Os morros confirmam: existe Mata Atlântica em Porto Alegre

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Informativo do Instituto Curicaca 1º Semestre - 2013 - Número 007 - Ano 7 Ambiente, cultura, políticas públicas, biodiversidade, áreas protegidas, desenvolvimento sustentável e muito mais! Acesse nosso conteúdo e confira notícias fresquinhas no site Estamos no facebook! Siga, compartilhe e curta Curicaca na web! www.curicaca.org.br www.facebook.com/ institutocuricaca Os morros confirmam: existe Mata Atlântica em Porto Alegre Gestão de fauna Oficinas no assentamento Jogo para colorir Tirinhas Confira na seção Educação ambiental O bioma é um dos mais ameaçados do Brasil e por isso recebeu uma Lei federal que estabele como conservar sua biodiversida- de em áreas rurais e urbanas. Na capital gaúcha, existem vá- rios remanescentes da floresta atlântica, mas a prefeitura de- monstra insegurança sobre onde a lei deve ser aplicada. Transição da responsabilida- de pela gestão da fauna no Rio Grande do Sul gera expectati- vas e preocupa ambientalistas. Mecanismo internacional de prote- ção ao bioma Pampa está cada vez mais próximo de sair do papel. Reserva da Biosfera do Pampa Página 4 UCs precisam de atenção Os pontos fortes e fracos de algu- mas das principais áreas protegidas do Rio Grande do Sul. Página 3 Páginas 8 e 9 Corredor Ecológico Plano de ações para a implanta- ção da área que liga os banhados ocupados pelo cervo-do-pantanal no RS está pronto. Página 14 Página 15 Páginas 12 e 13 O Corredor Ecológico

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Informativo do Instituto Curicaca 1º Semestre - 2013 - Número 007 - Ano 7

Ambiente, cultura, políticas públicas, biodiversidade, áreas protegidas, desenvolvimento

sustentável e muito mais! Acesse nosso conteúdo e confira

notícias fresquinhas no site

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Os morros confirmam: existeMata Atlântica em Porto Alegre

Gestão de fauna

Oficinas no assentamentoJogo para colorirTirinhas

Confira na seçãoEducação ambiental

O bioma é um dos mais ameaçados do Brasil e por isso recebeu uma Lei federal que estabele como conservar sua biodiversida-de em áreas rurais e urbanas. Na capital gaúcha, existem vá-rios remanescentes da floresta atlântica, mas a prefeitura de-

monstra insegurança sobre onde a lei deve ser aplicada.

Transição da responsabilida-de pela gestão da fauna no Rio Grande do Sul gera expectati-vas e preocupa ambientalistas.

Mecanismo internacional de prote-ção ao bioma Pampa está cada vez mais próximo de sair do papel.

Reserva da Biosfera do Pampa

Página 4

UCs precisam de atençãoOs pontos fortes e fracos de algu-mas das principais áreas protegidas do Rio Grande do Sul.

Página 3 Páginas 8 e 9

Corredor EcológicoPlano de ações para a implanta-ção da área que liga os banhados ocupados pelo cervo-do-pantanal no RS está pronto. Página 14

Página 15 Páginas 12 e 13

O Corredor Ecológico

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PROCERVO e o gado10 anos do Parque de Itapeva

eDitorial

expedienteEditor: Alexandre Krob • Jornalista Responsável: Joyce Copstein Mtb 15053 • Reportagem: Júlia Pellizzari e Sarah Bueno Motter • Diagramação: Juliana Feix • Ilustrações: Patrícia Vianna Bohrer • Fotos: Acervo Curicaca e autores referidos na imagem • Tiragem: 5 mil exemplares • Circulação dirigida: Região Metropolitana, Campos de Cima da Serra e Litoral Norte do Rio Grande do Sul • O Corredor Ecológico tem periodicidade semestral e distribuição gratuita.

Instituto Curicaca Coordenador geral: Jan Mähler Jr. • Coordenador técnico: Alexandre Krob • Coordenadora de Educação Ambiental e Cultura: Patrícia Bohrer

Rua Dona Eugênia, 1065/303 • CEP 90630-150 • Porto Alegre/RS • 51. 3332.0489 • www.curicaca.org.br • www.facebook.com/institutocuricaca • [email protected]

APOIO FINANCEIROEsta edição tem apoio do Projeto de Conservação da Biodiversidade no

Assentamento Filhos de Sepé - Viamão/RS.

Uma edição que sai da gráfica no início de 2013 pede um ba-lanço ambiental do ano que passou e uma análise das perspectivas do período que entra. O conteúdo do jornal serve como apoio para olharmos o que aconteceu no Rio Grande do Sul e nos traz angústias, mas também alegrias. As mesmas sensações surgem ao analisarmos o contexto nacional e o internacional. Vejam, nas nossas páginas, que as Unidades de Conservação estaduais continuam fragilizadas, faltando-lhes de tudo um pouco. Alegra-nos, a despeito do descaso político, o esforço dos gestores de cada uma delas, que não medem esforços para “apagar incên-dios”. Balança perigosa, que não revela resultados sustentáveis. Os graves problemas crônicos da regularização fundiária, por exem-plo, são iguais aos dos Parques Nacionais, o que seria injusto não citar. Entretanto, existem também sincronias positivas entre Estado e União, como a vontade de criar uma Unidade de Conservação no Pampa e, com um pouco de ajuda, de encontrar soluções para propormos à UNESCO uma Reserva de Biosfera nesse bioma. A gestão de fauna está sob transição e reorganização, outro tema que envolve Governo Federal e Estadual. A Secretaria Estadual de Meio Ambiente está se preparando para assumir grande parte das responsabilidades que há anos são do IBAMA. Não há como não se preocupar com sua dificuldade em garantir recursos humanos e financeiros para tamanho trabalho, já que lhe faltam técnicos em todos os setores. Mesmo assim, surge deste processo a expectativa de que a abordagem se qualifique. O assunto é complexo. Lembre-mos que, nesse momento, o IBAMA está definindo quais animais da fauna silvestre poderão ser criados para o comércio. Em médio prazo, poderemos encontrar macacos e lagartos abandonados nas praças das cidades pelos pais arrependidos de terem atendido aos pedidos de seus filhos. Afinal, hoje é assim com cães e gatos. O ano de 2012 foi marcado pela punhalada no Código Florestal. A fundamentação técnica que lhe dava força para promover a con-servação da natureza e a proteção dos serviços ambientais foi “tra-torada” pelos interesses produtivos. A sociedade ainda não se deu conta do tamanho das perdas presentes e futuras. A Mata Atlântica sofreu menos devido a sua legislação própria, que deve virar a bola da vez. Nessa edição, mostramos que há interesses em não aplicar a Lei da Mata Atlântica em Porto Alegre e também as distorções praticadas na compensação ambiental quanto ao licenciamento do corte da vegetação para empreendimentos. São dois temas com os quais o Ministério Público Estadual foi envolvido, agindo com eficácia. Angústias e alegrias convivem juntas no contexto ambiental do biênio. As alegrias dos encontros na Rio+20. As angústias das in-definições e do pouco ou nenhum progresso. As alegrias das trocas de experiências ocorridas no evento. A angústia ao vermos que, no cenário político internacional, as experiências bem sucedidas ainda não encontram o espaço necessário para mudar nosso futuro em escala global. Venha folhear O Corredor Ecológico e inteirar-se des-ses e de outros assuntos que nos mostram a dualidade ambiental do momento.

O Parque Estadual de Itapeva, localizado no mu-nicípio de Torres, Rio Grande do Sul, comemorou 10 anos de existência no último dia 12 de dezem-bro. O Instituto Curicaca tem um grande envolvi-mento com a Unidade de Conservação (UC) desde o seu início, tendo sido um dos incentivadores da criação do parque. Ao longo desses anos, diversos projetos da ONG foram ou têm sido desenvolvidos na área protegida e em seu entorno, como os Microcorredores Eco-lógicos de Itapeva, o Uso Sustentável dos Butiazais, o Mosaico Porta de Torres e a Ação Cultural de Criação - Saberes e Fazeres da Mata Atlântica. Além disso, o Curicaca participa do Conselho Consultivo do parque, onde são debatidos assuntos relativos à gestão da UC. Apesar de ainda contar com algumas fragilida-des, o Parque de Itapeva é uma das Unidades de Conservação mais consolidadas do estado e deve ser levado como exemplo para a gestão de outras UCs. Parabéns ao parque e a todos que fizeram ou fazem parte dessa trajetória de muitas conquistas para o meio ambiente do Rio Grande do Sul. Nós, do Instituto Curicaca, ficamos muito felizes por fa-zer parte dessa história.

Uma das ações do Programa de Conservação do Cervo-do-pantanal no Rio Grande do Sul (PROCERVO) que está começando a ser executada é o entendimento técnico da interação en-tre o gado e o cervo na região ocupada pelo cervídeo. Essa relação pode acontecer de forma positiva se alguns cuidados fo-rem tomados, permitindo que as duas espécies possam utilizar espaços pró-ximos sem que isso cause prejuízos a qualquer uma delas. A partir de março deste ano, deve ser iniciado um trabalho de campo por técnicos do Instituto Curicaca e alunos de veterinária da Universidade Fede-ral do Rio Grande do Sul (UFRGS). O objetivo é entender o cenário atual da produção pecuária na região do entor-no do Refúgio da Vida Silvestre Banha-do dos Pachecos e na Área de Proteção Ambiental do Banhado Grande e saber como os órgãos de extensão agropecu-ária têm atuado no local.

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Unidades de Conservação do Estado pedem atençãoConselhos gestores consolidam-se como espaço de acompanhamento social e cooperação

No Parque Estadual de Itape-va, em Torres (RS), constituiu-se um Grupo de Trabalho para bus-car soluções estratégicas ao pro-blema da regularização fundiária na Unidade de Conservação. A iniciativa conta com a participação do coordenador técnico do Insti-tuto Curicaca, Alexandre Krob, o professor doutor em Ecologia da UFRGS, Andreas Kindel, o biólo-go Rivaldo Silva, da Secretária de Meio Ambiente de Torres, e o re-presentante convidado da Câmara de Vereadores, vereador Gibral-tar Pedro Cipriano Vidal. O GT diagnosticou a situação, desenhou um fluxograma para que qualquer pessoa possa entender o proces-so, identificou os principais garga-los e está definindo ações práticas para resolvê-los. A iniciativa, pio-neira no Rio Grande do Sul, deve-rá servir de referência para outras Unidades de Conservação.

Regularização fundiária em Itapeva

As Unidades de Conservação (UCs) são prioritárias para a preserva-ção dos ecossistemas, pesquisa cien-tífica, educação e serviços ambientais. No Rio Grande do Sul, o Sistema Es-tadual de Unidades de Conservação (SEUC) abrange atualmente 23 UCs estaduais, 23 municipais e uma Reser-va Particular do Patrimônio Natural Estadual. As unidades estaduais cor-respondem a apenas 1% do território gaúcho, segundo dados da Secretaria Estadual do Meio Ambiente (Sema). Apesar das inúmeras funções socio-ambientais que possuem, ainda são frágeis e não foram plenamente efeti-vadas. O Instituto Curicaca, ao longo de sua experiência de 15 anos no trabalho com Unidades de Conservação, tem sido testemunha dessa fragilidade, que permanece por consecutivas gestões. Os problemas não são poucos. A falta de regularização fundiária, o sucatea-mento de estruturas físicas, a falta de recursos humanos, a falta de guarda parques, a inexistência de planos de manejo ou de uso público e a preca-riedade da fiscalização dos territórios fazem com que estas áreas protegidas não atinjam todo o potencial que pos-suem para benefício da sociedade e preservação do meio ambiente. Na Área de Proteção Ambiental (APA) do Banhado Grande, há três anos tenta-se iniciar o plano de mane-jo da unidade. A burocracia do convê-nio entre Secretaria Estadual do Meio Ambiente (SEMA) e Fundação Zoobo-tânica (FZB) alonga o processo desde 2009. “Com um pouco mais de inte-resse e organização de ambas institui-ções, o Plano de Manejo da APA do Banhado Grande já poderia estar em elaboração. Quando há prioridade, os processos andam com mais celeri-dade, mas, por enquanto, a APA se-gue sem diretrizes claras de atuação”, avalia a gestora do local, Luisa Loks-chin. A falta do plano de manejo da UC gera prejuízos a biodiversidade, na APA e também no Refúgio Banha-do dos Pachecos, onde encontram-se os últimos cervos-do-pantanal do Rio Grande do Sul. A Reserva Biológica da Serra Ge-ral tem dificuldades peculiares no que diz respeito a sua fiscalização, devido a seu relevo acidentado e elevado gra-diente altitudinal. O gestor da UC, Ju-liano Roberto Zanchin, explica que o deslocamento a pé na unidade é mui-to perigoso para os funcionários. Ele coloca a necessidade de uma “equipe capacitada, que disponha de um míni-

mo de segurança e infraestrutura para permitir o suporte e a agilidade das in-cursões à Unidade de Conservação”. Atualmente, trabalham na UC apenas um técnico ambiental, uma estagiária de nível médio e uma servente de lim-peza. “Pode-se dizer que a carência de recursos de ordem financeira e de

pessoal é o motivo que diretamente compromete o planejamento e a re-alização de uma rotina de fiscalização no núcleo da Reserva”, avalia Zachin. Recentemente, nas reuniões de outubro e de novembro de 2012 do Comitê Estadual da Reserva da Biosfe-ra da Mata Atlântica, das quais partici-param o ex-diretor do Departamento de Florestas e Áreas Protegidas (DE-FAP), Roberto Ferron, e técnicos da Divisão de Unidades de Conservação (DUC) da Secretaria Estadual do Meio Ambiente, o quadro pintado sobre as condições para o funcionamento das Unidades de Conservação estaduais foi de cor vermelha. A mesma situação é demonstrada pelas constantes recla-mações nas reuniões dos sete conse-lhos de UCs estaduais que o Curicaca participa. O tema está, então, sob gra-ve condição de alerta e alguns casos só recebem a necessária atenção com denúncias ao Ministério Público, o que poderia ser evitado. Para o pleno funcionamento das UCs, a chefe da DUC da Secretaria Estadual do Meio Ambiente, Már-cia Correa, percebe uma dificuldade ainda mais intrínseca: a relação do homem com o ambiente. “O utilita-rismo clássico que toma a natureza apenas como um meio para os fins humanos. Esta forma de pensar ainda é um entrave gigantesco no qual a co-munidade não consegue desvencilhar

o desenvolvimento econômico com utilização indiscriminada de recursos naturais.” Para ela, o homem só cuida e preserva aquilo que conhece, dessa maneira, as UCs devem ser reconhe-cidas dentro da sua região de forma interligada também com a cultura do local.

Conselhos Consultivos O Curicaca vem atuando para mu-dar a realidade por meio, também, da participação nos Conselhos Con-sultivos de algumas UCs, como o do Parque Estadual de Itapuã, do Parque Nacional do Aparados da Serra, da Reserva Biológica Mata Paludosa e da APA do Banhado Grande. Os Con-selhos são ferramentas fundamentais para a gestão desses territórios com-postos com paridade por integrantes do poder público e da sociedade civil. Eles possuem diversas funções, entre elas melhorar a interação das unidades com seu entorno e revisar o plano de manejo. Segundo Márcia, o conselho é uma ferramenta que fa-cilita a percepção da UC como um benefício para a sociedade, como “um espaço que amplie os valores culturais, científicos, econômicos e ambientais do local, trazendo um desenvolvimento sustentável para a região”. Segundo fontes da DUC, atualmente o Conselho do Parque de Itapeva e da Reserva Biológica da Mata Paludosa são os mais efetivos do Rio Grande do Sul, os que mais ge-ram resultados positivos para as áreas protegidas. Uma das vitórias de 2012 foi a criação dos Conselhos da Área de Proteção Ambiental da Rota do Sol e da Estação Ecológica de Aratin-ga, dos quais o Curicaca também faz parte.

Problema Fundiário Após a delimitação técnica e política de um território como UC, muitas de-las precisam de regularização fundiária. Ou seja, é necessário comprar as terras dos proprietários privados. Em quase todas as unidades há conflitos nos quais as famílias que ocupavam a região não recebem suas indenizações e não se re-tiram do local. Dados fornecidos pela DUC apontam que 51 mil hectares desses territórios estão irregulares. Muitos são os empecilhos para que ocorra a regularização, como a falta de documentação dos proprietários, a insuficiência de recursos financeiros, a carência de servidores públicos para realizar os trabalhos e a desinforma-ção da sociedade (vide box). Apesar do grande problema que esse quadro compõe, ainda não existe um planeja-mento eficiente para tratar da questão no estado, o que torna a situação muito mais preocupante. Márcia aponta também como uma das dificuldades a demarcação das áre-as de maneira muitas vezes não clara. Ela avalia que o primeiro passo é um levantamento fundiário. Além disso, “temos muitos exemplos de pessoas que não têm o registro de suas terras, mas moram no local há décadas, e ou-tros casos em que os proprietários não têm condições financeiras ou de acesso para regularizar suas terras.”

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Gaúchos pedem a Reserva da Biosfera do PampaInstrumento de gestão que deu certo para a Mata Atlântica pode ser aplicado no Pampa

“A Pampa é um país com três bandeiras

e um homem que mateia concentrado,

seus olhos correm por sobre as fronteiras

que o fazem tão unido e separado!

A Pampa é um lugar que se transcende,

fronteiras são impostas pelas guerras;

“y el gaúcho”, com certeza, não entende

três nomes, três brasões pra mesma terra!”

Joca Martins

Com cerca de um milhão de hec-tares distribuídos entre os territórios brasileiro, uruguaio e argentino, esti-ma-se que o Pampa conte atualmente com apenas metade de sua cobertura original. Além disso, na parte brasileira, somente 1,5% do bioma são de áreas protegidas, o que o torna bastante su-jeito à degradação. Percebendo a clara necessidade de criação de mecanismos que visem à conservação da área, algu-mas instituições têm somado esforços na tentativa de mostrar a importância da criação da Reserva da Biosfera do Pampa. As Reservas de Biosfera fazem par-te do projeto “O Homem e a Biosfe-ra”, criado pela UNESCO e que visa à conservação, ao desenvolvimento humano, cultural, social, econômico e sustentável e ao suporte para pesquisa, monitoramento e educação ambiental. Reconhecidas pela importância am-biental e cultural do local, as Reservas têm se mostrado como importantes ferramentas de conservação, já que re-únem entidades e pessoas que traba-lham pela valorização daquele espaço. O coordenador técnico do Institu-to Curicaca, Alexandre Krob, explica que outra grande contribuição da rede é que os argumentos técnicos são ala-vancados por um reconhecimento ins-titucional, o que facilita a realização de mudanças reais. A ONG está envolvida com a questão desde que a ideia sur-giu, em 2005, dentro do Comitê Es-tadual da Reserva da Biosfera da Mata Atlântica (CERBMA/RS). Em 2009, houve um esforço por parte da UNESCO no sentido de pos-

sibilitar a criação da Reserva. Na oca-sião, foi contratada uma consultoria para realizar um estudo da viabilidade técnica do trabalho, o que resultou no mapa do que seria a parte brasileira da Reserva. O biólogo responsável pela pesquisa, Eduardo Vélez, conta que a proposta foi apresentada, mas as tra-tativas não evoluíram e o estudo ficou como subsídio para uma possível con-tinuação do processo. Presente em várias fases do pro-cesso de de criação da Reserva, no momento, o Curicaca participa como apoiador e provocador da ideia. Re-centemente, a proposta encontrou novas forças no empenho de algumas prefeituras da região pampeana - San-tana do Livramento, Quaraí, Rosário do Sul e Alegrete, através da coopera-ção organizada pelo projeto “Aglome-rados Urbanos em Áreas Protegidas” da URB-AL Pampa. Em setembro de 2012, em uma reunião com o Secretá-rio de Estado do Meio Ambiente, Hé-lio Corbellini, foi feita a solicitação de apoio à causa ao governo do Estado. O coordenador da assessoria técnica da Secretaria Estadual de Meio Ambiente (SEMA), Luis Fernando Perelló, conta que a Secretaria apóia o projeto e irá colaborar com a fase de geoprocessa-mento. “A iniciativa vai ao encontro de duas coisas que a SEMA está fazendo: o projeto RS Biodiversidade, que tra-balha com a conservação dos campos nativos, e a necessidade de criação de uma Unidade de Conservação no bio-ma Pampa”, explica. A proposta, portanto, tem grandes chances de finalmente sair do papel,

mas para isso acontecer, ainda são ne-cessários alguns passos. O primeiro deles foi dado em outubro, quando o Estado recomendou a criação da Re-serva ao Ministério do Meio Ambiente (MMA), que, por sua vez, leva a de-manda ao Comitê Brasileiro do Pro-grama ”O Homem e a Biosfera” (CO-BRAMAB) onde o projeto é avaliado e recebe ou não o reconhecimento in-ternacional. Outra pendência que pre-cisa ser solucionada é a reestruturação do sistema de gestão das Reservas, que está em curso dentro do MMA, o que hoje pode ser o maior entrave para a situação. É importante destacar que a Reser-va deve ser criada de forma indepen-dente por cada um dos três países. A integração, entretanto, é fundamental no momento do planejamento, como foi defendido pelo Instituto Curicaca durante a apresentação da proposta no I Workshop Internacional “Susten-tabilidade Socioambiental da Bacia da Lagoa Mirim”, em 2009. A ideia é que a integração aconteça através da Câ-mara Ambiental do Mercosul. O Uru-guai já apresentou a proposta à UNES-CO e está à espera da avaliação. O Brasil tem até setembro de 2013 para entregar os estudos, que são avaliados somente uma vez por ano. Mesmo acreditando que os movi-mentos de conservação sejam histo-ricamente mais ligados com áreas flo-restadas, Perelló vê grandes chances da aceitação da proposta. “O progra-ma MaB tem uma preocupação muito grande com a conservação, mas não deixa de prestar atenção nas pessoas

Falta de diálogo Apesar das importantes conquistas do último ano, é preciso atentar para algumas fragilidades do processo. A falta de diálogo entre os grupos que estão mobilizados é inegável. A exis-tência de um estudo completo, de uma proposta já redigida e do mapa da área, realizados por Vélez, era des-conhecida dos atuais articuladores da iniciativa. O desencontro de informações sig-nifica perda de tempo e de dinheiro que serão gastos com algo já pronto e que pode ser aperfeiçoado com o envolvi-mento do Estado do Rio Grande do Sul e das prefeituras municipais, até então ausentes no processo. Para Alexandre Krob, que tem acompanhado e provo-cado o processo há bastante tempo, a proposta técnica existente carecia até então de um maior envolvimento local para que fossem desfeitas resistências decorrentes da falta de informação so-bre os benefícios da Reserva. O apoio do Estado também facilita a resolução de questões mais diplomáticas, como a da reestruturação das Reservas.

e comunidades que vivem nos biomas. Por termos uma cultura muito arraiga-da e que transcende fronteiras - como o mate, a pecuária, a milonga – acabou sendo criada uma unidade cultural im-portante, que vai possivelmente tocar na sensibilidade da UNESCO”. Vélez também acredita que a cultura local seja um ponto a favor. “A existência da cultura pampeana vai ao encontro dos objetivos de existência da Reserva”, conclui.

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Pinhão pode ter certificação orgânica no BrasilInstruções para produção orgânica da semente serão divulgadas para adesão voluntária

No inverno, um dos gostos mais acolhedores é o do pinhão. Mas o que acontece entre sua colheita e o des-tino final? São dos poucos remanes-centes da floresta de araucária do país que caem os pinhões. Essas sementes alimentam uma cadeia produtiva com-plexa e que precisa de atenção. O Ins-tituto Amigos da Reserva da Biosfera da Mata Atlântica junto do Instituto Curicaca e outras instituições, desde o ano passado, trabalham no projeto “Construção participativa de diretri-zes para o Manejo Sustentável do Pi-nhão (Araucária angustifólia) a partir de uma visão da conservação da floresta com araucária e do uso do pinhão”. Depois de oficinas realizadas no Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná e São Paulo com famílias extrativistas, instituições da sociedade civil e gover-no, foram apontados caminhos para a implementação do pinhão orgânico, os quais envolvem o ramo da pesqui-

sa, políticas públicas e recomendações técnicas. As diretrizes formam um plano de manejo que, após consulta pública, vai ser divulgado para quem quiser comercializar o pinhão com as normas do extrativismo orgânico. As regras farão parte do Anexo da Ins-trução Normativa nº17/2009 (MMA/MAPA). No aspecto legal, um dos pontos propostos no plano de manejo que causa maior polêmica é o período de defeso da semente, que determina que o pinhão não pode ser coletado antes do dia 15 de abril. Essa decisão foi estabelecida porque existe a neces-sidade de garantir alimento para fauna e a regeneração natural da espécie. A data fixa do defeso, contudo, não acompanha as variações ambientais de cada região. A floresta de araucária está pre-sente em seis estados, nesse sentido a maturação da semente varia de região para região e de ano para ano, pois é influenciada por diversos fatores, como as variações climáticas. O ideal, segundo uma das diretrizes do plano, seria que a coleta do pinhão fosse a partir “de pinhas maduras, de acor-do com conhecimentos tradicionais, independentemente das datas fixas e períodos pré-estabelecidos”. Nesse sentido, o plano também aponta como diretriz o fortalecimento de pesquisas e experiências associadas aos conhecimentos tradicionais que tragam respostas quanto às indefini-ções e às melhores práticas de ma-nejo. Para o coordenador técnico do Instituto Curicaca, Alexandre Krob, “a

garantir o extrativismo orgânico é preciso identificar as outras atividades associadas às propriedades rurais. Um dos apontamentos é a necessidade de se fomentar a produção sustentável no entorno de Unidades de Conser-vação, além de também apoiar a par-ticipação das organizações sociais nos planos de manejo e conselhos gesto-res das UCs.

valorização do bom manejo dessas es-pécies é uma estratégia de conserva-ção importante”. “O grande desafio é juntar de maneira harmônica critérios que são de caráter social e critérios ecológicos de conservação da biodi-versidade”, salienta. Como a coleta do pinhão é uma atividade sazonal e, dessa maneira, secundária para os produtores, para

A Araucária angustifólia começa a produzir pinhões entre os doze e vinte anos de idade. A produti-vidade varia em ciclos de dois a três anos. A espécie está inclusa na lista de espécies ameaçadas de extinção, pela Instrução Nor-mativa n° 06 de 23 de setembro de 2008, do MMA, e é proibido o seu corte, a não ser que seja plantada. O incentivo à cadeia produtiva do pinhão é vital para a valorização da araucária em pé.

Ponto de Vista

falta de pessoal e de recursos, as instalações são precárias. Seria de esperar que as autoridades, conhecendo esta situação, providenciassem medidas para corrigi-la e que a sociedade mani-festasse sua preocupação e exigisse a efetivação dessas áreas. Por que isto não acontece? Há um desinteresse bastante generalizado. Como se o problema não fosse da nossa conta. Há pouca luta con-tra o abandono, vozes que praticamente não se ouve. Por quê? A explicação, me parece, está no pouco conhecimento que as pessoas em geral têm de nossa natureza. Pouco sabemos de nossas plantas, bichos, campos e matas. Por isso não os valorizamos. Por isso não os amamos. E para proteger fauna e flora, montanhas, praias, rios, lagoas é preciso amor. Não bastam a Constituição Federal, as convenções internacionais, as leis, decretos e resoluções. É preciso que co-nheçamos nossa natureza para amá-la e para levar a sério as UCs e tudo que se possa fazer para a conservação de um patrimônio natural que é nossos e de nossos descendentes.

Vamos levar as UCs a sério? Unidades de Conservação são áreas destinadas à manutenção de porções da natureza em seu estado primitivo ou mesmo alte-rado, mas protegidos de atividades humanas que provocam sua degradação. São importantes para que conheçamos a vegetação, a fauna, o solo, as rochas e os corpos d’água em seu estado natural. O Rio Grande do Sul é notável por sua natureza. Clima, relevo, geologia condicionam a riqueza da flora e da fauna, bem como a diversidade das paisagens. Desde a chegada dos europeus, as flo-restas foram reduzindo-se a pequenas manchas, os campos, substi-tuídos por culturas anuais e árvores exóticas. Os poucos remanescentes das áreas naturais são documentos das paisagens primitivas e, assim, valiosos. Neles se abriga o que restou da biodiversidade tão importante para o futuro. Uma das funções das UCs é a de preservar estes restos. Apesar da pequena área mantida protegida e dos esforços de funcionários dedicados, os objetivos das UCs não têm sido cumpri-dos. Em muitos casos a situação fundiária não está regularizada, há

Luis Baptista é histo-riador natural, dou-tor em Botânica pela Universidade Fede-ral do Rio Grande do Sul e idealizador de diversas Unidades de Conservação do RS.

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Leis criadas para garantir a reposição das árvores cortadas por empreendimentos que recebem licença ambiental estão sendo desvirtuadas

Compensação não garante a conservação ambiental

Quando se quer utilizar um espaço onde existem árvores nativas que precisarão ser cortadas, o pri-meiro passo a ser dado é conseguir o licenciamento ambiental que autorize a retirada das plantas. Para isso, os órgãos responsáveis analisam qual será o dano e indicam o que deve ser feito para a compen-sação equivalente. Pelo menos é assim que deveria acontecer. A compensação ambiental não tem sido feita de modo a atender o seu princípio fundamental, ou seja, suprir o que foi retirado. Em duas diferentes si-tuações que acontecem atualmente, uma no municí-pio de Porto Alegre e outra no âmbito do estado do Rio Grande do Sul, esse mecanismo de conservação tem encontrado obstáculos. O trabalho é primordialmente uma responsabili-dade do Estado. Entretanto, quando o impacto am-biental do corte de vegetação tem abrangência so-mente local, um convênio entre Estado e Município permite que este seja licenciado pelo órgão local, o que é o caso de Porto Alegre.

Em busca da equivalência “As árvores são consideradas bens de interesse público e uso comum. Elas são um patrimônio de toda a coletividade da cidade.” Assim o promotor de justiça de meio ambiente de Porto Alegre, Car-los Paganella, começou a explicar a atual situação da compensação na cidade. A atividade, atualmente regulamentada pelo De-creto Municipal 17.232, de 2011, vem sendo con-testada pelo Ministério Público do Rio Grande do Sul (MP/RS). Em outubro de 2012, a Promotoria de Justiça de Meio Ambiente entrou com uma Ação Civil Pública contra a prefeitura de Porto Alegre alegando desvio de finalidade nas medidas de com-pensação ambiental do corte de vegetação arbórea nativa. A prática tem acontecido predominantemente através da compra de materiais como botinas, luvas, escadas e até motosserras; fornecimento de servi-ços terceirizados para atividades como podas de ár-vores e manutenção de praças; compra de veículos e reformas nas zonais da Secretaria de Municipal do Meio Ambiente (SMAM), entre outras conversões que são permitidas pelo Decreto.

O inquérito realizado analisou os empreendimentos licencia-dos entre 2010 e 2011. Somen-te neste período, 458 mil mudas deixaram de ser plantadas, o que corresponde a cerca de R$25 mi-lhões. Se a verba tivesse sido in-

é proibido pela Constituição.Paganella explica que o objetivo é fazer com que a compensação seja feita de forma a trazer os benefícios ecológicos correspon-dentes aos danos. “O que o MP quer é o equivalente. O tamanho

vestida em arborização urbana de fato, muita coisa poderia estar melhor. “Daria para ter feito uma re-volução ambiental dentro de Porto Alegre”, afirma Paganella. A prioridade de aplicação das compensações, segundo o promotor, deve ser a compra de áreas verdes urbanas, que é a última opção hoje em dia. “O objetivo é que se implementem os corredores ecológicos, as zonas de amortecimento das Unida-des de Conservação (UCs), as UCs que ainda não

foram implantadas - como o Morro São Pedro -, que se regularize fundiariamente o Morro do Osso”, ex-plica. A compra de áreas para a conservação da bio-diversidade é também a opção mais indicada pela Lei da Mata Atlântica, cuja aplicação no município vem sendo analisada pela prefeitura. (leia na página 12) A alternativa se apresenta como a mais viável para suprir os serviços ambientais que se perdem

com a supressão de remanescentes de Mata Atlânti-ca em estágio médio e avançado. “O que uma árvore acima de dez metros presta em termos de serviços ambientais como purificação do ar e alimento para pássaro, nem quinze mudas compensam” avalia o promotor. “Os serviços ambientais são ignorados pelo município, infelizmente”, define Paganella. Entre os pedidos da Ação feitos pela Promotoria está a solicitação de anulação do Anexo I do De-creto 17.232, o qual reduz a quantidade de mudas

que devem ser repostas por árvore cortada. Entre as nativas acima de dez metros, por exemplo, o nú-mero foi reduzido de quinze para oito plantas. Foi solicitada também a suspensão da compensação por materiais e serviços, a criação de um Plano de Ação Ambiental guiado por lei, que determine como deve ser feita a gestão da arborização urbana, e a inva-lidação de todos os dispositivos do Decreto que possam causar retrocessos socioambientais, o que

e a proporção de danos que foram feitos para a im-plantação de um condomínio de casas e a quanti-dade de árvores que foram cortadas daquele local deve ser devolvida na mesma proporção em outros locais. Não inviabiliza a livre iniciativa e o direito à propriedade, só que a propriedade passa a ser so-cial, essa que é a ideia.” Até o fechamento desta edição, a 10ª Vara da Fazenda Pública não havia examinado a Ação Civil Pública, já submetida há cerca de cinco meses.

“As árvores são consideradas bens de interesse público e uso comum. Elas são um

patrimônio de toda a coletividade da cidade.”

Brun

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De 6 a 9 pontos: Na próxima vez que você se deparar com alguma das situa-ções faladas, pense na sua con-tribuição para salvar o planeta. O meio ambiente depende de nós, assim como nós dependemos dele.

De 10 a 14 pontos: Você está no caminho cer-to, mas ainda pode melhorar. A natureza merece nossa máxima dedicação possível.

De 15 a 18 pontos: Parabéns! Você consegue vi-ver em equilíbrio com o meio ambiente evitando alguns dos grandes impactos que o homem causa ao mundo. Passe essas ideias para seus amigos que ainda não as praticam.

Responda as perguntas e reflita sobre algumas situações cotidianas relacionadas à natureza

Problemas de gestão A compensação ambiental também está bastante defasada em âmbito estadual. Desde que parte do trabalho foi passado do Departamento de Florestas e Áreas Protegidas (DEFAP) para a Fundação Esta-dual de Proteção Ambiental Henrique Luiz Roessler (FEPAM), cerca de oito mil empreendimentos não realizaram a devida compensação. Ainda não se sabe exatamente o tamanho do passivo que foi criado, mas é certamente equivalente a alguns milhões de mudas que deixaram de ser plantadas no estado in-teiro. Até 2008, a compensação ambiental no estado era responsabilidade do DEFAP, que determinava o que deveria ser feito para equilibrar a supressão da vegetação e fiscalizava o processo. Naquele ano, através de um convênio interno firmado entre a Secretaria Estadual do Meio Ambiente (SEMA) e a FEPAM, a determinação da compensação do corte da vegetação para os empreendimentos licenciados passou a ser uma função da Fundação, que não tem executado a tarefa com efetividade. O controle da política florestal estadual, no en-tanto, é uma função do DEFAP. Segundo o chefe da Divisão de Licenciamento Florestal do órgão, Leo-nardo Urruth, muitos técnicos de ambas as institui-ções não concordam com esta delegação de com-petência, que foi conduzida de forma atropelada e não passou por um processo de transição. “O corpo técnico do DEFAP demonstrou contrariedade, mas mesmo assim a SEMA tomou essa decisão”, conta Leonardo. A alegação da direção da FEPAM foi de que os processos tinham muito tempo de análise e

que isso atrasava o processo de licenciamento, mas os técnicos do Departamento questionam essa in-formação. A pedido do Instituto Curicaca, a situação foi levada ao Comitê Estadual da Reserva da Biosfera da Mata Atlântica, que cobrou soluções urgentes. Leonardo explica que a FEPAM está analisando in-dividualmente os empreendimentos que não fize-ram a compensação para que se entenda melhor a situação. Além disso, está sendo viabilizado junto à Companhia de Processamento de Dados do Esta-do do Rio Grande do Sul (PROCERGS) o acesso da FEPAM ao sistema de controle de dados do DEFAP para que as informações relativas aos processos se-jam disponibilizadas e os dados necessários para o monitoramento estejam acessíveis sem que seja ne-cessária qualquer intermediação. A FEPAM atribui a defasagem do serviço à falta de capacitação e de recursos humanos. Ainda assim, no fim de 2012, o convênio para a realização do tra-balho foi renovado.

Garantia de conservação É preciso lembrar que a área onde é feita a Repo-sição Florestal Obrigatória – uma das formas de fazer a compensação – não é um local de conservação ou uma Área de Preservação Permanente (APP). Além disso, o manejo da vegetação é permitido. Portan-to, também em âmbito estadual, a prioridade para a compensação ambiental é a aquisição de áreas. Uma das opções é adquirir uma terra com valor para conservação e registrar na matrícula do imó-vel a condição de APP ou Reserva Florestal para que

seja garantida a preservação da área. Neste caso, o espaço não precisa ser doado para o Estado. Outra alternativa é a compra de terras dentro de Unida-des de Conservação. O DEFAP tem trabalhado para que essa seja a principal forma de compensar gran-des empreendimentos. “A gente enxerga com bons olhos essa perspectiva porque sabe das dificuldades que o Estado tem em fazer a regularização com re-cursos próprios”, explica Leonardo. A iniciativa traz muitos benefícios, mas é preci-so avaliar em que escala ela deve ser realizada. “É importante que a compensação seja um mecanismo capaz de ajudar no enorme passivo de regularização fundiária das Unidades de Conservação, mas existe um território entre as UCs que precisa manter as funções ecológicas das florestas, como as de corre-dores ecológicos, abrigo de polinizadores, geração e qualidade de água”, explica Alexandre Krob, coor-denador técnico do Curicaca. O assunto tem preocupado os técnicos da ONG, o que levou ao debate e criação de sugestões de di-retrizes para a tomada de decisão sobre o assunto, como a definição sobre o percentual das compensa-ções que serão feitas em UCs, a obrigatoriedade do plantio na mesma bacia hidrográfica e ecossistema atingidos e a preocupação com a origem genética das mudas para que sejam evitadas contaminações. É fundamental, portanto, que as compensações se-jam feitas de forma planejada, impedindo um possí-vel cenário de transferência das florestas distribuídas nas bacias para dentro das UCs, onde podem se tor-nar “ilhas” isoladas de floresta em meio a lavouras e pastagens.

Espaço Ecolegal

Você contribui com a conservação do meio ambiente?

Qual é o meio de transporte mais presente em seu dia-a-dia?a) O carro , pois ando quase todos os dias da semanab) Quase sempre o ônibus, mas quando tenho a oportunidade ando de carroc) Quando o lugar não é tão longe, vou a pé ou de bicicleta

Quando você costuma comprar roupas novas?a) Sempre que possob) Às vezes compro roupas que eu não precisaria no momentoc) Quando as minhas não servem mais ou quando preciso de alguma peça que ainda não tenho

Você sabe a origem dos produtos que consome?a) Nunca pensei nissob) Sei de alguns, mas compro o que for mais acessível e prático c) Sim, tomo cuidado para escolher produtos locais, que evitam os im-pactos do transporte e incentivam o desenvolvimento da minha região

Quando você está com a luz liga-da em um cômodo de casa e vai para outro, o que você faz?a) Sempre esqueço de apagarb) Tento lembrar, mas às vezes es-queçoc) Sempre apago para evitar o des-perdício de energia e de dinheiro

A quantidade de lixo gerado a partir das embalagens de comida que você compra influencia na sua compra?a) Não reparo nissob) Às vezes percebo a quantidade de material desperdiçado, mas esse não é o principal fator de define a minha comprac) Sim, sempre que possível compro produtos que utilizem menos embala-gens

Quanto tempo você demora no banho?a) Meia hora ou maisb) De 15 a 20 minutosc) De 5 a 10 minutos

Resultado:

A = 1 ponto B = 2 pontos C = 3 pontos

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Educação ambiental

Oficinas buscam reflexões sobre impactos ambientais Ao longo de 2012, o Instituto Curicaca, em parceria com o INCRA, levou ao assentamento Filhos de Sepé três oficinas com temáticas am-bientais. Duas delas aconteceram na Escola Nossa Senhora de Fátima, onde cerca de 90% dos alunos são moradores do assentamento, e a outra foi realizada em uma das propriedades do local. Geração de energia, reaproveitamento do lixo e produção de papel foram alguns dos as-suntos debatidos com os participantes. A par-te prática trouxe alternativas sustentáveis e acessíveis para os temas conversados.

A produção de papel causa grande impacto ao meio ambiente. Desde as enormes plantações de pinus e eucalipto, que criam os chamados “deser-tos verdes”, até o processo de branqueamento das folhas, que libera toxinas na atmosfera e na água, a atividade tem sido uma das grandes responsáveis pelo desequilíbrio ambiental atual. Por isso, foi um dos temas que fez parte das reflexões propostas pe-las oficinas. O encontro tinha um objetivo prático: ensinar o processo de produção de papel reciclado. Mas antes disso, as crianças aprenderam um pouco sobre os tipos de papéis, quais podem ser reciclados e quais são as implicações do consumo desse material. Além de despertar a consciência ambiental, a ati-vidade trabalhou o lado artístico dos participantes. “É um processo que faz pensar sobre a responsabi-lidade que temos naquilo que descartamos e como podemos criar algo estético e criativo a partir daqui-lo que foi jogado fora”, explica a arte-educadora e ministrante da oficina, Patrícia Bohrer. Para isso, os alunos contaram com papel celo-fane, sementes, flores e folhas secas, materiais que podem trabalhar tanto o aspecto visual, quanto o olfativo. Cada participante produziu seu papel, que depois pode ser levado para casa. Além disso, os cerca de 60 participantes ganha-ram o livro “Maria Reciclilda em: eu amo reciclar”, de Alexandre Krob e Patrícia Bohrer, que explica passo a passo o que foi ensinado na oficina e fala também da reciclagem de outros materiais.

Papel Reciclado

Aquecedor de água com material reciclável

Além de gerar energia através da luz solar, o aquecedor de água, construído com a ajuda de alu-nos, pais, professores e funcionários da escola, foi produzido a partir de materiais recicláveis como garrafas pet e caixas de leite. A ideia da atividade foi proporcionar um espaço de reflexão e diálogo sobre os atuais processos de produção de energia e de descarte do lixo. A parte prática da oficina, ministrada pelo enge-nheiro elétrico, Lessandro Rodrigues, mostrou que a produção de energia a partir de fontes renováveis não é só possível, como também acessível a todos. O equipamento construído serve como modelo, abastecendo somente uma torneira da escola, mas pode ser utilizado também como material de estu-do prático em diversas disciplinas, como Ciências e Geografia. Ao fim do dia, os alunos construíram um mural com desenhos que retratam o que aprenderam du-rante a atividade. Um manual completo para a cons-trução do aquecedor foi disponibilizado à biblioteca da escola.

Compostagem

Apesar de ser uma questão óbvia para as refle-xões ambientais, na prática as pessoas pouco pen-sam em qual é o destino do lixo que geram. Afinal, “lixo é sujo, lixo atrai insetos, lixo exala cheiros de-sagradáveis” e “o poder público é o responsável pela resolução desse problema”. Mas você já parou para pensar que esse mesmo lixo, se utilizado da maneira correta, pode ajudar na formação de muitas formas de vida? Pensando assim, o Curicaca resolveu levar ao assentamento uma oficina sobre os processos e técnicas da compostagem. A prática consiste na decomposição de restos orgânicos misturados com algum material de supor-te - a palha da colheita do arroz, folhas secas - e proporciona vários benefícios ao agricultor: além de gerar um composto que pode ser usado como adu-bo na lavoura, quem pratica a compostagem deixa de despejar no mundo aquele lixo inútil do qual fala-mos antes e ainda pode fazer economia.

A atividade, ministrada pelo agrônomo Alexan-dre Krob, aconteceu na casa de um assentado e levou aos moradores a possibilidade de entender quais devem ser as condições do adubo para que ele forneça os nutrientes necessários às plantas e ao solo. O conhecimento técnico sobre o assunto é im-portante por aperfeiçoar as práticas dos agriculto-res, evitando a compra ou produção de compostos de má qualidade.

A natureza pede socorro Apesar do meio digital ter reduzido o uso de pa-pel como suporte, o consumo do material continua grande. Seja para trabalhar, pagar uma conta ou ler esse jornal que você tem em mãos, ele faz parte de nossas atividades praticamente todos os dias. O problema é que os impactos causados pela atividade são muitos, como a degradação dos cam-pos nativos ao serem convertidos em plantações de árvores, a inibição que o pinus causa a outras for-mas de vida, o ressecamento do solo pela grande absorção de água do pinus e do eucalipto, a escassez de alimento para a fauna dentro das plantações ho-mogêneas, o caráter invasor intensificado pela alta capacidade de dispersão das sementes e a poluição hídrica com o cloro utilizado no branqueamento da fibra. A melhor opção que temos para evitar esses im-pactos, portanto, ainda é optar pelo papel reciclado, que apesar de não contribuir tanto quanto poderia para a reutilização do material - nas folhas para im-pressão, somente 10% é reaproveitado -, diminui a liberação de toxinas no ambiente ao não passar pelo processo de branqueamento.

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Pinte o desenho abaixo e descubra qual é a cor que está desaparecendo das nossas cidades.

Tirinhas infantisLuana Krob (argumento) e Patricia Bohrer (ilustrações)

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Preservar sentimentos, tradições, culturas. Os esforços para conservação do que não se vê na ma-terialidade do dia a dia dão resultados concretos. O Instituto Curicaca ganhou, no ano de 2012, o edital de Apoio ao Registro e à Memória da Secretaria de Estado da Cultura do Rio Grande do Sul para dar con-tinuidade ao trabalho de preservação do patrimônio imaterial associado à palha do butiá, no litoral norte gaúcho. O principal objetivo do projeto, que começa em 2013, vai ser a criação de um site no qual estejam presentes registros dos conhecimentos das artesãs que dominam a arte de trançar a palha do butiá. A salvaguarda do Patrimônio Imaterial associado à Mata Atlântica é um dos focos de trabalho da ONG desde sua criação, em 1997. O Programa de Con-servação e Uso Sustentável dos Butiazais do Instituto Curicaca, criado em 2003, é uma iniciativa da insti-tuição que tem como um dos objetivos a salvaguarda de bens culturais da comunidade local. Cerca de 30 artesãs do litoral norte gaúcho tem como tradição o artesanato com a palha do butiá. A arte do trançado, que dá origem a produtos como, chapéus, bolsas, ta-petes, esteiras e cachepôs, agrega em si memórias, relações sociais e significados simbólicos da comuni-dade. O conhecimento das artesãs, além disso, inclui saberes de como extrair folhas da palmeira sem ma-tar a planta. Por diversos motivos, essa cultura está se perden-do. Um dos problemas é a falta de regulamentação para extração das folhas que deixam as famílias que

Patrimônio imaterial associado ao butiá do litoral norte vai ganhar site para divulgação

Novo passo na salvaguarda do artesanato com butiá

des do Poder Público. Em audiência pública realizada no mês de janeiro, foi definida a criação de um Grupo de Trabalho para de-bater a melhor forma de proteger o ecos-sistema. O grupo é formado pelo Minis-tério Público, prefeituras de Tapes e Barra do Ribeiro, FZB, Sindicatos Rurais, Farsul, UERGS, Fetag e representantes do movi-mento ambientalista. Quem sabe agora vai!

Butiazais de Tapes precisam de proteção O município gaúcho às margens da laguna dos Patos abriga um dos mais importantes re-manescentes de butiazais do estado. O local, reconhecido pelo Ministério do Meio Am-biente como área de grande relevância para a biodiversidade, já recebeu estudos e proposta preliminar para uma Unidade de Conservação, feitos pela Fundação Zoobotânica (FZB), mas a criação dessa UC continua fora das priorida-

“Para a preservação dos saberes, também é necessária a preservação dos ambientes

naturais e das plantas que oferecem a matéria prima ao artesanato.”

têm os saberes e técnicas, na ilegalidade. Além disso, há uma crescente desvalo-rização que a tradição sofre devido aos produtos sintéticos, os quais vêm sendo cada vez mais evidenciados. Outro fator que interfere é o desinteresse dos jovens pelo conhecimento dos mais velhos. A Coordenadora de Educação Am-biental e Cultura do Curicaca, Patrícia Bo-hrer, aponta a necessidade de agregar toda a popula-ção dessas comunidades ao esforço de preservação dos seus bens imateriais. “Esse patrimônio só poderá se manter e ter capacidade de se recriar se as pessoas tiverem o real interesse de vivenciá-lo como parte de suas vidas, se estiverem envolvidas na responsabili-dade e nos direitos que possuem como produtores da cultura”, afirma. O projeto contemplado pelo edi-tal vai criar ferramentas importantes de aproximação dos jovens do litoral norte gaúcho à sua própria cul-tura. Além do site, também vai ser criada uma página

no Facebook sobre o artesanato com a palha do butiá a qual tem como um dos objetivos dialogar com a juventude. Para a preservação dos saberes, também é ne-cessária a preservação dos ambientes naturais e das plantas que oferecem a matéria prima ao artesana-to. “É preciso um apoio às condições materiais que permitem a existência desses bens, incluindo o meio ambiente”, salienta Patrícia. A equipe técnica do Ins-tituto do Patrimônio Histórico e Artístico do Estado (IPHAE) afirma que a cooperação entre as popula-ções e o meio ambiente pode contribuir para a pre-servação de ecossistemas. “A manutenção das popu-lações que vivem em equilíbrio com o ambiente pode garantir uma parceria entre elas e o poder público na preservação destas áreas contra a realização de práticas de degradação”, complementa.

Patrimônio imaterial Mas afinal, o que é o patrimônio imaterial? São todas as práticas, representações, conhecimentos e técnicas que pertencem ao patrimônio cultural de um grupo ou indivíduo, segundo a Convenção para Sal-vaguarda do Patrimônio Cultural Imaterial, aprovada pela Unesco em 2003. Esse bem é dinâmico, está em constante mutação, passando de geração em geração e, dessa maneira, cria um sentimento de identidade entre os indivíduos que o compartilham. O patrimônio imaterial constitui, por exemplo, tecnologias tradicionais de fabricação de artesanatos,

festas, procissões, manifestações musicais, cênicas, literárias, espaços onde se concentram práticas cul-turais coletivas, como feiras, mercados etc. No Brasil, em 2000, foi criado o Registro de Bens Culturais de Natureza Imaterial e também o Programa Nacional do Patrimônio Imaterial brasileiro, através do Decre-to n° 3.551, e a partir disso a salvaguarda desse patri-mônio criou maior expressividade no país. A equipe técnica do IPHAE aponta que existe uma evidência maior para a preservação dos bens mate-riais em comparação aos imateriais. Isso pode acon-

tecer por diversos motivos, um deles é a localização territorial desses bens. “Os bens intangíveis têm menor visibi-

lidade por se encontrarem, muitas vezes, distantes das grandes cidades e em lugares de acesso pouco frequente para quem é de fora”, afirma a equipe. Patrícia explica que o conceito de patrimônio ima-terial é muito recente. “Só a partir de 1972 com a

Convenção sobre o Patrimônio Mundial, Cul-tural e Natural da UNESCO que muitos países começaram a tratar desse assunto”. Apesar da tendência à fragmentação de pensamento que temos, é importante salientar que todo patrimônio imaterial tem sua porção de ma-terialidade, assim como o patrimônio material tem parte de seu conteúdo na imaterialidade das significações.

“A importância em separarmos os conceitos está em se buscar as melhores formas de proteção que são muitas vezes distintas, enquanto se fala em ‘tom-bamento’ para os bens materiais, se fala em ‘salva-guarda’ para os imateriais, na essência todos esses são valores indissociáveis e merecem uma gestão inte-grada, multidisciplinar e transversal”, afirma Patrícia. A historiadora e técnica do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), Beatriz Frei-re, complementa “o próprio conceito de patrimônio imaterial ainda está sendo apropriado pelos poderes públicos e pela sociedade. Com o tempo, poderemos falar apenas em patrimônio cultural, deixando de lado a distinção entre material e imaterial.”

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ENTREVISTA

Nesta edição, O Corredor Ecológico entrevistou o diretor de Meio Ambiente do INCRA/RS, Paulo Heerdt Júnior, sobre aspectos relativos à gestão ambiental nos assentamentos de reforma agrária administrados por este Instituto no Rio Grande do Sul. Confira abaixo.

E o lixo? Uma das frentes que vem sendo trabalha-das pelo Curicaca no assentamento é o moni-toramento de um depósito de lixo deixado no local pelos antigos proprietários. Esta é uma das atividades inclusas no convênio da ONG com o INCRA. Foi realizada uma avaliação preliminar do local para entender os tipos de resíduos lan-çados no solo, o tamanho do depósito e o seu contexto ambiental. A partir dos dados ob-tidos, foi definido o plano de monitoramen-to, que fornecerá as informações necessárias para entender se há contaminação do lençol freático ou se a natureza já se autodepurou. Neste ano, será monitorada a presença de metais pesados, de resíduos de agrotóxicos e de óleos lubrificantes. O resultado deve ser conhecido em cerca de um ano. Se confirma-da a contaminação, será elaborado o plano de remediação do impacto.

Qual é o desafio de trabalhar a gestão ambien-tal em um órgão cuja prioridade é assentar pessoas e promover a produção agrícola? O desafio, basicamente, é a dificuldade entre conciliar o anseio social dessas famílias. A partir do momento que elas têm acesso a um lote de assenta-mento, é muito difícil que essas pessoas, que buscam uma vida nova, produzir, ter sua casa, fazer sua vida com a família, façam isso em equilíbrio com o meio ambiente. Nós pegamos pessoas que estão excluídas de políticas públicas e do processo como um todo, que passam a ter algum poder porque, geralmente através de disputas e conquistas promovidas pelo movimento social, elas passam a ter acesso à terra, e temos que brecar isso de maneira positiva. É pre-ciso chegar a acordos para se estabelecer a gestão ambiental e elas ocuparem de maneira ordenada os lotes. Isso nem sempre é fácil.

Quais opções o INCRA tem encontrado para conciliar os dois aspectos? O INCRA está tentando qualificar nos últimos 3 ou 4 anos a compra de áreas para que elas tenham ao mesmo tempo um perfil de produção agropecu-ária e de mosaicos de área de preservação, de área pra corredor ecológico, de Reserva Legal. Então não basta adquirirmos uma área com potencialidade de 90 a 100% pra produção agrícola, assim como não é adequado comprarmos uma área que tenha “só” re-levância ambiental. Parece óbvio, mas o INCRA, há alguns anos, comprava áreas um pouco menos no-bres para a agropecuária. Botávamos as pessoas lá e não conseguíamos compatibilizar essa interação de a pessoa utilizar uma área com mata nativa com a pro-dução. Então houve um avanço no sentido de pegar áreas que têm os dois perfis: com solos adequados para a produção agropecuária, mas que tenham uma parte do seu segmento propícia para a gestão da bio-diversidade.

Que iniciativas existem no assentamento Filhos de Sepé, em Viamão, para a gestão ambiental? O assentamento Filhos de Sepé foi um grande de-safio para nós desde o início, porque nós colocamos lá um público que, majoritariamente, não possuía esse convívio com as áreas baixas, de arroz, com ba-nhado. Ao mesmo tempo, existe toda a relevância do Refúgio da Vida Silvestre Banhado dos Pachecos. Hoje, a grande ferramenta que nós temos lá, que não é a única, pois existe também o bom relacionamento com o gerente do Refúgio, é a parceria em forma de convênio com o Instituto Curicaca. Sozinhos nós não conseguiríamos pegar toda a complexidade. É um caso que, no meio do assentamento tem o Refú-gio e, no entorno, a APA do Banhado Grande. Então, o INCRA, tem que se apropriar de parceiros que tenham esse know how, essa história, esse conheci-mento. O Curicaca, logicamente, não tem o papel de ser o INCRA lá, mas nos ajuda com o diálogo, com a proposição de alternativas técnicas - desde o corredor, a consciência ambiental, o problema de deposição de lixo irregular anterior ao assentamen-

to. Ele consegue fazer essa interface entre nós e os assentados e as famílias não assentadas do entorno.

Quais são as implicações da existência de um assentamento no entorno da uma Unidade de Conservação? Qualquer atividade humana tem restrições que a legislação impõe para ser exercida. Isso acontece-ria em qualquer lugar, mas quando se trata de um Refúgio existem mais restrições do que outros as-sentamentos. Então, uma limitação bem clara é, por exemplo, a matriz produtiva. Nós temos vários as-sentamentos pelo estado que têm áreas de banhado e de várzea, que se prestam ao cultivo de arroz. Se esse cultivo vai ser de base convencional, com o uso de agroquímicos, ou de base agro-ecológica, que possui apoio do INCRA no Brasil, isso vai se dar em função dos assentados, da sua linha de vida, do que os movimentos sociais preconizam. O assentamen-to em Viamão é o único do Rio Grande do Sul em que os assentados não podem exercer a agricultura convencional. Pelo menos para a produção de arroz e, dependendo do plano de manejo, para as outras atividades. Coloca um pouco mais de dificuldade no trabalho.

O senhor falou no plano de manejo do Refúgio. Qual é a importância dessa ferramenta para o assentamento? Hoje, mesmo com algumas restrições claras do que pode e o que não pode em termo de caça, pesca e uso de agroquímicos no arroz, muitas ques-tões ainda estão no vácuo. Nós temos um caso bem concreto. Uma das barragens de acúmulo de água está cedida atualmente para a Secretaria Estadual de Meio Ambiente, que não tem uma política completa de uso em face da fragilidade do governo do estado quanto a recursos. Há uma possibilidade dessa área retornar para o INCRA, mas nós não sabemos exa-tamente como podemos trabalhar. Então eu acho que esse plano de manejo vai conseguir consolidar de vez o marco legal, não simplesmente assim ‘bem--mal’, ‘pode-não pode’, mas como pode, quais são as linhas. Ele vai propiciar alavancar recursos para entidades conseguirem investir na região. Eu me re-firo aos dois [planos de manejo], tanto do Refúgio, quanto da APA, que também pega o assentamento. Acho que é importante clarear de vez o marco regu-latório, estabelecer políticas para avançar e até para captar recursos para investimento na área.

Existe cooperação entre os assentados e o IN-CRA nos cuidados com o meio ambiente? A cooperação existe, assim como existe a não--cooperação. Isso é um desafio de como tornar in-teressante a variante ambiental para o assentado, fugindo daquela lógica de ‘mas não dá dinheiro’, ‘que que eu vou ganhar com isso?’. Nós notamos a dife-rença entre aquele assentado que enxerga o meio ambiente como um ganho, como a possibilidade de deixar uma área para os filhos em boa condição, e aquele que vai na lógica do ‘isso é um empecilho pra

mim’, ‘é uma área em que eu podia estar plantan-do’, ‘é só pra eu me incomodar, porque o INCRA, o órgão ambiental ou a força policial me multam’. Com o grupo positivo, é um pouco mais tranqüilo. O INCRA tenta pegar eles como multiplicadores nos mais diversos convênios e parcerias.

A diversidade de produção pode ser uma estra-tégia para a boa gestão ambiental? Como isso é visto no assentamento Filhos de Sepé? Pode, e tratando especificamente do Filhos de Sepé, o que eu vejo é que o perfil dele era muito voltado para o cultivo do arroz. Fora isso, os assen-tados tinham alguma criação para ter leite e ovos para subsistência. De uns 2 ou 3 anos pra cá, houve uma iniciativa muito boa - não do INCRA, que eu me recorde -, de diversificar e implantar a produção de caquis nas áreas secas, para aqueles assentados que não estão voltados para o arroz. É a grande ma-triz produtiva diversa do arroz que eu vejo hoje. Eu acho que um grande desafio seria, talvez nessas áre-as próximas à divisa do Refúgio ou aos corredores ecológicos, propor uma produção com frutas silves-tres. Isso poderia ser um modo de compatibilizar a preservação das matas com a produção. No caso de Viamão, talvez seja o próximo desafio a ser tratado pelo INCRA e pelo Instituto Curicaca no que ele pu-der ajudar.

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Porto Alegre precisa aplicar Lei da Mata AtlânticaFique antenado! Desde 2006, os remanescentes do bioma Mata Atlântica em Porto Alegre

estão sob a proteção de legislação federal que não vem sendo respeitada

A vida em pé que demora séculos para se constituir. Cada pedra, arbus-to, cada configuração da natureza. E pelo paradigma do “progresso”, as pequenas e grandes obras primas da Terra são destruídas. O território de Porto Alegre é composto pelo bio-ma Pampa e por formações da Mata Atlântica, uma região ecológica tão ou mais biodiversa que a Amazônica. Contudo, a especulação imobiliária, que nunca foi tão grande na capital gaúcha, toma espaços de biodiversi-dade nativa para “construir” o pro-gresso da verticalização da cidade. Nesse contexto, desde 2006, ano em que foi instituída a Lei da Mata Atlântica, a Secretaria Municipal de Meio Ambiente ainda não tem defini-ções exatas de onde se aplica a nor-mativa em Porto Alegre. O bioma é um patrimônio nacional e toda árvore de Porto Alegre faz parte do patrimô-nio do município. Apesar disso, mui-tos setores econômicos não reconhe-cem o fato e dessa maneira exercem pressão para que não se aplique a lei na capital gaúcha. O mapa de aplicação da lei gera questionamentos. Isso porque sua es-cala é muito pequena (1:5.000.000) e não apresenta uma definição precisa

de onde se aplica a lei em Porto Ale-gre. A presidente do Comitê Estadual da Reserva da Biosfera da Mata Atlân-tica, Maria Isabel Chiappetti, explica que os remanescentes das formações florestais nativas e ecossistemas asso-ciados da Mata Atlântica que ocorrem no município não estão claramente vi-síveis neste mapa. “Ou seja, são man-

“Queremos que a Mata Atlântica seja conservada e que haja um planejamento do território de Porto Alegre capaz de manter processos ecológicos que estão dentro da

cidade”

chas da Mata Atlântica incorporadas no Pampa, o que não quer dizer que não existam. Isso acontece pelo fato de que o município de Porto Alegre está localizado em área de transição entre estes dois biomas. Tal fato leva os interessados em não se submeter à Lei a afirmar que não existe Mata Atlântica em Porto Alegre e também dá margem à insegurança técnica para quem não se aprofunda na sua inter-pretação”, salienta. A promotora de Justiça, Ana Maria Moreira Marchesan, aponta como de-

manda a criação de uma política mu-nicipal de proteção da Mata Atlântica. Com um planejamento do território definido, muitos conflitos e inseguran-ças poderiam ser evitados. Para Maria Isabel, é preciso fazer um mapeamen-to detalhado da cobertura vegetal da cidade, a elaboração do Plano Munici-pal da Mata Atlântica, além da “defini-

ção de regras claras de uso dos recur-sos naturais apoiada em zoneamento ecológico-econômico”. O coordenador técnico do Institu-to Curicaca, Alexandre Krob, apon-ta como fundamental a planificação. “Queremos que a Mata Atlântica seja conservada e que haja um planeja-mento do território de Porto Alegre capaz de manter processos ecológi-cos que estão dentro da cidade”. Para isso é preciso de uma visão sistêmica, apoiada em instrumentos claros como as áreas prioritárias à conservação e

os corredores ecológicos. Com essas definições do poder público munici-pal, não só o ambiente ganharia, como também os setores econômicos. “No fundo, o empreendedor gostaria de ter essa clareza para poder investir com segurança. A legislação atual e os mapas de vegetação do Diagnóstico Ambiental de Porto Alegre já seriam suficientes para uma gestão adequa-da”, complementa Krob. Segundo a Secretaria Municipal do Meio Ambiente de Porto Alegre, estão sendo estudados na Prefeitura os locais onde há incidência de Mata Atlântica no município. Até o órgão chegar a uma conclusão, não irá se manifestar publicamente sobre o as-sunto. A previsão era de que a análise fosse finalizada até o fim do ano de 2012, o que não aconteceu. No mo-mento, o assunto tramita na Procura-doria Geral do Município. A promotora Ana Marchesan vê o esforço da prefeitura de maneira positiva. “Estou otimista, acho que a prefeitura criou um grupo de traba-lho bem consciente do problema e se ele conseguir se manter infenso às pressões da construção civil, nós po-demos chegar a um bom resultado”, avalia.

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Benefícios do Verde em Pé Os serviços ambientais que a manutenção da Mata Atlântica traria ao município são inúmeros. Lazer, ecoturismo, pesquisa, captura de carbono, equilíbrio microclimático, qualidade das águas e do ar, manutenção da fauna – várias aves dependem desse tipo de vegetação para se alimentar. A valorização dos espaços verdes da capital é fundamental para as atuais e futuras gerações. “Não podemos trocar árvore viva por árvore de plástico, como foi feito no filme O Lorax, não podemos trocar o pouco da fauna que temos por gravação de passarinho”, lamenta Krob.

Alerta à População Outro problema é que a comunidade porto-alegrense não está atenta à sua realidade. Para Krob “a sociedade em si não é favor da redução do verde da cidade, do desmatamento dos nossos morros”. A desinformação também sustenta a falta de ação, “se a sociedade estivesse informada do que está acontecendo, poderia reverter esse quadro”. Segundo Maria Isabel, apenas uma pequena parcela da população está atenta para a questão, como técnicos, professores, estudiosos e especialistas. A população em geral não sabe explicitamente o que está acontecendo. Apesar disso “se per-guntarmos às pessoas se é importan-te conservar o ambiente e como isto afetará suas vidas, elas responderão que é muito importante para a saú-de e o bem-estar de todos”. Para ela “no fundo, a legislação reflete o de-sejo e as necessidades da sociedade de estabelecer regras para que se conserve o que esta julga precioso e essencial para o bom funcionamento das relações sociais”.

A Lei da Mata Atlântica Consideram-se integrantes do bioma Mata Atlântica, segundo a Lei, as seguintes formações florestais nativas e ecossistemas associados: Floresta Ombrófila Densa, Floresta Ombrófila Mista, também denominada de Mata de Araucárias, Floresta Ombrófila Aberta, Floresta Estacional Semidecidual e Floresta Estacional Decidual, além de manguezais, vegetações de restingas, campos de altitude, brejos interioranos e encraves florestais do Nordeste. O Decreto Federal nº 6.660/2008 regulamenta a Lei e traz o Mapa de Aplicação da Lei da Mata Atlântica elaborado pelo IBGE. Esse mapa possui uma nota expli-cativa que vem sendo negligenciada pelos olhares fugazes. Ela deixa cla-ro que as tipologias de vegetação às quais se aplica a lei são aquelas que ocorrem integralmente no bioma Mata Atlântica, bem como as disjun-ções vegetais existentes no bioma Pampa. Essas disjunções estariam presentes em diversos lugares de Porto Alegre. Entre os objetivos da Lei da Mata Atlântica estão “a manutenção e a recuperação da biodiversidade, ve-getação, fauna e regime hídrico do bioma Mata Atlântica para as pre-sentes e futuras gerações, estímulo à pesquisa, à difusão de tecnologias de manejo sustentável da vegetação e à formação de uma consciência pública sobre a necessidade de recuperação e manutenção dos ecossistemas”. A supressão da vegetação primá-ria e secundária no estágio avança-do de regeneração dessas áreas so-mente pode ser autorizada em caso de utilidade pública. Em relação ao município, a lei refere que é o órgão municipal que dará autorização para a supressão de vegetação no estágio médio de regeneração situada em

área urbana. Também coloca que é vedada a supressão de vegetação primária do bioma Mata Atlântica para fins de loteamento ou edifica-ção nas regiões metropolitanas e áreas urbanas consideradas como tal em lei específica. Para os perímetros urbanos aprovados até a data da lei (22/12/2006), o desmatamento da vegetação secundária em estágio médio de regeneração somente será admitida para fins de loteamento ou edificação se os empreendimentos garantirem a preservação de vegeta-ção nativa em estágio médio de rege-neração em no mínimo 30% da área total coberta por esta vegetação. Para perímetros urbanos delimitados após a data da lei, esse valor aumen-ta para no mínimo 50% da área total coberta por esta vegetação. A compensação do desmatamen-to deve ser feito em área equivalente à extensão da área desmatada, com as mesmas características ecológicas, na mesma bacia hidrográfica e prefe-rencialmente na mesma microbacia hidrográfica. Quando verificada pelo órgão ambiental a impossibilidade da

...“Assim sendo, as tipologias de vegetação às quais se aplica a Lei 11.428, de 2006, são aquelas que ocorrem integralmente no bioma Mata Atlântica, bem como as disjunções vegetais existentes no Nordeste brasileiro ou em outras regiões, quando abrangidas em resoluções do CONAMA específicas para cada estado....V- No bioma Pampa as seguintes formações florestais nativas (disjunções): Floresta Estacional Semidecidual, Floresta Estacional Decidual, e Áreas das Formações Pioneiras (Restingas e áreas aluviais).”

Fauna ameaçada na Rota do Sol A Rota do Sol, estrada que cruza três Unidades de Conservação e liga a região serrana do Rio Grande do Sul ao litoral, está funcionando sem licença de operação. A falta do Plano Emergencial e do Plano de Gerenciamento de Riscos são as causas da deficiência, que pode aumentar o número de atropelamentos da fauna na região. Em reuniões técnicas realizadas durante o processo de licenciamento da rodovia, foram definidas ações para evitar danos ao meio ambiente com a sua implantação. A construção de passagens subterrâneas e a colocação de um pontilhão são algumas das definições que foram cumpridas, entretanto, o cercamento da Reserva Biológica Mata Paludosa, a construção de uma passagem aérea para a fauna e a sinalização para a redução de velocidade ainda não foram contempladas pelo Departamento Autônomo de Estradas de Rodagem (DAER), o que tam-bém motivou a abertura de uma Ação Civil Pública contra o órgão pelo Ministério Público. O monitoramento detalhado do atropelamento de fauna junto à Reserva ajudará a respon-der perguntas importantes para definir quais medidas ainda são necessárias. Enquanto isso, o Instituto Curicaca sugere ações emergenciais, como o cercamento da ReBio Mata Paludosa. A principal preocupação é com os anfíbios, alguns deles endêmicos do local e outros ameaçados de extinção. É recomendado que seja monitorada também a eficácia da cerca, já que alguns animais conseguem ultrapassá-la. O DAER, o Ministério Público e o IBAMA, órgão licenciador do empreendimento, continuam discutindo as soluções definitivas para a situação.

compensação ambiental desse tipo, será exigida a reposição florestal, com espécies nativas, em área equi-valente à desmatada, na mesma bacia hidrográfica, sempre que possível na mesma microbacia hidrográfica. Infelizmente, em Porto Alegre muito já foi licenciado sem a aplica-ção devida da lei. Krob lembra que, junto com Maria Isabel, participou de várias reuniões com os técnicos da SMAM para tratar da necessidade de aplicação da Lei da Mata Atlântica no município. A primeira resposta veio em 2011, com o Decreto Municipal 17.232, que passou a demandar o respeito à Lei Federal. “São desco-nhecidos os motivos, mas a norma-tiva foi ignorada entre 2006 e 2011 e tudo ficava mais simplificado”. E por causa disso “muitos cortes dos rema-nescentes da Mata Atlântica licencia-dos nesse período podem estar irre-gulares”, aponta Krob. Além disso, a compensação dessas coberturas vegetais pode ter sido mal feita. Para o coordenador técnico do Curicaca, isso caracteriza um passivo que não pode ser desconsiderado.

Trechos da Nota Explicativa do mapa da Mata Atlântica do IBGE:

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Corredor ecológico é planejado na bacia do GravataíBanhados ficam cada vez mais reduzidos e é preciso garantir caminhos que conectem o

habitat do cervo e de outras espécies que vivem nas áreas úmidas Há anos o Instituto Curicaca trabalha com o pla-nejamento e a implantação de corredores ecológi-cos. Em 2012, através da parceria com o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (IN-CRA), o esforço foi focado no planejamento do cor-redor que integra a Reserva Legal do assentamento Filhos de Sepé, localizada no Refúgio da Vida Silves-tre Banhado dos Pachecos, com outros remanes-centes de banhado da Área de Proteção Ambiental do Banhado Grande, na região metropolitana de Porto Alegre. Ao longo de 2012, os técnicos envolvidos no pro-jeto fizeram o mapeamento da cobertura do solo na região, interpretaram os empecilhos ou facilidades ao deslocamento da fauna e definiram os corredores entre os alvos de conservação. O trabalho foi pensa-do a partir de dois alvos: as áreas úmidas naturais e o cervo-do-pantanal, considerado uma espécie guar-da-chuva, isto é, que precisa de uma área extensa para sobreviver e que, portanto, sua conservação cria condições suficientes para a conservação de inúmeras espécies que vivem nos banhados. Em três oficinas de planejamento, foram listadas as principais ameaças aos alvos, das quais oito foram priorizadas e, então, definidas 24 ações para a sua reversão. As principais ameaças são a degradação causada pela açudagem e pelos canais de irrigação e drena-gem, o impacto dos poluentes agrícolas – agrotóxi-cos, sedimentos e óleos -, os eventos de caça que ocorrem no canal do Gravataí, canais afluentes e no fundo de algumas fazendas, bem como a degradação do banhado Chico Lomã. Buscar um planejamento ambientalmente qua-lificado da açudagem, encontrar e aplicar soluções técnicas para o manejo dos resíduos da agricultura, promover uma cooperação multi-institucional para o controle e fiscalização da caça, iniciar o monito-ramento do cervo por meio de satélites, recuperar áreas degradadas do banhado Chico Lomã e promo-ver a criação de Reservas Legais junto aos proprietá-rios da região são algumas das ações previstas. Para cada uma delas, o plano define prazos, que variam de seis meses a cinco anos, e instituições e técnicos responsáveis. O planejamento para a implantação do corredor é coordenado pelo Curicaca, mas conta com diver-sos parceiros. Esse esforço multi-institucional enri-quece o debate, pois cada técnico envolvido lança um diferente olhar sobre a situação, apresentando novas ideias e perspectivas que ainda não faziam parte da reflexão. O biólogo do Museu de Ciências Naturais da

Os corredores ecológicos servem como pontes que ligam uma área conservada a ou-tra. O funcionamento integrado da natureza faz com que os seres que nela vivem bus-quem, em diversas circunstâncias, espaços que possibilitem sua locomoção entre am-bientes, como na busca por alimentos e por parceiros reprodutivos. Para isso, as ações de implantação do cor-redor procuram evitar ou remover as bar-reiras que dificultam essa interação, criando oportunidade aos seres que dependem de um ambiente conservado para se reprodu-zir e alimentar. Nele, as atividades humanas devem ser ambientalmente sustentáveis. No caso do cervo-do-pantanal, cuja população precisa de uma grande área de vida, os cor-redores ecológicos vão unir os principais ba-nhados da região, que são habitats da espécie e sem os quais ela se extiguiria.

O que é um Corredor Ecológico?Lu

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Fundação Zoobotânica que participou das oficinas, Glayson Bencke, avalia que “reunir instituições com diferentes papéis na sociedade aumenta muito o po-tencial e a capacidade do programa de atuar em vá-rias frentes: na parte científica, socioeconômica, de conservação propriamente dita, de divulgação e de educação ambiental, ajudando também as Unidades de Conservação a se consolidarem perante a opi-nião pública. Isso amplia quase que indefinidamente o rol de possibilidades de ação do projeto”. O cronograma prevê ações para os próximos cinco anos, quando os corredores já devem estar sendo implementados e a conexão entre as áreas remanescentes, começando a ser reestabelecida. A partir disso, o plano deve ser revisado, com base na avaliação dos indicadores de resultado estabele-cidos.

A importância para as Unidades de Conservação Como o próprio nome indica, as Unidades de Conservação (UCs) têm diversos objetivos em co-mum com o projeto. Por isso, a realização das ações contribuirá para a diminuição de algumas fragilida-des das duas UCs da região. A principal delas é a inexistência do plano de manejo da APA do Banhado Grande, que tem en-contrado obstáculos burocráticos para sair do papel. Segundo a gestora da área, Luísa Lokschin, “se o pla-no de manejo existisse, talvez muitas coisas que nós estamos conversando já estivessem contempladas”, como, por exemplo, a regularização das Reservas Legais. O gestor do Refúgio da Vida Silvestre, André da Rosa, também reconhece a importância do projeto para a Unidade de Conservação. “Por se tratar da formação de um corredor, que o plano de manejo teria que trabalhar, está sendo preenchida uma la-

cuna muito importante dentro da gestão da UC”, conta. Outro fator essencial para a implantação bem sucedida do corredor é a conscientização da comu-nidade do entorno sobre a importância do cervo e das áreas úmidas para o equilíbrio do ecossistema, o que vem sendo realizado pelo Instituto Curicaca desde 2010 através da educação ambiental no as-sentamento Filhos de Sepé. Segundo André, os mo-radores do local entendem a relevância do cervo--do-pantanal, mas ainda veem as áreas úmidas mais como uma oportunidade econômica do que como espaço importante para a conservação da biodiver-sidade.

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O tráfico de animais silvestres é um dos maiores mercados ilegais do mundo. É incontestável que, para a configuração deste quadro, exista uma demanda significativa da sociedade por esses animais. Essa demanda vem dos cidadãos “comuns” e de uma cultura que enxerga a fauna como uma op-ção de entretenimento aos homens. No Brasil, desde a lei complementar nº 140, de 2011, a gestão de fauna tornou-se uma responsabilidade con-junta da União, Estados e Municípios. Antes a responsabilidade era somente dos órgãos federais. Ou seja, toda a fis-calização contra a caça, a criação e co-mercialização de fauna silvestre e desti-nação de animais resgatados do tráfico, entre outras ações relacionadas, agora também envolve responsabilidade dos governos estaduais e municipais. O Rio Grande do Sul, porém, ain-da não está preparado para atender a uma demanda de tamanha magnitude. O Instituto Brasileiro do Meio Ambien-te e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA) tratava de todas as questões da fauna silvestre até a publicação da nova lei. A Secretaria Estadual de Meio Ambiente (SEMA) está planejando como tratará o assunto. Luís Fernan-do Perelló, coordenador da assessoria técnica da SEMA, esteve presente na reunião de novembro de 2012 do Co-mitê Estadual da Reserva da Biosfera da Mata Atlântica (CERBMA). Segundo ele, “em julho do ano passado, a SEMA deveria ter assumido o licenciamento dos criadouros, porém não foi viável, por isso o IBAMA ainda recebeu as taxas de 2012, licenciando automati-camente os criadouros já cadastrados. O cadastramento de novos criadores ficou suspenso até que o RS assuma o licenciamento”. Perelló destacou que nesse primeiro momento a priorida-de será para a gestão dos criadores de

Gestão de fauna no estado exige planejamento eficienteA responsabilidade pela gestão agora também é dos Municípios e Estados, criando a

oportunidade para a solução de problemas

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aves silvestres, mais de 5 mil no estado. Para estruturar a gestão da fauna, esta-ria sendo demandado ao Governador a contratação de quinze técnicos e cinco funcionários de nível médio para inte-grarem uma Coordenadoria de Fauna. O coordenador do Instituto Curica-ca, Jan Karel Mähler Jr., avalia que não importa onde o poder e a responsabili-dade estejam, “o ideal é que houvesse planejamento e articulação entre os ór-gãos federais, estaduais e municipais”. Os problemas que existiam antes da lei continuam a existir. Faltam locais para a destinação dos animais apreendidos, fiscalização, monitoramento, controle, penalização pelos crimes cometidos e projetos de educação ambiental re-lacionados ao assunto. Na reunião do CERBMA, Perelló disse que conversou com a promotora Marta Leiria Leal Pacheco, coordenadora do Centro de Apoio Operacional de Defesa do Meio Ambiente (CAOMA), e solicitou uma moratória das apreensões pela Briga-da Militar, pois o Estado não tem onde

abrigar os animais recolhidos por esta. A questão, além de ser política e legal, também está no âmbito cultu-ral. Ainda não existe um pensamento contra as práticas de criação doméstica de animais silvestres. Mähler Jr. aponta como fundamental a extinção da cria-ção de animais silvestres com caráter de estimação. “É sabido que a criação doméstica de muitas espécies estimu-la a captura de animais na natureza e faz também com que haja tráfico”, ex-plica. Para o professor do Centro de Ecologia da UFRGS, Andreas Kindel, “o grande problema é que a gestão de

fauna é feita pensando na solturada dos animais, quando deveria ser feita pen-sando prioritariamente na não comer-cialização deles.”

Informação, controle e monitoramento Um dos fatores mais importantes em relação ao aprimoramento da ges-tão de fauna é a gestão da informação. “Cada animal no momento da apre-ensão, seja em operações de fiscaliza-ção ou de entrega voluntária, deveria receber uma marca de tal forma que o vínculo entre animal e boletim fosse garantido”, explica Kindel. A compila-ção destas informações seria a base do planejamento, pois hoje não há conhe-cimento de quantos animais são apre-endidos e qual a sua origem. “Esse é o básico que nunca foi feito”, lamenta. O problema também envolve a tecnolo-gia da informação, pois os documentos em papel continuam sendo preponde-rantes na gestão de dados, que deveria

ser totalmente informatizada e com-plexa em cruzamentos e rastreamento. Não há controle e monitoramento contra o tráfico. Para diminuir a caça e captura de animais silvestres, Mähler Jr. aponta que “deve ser prioritária uma avaliação das relações que o tráfico de fauna tem com a criação amadorista”. A fiscalização deve adotar procedi-mentos padrões, assim como as apre-ensões e a destinação dos animais. “O tempo gasto com bichos presos em gaiolas poderia ser gasto na elaboração de estratégias que contribuíssem para a gestão da fauna silvestre em vida livre e na conservação de seus ambientes”, aponta o coordenador. Sobra pouco tempo para pensar uma gestão eficiente de manejo e con-servação da fauna silvestre. “Com a estrutura existente hoje nos órgãos de gestão e controle, grande parte do es-forço e recursos financeiros são gastos em ‘apagar incêndios’”, explica Mähler Jr.. A grande questão é como preservar essas espécies. A criação autorizada de animais silvestres não é uma estratégia eficiente de conservação, “pois é muito mais caro criar um animal do que reti-rar ele do ambiente”, comenta Kindel. A destinação dos animais também preocupa, pois quase sempre os locais

de destinação não são adequados ou estão cheios e o retorno desses ani-mais para a natureza também é muito complexo, pois interfere no equilíbrio de ecossistemas já existentes.

Tráfico O tráfico de animais silvestres, que é um dos maiores problemas da gestão de fauna, tem como influência também os altos preços cobrados por criadores legalizados, além da prefe-rência pela compra de espécies em extinção devido à dificuldade de obtê--las. A questão do tráfico de animais é complexa, envolvendo desde a depen-dência econômica da atividade pelas pessoas que capturam os animais até a aplicação das penalidades que não são eficientes para impedir que o crimino-so volte ao comércio ilegal. Além disso, há necessidade de uma fiscalização e controle muito grande para os vendedores legalizados, pois há os que usam essa fachada para es-conder o mercado ilegal dos animais. Existe também o comércio entre os próprios criadores amadoristas, que no Rio Grande do Sul são mais de 10 mil. O tráfico atinge fronteiras interna-cionais, assim como as fronteiras para os maus-tratos aos animais não têm limites. Eles são dopados, de alguns se queimam as córneas, serram-se e se arrancam seus dentes e garras, cortam-se as penas das asas, entre ou-tras atrocidades. Para cada exemplar capturado na natureza que chega ao consumidor, dez morreram após mui-to sofrimento pelo caminho. No dia 12 de dezembro, foi cons-tituído, através da portaria nº 101 da SEMA, um grupo de trabalho que visa realizar estudo para a criação de um setor no órgão “responsável pelos criadouros e pela gestão de fauna sil-vestre”.

“É sabido que a criação doméstica estimula a captura na natureza e o tráfico”

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Anfíbios e répteis ameaçados recebem novos cuidadosPlano de Ação Nacional (PAN) para Répteis e Anfíbios na região Sul começa a ser implantado

Em busca da conservação de es-pécies da herpetofauna ameaçadas de extinção, o Programa de Ação Nacio-nal (PAN) para Répteis e Anfíbios da Região Sul do Brasil vem realizando ati-vidades desde o início de 2012. Orga-nizado pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICM-Bio), o Programa conta com diversos colaboradores, entre eles o Instituto Curicaca, que participa como articula-dor de algumas atividades. Os trabalhos são focados em 51 es-pécies - 17 de répteis e 34 de anfíbios - que se espalham pelo Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná. Um dos locais de atuação é a região onde o Curicaca trabalha pela implementação dos Microcorredores Ecológicos de Itapeva, no Litoral Norte do RS. Den-tre as ações articuladas pela ONG está uma oficina técnica para a integração de conhecimentos e criação de um pla-no de ações para as espécies da região dos Microcorredores, que deve acon-tecer no primeiro semestre deste ano.

Pontos fortes A cooperação entre vários setores da sociedade, como a Universidade, o poder público e as ONGs é um dos pontos fortes do Programa. O coor-denador técnico do Instituto Curicaca, Alexandre Krob, considera uma ótima oportunidade de unir pesquisas eco-lógicas e experiências de campo em gestão territorial, o que aperfeiçoa as ações de conservação. Outra vantagem do PAN, segundo o professor do Laboratório de Her-petologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Márcio Borges-Martins, é o foco de trabalho. “No momento que esse tipo de reu-nião acontece, a Universidade pode ter a preocupação de direcionar suas pes-quisas”, explica. Márcio conta também que a escolha das espécies que fazem parte do Programa foi muito bem fei-ta. Algumas delas, por exemplo, estão sob risco de extinção, mas não estão na lista oficial de espécies ameaçadas porque foram descobertas após sua publicação, em 2002. A inclusão delas no PAN, portanto, serviu como um mecanismo para suprir essa deficiência pelo menos até que seja publicada a próxima lista. É o caso do sapo-da-barriga-ver-melha (Melanophryniscus admirabilis), espécie endêmica do Rio Grande do Sul que só é encontrada às margens do rio Forqueta, no município de Ar-vorezinha. O animal, que se reproduz em pequenas poças formadas à beira

do rio, está gravemente ameaçado de extinção em função da construção da Pequena Central Hidrelétrica (PCH) Perau de Janeiro. O empreendimento deve mudar a vazão do curso d’água, o que causaria a extinção da espécie. Por conta do crescimento da eco-nomia, o país tem investido desenfre-adamente na geração de energia, prin-cipalmente a hidrelétrica. Uma série de grandes empreendimentos já foi rea-lizada, e agora o governo investe em pequenas obras, que estão ocupando rios de potencial bem menor, em uma velocidade rápida e com uma lógica de que, teoricamente, uma PCH gera menos impacto. As PCHs, entretanto, estão ocupando áreas que não tinham sido afetadas diretamente por grandes empreendimentos, afetando outras es-pécies e habitats. Simultaneamente, os pesquisadores seguem descrevendo a biodiversidade, e justamente as novas espécies encon-tradas são as de distribuição restrita, que vivem nessas áreas onde os impac-tos das grandes usinas hidrelétricas não eram tão sentidos. Márcio explica que o caso é muito didático, pois situações assim podem estar acontecendo a todo momento sem que saibamos. “A gente nunca pode esquecer que não conhe-cemos toda a biodiversidade”, afirma. A licença prévia do empreendimen-to já foi emitida pela Fundação Estadual de Proteção Ambiental Henrique Luiz Roessler (FEPAM), mas o Curicaca está

em contato com a Promotoria de Jus-tiça de Arvorezinha para que a emis-são da licença seja revisada levando em conta a possível extinção da espé-cie.

Diversidade de anfíbios em corredor ecológico

O processo de licenciamento da hidrelétrica de Pai Querê, no rio Pelotas, está em sua fase final. Desde as audiências públicas, realizadas em março de 2012, o IBAMA avalia as manifestações favoráveis e desfavoráveis ao empreendimento para definir se concede ou não a licença ambiental. Em outubro de 2012, diversas pessoas se reuniram em frente à sede do IBA-MA em Porto Alegre para protestar e entregar ao Superintendente do órgão no estado, João Pessoa, um manifesto pedindo pela negativa à licença. O documento, assinado por 52 instituições ambientais brasileiras, também foi entregue ao IBA-MA em Florianópolis e em Brasília, onde foi recebido pelo presidente do órgão, Volney Zanardi. São muitos os argumentos técnicos contrários à hidrelétrica: a existência de outros empreendimentos ao longo do rio, como a usina de Barra Grande, soma impactos que já alcançaram o limite daquele ecossistema; para a região que será alagada está prevista uma Unidade de Conservação como medida compensatória de Barra Grande; além disso, o local abriga 31 espécies ameaçadas de extinção. O Curicaca está certo de que o parecer técnico do IBAMA é coerente com estas questões. Esperamos que a decisão política não prevaleça sobre as outras.

Pai Querê aguarda decisão final

O corredor ecológico do Refúgio da Vida Silvestre Banhado dos Pache-cos, que foi planejado pelo Curicaca com apoio do INCRA (veja na p. 14) é composto principalmente por áreas úmidas que interligam os mais impor-tantes banhados da bacia do Grava-taí. É, portanto, um local de grande

ocorrência de répteis e anfíbios sobre os quais ainda se tem pouco conheci-mento. O maior envolvimento que o Curi-caca vem tendo com esse grupo da fauna, um dos mais ameaçados global-mente, motivou a ONG a associá-lo às ações de monitoramento dos cor-redores buscando destacar sua contri-buição prática para a conservação da biodiversidade. Por isso, será avaliado o impacto do uso de agrotóxicos sobre os anfíbios do local, o que permitirá en-tender mais uma vantagem ambiental da produção de arroz ecológico, que já vem sendo praticada no assentamento Filhos de Sepé.

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