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OS LUSÍADAS Osvaldo Hamilton Tavares
1° lugar no concurso 40 do Ministério Público de São Paulo
Crítico Literário
Dedico este trabalho Dr. Túlio Tadeu Tavares, ao Dr. Omar Tavares de
Almeida, ao Dr. José Alves de Cerqueira Cesar, à Dra. Fernanda Cristina Caldeira
Leite Teixeira, ao Dr. Paulo Penteado Teixeira Junior, ao Dr. Carlos Francisco de
Bandeira Lins e a Dra. Iussara Brandão de Almeida.
Lusíadas (os), poema épico de Luís de camões, em dez cantos e 1
102 estrofes em oitava rima. O seu assunto principal é o descobrimento do
caminho marítimo da índia, a primeira viagem de Vasco da Gama. Mas, a
par deste assunto, trata, por modo muito engenhoso e artístico, da história de
Portugal, salientando alguns dos seus episódios mais dramáticos. É o
primeiro poema regular na literatura da Renascença; tem ecos de Homero e
Virgílio, mas observa unidade e equilíbrio entre os seus elementos.
Profundamente cristão. Está cheio de eruditas recordações do paganismo.
Atinge o sublime nos episódios de Inês de Castro, nas descrições de cenas
de mar e de combates, na cena da ilha dos Amores, de tão especial colorido
depois das cruas pelejas e navegações. Termina profetizando os altos
destinos dos Portugueses. Um grande sopro patriótico anima o poema. Há
muitas edições portuguesas de Os Lusíadas, sendo a primeira de 1572, e
numerosas traduções em várias línguas. A Livraria Lello & irmão publicou,
em 1973, uma monumental edição d’Os Lusíadas, ilustrada por Gouvêa
Portuense, integrada nas comemorações do IV Centenário da publicação do
Poema.
Canto Primeiro.
Proposição (estanças 1 a 3) Súmula do poema: o poeta propõe-
se a cantar os feitos dos portugueses, suas navegações e conquistas, as lutas
em que se empenharam; cantará
...................o peito ilustre lusitano,
A quem Netuno e Marte obedeceram.
Invocação (estanças 4 e 5) ás ninfas do Tejo (Tagus, em
latim),às sua Tágides, para que o inspirem,
“para que se espalhe e se cante no universo” a glória
lusitana.
Dedicatória (estanças 6 a 18) a D. Sebastião, rei de Portugal:
Os olhos da real benignidade
ponde no chão: vereis um novo exemplo
de amor dos pátrios feitos valorosos
em versos divulgados numerosos.
..................................................................
Dai vós favor ao novo atrevimento.
Para que estes meus versos vossos sejam.
E começa a narração. Vão os barcos de Vasco da Gama na
altura de Moçambique, em demanda da índia. Reúnem-se os deuses no
Olímpio, para decidir,
sobre as coisas futuras de Oriente
agora que os lusos se dispõem
a ver os berços onde nasce o dia.
Devem os deuses protegê-los, ou persegui-los? Divergem as
opiniões: Júpiter vota por êles; Baco lhes é ferrenhamente contrário; Vênus,
por amor de seus filho Enéias, de quem descendem os romanos, avoengos
dos portugueses, está por êles; por êles vota Marte.
Veleja a frota no mar índico, próximo a Madagascar, Baco,
vencido entre os deuses, quer vencer os homens portugueses, impedindo-
lhes que cheguem à índia, e para tais intentos se vale de traidora gente
africana, que lhes arma ciladas tenebrosas:
No mar tanta tormenta e tanto dano
Tantas vezes a morte apercebida
Na terra tanta guerra, tanto engano,
Tanta necessidade aborrecida!
Canto segundo.
A armada chega a Mombaça; continuam as insídias de Baco,
na traição dos Mortos: a cidade sacrificaria os nautas, se êles
desembarcassem, atendendo aos fementidos convites de hospitaleira
acolhida. Vênus mais uma vez os salva:
Quem poderá do mal aparelhado
Livrar-se sem perigo sabiamente
Se lá de cima a Guarda Soberana
Não acudir à fraca força humana?
Vasco da Gama pede a proteção divina; pede a segurança de
um porto, e Júpiter acede à intercessão de Vênus:
Formosa filha minha, não temais
Perigo algum nos vossos Lusitanos.
E conta-lhe os feitos gloriosos que êles realizarão na índia. E
incumbe Mercúrio de dispor-lhe boa acolhida em Melindre, o que se cumpre.
O rei Melindano pede ao navegador que lhe conte toda a
história dos portugueses e lhe fale das terras hispânicas, da Europa, das
aventuras marítimas.
Canto terceiro.
Inaugura-o a invocação (a 2º do poema – est. 1 e 2) a Caliope
– musa da eloquência e da epopeia -; Agora tu Calíope, me ensina / o que
contou ao Rei o ilustre Gama; / inspira imortal canto e voz divina / neste
peito imortal que tanto te ama.
E começa a narração; os limites da Europa; países e povos; a
Espanha; Portugal,
Onde a terra se acaba e o mar começa;
Viriato, o intrépido defensor da pátria invadida, e
Cuja fama ninguém virá que dome;
O Conde D. Henrique, casando-se com D.Teresa, filha de
Afonso VI de Castela, toma posse das terras que passaram a ser o Condado
Portucalense; o reinado de D. Afonso Henriques, filho do Conde; suas lutas
contra a ambição materna; o cerco de Guimarães , de onde êle se salva da
acometida de Afonso VII, pela fidelidade de seus aio Egas Moniz – símbolo
da lealdade portuguêsa; a aparição de Cristo a Afonso, na batalha de Ourique,
contra os Mouros invasores, tantos para tão poucos lusitanos,
que para um só, cem mouros haveriam;
a explicação das armas de Portugal; as conquistas de Afonso Henriques; os
reinados de Sancho I, Afonso II, Afonso III, que conquistou o Algarve; de
D.Denis, fundador da Universidade; de Afonso IV; os mouros de Granada,
aliados aos de Marrocos, a tentarem dominar a Espanha, levando Afonso IV,
rei de Portugal, nas veementes súplicas de D.Maria:
Acude e corre, pai, que se não corres,
Pode ser que não aches quem socorres.
E o rei – pai e sogro – comanda as tropas que, com as
castelhanas, vão defrontar, na dura batalha do Salado, a mourisma
inumerável.
Para quem são pequenos campo e monte.
Portugal cobre-se de glória. Mas foi nesse tempo que se deu o
lastimoso caso da linda Inês, vítima inocente do Amor:
Tu, só tu, puro Amor, com força crua.
que os corações humanos tanto obrigam
desta causa à molesta morte sua,
como se fora pérfida inimiga.
Ela vivia tranquila,
aos montes ensinando e às ervinhas
o nome que no peito escrito tinha (s).
o nome de seu Príncipe, o nome de Pedro, que não quisera casar com “belas
senhoras e princesas”. O rei, ouvindo áulicos e povo, que condenavam
aqueles amores, que não lhes dariam uma rainha,
tirar Inês ao mundo determina
por lhe tirar o filho que tem prêso.
A ela, não lhe valeram rogos ao rei, que perdoaria, se ouvisse
apenas a voz do coração:
Põe-me onde se usa toda a feridade,
Entre leões e tigres, e verei
Se, neles achar posso a piedade
Que entre peitos humanos não achei.
Cobre-se de desesperado luto
Aquêle que depois a fêz rainha.
e com Pedro,
as filhas do Mondego a morte escura
longo tempo chorando memoraram.
Reinado de D. Pedro o Cru: vingança e justiça. Sucedeu-lhe D.
Fernando, que pôs o reino em dificuldades,
que um fraco rei faz fraca a forte gente.
Seus pecaminosos amôres com D.Leonor Teles tornam-no
joguete da ambiciosa mulher:
Que um baixo amor os fortes enfraquece.
Canto quarto.
E’ morto o infeliz D. Fernando; o rei de Castela pretende o
trono português, por ser marido de D. Beatriz, única herdeira da coroa
Lusitana: o povo está com o Mestre de Avis (D. João I), pela independência
nacional; com êle está Nuno Álvares.
Reprovando as vontades inconstantes
De quantos – entre os quais, irmão seus –
negam, o rei e a pátria, e, se convém,
negarão, como Pedro, o Deus que têm,
porque , traidores, estão a favor de Castela.
Tratava-se a luta pela independência, a batalha de Alju-barrota:
Deu sinal a trombeta castelhana
Horrendo, fero, ingente e temeroso;
Ouvindo-o o monte Artabro, e Guadiana
Atrás tornou as ondas de medroso;
ouviu-o o Douro e a terra transtagana:
correu ao mar o Tejo duvidoso;
e as mães que o som terríbil escultaram,
aos peitos os filhinhos apertaram.
A luta é encarniçada, tremenda:
Defendei vossas terras, que a esperança
Da liberdade está na vossa lança!
Pelejai, verdadeiros portugueses!
- Brada-lhes o Mestre de Avis, no estridor da batalha, em que Nuno Álvares
Pereira opera prodígios.
Esplende a vitória. Depois, a aventura de Ceuta, o cativeiro do
Infante Santo em Fêz; o reinado de D. Duarte, e o de D. Afonso V, as
conquistas na África, a batalha de Toro, o reinado de D.João II; o reinado de
D.Manuel e o sonho que teve que seria senhor de toda a Índia : a partida para
o Oriente e as imprecações proféticas do Velho do Restelo, em meio de tantas
lágrimas dos que ficavam, porque os que partiam tiveram ordem de não se
despedir;
A que novos desastres determinas
De levar estes reinos e está genie?
Que perigos, que mortes lhe destinas,
Debaixo dalgum nome preminente
Que promessas de reinos e de minas
De ouro,(que) lhe farás tão facilmente?
Que triunfos? Que palmas? Que vitórias?
Canto quinto.
Narração da viagem; descrição da tromba marinha:
Ia-se pouco e pouco acrescentando,
e mais que um largo mastro se engrossava;
aqui se estreita, que se alarga, quando
os golpes grandes de água em si chupava.
Estava-se Co ‘as ondas ondeando;
em cima dele uma nuvem se espessava,
fazendo-a maior, mais carregada,
c’o cargo grande d’água em si tomada.
Mas depois que de todo se fartou
o pé que tem no mar a si recolhe,
e pelo céu, chovendo, enfim voou.
Na Angra de Sta. Helena, a aventura de Fernão Veloso, de
ânimo sempre alegre: transpondo um morro, mete-se pelo mato, na
companhia de traiçoeiros negros, que quiseram matá-lo, e a êle, a Vasco e a
outros companheiros, que acudiram, agridem-nos a flechas e pedradas. E já
a salvos, diz-lhes, jocoso, um dos seus:
— "Olá, Veloso amigo, aquele outeiro
é melhor de descer, que de subir!"
— "Se é — responde o ousado aventureiro;
mas, quando eu para cá vi tantos vir
daqueles cães, depressa um pouco vim,
por me lembrar que estáveis cá sem mim."
Não falta assim certo sabor anedótico na longa narração da
viagem. Agora, o caso nunca visto do gigante Adamastor.
de disforme e grandíssima estatura,
o rosto carregado a barba esquálida,
os olhos encovados e a postura
medonha e má, e a cor terrena e pálida,
cheios de terra e crespos os cabelos,
a bôca negra, os dentes amarelos,
a vociferar medonhas ameaças aos que ousarem navegar seus longos mares
nunca arados de estranho ou próprio lenho;
Eles sofrerão, tôda vez
naufrágios, perdições de toda sorte
que o menor mal de todos seja a morte;
prediz o naufrágio de Sepúlveda, e de outros, da história trágico-marítima do
reino, e revela-se, numa resposta ao Gama: Eu sou aquêle oculto e grande
Cabo a quem chamais vós outros Tormentório.
E a viagens prossegue, dobrado o cabo das Tormentas, agora
da Boa Esperança, em luta com os mares violentos, dizimados pelo
escorbuto, até que chegam ao hospitaleiro reino de Melinde, a cujo rei o
Capitão acaba de fazer a longa narração que lhe pedira.
Canto sexto.
O cordial acolhimento em Melinde, os festejos, nos poucos dias
em que ali permaneceram os portugueses; a partida, com um leal piloto e
viveres fornecidos pelo rei; Baco, insistindo nos seus insidiosos propósitos
de impedir-lhes a chegada à índia, desce ao fundo dos mares, ao reino de
Netuno, obtém dos deuses marinhos, ali reunidos, todo o apoio na luta contra
os nautas do ocidente: Bolo soprará os ventos e desencadeará as mais
violentas tempestades, que façam soçobrar os seus navios.
A bordo, porém, corriam as horas monótonas, sobre o mar
tranquilo, e para distraírem-se ouvem o episódio dos Doze de Inglaterra,
contado por Fernão Veloso:
Entre as damas gentis da côrte inglesa
e nobres cortesãos, acaso um dia,
se levantou discórdia em ira acesa.
Levantaram-se insolências contra elas, mas ninguém, por
temor aos nobres, aceitou o desafio que êles lançaram a cavaleiros que
ousassem defendê-las: recorreram, aflitas, ao duque de Lencastre, que bem
conhecia os portugueses e dele ouviram, em conselho,
que eles só poderiam, se não erro,
sustentar vossa parte a fogo e ferro;
cada um escrevesse a um cavaleiro, dos por êle indicados, e êle a todos
escreveria.
Houve entusiasmo entre os lusos, e preparados para a jornada,
partiram para a aventura, pelos caminhos do mar, menos Magriço, que
desejoso de ver "terras estranhas, mais água que as do Douro e Tejo," viajaria
por terra.
E' chegado o dia da grande justa, e Magriço não chegara. Vai
começar o torneio.
dos onze contra os doze, quando a gente
começa a alvoroçar-se geralmente.
Eis entra um cavaleiro, que trazia
armas, cavalo, ao bélico serviço. E
basta, por fim do caso, que entendemos
que, com fineza altas e afamadas
c'os nossos fica a palma da vitória
e as damas vencedoras e com glória.
Depois festas, banquetes, Magriço se aventura a outras
cavalarias; outro vai, com igual intuito, à Alemanha.
Foi quando soou o alerta de tempestade 1 de tempestade tão
medonha,
que o mundo pareceu ser destruído.
E tudo são vozes de comando, todo é ação destemida e valorosa:
— “Amaina, disse o mestre a grandes brados,
Amaina, disse , amaina a grande vela!”
— "Alija, disse o mestre rijamente,
alija tudo ao mar! Não falte acordo!
Vão outros dar à bomba, não cessando!
à bomba, que nos imos alagando!"
A nau grande, em que vai Paulo da Gama,
quebrado leva o mastro pelo meio,
quase toda alagada; a gente chama
Aquele que a salvar o mundo veio.
Agora sobre as nuvens os subiam
as ondas de Netuno furibundo:
agora a ver parece que desciam
as Últimas entranhas do Profundo.
Noto, Austro, Bóreas, aquilo queriam
arruinar a máquina do mundo:
a noite negra e feia se alumia
c'os raios em que o polo todo ardia.
Vasco da Gama lamenta-se de não haver morrido
gloriosamente em guerra com os mouras na África, mas levanta o
pensamento aos céus, pedindo auxílio. Vênus desce aos mares e obtém das
ninfas de quem os ventos se enamoravam, que os amansem. E na manhã que
surge, serenado o mar, avistam-se terras da índia: Calecute. Genuflexo,
Vasco da Gama rende graças a Deus.
Canto sétimo.
Chegam à índia os portugueses:
já sois chegados, já tendes diante
a terra de riquezas abundantes!
O poeta exalta os esforços de sua gente e recrimina príncipes e
nações que, ao invés de se empenharem em lutas contra infiéis, guerreiam-
se entre si, quando são todos cristãos:
Mas, entanto que cegos e sedentos
andais de vosso sangue, ó gente insana,
não faltarão cristãos atrevimentos
nesta pequena casa lusitana:
de África tem marítimos assentos
é na Ásia mais que todas soberana;
na quarta parte nova os campos ara: e se mais mundo
houvera, lá chegara!
Descreve-se a índia, com seus costumes, entre Naires ou
Nobres e os Poleás ou a plebe; desembarca um luso:
a fazer sabedor o rei gentio
da vinda sua a tão remota parte,
entrando o mensageiro pelo rio
que ali nas ondas entra, a não vista arte,
a cor, o gesto estranho, o trajo novo, fêz concorrer a vê-
lo todo o povo.
Trava o mensageiro conhecimento com Monçaide, mouro que
conhecera português; comeram e beberam juntos. Monçaide promete levá-
lo, mais tarde, ao Samorim (título dos reis de Calecute), que morava fora da
cidade, e vão ter com Vasco da Gama, que
junto de si o assenta, e pronto e quando,
pela terra pergunta e coisas dela.
O mouro descreve a Índia: sua religião, leis, costumes,
riquezas. O rei manda convidar Vasco da Gama a ir a seu palácio: o Catual
(regente do reino), rodeado de Naires, espera-o em terra, com muitas
honrarias:
Monçaide, entre eles, vai interpretando
as palavras que de ambos entendia.
Os lusos se admiram das monstruosas figuras dos ídolos de um
templo em que entram. A curiosidade dos habitantes é grande, diante do
Capitão:
então pelos telhados e janelas
velhos e moços, donas e donzelas.
Chegam ao palácio do Samorim; descrevem-se os painéis que
contam a história da Índia.
O Catual diz ao navegador que os magos, que perscrutam o
futuro, lhes fizeram cientes de que tôdas as vitórias que se representam
naqueles quadros serão sobrepujadas por outras de gentes estrangeiras.
Recebe-o o Samorim, e fala o Gama: um grande rei do
Ocidente
vínculo quer contigo de amizade;
propõe-te pactos e alianças, tratados de comércio
das fazendas da terra sua e tua,
de modo
que por irmão te tenha e te conheça.
O Samorim responde que necessita informar-se do que lhe diz
o Capitão acerca de seu rei, de sua gente e, ouvidos do seu conselho, dará
resposta. O Catual ouve Monçaide, que faz o elogio dos portugueses e
sugere-lhe que visite a armada, para ter melhor entendimento das coisas
lusitanas:
À capitânia sobem forte e bela.
onde Paulo os recebe a bordo dela.
Admiram-se dos ricos estofos e coloridas bandeiras, em que
estão pintados os gloriosos feitos portugueses e retratados seus grandes
capitães. O Casual pede lhe expliquem aquelas cenas e lhe digam daqueles
varões. O poeta invoca ainda asma vez as Massas (estrofes 78 e seguintes),
para que, delas assistido, possa continuar o seu canto, quando sente, de seus
coevos, tão pouco estimada a poesia.
Canto oitavo.
Paulo da Gama, irmão de Vasco, passa a explicar ao Catual as
figuras, que representam nomes e feitos de sua gloriosa gente; Monçaide
serve-lhes de intérprete:
Este que vês, é luso, donde a fama
o nosso Lusitânia chama;
outros são Ulisses, fundador de Lisboa; Viriato, o grande herói dos Montes
Hermínios; Sertório, general romano que, com os lusos, se bate contra Roma;
o Conde D. Henrique.
o grão progenitor dos reis primeiros;
E quem — pergunta o malabar — é este
"que tantos esquadrões, que gente tanto,
com tão pouca, têm róto e destroçado!"
— "Este é o primeiro Afonso, disse o Gama, que todo o
Portugal aos Mouros toma."
Agora, Egas Moniz, exemplo da lealdade à palavra dada; D.
Fuas Roupinho, herói de tantos feitos, e outros e outros; Mem Moniz,
Geraldo Sem-Pavor, Marfim Lopes, D. Paio Correia...
Um, porém, a todos sobreleva, um
que a Pátria, que de um fraco fio pende,
sobre seus duros ombros a sustenta.
Português Cipião chamar-se deve,
Mas, acrescenta Paulo da Gama, mais o enobrece o seu próprio
nome: êle é Nuno Álvares.
Ditosa pátria que tal filho teve!
Outras notáveis figuras ali não estavam; lamentava que não
houvesse, entre os poderosos de sua pátria, quem estimulasse pintores das
glórias nacionais...
O Casual, porque anoitecia, deixa o navio; leva na alma imensa
admiração dos portugueses.
Mas em terra, nova trama se armava contra êles; convencem o
rei de que aquela gente à índia só traria desgraça e ruínas. Baco, ainda uma
ver, sob o disfarce de Mafoma, aparecera em sonho a um sacerdote
muçulmano, prevenindo-o do perigo que os portugueses representavam para
a Índia, que desejavam conquistar. Era necessário destruir-lhes os navios. O
Samorim não responde ao Gama; encheram-no de dúvida e suspeitas os que,
corrompidos pelos mouros, interessados em afastar, do Oriente, os
portugueses, tudo fazem para perdê-los. Matada chamá-lo:
"Se quiseres
confessar-me a verdade limpa e nua, perdão alcançarás da culpa
tua." "Eu sou bem-informado que a embaixada que de teu rei
me deste, (que) é fingida porque nem tu tens rei, nem pátria
amada, mas vagabundo vais passando a vida."
"E, se de grandes
reinos poderosos o teu rei tem a régia majestade, que presentes
me trazes valorosos, sinais da tua incógnita verdade? Com peças
e dons altos suntuosos se lia dos reis altos a amizade, que sinal
nem penhor não é bastante as palavras dum vago navegante."
"Se porventura
vindes desterrados como já foram homens d'alta sorte, em meu
reino sereis agasalhados, que toda a terra é pátria para o forte;
ou, se pirata sois, ao mar usados, dizei-me sem temor de infâmia
ou morte, que, por se sustentar em toda idade, tudo faz a vital
necessidade."
Se tu soubesses — responde-lhe o Gama — quanto é iníqua a
torpe gente maometana, não conceberias tão vil suspeita!
Se não cresses a quem não crer devias.
"Porque se eu de rapinas só vivesse,
Un divago ou da pátria desterrado,
como crés que tão longe me viesse
buscar assento incógnito e apartado?"
"experimentando o mar irado, os antárticos frios e os ardores da zona
tórrida?"
Se com grandes presentes d’alta estima
O crédito me pedes do que digo,
Eu não vim mais que a achar o estranho clima
Onde a Natureza pôs teu reino amigo,
Então verás o dom soberbo e rico
Com que minha tornada certifico.
Nossos antigos e valorosos reis — continua o Capitão —
propuseram de vencer todos os obstáculos
que sempre às grandes coisas se opuseram;
descobridores de mares tenebrosos, pretenderam
de saber que fim tinham e onde elas estavam
as derradeiras praias que lavavam.
E o navegador prossegue, historiando os descobrimentos
marítimos dos portugueses, de tal modo persuasivos,
que com claro juízo pode ver-se
que fácil é a verdade d’entender-se.
O Samorim tem por verdadeiras as palavras, tão nobres, do
Capitão; manda-lhe ir a seus navios buscar fazendas para trocá-las por
especiarias. Vasco da Gama pede ao Catual que lhe forneça embarcação que
o conduza à sua, que está ao largo. Ele estava empenhado com os
maometanos em impedir que os lusos voltassem à sua pátria: usa de ardis,
afasta-o do Samorim, nega-lhe o barco. Por fim, aos protestos do Capitão,
diz-lhe o Catual "que mandasse
chegar à terra as naus, que longe estão,
porque, melhor dali fosse e tornasse.”
São manifestos os criminosos propósitos do Catual: destruir a
armada, a ferro e fogo; Vasco da Gama sente a dificuldade do momento. Faz
vir as fazendas, por Álvaro e Diogo, com a incumbência de vendê-las. Na
realidade, foi o preço do seu resgate, e ele pôde voltar às naus.
A execrável fome do ouro!
Quanto no rico, assim como no pobre,
pode o vil interesse e sede imiga
do dinheiro, que a tudo nos obriga!
Que não corrompe o ouro? Responde o poeta: rende potentes fortalezas;
torna, os amigos, falsos, traidores; aos mais nobres transmuda-os em vilões;
entrega capitães aos inimigos; corrompe virginais purezas; corrompe os
homens de ciência; cega juízos e consciências; deturpa os textos, ainda os
mais sagrados; faz e desfaz leis; é causa de perjúrios; leva os reis à tirania;
c, sob aparências de virtude, induz ao mal os próprios ministros de Deus!
Canto nono.
Os dois portugueses tentam vender as fazendas; ninguém as
compra. E' o ardil dos mouros para relê-los, porque esperam a chegada de
tuna frota de Meca, que destruirá a lusitana. Monçaide, o mouro fiel aos
portugueses., que depois se converterá à fé de Cristo, dá conta do que se
passava, a Vasco da Gama. O navegador ciente de que. tão presos os seus
feitores, prende também, em represália, opulentos mercadores de
especiarias, que tinham ido às naus portuguesas. Reclamam-nos, ao pérfido
Catual, os parentes. Libertam-se, assim, os portugueses e os indígenas.
E' o fim da jornada: a Índia estava descoberta;
Mas como aquela terra, que se estende
pela Aurora, sabida já deixava,
com estas novas torna à pátria cara,
certos sinais levando do que achara.
Monçaide os acompanha.
Vênus quer proporcionar-lhes descanso e alegrias, depois de
tantas lutas. Leva-os à Ilha dos Amores:
Três formosos outeiros se mostravam
erguidos com soberba graciosa.
que de gramíneo esmalte se adornavam,
na formosa ilha alegre e deleitosa Claras fontes e límpidas
manavam do cume
que a verdura tem viçosa; por entre pedras alvas se deriva
a sonorosa linfa fugitiva.
A laranjeira tem no fruto lindo
a cor que tinha Dafne nos cabelos;
encontra-se no chão, que está caindo,
a cidreira c'os pesos amarelos.
Os dons que dá Pomona, ali Natura
produz, diferentes nos sabores,
sem ter necessidade de cultura,
que sem ela se dão muito melhores:
as cerejas purpúreas na pintura;
as amoras que o nome tem de amores;
o pomo que da pátria pérsia veio,
melhor tornado no terreno alheio.
E romãs de rubicunda côr, a vide de cachos roxos e outros
verdes, as peras piramidais; e os campos e as flores, e o céu e a terra, de
matizes tais, que difícil coisa é julgar
se dava às flores côr a bela Aurora,
ou se lhe dão a ela c as belas flores.
Aí desembarcaram os nautas portugueses. Num esplêndido
palácio, no cume de um monte, Tétis conversa com Vasco da Gama.
Canto décimo.
Banquete de Tétis aos nautas portugueses, em seu magnífico
palácio: alegria, música sublime, deliciosos manjares. Uma sereia canta as
profecias de Proteu: os futuros e admiráveis feitos lusitanos no Oriente. Em
nova invocação (est. 8 e 9), agora à Musa da Eloquência, uma queixa
sublinhando o pedido:
Aqui, minha Caliope, te invoco
neste trabalho extremo, porque em pago
me tornes do que escrevo, e em vão pretendo,
o gosto de escrever, que vou perdendo.
O poeta vai envelhecendo; a fortuna lhe tem sido adversa, os
desgostos o levam para a morte, mas êle espera auxílio de sua Musa:
Vão os anos descendo, e já no estio
há pouco que passar até o outono;
a fortuna me faz o engenho frio,
do qual já não me jacto nem me abono;
os desgostos de mão levando ao rio
do negro esquecimento e eterno sono;
mas tu me dás que cumpra, ó grã rainha
das Musas, c'o que quero à nação minha
Segue-se a narrativa das futuras glórias portuguesas. Tétis,
depois do alto do Monte, descreve-lhes o Universo, como ensinou Ptolomeu:
o Empíreo, o Primeiro Móvel, o Primeiro Cristalino, o Zodíaco: os doze
signos, as constelações. Em seguida, descreve a Terra, enumera os países, os
mares, as ilhas que os portugueses descobriram.
Mas o desânimo vence o poeta:
Não mais, Musa, não mais, que a lira tenho
destemperada e a voz enrouquecida
e não do canto, mas de ver que venho
cantar a gente surda e endurecida.
O favor com que mais se acende o engenho,
não no dá a pátria, não, que está metida
no gosto da cobiça e na rudeza
duma austera, apagada e vil tristeza.
E termina o poema, vaticinando gloriosas empresas de que
seria digno o rei D. Sebastião, se, premiando méritos, estimulasse o brio
português.
Comentários ao Código Penal
Nélson Hungria
Romão Côrtes de Lacerda
A cópula normal do que a anormal, mas as consequências
lesivas daquela podem superar, em gravidade, as desta. Por último, é de notar
que a diferença entre as sanções cominadas, respectivamente, à conjunção
normal e à anormal violentas é tão exígua, que o juiz, dado o critério de
relativa individualização da pena consagrado pelo Código (art. 42), poderá
praticamente eliminá-la, toda vez que, in concreto, me parecer conveniente.
O dissenso da vítima deve ser sincero e positivo, manifestando-
se por inequívoca resistência. Não basta uma platônica ausência de adesão,
uma recusa meramente verbal urna oposição passiva ou inerte. É necessária
uma vontade decidida e militantemente contrária, uma oposição que só a
violência física ou moral consiga vencer. Sem duas vontades embatendo-se
em conflito, não há estupro. Nem é de confundir a efetiva resistência com a
instintiva ou convencional relutância do pudor, ou com o jogo de simulada
esquivança ante uma vis grata, como o daquelas ninfas de que nos fala
Camões (Os Lusíadas, canto IX, estrofe LXX):
“Fugindo as ninfas vão por entre os ramos,
Mas, mais industriosas que ligeiras,
Pouco a pouco sorrindo, e gritos dando,
Se deixam ir dos galgos alcançando...”
Reader’s Encyclopedia
Lusíadas, Os (The Lusiads, 1572) An epic poem by Luis de
CAMÕES. It relates the historically illustrious actions of the Lusians, or
Portuguese, but deals principally with the exploits of Vasco da GAMA and
his comrades in their "discovery of India." Da Gama sailed three times to
India. It is the first of these voyages (1497) that is the theme of the epic, but
its wealth of episode, the constant introduction of mythological "machinery,"
and the intervention of Bacchus, Venus, and other deities make it far more
than the mere chronicle of a voyage. Bacchus is the guardian power of the
Muslims, and Venus, or Divine Love, of the Lusians. The fleet first sails to
Mozambique, then to Quiloa, then to Melinda in Africa, where the
adventurers are hospitably received and provided with a pilot to con-duct
them to Índia. In the Indian Ocean, Bacchus Cries to destroy the fleet, but
the "silver star of Divine Love" calms the sea, and da Gama arrives in India
safely.
LA LITTÉRATURE PORTUGAISE
Les Rhythmas de Luís de Camões par Lisbonne en 1595. Les
Rimas de Luís de Camões à Lisbonne, en 1598. Or' éditeur, Fernão
Rodrigues Lobo Soropita, y a inclus, des poèmes étrnag certains vers sont
estropiés. Au xixe siècle et nos jours, plusieurs éditions critiques ont été
élaborées. II reste néanmoins un matériel considérable à examiner.
3. Les « Lusiades ». — Os Lusíadas, ce sont les descendants
de Lusus, fils et compagnon de Bacchus. L'épopée de Camòes chante «
l'illustre valeur des Portugais ». A la vérité, le poème serre de très près
l'histoire. Le voyage de Vasco da Gama occupe les deux volets extérieurs du
triptyque ; il se fonde principalement sur l'Asia de Joào de Barros et l'Histoire
de Fernào Lopes de Castanheda. Une petite flotte, venue d'on ne sait où,
cherche la route des Indes. Enjeu d'une rivalité divine (Vénus-Bacchus), par
deux fois elle se heurte à la fourberie mahométane. Mais un roi oriental offre
l'hospitalité aux navigateurs. Aussi Gama retrace-t-il pour lui la naissance et
les vicissitudes de la nation portu-gaise ; les faits saillants des divers règnes,
y compris l'expédition terrestre vers l'Orient, organisée par Jean II ; le songe
de Manuel le Fortuné, où la sphère armillaire promet le Monde ; le départ de
Lisbonne et la première partie du voyage ; la décou-verte de terres inconnues
et le franchissernent du cap des Tempêtes (« Bonne-Espérance » pour le roi
D. Manuel), que domine le géant Adamastor. A partir du chant VI, Camões
narre le voyage de Mélinde à Calicut, puis les premiers contacts avec l'Inde.
Autre procédé pour évoquer les grands capitaine du passé : devant le Catual,
Paulo da Gama commente des images. Ainsi rappelle-t-il Lusus et Ulysse,
fondateur de Lisbonne, Henri le Navigateur. Vient le récit détaillé des
difficultés locales que surmontent le génie diplomatique et la ténacité de
Vasco. Enfin le retour, l'escale fastueusement éro-tique de Pile Divine. Une
prophétie de Thétis dresse la série victorieuse des expéditions portu-gaises
et célèbre leurs capitaines. L'Europe doit le reconnaftre : les Portugais sont
faits pour dominer, non-pour étre commandés.
prierait presque les vertus de Notre-Dame, Bacchus tourne au diable et
Jupiter figure Ia Providence. Cela ne Va pas sans quelque amusante
confusion. Le poàte ne demande jamais au public d'agréer les miracles
paiens, sans un clin d'cpil complice qui invite à arracher les masques.
Ailleurs, le merveilleux paien déguise le symbolisme des allégories,
nécessaire à Ia mentalité ibérique et singuliêrcment au baroquisme portugais.
Poême maritime, éloge des navigations, exhortation à l'hérolsme,
formulation de I'honneur portugais, pour le Brésilien Joaquim Nabuco, les
Lusiades sont aussi Ie lien de l'Europe et de l'Amérique, « car elles
constituent l'épopée du commerce et de l'industrie, Ia poésie de l'âge
moderne, ce en quoi le rôle de I'Amérique est et doit se révéler plus important
que celui de I'Asie Pour Hernâni Cidade, le poême de Camões exprime
éloquemment le siêcle que Taine jugeait le plus grand de l'Histoire, car il
chante l'héroisme portugais, au moment oi il condense au degré suprême
I'audace humaine explorant notre planête.
Lusiadi, I, poema (1572) di L. de Camões II La descrizione dell'impresa di
Vasco da Gama (1497-99), che raggiunse l'lndia da occidente attraverso il
Capo di Buona Speranza, é in sostanza Ia gloriflcazione delia 8toria
imperiale lusitana. II poema ha Inizio quando già Ia nave veleggia
nell'oceano.Le vicende precendi sono narrate durante un banchetto da Vasco
de Gama al re di Melinde, che ha accolto con favore i lusitani giunti il giorno
di Pasqua nel suo regno. Da qui rípartiti arrlvano alla fine ( 1408) al porto di
Ia maggiore delle clttà del Malabat. Durante il ritorno é posto l’ episodio
mitologico delia vacanza amorosa concessa da Venere ai marinai. novelli
argonauti, in un'isola al largo dell'oceano.