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1 Os Iguais, Desiguais: Entendendo o Consumo Cultural pelas Classes Populares Autoria: Caroline Regina Müller, Marcelo Jacques Fonseca Resumo No final do ano de 2013 passa a vigorar, no Brasil, a lei do vale cultura que garante um benefício mensal para trabalhadores que ganham até cinco salários mínimos. Esse vale é destinado às classes populares, para que possam participam do mercado de produtos culturais. Assim, tendo a teoria de Bourdieu (1979) como alicerce e a lei como o motivador, este trabalho buscou compreender como as classes populares se relacionam com o gosto legítimo. No campo foi possível perceber que eles se subdividem em três grupos de práticas de consumo: os locais, os globais e os outliers.

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Os Iguais, Desiguais: Entendendo o Consumo Cultural pelas Classes Populares

Autoria: Caroline Regina Müller, Marcelo Jacques Fonseca

Resumo No final do ano de 2013 passa a vigorar, no Brasil, a lei do vale cultura que garante um benefício mensal para trabalhadores que ganham até cinco salários mínimos. Esse vale é destinado às classes populares, para que possam participam do mercado de produtos culturais. Assim, tendo a teoria de Bourdieu (1979) como alicerce e a lei como o motivador, este trabalho buscou compreender como as classes populares se relacionam com o gosto legítimo. No campo foi possível perceber que eles se subdividem em três grupos de práticas de consumo: os locais, os globais e os outliers.                                       

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1. INTRODUÇÃO O crescimento do poder de consumo das classes populares no Brasil é um fenômeno

relativamente recente (Barros & Rocha, 2007; Rocha & Silva, 2008). Até pouco tempo, tais classes eram praticamente invisíveis aos radares de muitas empresas, as quais raramente incluíam representantes da população mais pobre em suas definições estratégicas para o desenvolvimento de novos produtos. Assim, não parecia justificável o investimento em se conhecer mais sobre um segmento com tão limitadas condições de compra, o que fez com que as classes mais populares ficassem esquecidas por muitos anos no mercado de pesquisas de consumo. Entretanto, com o fim da inflação e das flutuações econômicas no cenário brasileiro esta situação passa a ser modificada (Rocha, 2009 in Rocha; Silva, 2009).

O entendimento de como as pessoas consomem (independentemente do poder aquisitivo) é peça chave para compreender como a sociedade moderna se articula. Sabe-se que o mercado, seja qual for, não é apenas um espaço de troca de mercadorias, mas um local onde se processam interações sociais e simbólicas. Sendo assim, o consumo implica uma ordem de significados, posições sociais em que consumir certos bens diz algo sobre quem consome. Deste modo, o consumo é capaz de reunir as pessoas ou distingui-las através dos significados dos bens (Silva, Araujo & Souza, 2007).

A partir dessa perspectiva, de que cultura e consumo são indissociáveis (MCCRACKEN, 2003), e de que uma das mais elucidativas formas de se entender uma cultura é por meio das práticas de consumo (ARNOULD; THOMPSON, 2005), vários pesquisadores voltaram-se ao estudo desse segmento social (classes populares) por muito tempo esquecidos na pesquisa do consumidor. Nos últimos anos autores brasileiros buscaram a compreensão do significado do consumo para as classes populares (Barros & Rocha, 2007; Castilhos & Rossi 2007), de que forma se dá a sociabilidade no ambiente online (Barros, 2009), o processo de compra e o significado do crédito (Mattoso & Rocha, 2005) e as necessidades, desejos e vontades destes indivíduos em relação ao consumo (Barbosa, Hormeyll & Motta, 2009).

No entanto, apesar de os exemplos ora mencionados representarem importantes contribuições para se entender as características do consumo nas classes populares, há pelo menos um tema que ainda parece ter recebido poucos esforços de pesquisa: o consumo de cultura. De acordo com Canclini e Niebla (1992) os produtos culturais expressam valores, atitudes, ideias e criatividade artística oferecendo entretenimento e informação sobre o passado, presente ou futuro. Eles podem ter uma origem popular, como é o caso do artesanato, uma origem massiva, através de jornais e música popular, ou ainda, circular entre um público mais limitado, com pinturas, poesias e música erudita (Canclini & Niebla, 1992).

Assim, de acordo com Bourdieu (1979), quando se tem em perspectiva a relação com produtos ou atividades culturais, logo se estabelecem dois grupos distintos na sociedade: um deles impõe o que deve ser consumido como cultura estabelecendo um gosto legítimo; e o outro sofre dominação desta elite que dita o gosto legítimo. Gosto legítimo está relacionado dois grupos distintos em que um deles impõe o que é legítimo como cultura para toda sociedade. O grupo dominante impõe o que deve ser consumido como cultura e deve receber valor. A apropriação demonstra a maneira com que os consumidores se apoderam dos objetos e das instituições para si, através de suas propriedades simbólicas, sendo que, este conceito remete à capacidade que os diferentes grupos possuem na legitimação do consumo. Deste modo, os produtos recebem seu valor social a partir do uso que é feito deles, assim a quantidade de capital determina a legitimação do consumo. Portanto, o gosto de uma classe dominante determina qual será o gosto legítimo de um campo.

Somado a isto, as classes dominantes são portadoras do que é dito “consumo legítimo”, pois possuem o capital cultural que é necessário para que se possa classificar os bens e estão distantes das limitações de necessidade. Assim, as classes mais baixas apenas

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imitariam a forma legítima de consumir imposta pela elite dominante e reguladora (Holt, 1998).

É justamente essa perspectiva recém abordada que auxilia na compreensão do contexto aqui em foco. No Brasil, ao final do ano de 2012, a Presidenta Dilma Rousseff lançou o “Vale-Cultura”, programa do governo supervisionado pelo Ministério da Cultura que tem por objetivo possibilitar o acesso da população de baixa renda a serviços, produtos, eventos e estabelecimentos culturais. A lei 12,761 considera áreas culturais: artes visuais; artes cênicas; audiovisual; literatura, humanidades e informação; música; e patrimônio cultural. Assim, a partir desta lei surge o questionamento central do trabalho, qual seja, o que seria cultura para as classes populares e de que forma estes indivíduos assimilam o gosto legítimo?

O vale surge com o intuito de diminuir as desigualdades, já que, dá acesso ao consumo cultural de produtos que pouco foram consumidos por esta parcela da população. Alguns estabelecimentos estão conveniados ao recebimento deste benefício, sendo que estes, fazem parte de uma das áreas culturais propostas. O valor do vale é de cinquenta reais, sendo depositado mensalmente no cartão dos beneficiários. Inicialmente, trabalhadores que ganham até cinco salários mínimos podem ser cadastrados no programa pelas empresas, sendo que, em seguida, o beneficio será estendido aos trabalhadores com salário mensal superior a cinco salários mínimos. Ainda se sabe pouco sobre a aceitação e a utilização deste, pois passou a vigorar somente no final do ano de 2013.

A partir da criação do vale cultura e a suposta busca da diminuição das desigualdades sociais no Brasil, o objetivo deste trabalho é identificar de que maneira as classes populares se relacionam e redefinam o gosto legítimo, ou seja, a partir da identificação das práticas de consumo busca-se compreender como estes indivíduos se apropriam daquilo que é imposto e de que maneira constroem seu próprio capital cultural.

Assim, este trabalho busca contribuir com a construção das políticas públicas para as classes populares especialmente no que diz respeito ao consumo de cultura. Com o lançamento da lei do “vale cultura” é necessário que o governo e à população possuam uma visão única do universo da cultura para os indivíduos das classes populares, para que essa regulamentação possa surtir o efeito desejado. Desse modo, a indagação do trabalho vai ao encontro do contexto político atual e dialoga com a promoção eficaz de políticas públicas para as classes populares.

Somado a isso, na tentativa de contribuição acadêmica, complementa o debate realizado no trabalho de Holt (1998) que tem por intuito entender, no contexto americano, se de fato o capital cultural estrutura o consumo. Neste são entendidas as relações de consumo percebendo que esse é um importante mecanismo de manutenção das classes sociais. No presente trabalho buscou-se o entendimento da maneira com que o gosto legítimo é aceito pelas classes populares a partir do capital cultural construído nos três espaços sociais: casa, rua e escola. O assunto da baixa renda também se mostra bastante recorrente o que pode ser evidenciado pela proposta de pesquisa lançada pela Marketing Theory de 2013 que tem por tema: mercados e marketing para a base da pirâmide.  2. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

Para responder ao objetivo do trabalho, ele caminhou na trilha da Teoria da Cultura de Consumo. Nessa perspectiva, o consumo é determinante e construtor da cultura sendo o consumidor um ator social que participa de diversos mundos culturais possuindo uma identidade e um valor específico em cada um deles. A Teoria da Cultura de Consumo vai ao encontro do estudo das ações dinâmicas dos consumidores no mercado buscando compreender o significado cultural destas práticas (Arnould & Thompson, 2005).

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2.1 Conceito de habitus, campo e capital cultural Para entender as complexidades de relações sociais em que ocorrem disputas

simbólicas constantes é necessário conhecer os conceitos de campo e habitus (Bourdieu, 1983). O campo é um espaço com certa autonomia que algumas forças e lutas padronizadas ocorrem e elucidam a autoridade exercida por alguns indivíduos. Os agentes lutam de acordo com a posição ocupada neste espaço sendo este um local de conflito e competição sobre a propriedade e a imposição do capital, assim o campo pode ser definido como:

uma rede, ou uma configuração de relações objetivas entre posições. Essas posições são definidas objetivamente em sua existência e nas determinações que impõem aos seus ocupantes, agentes ou instituições, pela sua situação presente ou potencial na estrutura de distribuição de espécies de poder (ou capital) cuja posse permite acesso aos lucros específicos que estão em disputa no campo, bem como por sua relação objetiva com outras posições (Wacquant & Bourdieu, 1992, p. 97).

O segundo conceito, de habitus, está relacionado às possibilidades de atuação dos

sujeitos no campo. De acordo com Wacquant (2004; pág.2) o habitus age como “a interiorização da exterioridade e a exteriorização de interioridade”, ou seja, a forma como a sociedade está internalizada nas pessoas sendo estruturada pelos meios sociais passados que organizam a percepção de mundo do indivíduo. Assim, o habitus é ao mesmo tempo social, pois é partilhado pelos indivíduos que foram submetidos a condições similares de cultura, classe e gênero, e individual já que cada pessoa possui sua própria trajetória no mundo. Para Bourdieu (1983) habitus é um:

sistema de disposições adquiridas pela aprendizagem implícita ou explícita que funciona como um sistema de esquemas geradores, é gerador de estratégias que podem ser objetivamente afins aos interesses objetivos de seus autores sem terem sido expressamente concebidos para esse fim [...] (Bourdieu, 1983, p. 94).

A respeito do conceito de capital, Bourdieu (1987) aborda a existência de quatro tipos

distintos: capital social, capital econômico, capital simbólico e capital cultural. O capital social diz respeito aos relacionamentos que o indivíduo possui no campo sendo estes provenientes do intermédio da família e das instituições que o mesmo faz parte. O econômico se refere aos recursos que o individuo dispõe. O capital simbólico pode ser entendido como qualquer um dos três capitais ou uma combinação deles. Por fim, o capital cultural, sendo o mais importante deles, que norteará o embasamento deste trabalho e a busca no campo é fruto da transmissão de capital assegurada pela família e escola. Assim, a posse do capital garante ao indivíduo o gosto que atribui distinção no consumo, deste modo, os bens adquiridos não apenas elucida a distinção, mas também são instrumento para a mesma.

Somado a isso, os agentes se apoderam dos objetos e das instituições para si, através de suas propriedades simbólicas sendo que este conceito remete a capacidade que os diferentes grupos possuem na legitimação do consumo. Deste modo, os produtos recebem seu valor social a partir do uso que é feito deles, assim a quantidade de capital determina a legitimação do consumo. Portanto, o gosto de uma classe dominante determina qual será o gosto legítimo de um campo (Bourdieu, 1979). Somado a isto, as classes dominantes são portadoras do que é dito “consumo legítimo”, pois possuem o capital cultural que é necessário para que se possa classificar os bens e estão distantes das limitações de necessidade. Assim, as classes mais baixas apenas imitariam a forma legítima de consumir imposta pela elite dominante e reguladora (Holt, 1998).

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2.2 Consumo Cultural A respeito da dinâmica da produção e do consumo de cultura no Brasil, esta, é

fundamental para compreensão da sociedade, já que o consumo é determinante da formação cultural. Para Oliven (1981) o aprofundamento desta análise se dá pela análise das manifestações culturais desenvolvidas no Brasil verificando quem deu origem a esta e a que grupo pertence. Deve-se analisar também de que forma estas manifestações são vistas, entendidas e incorporadas pelos demais grupos da sociedade. Por fim, o mesmo autor comenta que se deve analisar como estas manifestações, inicialmente restrita a apenas uma classe, se transformam em um símbolo nacional construindo a identidade brasileira.

Outro fenômeno que se pode perceber com o avanço da tecnologia está relacionado ao acesso à cultura que se dá não somente pelo contato direto com a criação artística, mas também por meio dos produtos culturais. Este comportamento está presente na juventude atual que passa a apresentar uma “cultura de quarto” baseada na internet. Assim, distinguem-se dois modos de se consumir cultura: as práticas domiciliares e as práticas culturais realizadas fora das residências dos indivíduos. A prática fora do domicílio proporciona a socialização, entretanto, acarreta outros custos como o transporte, alimentação, além do custo de oportunidade. Apesar da diversidade cultural do Brasil e o acesso à cultura seja bem abrangente as atividades culturais privadas, como é o caso do museu, cinema e teatro, possuem o acesso bastante limitado (Tolila, 2007). Assim, o dispêndio cultural é um reflexo da desigualdade do país (Silva et al., 2007). Somado a isso, os produtos eletrônicos possuem o papel de colocar os indivíduos das classes populares em contato com a sociedade do consumo e a modernidade. Dentre estes o mais difundido, especialmente no Brasil, é a televisão. Estes produtos garantem acesso à cultura de massa e atribuem status a quem os tem, gerando distinção a partir deste. Todavia, a igualdade entre os iguais é buscada cuidadosamente e constantemente, assim aqueles que buscam destaque asseguram distinção (Zaluar, 2000). De maneira complementar, o vale cultura, que deu suporte para o objetivo central deste trabalho, vem carregado de um discurso de igualdade no consumo de cultura, todavia o contexto de desigualdade enraizado no processo histórico brasileiro atua no sentido oposto. Assim, buscou-se compreender o que de fato as classes populares consomem como cultura e de que maneira recebem o gosto legítimo que é imposto pela elite. 2.3 Classes Populares

O Brasil é um país de contrastes quando se leva em conta a sua população. Entre o topo e a base da pirâmide encontram-se perfis variados (Nogueira & Cunha, 2009). Na história se tem visto uma predominância de indivíduos de baixa renda sendo a desigualdade socioeconômica um problema latente (Rocha & Silva, 2005). No governo de Lula e Dilma foram instituídos alguns projetos e metas de auxílio às classes mais baixas com o intuito de diminuir a desigualdade existente no país. A partir destas medidas a nova classe média ascende no mercado como cidadão e consumidor atuante. Entre estes, programas e leis que asseguram ao consumidor de baixa renda melhores condições de vida está a lei do vale cultura.

Apesar do crescimento inegável da parcela da população que ascendeu das classes E e D para a denominada nova classe média há um contraponto às ideias apresentadas de crescimento e desenvolvimento até então. Alguns autores acreditam que a melhora nas condições de vida do indivíduo de baixa renda não pode ser avaliada apenas pelo viés econômico, assim, devem ser considerados também aspectos sociais de grande relevância (DaMatta, 1997; Souza, 2010; Freire, 2011).

Para que se possa entender como as práticas se legitimam, como a incorporação em cada de indivíduo de seu papel e seu lugar é preciso retomar e compreender a história por trás

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da ação. Isso para que possamos entender o fato de acharmos natural alguém ganhar muito mais do que o outro, sendo que isto está empregado em uma forte moralidade intrínseca. Assim, a desigualdade está enraizada no contexto brasileira, não sendo, um programa social, uma lei ou um aumento na renda que extinguirá princípios enraizados na cultura. Portanto, existem coisas que a nossa miopia cotidiana não nos deixa ver, assim como, a legitimidade que certos espaços sociais e práticas adquirem (Souza, 2006). Por fim, somado a isso, Bourdieu (1983) fala que o estilo de vida da pessoa, assim como o capital cultural deste, está fortemente vinculado à sua posição no espaço social. O discurso de igualdade é rompido pelas lutas existentes, através das quais, os indivíduos devem seguir um discurso dominante e um gosto dominante legitimado. Através da observação de suas práticas, se pode entender os gostos e os modos de vida que distinguem os grupos. Assim, calcado na visão desse autor, para que o discurso de diminuição das desigualdades apresentado pelo governo seja válido deve-se ocorrer uma reformulação de práticas já legitimadas, pretensão esta, que parece inalcançável considerando as raízes e o processo histórico que as consolidou.

De maneira complementar, de acordo com Vianna (1977) em virtude da ruptura das comunidades tradicionais a sociabilidade destes indivíduos passa a ser criada em comunidades virtuais que buscam o preenchimento deste espaço através do ciberespaço. Assim, o indivíduo que vive na sociedade atual globalizadas e heterogêneas culturalmente para que possa sobreviver deve aprender a circular em muitos grupos. Somado a isto, o mesmo autor comenta que pode-se perceber um reforço dos vínculos sociais no ambiente de relacionamento virtual, sendo assim, há um grande apelo para a localidade. Deste modo, se fala com quem se conhece, exercendo a internet o papel de reforçar aquilo que fora construído nos outros meios.

Percebe-se que a internet possui um forte papel na construção do gosto dos indivíduos das classes populares sendo que muitas vezes substitui o ambiente da rua. Assim, como comentado por Vianna (1977) as comunidades passam a ser criadas no ciberespaço. A comprovação da força deste espaço social é um dos aspectos que foram buscados no campo. 3 MÉTODO

Esta pesquisa ampara-se no paradigma interpretativista, pois buscou-se uma interação entre sujeito-objeto já que a realidade aqui está relacionada com à compreensão que os seres humanos criam deste objeto, por meio de sua intersubjetividade, sendo esta socialmente construída (Orlikowski e Baroudi, 1991).

A unidade de análise da pesquisa foi estruturada em três domínios distintos, porém complementares para o entendimento dos indivíduos das classes populares. O primeiro deles é o ambiente da casa, local este, segundo Bourdieu (1987), onde é estruturado o capital cultural do indivíduo, ou seja, na família deste, moldando e definindo o que este irá consumir como cultura de acordo com a classe que pertencente. Na casa pertencemos a uma família sendo este um grupo fechado com fronteiras e limites bem definidos, seu núcleo é formado por pessoas que possuem os mesmos valores e as mesmas tendências (DaMatta, 1997).

O segundo domínio é o da rua, este, de acordo Roberto DaMatta (1997), é um local de movimento onde as lutas acontecem, pois todos são gente, mas ao contrário da casa, não são a nossa gente. As lutas apresentadas por Bourdieu (1979) em que um gosto dominante e legítimo é imposto, sendo que os indivíduos serão inclusos ou não a partir do que consomem, ou seja, de seu capital cultural são estabelecidas no ambiente na rua onde uma heterogeneidade de expressões está presente, mas a dominante é estabelecida pelas elites.

Por fim, o ambiente da escola, que prega um discurso de “igualdade” não é condizente a este. Neste ambiente, pessoas provenientes da elite, que assimilaram o capital cultural dominante em suas casas levam vantagem na escola, já que esta doutrina e prega seu

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conhecimento a partir deste capital (Bourdieu, 1979). Assim, neste cenário quer se entender como os indivíduos das classes populares assimilam esse capital legítimo transmitido e se de fato ele é transmitido pelas escolas. Neste contexto, a escola aparece como um dos grandes construtores do capital cultural das pessoas. A escola foi utilizada como o local de entrada no campo e a partir desta se buscou entender o contexto cultural da casa e da rua. Foram selecionados informantes no campo que poderiam ser contemplados pelo programa, ou seja, com renda de até cinco salários mínimos

Para a coleta de dados foram utilizadas as técnicas de pesquisa documental nas diretrizes do governo sobre a cultura e o vale cultura, entrevista em profundidade com quinze jovens, observação participante em uma escola municipal na turma da oitava série, entrevistas com imagens realizada com alguns informantes e a técnica do design thinking para alguns aspectos de debate entre os informantes.

A análise foi realizada a partir da técnica de análise de conteúdo e discurso. A análise conteúdo se refere a um método em que busca a compreensão do texto sendo construída socialmente (Bauer & Gaskell, 2010). Na análise de discurso o enfoque também está nos textos sendo desenvolvida a partir de várias tradições teóricas (Burr, 1995). Para a construção da análise que ocorreu em uma ponte direta entre o conhecimento do referencial teórico e a realidade visualizada no campo, para tanto será realizado um processo constante entre indução e dedução para a construção das análises do fenômeno alinhando a teoria com a prática. 4 RESULTADOS

Os grupos sociais quando observados de certa distância parecem bastante homogêneos em seus gostos, afinidades, enfim, naquilo que consomem como cultura. Entretanto, quando se coloca a lupa neste grupo, as individualidades aparecem e se percebe o quão heterogêneos são, assim como, se consegue perceber os pequenos grupos sociais que ali existem. Nesta análise uma lupa foi coloca neste campo e sobre estes jovens de baixa renda para entender o que estes consomem como cultura.

4.1 Casa, Rua e Escola

Com relação aos ambientes da casa, rua e escola, percebe-se que durante o período do campo o que Tolila (2007) comenta, que o ambiente da rua está sendo substituído pelo ambiente da internet. As ações e relações entre os agentes que outrora eram manifestadas no espaço da rua, hoje aparecem no espaço online através das redes sociais. A internet aparece como um lugar de forte construção do capital cultural, em que as referências são buscadas em uma instância local e global junto a sites ou no dialogo com os amigos em que elas são trocadas. Assim, o espaço rua perde força e o espaço internet ganha.

Na casa, escola e no quarto os jovens consomem cultura a partir de alguns produtos culturais. Em cada um dos espaços alguns produtos possuem destaque. Na casa, a televisão exerce forte papel sendo vista como fonte de lazer, em que, sentar em frente a esta é um momento de estar com a família. O rádio possui seu papel neste espaço também, mas é substituído aos poucos pela internet. Nestes meios, os jovens consomem músicas, filmes, novelas, conteúdos de blogs e redes sociais dos mais diversos.

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Como expresso na fala de uma entrevistada, a internet é o local onde busca grande parte de suas referências, moldando seu gosto.

Pesquisadora: O que tu lê normalmente? Alana: Ah, infanto juvenil, juvenil...essas historinhas assim, tipo crepúsculo. Pesquisadora: Harry Potter? Alana: Uhum. Pesquisadora: E quem te indica isso, de onde vem teu gosto por isso? Alana: Da internet também. Eu curto páginas de leitura, daí alguns falam: “ah, é bom”, daí eu leio. Pesquisadora: No Face tu curte? Alana: Uhum. Pesquisadora: Quanto tempo por dia, mais ou menos, tu fica na internet? Alana: Ai, a tarde toda, uma seis, sete horas. Pesquisadora: Até de noitezinha? Alana: É Pesquisadora: E tu olha TV? Alana: Ao mesmo tempo que tô no computador. Pesquisadora: Ao mesmo tempo, a tarde inteira e os dois? Alana: Uhum.

Na escola o gosto pela leitura, e em especial, pelos esportes surge. Por não existir

infraestrutura para a prática acabam por desenvolver aqueles ditos populares como o futebol e o vôlei. Assim, aqui se percebe que o gosto é construído a partir do que se tem acesso, deste modo se molda a distinção entre as classes sociais. O futebol é um exemplo de gosto que é construído pelo acesso que se tem a partir do espaço da escola. Na figura abaixo a prática do futebol, esporte querido por eles e incentivado no ambiente da escola e em seguida um trecho retirado do diário de campo sobre a má estrutura para a prática de esportes.

Figura 4: Futebol na escola (Fonte: Diário de Campo)

Certo dia, após a volta dos alunos do recreio, os alunos aguardavam no pátio para entrar na sala de aula, neste momento, a diretora chegou com alguns medalhas. As medalhas foram ganhas pelos alunos do oitavo ano nos jogais estaduais, em que atingiram a segunda colocação na modalidade basquete. Os estudantes foram aplaudidos em meio a um discurso que ressaltava que apesar das condições precárias que estes possuíam para o treino e a

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prática, a vitória fora conseguida. No torneio, fora a primeira vez de muitos que jogaram basquete com a infraestrutura que o esporte exige (Diário de Campo 08.10.2013)

O conteúdo compartilhado e buscado na internet, os esportes praticados na escola, as

saídas de campo, os livros, os momentos de lazer fora e dentro de casa com a família estão entre as atividades culturais dos jovens. Estas atividades são executadas nos três espaços sociais: casa, rua e escola. Assim, em cada um destes espaços algum produto cultural possui destaque e as atividades culturais praticadas e consumidas são diferenciadas. Deste modo, por vezes, três espaços podem entrar em conflito, já que o é que assimilado em um, não dialoga com os demais, isso é percebido, especialmente, na escola. 4.2 Locais e Globais

A respeito do gosto legítimo, viu-se que os jovens não buscam referências em um grupo da elite dominante, mas as suas próprias, sendo que a distinção é criada por estes dentro do próprio espaço social onde se dividem e hierarquizam por relações de posse e status. A cultura é acessada a partir do que os recursos possibilitam na escola, na rua e na casa. Assim, poder algo “a mais” gera distinção. Poder consumir algo diferente da maioria dos jovens no campo, faz com que este jovem se distingue do grupo, um exemplo disso está associado a prática de instrumentos musicais, sendo que duas entrevistadas faziam aula de violão. Todavia, essa prática era pouco comentada com os demais jovens para que a distinção não se atenuasse e assim gerasse uma exclusão destes membros do grupo. A prática conjunta com mais um dos membros ajuda a atenuar o sentimento de distinção e exclusão.

Somado a isso, o gosto de massa é de fácil acesso, a música que toca na novela, no rádio, na internet é disponibilizada para todos, assim, os jovens acabam por possuir gostos similares. Todavia, eles podem se subdividir em dois grupos de práticas de consumo culturais: o dos jovens que possuem práticas de consumo de cultura de massa global e daquelas que estão consumindo uma cultura de massa local. Pensando nas práticas locais e globais, há alguns produtos culturais de massa que são consumidos por um grupo, outros pelo outro, mas também transitam entre os dois, como é possível perceber pela classificação da tabela abaixo.

Pode-se perceber práticas de consumo distintas entre os jovens, sendo que estes criam laços de amizade com aqueles que possuem similaridades. Percebem-se três práticas de consumo cultual: as globais, as locais e os outsiders. O gosto dos jovens que possuem práticas globais é acessado pela internet em que consomem filmes, livros, músicas e moda. As sagas Crepúsculo, Percy Jackson, Supernatural os livros de Nicholas Sparks, as músicas pop americanas estão entre os produtos consumidos por esses jovens.

Figura 5: Gosto Produtos Globais (Fonte: Entrevistas com Imagens)

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Já o grupo dos jovens com práticas locais consome a cultura que está na moda aqui no Brasil. Nesta aparece claramente a cultura pop do sertanejo universitário com seus eventos, shows e músicas dançantes e o funk carioca. O grupo dos outsiders consome música clássica, filmes clássicos e livros com a temática da espiritualidade, este gosto é visto como de adulto e os jovens pertencentes a este grupo se associam de outras referências globais ou locais para que tenham uma aceitação no grupo. Um exemplo para isso aconteceu na entrevista em profundidade, onde o entrevistado Mathias ao ouvir uma música clássica, verificou-se sua reação.

Pesquisadora: (Música Clássica) Mathias: Ouviria não, só dancaria numa festa. Pesquisadora: Mas tu terias em casa pra ouvir? Mathias: Não. A mãe ouvi isso ai.

Na foto pode-se perceber gosto por produtos culturais locais como o funk e o flyer de

um evento que fora frequentado pelos jovens deste grupo.

Figura 5: Gosto Produtos Locais (Fonte: Entrevistas com Imagens)

Abaixo uma foto de uma entrevistada que ressalta o que fora comentado a respeito do gosto acessado pela internet de uma cultura americana, global e pop. Esta fotografia foi tirada por uma das entrevistadas na técnica de coleta da entrevista com imagens em que deveria expressar por imagens aquilo que curtia, no seu dia-a-dia.

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De maneira complementar, são criadas classificações como um mecanismo de defesa da identidade construída no campo. Os jovens das classes populares assimilam o capital cultural proveniente de cada um dos campos e o classificam de acordo com seu gosto, traçando identidades únicas aos indivíduos e grupos de pessoas com similaridades. Estas identificações são criadas como uma forma de proteção para a legitimação de determinadas práticas de grupo e de classe.

4.3 O que é Cultura?

De maneira conclusiva, pensando nas atividades culturais praticadas e consumidas pelos indivíduos das classes populares, pode-se afirmar que estes consomem e praticam aquilo que é de fácil acesso e que não demanda um grande investimento, assim se destacando o gosto de massa. Os jovens praticam várias atividades culturais, mesmo que não as considerem como cultura. O conteúdo compartilhado e buscado na internet, os esportes praticados na escola, as saídas de campo, os livros, os momentos de lazer fora e dentro de casa com a família estão entre as atividades culturais dos jovens. Estas atividades são executadas nos três espaços sociais: casa, rua e escola. Assim, em cada um destes espaços algum produto cultural possui destaque e as atividades culturais praticadas e consumidas são diferenciadas. Deste modo, por vezes, três espaços podem entrar em conflito, já que o é que assimilado em um, não dialoga com os demais, isso é percebido, especialmente, na escola.

Somado a isto, mesmo que os indivíduos não considerem aquilo que consomem como cultura, ela ocupa um grande espaço na vida dos indivíduos. Entretanto, se analisarmos através de um viés dominante do gosto legítimo, os jovens das classes populares são quase que na totalidade aculturados. Em cada um dos espaços sociais um dos produtos culturais ganha destaque na construção do capital cultural, na família é a televisão, na rua/quarto é o computador ou celular para navegar na internet e na escola os livros.

Pensando em uma definição de legítimo e não legítimo, as classes populares criam uma nova classificação daquilo que consomem. Através de uma perspectiva dominante de gosto legítimo que está oculta, os jovens não vem o que consomem como cultura. Todavia, para que sintam inclusos passam a ver como legítimo aquilo que está de fácil acesso, a cultura de massa. Assim, como um mecanismo de proteção passam a rejeitar os indivíduos das classes populares que consomem ou praticam o gosto legítimo. Deste modo, eles não desejam que a distinção seja criada e manifestada dentro do próprio grupo social.

Abaixo é apresentada uma figura que esquematiza os resultados deste trabalho, demonstrando o processo da construção do capital cultural pelos indivíduos jovens das classes populares. O processo inicia na origem em que o capital cultural é construído, sendo este proveniente dos três meios: casa, rua e escola. A casa e a rua ajudam a consolidar e construir aquilo que é chamado de gosto de massa, já a escola ajuda a construir o gosto legítimo. Os jovens que consomem o gosto de massa se subdividem em dois grupos de práticas, os globais e os locais. Os jovens com práticas globais estão fortemente conectados a internet, já os locais constroem seu gosto na televisão, rádio e junto a família. Os consumidores do gosto legítimo são excluídos do grupo, assim, são chamados de outliers. Estes também fazem parte do grupo dos globais, como uma forma de aceitação pelo grupo e também devido ao gosto. Estes três grupos se confrontam no campo na busca por distinção e na consolidação do seu gosto como legítimo. O confronto e a soma ocorrem entre os três espaços analisados neste trabalho. Por fim, a partir do confronto e da identidade construída a partir da cultura, os jovens estabelecem classificações como um mecanismo de defesa daquilo que julgam legítimo.

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ensino e a lei, levando em conta a realidade dos indivíduos destas classes. A escola, vista como um dos espaços que perde legitimidade deve buscar um diálogo próximo com os jovens, através de conteúdos recorrentes no seu dia-a-dia. O projeto lei, por sua vez, exige uma campanha esclarecendo no que pode ser utilizado, já que eles não reconhecem o que consomem como cultura, isto devido a uma imposição dominante da sociedade que vê a cultura popular e de massa como inferior. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ARNOULD, E. J.; THOMPSON, C. J. (2005) Consumer Culture Theory (CCT): Twenty Years of Research. Journal of Consumer Research. BARROS, C; ROCHA, E. (2007) Lógica de consumo em um grupo das camadas populares: uma visão antropológica de significados culturais. In: ENANPAD. Rio de Janeiro: ANPAD. BAUER, M. & GASKELL, G. (2010). Pesquisa Qualitativa com texto, imagem e som: um manual prático. Rio de Janeiro: Vozes. BOURDIEU, P. (1979) La distinction: critique sociale du jugement. Paris: Les Éditions de Minuit. __________. (1983) Questões de Sociologia. Rio de Janeiro: Marco Zero. __________. (1987) Choses dites. Paris: Minuit. BOURDIEU, Pierre & WACQUANT, Loïc J. D. (1992) An Invitation to Reflexive Sociology. Chicago: University of Chicago Press. BURR, V. (1995). An introduction to social constructionism. London: Routledge. CANCLINI, N.G. & NIEBLA, G.G. (1992). La educación y Ia cultura ante el tratado de libre comercio. México, Nexos/Nueva Imagen. CASTILHOS, R. B. & ROSSI, C. A. V. (2007) Subindo o morro: consumo, posição social e distinção entre famílias de classes populares. In: EnANPAD, Rio de Janeiro. DAMATTA, R. (1997). Carnavais, Malandros e Heróis. 6a Edição. Rio de Janeiro: Editora Rocco. FREIRE, P. (2011). Educação e mudança. Rio de Janeiro: Paz e Terra. HOLT, D. B. (1998). Does cultural capital structure American consumption? Journal of Consumer Research, 25. MATOSO, Cecília (2005). Identidade, inserção social e acesso a serviços financeiros: um estudo na favela da Rocinha. Tese (Doutorado em Administração) – Universidade Federal do Rio de Janeiro, Instituto COPPEAD de Administração. Rio de Janeiro. MCCRACKEN, Grant. (2003). Cultura e consumo: novas abordagens ao caráter simbólico dos bens e das atividades de consumo. Rio de Janeiro: MAUAD. NOGUEIRA, C & CUNHA P. (2009). Entre o topo e a base da pirâmide: quem são os brasileiros? FGV: Rio de Janeiro. OLIVEN, R. G. (1981) Chame o ladrão: as vítimas da violência no Brasil. In: BOSCHI, R. R. (Org.). Violência e cidade . Rio de Janeiro: J. Zahar, 21-28. ORLIKOWSKI, W. & BAROUDI, J. (1991). Studying information technology in organizations: research approaches and assumptions. Information Systems Research, 2 (1), 1-28. ROCHA, E. (2009). Invisibilidade e revelação: camadas populares, cultura e práticas de consumo - apresentação. In: ROCHA, A; SILVA, J. (Orgs). Consumo na base da pirâmide: estudos brasileiros. Rio de Janeiro: Mauad X. ROCHA, A & SILVA, J. F. (2008). Inclusão social e marketing na base da pirâmide: uma agenda de pesquisa. RAE Eletrônica. SILVA, F. B.; ARAUJO, H. E. & SOUZA, A. L. (2007). Gasto e consumo das famílias brasileira contemporâneas. Brasília: Ipea, 2, 105-142.

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