Os Maias - Espaço e Crítica de costumes

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Eça de Queirós - Os Maias Caricatura de Abel Manta

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EçadeQueirós-OsMaias

CaricaturadeAbelManta

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Espaço2sico

Espaçosocial

Espaçopsicológico

PluralidadedeespaçosSantaOlávia,Coimbra,Lisboa(Baixa,Aterro,CampoGrande),Sintra,Ramalhete,VilaBalzac,“Toca”,consultóriodeCarlos…

IlustrandoacomplexidadedaspersonagensCarlos(evocaçãodeMariaEduardaemSintra,visãodoRamalheteedoavô,apósoincesto;contemplaçãodeAfonsodaMaiamorto,nojardim…)Ega(reflexõesapósadescobertadaidenRdadedeMariaEduarda)

Aoserviçodacrí?casocial(sociedadelisboetadasegundametadedoséculoXIX)JantarnoHotelCentral,corridasnohipódromo,jantardosGouvarinhos,episódiodosjornais,saraudaTrindade,epílogo(passeiodeCarloseEga)

Linguagem, estilo e estrutura

O romance: complexidade do espaço

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A representação de espaços sociais e a crítica de costumes

•  OsMaiasdão-nosumavisãocaricaturaldasociedadeportuguesadoséculoXIX.

Fazendoumacrónicadoscostumesdaépoca,Eçatraçaumretratovivoe

dramáRcodaLisboadaépocadaRegeneração,permiRndo-nosobservar

caracterísRcasaindahojevisíveisepassíveisdeserem,igualmente,criRcadas/

caricaturadas.

•  Retratandoaaltasociedadelisboeta,Eçaserve-sededeterminadosRposde

personagens(desvalorizandoapersonagemindividual)paraapresentarosvícios,a

posturaeamentalidadedasúlRmasdécadasdoséculoXIX.

•  Descrevendodeformapormenorizada,fazendousodaironiaedasá?ramordaz,

atribuindotrejeitosouparRcularidades_sicasàspersonagenssemprequeestas

interferemnaação,Eçaconseguerecriarambientesquedãovidaàcrónicade

costumesdosEpisódiosdaVidaRomân/ca.

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A representação de espaços sociais e a crítica de costumes

•  EpisódiosdaVidaRomân/ca–crónicadecostumescaricaturaldasociedadeportuguesadoséculoXIX.

•  Espaçosocialretratadoeanalisadoironicamente–aaltaburguesia,aaristocracia,adiplomacia,apolíRca,osbanqueiroseosjornalistas.

•  Lisboa é o espaço social mais importante, sendo uma sinédoque de Portugal, no entanto, háoutros espaços que são descritos e analisados: os jantares, as corridas, os saraus, o espaçopúblico.

•  O espaço _sico em Os Maias é principalmente o espaço urbano de Lisboa, com ocasionaisreferênciasaosentãoarredores:Benfica,OlivaiseSintra.

•  Noentanto,háepisódiospassadosemambienterural:•  SantaOláviaeoutrosemCoimbra.

•  SãofeitasreferênciaselogiosasaPariseLondres.

•  Verifica-seopredomíniodosespaçosinteriores:casas,quartos,espaçosdeconvívio,consultórioelaboratóriodeCarlos.

•  Predomina, neste romance, o espaço social ao serviço da crónica de costumes, onde circulampersonagens-Rpo.Oromancerealistaprivilegiaosespaçossociaisparamelhoranalisareretrataroreal.

•  EspaçoscomvalorsimbólicoeemoRvo:oRamalheteeoseujardim,aToca,aAvenida.

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Ambientes/Episódios

JantardoHotelCentral Literatura,CríRcaliterária,Finanças,HistóriadePortugal

JantardosGouvarinhos

Aspetoscri?cados

Corridasdecavalos

Episódiodosjornais

FalsocosmopoliRsmo,faltadecivismo,provincianismo

Jornalismocorruptoeparcial

Mediocridadementaldaaristocraciaedaclassedirigente

SaraudaTrindade Atrasocultural,provincianismo

OsMaias EpisódiosdaVidaRomân1ca

A representação de espaços sociais e a crítica de costumes

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JantardoHotelCentral(séc.VI) CríRcaàsituaçãofinanceiradopaíseàmentalidadelimitadaeretrógradadosportugueses.

CríRca

•  JantarorganizadoporEga,emhomenagemaCohen,maridodasuaamante.

•  PrimeiroencontrodeCarloscomasociedadelisboeta.

Tipossociais

•  Relação com o htulo: apresentação e preponderância da figura de Carlos na sociedade lisboeta. Carlos vê pela primeira vez Mª Eduarda.

•  Relação com o subhtulo: discussões sobre várias temáRcas: literatura, finanças, história epolíRca.DicotomiaServsParecer.

•  JoãodaEga(promotordahomenagemnojantarerepresentantedoRealismo/Naturalismo);

•  JacobCohen(ohomenageado,representantedasaltasFinanças);•  TomásdeAlencar(opoetaultra-românRco);•  DâmasoSalcede(onovo-rico,simbolizaosvíciosdonovo-riquismoburguês,a

catedraldosvícios);•  Craj(obritânico,simbolizaaculturaarhsRcaebritânica,oárbitrodaselegâncias).

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CorridadeCavalos(séc.X)

CríRcaàimitaçãodoestrangeiro,aoprovincianismo.Denúnciada“linhaposRçadecivilização”eda“aRtudeforçadadedecoro”.

CríRca

•  CarlostemesperançadeverMariaEduardaeatédelheserformalmenteapresentadoporDâmaso.OsCastroGomesnãocompareceramaoevento.

•  OlharcríRcodeCarlosfaceaoevento.

Tipossociais

•  Relaçãocomohtulo:preponderânciadafiguradeCarlosnasociedadelisboeta;expetaRvadeCarlosverMªEduarda.

•  Relação como subhtulo:Crítica à tendência portuguesa de imitar aquilo que se faz nos países estrangeiros e uma caricatura da sociedade burguesa que vive das aparências, uma sociedade provinciana;dicotomiaServsParecer.

Altasociedadelisboeta,incluindooRei

Atrasodasociedadelisboetanaépocaeasuafaltadecivismo:-1ªcorridaacabounumacenadepancadaria;-3ªe4ªcorridasterminaram,igualmente,deformagrotesca

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JantardosGouvarinhos(séc.XII) Àignorânciadaclassedirigenteeàmediocridadeculturaleintelectualdaaltaburguesia.

CríRca

•  RegressodeEgadeCeloricoeinstalaçãonoRamalhete.

•  TentaRvadereaproximaçãodaCondessadeGouvarinhorelaRvamenteaCarlos.

Tipossociais

SousaNeto:aincompetênciaeaignorância

daAdministraçãopública

CondedeGouvarinho:aincompetênciaeaignorância

daclassepolíRca

•  Relação com o htulo: preponderância da figura de Carlos na sociedade lisboeta eapresentaçãodassuaspaixões.

•  Relaçãocomosubhtulo:críRcaàincompetênciadosgovernantesdanação,nasáreasdaadministraçãoedapolíRca.

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Episódiosnasredaçõesdosjornais

ACornetadoDiaboeATarde(Cap.XV)CríRca

•  PedidoderevelaçãodopassadodeMariaEduardanojornalACornetadoDiabo,feitoporDâmasoeEusebiozinho.

•  PublicaçãonojornalATardedeumacartadedesculpasdeDâmaso,apedidodeEga.

TipossociaisPalmaCavalãoeNeves:

acorrupçãodaclassejornalísRcaeacumplicidadecomaclassepolíRca

ÀcorrupçãoeaocompadriopolíRco.Jornalismocorruptoeparcial

•  Relaçãocomohtulo:preponderânciadafiguradeCarlosnasociedadelisboetaeapresentaçãodasperipéciasdassuaspaixões.

•  Relaçãocomosubhtulo:críRcaàincompetênciaeàcorrupçãonojornalismo.

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SaraunoTeatrodaTrindade(Cap.XVI) CríRca

•  IdaaosaraunoTeatrodaTrindadequepropiciaoencontrodeEgacomGuimarães,RodeDâmaso,quelherevelaráarelaçãoincestuosaentreCarloseMariaEduarda,suairmã.

Denúnciadaignorânciaedasuperficialidadedasociedade.

Tipossociais

“oshomens,agentedoGrémio,daCasaHavanesa,dasSecretarias[…]rapazesdoJockeyClub,osdoisVargas,o

Mendonça,oPinheiro”(p.586)osenRmentalismo,oconvencionalismoeoespíritoacríRcodasociedadeportuguesa

Rufino:aoratóriaoca

(“sportdeeloquência”,p.587)

•  Relaçãocomohtulo:apreparaçãododesenlacetrágicodasvivênciasdeCarlosdaMaiaemLisboa.

•  Relaçãocomosubhtulo:críRcaaoconvencionalismosenRmentalistadasociedadeportuguesa.

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OpasseiofinaldeCarloseEga(Cap.XVIII) CríRca

•  RegressodeCarlosaLisboa,dezanosdepoisdarelaçãocomMariaEduardaedamortedeAfonso.

VisãopessimistadoPortugaldaRegeneração-decadênciadopaís,inação,ociosidadecrónica.“Falhámosavida,menino.”

•  Relaçãocomohtulo:apresentaçãodopercursodeCarlosdesdeofimdarelaçãocomairmã.

•  Relaçãocomosubhtulo:críRcaaoromanRsmovigentenasociedadeportuguesadasegundametadedoséculoXIX.

Tipossociais

Carlos:aociosidade

eodiletanRsmo

Ega:ademagogiaeaociosidade

ProtóRposdainfluênciadomeioromânRcosobreoserhumano

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Personagens

Eusebiozinho Educaçãotradicionalportuguesaretrógradatransformou-onumhomemapáRcoesempersonalidade.

SousaNeto

Tipossociais

Alencar UltrarromanRsmo

IgnorânciaepresunçãoquecaracterizamaAdministraçãoPública

PoderpolíRco/PolíRcoincompetente,medíocre,revelaignorânciaeausênciadeespíritocríRco.

CondedeGouvarinho

JacobCohen Banqueiro,representaaaltafinança

Taveira Representaaociosidade

Guimarães

Vilaça,paiefilho

Dependordemocrata,éRodeDâmasoe,inconscientemente,oportadordadesgraça–ocofredeMariaMonforte–quedesencadearáacatástrofedafamíliaMaia

SãoprocuradoresdafamíliaMaia,aquemseunemporlaçosafeRvos-representamalealdade

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Personagens Tipossociais

DâmasoSalcede

Cruges

Jornalismo/Jornalistacorrupto

Diplomacia-éministrodaFinlândia,observadordopaíseapreciadordealgunsprazeres(umbomvinho,umbomwhist).

Representaoprovincianismoenovo-riquismo,exibicionismo,cobardiaedegradaçãomoral.

RevelatalentoarhsRco,maséincompreendidopelasociedade.

Educaçãobritânica,éumdiletanteinglês,ricoeamigodeCarlos.Craj

Steinbroken

PalmaCavalão

DeputadoretrógradoRufino

RaquelCohen/Condessa FuRlidadedasmulheresdaaltaburguesiaque,infelizesnocasamentoquenãoescolheram,procuramnoadultérioopreenchimentodassuasvidas.

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A representação de espaços sociais e a crítica de costumes

A educação portuguesa (Pedro da Maia eEusebiozinho) - O Rpo de educaçãot r ad i c i ona l , p a s s i v a , r e t r óg r ada ,senRmentalista, teórica e de umareligiosidadeexageradamassuperficial.

«[Eusebiozinho]estavaenfezado,esRolado,porumaeducaçãoàportuguesa:naquelaidadeaindadormianochococomascriadas,nuncaolavavamparaonãoconsRparem…»cap.II

O Ultra-RomanRsmo (Maria Monforte eAlencar) -Oefeitoperniciosoda leituradenovelas “cor-de-rosa”, idealistas edesvinculadasdavidareal.

Jantar no Hotel Central (Cohen, Dâmaso,Alencar e Ega) – A falta de seriedade dacríRca literária; as posições extremas deEgaeAlencareas«pazesàportuguesa»;osenRmentalismo exagerado de Alencar; aindiferença das classes superiores emrelação à situação económica e social dopaís.

«Abraçaram-se. Alencar jurou que ainda navéspera (…) ele dissera que não conhecianinguém mais cinRlante que o Ega! Egaafirmoulogoqueempoemasnenhunscorria,comonosdeAlencar,umatãobelaveialírica(…)/-Sãoextraordinários–disseCrajbaixoaCarlos – Desorganizam-me, preciso ar !...»cap.VI

«[Maria]andava lendoumanoveladequeeraheróioúlRmoStuart (…)enamoradadele,dassuasaventurasedesgraças…»cap.II

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As Corridas de Cavalos no Hipódromo de Belém(Dâmaso, as senhoras, etc.) - O desinteressegeneralizado;oprovincianismoda capital; oespaçoinadequado e a sujidade; os comportamentosdesajustados da assistência e dos concorrentes; onovo-riquismoeapreocupaçãocomaaparência.

«O que havia naquele hipódromo eracompadricee ladroeira.»«Istoéumpaísque só suporta hortas e arraiais…Corridas, como muitas outras coisascivilizadasládefora,necessitamprimeirogenteeducada»cap.X

O jantar em casa dos Gouvarinhos (Condes deGouvarinho,SousaNeto)-Atacanhezeestreitezadepontos de vista do conde de Gouvarinho; aignorância e a falta de inteligência de Sousa Neto,ofic ia l super ior da Ins t rução Púb l i ca ; aincompetência dos políRcos alRssonantes; aleviandade do comportamento da condessa deGouvarinho.

«-ÓEga,queméaquelehomem,aqueleSousa Neto, que quis saber se emInglaterra havia também literatura?/ -Pois não adivinhaste? (…) Não visteimediatamente quem neste país é capazde fazer essa pergunta? [Um] oficialsuperior (…) da Instrução Pública!» cap.XII

O jornalismo português (Palma Cavalão, Neves,Dâmaso, Eusebiozinho) - O jornalismo corrupto edesprovidodeéRca:atrafulhicedaimprensa;afaltade éRca dos jornalistas; os compadrios políRcos; aparcialidade; apetência por assuntos escabrosos; aimprensasensacionalista.

«- Quanto quer ele [Palma]?/- Cem mil réis.Mas,ameaçando-ocomapolícia,talvezdesçaaquarenta»cap.XV

A representação de espaços sociais e a crítica de costumes

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OSarauLiteráriodaTrindade(Alencar,Rufino,etc.) - O apreço e admiração pela verborreiaoca do poeta Rufino; a falta de sensibilidadearhsRcaparaapreciaroverdadeirotalento(deCruges); a ignorância das classes dirigentes; aoratória oca e demagógica dos políRcos; alágrima fácil e a lamechice; os excessos doUltra-RomanRsmo.

O Passeio final de Carlos e Ega pela Baixa(Dâmaso, Eusebiozinho, Carlos, Ega. etc.) - Asensação de total imobilismo da sociedadelisboeta, passados dez anos; o provincianismoda sociedade lisboeta; a falta de fôlegon a c i o n a l p a r a a c a b a r o s g r a n d e sempreendimentos; a imitação acríRca dosestrangeiros; a decadência dos valoresgenuínos;aincapacidadederealização.

«- É de Beethoven, Sra. D. Maria da Cunha, a“sonata PatéRca”. Uma das Pedrosas nãoperceberabemonomedasonata.EamarquesadeSoutal,muitoséria,muitobela(…)dissequeeraa“SonataPateta”.PortodaabancadafoiumrasRlhoderisossufocados.»cap.XVI

«Estavam no Loreto; e Carlos parara,olhando, reentrando na inRmidadedaquele velho coração da capital. Nadamudara.»«TendoabandonadooseufeiRoanRgo (…) este desgraçado Portugaldecidira arranjar-se à moderna: mas semoriginalidade, sem força, sem carácterpara criar um feiRo seu…» «Falhámos avida,menino!»cap.XVIII

A representação de espaços sociais e a crítica de costumes

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SantaOlávia

InfânciaeeducaçãodeCarlos;contactocomanatureza,fugaaosdesgostosfamiliares(suicídiodePedro),representaaharmonia,aliberdade.

CoimbraEstudosejuventudedeCarlos(primeirasaventurasamorosas,feiçãoromânRca),avidaboémia.OiníciodaamizadecomJoãodaEga.Éumespaço,também,idenRficadocomumacertarebeldiaprópriadajuventudeestudanRl.

LisboaCapital-centralidadedanaçãoportuguesa;ReferênciaasímbolosdopassadodePortugalgloriosoelutador(estátuadeCamões,monumentoaosRestauradores,estátuadeD.PedroIV,porexemplo)paraacentuaromarasmoemqueasociedadeseencontranopresente;oChiado,aruadoLoreto,aruadeS.Francisco,oHotelCentral,Bragança,asavenidas…

Espaços e seu valor simbólico e emotivo

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RamalheteFachada•  “granderamodegirassóis”•  Importânciadaterranahistória

dafamíliaCascata,cedroecipreste,estátuadeVénus•  Passagemdotempo•  Envelhecimentoemorte•  Presença/ausênciadeamor

AcasadosMaiasemLisboa,ondeCarloseAfonsovivem

•  AluxuosaerequintadadecoraçãodacasaespelhaogostodeCarlos.Acasa,quesegundoVilaçaerafatalparaafamília,acompanhaopercursodafamília:apogeuedecadência.

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Ramalhete–antesedepoisCap.I-AcasaqueosMaiasvieramhabitaremLisboa,nooutonode1875,eraconhecidanavizinhançadaruadeS.FranciscodePaula,eemtodoobairrodasJanelasVerdes,pelacasadoRamalheteousimplesmenteoRamalhete.Apesar deste fresco nome de vivenda campestre, o Ramalhete, sombrio casarão de paredes severas, com umrenquedeestreitasvarandasdeferronoprimeiroandar,eporcimaumaUmidafiladejanelinhasabrigadasàbeiradotelhado,RnhaoaspectotristonhodeResidênciaEclesiás?caquecompeRaaumaedificaçãodoreinadodaSr.ªD.MariaI:comumasinetaecomumacruznotopoassimilar-se-iaaumColégiodeJesuítas.OnomedeRamalheteprovinhadecertodumrevesRmentoquadradodeazulejosfazendopainelnolugarheráldicodoEscudodeArmas,que nunca chegara a ser colocado, e representando um grande ramo de girassóis atado por uma fita onde sedisRnguiamletrasenúmerosdumadata.Longos anos o Ramalhete permanecera desabitado, com teias de aranha pelas grades dos posRgos térreos, ecobrindo-sedetonsderuína.Em1858MonsenhorBucarini,NúnciodeS.SanRdade,visitara-ocomideiadeinstalarláaNunciatura,seduzidopelagravidadeclericaldoedi_cioepelapazdormentedobairro:eointeriordocasarãoagradara-lhetambém,comasuadisposiçãoapalaçada,ostectosapainelados,asparedescobertasdefrescosondejá desmaiavam as rosas das grinaldas e as faces dos Cupidinhos.MasMonsenhor, com os seus hábitos de ricopreladoromano,necessitavanasuavivendaosarvoredoseaságuasdum jardimde luxo:eoRamalhetepossuíaapenas,aofundodumterraçodeRjolo,umpobrequintalinculto,abandonadoàservasbravas,comumcipreste,umcedro,umacascatazinhaseca,umtanqueentulhado,eumaestátuademármore(ondeMonsenhorreconheceulogoVénusCitereia)enegrecendoaumcantonalentahumidadedasramagenssilvestres.[…]OsMaias eramuma anRga família da Beira, sempre pouco numerosa, sem linhas colaterais, semparentelas - eagorareduzidaadoisvarões,osenhordacasa,AfonsodaMaia,umvelhojá,quasiumantepassado,maisidosoqueoséculo,eseunetoCarlosqueestudavamedicinaemCoimbra.

ORamalheteé apresentado,naprimeira referênciado capítulo I, atravésde vocabulário conotadocomofechamentoeatristeza.Asemelhançacomuma“residênciaeclesiásRca”aproxima-odeumespaçoreligioso,oquereenviapara a ideia de clausura e opressão que,metaforicamente, anuncia o fim da linhagem dosMaias,aliás,afamíliaestá“reduzidaadoisvarões”.

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Ramalhete–antesedepoisCap.XVIII-EosdoisamigosatravessaramoperisRlo.Aindaláseconservavamosbancosfeudaisdecarvalholavrado,solenescomo coros de catedral. Em cima porém a ante-câmara entristecia, toda despida, sem um móvel, sem um estofo,mostrandoacal lascadadosmuros.Tapeçariasorientaisquependiamcomonumatenda,pratosmouriscosdereflexosdecobre,aestátuadaFriorentarindoearrepiando-se,nasuanudezdemármore,aometeropézinhonaágua-tudoornavaagora os aposentos de Carlos em Paris: e outros caixões empilhavam-se a um canto, prontos a embarcar, levando asmelhoresfaiançasdaToca.Depoisnoamplocorredor,semtapete,osseuspassossoaramcomonumclaustroabandonado.Nosquadrosdevotos,numtommaisnegro,destacavaaquiealém,sobaluzescassa,umombrodescarnadodeeremita,amanchalívidadumacaveira.Umafriagemregelava.Egalevantaraagoladopaletó.No salão nobre osmóveis de brocado cor demusgo estavam embrulhados em lençóis de algodão, como amortalhados,exalandoumcheirodemúmiaatereben?naecânfora.Enochão,nateladeConstable,encostadaàparede,acondessadeRuna,erguendooseuvesRdoescarlatedecaçadora inglesa,parecia irdarumpasso, sairdocaixilhodourado,paraparRrtambém,consumaradispersãodasuaraça...-Vamosembora,exclamouEga.Istoestálúgubre!...[…]Embaixoo jardim,bemareado, limpoe frionasuanudezde inverno,Rnhaamelancoliadeumre?roesquecidoque jáninguém ama: uma ferrugem verde de humidade cobria os grossos membros da Vénus Citereia; o cipreste e o cedroenvelheciamjuntoscomodoisamigosnumermo;emaislentocorriaoprantozinhodacascata,esfiadosaudosamentegotaagotanabaciademármore.Depoisao fundo,encaixilhadacomouma telamarinhanascantariasdosdoisaltosprédios,acurtapaisagemdoRamalhete,umpedaçodeTejoemonte,tomavanaquelefimdetardeumtommaispensa?voetriste:naRra de rio um paquete fechado, preparado para a vaga, ia descendo, desaparecendo logo, como já devorado pelo marincerto;noaltodacolinaomoinhoparara,transidonalargafriagemdoar;enasjanelasdascasasàbeiradeáguaumraiodesolmorria, lentamente sumido,esvaídonaprimeira cinzado crepúsculo, comoum restodeesperançanuma faceque seanuvia.

O Ramalhete é novamente descrito através de uma linguagem de cariz religioso que confirma aausênciaeovazio,assimcomoadegradaçãodoespaço,oqueconduzaumambientedeescuridãoemorte,porissoEgaafirma“Istoestálúgubre!...”.EsteespaçoéoreflexodadesgraçadafamíliaMaiaedofatalismoqueseabateusobreela.

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Cap. XVIII –Mas Carlos , pálido e calado, abriu adiante a porta dobilhar.[…]Umacomoçãopassou-lhenaalma,murmurou,travandodobraçodoEga:-Écurioso!Sóvividoisanosnestacasa,eénelaquemepareceestarme?daaminhavidainteira!Ega não se admirava. Só ali no Ramalhete ele vivera realmentedaquiloquedásaborerelevoàvida-apaixão.- Muitas outras coisas dão valor à vida... Isso é uma velha ideia deromânRca,meuEga!-Equesomosnós?exclamouEga.Quetemosnóssidodesdeocolégio,desdeoexamede laRm?RomânRcos: istoé, indivíduos inferioresquesegovernamnavidapelosenRmentoenãopelarazão...Mas Carlos queria realmente saber se, no fundo, eram mais felizesesses que se dirigiam só pela razão, não se desviando nunca dela,torturando-se para se manter na sua linha inflexível, secos, hirtos,lógicos,sememoçãoatéaofim...-Creioquenão,disseoEga.Porfora,àvista,sãodesconsolar-se.Epordentro,paraelesmesmos,sãotalvezdesconsolados.Oqueprovaquenestelindomundooutemdeseserinsensatoousemsabor...-Resumo:nãovaleapenaviver...-Dependeinteiramentedoestômago!atalhouEga.Riramambos.DepoisCarlos,outravezsério,deuasuateoriadavida,ateoria definiRva que ele deduzira da experiência e que agora ogovernava.Eraofatalismomuçulmano.Nadadesejarenadarecear...Não se abandonar a uma esperança - nem a um desapontamento.Tudoaceitar,oquevemeoquefoge,comatranquilidadecomqueseacolhem as naturaismudanças de dias agrestes e de dias suaves. E,nesta placidez, deixar esse pedaço de matéria organizada, que sechama o Eu, ir-se deteriorando e decompondo até reentrar e seperdernoinfinitoUniverso...Sobretudonãoterape?tes.E,maisquetudo,nãotercontrariedades.Ega,emsuma,concordava.Doqueeleprincipalmenteseconvencera,nessesestreitosanosdevida,eradainu?lidadedotodooesforço.Nãovalia a pena dar um passo para alcançar coisa alguma na terra -porque tudo se resolve, como já ensinara o sábio do Eclesiastes,emdesilusãoepoeira.

ORamalhetefoiacasaqueCarloshabitouduranteotempoemquemuitosedeterminantesacontecimentosocorreramnasuavida,oquelheprovocaagoraoabaloeaperturbaçãoqueofazemficar“pálidoecalado”

A“teoriadavida”sinteRzadaporCarlosremeteparaaatuaçãodeum“fatalismomuçulmano”.Desyemodo,reconhecendoainterferênciadeumaatuaçãosuperior,aoshomensnadamaisrestadoqueaceitá-la.AassunçãodestateoriaafastaCarlosdaconceçãonaturalistaquepresidiraàsuacaracterizaçãoaolongodaobra.Apersonagemconstataa“inuRlidadedetodooesforço”eaceitaumestoicismoquecontrariaosprincípiosdeterministasdoNaturalismo.Afinal,maisdoqueasinfluênciasexternas,oqueconduzavidahumanaéodesRnoqueage,irreparavelmente,sobreoseupercurso.

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“Toca”•  Tragicidade•  RefúgiodeamordeCarloseMariaEduarda,

longedosolharesdasociedade,masqueanuncia,desdelogoeatravésdasuadecoração,oseufinaltrágico(aalcova“ondedesmaiavam,natramadalã,osamoresdeVénuseMarte”;armáriodaRenascençacomdoisfaunos,símbolosdaatraçãocarnal;“painelanRgo,defumado”comacabeçadegoladadeS.JoãoBaRsta;“enormecorujaempalhada”e“umídolojaponêsdebronze”).Ascores–vermelho,amareloedourado–eosmateriais–veludo,sedaseceRm–usadasnadecoraçãoapontamparaumaatmosferade“luxoestridenteesensual”,paraumambientedeluxúria,deemoçõesforteseexcessos,demistérioeproibições.

SintraOespaçoidílico,propícioaoamor.

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Cap. XIII - Ao outro dia, por uma radiantemanhãdejulho,Carlossaltavadocoupé,comum molho de chaves, diante do portão daquintadoCraj.Maria Eduardadevia chegaràs dez horas, só, na sua carruagem daCompanhia.[…]Istoéencantador!repeRaela.- É um paraíso! Pois não lhe dizia eu? Énecessáriopôrumnomeaestacasa...Comosehádechamar?Vila-Marie?Não.Château-Rose... Também não, credo! Parece o nomedum v inho. O melhor é bapRzá- ladefiniRvamente com o nome que nós lhedávamos.Nóschamávamos-lheaToca.Maria Eduarda achou originalíssimo o nomede Toca. Devia-se até pintar em letrasvermelhassobreoportão.

“Toca”

Simbologiadonome:•  Remeteparaumespaçoisoladoefechado,ou

seja,ascaracterísRcasqueCarloseMariaEduardadesejamparaaíserefugiaremesesenRrememsegurançaeemaconchego;

•  Localondeserecolhem/refugiamcoelhoseoutrosanimais;

•  Covil•  Estenomeconcorreparaatragicidadeda

açãoprincipal,umavezqueoamorentreCarloseMariaEduardaécomparadoaouniversoanimal,oquenarealidadevemaacontecernomomentoemqueCarloscometeincestoconscientemente,deixando-selevarpeloimpulso.

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Cap.XIII-Masdepoisoquartoquedeviaseroseu,quandoCarloslhofoimostrar,desagradou-lhecomoseu luxoestridenteesensual.Erauma alcova, recebendo a claridade duma sala forrada de tapeçarias,ondedesmaiavamna tramade lá os amoresdeVénus eMarte: daporta de comunicação, arredondada em arco de capela, pendia umapesada lâmpada da Renascença, de ferro forjado: e, àquela hora,baRda por uma larga faixa de sol, a alcova resplandecia como ointerior deum tabernáculoprofanado, conver?doem re?ro lascivode serralho... Era toda forrada, paredes e tectos, de um brocadoamarelo,cordebotãodeouro;umtapetedeveludodomesmotomricofaziaumpavimentodeourovivosobrequepoderiamcorrernúsos pés ardentes duma deusa amorosa - e o leito de dossel, alçadosobreumestrado,cobertocomumacolchadeceRmamarelobordadaa flores de ouro, envolto em solenes corRnas também amarelas develhobrocatel,-enchiaaalcova,esplêndidoesevero,ecomoerguidoparaasvoluptuosidadesgrandiosasdeumapaixãotrágicadotempodeLucréciaoudeRomeu.[…]Mas Maria Eduarda não gostou destes amarelos excessivos. Depoisimpressionou-se,aorepararnumpainelan?go,defumado,resultandoemnegrodofundodetodoaqueleouro-ondeapenassedis?nguiauma cabeça degolada, lívida, gelada no seu sangue, dentro dumpratodecobre.Eparamaiorexcentricidade,aumcanto,decimadeuma coluna de carvalho, uma enorme coruja empalhada fixava noleito de amor, com um ar demeditação sinistra, os seus dois olhosredondos e agourentos... Maria Eduarda achava impossível ter alisonhossuaves.Carlosagarroulogonacolunaenomocho,aRrou-osparaumcantodocorredor;epropôs-lhemudaraquelesbrocados,forraraalcovadeumceRmcorderosaerisonho.-Não,venho-meaacostumara todosessesduros... Somenteaquelequadro,comacabeça,ecomosangue...Jesus,quehorror!-Reparandobem,disseCarlos,creioqueéonossovelhoamigoS.JoãoBap?sta.

Simbologia:•  VénuseMarte–adeusaoamore

odeusdaguerra,oquesignificaoposiçõesedificuldadesnoamordeCarloseMariaEduarda;

•  Predomíniodoamarelo–dimensãopressagiadoradedesgraça,masigualmenterepresentaçãodaluxúriaesensualidade,mastambémdedeclínio,develhiceedeproximidadecomamorte.DeixaanteverasconsequênciasnegaRvasdestapaixão,anunciandoadesgraçaeodesfechofatal.

•  Coruja–aveassociadaàmorte;•  S.JoãoBaRsta–conotação

simbólicatrágica,anunciandoatragédiapróxima,tambémanível_sico–amortedeAfonso.

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HotelCentraleRuadeS.FranciscoEspaçosassociadosaMariaEduarda.Obomgostoeoconfortosãoevidentes,sobretudonaruadeS.Francisco.AinRmidadeeumacertasensualidadesãoaspetosigualmentevisíveis,apresentando,contudo,umacertadissonância

ConsultóriodeCarlosOrequinteévisível,comoosão,igualmente,algunstraçoscaracterizadoresdeCarlos:adispersão,odiletanRsmo,aociosidade,asuavivência/formaçãonoestrangeiro,mastambémasuasensualidade.Esteespaçoacabaporserdenunciadordaincapacidadedapersonagemdesenvolveroseuprojetoprofissional.

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EstátuadeCamõesNostalgiadopassadorecuado,simbolizadopelafiguradeCamões(épocadePortugalexpansionista),representaoPortugalheroico,glorioso,masperdido,envolvidoporumaatmosferadeestagnação

LargodoChiadoRepresentaoPortugaldopresente,opaísdecadentedaRegeneração

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OsRestauradoresSímbolodeumatentaRvaderecuperaçãofalhada,eaprová-loestáoambientededecadênciaeamolecimentoquecercaoobelisco.(cap.XVIII)

BairrosdaGraçaedaPenhaRepresentamaépocaanterioraoliberalismo,oPortugalabsoluRsta,umtempoque,nãoobstanteasuaautenRcidade,érecusadoporCarlosporcausadasuaintolerânciaedoseuclericalismo,quelevamaquetodaadescriçãoestejaeivadadeconotaçõesnegaRvas.(cap.XVIII)