados, a quem servem, o que
representam. Assim, o estudo da História pode contribuir para desnaturalizar o social, levando
os alunos a compreenderem como a sociedade em que eles vivem foi sendo construída ao
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longo do tempo, possuindo uma história com continuidades e rupturas, mudanças e
transformações.
É importante, portanto, a reflexão com os alunos sobre a memória em seus aspectos de
permanente construção, de mudança, de sua relação com o presente e com as demandas dos
vários setores da sociedade. Também é necessária a diferenciação entre História e memoria,
destacando-se a utilização de diversas fontes para a construção do conhecimento histórico.
Desse modo, a História permite que possamos entender as diversas experiências
humanas nos diferentes tempos e espaços. A organização de uma visita a um museu a partir
da escolha de um tema e da sua problematização pode permitir que a curiosidade se desdobre
em questionamento. Desse modo, concordamos com a professora Ana Maria Monteiro, que
afirma:
Os museus, ao propiciarem o diálogo com a experiência do outro, ampliam e aprofundam as
possibilidades de compreensão da historicidade da vida social que alia o dever de memória à construção
de conhecimentos em perspectiva crítica e transformadora. (MONTEIRO, 2010, p.2)
O Museu e a escola – a Educação Patrimonial.
Podemos utilizar como marco para a Educação Patrimonial no Brasil, o 1º Seminário
sobre o uso educacional de Museus e Monumentos, realizado no Museu Imperial de
Petrópolis em 1993, e que introduziu, no Brasil, a expressão Educação Patrimonial como uma
metodologia que busca inspiração no modelo de heritage education, colocado em prática na
Inglaterra. Três anos mais tarde, é publicado o Guia Básico de Educação Patrimonial, que se
tornou o principal material de apoio para as ações educativas realizadas pelo IPHAN.
O Guia resultou da sistematização dos fundamentos conceituais e práticos de inúmeras
capacitações realizadas pelas três autoras, Maria de Lourdes Parreiras Horta, Evelina
Grunberg e Adriana Queiroz Monteiro, com técnicos do IPHAN, com professores e alunos,
em diversos locais do país,
A partir da conceituação de Educação Patrimonial como um processo permanente e
sistemático que apresenta o Patrimônio Cultural como fonte primária de conhecimento, o
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Guia propõe quatro etapas progressivas de apreensão dos fenômenos culturais, a saber: a
observação, o registro, a exploração e a apropriação. Essa metodologia pode ser aplicada a
[...] qualquer evidência material ou manifestação cultural, seja um conjunto de bens, um monumento ou
um sítio histórico ou arqueológico, uma paisagem natural, um parque ou uma área de proteção
ambiental, um centro histórico urbano ou uma comunidade rural, uma manifestação popular de caráter
folclórico ou ritual, um processo de produção industrial ou artesanal, tecnologias e saberes populares, e
qualquer outra expressão resultante da relação entre indivíduos e seu meio ambiente (HORTA et al.,
1999, p.6 ).
Em 2004, através do Decreto nº 5040/04, é criada uma unidade administrativa
responsável por promover uma série de iniciativas e eventos com os seguintes objetivos:
discutir diretrizes teóricas e conceituais e eixos temáticos norteadores da reflexão coletiva
sobre documentos e propostas; estimular a criação e a reprodução de redes de intercâmbio e
de experiências e de parcerias com diferentes segmentos da sociedade. Em 2009, o Decreto nº
6844 e uma série de eventos passam a trabalhar com a noção ampliada de Patrimônio
Cultural, objetivando a criação coletiva de parâmetros de atuação e de marcos conceituais e
legais, além de diversas parcerias na área de Educação Patrimonial.
A GEDUC (Gerência de Educação Patrimonial e Projetos) propõe que a Educação
Patrimonial se constitui de todos os processos educativos formais e não formais, que têm
como o seu foco o Patrimônio Cultural, apropriado socialmente como recurso para a
compreensão sociocultural das referências culturais em todas as suas manifestações,
contribuindo assim para o seu reconhecimento, valorização e preservação. Essa Gerência
postula que nos processos educativos, o conhecimento deve ser construído coletivamente,
possibilitado pelo diálogo entre os diversos agentes culturais e sociais e pela participação
efetiva das comunidades detentoras e produtoras dessas referências culturais.
É importante ressaltar que qualquer experiência educativa é mais efetiva quando se
encontra integrada as várias dimensões da vida das comunidades, devendo fazer sentido para
as pessoas e podendo ser percebidas nas suas práticas cotidianas. De acordo com Carlos
Brandão:
Não se trata, portanto, de pretender imobilizar, em um tempo presente, um bem, um legado, uma tradição
de nossa cultura, cujo suposto valor seja justamente sua condição de ser anacrônico, com o que se cria e
o que se pensa e viva agora, ali onde aquilo está ou existe. Trata-se de buscar na qualidade de uma
sempre presente e diversa releitura daquilo que é tradicional, o feixe de relações que ele estabelece com
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a vida social e simbólica das pessoas de agora. O feixe de significados que a sua presença significante
provoca e desafia. (BRANDÃO, 1996, p.51).
A Educação Patrimonial permite, assim, dinamizar o processo de ensino-
aprendizagem, muito além do ambiente escolar, envolvendo toda a comunidade. Pode se
constituir como mais um instrumento na construção de uma consciência crítica comprometida
com a preservação do patrimônio e capaz de refletir sobre a relação entre patrimônio e a sua
identidade cultural e pessoal. Estamos assim indo ao encontro do conceito de alfabetização
cultural de Paulo Freire, pois
[...] a criticidade e as finalidades que se acham nas relações entre os seres humanos e o mundo implicam
em que estas relações se dão com um espaço que não é apenas físico, mas histórico e cultural, Para os
seres humanos, o aqui e o ali envolvem sempre um agora, um antes e um depois. Desta forma, as
relações entre os seres humanos e o mundo são em si históricas, como históricos são os seres humanos,
que não apenas fazem a história deste mútuo fazer mas, consequentemente, contam a história deste
mútuo fazer. (FREIRE, 2003, p. 81)
Museu, História e Memória na sala de aula.
Antes de iniciarmos a elaboração das ações educativas sobre o tema proposto,
achamos pertinente fazer algumas reflexões sobre alguns conceitos que devem ser trabalhados
com os alunos para que os objetivos dessa atividade sejam alcançados.
Como já foi discutido anteriormente, os museus podem ser explorados pelos
professores como ¨lugares de memória¨, utilizando- se a noção de Pierre Nora, ¨locais onde a
memória se cristaliza e se refugia quando não há mais meios de memória, quando é preciso
criar arquivos, manter aniversários, organizar celebrações, pronunciar elogios fúnebres,
porque essas operações não são naturais¨. (NORA, 1993, p. 13). Essa vocação educacional
dos museus está presente na visão institucional atual dos órgãos governamentais brasileiros,
nas orientações fornecidas pelos Parâmetros Curriculares Nacionais e nos estudos teóricos da
chamada ¨Nova Museologia¨, que apresenta o museu como um “local de coisas vivas e
dinâmicas, como espaços de reconstrução da cidadania brasileira e de redescoberta de valores
culturais regionais e nacionais”. (OLIVEN, 2003, p. 78).
Sendo assim, é fundamental se discutir com os alunos os conceitos de memória e
história como etapa das atividades que serão realizadas a partir da visita ao museu. A
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memória é construção social, é múltipla, se alimenta de lembranças; é constituída de
acontecimentos vividos pessoalmente ou por acontecimentos vividos pelo grupo ao qual a
pessoa se sente pertencer. Também é possível ocorrer um fenômeno de identificação com um
determinado passado a partir de uma socialização política ou histórica. Além de
acontecimentos, a memória é formada por personagens com quem se convive diretamente ou
com os quais estabelecemos relações a partir de um compartilhamento de vivências sociais,
políticas e históricas. Por fim, a memória é constituída por lugares ligados a lembranças, que
podem ser pessoais ou coletivas. É importante também destacar e exemplificar os diversos
vestígios de memória, tanto na esfera privada como na esfera pública.
Podemos, portanto, perceber que a memória envolve sempre um processo de
construção e reconstrução, é seletiva e está em conexão com as preocupações do momento e
com a dinâmica social, tendo o presente um papel fundante. Nessa discussão sobre memória
com os alunos, é interessante apresentar a seguinte ideia de Michael Pollak:
Numa perspectiva construtivista, não se trata mais de lidar com os fatos sociais como coisas, mas de
analisar como os fatos sociais se tornam coisas, como e por quem eles são solidificados e dotados de
duração e estabilidade. Aplicados à memória coletiva, essa abordagem irá se interessar portanto pelos
processos e atores que intervêm no trabalho de constituição e de formalização das memórias (POLLAK,
1989, p. 4).
Essa abordagem pode nos levar a refletir sobre a memória oficial, as memórias
subterrâneas e ao próprio trabalho do historiador.
A História, enquanto operação intelectual, tem o dever de fazer da memória um objeto
histórico, submetido a análise crítica. O historiador tem a missão de buscar a aproximação das
verdades históricas, usando fontes de informações diversas, expondo e explicando a evolução
das representações do passado, usando métodos e questionamentos diferentes. Assim,
concordamos com François Bédarida, que afirma que ¨a verdade da história provém da
interface entre os componentes do passado, tal como ele nos chega através dos vestígios
documentais e o espírito do historiador que o reconstrói, buscando conferir-lhe
inteligibilidade¨ (BÉDARIDA, 2006, P. 235)
Feitas essas considerações acerca da memória e da história, é importante salientar que
o professor, ao propor um trabalho de reconstrução da memória, deve apresentar aos alunos às
pesquisas de História Oral. Estas trabalham com diversas fontes orais, dentre elas histórias de
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vida e depoimentos, levando em conta que ¨o processo de relembrar pode ser um meio de
explorar os significados subjetivos da experiência vivida e a natureza da memória coletiva e
individual¨. (THOMSOM et al., 2006, p. 87). Assim, podemos trabalhar com os relatos de
soldados brasileiros, muito ricos em detalhes sobre a guerra e seus impactos, sabendo que
estão profundamente influenciados pelas trajetórias de vidas desses homens, inclusive pelo
papel, muitas vezes desempenhado por eles, de contadores de histórias. É relevante destacar
também que essas fontes orais devem ser confrontadas com outras fontes e que leituras sobre
o assunto devem ser previamente feitas sob a orientação do professor.
1. Atividades educativas que serão desenvolvidas a partir da visita ao Museu Aeroespacial e a
Associação de ex-combatentes,
Tema: As memórias da participação brasileira na 2ª Guerra: o Museu Aeroespacial, relatos e
fotos dos soldados brasileiros e a visita à Associação de ex-combatentes.
1ª etapa - Organização do trabalho e da turma.
- discussão dos conceitos de história e de memória e do processo de construção de memórias e
de conhecimento histórico;
- divisão da turma em dois grupos, para que cada um trabalhe com uma das fontes de
pesquisa;
- elaboração de um roteiro, pela professora, para orientar o trabalho de cada grupo de alunos;
2ª etapa - Atividades no Museu:
a) Levantamento de informações sobre a história da instituição e da montagem da exposição
¨A FAB na Guerra¨:
- Quando foi criado o Museu? Por iniciativa de quem? Que características políticas o Brasil
apresentava naquele momento?
- Com que objetivos essa instituição foi criada?
- De que maneiras o Museu construiu o seu acervo?
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- Além do que está exposto, que outros objetos fazem parte do acervo do Museu? Como esse
acervo pode ser consultado?
- Quando a exposição sobre a participação da FAB na 2ª Guerra foi inaugurada?
- Qual era o objetivo fundamental da instituição ao propor essa exposição?
- Quais os critérios utilizados para a seleção dos materiais expostos?
b) Visitando a sala da exposição.
- atividades de observação: identificação dos objetos expostos na sala com a sua respectiva
função na época da guerra; leitura das informações contidas nos murais distribuídos pela sala;
atenção aos vídeos e aos mapas apresentados na exposição; observação das fotografias
expostas.
- atividades de registro: descrição escrita de cada um dos objetos observados e fotografados,
seguida de uma legenda explicativa com a sua função; elaboração de um resumo com as
principais informações fornecidas nos vídeos; confecção de um quadro sintetizando os dados
presentes nos mapas e nos murais; análise das expressões dos soldados e das informações
contidas nas fotos.
-atividades de exploração: a partir do levantamento realizado nas etapas anteriores, os alunos
iniciarão uma reflexão discutindo algumas questões: a memória do dia a dia dos soldados está
presente na exposição? Que memória essa mostra está privilegiando, as dos soldados ou a
memória oficial da instituição? Que relação podemos estabelecer com os objetivos da
organização dessa exposição e até com as propostas do Museu?
-atividades de apropriação: elaboração de um quadro mural com as diversas etapas da visita
ao museu: a exposição das fotografias legendadas dos objetos; a sistematização das
informações colhidas nos quadros; nos vídeos expostos e nas fotos dos soldados, culminando
com a apresentação para os colegas das conclusões do debate acerca da memória, a partir das
três questões propostas pela professora.
3ª etapa - Atividades com relatos e fotos dos soldados:
a) O grupo trabalhará com alguns relatos de soldados brasileiros que lutaram na 2ª Guerra,
extraídos do livro Barbudos, sujos e fatigados – soldados brasileiros na segunda guerra
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mundial, de Cesar Campiani Maximiano, e com fotos a serem pesquisadas em sites na
internet. Como primeira tarefa, os alunos pesquisarão algumas informações sobre a história de
vida desses soldados. A partir da leitura e da interpretação dos relatos abaixo selecionados, e
da análise de fotos selecionadas pelo grupo, os alunos deverão elaborar um diário retratando o
dia a dia de um soldado, que poderá, inclusive, ser dramatizado.
Relatos selecionados:
"Passamos num lugar, tinha um buraco, mas tinha canhão, peças de artilharia alemã, o que
tinha de fuzil, o que tinha de revolver, o que tinha de revolver, pistola, tudo arrebentado! E
tinha um negócio redondo deste tamanho, e um pequeno, quadrado. Ele passou a mão em uma
e eu em outra. Passamos pela casa do italiano, ele ‘má’, e tava escrito em inglês naquelas
tabuletas, ‘off limits’. Eu não sabia nada de inglês. O italiano viu aquilo na nossa mão: ‘Mina,
mina!’. Eu falei: ‘Vá encher o saco, não tou procurando mina!’. E fomos na barraca, rapaz.
Você vê a imprudência, a falta de preparo do soldado. (…). À noite, ia ter instruções sobre
armadilhas alemãs. Os americanos falavam português, começavam a mostrar que o soldado
nunca devia entrar numa casa pela porta a abrir o trinco. Você abre o trinco, detona um
negócio e cai a casa. Nunca bater numa tecla de piano, não abrir torneira dentro de casa. Uma
série de armadilhas que eles conheciam e que os alemães faziam. Canetas booby trap , não
abrir guarda roupas, não abrir caixinha de joias. Aí chegou na hora de mostrar minas
antitanque. Puta, o cara pega aquela mina! Nós podíamos ter nos matado, ter arrebentado com
metade do acampamento"
Ferdinando Palermo, ex-combatente da FEB na Itália. (p. 132)
Há duas missões na FEB
Que eu reputo sem igual
É o trabalho do Correio
E o Serviço Especial
Dessas missões, uma cousa
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Somente me impressiona:
Não saber qual é dos dois
Aquele que menos funciona.
Poema do Tenente Manuel Barbosa (p.353)
"Quando eu voltei da guerra, tinha medo de dormir. Não queria dormir, porque toda noite iria
estar novamente na guerra. Iria sonhar com a guerra! Toda noite, toda noite, toda noite, toda
noite! Graças a Deus, passou isso tudo. Hoje, assisto filmes de guerra, não tenho problema
nenhum. Mas eu sofri muito, fiz tratamento de neurose, sofri demais. Mas ainda me dou por
muito feliz, porque muitos companheiros meus tiveram consequências muito piores do que as
minhas".
Depoimento de soldado ex-combatente da FEB na Itália (p.392)
"Aliás, a guerra não é heroica. Não é como em livros, ou filmes. Não há bandeiras, nem
tambores, nem cornetas com toques marciais, nem tampouco heróis condecorados, que voltam
para casa e beijam a noiva. Ninguém sente vontade de ser herói, e quando pratica qualquer ato
de bravura, o faz quase inconscientemente. O que há na guerra é sujeira, lama, frio, fome,
cansaço de noites a fio sem dormir, medo da morte, sofrimento e monotonia, esta terrível
monotonia de todas as guerras. A monotonia de cavar um ‘foxhole’ (buracos de abrigo) e ficar
escutando aqueles ruídos surdos, ouvindo aqueles estrondos que não param nunca".
J. X. Silveira, em Cruzes brancas: o Diário de um Pracinha (p.419)
DEPOIMENTOS DOS PRACINHAS NA ITÁLIA
"De repente, percebi como pode um soldado sentir-se solitário na sua trincheira, solidão no
meio de muitas outras. Todos também deviam sentir aquele vazio, aquele terrível vazio de
estar vivendo um pesadelo. Tudo fica irreal e inconcebível. São pensamentos bem amargos;
alguns, se melhor examinados, talvez não tivessem razão de ser, mas parecia-me tudo
desculpável. Eu estava vendo, como milhares de pracinhas, o mundo através de uma
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trincheira. E uma trincheira tem mais de amargo do que de heroico. (...) A guerra nada tem de
heroico. É triste, e a trincheira é um dos piores lugares da terra."
Joaquim Xavier da Silveira, ex-combatente (pp.101/102)
"Patrulhas e mais patrulhas deveriam manter a atividade da frente e a cada patrulha o homem
morria e ressuscitava a cada retorno. Atravessar um terreno supostamente minado é o mesmo
que atravessá-lo minado: um calafrio percorre a espinha, e um suor, mais frio do que os
outros, escorre pela testa; a garganta se resseca e vem um gosto amargo na boca. A tudo isso
chamávamos de 'paúra'."
Vicente Pedroso da Cruz, ex-combatente da FEB na Itália (p.280)
"Quando em ação na linha da frente, lembro-me de ter tomado no máximo oito ou nove
banhos de setembro de 1944 até março de 1945, banhos em rio, no capacete ou em bacia de
rosto dos italianos (...). Aliás, a falta de limpeza torna-se hábito, e a sujeira, depois de um
certo tempo, parece não sujar mais."
Tenente Campelo de Souza, ex-combatente (p.119)
"A pior coisa da guerra é 'eu não te conheço, você não me fez mal, e eu tenho que te matar,
senão você me mata'. Pra falar a verdade, eu sentia dó dos prisioneiros. Quando o cara era
prisioneiro, para mim ele deixava de ser inimigo. (...) Quando você ficava muito tempo na
trincheira, se tirasse a luva, os dedos gelavam e endureciam, então você precisava ficar
esfregando as mãos para poder enfiar o dedo no gatilho."
Santos Torres, ex-combatente (p.107)
4ª etapa - Visita à Associação de ex-combatentes.
- agendamento da visita.
- visita à Associação, coleta de material escrito, fotos e gravação de conversa com um dos
diretores, que é ex-combatente.
-elaboração de um relatório sobre a visita.
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-montagem de painel descritivo com o material coletado e divulgação para os colegas do
depoimento gravado.
5ª etapa - Culminância das atividades:
A turma organizará uma exposição intitulada ¨Reconstruindo as memórias da
participação brasileira na 2ª Guerra¨ com os trabalhos dos grupos, apresentados sob a forma
de um quadro mural ou utilizando mídias digitais, como o power point, com uma síntese das
discussões realizadas a partir da análise das diferentes fontes e dos diversos conceitos
trabalhados pela professora, enfatizando o principal problema proposto pelo trabalho: o
processo de construção das múltiplas memórias e do conhecimento histórico.
A exposição também contará com a participação de um ex-combatente que conversará
com os alunos sobre as suas memórias sobre a guerra.
Conclusão
No momento atual, em que o aqui e o agora se impõem e o tempo presente se acentua,
apesar se rapidamente se tornar passado, o estudo da história é um grande desafio para os
professores. É na análise do processo histórico que podemos desnaturalizar conceitos como
cidadania, igualdade e desigualdade, direito às diferenças, democracia: é na possiblidade do
diálogo com a experiência do outro que se forjam meios de reconhecer diferentes
experiências.
Assim, ao propor um trabalho que reúna atividades em um museu militar e a leitura de
relatos e fotos de ex-combatentes, estamos iniciando com os nossos jovens alunos, que estão
no 3º ano do ensino médio regular, uma reflexão sobre as múltiplas memórias, a história e o
próprio fazer histórico. Identificar a construção de uma memória oficial no Museu; trabalhar
com os depoimentos, analisando essas memórias sob ponto de vista crítico; utilizar diversas
fontes na construção do conhecimento histórico – essas são possibilidades de abordagens
diferentes e de novos problemas propostos para o ensino da história.
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Nota-se, portanto, que aprender História é aprender sobre o outro, o que nos permite
aprender sobre nós mesmos. Logo, como afirma Ana Maria Monteiro, trata-se de:
aprender sobre a diversidade das experiências humanas através dos tempos e nos diferentes lugares. É
aprender que o homem é o conjunto de suas práticas com o sujeito protagonista, e ao mesmo tempo
sujeito à sua circunstância no fazer da cultura. Aprender que o diferente nos homens de qualquer
tempo e lugar nos é familiar porque a humanidade é uma, mas a cultura é plural. É aprender que as
circunstâncias mudam e podem ser transformadas pelos homens. É aprender que não estamos
condenados à nossa contingência. (MONTEIRO, 2010, p. 2).
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