OS IMPACTOS DA PROFISSÃO NA VIDA DO POLICIAL...

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CENTRO UNIVERSITÁRIO AUGUSTO MOTTA CENTRO DE CIÊNCIAS APLICADAS CURSO DE SERVIÇO SOCIAL TRABALHO DE CONCLUSÃO DE CURSO OS IMPACTOS DA PROFISSÃO NA VIDA DO POLICIAL CIVIL ROSÉLIA MENDES DA SILVA RIO DE JANEIRO 2010

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CENTRO UNIVERSITÁRIO AUGUSTO MOTTA

CENTRO DE CIÊNCIAS APLICADAS

CURSO DE SERVIÇO SOCIAL

TRABALHO DE CONCLUSÃO DE CURSO

OS IMPACTOS DA PROFISSÃO NA VIDA DO POLICIAL CIVIL

ROSÉLIA MENDES DA SILVA

RIO DE JANEIRO

2010

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Rosélia Mendes da Silva

OS IMPACTOS DA PROFISSÃO NA VIDA DO POLICIAL CIVIL

Centro Universitário Augusto Motta

Rio de Janeiro

2010

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Trabalho acadêmico apresentado

ao curso de Serviço Social da

UNISUAM como parte dos

requisitos para obtenção do título

de Bacharel em Serviço Social.

Professor Orientador: Luzia

Magalhães Cardoso.

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ROSÉLIA MENDES DA SILVA

OS IMPACTOS DA PROFISSÃO NA VIDA DO POLICIAL CIVIL

APROVADA em: ____/____/______.

Professor Orientador: Luzia Magalhães Cardoso

Professor Convidado: _____________________

Professor Convidado: _____________________

Rio de Janeiro

2010

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Banca examinadora composta para a defesa de Monografia para obtenção do curso de Bacharel em Serviço Social.

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AGRADECIMENTOS

Agradeço primeiramente a Deus, Eterno e Senhor da história, por ter permitido eu chegar até

aqui. A Ele, pois, toda a glória!

Ao meu pai (in memorian) e a minha mãe, que não mediram esforços e mesmo com sacrifício,

me deram o acesso à educação, abrindo o caminho para que eu pudesse chegar até aqui.

A professora Luzia, grande mestre e orientadora, que passo a passo me conduziu nessa

pesquisa e agüentou o meu desespero durante um semestre inteiro...

Aos colegas policiais (foi muito legal conhecê-los!), que me concederam as entrevistas e são

os protagonistas dessa pesquisa. Em especial ao inspetor Bilate, que me emprestou um livro,

que ajudou muito em meu trabalho.

Ao meu querido sobrinho Tiago, que me “quebrou mil galhos” na Informática, mesmo às

vezes, perdendo a paciência comigo...

Ao pastor Carlos Pedro, que me fez acreditar que conseguiria terminar minha pesquisa a

tempo, quando eu já não acreditava mais.

Enfim... Aos amigos da igreja, que me ajudaram de alguma forma, e aos colegas de turma e

professores, pelos quatro anos juntos na faculdade. Valeu!!!!!!!!!!!!!!

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Resumo

Este trabalho tem como objetivo apresentar de que maneira o trabalho do policial civil

interfere em sua saúde e em suas relações sociais e familiares. Para tanto, fez-se uma pesquisa

de campo usando como instrumento de coleta de dados a entrevista semi-estruturada, com

perguntas fechadas e abordagem qualitativa, à luz do materialismo histórico-dialético. O

trabalho mostrou que a atividade policial interfere em todos os aspectos da vida desses

profissionais, acarretando transtornos sociais e psicológicos.

Palavras-chave: policial, trabalho e sociedade.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ................................................................................................................01

CAPÍTULO I – O TRABALHO

1.1 CONCEITO DE TRABALHO ...................................................................................03

1.2. O TRABALHO ATRAVÉS DOS TEMPOS ....................................................04

1.3. TRABALHO TORTURA X ALIENAÇÃO .................................................... 06

1.4. AS METAMORFOSES NO MUNDO DO TRABALHO ............................... 08

CAPÍTULO II – A ORGANIZAÇÃO POLICIAL

2.1 CONCEITO DE ORGANIZAÇÃO ..........................................................................11

2.2. AS ORGANIZAÇÕES DESDE A ANTIGUIDADE ................................... 12

2.3. PROCESSO HISTÓRICO DAS INSTITUIÇÕES POLICIAIS ................... 13

2.3.1 HISTÓRICO DA POLÍCIA CIVIL DO RIO DE JANEIRO ...................... 16

2.3.2 O PROGRAMA DELEGACIA LEGAL ..................................................... 20

CAPÍTULO III – O TRABALHO E SUAS CONSEQUÊNCIAS PARA O POLICIAL CIVIL

3.1 METODOLOGIA DA PESQUISA ............................................................................23

3.2 ANÁLISE DE DADOS .....................................................................................26

3.2.1 PERFIL SÓCIO-ECONÔMICO .......................................................................27

3.2.2 PROCESSO DE SELEÇÃO .............................................................................28

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3.2.3 CONDIÇÕES DE TRABALHO .......................................................................30

3.2.4 SOFRIMENTO NO TRABALHO .................................................................... 31

3.2.5 CARGA HORÁRIA DE TRABALHO .............................................................32

3.2.6 RELAÇÕES DE AMIZADE .............................................................................33

3.2.7 RECONHECIMENTO .......................................................................................34

3.2.8 RISCOS ..............................................................................................................37

3.2.9 CONDIÇÕES DE SAÚDE ................................................................................39

3.2.10 IMPACTOS DA ATIVIDADE POLICIAL NA VIDA SOCIAL ...................42

3.2.11 INTERFERÊNCIA DA PROFISSÃO NA DINÂMICA FAMILIAR ......... 44

CONSIDERAÇÕES FINAIS ..........................................................................................48

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .............................................................................51

ANEXOS .........................................................................................................................53

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INTRODUÇÃO

Esta pesquisa descreve e analisa de que maneira o trabalho do policial civil

interfere em sua saúde e em suas relações sociais e familiares, visando conhecer as condições

de trabalho do policial lotado nas Delegacias Legais, apresentando a realidade de trabalho do

policial civil e apontando para os impactos da atividade policial em sua dinâmica familiar e

em sua vida social.

A principal justificativa para essa pesquisa, reside no fato de eu ter estagiado

em uma delegacia policial inserida no Programa Delegacia Legal, em um bairro da zona Norte

da cidade do Rio de Janeiro. A partir de conversas informais com os policiais ali lotados, eu

fui construindo o objeto e o problema da minha pesquisa, sentindo a partir daí, a necessidade

de entender melhor a maneira com que o trabalho do policial, interfere em sua saúde e em suas

relações sociais e familiares, causando tantos transtornos.

Para a elaboração desse trabalho, partimos das premissas instituídas para uma

pesquisa de campo paralela a bibliográfica, usando entrevista semi-estruturada, com

abordagem qualitativa. Os livros, artigos científicos e a mídia eletrônica foram consultados na

fase exploratória da pesquisa.

Esta monografia está estruturada da seguinte forma: no primeiro capítulo,

trazemos algumas reflexões sobre o Trabalho. No segundo capítulo, fazemos uma breve

discussão acerca do conceito Organização, inclusive apresentando o Programa Delegacia

Legal, e no terceiro capítulo, explicamos a metodologia da pesquisa, fazendo a análise dos

dados coletados.

Esperamos que este trabalho contribua para os estudos acerca da interferência

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da atividade policial na saúde, na vida social e familiar dos policiais civis, e os transtornos

sociais e psicológicos que ela acarreta a este profissional, tão necessário à sociedade e

imprescindível para o Estado. Nosso desejo é que os leitores dessa monografia possam

compreender o conteúdo aqui discutido e percebam a importância de compreender melhor o

trabalho de um policial civil e as conseqüências que essa atividade traz para a vida destes

profissionais, que tem como uma de suas funções, proteger a sociedade, mas que na verdade,

despertam o medo e a aversão na própria sociedade.

A complexidade dessa temática exige novos momentos de aprofundamento, que

não ocorreram nas fronteiras do presente trabalho.

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CAPÍTULO I : O TRABALHO

1.1 - Conceito

De acordo com Karl Marx, antes de tudo, “o trabalho é um processo de que

participam o homem e a natureza, processo em que o ser humano com sua própria ação,

impulsiona, regula e controla seu intercâmbio material com a natureza” (1980, p.202).

O trabalho é tão antigo quanto o ser humano e existe desde o momento em que

o homem começou a transformar a natureza e o ambiente ao seu redor, e a fazer utensílios e

ferramentas. O homem é um animal que produz e é isso o que o torna diferente dos outros

animais; assim, em Gallo (1997, p. 44), enquanto o trabalho dos animais se determina apenas

por suas necessidades instintivas e de sobrevivência, o homem transforma a natureza de

acordo com suas necessidades e capacidades, através do trabalho.

O trabalho exige do homem raciocínio, planejamento, previsão de possíveis

dificuldades e que ele acumule todo o conhecimento adquirido. Gallo afirma que tudo o que

existe hoje e que faz parte da nossa vida diária, “é fruto de um processo evolutivo, graças a

acumulação de conhecimentos pelo homem”. (Ibidem).

É bem provável que o trabalho seja o principal fator que determina uma

sociedade, suas estruturas e o seu funcionamento. Isto porque o que determina as divisões de

classes sociais, é a maneira como uma sociedade decide quem vai organizar e realizar o

trabalho e a forma como o produto e as riquezas produzidos por esse trabalho, serão

distribuídos entre os seus membros.

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Quando uma sociedade está em processo de mudanças ou de revolução, o

trabalho sofre influência e irá influenciar a sociedade e as suas mudanças.

1.2 - O trabalho através dos tempos

Ao longo da história da humanidade, o trabalho tem sido caracterizado de

acordo com o nível cultural e o estágio evolutivo de cada sociedade. Cada período se

caracteriza por uma organização sócio-político-econômico-cultural própria e as bases das

relações de produção e as relações trabalhistas foram evoluindo e se alterando a cada período

da história.

O trabalho progrediu através do avanço da agricultura , seus instrumentos e

ferramentas, e uma das primeiras evoluções no mundo do trabalho foi a chegada do arado. As

políticas sociais surgiram em conseqüência da Revolução Industrial, que afetou não só o valor

e as formas de trabalho, como também a sua organização. A necessidade de se organizar o

trabalho criou a idéia de “emprego”, que é a relação entre homens que vendem a sua força de

trabalho por alguma remuneração e homens que compram a sua força de trabalho pagando

algo em troca, como um salário.

Na Idade Primitiva havia o trabalho escravo e o trabalho livre. Os elementos de

trabalho eram muito arcaicos: o pau, o machado de pedra e a lança com ponta de pederneira

eram os elementos que compunham as ferramentas de trabalho na época, sendo mais tarde

inventado o arco e a flecha. A agricultura teve início mais tarde, na base do trabalho com

picareta.

Na antiguidade, a relação trabalhista que existia era a relação escravizador-

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escravo. Nessa época, todo o trabalho era feito por escravos e havia artesãos que não tinham

patrão, mas clientes que pagavam por seus serviços. Esses artesãos poderiam ser

comparados aos profissionais liberais de hoje.

Na Idade Média, a relação trabalhista da época era a relação senhor-servo. Os

camponeses passaram a ser obrigados a viver a serviço dos nobres feudais, que eram

chamados senhor e os lavadores eram chamados servos. Os servos não trabalhavam para

receber uma remuneração, mas para ter o direito de morar nas terras do seu senhor e não havia

qualquer vínculo contratual entre ambas as partes.

Na Idade Moderna, começa a surgir o conceito de emprego. Nessa época

existiam empresas familiares, onde todos os seus membros trabalhavam juntos para vender

seus produtos nos mercados. Também havia oficinas com muitos aprendizes, que em troca,

recebiam vez por outra alguns trocados , além de moradia e alimentação.

Com a Revolução Industrial, os detentores dos meios de produção - os

comerciantes burgueses - eram donos de indústrias e possuíam máquinas e matéria-prima, mas

precisavam contratar pessoas – a força humana - para a fábrica funcionar. Como a maior parte

da população não possuía ferramentas, mas queria trabalhar, ela passou a vender a sua força de

trabalho, a força humana, ao burguês, em troca de um salário. Neste período, teve início a

organização da sociedade capitalista, o desenvolvimento da indústria e do comércio, e a

concentração dos meios de produção pela classe dominante (a burguesia), cujo objetivo é a

concentração de riquezas por meio da exploração da força de trabalho das classes

subalternizadas (o proletariado). A noção de emprego se consolida, tornando-se uma

característica da Idade Contemporânea.

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1.3 - Trabalho Tortura x Alienação

O trabalho deveria ser a fonte de realização e símbolo da dignidade humana,

mas com base em Gallo, “alguns pensadores, dentre eles o alemão Karl Marx, afirmavam que

o trabalho, quando não é fator de realização humana, é, ao contrário, fator de escravidão e

alienação”. (1997, p. 45),

Como exemplo da tese de Marx, apresentada por Gallo (Ibidem), destaca-se o

modo de produção conhecido como taylorismo, teoria criada por Frederich Taylor (1856-

1915). A lógica adotada no mundo fabril a partir dessa teoria é um exemplo de como o

trabalho pode contribuir para o sofrimento e para a alienação do homem. Taylor estabeleceu

os princípios da racionalização, cujo objetivo é o aumento da produtividade com economia de

tempo; toda a produção era cronometrada, pois o operário tinha um tempo estabelecido para

executar cada tarefa. Neste tipo de produção, o trabalhador é submetido a um trabalho com

gestos rotineiros e não tem qualquer iniciativa: ele não pensa e nem cria, só realiza as funções

estabelecidas. É neste sentido que o trabalho se torna uma tortura, fonte de sofrimento para o

trabalhador, que se submete apenas porque precisa trabalhar e sobreviver, já que ele não tem a

chance de criar ou de transformar nada: é o trabalho alienado.

O modelo de produção capitalista moderno, que se baseia na divisão social

e técnica do trabalho, onde muitos executam o trabalho braçal e poucos executam o trabalho

teórico, sintetiza o sofrimento e a alienação a que são acometidos o trabalhador, quando o

trabalho não é fonte de prazer para ele. Nesse modelo de produção, o trabalhador executa uma

única tarefa o dia todo, não interferindo em outro setor. A alienação aqui acontece, porque o

trabalhador não domina todo o processo produtivo, apenas uma parte dele. Etzioni, em

Organizações Modernas, afirma que “quanto menor a alienação de seu pessoal, mais

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eficiente será a organização. Os operários satisfeitos trabalham mais e melhor do que

os frustrados” (1964, p. 9).

Marx utiliza o conceito alienação para designar uma relação artificial do

operário com sua atividade produtiva. Segundo Gallo, “ há alienação quando, perdendo o

domínio da produção de um objeto, o trabalhador vê o resultado de seu trabalho se tornar

estranho à ele mesmo.” (1997, p.47). Se levarmos em conta o conceito de Marx e a afirmativa

de Gallo, podemos constatar que o trabalho realizado de maneira automática e sem

possibilidade de criação ou inovação para o trabalhador, faz com que ele não consiga se

enxergar naquilo que produziu, usando a sua mão-de-obra, ou seja, ele apenas reproduziu o

que já estava pré determinado, não se percebendo no produto acabado, estranhando o trabalho

em seu produto final. Além do fator alienação, isto também traz sofrimento ao trabalhador.

O capitalismo faz com que a alienação atinja níveis ainda maiores na vida do

trabalhador, que se vê obrigado a vender a sua força de trabalho, sua força física, em troca de

um salário para sobreviver. O capitalismo, por meio do assalariamento, transforma o

trabalhador em mercadoria, que ainda acaba desvalorizado, a medida que quanto mais

produz, menos tem para consumir e quanto mais valor ele cria, menos valioso ele se torna.

Vítima do taylorismo e do modelo de produção capitalista moderno, o trabalhador se vê

forçado a suportar o sofrimento e a alienação a que o trabalho o submete, porque precisa

trabalhar e de um salário para sobreviver.

É interessante como o trabalho humano, na perspectiva de Gallo, ainda traz

uma contradição para a vida do trabalhador, que apesar de ser o maior responsável por criar as

riquezas de um país, para ele de fato, “resta somente a miséria, a marginalização social e

cultural, o feio e sua substituição pela máquina que ele mesmo criou”. (Ibidem, p. 48)

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1.4 - As Metamorfoses no Mundo do Trabalho

As alterações que vem ocorrendo no mundo do trabalho no capitalismo

contemporâneo, iniciaram o seu processo a partir das três últimas décadas do século XX..

Segundo Serra, “tais mudanças estão afetando a dinâmica das forças produtivas, alterando a

estrutura e composição das classes, enfim, modificando todo o tecido social”. (2001, p. 151)

O fator apontado como o causador dessas transformações no mundo do trabalho foi a crise

capitalista em meados dos anos 70, cuja pior conseqüência trazida é o explosivo crescimento

do desemprego estrutural. O mundo do trabalho passa por um processo múltiplo e

contraditório e queremos destacar as suas principais mudanças e suas conseqüências para a

vida do trabalhador.

A primeira mudança a ser destacada, é a acentuada diminuição da classe

operária industrial tradicional nos países de capitalismo avançado. Dados extraídos de

pesquisas e estudos realizados em países da América do Norte e Europa, confirmam que

reduziu consideravelmente o número de trabalhadores nas indústrias fabril e manual,

sobretudo nos países de capitalismo avançado. Esta redução pode estar ocorrendo em virtude

da revolução tecnológica ou da automação industrial, mas o fato é que a diminuição da

mão-de-obra na indústria fabril, gerou uma enorme taxa de desemprego.

A segunda mudança em destaque é a intensa subproletarização presente na

expansão do trabalho parcial, temporário, precário, subcontratado e terceirizado, e acontece

paralelamente a redução do proletariado fabril. Essas formas de trabalho (parcial, temporária,

terceirizada) são vinculadas a “economia informal” e tem atraído um número cada vez maior

de trabalhadores, que sem o emprego formal, vêem nesta forma de trabalho sua única saída

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para o desemprego.

Só que essa categoria de trabalhadores, não usufrui dos mesmos direitos e nem

conta com a mesma proteção e expressão sindicais que os trabalhadores formais, o que

significa um retrocesso aos direitos já conquistados pelos trabalhadores em todo o mundo.

Para Antunes, “ enquanto vários países de capitalismo avançado viram decrescer os

empregos em tempo completo, paralelamente assistiram a um aumento das formas de

subproletarização, através da expansão dos trabalhadores parciais, precários, temporais,

subcontratados, etc”. (2000, p. 53).

A terceira mudança marcante a ser destacada, é a significativa heterogenização

do trabalho, expressa através da crescente incorporação do contingente feminino no mundo

operário. É cada vez maior a presença feminina no mercado de trabalho, não só no setor têxtil,

onde sempre predominou a presença feminina, mas também em outros ramos e setores.

Enquanto estagiária no Programa Delegacia Legal, eu pude constatar essa realidade, já que

numa instituição predominantemente masculina como a Policia Civil, hoje é grande o número

de mulheres que fazem parte do quadro da instituição. A classe trabalhadora não é

“exclusividade” masculina e como diz Antunes, “ a classe-que-vive-do-trabalho é tanto

masculina, quanto feminina” (Ibidem, p. 54). O contingente feminino no mercado de trabalho

tem aumentado em todos os países e segundo estudos, representa 40% do total da força de

trabalho em muitos países de capitalismo avançado.

A quarta e última mudança ocorrida no mundo do trabalho a ser destacada, é a

expressiva expansão do trabalho assalariado, em decorrência da expansão do setor de serviços.

Pesquisas apontam que o setor “terciário” ou setor de serviços, que abrange o setor de bens e

imóveis, as finanças, os seguros, a hotelaria, os restaurantes, os serviços pessoais, de negócios,

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etc, é hoje o responsável por mais de 60% das ocupações em vários países e essa tendência

abrange praticamente todos os países centrais. O setor de serviços tem crescido de tal forma,

que em pesquisas sobre a estrutura e tendências de desenvolvimento das sociedades altamente

industrializadas, estas sociedades se caracterizam de maneira mais freqüente, como “sociedade

de serviços”.

Antunes ainda aponta uma última conseqüência importante no interior da classe

trabalhadora, “ que tem uma dupla direção: paralelamente a redução quantitativa do

operariado industrial, dá-se uma alteração qualitativa na forma de ser do trabalho, que de

um lado impulsiona para uma maior qualificação do trabalho e de outro, para uma maior

desqualificação”. (Ibidem, p. 52)

Há mudanças no universo da classe trabalhadora que variam de ramo para

ramo, de setor para setor. Ao mesmo tempo em que há uma maior qualificação do trabalho, se

desenvolve também uma nítida desqualificação dos trabalhadores, que representa um processo

contraditório, onde se superqualifica em alguns ramos e se desqualifica em outros.

Serra ressalta que “as alterações no mundo do trabalho sustentam-se no desenvolvimento

tecnológico por meio do surgimento da robótica, da microeletrônica e da automação...”

(2001, p. 153/154).

Apesar de todas as transformações que vem se processando no universo do

trabalho ao longo das três últimas décadas do século XX e suas conseqüências na vida dos

trabalhadores, como o desemprego ou a perda dos direitos já conquistados, como bem afirma

Antunes, “não é possível perspectivar, nem num universo distante, nenhuma possibilidade de

eliminação da classe-que-vive-do-trabalho”. (2000, p. 62)

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CAPÍTULO II - A ORGANIZAÇÃO POLICIAL

2.1 - Conceito de organização

De acordo com Lapassade (1977, p. 101), o termo organização tem dois

sentidos: ele designa um ato organizador, exercido nas instituições ou ele se refere a realidades

sociais: uma fábrica, um banco ou um sindicato, são organizações, que até por volta de 1910, a

Sociologia denominava de instituições. O autor define a organização social como “uma

coletividade instituída com vistas a objetivos definidos, tais como a produção, distribuição de

bens e a formação de homens” (Ibidem).

Segundo Etzioni (1964, p. 9), são consideradas organizações as corporações, os

exércitos, as escolas, os hospitais, as igrejas e as prisões. Não estão incluídas neste grupo as

tribos, as classes, os grupos étnicos, grupos de amigos e as famílias.

Uma organização se caracteriza por três aspectos: as divisões de trabalho, poder

e responsabilidades de comunicação são planejadas com vistas a realização de objetivos

específicos; a presença de um ou mais centros de poder, que controlam os esforços

combinados da organização e os dirigem para os seus objetivos, e a substituição de pessoal, ou

seja, as pessoas que não estejam satisfazendo as necessidades da organização, poderão ser

demitidas, dando lugar a outras para realizar suas tarefas. Além disso, a organização pode

promover transferências ou promoções entre o seu pessoal. (Ibidem, p. 10).

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2.2 – As organizações desde a antiguidade

As organizações não são uma invenção moderna. Ainda em Etzioni (ibidem, p. 8),

os faraós já se utilizavam delas para construir suas pirâmides; os imperadores da China para

construir grandes sistemas de irrigação, e os primeiros Papas se utilizaram das organizações

para criar uma igreja universal, a fim de servir uma religião universal. Apesar de sua

antiguidade, o autor coloca que “contudo, a sociedade moderna contém mais organizações, a

fim de satisfazer uma diversidade maior de necessidades sociais e pessoais” (Ibidem).

Etzioni ainda afirma “que a organização moderna é geralmente mais eficiente

que as do tipo antigo e medieval”. O estudo da Administração ajudou as organizações a

desenvolverem a arte de planejar, coordenar e controlar, e as mudanças ocorridas na sociedade

moderna, também contribuíram para esse quadro. Uma organização bem administrada ajuda a

manter o padrão de vida, o nível de cultura e a vida democrática das pessoas, o que nos leva a

entender que a eficiência das organizações e a satisfação das necessidades humanas estão

relacionadas.

March, em Teoria das Organizações, afirma que “numa resposta superficial,

poderíamos dizer que as organizações são importantes porque as pessoas passam tanto tempo

dentro dela” (1975, p. 18). A maioria da população adulta trabalha e passa um terço de suas

horas nas organizações a que servem; a criança passa quase o mesmo período no ambiente de

organização escolar sendo educada, e grande parte do lazer das crianças e dos adultos é

ocupado pelas organizações. Segundo o autor, somente as crianças e as donas de casa que não

trabalham fora, não pertencem a algum grupo de comportamento organizacional.

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“A nossa sociedade é uma sociedade de organizações. Nascemos em

organizações, somos educados por organizações e quase todos nós

passamos a vida a trabalhar para organizações. Passamos muitas de

nossas horas de lazer a pagar, a jogar e a rezar em organizações.

Quase todos nós morremos numa organização e quando chega o

momento do funeral, a maior de todas as organizações – o Estado –

precisa dar uma licença especial” (Etzioni, ibidem, p. 7)

Como podemos ver, as organizações tem um valor fundamental na vida da

sociedade, a medida em que todas as pessoas que tem um emprego formal e são através dele

remunerados, trabalham em algum tipo de organização, seja ela pública ou privada. Pudemos

constatar também que as organizações existem com o objetivo de atender e satisfazer as

necessidades humanas e sociais de uma população e que quanto mais eficiente for, melhor será

a qualidade de vida dos seus usuários.

2.3 - Processo Histórico das Instituições Policiais

De acordo com Coelho (2007, p. 32), a Polícia é uma instituição do mundo

moderno e surgiu na Europa Ocidental entre o final do século XVII e o início do século XIX,

em virtude das arbitrariedades que o Exército cometia em suas intervenções nos conflitos

sociais.

No Brasil, a criação da primeira força policial foi “impulsionada pelos ideais de

liberdade europeus que pairavam sobre o ideário brasileiro” (Ibidem, p. 34), que copiava o

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que havia de mais moderno em termos de justiça européia. Em Minayo (2003. p. 54), os

estudiosos dizem que a Polícia brasileira foi concebida, tendo como inspiração as instituições

francesas e inglesas. Essas duas polícias tinham características bem distintas, sendo a polícia

inglesa, a primeira a se empenhar em manter os direitos civis, ao contrário da polícia francesa,

marcada pela tirania, cujo “comando emanava da autoridade central do Estado” (Ibidem, p.

53).

A primeira força policial criada no Brasil ocorreu no Rio de Janeiro, no início

do século XIX, sendo mais tarde espalhada por diversas capitais das províncias do então Brasil

Colônia, com o objetivo de expandir a esfera de ação do Estado. A Intendência Geral de

Polícia, criada por D. João VI em 1808, teve origem nessas forças que se espalharam entre as

províncias, e que eram milícias formadas por moradores locais, treinados pelo exército

profissional e que atendiam as elites brasileiras.

“é a própria forma legal dada ao sistema policial das

províncias que desloca o eixo da autoridade de um papel de

manutenção da ordem e de repressão ao crime para incluí-la na rede de

favores distribuídas pelo Estado, que teria como contrapartida um

papel garantidor de um resultado positivo nas disputas eleitorais.”

(Bretas, 1998, p. 1; apud Coelho, 2007, p. 34).

Em Holloway, citado por Coelho (2007, p. 34), a Intendência Geral da Polícia

ampliou o seu poder de atuação, não apenas reprimindo os crimes comuns, mas se tornando a

responsável pelas obras públicas e passando a informar à Corte sobre o comportamento do

povo e se ele estaria sendo influenciado pelos ideais revolucionários franceses, considerados

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“nocivos” pela Corte. Além disso, moldava os costumes da população, segundo os costumes

europeus. A Intendência Geral de Polícia adotou políticas violentas em suas relações com a

comunidade, a chamada “ralé livre”, isso porque a elite política da época havia estabelecido

regras de comportamento e ao menor sinal de violação dessas regras pela “ralé livre”, a

Intendência Geral de Polícia reprimia com extrema violência, em nome de “manter a ordem”.

“A Polícia era o grande terror daquela gente, porque, sempre

que penetrava em qualquer estalagem, havia grande estropício; à capa

de evitar e punir o jogo e a bebedeira, os urbanos invadiam os quartos,

quebravam o que lá estavam, punham tudo em polvorosa. Era uma

questão de ódio velho”. (Azevedo; 1998, p. 63, apud Coelho, 2007, p.

35).

Em 1808 a Família Real desembarcou no Brasil, tornando-se responsável por

uma grande guerra social no país, uma vez que, mantendo a linha arbitrária, a Intendência

Geral de Polícia expulsou os moradores do Rio de Janeiro de suas casas, para que os

funcionários da Família Real e suas famílias pudessem se instalar. A chegada da Família Real

fez surgir uma nova força policial, a Guarda Real de Polícia, organizada militarmente, com

ampla autoridade para manter a ordem e perseguir criminosos e escravos. Essa força policial

era constituída em sua maior parte, de indivíduos que saíam de classes inferiores livres, que

eram um importante alvo da repressão policial.

Esta foi a origem das Polícias Civil (Intendência Geral de Polícia) e Militar

(Guarda Real de Polícia). Segundo Minayo, essas duas forças de segurança pública foram

criadas para “manter as condições de produção e reprodução das desigualdades, dos

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privilégios e da dominação política e econômica” (2003, p. 54/55). Na Constituição Federal

de 1988, foram estabelecidos os papéis de cada uma das instituições policiais, sendo atribuída

à Polícia Civil a função de policiamento ostensivo e à Polícia Civil, a função de polícia

judiciária ou investigativa.

Mianyo, coloca que “existem muitos poucos trabalhos históricos sobre a

polícia no Brasil (...) e apenas nos últimos anos, devido a relevância empírica desta categoria

profissional e imprescindível ao Estado, que sociólogos, antropólogos e historiadores

começaram a aprofundar o seu significado na democracia brasileira” (Ibidem, p. 56).

2.3.1 - Histórico da Polícia Civil do Rio de Janeiro

A Polícia Civil do Rio de Janeiro nasceu em 10 de maio de 1808, sendo um

meio de força terrestre, civil e armado, cuja missão seria auxiliar o poder judiciário, e os

historiadores consideram o alvará de D. João VI, o seu instrumento de origem no Brasil.

Da história colonial até 1603, não havia organização policial no país e os três poderes estavam

sob o domínio de governadores. A primeira polícia existente no Rio de Janeiro, foi a Guarda

Escocesa em 1555, trazida por Villenaignon, sendo a primeira cadeia pública construída em

1567 no Morro do Castelo. Mem de Sá criou o Conselho de Venança, que continha as

primeiras posturas com relação a atividade policial, com penalidades para o vício do jogo.

Em 1626 surgiu a primeira organização policial nos moldes dos Quadrilheiros existentes em

Lisboa e sua sede era no Campo de Santana, mas os Quadrilheiros caíram em descrédito e com

o aumento da criminalidade, Marques do Lavradio criou o Corpo dos Guardas Vigilantes,

assim como organizou uma guarda montada.

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Com a chegada de D. João VI ao Brasil, o sistema policial no Brasil passou a

ser mais organizado, com a criação da Intendência Geral de Polícia em 1808, que foi a

responsável por organizar a Guarda Real de Polícia, como já vimos anteriormente. De 1808 a

1827, as funções policiais e judiciárias eram exercidas pela autoridade policial, até que em

15/10/1829 foi criado o Juizado de Paz, a fim de limitar a função policial a vigilância e

manutenção da ordem pública.

A Intendência Geral de Polícia foi extinta pela reforma de 1841, que criou o

cargo de chefe de Polícia, sendo ele auxiliado por delegados e subdelegados. Em 1842 o

Regulamento 120 estabeleceu as funções da polícia administrativa e judiciária, colocando a

mesma sob a autoridade do ministro da Justiça. A lei 2033 de 30/09/1871 criou o inquérito

policial e retirou a função de judiciário da Polícia Civil.

A Polícia Civil viveu um glorioso período entre 1902 e 1916, quando ocorreu

uma grande reformulação nos aparatos de Segurança Pública e entre essas reformulações estão

a divisão das atribuições das Polícias Civil e Militar, e o fato da Polícia Civil ficar diretamente

subordinada ao chefe de Polícia. A organização policial passou por novas mudanças em 1907,

quando a instituição passou à Superintendência Geral do ministro da Justiça e à direção do

chefe de Polícia.

Em 1923 foi criado um regulamento para a Inspetoria de Investigação e

Segurança Pública, com a proposta de criar uma escola de investigação criminal, cujo objetivo

era dar maior eficiência e amplitude ao serviço de investigação policial e ao estabelecimento

de uma polícia técnica. Nesse mesmo ano foi criada a 4ª Delegacia Auxiliar, cujas

competências eram a repressão aos crimes contra a fé pública e o patrimônio, a vigilância

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geral e a captura de foragidos. Desta delegacia, nasceu a Divisão de Polícia Política, cuja

principal característica foi combater o comunismo e reprimir os seus partidários, sendo extinta

em 1933 e dando lugar a Delegacia Especial de Segurança Política e Social.

Em 1932 o Projeto Lázaro tinha a proposta de reformular a Polícia, visando modernizar,

atualizar e transformá-la em uma polícia técnica, o que acabou não acontecendo. O decreto

22631 de 1933 reestruturou o serviço policial do Rio de Janeiro, então Distrito Federal e

continuava regendo a organização policial. Nesse mesmo ano, o chefe de Polícia Felinto

Muller criou a Escola de Polícia e na sua gestão, no período 1933-1944, foram instituídos a

Diretoria de Expediente e Contabilidade, Publicidade, Comunicações e Estatística e a

Diretoria Geral de Investigações, que abrangia o Instituto Félix Pacheco e o Instituto Médico

Legal e o Gabinete de Pesquisas Científicas, além da Inspetoria Geral de Polícia.

Em 1944, ocorreram novas reformas nas instituições de Segurança Pública,

onde a Polícia Civil do Distrito Federal foi transformada em Departamento Federal de

Segurança Pública, sendo extintas as delegacias auxiliares, a Inspetoria Geral de Polícia e

Diretoria Geral de Investigações, que era considerada uma escola para os novos policiais.

Após a morte de Getúlio Vargas, o chefe de Polícia Ribeiro da Costa

reestruturou os quadros funcionais da entidade, elevando os salários dos policiais, o que se

tornou o primeiro grande passo para a profissionalização da categoria. O coronel Menezes

Cortez criou em 1955 várias divisões como a de Administração, Polícia Marítima, Aérea e de

Fronteiras, várias delegacias especializadas e a Rádio Patrulha.

Em 1960, foi extinta a Polícia Especial, polícia de elite, envolvida na luta

contra o Comunismo, o Integralismo e as agitações de rua. Nesse mesmo ano, com a

transferência da capital para Brasília, os órgãos de serviços policiais de caráter local foram

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transferidos para o estado da Guanabara, sendo criada em 1962, a Secretaria de Segurança do

Estado. O governador Carlos Lacerda fez várias alterações na estrutura da instituição, através

de sucessivos decretos, tendo desaparecido nesta nova estrutura, o cargo de chefe de Polícia.

Em 1964 foi estabelecida a estrutura da Secretaria de Segurança Pública (SSP),

que complementava as mudanças já iniciadas, criando novas delegacias especializadas e

extinguindo outras. A sua estrutura era composta pela Polícia Militar, Corpo de Bombeiros e o

Corpo Marítimo de Salvamento, como órgãos autônomos. Os órgãos de assessoramento que

mais se destacaram foram o Gabinete do Secretário, a Inspetoria Geral de Segurança Pública,

o Conselho Regional de Trânsito e a Escola de Polícia, que foi transformada em Academia de

Polícia.

Em 1975 se iniciou uma reforma de base na Secretaria de Segurança Pública,

onde foram criados como principais órgãos da Corporação, o Departamento Geral de Polícia

Civil e o Departamento Geral de Investigação. As reformas na organização policial tiveram

prosseguimento em 1977, com o objetivo de proporcionar melhores condições de trabalho ao

policial.

Em 29/11/1983, a lei 689 criou a Secretaria de Estado da Polícia Civil,

concedendo à instituição, autonomia administrativa e financeira. Entre 1987 e 1990, o órgão

viveu um período de grande progresso administrativo e policial, sendo abertos concursos

públicos para diversos cargos policiais, com a admissão de aproximadamente quatro mil

servidores. Em 1995, em virtude da introdução de uma nova estrutura administrativa no

Estado, a Secretaria de Estado da Polícia Civil foi extinta após doze anos, dando lugar à

Secretaria de Estado de Segurança Pública.

Atualmente a Secretaria de Segurança Pública, vem dando grande ênfase as

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delegacias especializadas, assim denominadas: CORE/Coordenadoria de Recursos Especiais;

DAIRJ/Delegacia do Aeroporto Internacional do RJ; DAS/Delegacia Anti-sequestro; DC

Norte/Delegacia de Capturas- Rio Norte; DS Oeste/Delegacia de Capturas-Rio Oeste; DS

Sul/Delegacia de Capturas-Rio Sul; DD/Delegacia de Defraudações; DDSD/Delegacia de

Defesa dos Serviços Delegados; DEAM/Delegacia de Atendimento á Mulher;

DEAPT/Delegacia de Atendimento às Pessoas da Terceira Idade; DEAT/Delegacia de

Atenção ao Turista; DECON/Delegacia do Consumidor; DH/Delegacia de Homicídios;

DELFAZ/Delegacia de Polícia Fazendária; DPCA/Delegacia de Proteção à Criança e ao

Adolescente; DPMA/Delegacia de Proteção ao Meio Ambiente; DRACO/Delegacia de

Repressão à Ações Criminosas Organizadas e de Inquéritos Especiais; DRAE/ Delegacia de

Repressão à armas e Explosivos; DRCCSP/Delegacia de Repressão aos Crimes Contra a

Saúde Pública; DRCI/Delegacia de Repressão ao Crimes de Informática; DRE/Delegacia de

Repressão aos Entorpecentes; DRF/Delegacia de Roubos e Furtos; DRFA/Delegacia de

Roubos e Furtos de Autos; DRFC/Delegacia de Roubos e Furtos de Cargas;

POLINTER/Delegacia de Divisão e Captura Internacional e SER/Serviços de Repressão a

Entorpecentes.

Entre os esforços para modernizar e atualizar o trabalho da Polícia Civil está o Programa

Delegacia Legal, uma política pública criada em 1999 para mudar o paradigma da instituição,

conforme abordaremos a seguir.

2.3.2 - O Programa Delegacia Legal

Este trabalho também é importante para se conhecer o “Programa Delegacia

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Legal”, projeto criado pelo governo do Estado do Rio de Janeiro, no ano de 1999, quando

estava decretada a falência institucional da Polícia Civil do Estado do Rio de Janeiro e diante

dos gravíssimos problemas enfrentados na área de Segurança Pública.

Segundo Coelho (2006, p. 11), o “Programa Delegacia Legal” se institucionalizou devido as

melhorias que vem trazendo á atividade policial e como política pública de grande relevância

para a sociedade fluminense.

O “Programa Delegacia Legal” é um dos vários subprojetos que fazem parte do

projeto denominado Política de Segurança Pública Integrada (PSPI), criado pelo governo do

Estado do Rio de Janeiro em 1999, com a proposta de remodelar a Polícia Civil. É um projeto

prioritário na tentativa de implantação de uma nova política pública de segurança no Estado e

que “tinha como objetivo claro a ruptura do modelo tradicional existente, buscando o resgate

da auto-estima policial e de sua imagem institucional por meio da produtividade e da

qualidade dos serviços, da criação de uma infra-estrutura adequada, do uso intenso de

tecnologia e do investimento massivo em treinamento policial” (Ibidem, p. 7).

Os principais enfoques dados ao projeto foram as mudanças da estrutura física e

de processos, e entre as principais mudanças estão: a reforma das instalações com um projeto

arquitetônico fundamentado nos conceitos de transparência e acessibilidade, com divisórias

baixas, vidros e portas blindex; o fim das carceragens, com a transferência de presos para as

Casas de Custódia, onde os presos ficam aguardando julgamento; a agilização e padronização

das rotinas, a partir da utilização da tecnologia e as reformas administrativas estruturais, com a

introdução de um corpo de atendentes universitários para o atendimento ao público e um

funcionário administrativo não pertencente ao quadro da Polícia - denominado síndico –

responsável pela manutenção das instalações prediais.

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Outra mudança importante trazida pelo Programa foi a sistematização dos

dados, que possibilitou uma maior transparência nas estatísticas policiais, já que as 134

delegacias existentes até então, cada uma possuía seus métodos, processos e rotinas, sem uma

padronização e um banco único de dados.

A especialização do policial é outro ponto importante neste Programa, já que os

policiais em geral não realizavam qualquer tipo de treinamento a não ser no período de

admissão para a corporação, sendo então, desenvolvidos novos treinamentos. Um desses

treinamentos é o Curso de Capacitação, que está atrelado ao recebimento de uma gratificação

de R$ 500,00 mensais ao policial participante, constituindo-se em um incentivo para o

desenvolvimento profissional.

O projeto piloto do “Programa Delegacia Legal” foi inaugurado em 29 de

março de 1999 no Centro do Rio de Janeiro e hoje, 96 delegacias estão inseridas no modelo

Delegacia Legal, mas de acordo com Coelho (2006, p. 11), a resistência para a implantação do

projeto foi muito grande e os próprios policiais duvidavam do seu sucesso. O responsável por

sua implantação foi o administrador de empresas César José de Campos, que aceitou o desafio

de remodelar a estrutura de uma instituição tão corporativista e conseguiu implantar uma

política pública de grande relevância para a sociedade fluminense.

Ainda segundo o autor, o Programa foi reconhecido pela ONU, por iniciativa do relator sobre

tortura da Comissão dos Direitos Humanos e elogiado pela ONG holandesa Altus Global

Alliance (2004), em estudo sobre a violência no Brasil.

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CAPÍTULO III – O TRABALHO E SUAS CONSEQUÊNCIAS PARA O POLICIAL

CIVIL

3.1 – Metodologia da Pesquisa

A presente pesquisa “Os impactos da profissão na vida do policial civil”, tem

como objetivos: conhecer as condições de trabalho do policial lotado nas Delegacias Legais;

apresentar a realidade de trabalho do policial civil; verificar se há interferência do trabalho do

policial em sua dinâmica familiar e compreender o impacto da atividade policial em sua vida

social.

A idéia de apresentar à sociedade os impactos do trabalho na vida de um

policial civil, nasceu a partir da minha inserção como estagiária no “Programa Delegacia

Legal”, realizado inicialmente nas madrugadas, em uma delegacia policial, localizada em um

bairro da zona norte da cidade do Rio de Janeiro..

Conhecer o dia-a-dia de uma delegacia, com os seus mais “curiosos” atendimentos e as mais

graves e tristes ocorrências foi algo marcante para mim, assim como o convívio e as conversas

informais com os policiais, que me levaram a tentar conhecer um pouco mais sobre o que a

grande maioria da população desconhece, que são os impactos que a profissão traz para a vida,

a saúde e as relações de um policial civil. O policial com seus limites e fraquezas, medos e

incertezas, que são pais, filhos, esposos e tão mortais quanto qualquer um de nós.

A partir daí, nasceu o desejo de desenvolver este trabalho e conhecer como

esses impactos acabam interferindo em todas as áreas da vida deste profissional, a fim de

trazer uma nova visão para a sociedade, acerca do policial e do seu trabalho.

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Este trabalho também é importante para se conhecer o “Programa Delegacia

Legal”, projeto criado pelo governo do Estado do Rio de Janeiro, no ano de 1999, quando

estava decretada a falência institucional da Polícia Civil do Estado do Rio de Janeiro e devido

a necessidade de ação diante dos gravíssimos problemas enfrentados na Segurança Pública.

Hoje o Programa Delegacia Legal se firmou como uma política pública de

grande relevância e tem trazido consideráveis melhorias para o trabalho policial e um melhor

atendimento à população.

Esta pesquisa será desenvolvida com dez policiais civis lotados em uma

delegacia policial, inserida no “Programa Delegacia Legal”, localizada em um bairro da zona

norte da cidade do Rio de Janeiro e tem como finalidade apresentar de que maneira o trabalho

do policial civil interfere em sua saúde e em suas relações sociais e familiares.

O método geral a ser seguido no processo desta pesquisa será o método dialético. Gil (2007, p.

27) coloca que “os métodos esclarecem acerca dos procedimentos lógicos que deverão ser

seguidos no processo de investigação científica dos fatos da natureza e da sociedade”.

Adotamos o método dialético, pois de acordo com Gil ( Ibidem, p. 32) “a dialética fornece as

bases para uma interpretação dinâmica e totalizante da realidade, já que estabelece que os

fatos sociais não podem ser entendidos quando considerados isoladamente” (...)

Trata-se de uma pesquisa explicativa, que segundo Gil (Ibidem, p .44) “são aquelas que tem

como preocupação central identificar os fatores que determinam ou contribuem, para a

ocorrência dos fenômenos”. Tentaremos identificar os fatores que contribuem para que a

profissão cause tantos transtornos na vida de um policial civil.

A partir do texto de Gil (Ibidem, p. 64) sobre o delineamento da pesquisa, em que coloca que

“entre outros aspectos, o delineamento considera o ambiente em que serão coletados os

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dados, bem como as formas de controle das variáveis envolvidas”, definimos que o

delineamento desta pesquisa, se dará através do estudo de caso.

No caso desta pesquisa escolhemos o estudo de caso, pois ainda de acordo com

Gil (Ibidem, p. 73), “este tipo de estudo serve para pesquisas com diferentes propósitos”, nos

quais ele cita três desses propósitos e que estaremos estudando dois em nossa pesquisa, como:

a) explorar situações da vida real cujos limites não estão claramente definidos.

b) descrever a situação do contexto em que está sendo feita determinada investigação.

O instrumento utilizado para a coleta de dados será a entrevista. Gil (Ibidem, p. 117) define a

entrevista como “ a técnica em que o investigador se apresenta frente ao investigado e lhe

formula perguntas, com o objetivo de obtenção dos dados que interessem a investigação”.

Para nossa pesquisa utilizaremos a entrevista semi-estruturada com o uso de um questionário.

Este tipo de entrevista “se desenvolve a partir de uma relação fixa de perguntas, cuja ordem e

redação permanece invariável para todos os entrevistados”, conforme Gil (Ibidem, p. 123).

As perguntas forma elaboradas a partir de três eixos: 1) perfil sócio-econômico; 2) trajetórias

de trabalho; 3) efeitos da trajetória do trabalho. O período previsto para a realização da coleta

de dados é de três meses e após, estaremos descrevendo e estudando as respostas dadas pelos

policiais.

Com relação aos critérios de amostragem, estabelecemos que esta pesquisa será

qualitativa. Minayo (2006, p; 196) diz que “amostragem em pesquisa qualitativa merece

comentários especiais (...) já que envolve problemas de escolha do grupo”. A autora afirma

ainda que “numa pesquisa qualitativa, o pesquisador deve preocupar-se menos com a

generalização e mais com o aprofundamento, a abrangência e a diversidade no processo de

compreensão seja de um grupo social, de uma organização, de uma instituição, de uma

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política ou de uma representação.”

Segundo Minayo (Ibidem, p. 197) “um dos critérios que devem ser levados em

conta no processo de definição da amostra qualitativa é : definir claramente o grupo social

(...) sobre o qual recai a pergunta central da pesquisa e centralizar nele o foco das

entrevistas”. No nosso caso estaremos estudando um grupo social, que são dez policiais civis

lotados em uma delegacia policial, inserida no “Programa Delegacia Legal”, localizada em um

bairro da zona norte da cidade do Rio de Janeiro, em quem concentraremos nossas entrevistas.

Na qualidade de acadêmica e ex-estagiária da própria delegacia, terei acesso

para construir a pesquisa com a devida autorização da delegada titular da mesma. Os sujeitos

envolvidos serão dez policiais ali lotados, sendo sete inspetores, um investigador e dois

delegados, os quais receberão nomes de antigas marcas de carro, visando preservar suas

identidades. A minha escolha pelos policiais entrevistados, se deu aleatoriamente com alguns e

pela amizade e maior convívio com outros.

Atualmente o número de policiais lotados nesta delegacia policial é de quarenta e quatro,

sendo vinte e nove inspetores, três comissários, quatro oficiais de cartório, cinco

investigadores e três delegados (um titular, um assistente e um adjunto).

3.2 – Análise de dados

A presente análise se refere aos dados fornecidos por dez policiais civis lotados

em uma delegacia policial, local onde foi realizada a nossa pesquisa de campo. Foram

entrevistados sete inspetores, um investigador e dois delegados e para garantir o anonimato

dos seus informantes, os entrevistados receberam nomes de antigas marcas de carro. Todo

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policial possui um carro, daí a escolha de marcas de carros antigos, substituindo os nomes dos

mesmos e busquei associar o tipo de carro a algumas características físicas dos respondentes.

Nesse sentido, os dez entrevistados serão aqui tratados por: Passat, Chevette, Maverick, Fusca,

Opala, Fiat 147, Kadett, Voyage, Caravan e Del Rey.

Os dados foram apurados de acordo com os objetivos propostos na pesquisa:

conhecer as condições de trabalho do policial lotado nas delegacias legais; apresentar a

realidade de trabalho do policial civil; verificar se há interferência do trabalho do

policial em sua dinâmica familiar e compreender o impacto da atividade policial em sua

vida social. Além disso, foi levantado o perfil sócio-econômico dos policiais e após a

organização dos dados, foram encontrados os resultados que iremos detalhar a seguir, além

dos comentários.

3.2.1 Perfil sócio-econômico

Analisamos dados relativos à idade, sexo, cor, estrutura familiar, escolaridade,

renda e religião dos policiais.

Dos dez policiais que entrevistamos, nove são do sexo masculino e um é do sexo feminino.

Este fato comprova a realidade de a Polícia Civil ser uma instituição predominantemente

masculina, embora venha crescendo o número de mulheres no seu quadro.

Quando analisamos os dados dos policiais por idade, constatamos que dois

policiais têm idade entre cinqüenta e sessenta anos, quatro tem entre quarenta e cinqüenta anos

e outros quatro policiais têm idade entre trinta e quarenta anos.

Perguntamos sobre a sua raça e quatro policiais se auto declararam pardos, três, brancos e três,

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negros.

Em relação à estrutura familiar dos policiais, oito deles são casados e moram

com a esposa e filhos. Um policial declarou que é solteiro e mora sozinho e um outro policial

respondeu que é solteiro, mas vive com a companheira e a filha.

De acordo com os dados extraídos da pesquisa, oito dos dez policiais entrevistados têm

formação superior, sendo seis graduados em Direito, um graduado em Administração e um

outro em Informática. Apenas um policial possui ensino médio completo e outro possui o

ensino superior incompleto.

Na abordagem que fizemos sobre a sua remuneração, a grande maioria, oito dos

dez policiais entrevistados, declaram ter renda que varia entre R$ 2.500 à 3.000,00. Um

policial preferiu não responder a este item e um outro declarou que sua renda é de R$

10.000,00 mensais.

Perguntamos sobre a sua religião e seis policiais se declararam católicos. Um policial declarou

ser kardecista e outro afirmou ser “agnóstico”, ou seja, não acredita em religião. Um outro

policial disse “acreditar em Deus e na força dos espíritos” e um outro afirmou não ter religião.

3.2.2 Processo de Seleção

O ingresso na Policia Civil se faz por meio de concurso público de provas e

títulos e consta de duas fases: a primeira é a de exames psicotécnicos, prova de

conhecimentos, exame médico e prova de capacidade física. A segunda fase, que depende da

aprovação na primeira, consta de curso de formação profissional, com aprovação de

freqüência, aproveitamento e conceito, a cargo da ACADEPOL (Academia de Polícia do

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Estado), que faz parte da estrutura organizacional da Polícia Civil do Rio de Janeiro.

Com relação ao tempo de carreira na Polícia Civil, quatro policiais

responderam que estão há mais de vinte anos na instituição, cinco disseram estar há menos de

dez e um policial respondeu que está há exatos dez anos na instituição.

No item referente à motivação para o ingresso na carreira de policial, oito dos

dez entrevistados responderam que o motivo pelo qual entraram para a instituição foi a

estabilidade do emprego. A estabilidade foi explicitada na própria fala de seis policiais ou

ficou implícita na fala de Caravan e Del Rey na valorização do concurso público. As respostas

se apresentaram da seguinte forma:

- “ Entrei pela estabilidade e assim que entrei, gostei.” (Passat)

- “ Desde criança eu sonhava ser policial civil.”(Chevette)

- “ Entrei pela estabilidade, mas entrei e gostei.” (Maverick)

- “ Entrei por vocação. Quando fiz o concurso, estava decidido a ser policial.” (Fusca)

- “ Entrei pela oferta de emprego e pela estabilidade.” (Opala)

- “ Entrei pela estabilidade do cargo.” (Fiat 147)

- “ Entrei por questões financeiras e pela estabilidade.” (Kadett)

- “ Entrei pela estabilidade.” (Voyage)

- “ Entrei porque minha irmã fez inscrição para mim, eu fiz a prova e passei.” (Caravan)

- “Entrei porque foi o primeiro concurso que abriu depois que concluí a faculdade.” (Del

Rey)

Nesse sentido, dos dez policiais entrevistados, verifica-se que apenas dois

policiais alegam ter sido a vocação o que determinou o seu ingresso na policia. Um

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(Chevette) informa ter descoberto a vocação desde criança, enquanto o outro (Fusca)

descobriu mais a frente, já diante da oportunidade do emprego.

3.2.3 Condições de trabalho

As delegacias legais, ao que parece, trouxeram avanços e significativas melhorias para o

trabalho dos policiais, sobretudo na área da informatização, segundo eles mesmos. Ao

tentarmos saber a visão dos policiais acerca de suas condições de trabalho, pudemos perceber

que o nível de satisfação entre eles é maior que o de insatisfação, e duas respostas tiveram

como viés a comparação entre as condições de trabalho de uma delegacia legal com as

tradicionais, conforme reproduzimos nas falas abaixo:

- “ Boas, dentro das possibilidades.” (Passat)

- “ Satisfatórias.” (Chevette)

- “São ruins. O numero de pessoal por plantão é pequeno e prejudica o trabalho,

sobrecarregando os demais que estão no plantão..” (Maverick)

“ Há sobrecarga de trabalho e as condições são insalubres.” (Fusca)

- “Precárias e o atendimento ao público é estressante.” (Opala)

- “ São razoáveis.” (Fiat 147)

- “ São boas.” (Kadett)

- “ Em comparação às delegacias convencionais, melhorou mil por cento.” (Voyage)

- “ São boas, se comparadas às delegacias convencionais.” (Caravan)

- “ Medianas: nem boas e nem precárias.” (Del Rey)

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Mas as melhorias introduzidas pelo Programa Delegacia Legal também

trouxeram uma demanda maior às delegacias, em decorrência das mudanças no

ambiente e do melhor atendimento prestado, o que gerou maior sobrecarga de trabalho. Essa

sobrecarga é claro, gera insatisfação, pois muitas vezes o número de policiais por plantão é

insuficiente para atender as demandas - conforme eu mesma pude presenciar enquanto

estagiária no Programa Delegacia Legal - ocorrendo então, o embate “demanda de trabalho x

déficit de pessoal”. Isso faz com que os policiais que estiverem no plantão, tenham que se

desdobrar para atender ao usuário, ocorrendo sobrecarga de trabalho, cansaço dobrado e

demora no atendimento.

3.2.4 Sofrimento no trabalho

A insatisfação gera nos policiais que estão no plantão, o que a psicopatologia e

a psicodinâmica do trabalho chamam de sofrimento no trabalho. Nesse caso, “o sofrimento

(...) é uma vivência subjetiva, compartilhada coletivamente e pode causar ruptura do

equilíbrio psíquico” (Minayo e Souza, 2003: p.114).

Contra esse sofrimento no trabalho, os policiais desenvolvem o que Dejours

chama de “estratégias coletivas de defesa”. O autor afirma que” o trabalho em equipe e a

participação num grupo de operários cujo sentido é compreendido pelo conjunto dos

operários tornam possível a realização de defesas coletivas” (1992, p. 40). No caso dos

policiais, essas estratégias se transformam em reações como por exemplo, tratar com desprezo

o usuário, lhe oferecendo informações incompletas ou se relacionando com rispidez e ironia.

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3.2.5 Carga horária de Trabalho

A jornada de trabalho se constitui em outro fator de sofrimento para os policiais

e é imposta pela organização do trabalho. Dos dez policiais entrevistados, sete deles tem a

carga horária de 24/72 hs, ou seja, trabalham um dia e folgam três. Só que na verdade, esses

três dias de “folga” na Polícia são preenchidos por outra atividade remunerada para quatro

deles, o que torna suas jornadas de trabalho muito mais cansativas e intensas. Aqui ocorre o

conceito de carga de trabalho, que é associada ao sofrimento e ao desgaste. Minayo e Souza,

com base em estudos acerca da saúde do trabalhador, colocam que “tanto os elementos físicos,

químicos e mecânicos , assim como os psicológicos e psíquicos, interatuam diretamente entre

si e com o corpo do trabalhador” (2003, p. 191). Significa que quando o esforço para se

realizar uma atividade é exagerado ou sem medida, resultam no desgaste e no sofrimento, que

acabam repercutindo na saúde. Isso ocorre com os policiais que trabalham na escala de 24/72

hs, que após largarem do expediente vão direto para outro emprego, o que acarreta um esforço

desmedido para cumprir suas atividades, gerando desgaste e conseqüências para sua saúde.

Um aspecto importante da jornada dos policiais que trabalham na escala de 24/72 hs é

referente ao trabalho noturno. Rosenberg et al, citado por Mianyo e Souza (Ibidem, p. 140)

aponta que os efeitos para quem trabalha nessa escala de serviço são muitos, como a insônia e

o desânimo, relacionados a privação do sono, e o tremor e o envelhecimento precoce, que

estão relacionados aos efeitos físicos , além do descontrole e da agressividade.

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3.2.6 Relações de amizade

Quando se tratando das relações de amizade na instituição, todos os policiais

afirmam que elas são boas, mas são quase unânimes em dizer, com algumas exceções, que

todos são apenas colegas de profissão e não amigos. Vejamos as falas:.

- “Eu sou de poucos amigos e por essa razão, tenho poucos amigos e vários bons colegas de

profissão.” (Passat)

- “São as melhores possíveis.” (Chevette)

- “São boas. Se faz bons amigos e muitos colegas de profissão. Ao mesmo tempo as

transferências acabam prejudicando as relações de amizade.” (Maverick)

- “A gente não consegue criar laços profundos, devido a quantidade de transferências.”

(Fusca)

- “São boas de modo geral.” (Opala)

- “Normalmente eu me dou bem com os colegas de profissão, mas não tenho amigos

pessoais.” (Fiat 147)

- “Quando a amizade é verdadeira, a relação entre os colegas é muito forte...” (Kadett)

- “A maioria são colegas de profissão.” (Voyage)

- “Na Polícia, você tem colegas de trabalho, alguns com mais afinidade, outros com

menos...” (Caravan)

- “Tenho muitas, sendo que nos dias atuais, procuro identificar o verdadeiro amigo e as

pessoas que se aproximam com outros interesses.” (Del Rey)

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O interessante á a fala de dois deles, Maverick e Fusca, que ressaltam como as

transferências acabam prejudicando e dissipando as amizades que poderiam ser duradouras.

De fato, a quantidade de transferências é muito grande na corporação e isso dificulta até

mesmo a continuidade das atividades e a responsabilidade dos profissionais com relação à

conclusão dos processos.

É sabido que para um trabalho em equipe funcionar é necessário a cooperação

de todos e um bom exemplo de cooperação entre eles e que eu pude observar enquanto

estagiária no Programa Delegacia Legal, é o “rodízio” feito entre a equipe plantonista. O

sistema de rodízio possibilita o descanso, pois cada um pode dormir um pouco na madrugada,

na tentativa de aliviar um pouco o cansaço e o estresse adquiridos no dia. Esse é mais um

exemplo das defesas coletivas destacadas por Dejours, onde segundo o autor, “em certos

momentos privilegiados, podem-se ver ressurgir traços de defesa coletiva (...) contra a

rigidez e a violência da organização do trabalho” (1992, p. 40/41).

3.2.7 Reconhecimento

Ferreira e Mendes, citados por Minayo e Souza (2003, p. 194) apontam

algumas condições associadas às formas de organização do trabalho e que propiciam

sofrimento ao trabalhador. Apontamos pelo menos duas dessas condições, que no caso dos

policiais civis, de fato lhe acarretam sofrimento, que são a sobrecarga de trabalho, como já

vimos anteriormente, e o não reconhecimento expresso pela falta de retribuição financeira,

moral ou por mérito, conforme destacamos agora.

A insatisfação salarial e o não reconhecimento da sociedade pelo seu trabalho,

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que muitas vezes desenvolve uma visão negativa e preconceituosa sobre esse profissional,

também trazem sofrimento ao policial, que não se sente valorizado nem pela instituição e nem

pela sociedade, a quem tem a função de proteger e que gostaria de ter a parceria, conforme foi

dito pela maioria dos policiais, quando questionados a esse respeito.

- “Com certeza, a parceria da população e muito importante.” (Passat)

- “Gostaria de ter a parceria, pois se a população estivesse mais próxima da Polícia, veria a

necessidade de se cobrar do Estado, melhores condições de trabalho para o policial.”

(Chevette)

- “Gostaria, pois a parceria da população é importante.” (Maverick)

- “Nós precisamos da parceria da população, sem essa parceria não se consegue nada.”

(Fusca)

- “O nosso trabalho independe da parceria da população, nós temos que ter o apoio é das

entidades governamentais.” (Opala)

- “É importante a população colaborar com informações....” (Fiat 147)

- “Não, pois a sociedade só elogia a Polícia quando precisa dela...” (Kadett)

- “É indispensável a parceria da população...” (Voyage)

- “Gostaria não, deveria. Até porque a Polícia trabalha com informações e a população não

colabora, se omite.” (Caravan)

- “A contribuição da população é indispensável para o trabalho do policial.” (Del Rey)

Nesse sentido, a maioria absoluta considera importante a parceria com a

população, o que traria melhores resultados para o seu trabalho. A exceção ficou por conta

dois policiais: Opala, que considera o apoio da sociedade totalmente desnecessário, preferindo

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o apoio do governo e Kadett, que acha que a população só tem interesse em elogiar a Polícia,

quando precisa dos seus serviços.

Mianyo e Souza citam Itami (Ibidem, p. 185) e concluem, com base em

estudos realizados pelo mesmo autor, “que frente ao não reconhecimento socioprofissional do

trabalho policial, este servidor público pode estabelecer uma relação de superficialidade com

a execução e o conteúdo de suas atividades”. Neste caso, ocorre o que Gallo, em Alienação:

(Des) Humanização do Homem no Trabalho (1997) classifica como alienação, quando o

trabalhador não se reconhece e nem se realiza em suas atividades Para o autor, “por

conseqüência, o trabalhador não se afirma no trabalho, pelo contrário, nega-se nele”

(Ibidem, p. 47).

Os policiais demonstraram sua total insatisfação com o não reconhecimento da

instituição, demonstrado através da má remuneração paga a eles, quando perguntamos se o

salário que recebem, é compatível com os riscos da profissão. Podemos confirmar esses

sentimentos através das falas:

- “ Não. Porque o risco é grande, então é necessário uma estrutura de segurança para o

servidor e sua família, o que com a atual remuneração, não é possível.” (Passat)

- “ Não. O que ganhamos hoje, está bem abaixo do que deveríamos ganhar.” (Chevette)

- “ Não. Porque se o salário fosse digno, não precisaria fazer bico.” (Maverick)

- “ De forma alguma.” (Fusca)

- “ Não. O policial almeja uma valorização direta.” (Opala)

- “ Não. Policial faz juz a um salário melhor.” (Fiat 147)

- “ Não. Se fosse para um cidadão comum, que não arrisca a sua vida em favor de

terceiros, esse salário seria válido. Então, é muito pouco.” (Kadett) 36

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- “ Não. Pelo que a Polícia é cobrada para fazer, tanto pelo Estado quanto pela sociedade.”

(Voyage)

- “ Não. Num assalto, a probabilidade de morrer é maior para um policial do que para um

cidadão comum e numa operação ou troca de tiros, também se corre risco de vida.”

(Caravan)

- “ Não. Porque se expõe ao risco o bem mais importante que é a vida e uma vez que se

atua reprimindo ações criminosas das mais variadas.” (Del Rey).

3.2.8 Riscos

Em todos os processos de trabalho ocorre a relação de oposição entre

sofrimento e prazer. Na relação dialética entre prazer e sofrimento, constata-se no dia-a-dia do

trabalho dos policiais civis, que o desempenho de suas atividades tende muito mais para o lado

do sofrimento. Os policiais tem consciência do perigo e do risco que cercam suas atividades e

quando perguntamos sobre os maiores riscos da profissão, o risco de perder a vida continua

sendo o maior de todos para eles:

- “Morrer ou me tornar inválido.” (Passat)

- “Os riscos são maiores em dias de folga, como por exemplo: numa tentativa de assalto e

você está com sua família, diminui o seu poder de reação e você fica mais vulnerável.”

(Chevette)

- “Acho que quando o policial entra para a Polícia, ele já sabe dos riscos que está

correndo.” (Maverick)

- “O maior risco é ser morto e as doenças decorrentes do trabalho.” (Fusca) 37

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- “Além do fator surpresa, ser reconhecido por um marginal na rua e vir a falecer....”

(Opala)

- “Risco de vida e outros riscos.” (Fiat 147)

- “Ficar aleijado e ficar dependendo de terceiros e do Estado.” (Kadett)

- “O dia-a-dia de lidar com muitos vagabundos e depois ser reconhecido por um deles e ser

morto na covardia.” (Voyage)

- “A própria vida está mais exposta do que a de um cidadão comum.” (Caravan)

- “A própria vida e integridade física, em razão de ações em locais violentos.” (Del Rey)

O conceito de risco para eles está relacionado as situações de confronto, em que

podem perder a vida. Muniz et al, citado por Minayo e Souza (2003, p. 207) coloca que essa

tendência se confirma pelas taxas de mortalidade por violência de que os policiais são vítimas,

dentro e fora do seu local de trabalho ou em dias de folga, em número muito maior que a

população em geral. A resposta de um policial confirma essa triste realidade: Chevette

demonstra sua preocupação com os dias de folga, pois no caso de estar com a família e ocorrer

uma situação de perigo, sua precaução em reagir será maior, o que o tornará um alvo mais

fácil para os criminosos.

“ Apesar das diferenças na modalidade de policiamento, pode-se dizer que a

Polícia Civil apresenta padrões de vitimização próximos ao da Policia

Militar, exceto pelo fato de que , entre os policiais civis, a taxa de letalidade

e o peso das vitimizações ocorridas durante a folga foram significativamente

maiores”. (Muniz et al, 1998, p. 97, apud Manayo: 2003, p. 211)

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O medo de ser morto faz os policiais ocultarem a sua identidade quando

estão de folga ou fora do seu local de trabalho, o que nos leva a identificar nessa postura, uma

estratégia de defesa individual. De acordo com estudos realizados, Minayo e Souza afirmam

que “entre as pressões do trabalho e a doença mental provocada pelo sofrimento, interpõe-se

um indivíduo potencialmente possuidor da capacidade de compreender sua situação, reagir e

se defender (Ibidem, p. 192). Essa reação dos policiais nos remete a essa afirmativa, à medida

em que eles reconhecem o perigo e ocultam sua identidade, visando preservar a sua vida.

3.2.9 Condições de saúde

Lacaz, citado por Minayo e Souza (Ibidem, p. 189) aponta que na atual

sociedade brasileira, predominam as doenças crônicas como motivo de enfermidade e morte

de trabalhadores. Muitas das condições da organização do trabalho da Polícia Civil trazem

uma considerável dose de sofrimento aos seus trabalhadores, com conseqüências físicas e

mentais para sua saúde. Os principais fatores de risco e as patologias que mais afetam os

policiais civis são: “ problemas mentais, lesões, traumas e cardiopatias...” (Ibidem p. 227).

Questionados sobre as doenças que podem se desenvolver em virtude do seu trabalho, as

doenças mais citadas pelos policiais foram: problemas cardíacos e pressão alta, citadas cinco

vezes cada uma, o alcoolismo e a obesidade, citados duas vezes cada, e LER (lesão por

esforço repetido), hipertensão e gastrite, sendo citadas cada uma, uma vez pelos policiais.

A alimentação inadequada a que os policiais se submetem por não terem horário certo para as

refeições, também traz transtornos à sua saúde. Um exemplo de que fui testemunha várias

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vezes enquanto estagiária no Programa Delegacia Legal, é o de que, sem horário para as

refeições, os policiais apenas lanchavam na própria delegacia, tendo como cardápio “pizza

com refrigerante”, geralmente doado pelo comércio local, conforme constataram Minayo e

Souza (Ibidem, p. 243) em sua pesquisa.

Entre os principais transtornos mentais de que os policiais apontaram como decorrentes do seu

trabalho, estão: o estresse, apontado seis vezes, problemas psiquiátricos ou psicológicos,

citados quatro vezes e a insônia, citada uma vez pelos policiais. O estresse é um dos

mecanismos mais relevantes para o comprometimento da saúde mental e com certeza, ele é o

fator mais agravante na vida do policial. Assim, quando perguntamos se os policiais já fizeram

uso de remédio controlado ou tratamento psicológico, devido ao estresse causado pela

atividade policial, obtivemos as seguintes respostas:

- “Sim.” (Passat)

- “Não” (Chevette)

- “Ainda não, mas estou quase precisando.” (Maverick)

- “Não, porque não tenho dinheiro. Se tivesse, faria terapia.” (Fusca)

- “Com certeza, remédio para hipertensão.” (Opala)

- “Não.” (Fiat 147)

- “Não, o policial tem que ter é uma amante para se desestressar do trabalho ...” (Kadett)

- “Sim, para pressão arterial.” (Voyage)

- “Não.” (Caravan)

- “Não.” (Del Rey)

Neste sentido, vale ressaltar que dos sete policiais que responderam

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negativamente, dois admitem não estar isentos de recorrer a estes meios. Um é Maveick, que

reconhece estar a um passo desta necessidade e o outro é Fusca, que admite ser a sua condição

financeira, o maior empecilho para ainda não ter recorrido a um tratamento.

As diferentes e intensas pressões que os policiais civis sofrem no dia-a-dia da

profissão, também acarretam um enorme transtorno psíquico para eles. Merlo, citado por

Minayo e Souza (Ibidem ,p. 247), considera que o sofrimento psíquico está relacionado a um

estado de luta do sujeito contra as forças que o empurram para a doença mental.. Segundo

Mianyo e Souza, “muitos estudos consideram que o grau de estresse e angústia entre policiais

é maior que o de outras categorias profissionais, decorrentes das relações com a própria

organização policial...” (Ibidem , p. 250).

Enquanto estagiária do Programa Delegacia Legal, eu pude comprovar uma considerável

quantidade de policiais afastados do seu trabalho, em decorrência do estresse ou de problemas

pessoais. A insatisfação com a ausência de um programa que os acompanhe dentro da

instituição, em decorrência do estresse ao qual a profissão os submete, ficou evidente na fala

dos dez policiais, quando indagados a esse respeito:

- “ Acho que sim, para que a parte emocional do profissional seja equilibrada.” (Passat)

- “ Com certeza. Não se tem visto nada neste sentido e o policial está largado a sua própria

sorte.” (Chevette)

- “ Sim. Porque só são tomadas providências, quando a situação do policial já está

perdida.” (Maverick)

- “ Com certeza, porque o nível de estresse é muito grande.” (Fusca)

- “ Sim, com avaliação médica e psiquiátrica. Sem esses suportes, fica difícil.” (Opala)

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- “ Sim, um acompanhamento psicológico constante, visando a saúde global do policial.”

(Fiat 147)

- “ Claro, pois evitaria absurdos que o policial comete por forte carga emocional.” ( Kadett)

- “ Sim. Para aqueles que extrapolam, tem que ter.” (Voyage)

- “ Sim, com uma terapia em grupo.” (Caravan)

- “ Sim, com locais regionalizados e profissionais capacitados, e uma maior divulgação

deste programa.” (Del Rey)

Apesar dos estudos na área da saúde mental, não existe na instituição, nenhuma estrutura que

ofereça suporte psicológico, o que aumenta os riscos de doenças e vícios para os policiais.

3.2.10 Impactos da atividade policial na vida social

Minayo e Souza afirmam que “o sentimento de risco impregna não apenas o

ambiente de trabalho, mas também a pessoa que assume a identidade e incorpora a

instituição” (Ibidem, p. 208,209). A vida social dos policiais parece ser totalmente

influenciada e condicionada pela sua atividade, a medida em que ele deixa de fazer coisas ou

de freqüentar determinados lugares, por conta dos riscos que cercam sua vida em todos os

momentos e lugares, em decorrência do seu trabalho. Nesse caso, está ocorrendo a

“contaminação” do tempo fora do trabalho de que fala Dejours, em que “o homem inteiro é

condicionado ao comportamento produtivo pela organização do trabalho e fora da fábrica,

ele conserva a mesma pele e a mesma cabeça”( 1992, p. 46).. Segundo o autor, alguns

autores interpretam esse fator como uma contaminação involuntária do tempo fora do

trabalho. Sobre a percepção dos policiais acerca do impacto da atividade policial em sua vida

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social, obtivemos as seguintes falas:

- “ Basicamente na segurança, quando eu saio com a família para me divertir.” (Passat)

- “ Determinados lugares que eu freqüentava, não devo mais freqüentar, em razão de

aumentar a probabilidade de enfrentar situações de risco contra mim e contra quem estiver

em minha companhia.” (Chevette)

- “ Quando a minha escala cai em datas comemorativas e eu não posso ir às festas e

também porque não posso ir a certos lugares.” (Maverick)

- “ Através do preconceito e a gente não pode ir ou freqüentar certos lugares.” (Fusca)

- “Eu deixo de freqüentar certos lugares para manter minha integridade física, haja vista o

número de policiais mortos fora de serviço”.(Opala)

- “ Eu me preocupo mais com a família e faço o possível para preservar a integridade física

deles.” (Fiat 147)

- “ Eu não gosto de ficar em ambientes abertos, pois receio ser reconhecido pela

marginalidade e minha família sofrer retaliação.” (Kadett)

- “ Depois que você entra para a Polícia, tem que evitar certas amizades. Procuro evitar

certos lugares que eu freqüentava e evito áreas de risco.” (Voyage)

- “Tem certos lugares que eu me restrinjo a ir, para não colocar a minha vida em risco e

nem a vida de familiares e amigos. Interfere também quando eu estou no lazer e acontece

alguma coisa, e as pessoas acham que eu tenho que fazer alguma coisa, só porque sou

policial. ” (Caravan)

- “ A descrição que a função exige, impõe sempre a necessidade de ser discreto e cauteloso,

sendo mais criterioso nas amizades e nos locais que freqüento.” (Del Rey)

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Pudemos constatar que os dez policiais consideram que a profissão interfere

negativamente em sua vida social, levando-os a evitar a frequência em certos lugares e a que

tenham cuidados dobrados com relação à sua segurança e a de seus familiares.

Nota-se algumas peculiaridades nas falas de cada um: a preocupação com os familiares ficou

mais evidente nas falas de Passat, Fiat 147 e Kadett. Há os que demonstrem maior

preocupação em casos de haver situações de risco, com os que estiverem à sua volta, como

Chevette e Caravan. As falas de Voyage e Del Rey demonstram que eles são mais criteriosos

com relação as amizades e Fusca deixa claro em sua fala que o preconceito contra a categoria,

também o afeta socialmente. Opala afirma seu receio diante do elevado número de colegas

mortos quando não estão trabalhando, enquanto Maverick faz menção das datas

comemorativas e nas quais não pode participar, por estar de serviço.

3.2.11 Interferência da profissão na dinâmica familiar

A dinâmica familiar também é afetada diretamente pelo trabalho do policial.

Por exemplo: o policial que trabalha na escala de 24/72 hs e tem outro emprego, os dias que

seriam de folga para ele na Polícia, estão sendo ocupados por outra atividade, restando-lhe

pouco tempo para usufruir do lazer com a família, além do cansaço excessivo e do desgaste,

como já vimos anteriormente. Mas quando estão com a família, as principais opções de lazer

apontadas pelos policiais foram:

- “Praia e viagens.” (Passat)

- “Shopping, cinema e praia.” (Chevette)

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- “Ir à praia, visitar parentes e festas em família.” (Maverick)

- “Filmes, passeios, barzinho, encontros com a família.” (Fusca)

- “Caminhada, praia e assistir TV.” (Opala)

- “Viajar e fazer caminhadas.” (Fiat 147)

- “Depende com qual família eu estiver ...” (Kadett)

- “Praia, churrasco, festas em família.” (Voyage)

- “Barzinho, ver DVD na casa da minha irmã e praia, basicamente isso.” (Caravan)

- “Caminhar na praia, restaurantes, shopping, viagens e visitar a casa de amigos e

familiares.” (Del Rey)

Quando procuramos compreender se o trabalho do policial interfere de fato em

suas relações familiares, oito dos dez entrevistados, consideram que o seu trabalho interfere

em sua vida familiar, trazendo impactos negativos como o estresse e o desgaste. Esses

sentimentos foram expressados da seguinte forma:

- “ Eu não me deixo contaminar pelo meio.” (Passat)

- “ Eu faço o possível para não influenciar minha vida pessoal.” (Chevette)

- “ O estresse acumulado a cada plantão, acaba trazendo conseqüências para todas as

áreas.” (Maverick)

- “É muita coisa em decorrência disso e o estresse sempre repercute.” (Fusca)

- “ A atividade policial consome o dia-a-dia, fora a cobrança indevida dos familiares que

não conhecem a rotina policial.” (Opala)

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- “ Após um plantão desgastante, eu fico com menos paciência com a mulher e filhos.”

(Fiat 147)

- “ Para a família há sempre a preocupação, principalmente quando há óbitos envolvendo

policiais.” (Kadett)

- “ Só quando acontece algum fato de relevância e você tem o seu emocional abalado.”

(Voyage)

- “ A gente fica mais agressivo com a família e por mais que tente se auto-controlar, se

continua agressivo e estressado.” (Caravan)

- “ Prejudica em razão da ausência familiar, uma vez que o policial é muito exigido; traz

grande prejuízo na área emocional, uma vez que somos submetidos constantemente a

situações estressantes e traz sérios problemas a saúde do policial, como: problemas

cardíacos, neurológicos e obesidade.” (Del Rey)

Percebe-se que apenas dois policiais, Passat e Chevette, consideram que o seu

trabalho não interfere em sua dinâmica familiar, pois não se deixam “influenciar” ou

“contaminar pelo meio”, ao contrário da grande maioria. Dois policiais inclusive, levam os

impactos para além da área familiar: um (Maverick), considera que o seu trabalho traz

conseqüências para todas as áreas, opinião compartilhada por (Del Rey), para quem, além da

família, as atividades policiais trazem conseqüências para a saúde e o emocional do policial.

March, em Teoria das Organizações, afirma que “as organizações tem reflexo bem maior no

comportamento das pessoas do que se deduz da simples verificação do tempo de permanência

diária” (1975, p. 19). O autor faz esta afirmativa, levando em consideração como as

organizações formais podem interferir no comportamento das pessoas, quando elas estão fora

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do seu ambiente de trabalho. No caso dos policiais, esta afirmativa do autor nos remete às

respostas dadas pela maioria deles, à medida que demonstram claramente que todo o estresse a

que são submetidos em sua rotina diária de trabalho, os acompanha quando estão com a

família, interferindo e refletindo em seu comportamento.

Para concluir, reproduzimos aqui o depoimento de um profissional da saúde que atende a

policiais, a respeito do sofrimento vivido por policiais civis do Rio de Janeiro, apresentado no

estudo realizado por Minayo (2003).

“... O policial é submetido a extremas situações de violência,

então existe um conflito armado eventualmente, se o policial tem boa

sorte, sobrevive ao conflito, mas alguém pode perder a vida nele.

Uma morte é sempre uma morte, a morte de um ser humano (...). Um

policial que tenha entrado em conflito armado, onde haja feridos ou

mortos, tem que ter um acompanhamento psicológico, tem que se

entender como está a mente desse homem diante daquela morte. (...)

Então aquilo tem um ônus psíquico sobre ele muito grande e não há

nenhum acompanhamento. Ele mata e vai para casa jantar, dormir. Os

meus pacientes não eram só policiais, mas os familiares, que suportam

toda a angústia, a agressividade e a violência que eles levam para

casa.” (Pofissional de Saúde, apud Minayo, 2003: p. 257/258).

Este depoimento comprova que a família do policial também sofre e é atingida

diretamente pelo estresse, o desgaste e o sofrimento a que são submetidos os policiais no dia-

a-dia da sua profissão-perigo.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Concluímos que o estresse e o sofrimento mental que a atividade policial

acarreta para a vida de um policial civil, interferem profundamente na saúde e nas relações

sociais e familiares deste servidor público, tão necessário à sociedade e imprescindível ao

Estado, conforme mencionamos no início deste trabalho. Muito desse sofrimento e estresse

são ocasionados pela organização imposta por seu trabalho, seja pela carga horária excessiva,

pelas condições de trabalho, pela insatisfação salarial ou mesmo pela ausência de um

programa de acompanhamento psicológico.

No primeiro capítulo dessa pesquisa, na abordagem sobre o Trabalho, vimos

que quando não é fator de realização humana, o trabalho se transforma em instrumento de

sofrimento, em que o indivíduo suporta apenas porque precisa trabalhar e sobreviver. No caso

dos policiais civis, o sofrimento causado pelas condições e sobrecarga de trabalho, traz

conseqüências que vão além do ambiente organizacional. Essa constatação nos remete ao que

vimos no segundo capítulo desta pesquisa, quando abordamos acerca das Organizações,

apontando que sua influência é muito maior no comportamento das pessoas do que se deduz

do tempo em que elas estão no seu ambiente de trabalho.

Pudemos constatar que as condições de trabalho vivida pelos policiais, leva-os

a desenvolver “estratégias coletivas de defesa”, contra o sofrimento gerado pela própria

organização do seu trabalho. Conforme aponta Dejours (1992, p. 35), um dos objetivos da

ideologia defensiva é “mascarar, conter e ocultar uma ansiedade particularmente grave”, sendo

esse mecanismo usado constantemente pelos policiais, sobretudo quando há sobrecarga de

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trabalho e eles precisam aliviar ou “descontar” sua insatisfação.

Quando estão fora do seu local de trabalho, o estresse e o sofrimento mental

também acompanham este trabalhador, já que correm risco de vida aonde quer que estejam e

com receio de serem reconhecidos e mortos por seus “algozes” – os bandidos - ocultam sua

identidade, se utilizando de mais uma estratégia de defesa, sendo que esta, uma estratégia

individual e não coletiva.

Outro fator de estresse e sofrimento mental constatados em nossa pesquisa, é a

questão salarial, que aponta para o valor que se dá ao trabalho do policial. Mostramos que isso

também é fator de insatisfação, trazendo ainda um outro fator agravante para a vida dos

policiais, que é a carga horária excessiva de trabalho. Isto porque, muitos largam do

expediente e vão direto para outro emprego ou atividade remunerada para complementar sua

renda, o que além do cansaço físico, pode trazer danos a sua saúde.

Constatamos também que a saúde do policial é afetada diretamente pelo seu

trabalho, acarretando doenças e um enorme sofrimento mental, principalmente devido ao

estresse a que estão sujeitos no dia-a-dia de suas atividades. Vimos que o sofrimento psíquico

está relacionado a um estado de luta do indivíduo contra as forças que o empurram para a

doença mental, mas para os policiais, essa luta se torna mais difícil de ser vencida, já que não

existe nenhum suporte ou programa de acompanhamento psicológico que os ajude a lidar com

tudo isso. Haja vista, o número de policiais afastados, devido a problemas neurológicos ou

pessoais.

Por fim, abordamos e constatamos a interferência da profissão perigo na vida

social e familiar dos policiais civis, através do estresse e do sofrimento mental. Na vida social,

os policiais evitam ou selecionam suas amizades e deixam de freqüentar determinados lugares,

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objetivando preservar sobretudo, suas vidas e a de seus familiares, ou de quem estiver à sua

volta. É o sentimento de risco, que domina não só o ambiente de trabalho, mas também está

incorporado na vida e na mente do policial.

Na rotina familiar, também pudemos constatar que todo o estresse e sofrimento

mental vividos pelos policiais durante a sua jornada de trabalho, interferem e refletem no seu

comportamento com a família, que também é atingida diretamente por tudo isso,

comprovando que os transtornos psicológicos e sociais para esses profissionais, vão muito

além da esfera organizacional.

Dentro de tudo o que vimos nesta pesquisa, a importância da mesma para o

Serviço Social, reside em três aspectos importantes: possibilita a compreensão acerca dos

impactos do trabalho na vida do trabalhador; contribui na prática da análise institucional e

possibilita a reflexão acerca de programas e projetos que possam minimizar o sofrimento do

trabalhador.

Queremos encerrar esta pesquisa, com uma citação de Minayo em “Missão

Investigar”, no sentido de que haja uma intervenção das autoridades em favor desses

profissionais, o que trará melhores condições de vida para eles e conseqüentemente, um

melhor serviço prestado à população.

“Ao dar atenção às necessidades físicas, sociais e emocionais desses servidores

públicos, com certeza, as autoridades e os gestores estarão orientando uma melhor qualidade

de vida para a categoria e para suas famílias. Em conseqüência, possibilitarão tocar num

ponto essencial para que o serviço prestado seja mais adequado e eficaz” (Ibidem, p. 144).

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BIBLIOGRAFIA

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DEJOURS, C. A Loucura do Trabalho: Estudos da Psicopatologia do Trabalho. São

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MARX, Karl. O Capital. 5ª ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira. 1980.

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SERRA, Rose M. S.(organizadora). Trabalho e Reprodução: Enfoques e Abordagens. São

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http://www.usp.br

http://www.policiacivil.rj.gov.br

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ANEXOS

ROTEIRO DE ENTREVISTA

PÚBLICO ALVO: Dez policiais lotados em uma delegacia policial, inserida no “Programa

Delegacia Legal”.

BLOCO I: Identificação e Condições Sócio-Econômicas.

Nome:

Sexo:

Idade:

Cor:

Estado civil:

Função:

Bairro onde mora:

Religião:

Escolaridade (Formação):

Renda (+ ou -):

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BLOCO II: Trajetórias de Trabalho.

1. Há quanto tempo trabalha na Polícia Civil?

2. Sempre sonhou em ser policial civil? Porque prestou concurso?

3. Quais as suas condições de trabalho na DP?

4. Qual a sua carga horária de trabalho?

5. Você tem outro emprego ou “bico”, para complementar sua renda? Qual?

6. Acha que o salário que recebem, é compatível com os riscos da profissão? Por que?

7. Quais as principais demandas que chegam até você na DP?

8. Acha que o “Programa Delegacia Legal” trouxe melhorias para o trabalho da Polícia?

Explique:

9. Quais os maiores riscos da profissão?

10. Quais os equipamentos que usa no seu trabalho?

11. Há alguma doença ou problema de saúde, que pode ser desenvolvido em decorrência

do seu trabalho? Quais?

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BLOCO III: Efeitos das Trajetórias de Trabalho.

1. A maioria da população não faz distinção entre as Polícias Civil e Militar e entende

que as duas entidades são uma só. Explique por que isso acontece:

2. Na sua opinião, o que contribui para a imagem tão negativa que a sociedade tem em

relação à Polícia?

3. A imagem do policial está ligada a frieza e a falta de sensibilidade, já que estão

acostumados a lidar com as mais brutais situações de maneira bastante fria. Já houve

situações que abalasse o seu emocional? Cite uma:

4. Já fez ou faz uso de remédio controlado ou tratamento psicológico, devido ao estresse

causado pela atividade policial?

5. Acha que deveria existir algum programa específico dentro da instituição, para

diminuir o nível de estresse ao qual a profissão os submete?

6. Quais os impactos que o dia-a-dia da profissão trazem para a sua vida familiar?

7. Quais as principais opções de lazer quando está com sua família?

8. De que forma o seu trabalho interfere em sua vida social?

9. Fale sobre as relações de amizade na instituição:

10. Como você vê a Política de Enfrentamento, adotada pelas autoridades para combater a

criminalidade?

11. Gostaria de ter a parceria da população ou acha que o trabalho de vocês independe

disso?

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TERMO DE ESCLARECIMENTO LIVRE E CONSENTIDO

Sou aluna do curso de Serviço Social da UNISUAM e estou desenvolvendo uma pesquisa intitulada “Os impactos da profissão na vida do policial civil”, para elaboração do TCC, necessário ao título de bacharel em Serviço Social. Trata-se de um estudo que objetiva “apresentar de que maneira o trabalho do policial interfere em sua saúde e em suas relações sociais e familiares”. Informo que todas as informações coletadas serão tratadas conforme a ética em pesquisa em seres humanos, não acarretando nenhuma espécie de gastos por parte dos respondentes. Nenhuma informação sobre a identificação e localização dos participantes serão divulgadas. O respondente poderá solicitar não participar da pesquisa em qualquer momento, caso se sinta prejudicado. Este estudo está sob a orientação da professora Luzia Magalhães Cardoso, matrícula UNISUAM 1019. Em caso de dúvida, colocamos a disposição os nossos telefones e endereços abaixo: Telefone de contato do aluno: 9784-8486 Nome da aluna: Rosélia Mendes da Silva Telefone da coordenação do curso de Serviço Social: 3882-9705 Endereço da UNISUAM: Avenida Paris, 72 – Bonsucesso Data: Assinatura do aluno: Matrícula do aluno: 06103448

PARA O ALUNO

Declaro que estou devidamente esclarecido sobre a pesquisa “Os impactos da profissão na vida do policial civil”, da aluna Rosélia Mendes da Silva e concordo livremente em participar da entrevista. Data: Assinatura: Identidade:

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CARTA DE APRESENTAÇÃO DO ALUNO PESQUISADOR

Sou aluna do curso de Serviço Social da UNISUAM, sob a matrícula 06103448 e estou desenvolvendo uma pesquisa que tem como título “Os impactos da profissão na vida do policial civil”. Trata-se de um estudo que objetiva “apresentar de que maneira o trabalho do policial interfere em sua saúde e em suas relações sociais e familiares”. Para tanto, solicito a autorização dessa instituição para que possa realizar nela, o trabalho de campo necessário. Informo que estou devidamente treinada para garantir a confiabilidade das informações a que terei acesso, bem como para cumprir as exigências da Resolução 19696 da CNS/MS, que regulamenta as pesquisas envolvendo seres humanos. Esclareço que não haverá para os usuários e profissionais dessa instituição, quaisquer riscos nem desconfortos, nem gastos de qualquer natureza. Coloco-me a disposição para prestar esclarecimentos sobre a pesquisa, sempre que houver necessidade, através do meu telefone (9784-8486). Comprometo-me a utilizar de forma respeitosa e exclusivamente para fins científicos, as informações a mim confiadas, preservando o anonimato das identidades. Esse estudo está sob a orientação da professora Luzia Magalhães Cardoso, matrícula UNISUAM 1019. A sua assinatura neste documento, valerá como reconhecimento de sua concordância na realização da pesquisa nesta instituição. Desde já, agradeço a colaboração. Nome do aluno: Rosélia Mendes da Silva Assinatura: Telefone da coordenação do curso de Serviço Social: 3882-9705 Endereço da UNISUAM: Avenida Paris, 72 – Bonsucesso Rio de Janeiro, ____/____/_____. ASSINATURA DA INSTITUIÇÃO