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i PAULO JOSÉ WHITAKER WOLF Os Estados de Bem-Estar Social da Europa Ocidental: tipologias, fundamentos e evidências CAMPINAS 2015

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PAULO JOSÉ WHITAKER WOLF

Os Estados de Bem-Estar Social da Europa Ocidental:

tipologias, fundamentos e evidências

CAMPINAS

2015

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS

INSTITUTO DE ECONOMIA

PAULO JOSÉ WHITAKER WOLF

Os Estados de Bem-Estar Social da Europa Ocidental:

tipologias, fundamentos e evidências

Prof. Dr. GIULIANO CONTENTO DE OLIVEIRA – Orientador

Profª. Drª. SIMONE SILVA DE DEOS – Coorientadora

Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Ciências Econômicas, do Institu-

to de Economia da Universidade Estadual de Campinas para obtenção do título de Mestre em Ciências

Econômicas.

ESTE EXEMPLAR CORRESPONDE À VERSÃO FINAL

DA DISSERTAÇÃO DEFENDIDA PELO ALUNO PAULO

JOSÉ WHITAKER WOLF E ORIENTADO PELO PROF.

DR. GIULIANO CONTENTO DE OLIVEIRA E COORI-

ENTADO PELA PROFª. DRª. SIMONE SILVA DE DEOS.

CAMPINAS

2015

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DISSERTAÇÃO DE MESTRADO

PAULO JOSÉ WHITAKER WOLF

Os Estados de Bem-Estar Social da Europa Ocidental:

tipologias, fundamentos e evidências.

Defendida em 26/02/2015

COMISSÃO JULGADORA

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Dedico este trabalho aos meus avós, Plínio e Terezinha,

e Paulo (in memoriam) e Elfrida (in memoriam).

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AGRADECIMENTOS

Ao encerrar esta Dissertação de Mestrado, agradeço a Deus a possibilidade de completar

esta corrida. Durante todo o seu percurso, pude contar com auxílios imprescindíveis. Expresso

aqui, portanto, o meu profundo agradecimento às pessoas que, ao seu modo, e por seus inúmeros

dons, transformaram o desafiador processo de concepção, desenvolvimento e conclusão de um

trabalho dessa natureza em uma experiência de vida de valor inestimável.

Em primeiro lugar, ao Professor Giuliano Contento de Oliveira, tão estimados mestre e

amigo, minha admiração e minha gratidão. Desde o início de nossa convivência, Giuliano exerce

um papel-chave nas várias dimensões de minha formação humana, transformando todos os mo-

mentos, acadêmicos ou não, em oportunidades únicas para a transmissão de lições e, consequen-

temente, de aprendizado e de crescimento. Por meio do seu exemplo concreto e do seu apoio

constante, Giuliano ajuda-me a desenvolver minhas capacidades e a superar minhas limitações

nos diferentes âmbitos da vida. Em verdade, a construção desta dissertação é mais um resultado

destes processos.

Agradeço de forma especial também à Professora Simone Silva de Deos, que nos acom-

panhou desde o início dessa jornada, pelas discussões sempre tão profícuas; ao Professor José

Carlos de Souza Braga, pelas enriquecedoras contribuições nos momentos decisivos deste pro-

cesso; e ao Professor Geraldo Di Giovanni, por partilhar conosco os mapas deste mundo fasci-

nante no qual resolvemos adentrar a partir deste trabalho.

Registro ainda o meu agradecimento aos Professores com os quais pude aprender ao lon-

go de minha trajetória no Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas, desde o

início do curso de graduação até o final desta primeira etapa do curso de pós-gradua-ção. E aos

amigos que ali encontrei e que contribuem para torná-lo um espaço tão importante para mim.

Agradeço, ainda, aos funcionários desta instituição. Em particular, aos membros da Secre-

taria da Pós-Graduação, dentre eles, Andréa, Vânia e Fátima, pelo cuidado e gentileza; aos funci-

onários da biblioteca, pela atenção, não apenas neste período, mas sempre; e à Sra. Maria do

Carmo Oliveira, da biblioteca do Núcleo de Estudos de Políticas Públicas, pela solicitude, sem a

qual tudo teria sido, certamente, mais difícil.

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No âmbito familiar, registro o meu profundo agradecimento aos meus pais, que, de muitos

e muitos modos, constroem, com esmero, todos os dias, os fundamentos que me sustentam.

Agradeço a sua paciência e o seu apoio incondicional ao longo de toda a vida, apenas duas das

inúmeras expressões do seu amor, sem o qual nada seria possível. Agradeço também ao meu ir-

mão, pela alegria; aos meus tios e primos, pelo incentivo e pelos momentos de descanso; e, de

forma especial, aos meus avós, aqui e lá, a quem dedico este trabalho, por serem eternamente

para mim expressão de tudo o que é bom e mais bonito.

Ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico, agradeço, por fim,

o apoio financeiro durante o período de construção desta dissertação.

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The basis of the home is togetherness and common feeling. The good house

does not consider anyone either as privileged or unappreciated; it knows no

special favorites or stepchildren. There no one looks down upon anyone else,

there no one tries to gain advantage at another’s expense, and the stronger

do not suppress and plunder the weaker. In the good home, equality, consid-

eration, cooperation and helpfulness prevail. Applied to the great people’s

and citizen’s home this would mean the breaking down of all the social and

economic barriers that now divide citizens into the privileged and the unfor-

tunate, the rulers and subjects.

Per Albin Hansson, primeiro-ministro sueco,

sobre o Folkhemmet, isto é, o “lar do povo”.

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RESUMO

Esta dissertação tem o objetivo de analisar a natureza dos Estados de Bem-Estar Social, as dife-

renças existentes entre esses arranjos no caso da Europa Ocidental, bem como as causas e conse-

quências mais gerais dessas diferenças. Os Estados de Bem-Estar Social devem ser entendidos

como uma dentre as formas possíveis de sistemas de proteção social e que se caracteriza pelo fato

de que o Estado assume um papel mais contundente no atendimento das necessidades individuais

fundamentais relativamente às demais formas de provisão, como o mercado e a família. Esses

arranjos se diferenciam em função do perfil das políticas públicas, em geral, e das políticas eco-

nômica e social, em particular, sendo determinados pelo processo de interação entre atores com

distintos interesses e com diferentes capacidades de impor esses interesses sobre os demais em

determinadas circunstâncias históricas. Tendo-se em vista as características comuns às diferentes

experiências nacionais, é possível identificar quatro modelos de Estado de Bem-Estar Social na

Europa Ocidental, quais sejam, os modelos anglo-saxão, continental, escandinavo e mediterrâneo.

Esses modelos apresentam diferentes graus de sofisticação, em função do comprometimento do

Estado em assegurar a todos a possibilidade de contribuir e partilhar da riqueza social. Essas dife-

renças, por sua vez, refletem os interesses dos atores mais poderosos em cada modelo, os quais

possuem uma determinada percepção a respeito das consequências prováveis da intervenção do

Estado, ou, mais especificamente, sobre os seus benefícios e os seus custos. Nesse caso, arranjos

mais sofisticados tendem a ser mais factíveis e resilientes em sociedades menos heterogêneas. De

fato, uma vez que, nesses casos, os benefícios e custos desses arranjos se distribuem de forma

menos assimétrica entre os diferentes grupos sociais, muitos deles possuem razões para conside-

rá-los vantajosos, de modo que mudanças na estrutura de poder tendem a ocasionar, quando for o

caso, ajustes apenas residuais em suas políticas. A análise de dados e indicadores selecionados

realizada neste trabalho ratifica a existência de diferentes modelos de Estado de Bem-Estar Social

na Europa Ocidental, o que se reflete nas condições de vida prevalecentes em cada um deles.

Aqueles países cujas políticas públicas são caracterizadas por uma política social preventiva e,

também por isso, produtiva, bem como por uma maior articulação com a política econômica, li-

vre para atuar de acordo com as circunstâncias, estão mais preparados que os demais para assegu-

rar os direitos de cidadania diante dos desafios impostos pelo capitalismo contemporâneo.

Palavras-chave: Sistema de proteção social; Estado de Bem-Estar Social; Políticas Públicas;

Europa Ocidental; Tipologias.

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ABSTRACT

The aim of this master thesis is to analyze the nature of the welfare states, the differences that

exist between these arrangements in the case of Western Europe, as well as the general causes

and consequences of these differences. The welfare states should be understood as one of several

possible forms of social protection systems and that is characterized by the fact that state assumes

an important role in meeting individual fundamental needs compared to other forms of welfare

provision, such as the market and the family. These arrangements differ according to the form of

public policies, and, more specifically, of economic and social policies, which is determined by

the process of interaction between actors with distinct interests and different capabilities to im-

pose these interests over the others under certain historical circumstances. Considering the char-

acteristics which are shared by different national experiences, it is possible to identify four wel-

fare state models in Western Europe, namely, the Anglo-Saxon, the Continental, the Scandinavi-

an and the Mediterranean models. These models have varied degrees of sophistication, which

depends on the state commitment to assure every citizen the opportunity to contribute to and to

share of social wealth. These differences, in turn, reflect the interests of the most powerful actors

in each model, which have its own perceptions about the expected consequences of state inter-

vention, or, in other words, about its benefits and costs. In this case, more sophisticated arrange-

ments are more likely to be developed and to be maintained in less heterogeneous societies. In

fact, once in such cases benefits and costs are less unevenly distributed among different social

groups, the majority of them will have its own reasons to consider these arrangements advanta-

geous, so that changes in the structure of power would only lead to residual changes in its poli-

cies. The analysis of selected data and indicators considered in this thesis confirms the existence

of different welfare state models in Western Europe which is reflected in the prevailing living

conditions in each of them. Those countries whose public policies are characterized by a preven-

tive, and because of that, productive social policy, as well as by greater coordination with eco-

nomic policy, which is free to act according to each circumstance, are better prepared than others

to assure the rights of citizenship in face of the challenges posed by contemporary capitalism.

Key-words: social protection systems; welfare state; Public Policies; Western Europe; Typolo-

gies.

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LISTA DE TABELAS

Tabela 1: Gasto social (% do PIB) ............................................................................................... 179

Tabela 2: Composição dos incentivos fiscais do Estado ao setor privado (% do PIB) ................ 182

Tabela 3: Financiamento do gasto social público (% do total)..................................................... 183

Tabela 4: Impostos e contribuições (% do PIB) ........................................................................... 184

Tabela 5: Tipos de benefícios (% do PIB) .................................................................................... 185

Tabela 6: Benefícios sujeitos a teste de meios (% do total) ......................................................... 185

Tabela 7: Composição do gasto social público (% do PIB) ......................................................... 187

Tabela 8: Recomposição dos rendimentos perdidos (% dos rendimentos médios) ...................... 191

Tabela 9: Composição do financiamento dos serviços de saúde (% do total) .............................. 196

Tabela 10: População que possui plano de saúde privado (% do total) ....................................... 197

Tabela 11: Mortalidade infantil (por 1000) e expectativa de vida (anos) .................................... 198

Tabela 12: Taxa de dependência (%) ........................................................................................... 199

Tabela 13: Gasto em instituições de ensino (% do PIB) .............................................................. 202

Tabela 14: Matrículas em instituições de ensino públicas (% do total) ....................................... 203

Tabela 15: Crianças em idade pré-escolar em instituições formais de ensino (% do total) ......... 204

Tabela 16: Auxílio financeiro estudantil (% do gasto público em ensino superior) .................... 205

Tabela 17: Nível de ensino da população entre 15 e 64 anos (% do total) ................................... 206

Tabela 18: Taxa de desemprego (%) e taxa de emprego (%) ....................................................... 207

Tabela 19: Emprego em tempo parcial e temporário (% do total) ............................................... 210

Tabela 20: Crescimento do PIB (%) e PIB per capita (US$) ....................................................... 211

Tabela 21: Índice de Gini ............................................................................................................. 214

Tabela 22: Taxa de sindicalização (%) ......................................................................................... 215

Tabela 23: Taxa de pobreza (%) ................................................................................................... 216

Tabela 24: Gasto social público em relação ao gasto total (%) .................................................... 219

Tabela 25: Déficit público e dívida pública (% do PIB) .............................................................. 220

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LISTA DE FIGURAS E GRÁFICOS

Figura 1: Formas de provisão de bem-estar social ......................................................................... 20

Gráfico 1: Gasto social público em benefícios familiares e taxa de fertilidade ........................... 194

Gráfico 2: Produtividade (US$) e gasto social público (US$ per capita) ..................................... 212

Gráfico 3: Emprego feminino (%) e miséria e pobreza infantil (%) ............................................ 218

Figura A.1 (Apêndice A): Tipologias usuais: regimes, formas e sistemas de governo .................. 65

Figura C.1 (Apêndice C): Modelos de Estado de Bem-Estar Social ............................................ 173

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LISTA DE QUADROS

Quadro A.1 (Apêndice A): Configurações de regimes de governo democráticos ......................... 66

Quadro B.1 (Apêndice B): As ideias e os Estados de Bem-Estar Social ..................................... 108

Quadro C.1 (Apêndice C): Modelos de Estado de Bem-Estar Social .......................................... 174

Quadro D.1 (Apêndice D): Características dos modelos de Estado de Bem-Estar Social ........... 175

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO .......................................................................................................................... 1

2 ESTADOS DE BEM-ESTAR SOCIAL E POLÍTICAS PÚBLICAS .................................... 7

2.1 O Estado de Bem-Estar Social ................................................................................................ 7

2.1.1 Os Estados de Bem-Estar Social e os sistemas de proteção social .................................. 7

2.1.2 A noção de cidadania ..................................................................................................... 14

2.2 As políticas públicas ............................................................................................................. 27

2.2.1 Noções fundamentais ..................................................................................................... 28

2.2.2 O poder ........................................................................................................................... 32

2.2.3 Teorias sobre os determinantes da ação do Estado ........................................................ 38

2.2.3.1 O marxismo .......................................................................................................... 39

2.2.3.2 O pluralismo ......................................................................................................... 47

2.2.3.3 O corporativismo/neocorporativismo................................................................... 51

2.2.3.4 O institucionalismo/neoinstitucionalismo ............................................................ 56

2.2.3.5 As abordagens cognitivas ou normativas ............................................................. 61

Apêndice A .................................................................................................................................... 65

3 ESTADOS DE BEM-ESTAR SOCIAL: FUNDAMENTOS E DEBATE ........................... 67

3.1 Argumentos contrários aos Estados de Bem-Estar Social .................................................... 68

3.1.1 Os Estados de Bem-Estar Social segundo a visão convencional ................................... 68

3.1.2 Políticas econômica e social segundo a visão convencional .......................................... 73

3.1.2.1 Política econômica segundo a visão convencional ................................................ 78

3.1.2.2 Política social segundo a visão convencional ......................................................... 81

3.2 Argumentos favoráveis aos Estados de Bem-Estar Social ................................................... 86

3.2.1 Os Estados de Bem-Estar Social segundo a visão não-convencional ........................... 86

3.2.2 Políticas econômica e social segundo a visão não-convencionaal ................................. 93

3.2.2.1 Política econômica segundo a visão não-convencional ......................................... 95

3.2.2.2 Política social segundo a visão não-convencional ................................................ 100

Apêndice B ................................................................................................................................ 108

4 OS ESTADOS DE BEM-ESTAR SOCIAL DA EUROPA OCIDENTAL: TIPOLOGIAS

E RAÍZES .................................................................................................................................... 109

4.1 Os Estados de Bem-Estar Social da Europa Ocidental ....................................................... 110

4.2 Os quatro modelos de Estados de Bem-Estar Social da Europa Ocidental ........................ 118

4.2.1 O modelo Anglo-Saxão ou Liberal ............................................................................... 118

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4.2.2 O modelo Continental ou Conservador-Corporativo .................................................... 127

4.2.3 O modelo Escandinavo ou Socialdemocrata ................................................................. 139

4.2.4 O modelo Mediterrâneo ................................................................................................ 152

4.3 As raízes dos modelos de Estado de Bem-Estar Social da Europa Ocidental .................... 163

Apêndice C ................................................................................................................................ 173

Apêndice D ............................................................................................................................... 174

5 ESTADOS DE BEM-ESTAR SOCIAL: EVIDÊNCIAS A PARTIR DA EXPERIÊNCIA

DOS PAÍSES DA EUROPA OCIDENTAL E PRINCIPAIS DESAFIOS ............................ 177

5.1 Gasto social nos países da Europa Ocidental ...................................................................... 178

5.1.1 Gasto social público e gasto social privado .................................................................. 178

5.1.2 Composição do gasto social público ............................................................................. 184

5.1.3 Gasto público com serviços de educação ...................................................................... 201

5.2 Outros efeitos dos sistemas de proteção social da Europa Ocidental ................................. 206

5.2.1 Emprego, produto e renda ............................................................................................. 207

5.2.2 Contas públicas ............................................................................................................. 219

5.3 Algumas das principais pressões atuais sobre os modelos de Estado de Bem-Estar Social da

Europa Ocidental ...................................................................................................................... 221

6 CONCLUSÃO ......................................................................................................................... 229

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ..................................................................................... 239

ANEXO A Os Estados de Bem-Estar Social da Europa Ocidental: indicadores selecionados

...................................................................................................................................................... 261

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1 INTRODUÇÃO

Ao discutir as origens de nossa época, Polanyi (1944) mostrou o efeito que o capitalismo

é capaz de exercer sobre os indivíduos e a sua natureza humana. Deixado à sua própria sorte, esse

sistema ameaça triturá-los como um “moinho”, destituindo-lhes de sua identidade e transforman-

do-os em meras engrenagens de um sistema movido pela lógica da acumulação de riqueza a

qualquer custo. Lança-os em uma era de insegurança em que eles não possuem o poder de influ-

enciar as condições da própria existência. Nesse caso, é natural que a sociedade crie mecanismos

para se proteger contra aquilo que pode levar à sua destruição.

Polanyi (1944) concebia a economia como o resultado do processo de interação entre os

homens e os ambientes social e natural em que eles estão inseridos, e que assegura a eles os mei-

os materiais para o atendimento de suas necessidades. Isso significa que ela deve estar a serviço

dos homens. Mas o capitalismo subverte essa lógica e coloca os homens a serviço da economia,

que passa a ser orientada para a reprodução incessante do processo de transformação do dinheiro

em mais dinheiro em escala ampliada. Nesse caso, alguma forma de intervenção sobre o sistema

deve existir para contrarrestar o processo de reificação dos homens e das relações que se estabe-

lecem entre eles, o qual é inerente ao mercado autorregulado.

Nessa perspectiva, os Estados de Bem-Estar Social devem ser entendidos como um dentre

esses possíveis mecanismos de autoproteção da sociedade, construídos ao longo da história com o

propósito de reduzir ou mesmo eliminar os efeitos potencial e efetivamente deletérios do capita-

lismo. Entrementes, o objetivo desta dissertação consiste em analisar o sentido desses arranjos, as

diferenças existentes entre eles, bem como as causas e consequências mais gerais dessas diferen-

ças. Desde logo, deve-se registrar que esta dissertação constitui a primeira etapa de um esforço

mais amplo orientado para a análise dos Estados de Bem-Estar Social em meio aos desafios im-

postos pelo capitalismo contemporâneo. Enquanto, neste momento, considerou-se discutir as ca-

racterísticas mais importantes desse fenômeno nesse contexto, na etapa seguinte, a ser desenvol-

vida durante a tese de doutoramento, buscar-se-á considerar os efeitos da crise global, em geral, e

da crise europeia mais recente, em particular, sobre esses arranjos e sobre a sua capacidade de

assegurar a proteção da dignidade humana, notadamente a partir de 2008.

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Nesse contexto, este trabalho está divido em duas partes. Na primeira parte, de caráter teó-

rico-conceitual, e composta por dois capítulos, são apresentados os fundamentos dos Estados de

Bem-Estar Social. Já na segunda parte, de caráter aplicado e composta por outros dois capítulos,

são apresentadas as diferenças existentes entre esses arranjos, bem como o impacto dessas dife-

renças sobre as condições de vida prevalecentes em cada sociedade, considerando-se a realidade

da Europa Ocidental. Isso será feito por meio de uma análise institucional e empírico-quantitativa

conduzida à luz da análise teórico-conceitual realizada anteriormente.

Dessa forma, a primeira parte do trabalho inicia-se com a discussão sobre o significado

dos Estados de Bem-Estar Social. Mostra-se que eles devem ser entendidos como uma dentre as

formas possíveis de sistemas de proteção social e que são caracterizados pelo fato de que o Esta-

do assume um papel mais contundente no atendimento das necessidades individuais fundamentais

relativamente às demais formas de provisão, como o mercado e a família. Isso quer dizer que

esses arranjos são indissociáveis da noção de cidadania, que, por sua vez, contrasta com as no-

ções de contrato e de caridade.

Defende-se, então, que a forma desses arranjos e o seu efeito sobre as condições de vida

prevalecentes em cada sociedade dependem do perfil das políticas públicas, em geral, e das polí-

ticas econômica e social, em particular, uma vez que ambas reúnem os principais instrumentos

que afetam as condições materiais por meio das quais os indivíduos podem atender as suas neces-

sidades fundamentais, sendo que ambas devem ser concebidas como sendo indissociáveis, porque

inextricavelmente relacionadas entre si. Nesse caso, discute-se o que são essas políticas públicas

e o que determina o seu perfil. Mostra-se que elas podem ser entendidas como a forma por meio

da qual o Estado é capaz de intervir sobre a realidade com o intuito de preservá-la ou modificá-la

em determinado sentido e que o seu perfil é o resultado do processo de interação entre atores com

distintos interesses e com diferentes capacidades de impor esses interesses sobre os demais.

Em verdade, a percepção de que o perfil das políticas públicas é o resultado de processos

políticos envolvendo interesses e poder é compartilhada por outras interpretações a respeito dos

determinantes da ação do Estado. Dentre estas interpretações, serão consideradas neste trabalho a

abordagem marxista, que enfatiza as relações entre classes sociais no âmbito de determinado mo-

do de produção, bem como a abordagem pluralista, que destaca a competição entre os grupos de

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interesse, e a abordagem neocorporativista, que enfatiza a negociação entre as associações corpo-

rativas.

Argumenta-se também que os resultados desses processos políticos são, inevitavelmente,

afetados pelas circunstâncias históricas em que eles se desenvolvem ou, mais especificamente,

pelo conjunto de eventos econômicos, sociais e políticos em curso em determinado momento,

bem como pelo conjunto de normas e regras que orientam a vida social. Isso porque ambos são

capazes de afetar os interesses e o poder dos diferentes atores em interação. Essa discussão será

introduzida por meio da apresentação da abordagem neoinstitucionalista, em geral, e do neoinsti-

tucionalismo histórico, em particular.

Por fim, ressalta-se que as ideias também podem exercer um papel importante nesse pro-

cesso. Isso porque os atores em interação fundamentam a sua ação em uma determinada percep-

ção a respeito da realidade ou, ainda, em uma determinada interpretação do mundo em que eles

estão inseridos. Algumas vezes, essas ideias são assimiladas de forma espontânea pelos atores;

outras vezes, no entanto, elas são impostas a eles, mesmo sem que eles percebam isso. Em última

instância, é isso o que sugerem as abordagens cognitivas e normativas.

Tendo em vista a importância da ideologia nos processos políticos que determinam o per-

fil das políticas públicas e, consequentemente, o perfil dos Estados de Bem-Estar Social, em se-

guida são discutidas as ideias que fundamentam as ações daqueles que defendem ou não a perti-

nência desses arranjos. Em ambos os casos, é apresentada inicialmente a concepção prevalecente

a respeito do modo de organização da vida social, suas potencialidades e limitações, sobretudo no

que se refere à sua capacidade de assegurar a todos a possibilidade de atender as suas necessida-

des fundamentais. Em seguida, essas visões são apresentadas a partir de uma perspectiva macroe-

conômica, atribuindo-se particular ênfase à concepção prevalecente a respeito do papel do Esta-

do, em geral, e dos papéis das políticas econômica e social, em particular.

Nesse âmbito, argumenta-se que os Estados de Bem-Estar Social pressupõem o entendi-

mento de que a busca do interesse individual não necessariamente levará ao interesse social, so-

bretudo em um contexto marcado pelo desejo de acumular riqueza em sua forma mais geral e

abstrata diante da incerteza radical a respeito do futuro incognoscível. Nesse caso, o Estado deve

intervir nos processos de produção e distribuição da riqueza tendo em vista assegurar aos indiví-

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duos condições de vida consideradas adequadas de acordo com os padrões que prevalecem em

cada sociedade em determinado momento. Por meio da articulação entre a política econômica e a

política social, o Estado é capaz de assegurar a todos a possibilidade de contribuir para o esforço

comum e partilhar de seus frutos.

Uma vez considerados os fundamentos teóricos dos Estados de Bem-Estar Social, a se-

gunda parte do trabalho inicia-se com a discussão sobre as diferentes formas que esses arranjos

assumiram na Europa Ocidental a partir da utilização de tipos-ideais, ou seja, de modelos repre-

sentativos da realidade construídos a partir da identificação de características comuns às diferen-

tes experiências nacionais. Tendo-se em vista os trabalhos de Esping-Andersen (1990) e Ferrera

(1996), considera-se a existência de quatro modelos de Estado de Bem-Estar Social na Europa

Ocidental, quais sejam: i) o modelo anglo-saxão; ii) o modelo continental; iii) o modelo escandi-

navo; e iv) o modelo mediterrâneo. Ao longo do capítulo, são apresentadas as características dis-

tintivas de cada um desses modelos no que se refere ao perfil de suas políticas públicas. Demons-

tra-se que alguns desses modelos são mais sofisticados do que outros, em função da importância

assumida pelo Estado enquanto mecanismo de provisão do bem-estar social.

Em verdade, existem diferentes interpretações a respeito das diferenças existentes entre os

modelos de Estados de Bem-Estar Social da Europa Ocidental. Enquanto algumas dessas inter-

pretações enfatizam a importância do grau de desenvolvimento das forças produtivas para o sur-

gimento de arranjos mais sofisticados, outras consideram como sendo determinante para esse

processo o papel das relações entre classes ou, ainda, entre grupos que estão expostos aos mes-

mos riscos e que possuem a mesma capacidade de lidar com eles por seus próprios meios.

Uma vez consideradas essas interpretações e tendo-se em vista as discussões realizadas

nos capítulos precedentes, argumenta-se que as diferenças existentes entre os arranjos dos países

europeus devem-se às características dos processos políticos em cada um deles. Em outras pala-

vras, eles refletem as ideias e os interesses dos atores mais poderosos em cada sociedade sob de-

terminadas circunstâncias históricas. Defende-se que as posições desses atores dependem da for-

ma como eles percebem as consequências prováveis da intervenção do Estado. Nesse caso, arran-

jos mais sofisticados tendem a ser mais prováveis e mais resilientes em sociedades menos hetero-

gêneas, uma vez que os benefícios e custos desses arranjos se distribuiriam de forma menos as-

simétrica entre os diferentes grupos sociais. Assim, todos eles possuem razões para considerá-los

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vantajosos, de modo que mudanças na estrutura de poder implicarão alterações apenas superfici-

ais em suas políticas.

Finalmente, no último capítulo, demonstra-se como essas diferenças se manifestam na

prática, por meio da análise da magnitude e da composição do gasto social, em geral, e do gasto

social público, em particular. Também são demonstradas as diferenças existentes entre esses mo-

delos no que se refere às condições de vida prevalecentes em cada um deles, a partir de variáveis

selecionadas. No que se refere ao cálculo dos indicadores para cada modelo, foram considerados

os países da Europa Ocidental que hoje compõem a União Europeia. Sempre que possível, foram

consideradas, nesse processo, as três décadas anteriores a 2008, ou seja, 1980-89, 1990-99 e

2000-07. Como visto, o período posterior, que compreende a crise global e, mais especificamen-

te, a crise europeia a partir de 2008, será objeto de análise da segunda etapa do trabalho do qual

essa dissertação constitui uma parte.

As evidências apresentadas no capítulo ratificam a existência de diferentes modelos de

Estado de Bem-Estar Social na Europa Ocidental, sendo que alguns são mais sofisticados que

outros em função do perfil das políticas econômica e social que os caracterizam. Isso se reflete no

fato de que alguns países estão mais preparados do que outros para garantir a proteção dos indi-

víduos diante dos desafios impostos pelo capitalismo, tanto no que diz respeito à sua própria ló-

gica de funcionamento, fundada na valorização e acumulação permanente da riqueza sob a forma

monetária, como no que tange ao conjunto de transformações estruturais, tais como a progressiva

integração produtiva, financeira e cultural, assim como as mudanças nas estruturas produtiva e

ocupacional, ou, ainda, nas estruturas demográfica e familiar, às quais todos eles estão submeti-

dos em maior ou menor grau.

Assim sendo, a experiência dos países europeus indica que a manutenção dos Estados de

Bem-Estar Social e de sua capacidade de cumprir o seu papel enquanto guardiões dos direitos de

cidadania pressupõem uma articulação virtuosa entre as políticas econômica e social, uma vez

que isso pode contribuir consideravelmente para evitar a miséria e a pobreza, o desemprego e o

subemprego, ou, ainda, as pronunciadas desigualdades sociais. Ela explicita, em última instância,

a necessidade da intervenção da sociedade nos processos impessoais e automáticos que não pos-

suem qualquer compromisso com as condições de vida dos indivíduos no capitalismo. Eis a es-

sência dos Estados de Bem-Estar Social, que hoje se encontra ameaçada.

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2 ESTADOS DE BEM-ESTAR SOCIAL E POLÍTICAS PÚBLICAS

O objetivo deste capítulo é analisar a natureza dos Estados de Bem-Estar Social, entendi-

dos como uma dentre as várias formas possíveis de sistemas de proteção social. Nesse contexto,

procura-se demonstrar que eles se distinguem dos demais arranjos construídos pelas diferentes

sociedades para assegurar a sua preservação no sentido de que o Estado assume, como uma de

suas funções legítimas, a responsabilidade por assegurar aos indivíduos a possibilidade de viver

uma vida em bases satisfatórias, a qual é entendida como um direito decorrente da sua condição

de membros plenos de uma comunidade de iguais, ou seja, como um direito de cidadania.

Tendo-se em vista o pressuposto de que a forma desses arranjos e, consequentemente, o

seu efeito sobre as condições de vida prevalecentes em uma sociedade, estão intimamente relaci-

onadas ao perfil das políticas públicas, procura-se analisar as suas especificidades, bem como os

seus principais determinantes, a partir de elementos extraídos de um conjunto de interpretações a

respeito dos condicionantes da ação do Estado, quais sejam, as abordagens marxista, pluralista,

neocorporativista, cognitivas e normativas e neoinstitucionalista.

2.1 O Estado de Bem-Estar Social

Nesta seção, busca-se explicitar o que se entende por sistemas de proteção social e em que

sentido os Estados de Bem-Estar Social podem ser considerados uma forma específica desse tipo

de arranjo. Procura-se demonstrar que eles se caracterizam por um papel mais contundente do

Estado e, portanto, da autoridade, relativamente ao mercado e à família e, assim, à troca e à tradi-

ção, na provisão do bem-estar social. Isso pressupõe a preponderância da noção de direitos sobre

as noções do contrato e da caridade no que se refere à proteção da dignidade humana.

2.1.1 Os Estados de Bem-Estar Social e os sistemas de proteção social

O termo “Estado de Bem-Estar Social” assumiu diferentes significados, tanto para os seus

defensores como para os seus opositores onde e quando quer que ele tenha surgido e se desenvol-

vido. Em comum entre eles, há o entendimento de que o Estado passou a transcender as funções

que por muito tempo lhe foram atribuídas, isto é, ele se tornou muito mais do que o que Lassalle

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outrora denominou um Nachtwächterstaat, vale dizer, um “Estado guardião noturno”1. Não pode-

ria ser diferente, pois o Estado de Bem-Estar Social é, em última instância, a reação de socieda-

des que em algum momento não apenas conheceram, mas também reconheceram, os efeitos eco-

nomicamente deploráveis, socialmente perversos e politicamente devastadores do capitalismo

quando deixado livre para operar de acordo com a sua própria lógica.

Embora tenha assumido diferentes formas, tanto no tempo como no espaço, o Estado de

Bem-Estar Social pode ser entendido como aquele que intervém nos processos de produção e

distribuição da riqueza, por meio da articulação entre a política econômica e a política social,

tendo em vista assegurar aos cidadãos condições de vida consideradas adequadas de acordo com

os padrões que prevalecem em cada momento. Esses arranjos pressupõem, portanto, três noções

fundamentais, a saber: primeiro, o bem-estar é um direito dos cidadãos (a noção de cidadania);

segundo, esse direito não pode ser assegurado em um contexto em que prevalece o livre funcio-

namento das forças de mercado, de modo que é necessária a intervenção do Estado, por meio de

políticas públicas (a noção de imprescindibilidade do Estado); e, terceiro, porque atuam sobre

uma mesma realidade, ainda que de formas diferentes, a política econômica e a política social

devem operar de forma coordenada, a fim de se reforçarem mutuamente (a noção de indissociabi-

lidade entre o econômico e o social).

Nesse caso, procura-se avançar aqui em relação a duas das principais limitações das defi-

nições clássicas sobre o Estado de Bem-Estar Social. Em primeiro lugar, procura-se enfatizar

tanto a produção como a distribuição da riqueza, como condição necessária ao bem-estar social.

A “mão visível” do Estado deve influenciar ambos os processos, uma vez que a “mão invisível”

do mercado é incapaz de assegurar que eles levem ao melhor resultado para a sociedade, em ge-

ral, e para cada um de seus membros, em particular. Além disso, ambos estão intimamente relaci-

onados entre si. Não apenas o processo de produção pode condicionar a distribuição da riqueza

como o contrário também é verdadeiro, ou seja, o processo de distribuição pode condicionar a

produção dessa riqueza. Em segundo lugar, procura-se enfatizar também o papel da política eco-

nômica, e não apenas o papel da política social, como instrumentos para promover o bem-estar

1 Ferdinand Lassale, um dos representantes do movimento socialista alemão, questionou, durante um discurso em

Berlim, em 1862, um Estado cuja função parecia restringir-se a evitar o roubo. A expressão logo tornou-se sinônimo

do “Estado mínimo” e, assim, motivo de controvérsia para os defensores e opositores do laissez-faire (Von Mises,

1953).

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social. Ambas são capazes de influenciar o funcionamento das engrenagens que movem a vida

coletiva. Nesse caso, os seus efeitos podem ser reforçados, se atuarem no mesmo sentido, de for-

ma coordenada, ou enfraquecidos, se atuarem em sentidos diferentes, de forma descoordenada2.

Desde logo, cumpre registrar que os Estados de Bem-Estar Social constituem um fenôme-

no exclusivo do capitalismo enquanto modo de organização da vida social. Isso não é surpreen-

dente. Movido pelo “amor ao dinheiro”, ou seja, pelo desejo incessante de acumular riqueza em

sua forma mais geral e abstrata, o capitalismo não possui qualquer compromisso com a emanci-

pação dos homens. Ao contrário, aprisiona-os e submete-os a processos imprevisíveis como uma

força que lhes é, ao mesmo tempo, estranha e irresistível. Transforma os indivíduos em proprietá-

rios de mercadorias e as relações entre eles, em relações entre proprietários de mercadorias. Nes-

se caso, alguma forma de intervenção sobre a realidade é necessária para direcionar suas forças

para fins que sejam relevantes não apenas do ponto de vista individual, mas também do ponto de

vista social. Em última instância, o objetivo desses arranjos é submeter o capitalismo ao controle

da sociedade, invertendo, portanto, os papeis de subordinadores e subordinados. Efetivamente,

isso implica enfrentar as diferentes formas de insegurança que impedem que os homens sejam

verdadeiramente livres, restituindo-lhes a identidade e assegurando-lhes a autonomia para decidir

sobre o seu próprio destino. De fato, tal como sugere Belluzzo (2004, p.178):

Em essência, as práticas do Estado intervencionista e de bem-estar buscaram, por meio

da aplicação política de critérios diretamente sociais, encontrar soluções para os proble-

mas da satisfação das necessidades humanas e da vida decente para a maioria, negando,

assim, as condições de existência impostas aos cidadãos pela ratio do capital, cujo único

propósito é acrescentar o seu valor.

Com efeito, os Estados de Bem-Estar Social devem ser entendidos como uma dentre as

várias formas possíveis de “sistemas de proteção social”. Estes, por seu turno, devem ser entendi-

dos como arranjos por meio dos quais as diferentes sociedades buscam assegurar a proteção de

seus membros contra as circunstâncias que podem limitar a sua capacidade de atender as suas

necessidades fundamentais ao longo da vida. Na prática, isso significa assegurar a proteção con-

tra aquilo que pode impedir, primeiro, a sua capacidade de auferir renda e, depois, de converter

essa renda em bens e serviços essenciais (Draibe, 2013a, 2013b). Nesse contexto, as várias for-

mas que o Estado de Bem-Estar Social assumiu na história possuem, como denominador comum,

2 Dentre as definições clássicas para o Estado de Bem-Estar Social destacam-se a de Marshall (1950, 1967), Briggs

(1961), Titmuss (1974), Wilensky (1975) e Esping-Andersen (1990).

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a incorporação, pelo Estado, da proteção dos membros da sociedade como uma de suas funções

legítimas, a ser exercida por meio de um conjunto de políticas concebidas e implementadas deli-

beradamente com esse propósito. Nos termos de Di Giovanni (1998, p.10):

(...) chamo de sistemas de proteção social as formas – às vezes mais, às vezes menos ins-

titucionalizadas – que as sociedades constituem para proteger parte ou o conjunto de

seus membros. Tais sistemas decorrem de certas vicissitudes da vida natural ou social,

tais como a velhice, a doença, o infortúnio e as privações. Incluo neste conceito também

as formas seletivas de distribuição e redistribuição de bens materiais (como a comida e o

dinheiro), quanto de bens culturais (como os saberes), que permitirão a sobrevivência e a

integração, sob várias formas, na vida social. Incluo, ainda, os princípios reguladores e

as normas que, com intuito de proteção, fazem parte da vida das coletividades.

Em verdade, não há uma sociedade humana, mesmo as menos complexas, que não tenha

desenvolvido alguma forma de sistema de proteção social. Nem poderia haver, é verdade. Disso

depende, afinal, a sua própria reprodução, ou ainda, a sua preservação, no tempo (Di Giovanni,

1998; Di Giovanni e Proni, 2006). Esses arranjos, entretanto, assumiram diferentes perfis na his-

tória. E isso se deve, em grande medida, às características dos processos políticos, isto é, da inte-

ração entre os diferentes atores sociais, cada um deles como uma determinada capacidade de im-

por as suas preferências sobre os demais, que se desenvolvem diante de determinadas circunstân-

cias históricas nas quais estão imersas cada uma dessas sociedades.

Grosso modo, tem-se que os sistemas de proteção social diferenciam-se uns em relação

aos outros em função da importância relativa da “tradição, da troca e da autoridade” no que se

refere à provisão do bem-estar social (Di Giovanni, 1998). Cada uma desses elementos representa

um mecanismo de atendimento das necessidades fundamentais dos membros da sociedade. No

caso da tradição, o atendimento dessas necessidades dá-se por meio da família e outras associa-

ções sociais, como a comunidade ou as igrejas, e se baseia, em última instância, na noção de “ca-

ridade”. Já no caso da troca, a provisão dá-se por meio do mercado e se baseia na noção de “con-

trato”. Finalmente, no caso da autoridade política, o atendimento dessas necessidades dá-se por

meio do Estado e se baseia na noção de “direito”. Não por outra razão, os Estados de Bem-Estar

Social, ao contrário das outras formas de sistemas de proteção social, em que ao invés da autori-

dade, prevalece a troca ou a tradição, é indissociável da noção de “cidadania”.

Deve-se observar, evidentemente, que as três formas de provisão social não são mutua-

mente excludentes. Ao contrário, elas podem coexistir – e normalmente coexistem –, ainda que

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uma possa prevalecer sobre as demais em determinadas circunstâncias. De fato, em cada socieda-

de, verifica-se que o papel do Estado entrelaça-se com o papel do mercado e da família de uma

determinada forma, em uma divisão de tarefas mais ou menos explícita no que se refere ao aten-

dimento das necessidades fundamentais dos indivíduos. Na prática, isso implica diferentes res-

ponsabilidades nesse âmbito para o setor público, bem como para o setor privado mercantil e para

o setor privado não mercantil (Di Giovanni, 1998).

Além disso, o desenvolvimento dos sistemas de proteção social não pressupõe um proces-

so evolutivo natural. De fato, não há uma série de etapas pelas quais deverão passar, necessaria-

mente, todas as sociedades em algum momento. Assim, algumas sociedades poderão construir

arranjos simples sem nunca chegar a construir arranjos mais sofisticados. Mais especificamente,

sociedades em que prevalece a tradição e a troca não necessariamente caminharão em direção a

uma situação em que passe a prevalecer a autoridade como mecanismo de provisão do bem-estar

social, ou seja, em que funções antes exercidas fundamentalmente pela família ou pelo mercado

sejam assumidas pelo Estado de forma mais contundente.

Por fim, não há uma relação causal inequívoca entre o grau de desenvolvimento das forças

produtivas em uma sociedade e o perfil de seus sistemas de proteção social, de modo que um

aumento desse grau de desenvolvimento não necessariamente será acompanhado por um aumento

do grau de sofisticação desses arranjos. Isso contribui para explicar porque sociedades afluentes

possuem sistemas de proteção social muito diferentes entre si e, consequentemente, apresentam

condições de vida bastante distintas, com graus variados de exclusão social, por exemplo.

É ainda interessante observar que os termos utilizados para designar os Estados de Bem-

Estar Social onde eles surgiram expressam as diferentes interpretações prevalecentes nas socie-

dades a respeito da responsabilidade do Estado pelo bem-estar de seus membros. Mais que isso,

eles fornecem pistas importantes sobre as especificidades desses arranjos em cada uma delas. Os

exemplos britânico, alemão e sueco são representativos.

No Reino Unido, o termo welfare state foi utilizado pela primeira vez pelo arcebispo de

York e, depois, de Canterbury, William Temple, ainda na década de 1930. Ele foi criado, portan-

to, no momento em que o mundo, em geral, e a Europa, em particular, assistia à ascensão do nazi-

fascismo e era utilizado para descrever um Estado que respeitava os direitos de seus cidadãos e

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dos cidadãos de outros países, em contraposição a um warfare state, o Estado que era hostil aos

direitos de seus cidadãos e aos dos de outros países. É bem verdade que o termo foi utilizado ori-

ginalmente para contrastar a experiência britânica às experiências alemã e italiana, por exemplo,

naquele momento. Entretanto, ele logo passou a ser associado às reformas, em termos de institui-

ções e políticas do Estado, que foram implementadas no Reino Unido a partir das diretrizes esta-

belecidas pelo famoso Relatório Beveridge, de 1942 (Titmuss, 1963; Petersen e Petersen, 2013).

De fato, a reorganização do sistema de proteção social britânico no pós-guerra a partir

desse documento fundamentou-se na transferência, para o setor público, de funções antes exerci-

das fundamentalmente pelo setor privado, mercantil e não mercantil, no que se refere à provisão

do bem-estar social. Na concepção de Sir William Beveridge, isso era necessário para que a soci-

edade britânica fosse capaz de enfrentar e, então, superar, os grandes males que ameaçavam a sua

coesão, notadamente, o escândalo da necessidade (want), da doença (disease), da ignorância (ig-

norance), da esqualidez (squalor) e da indolência (idleness) – os “cinco gigantes” (five giants) –

por meio da cooperação entre o Estado e a sociedade em meio à destruição, material e imaterial,

produzida pelo conflito (Beveridge, 1942). Segundo Purdy (2001, p.242), portanto:

To promote someone’s welfare is to establish or maintain conditions that enable them to

fare well. There are various senses in which this can be understood. Bearing in mind that

the word ‘fare’ derives from the Old English ‘faran’, meaning ‘to travel or make one’s

way’, and extending the metaphor of human life as a journey, we might distinguish: go-

ing in safety or security, without mishap or bad luck; arriving at some desired destina-

tion (i.e. attaining success according to some scale of values); fulfilling one’s initial po-

tential or developing one’s capabilities on the way; and becoming empowered or achiev-

ing control over the course of one’s life.

Já na Alemanha, o termo Wohlfahrtstaat, o equivalente germânico do termo anglo-saxão,

passou a ser utilizado já no século XIX, quando surgiu a legislação social de Bismarck, a primei-

ra iniciativa nesse sentido da história. Embora originalmente denotasse a expansão do Estado em

direção a outros âmbitos da vida social, ele se tornou bastante controverso, sobretudo após a Pri-

meira Guerra Mundial, durante a República de Weimar. Prevaleceu então a noção de um Estado

que assumira responsabilidades excessivas, fazendo mais não apenas do que podia, mas também

do que precisava. Durante o nazismo, o termo perdeu espaço para o Volkstaat, ou “Estado do

Povo”, o qual sancionava os delírios de Adolf Hitler. De fato, o Estado foi colocado a seu servi-

ço, beneficiando uns, excluindo outros, tendo em vista a sua concepção sobre a sociedade ideal.

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Depois da Segunda Guerra Mundial, o termo Wohlfahrtstaat voltou a ser utilizado na

Alemanha, dessa vez simultaneamente ao termo Sozialstaat, ou “Estado Social”, sendo este, mui-

tas vezes, preferido àquele. Na concepção alemã, o termo Wohlfahartstaat denota o Estado que

reconhece o bem-estar como um direito dos membros da sociedade. Esse bem-estar é, entretanto,

assegurado fundamentalmente pelo Estado, o qual se revela, portanto, um Versorgungstaat, ou

seja, um “Estado que tudo provê”. Já o Sozialstaat também denota o Estado que reconhece o

bem-estar como um direito dos membros da sociedade. Esse bem-estar, entretanto, é assegurado

não apenas pelo Estado, mas também pelo mercado e pela família e demais associações sociais

(Kauffmann, 2012; Petersen e Petersen, 2013). Entende-se que, por meio de arranjos dessa natu-

reza, não se colocaria em risco os interesses individuais ou, em outras palavras, que os direitos

sociais não entrariam em conflito com os direitos civis e os direitos políticos, enfraquecendo a

cidadania.

Por fim, na Suécia não se verifica a mesma desconfiança dos alemães em relação a um Es-

tado que não apenas reconhece o bem-estar social como um direito, mas também que assume, ele

próprio, a responsabilidade por assegurá-lo, do “berço ao túmulo”. Não por outra razão, surgiu

ali, ainda no período entreguerras, a noção de Folkhemmet, ou “lar do povo”, nos termos de Per

Albin Hansson, e que se refere a uma sociedade em que todos são responsáveis pelo bem-estar de

todos, por meio do Estado, de suas instituições e políticas. Em outras palavras, que se refere a um

Estado que emerge no bojo de uma sociedade em que prevalece a solidariedade.

Depois da Segunda Guerra Mundial, essa concepção foi reforçada pela noção de Det Star-

ka Samhället ou “a sociedade forte”, nos termos de Tage Erlander. Quer isso dizer que a sobrevi-

vência da própria sociedade exige o fortalecimento dos laços entre os seus membros. Isso exigiria

uma maior participação do Estado relativamente às demais formas de provisão (Tilton, 1990;

Andersson, 2006). Entende-se que esse envolvimento controlado do Estado na vida social não

constitui um risco, mas uma proteção dos interesses individuais ou, em outras palavras, que a

expansão dos direitos sociais é condição necessária para o exercício pleno dos direitos civis e dos

direitos políticos, fortalecendo, portanto, a cidadania.

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2.1.2 A noção de cidadania

Como visto, os Estados de Bem-Estar Social, ao contrário de outras formas de sistemas de

proteção social, são indissociáveis da noção de “cidadania”. Tal como foi proposta por Thomas

H. Marshall (1950), a noção de cidadania pressupõe o reconhecimento e a garantia de um conjun-

to de direitos, bem como de um conjunto de deveres a eles associados, aos indivíduos, pela socie-

dade, por intermédio do Estado. Não por outra razão, diria Hanna Arendt (1949), a cidadania

pressupõe o simples “direito a ter direitos”. Estes direitos, por sua vez, podem enquadrar-se em

três categorias fundamentais, quais sejam:

i) Os direitos civis correspondem ao direito às liberdades individuais fundamentais;

ii) Os direitos políticos, ao direito a representar e ser representados nas instâncias de poder;

iii) Os direitos sociais, ao direito de contribuir e partilhar da riqueza da sociedade.

Desde logo, entretanto, deve-se observar que, uma vez que pressupõe direitos e deveres, a

noção de cidadania é, em última instância, incompatível com a noção de passividade, seja por

parte dos indivíduos, seja por parte da sociedade a que eles pertencem. Pois, de fato, da mesma

forma que é reconhecida e garantida a responsabilidade da sociedade para com os indivíduos, por

meio de seus direitos, é reconhecida e garantida também a responsabilidade dos indivíduos para

com a sociedade, por meio de seus deveres. Dessa forma, restringe-se consideravelmente o espa-

ço para comportamentos oportunistas, de uma e/ou de outra parte (Marshall, 1950).

Com efeito, em suas mais variadas formas, os Estados de Bem-Estar Social apresentam-se

como os genuínos “guardiões” da cidadania. E embora eles pressuponham, necessariamente, o

reconhecimento e a garantia simultânea dos direitos civis, dos direitos políticos e dos direitos

sociais, são os direitos sociais que constituem, em última instância, a sua differentia. É bem ver-

dade que o conteúdo desses direitos e o conjunto de indivíduos que deles são investidos podem

variar, tanto no tempo como no espaço. Dessa forma, tem-se que diferentes sociedades, em dis-

tintos momentos históricos, constituíram diferentes arranjos destinados a proteger distintos for-

matos de cidadania, os quais podem ser algumas vezes mais, outras vezes menos sofisticados.

Em geral, os direitos civis dizem respeito ao direito dos indivíduos à liberdade em relação

aos outros indivíduos e em relação ao Estado. Eles asseguram a cada um deles a possibilidade de

perseguir os seus interesses livremente, desde que isso não impeça os demais de fazerem o mes-

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mo. A manutenção da ordem, nesse contexto, pressupõe a possibilidade de negociação e do esta-

belecimento de acordos entre esses indivíduos e entre eles e o Estado. Não por outra razão, eles

dizem respeito também ao direito de estabelecer contratos válidos. Evidentemente, os direitos

civis conferem aos indivíduos apenas possibilidade de fazer aquilo que desejam, mas não assegu-

ram os meios necessários para fazer isso. Um direito à propriedade, por exemplo, não assegura a

sua posse, mas apenas a possibilidade de adquiri-la. Cabe às partes interessadas negociar os ter-

mos da sua compra e venda.

Por sua vez, os direitos políticos dizem respeito ao direito dos indivíduos de participar no

processo político e, assim, de influenciar as decisões que de alguma forma podem afetar os seus

interesses. Nesse caso, esses direitos estão intimamente relacionados ao exercício da democracia.

Da tradição clássica deriva a noção de que a democracia é o governo da maioria, e não o governo

de um só ou de poucos. Uma democracia pode ser direta, indireta ou, ainda, uma composição de

ambas. No primeiro caso, as decisões são tomadas diretamente pelo povo. No segundo caso, as

decisões são tomadas indiretamente por ele, por meio de seus representantes eleitos. Tanto no

caso da democracia direta como no caso da democracia indireta, devem prevalecer os interesses

da maioria. No primeiro caso, ao escolher a decisão que será tomada, ao passo que, no segundo

caso, ao escolher aqueles que tomarão essa decisão. Cada indivíduo expressa os seus interesses

por meio do voto. Todos os eleitores devem poder escolher entre mais de uma alternativa e essa

escolha não deve estar sujeita a qualquer forma de pressão de outrem. O exercício da democracia

pressupõe, entretanto, que nenhuma decisão tomada pela maioria deve limitar os direitos da mi-

noria, sobretudo o direito de que ela possa, eventualmente, tornar-se a maioria (Bobbio, 1998a).

Seja como for, deve-se observar que a noção de direitos políticos e, portanto, de democra-

cia, transcende o direito de “votar e ser votado”. Ele representa a possibilidade de os membros da

sociedade apresentarem ao Estado demandas diversas, ao mesmo tempo em que essa instituciona-

lidade torna-se responsável por apreciá-las e, eventualmente, atendê-las. Evidentemente, o Estado

não é capaz de fazer frente a todas as demandas que podem surgir, de modo que ele intervirá em

um ou outro sentido de acordo com o poder relativo dos diferentes atores em interação (Di Gio-

vanni, 2009).

Os direitos sociais, por sua vez, asseguram aos indivíduos a possibilidade de viver uma

vida considerada adequada de acordo com os padrões que prevalecem na sociedade a que eles

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pertencem. Eles pressupõem a proteção da sua dignidade por meio do atendimento de suas neces-

sidades fundamentais, sejam elas decorrentes de fatores naturais ou sociais. Mais que isso, eles

pressupõem o reconhecimento de que o atendimento dessas necessidades não é apenas uma res-

ponsabilidade individual, a ser assegurada por meio do mercado ou da família, mas também uma

responsabilidade social, a ser assegurada por meio do Estado.

Com efeito, as necessidades decorrentes de fatores naturais, bem como as necessidades

decorrentes de fatores sociais, variam ao longo da vida. As necessidades naturais surgem da con-

dição dos indivíduos enquanto seres humanos. Já as necessidades sociais surgem da condição dos

indivíduos enquanto seres humanos membros da sociedade. Dessa forma, no segundo caso, dife-

rentemente do primeiro, as necessidades decorrem da forma como se organiza a vida social – elas

são socialmente construídas, portanto. Nesse caso, em geral, enquanto as necessidades naturais

tendem a ser aespaciais e atemporais, as necessidades sociais tendem a variar, tanto no espaço

como no tempo (Dean, 2012; Kerstenetsky, 2012).

Independentemente da origem das necessidades individuais, se naturais ou sociais, deve-

se insistir no fato de que os direitos sociais pressupõem o atendimento daquelas necessidades

consideradas fundamentais, isto é, aquelas que são condição indispensável para a proteção da

dignidade humana. Essas necessidades são aquelas decorrentes das diferentes formas de insegu-

rança às quais está submetida a vida no capitalismo. Em última instância, atendê-las significa

assegurar os meios para que os indivíduos sejam verdadeiramente livres, ou seja, capazes de fazer

e de ser aquilo que leve à sua realização ou, ainda, que atribua pleno sentido à sua existência

(Furtado, 2012).

Em última instância, é isso o que sugere também Amartya Sen (1993) por meio da noção

de “funcionalidades” e “capacidades”. Em sua interpretação, as funcionalidades dizem respeito

àquilo que cada um considera como essencial para o seu bem-estar e incluem desde as mais sim-

ples e concretas até as mais complexas e abstratas aspirações. Já as capacidades dizem respeito à

liberdade de alcançar parte ou conjunto dessas aspirações, isto é, aquilo que se julga ser, de al-

guma forma, edificante. Em outras palavras, as capacidades se referem à liberdade de viver a vida

que cada um valoriza e tem razões para valorizar.

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Em verdade, os direitos sociais pressupõem, necessariamente, algum grau de “socializa-

ção das necessidades individuais”. Eles exigem, portanto, algum grau de solidariedade entre os

membros da sociedade: daqueles que estão em condição mais favorável em direção àqueles que

estão em condição menos favorável, de modo que, no final desse processo, todos estejam nas

mesmas condições de tornar realidade as suas aspirações e, assim, de desenvolver o seu potencial.

Os direitos sociais baseiam-se, portanto, na percepção de que, em última instância, todos são res-

ponsáveis por todos. Nos termos de Belluzzo (2004, p.64):

A história dos séculos XIX e XX pode ser contada como uma saga: a resistência das ca-

madas sociais mais desprotegidas contra as forças cegas e supostamente impessoais do

mercado. O século XX foi, sem dúvida, palco de uma batalha que, entre mortos e feri-

dos, deixou o saldo positivo da conquista dos direitos sociais. Essa conquista determinou

que o reconhecimento do indivíduo como cidadão não mais dependia exclusivamente de

sua posição no circuito mercantil. O Estado Social (...) impôs o reconhecimento dos di-

reitos do cidadão, isto é, de sua autonomia desde o seu nascimento até a sua morte. Ele

será investido nesses direitos desde o primeiro suspiro: o nascimento de um cidadão im-

plica, por parte da sociedade, o reconhecimento de uma dívida. Dívida com a sua subsis-

tência, com a sua educação, com seu trabalho, com sua velhice. Essa dívida da sociedade

para com o cidadão deve ser compensada por outra, a do cidadão para com a sociedade:

o dever de pagar impostos, de respeitar a lei, de cooperar com o trabalho social, enfim,

de retribuir o esforço comum.

De particular importância, a expansão dos direitos sociais viabiliza um aumento do grau

de “desmercantilização”, ou seja, uma redução do grau de dependência dos indivíduos deles in-

vestidos em relação ao mercado para atender as suas necessidades fundamentais. Essa dependên-

cia surge porque os indivíduos devem trabalhar para obter os recursos por meio dos quais eles

poderão adquirir aquilo de que necessitam. Em última instância, devem ser capazes de pagar por

sua dignidade, se não desejam esperar pela benevolência alheia. Dessa forma, o grau de desmer-

cantilização se refere à maior ou menor capacidade dos indivíduos de viver uma vida civilizada

independentemente de sua participação no mercado, uma vez que aquilo de que necessitam lhes

será assegurado, em última instância, pela sociedade, por intermédio do Estado (Esping-

Andersen, 1990).

Nesse sentido, a expansão dos direitos sociais acaba por contrarrestar o processo por meio

do qual tudo e todos são transformados em mercadorias (Polanyi, 1944). Um processo de “reifi-

cação”, é verdade, no qual os próprios indivíduos são transformados em coisas e as relações que

se estabelecem entre eles, em uma relação que se estabelece entre coisas. O principal vínculo que

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permanece entre eles, nesse caso, é o da troca, intermediada pelo contrato. Um processo, enfim,

que os esvazia da própria substância humana. Em última instância, tem-se que o processo de

desmercantilização induz, na realidade, um processo ainda mais importante de “desmercadoriza-

ção” (Esping-Andersen, 1990).

Além disso, a expansão dos direitos sociais viabiliza um aumento do grau de “desfamilia-

rização”, ou seja, uma redução do grau de dependência dos indivíduos em relação às formas tra-

dicionais de provisão social, dentre as quais se destaca, evidentemente, a família. De fato, em

todas as sociedades, essa era a principal forma por meio da qual aqueles que permaneciam fora

do mercado eram capazes de assegurar a sua sobrevivência. Assim sendo, a expansão dos direitos

sociais significa o compartilhamento de algumas das funções antes realizadas exclusivamente

pelos seus membros com toda a sociedade (Sainsbury, 1994, 2000; Orloff, 1996; Draibe, 2006).

Pressupõe, assim, que os laços de solidariedade não mais se restrinjam aos “laços de sangue”.

Sem dúvida, uma dentre as principais consequências desse processo de expansão dos di-

reitos sociais é o enfraquecimento da tradicional divisão de tarefas no âmbito da família. Histori-

camente, ela foi organizada a partir de uma divisão de tarefas na qual ao homem cabia a respon-

sabilidade pela manutenção do lar e à mulher o cuidado de seus membros. Depois, deixam de

existir responsabilidades exclusivas para homens e mulheres, de modo que ambos podem realizar

as mesmas tarefas, notadamente, manter o lar e cuidar de seus membros. A expansão dos direitos

sociais assegura que as mulheres possam optar por trabalhar sem que, para isso, precisem renun-

ciar ao cuidado de seus familiares, ao passo que os homens podem optar por ocupar-se dessa tare-

fa sem que, para isso, precisem renunciar ao trabalho (Esping-Andersen, 1999).

Deve-se registrar, entretanto, que o aumento da importância do Estado enquanto forma de

provisão social alternativa à família e outras associações sociais, como a igreja e a comunidade,

não pressupõe a sua fragilização e, no limite, até mesmo o seu desaparecimento. Isso porque

cumpre ao Estado apenas facilitar o exercício do papel central que elas possuem na reprodução da

sociedade. De fato, elas permanecem como protagonistas na formação da identidade individual,

bem como na organização da vida social, sobretudo como meios de transmissão dos valores, dos

hábitos, dos costumes, das leis, das crenças, da tradição etc. que orientam esses processos. En-

quanto instituições, elas são capazes de moldar a forma como os indivíduos percebem a realidade

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e, o que é mais importante, a forma como eles podem afetá-la, ou ainda, transformá-la. Segundo

Esping-Andersen (1999, p.51):

De-familialization does not imply ‘anti-familiy’; on the contrary it refers to the degree to

which households welfare and caring responsibilities are relaxed – either via welfare

state provision or via market provision. A familialistic system, again, not to be confused

with ‘pro-family’, is one in which public policy assumes – indeed insists – that house-

holds must carry the principal responsibility for their members welfare. A de-

familialising regime is one which seeks to unburden the household and diminish indi-

viduals’ welfare dependence on kinship.

Como visto, as formas de provisão do bem-estar social baseadas na tradição estão inevita-

velmente associadas à noção de “caridade” (do latim, caritas, isto é, “amor”), mais ou menos

institucionalizada, privada ou pública. A caridade é expressão de compaixão em relação ao so-

frimento alheio (Himmelfarb, 1985; 1992). Em geral, há em seu exercício uma motivação de ca-

ráter moral. A caridade pode ser interpretada como algo positivo na medida em que se baseia na

consciência da existência do outro e não apenas de si mesmo e, portanto, na genuína substituição

do egoísmo pelo altruísmo3. Nesse caso, ela é movida não pelo desejo do reconhecimento social,

mas pelo auxílio gratuito e desinteressado àquele que dele necessita. Entretanto, se a caridade é

orientada para o alívio do sofrimento alheio, ela raramente implica também o enfrentamento da-

quilo que leva à sua reprodução. Ao atuar sobre as suas consequências, mas não sobre as suas

causas, ela se torna uma verdadeira “tarefa de Sísifo”, isto é, um esforço repetitivo incapaz de

produzir aquilo que se espera dele. Nesse caso, embora sejam louváveis as suas motivações, a

caridade não é capaz de alterar sozinha a realidade e, portanto, os infortúnios sociais que são de-

correntes da maneira mesmo de ser do capitalismo4.

Diferentemente da caridade, a cidadania pressupõe o atendimento das necessidades como

algo que legitimamente pertence ao indivíduo e que, portanto, não lhe pode ser negado. Nesse

caso, não há espaço para discricionariedade. O atendimento das necessidades como um direito

3 Em seu sentido comtiano, o altruísmo se refere ao conjunto de disposições humanas que inclinam os seres humanos

a se dedicarem aos outros.

4 Titmuss mostrava-se ardoroso admirador do comportamento humano altruísta e acreditava que um sistema de pro-

teção social nada mais deveria ser do que uma representação desse tipo de comportamento. Em um de seus trabalhos

mais notáveis, The Gift Relationship, de 1972, Titmuss contrastou os mecanismos e a lógica subjacente à doação de

sangue nos Estados Unidos e no Reino Unido no pós-guerra. No Reino Unido, ao contrário dos Estados Unidos, esse

gesto não envolve uma contrapartida monetária. E, mesmo assim, os britânicos saíram-se melhor que os norte-

americanos. Segundo Titmuss, isso reforçaria sua hipótese de que relações sociais baseadas não no comportamento

autointeressado, mas no comportamento generoso, ou altruísta, são capazes de produzir resultados excepcionais para

a coletividade.

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elimina a dependência dos desafortunados em relação à compaixão dos privilegiados. Ela restaura

a autonomia dos indivíduos e os liberta da vergonha e do estigma por vezes associados a esse tipo

de relação. A vergonha e o estigma, deve-se observar, se referem ao sentimento de inferioridade,

a perda de respeito em relação aos outros e em relação a si mesmo. Eles surgem toda vez que se

concebe a riqueza como a prova definitiva do mérito ou da virtude e a pobreza e a miséria como

as provas definitivas do fracasso ou da indolência (Marshall, 1950; Titmuss, 1963; Kerstenetzky,

2012). Tal como sugere Ignatieff (1989, p.72):

The language of citizenship is not properly about compassion at all, since compassion is

a private virtue which cannot be legislated or enforced. The practice of citizenship is

about ensuring everyone has the entitlements necessary to the exercise of their liberty.

As a political question, welfare is about rights, not caring, and the history of citizenship

has been the struggle to make freedom real, and not to tie us all in the leading strings of

therapeutic good intentions (…).

A Figura1 ilustra os processos descritos por meio do enriquecimento da substância que

caracteriza a cidadania. A expansão dos direitos sociais pressupõe um aumento da importância do

Estado relativamente ao mercado e à família no que se refere ao atendimento das necessidades

individuais, ou seja, uma expansão dos processos de desmercantilização e desfamiliarização.

Uma retração nesses direitos, por sua vez, pressupõe uma redução da importância da autoridade

relativamente à troca e à tradição no que diz respeito à provisão social, isto é, uma expansão dos

processos de mercantilização e familiarização. No primeiro caso, tem-se um aumento e, no se-

gundo caso, uma redução, da autonomia dos indivíduos. Mas, em comum entre eles, há uma mu-

dança na forma dos sistemas de proteção social, de modo que este se aproxima mais ou menos

daquele associado ao que se entende aqui como um Estado de Bem-Estar Social.

Figura 1

Formas de provisão de bem-estar social

Fonte: Adaptado de Abrahamson (1992).

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Subjacente à cidadania está, necessariamente, a noção de “pertencimento” (Bendix, 1996).

Pois, de fato, enquanto portadores dos mesmos direitos e deveres, os indivíduos tornam-se mem-

bros plenos da sociedade, passando a cultivar, a partir de então, um sentimento de lealdade em

relação àquela que é percebida por eles como um patrimônio comum. O aspecto fundamental,

então, é que, na condição de cidadãos, não há qualquer diferença entre os indivíduos. Eles são,

por definição, iguais entre si. Nos termos de Marshall (1950, p.36):

Citizenship is a status bestowed on those who are full members of a community. All who

possess the status are equal with respect to the rights and duties with which the status is

endowed. There is no universal principal that determines what these rights and duties

shall be, but societies in which achievement can be measured and towards which aspira-

tion can be directed. The urge forward along the path thus plotted is an urge towards a

fuller measure of equality, an enrichment of the stuff of which the status is made and an

increase in the number of those on those the status is bestowed.

Ao propor a noção de que todos os homens teriam a possibilidade de viver uma vida dig-

na, T. H. Marshall parte de Alfred Marshall, mas avança em relação a ele. De fato, em um ensaio

apresentado ao Cambridge Reform Club, em 1873, The Future of the Working Classes, A. Mars-

hall questionou-se se não existiriam limites além dos quais a melhoria na situação dos menos

favorecidos poderia avançar, isto é, se não existiriam limites para que uma proporção cada vez

maior da sociedade pudesse usufruir de um estilo de vida próprio dos mais favorecidos. Ao que

concluiu que, sim, a todos os homens seria possível um dia escolher viver a vida de um cavalhei-

ro (ou de um gentlemen).

Segundo A. Marshall (1873), a principal diferença entre os segmentos mais e menos favo-

recidos da sociedade era a sua ocupação ou, mais especificamente, o efeito que ela exercia sobre

os indivíduos e sobre a sua forma de sentir, de perceber o mundo. Assim, e tendo em vista, evi-

dentemente, a vida na era vitoriana, ele propunha que os trabalhadores diferenciavam-se dos ca-

valheiros por exercer um trabalho pesado e excessivo que os impedia de usufruir as delícias da-

quilo que enriquece o caráter e atribui pleno sentido à existência humana.

A. Marshall (1873), entretanto, entendia que os trabalhadores não estariam para sempre

fadados àquilo que os brutaliza. Isso porque o progresso da técnica avançaria continuamente, de

modo que o trabalho pesado e excessivo e, portanto, enfadonho e alienador, diminuiria cada vez

mais. Quando esse trabalho fosse reduzido a um mínimo e esse mínimo fosse repartido em pe-

quenas parcelas entre todos, de modo que ele não mais recaísse mais sobre um segmento da soci-

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edade do que sobre outro, então a todos seria assegurada a oportunidade de viver como cavalhei-

ros, caso estivessem dispostos a se esforçar para isso.

Com efeito, pode-se afirmar que aquilo que A. Marshall (1873) concebia como uma “vida

de cavalheiro” a que todos os homens seria possível usufruir em função do progresso técnica é,

de certa forma, equivalente àquilo que T. H. Marshall (1950) concebe como uma “vida civiliza-

da” a que todos os homens seria possível usufruir em função do progresso dos direitos civis, dos

direitos políticos e dos direitos sociais e, portanto, da cidadania. Pois, de fato, o que ambos consi-

deram como adequadas eram as condições de vida dos segmentos mais favorecidos da sociedade.

Efetivamente, a possibilidade de usufruir dessas condições de vida nada mais é do que a possibi-

lidade de partilhar da herança social, seja na condição de “cavalheiro”, antigamente, seja na con-

dição de “cidadão”, atualmente.

Como visto, A. Marshall (1873) questionava se haveria limites para o progresso dos seg-

mentos menos favorecidos da sociedade. Evidentemente, ao fazer isso, ele tinha em mente as

restrições impostas pelas condições de produção em uma determinada sociedade. E sua conclusão

é simples. No que se refere a essas condições, esses limites não existiriam, de modo que, ao me-

nos do ponto de vista da ocupação, ou, mais especificamente, do efeito que ela exerce sobre os

indivíduos, todos os homens seriam iguais entre si. As perguntas de T. H. Marshall (1950), entre-

tanto, eram de outra natureza, menos econômica e mais sociológica, é verdade. Segundo ele, to-

dos os homens podem ser investidos do direito de viver uma vida civilizada e podem até mesmo

não existir limites técnicos para isso, mas não há razões para supor que esse será, necessariamen-

te, o caso.

Nesse contexto, a primeira dessas questões é se a igualdade formal típica da cidadania é

compatível com a desigualdade real típica de sociedades em que prevalece o capitalismo baseado

no livre funcionamento das forças de mercado como modo de organização da vida social. Em

geral, essas sociedades são caracterizadas por um grau elevado de estratificação, de modo que os

indivíduos não se apresentam nas mesmas condições uns em relação aos outros. Há uma assime-

tria entre eles, a qual se manifesta em condições de vida bastante diferentes. A resposta de T. H.

Marshall (1950) a essa questão é que o enriquecimento progressivo do conteúdo da cidadania, no

que se refere aos seus direitos e deveres, bem como do conjunto de indivíduos que deles são in-

vestidos, acabaria por tornar esse contraste cada vez mais insustentável. O status de cidadão pas-

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saria a competir com a posição dos indivíduos na sociedade podendo até mesmo substituí-la. A

igualdade formal, nesse caso, acabaria por pressionar no sentido da igualdade real. Em suas pa-

lavras (1950, p.40):

What matters is that there is a general enrichment of the concrete substance of civilized

life, a general reduction of risk and insecurity, an equalization between the more and the

less fortunate at all levels – between the healthy and the sick, the employed and the un-

employed, the old and the active, the bachelor and the father of a large family. Equaliza-

tion is not so much between classes as between individuals within a population which is

now treated for this purpose as thought it were one class.

De fato, a expansão dos direitos sociais deixa de se restringir ao propósito de tornar as de-

sigualdades reais menos vulneráveis a questionamentos e ataques por parte dos grupos menos

favorecidos da sociedade, por meio da eliminação de suas consequências menos defensáveis. Em

outras palavras, ele acaba por transcender os esforços destinados ao alívio da privação, os quais,

na realidade, conservam praticamente intacta a estrutura da sociedade. Nos termos de T. H.

Marshall (1950), esse tipo de esforço consiste apenas em elevar o nível do piso do “porão” do

edifício social. Pode até mesmo torná-lo menos escuro e mais higiênico do que era antes. Mas ele

continua sendo um porão. E os andares mais elevados desse edifício social permanecem incólu-

mes.

Mas à medida que a sociedade compromete-se em atender as necessidades fundamentais

dos indivíduos e, dessa forma, garantir uma vida decente a todos eles, independentemente da sua

posição ou da sua função na sociedade, há um verdadeiro rompimento da ordem vigente. Toda a

estrutura da sociedade é transformada, do porão ao último andar do edifício social. Já não se trata

mais da comiseração em relação aos menos favorecidos e, assim, de reduzir o mal-estar perante a

indigência, mas de modificar o modelo geral de desigualdade, levando a possibilidade de viver

uma vida civilizada, antes restrita a alguns poucos, à disposição de outros muitos. Nos termos de

T. H. Marshall (1950, p.39):

Class-abatement is still the aim of social rights, but it has acquired a new meaning. It is

no longer merely an attempt to abate the obvious nuisance of destitution in the lowest

ranks of society. It has assumed the guise of action modifying the whole pattern of social

inequality. It is no longer content to raise the floor-level in the basement of the social ed-

ifice, leaving the superstructure as it was. It has begun to remodel the whole building,

and it might even end by converting a skyscraper into a bungalow.

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Segundo T. H. Marshall (1950), portanto, a preservação das desigualdades sociais tornou-

se mais difícil pelo enriquecimento do conteúdo da cidadania, uma vez que isso implica um au-

mento da probabilidade de que elas sejam contestadas. Com efeito, esse processo não se restringe

mais a aliviar a pobreza e a miséria em uma sociedade. Ele afeta toda a estrutura social, a ponto

de ameaçar transformar “um imponente arranha-céu em um singelo bangalô”. Nesse contexto, a

segunda questão de T. H. Marshall (1950) é se tal objetivo final se encontra efetivamente implíci-

to na natureza desse desenvolvimento ou se há limites à tendência no sentido da maior igualdade

social.

A sua resposta a essa questão é que, sim, existem limites para a igualdade real, ao menos

enquanto se permanece nos domínios do capitalismo. De fato, o objetivo não é a igualdade abso-

luta, mas a remoção das desigualdades que não são consideradas legítimas, do ponto de vista

econômico e do ponto de vista social. Desigualdades legítimas do ponto de vista econômico são

aquelas que são consideradas funcionais, no sentido de que agem como incentivo às decisões que

efetivamente mantêm em funcionamento as engrenagens do sistema. Já as desigualdades legíti-

mas do ponto de vista social são aquelas que não confrontam a concepção prevalecente em uma

sociedade do que é adequado, ou, ao menos, aceitável, e, que, portanto, não criam incentivos à

mudança em função do descontentamento em relação ao status quo. Essa concepção é, evidente-

mente, variável, tanto no tempo como no espaço. Determinados eventos históricos podem tornar

as desigualdades sociais mais ou menos aceitáveis, da mesma forma que as sociedades podem ser

mais ou menos tolerantes em relação às diferenças existentes entre os indivíduos no que se refere

às suas condições de vida em função de seus valores, costumes e tradições, por exemplo.

Por tudo isso, a expansão dos direitos sociais pode ser uma força propulsora da “coesão

social”. De fato, esses direitos pressupõem a negação de diferentes formas de exclusão, margina-

lização, isolamento, desigualdade e discriminação, que, por sua vez, levem ao enfraquecimento,

ou até mesmo a ruptura, dos laços que unem os indivíduos membros da sociedade. A coesão so-

cial diz respeito, em última instância, ao grau de integração dos indivíduos à vida social. Ela

pressupõe o predomínio das forças de atração relativamente às forças de dispersão que mantém

os indivíduos mais ou menos integrados à sociedade a que pertencem. Ela pressupõe, portanto, o

reconhecimento da interdependência entre eles e, a partir disso, a disposição de um esforço con-

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junto no sentido da promoção não apenas do interesse individual, mas também dos interesses

coletivos.

Consequência direta desse processo, ao transformar a realidade afetando todos os níveis

da estrutura social, os direitos sociais tornam o capitalismo suficientemente “civilizado” para

coexistir com os direitos civis e políticos. Ou seja, ele não cria incentivos para o questionamento

e, no limite, substituição da ordem vigente desde que ela possa ser reformada, no sentido de que

toda sociedade possa se beneficiar de suas virtudes e se privar de seus vícios.

T. H. Marshall (1981) concluiu que a tentativa de conciliar o capitalismo com a expansão

da cidadania e, portanto, dos direitos civis, políticos e sociais, daria origem ao que ele chamou de

“sociedade hifenizada” (hypheneted society), porque assentada sobre o trinômio “capitalismo-

democracia-bem-estar social”. Com isso, ele enfatiza a interdependência entre as dimensões eco-

nômica, política e social da vida coletiva. O desenvolvimento de cada um de seus elementos

constitutivos torna-se importante para a legitimidade e longevidade dos demais e, portanto, do

sistema como um todo. Eles assumem sentido pleno apenas quando são consideradas enquanto

partes indissociáveis do todo, ou seja, quando são consideradas em conjunto. Segundo T. H. Mar-

shall (1981, p.104)

(…) when a country with capitalist market economy develops democratic political and

civil institutions and practices out of which emerge a mixed economy including both

private and public capitalism similarly organized and using the same calculus, together

with that complex of (…) social services, insurances and assistances which is the epon-

ymous element in what all the world knows as the welfare state.

Evidentemente, o desenvolvimento da cidadania seguiu diferentes trajetórias em todo o

mundo. No caso britânico, as instituições das quais os três elementos da cidadania dependiam se

desligaram e se tornou possível para cada um deles seguir um caminho próprio. E antes de decor-

rido muito tempo, eles estavam distantes uns dos outros. Eles pareciam elementos estranhos entre

si. Apenas recentemente eles se reencontraram novamente. Nesse caso, primeiro surgiram os di-

reitos civis, no século XVIII. Depois, os direitos políticos, no século XIX. E, finalmente, os direi-

tos sociais, no século XX. Os direitos civis precisaram desenvolver-se não tanto no que se refere

à sua distribuição, mas ao seu conteúdo, ou seja, que direitos seriam esses; os direitos políticos,

por sua vez, precisaram avançar não tanto no seu conteúdo, mas na sua distribuição, isto é, quem

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deles seria investido; já no que se refere aos direitos sociais, eles precisaram avançar em ambos

os aspectos.

Interessante observar, o ataque final às instituições capazes de proteger os direitos sociais

foi a institucionalização das chamadas “Leis dos Pobres” que criou aquele que, por muito tempo,

permaneceu como o principal mecanismo de assistências aos indigentes. A experiência britânica

foi reproduzida na maioria dos países europeus e, também ali, tiveram o mesmo efeito “antissoci-

al”. De fato, essas leis buscavam, de um lado, combater a vadiagem e, de outro, aliviar o sofri-

mento daqueles que não poderiam sobreviver por meio do seu próprio trabalho e eram considera-

dos verdadeiros merecedores da compaixão da sociedade.

Em geral, esse mecanismo de assistência baseava-se na criação das “casas de trabalho”

(workhouses), as quais deveriam recorrer todos aqueles que necessitavam de socorro. Ali, seriam

oferecidas condições de vida inferiores àquelas que poderiam ser obtidas pelos mais baixos salá-

rios disponíveis no mercado. Em troca de abrigo, vestuário e alimentação suficientes para sua

sobrevivência, os indivíduos eram submetidos a uma disciplina bastante rigorosa (Flora e Heide-

nheimmer, 1987; Hennock, 2007). O objetivo, com isso, era assegurar que a assistência se limi-

tasse apenas àqueles que não pudessem sobreviver por meio do seu próprio trabalho. Ao fazer

isso, o que esse mecanismo assegurava era apenas um refúgio àqueles que não tinham mais a

quem ou a que recorrer e que, nessas condições, estavam efetivamente dispostos a renunciar à sua

condição de cidadão para sobreviver. Tal como sugere T. H. Marshall (1950, p.35):

It offered relief only to those who, through age or sickness, were incapable of continuing

the battle, and to those other weaklings who gave up the struggle, admitted defeat, and

cried for mercy (…) the minimal social rights that reminded were detached from the sta-

tus of citizenship. The Poor Law treated the claims of the poor, not as an integral part of

the rights of the citizen, but as an alternative to them – as claims which could be met on-

ly if the claimants ceased to be citizens in any true sense of the word. For paupers for-

feited in practice the civil right of personal liberty, by internment in the workhouse, and

they forfeited by law any political rights they might possess.

De fato, tanto entre os britânicos como entre os demais europeus, os direitos sociais foram

construídos apenas muitos anos mais tarde e, em especial, no contexto do pós-guerra, quando,

sob condições bastante específicas, se verificou um aumento sem precedentes da intervenção do

Estado na produção e na distribuição da riqueza com o propósito de assegurar aos indivíduos, na

condição de seres humanos, a possibilidade de contribuir e partilhar desses processos.

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Em geral, as ideias de T. H. Marshall (1950) são criticadas por serem anglo-cêntricas e

evolucionistas. Ele certamente fundamentou sua análise na experiência britânica. Sua preocupa-

ção, entretanto, era outra. Ele a utilizou para apresentar a noção de cidadania como um conjunto

de direitos e deveres dos quais são investidos o conjunto de indivíduos que são membros plenos

da sociedade. E não para generalizá-la às experiências de outras sociedades. Além disso, embora

o desenvolvimento dos direitos civis seja um poderoso estímulo para o desenvolvimento dos di-

reitos políticos, e que o desenvolvimento de ambos seja um poderoso estímulo ao desenvolvi-

mento dos direitos sociais, não há por que supor que eles surjam nessa ordem ou que o surgimen-

to de um leve ao surgimento dos outros. Essa não é a única trajetória pelo qual devem passar,

necessária e invariavelmente, todas as sociedades. A trajetória britânica é apenas uma dentre as

diferentes possíveis. O importante é que, para que exista a cidadania, onde quer que seja, quando

quer que seja, devam existir, simultaneamente, direitos e deveres civis, políticos e sociais, os

quais devem ser reconhecidos e garantidos pelo Estado (Mann, 1987; Turner, 1990, 1997).

Na realidade, talvez a mais relevante dentre as críticas às proposições de T. H. Marshall

(1950) sejam aquelas que enfatizam a sua confiança excessiva na irreversibilidade da cidadania.

Tal como a história haveria de mostrar, não há garantias de que, uma vez adquiridos, os direitos e

deveres que a caracterizam não possam sofrer ataques e, diante deles, retroceder, caso seus fun-

damentos não sejam suficientemente resistentes, ou seja, caso suas raízes não sejam suficiente-

mente profundas nas sociedades em que eles se desenvolveram. De fato, o surgimento, a trans-

formação e até mesmo a supressão dos arranjos destinados a proteger a cidadania dependem, em

grande medida, de mudanças no equilíbrio de poder que prevalece nos processos políticos que,

por sua vez, envolvem os diferentes atores que compõem determinada sociedade em determinado

momento.

2.2 As políticas públicas

Considerando que o perfil dos arranjos construídos pelas diferentes sociedades para asse-

gurar a proteção de seus membros contra aquilo que ameaça o seu bem-estar depende do perfil

das políticas públicas, esta seção inicia-se por meio da apresentação de suas características fun-

damentais. Em seguida, argumenta-se que esse perfil é o resultado de relações de poder, tal como

sugerem as principais interpretações a respeito dos condicionantes da intervenção do Estado na

realidade.

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2.2.1 Noções fundamentais

Como visto, o perfil de um sistema de proteção social, em geral, e de um Estado de Bem-

Estar Social, em particular, depende do papel do Estado, relativamente ao mercado e à família, no

atendimento das necessidades fundamentais dos membros da sociedade. Esse papel, por sua vez,

está intimamente relacionado ao perfil das chamadas “políticas públicas”. As políticas públicas

devem ser entendidas como a forma por meio da qual o Estado intervém na realidade concreta

com o propósito de preservá-la, ou, ainda, de modificá-la em determinado sentido. Grosso modo,

elas podem ser interpretadas como respostas a situações consideradas, em algum sentido, pro-

blemáticas, e, por extensão, como meios para se alcançar determinados fins. Em todo caso, elas

são sempre o resultado de um conjunto de decisões interrelacionadas, as quais, por sua vez, são

sempre decorrentes de um complexo processo de interação entre o Estado e a sociedade (Jenkins,

1978; Di Giovanni, 2009).

Rigorosamente, as políticas públicas devem ser entendidas como mais do que “políticas

de governo”. Em última instância, elas devem ser entendidas como “políticas de Estado”. Em

geral, entende-se que a diferença entre as duas reside no fato de que a primeira, ao contrário da

segunda, normalmente se restringe apenas ao mandato em vigor. A questão, entretanto, é a razão

dessa resistência. E, nesse caso, a diferença fundamental entre uma política de Estado e uma polí-

tica de governo é o seu grau de institucionalização e, portanto, a profundidade de suas raízes na

vida social. Assim sendo, políticas de Estado, ao contrário de políticas de governo, tendem a pos-

suir um grau superior de institucionalização, isto é, tendem a apresentar raízes mais profundas.

Isso não significa, evidentemente, que elas sejam imutáveis. Significa, isso sim, que embora elas

possam sofrer modificações ao longo do tempo, os seus fundamentos permanecem mais ou me-

nos os mesmos ao longo do tempo (Di Giovanni, 1998).

Evidentemente, a existência de uma política pública pressupõe a existência de uma capa-

cidade mínima intervenção por parte do Estado, isto é, de conceber e implementar decisões. Essa

capacidade pode ser determinada por condicionantes de ordem técnica, mas também de ordem

política. No primeiro caso, ela se refere ao controle do Estado sobre recursos, humanos e finan-

ceiros. No segundo caso, por sua vez, ela se refere à sua legitimidade para levar a cabo as suas

decisões, ou seja, a sua capacidade de assegurar adesão e obediência às suas determinações por

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parte dos atores que estão sob sua autoridade, independentemente se essa decisão lhes é mais ou

menos favorável (Rua, 2009).

De fato, as políticas públicas, ao preservar ou manter a realidade concreta, implicam a im-

posição de uma determinada alocação de custos e benefícios a cada um dos diferentes atores polí-

ticos. Esses custos e benefícios não são percebidos apenas em termos objetivos. Em grande me-

dida, eles são resultado de uma avaliação subjetiva por parte desses atores de alguma forma afe-

tados pela decisão do Estado. Isso determina a sua maior ou menor resistência a uma determinada

forma de intervenção ou a um determinado perfil de política pública. Para alguns, os benefícios

podem ser superiores aos custos, favorecendo uma postura de aprovação e estímulo. Para outros,

os custos podem ser superiores aos benefícios, levando à desaprovação e resistência.

Lowi (1964) classificou as políticas públicas de acordo com a distribuição de benefícios e

custos entre os atores, ou seja, se mais ou menos assimétrica, o que, por sua vez, as tornava mais

ou menos controversas. Segundo ele, existem dois tipos fundamentais de políticas: primeiro, polí-

ticas distributivas, cujos benefícios são concentrados em alguns atores, ao passo que os custos são

distribuídos entre todos os atores, de modo que se a distribuição dos custos, ao contrário dos be-

nefícios, é simétrica; e, segundo, políticas redistributivas, cujos benefícios são concentrados em

alguns atores, e os custos são concentrados em outros, de modo que tanto a distribuição dos bene-

fícios como a distribuição dos custos é assimétrica. Não por outra razão, as políticas redistributi-

vas seriam mais controversas que as políticas distributivas, constituindo fontes potenciais de con-

flito entre os atores5.

Há de se fazer aqui uma observação importante, entretanto. Em geral, entende-se que as

políticas públicas podem ser nacionais, regionais ou locais, de acordo com o alcance do problema

e da resposta adotada e dos atores envolvidos em sua concepção e implementação. Embora se-

jam certamente as mais usuais, essas não são as únicas possibilidades. De fato, as políticas públi-

cas podem ser também “intergovernamentais” ou “supranacionais”. No primeiro caso, os Estados

nacionais concebem, em conjunto, um mesmo curso de ação a ser adotado por cada um deles

frente a um problema comum. No segundo caso, por seu turno, os Estados nacionais concordam

em renunciar a sua soberania e a transferir parte ou a totalidade de sua autoridade em determina-

dos âmbitos para um conjunto de instituições supranacionais com autonomia e, consequentemen-

5 Outras classificações também são possíveis. Sobre isso, ver, por exemplo, Parsons (1995).

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te, capacidade, técnica e política, para conceber os cursos de ação frente a um problema comum,

e que, então, deverão ser implementados por essas próprias instituições supranacionais e/ou pelos

Estados nacionais.

Além disso, ao contrário do que se pode supor, o caráter “público” da política não depen-

de da esfera em que ela incide, se a privada ou pública. Tal caráter decorre do fato de que ela é

uma consequência de uma decisão do Estado enquanto representante da sociedade em relação a

uma situação que interessa, de uma forma ou de outra, a parte ou ao conjunto de seus membros.

Essa forma de apreender a questão procura conciliar a concepção daqueles que enfatizam ora o

papel do Estado, ora o papel da sociedade. Para os primeiros, o caráter público da política decorre

do fato de que ela é uma resposta do Estado que representa a sociedade a uma determinada situa-

ção, independentemente se ela é considerada um problema de interesse da sociedade. O que inte-

ressa é que ela emana do Estado. Para os segundos, esse caráter decorreria do fato de que a políti-

ca é uma resposta a uma situação considerada um problema de interesse da sociedade, indepen-

dentemente se é ou não uma decisão do Estado. O que interessa é que ela serve ao interesse pú-

blico e não privado6.

Frequentemente, supõe-se também que uma política pública representa tudo aquilo que o

Estado não apenas decide fazer, mas também tudo aquilo que ele decide não fazer (Dye, 1972).

Em que pese a generalização excessiva de definições dessa natureza, que concebe uma política

pública como qualquer conduta por parte do Estado, um aspecto importante a ela inerente é a

incorporação não apenas da ação, mas também da inação, como formas de intervenção do Estado.

Assim, a decisão de não fazer nada, ou preservar a ordem vigente, é uma decisão tão relevante

quanto a decisão de fazer alguma coisa, ou modificar o status quo. O importante, em última ins-

tância, é que fazer ou não fazer seja uma decisão deliberada ou, ainda, consciente por parte do

Estado.

Como visto, a principal forma por meio da qual os Estados de Bem-Estar Social, entendi-

do como uma forma particular de sistema de proteção social, intervém nos processos de produção

6 Algumas interpretações diferenciam políticas públicas das políticas estatais. Draibe (2013a), por exemplo, entende

por políticas públicas aquelas intervenções que se desenvolvem nas esferas públicas da sociedade e não nas esferas

privadas. Elas não se restringem, portanto, às políticas estatais, mas podem embarcar também as ações de organiza-

ções não-estatais, desde que preservando esse caráter público. São estatais, ao contrário, aquelas políticas que, afe-

tando também a esfera pública, são organizadas, financiadas e implementadas por instituições típicas do Estado.

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e distribuição da riqueza com o propósito de assegurar aos cidadãos condições de vida considera-

das adequadas de acordo com os padrões que prevalecem na sociedade, são as políticas econômi-

ca e social. Enquanto políticas públicas, ambas são formas pelas quais o Estado é capaz de influ-

enciar a realidade. Ambas afetam o funcionamento da vida social e, por essa razão, devem ser

consideradas como indissociáveis entre si. A questão, entretanto, é que elas fazem isso de formas

diferentes porque pressupõe instrumentos distintos. Em grande medida, é isso que permite que

elas sejam consideradas individualmente.

Nesse caso, a política econômica reúne o conjunto de instrumentos que exercem impacto

indireto sobre as condições de vida dos indivíduos, ao afetar diretamente as condições de deman-

da e/ou de oferta na economia. Ela pode fazer isso por meio do controle da oferta de moeda, in-

cluindo as condições do crédito, e da taxa de juros, o que está intimamente relacionado, portanto,

ao funcionamento do sistema monetário e financeiro (política monetária), e por meio do controle

das despesas (consumo e investimento) e receitas (tributos diretos ou indiretos, de caráter pro-

gresso ou regressivo) do governo (política fiscal). Em uma economia aberta ao exterior, a política

econômica também pode incluir os instrumentos destinados ao controle do valor da moeda do-

méstica em relação ao valor das moedas estrangeiras (política cambial), dos fluxos internacionais

de bens e serviços (política comercial), e dos fluxos internacionais de pessoas e capitais (Sicsú,

2006).

Já a política social reúne o conjunto de instrumentos que exercem impacto direto sobre as

condições de vida dos indivíduos, ao afetar os seus rendimentos e o seu acesso a um conjunto de

bens e serviços essenciais ao longo de vida (Briggs, 1961). No que se refere aos rendimentos, os

benefícios são entregues em dinheiro. Ela inclui, portanto, aquelas relacionadas ao complemento

de renda e à manutenção da renda em caso de impossibilidade de obtê-la, de forma permanente

ou temporária, em função da idade, doença, acidente, invalidez ou desemprego, por exemplo. No

que se refere aos bens e serviços essenciais, os benefícios são entregues em espécie. Eles inclu-

em, assim, aqueles relacionados à saúde e à educação, entre outros. O acesso aos benefícios pode

se estender a parte ou ao conjunto dos membros da sociedade. No primeiro caso, eles são focali-

zados, ao passo que, no segundo caso, eles são universais. Os benefícios podem ser financiados

por meio de contribuições voluntárias ou compulsórias (payroll taxes) ou por meio de impostos

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(general taxes). No primeiro caso, prevalece a noção de seguro. Já no segundo caso, prevalece na

noção de seguridade (Ferrera, 1993)7.

Entre a política econômica e a política social pode-se identificar uma categoria intermedi-

ária, ou seja, aquela que é composta pelos instrumentos capazes de afetar diretamente as condi-

ções de funcionamento do mercado de trabalho. Inclui-se aqui, portanto, a existência de um salá-

rio mínimo, a forma de fixação dos salários, as exigências relacionadas aos processos de admis-

são e demissão e, consequentemente, à estabilidade do emprego, entre outras.

2.2.2 O poder

Em última instância, a forma de intervenção do Estado sobre a realidade e, portanto, o

perfil das políticas públicas é o resultado do processo de interação entre os diferentes atores. Es-

ses atores podem ser classificados como estatais ou não-estatais ou, ainda, oriundos do setor pú-

blico ou do setor privado. No primeiro caso, incluem-se aqueles que surgem no interior do Esta-

do. Eles podem ser eleitos ou não, compondo, portanto, de forma temporária ou permanente, a

burocracia estatal. No segundo caso, incluem-se aqueles que surgem no interior da sociedade.

Eles podem ser desde indivíduos até grupos constituídos por aqueles que compartilham de deter-

minadas características. Os atores em interação ainda podem ser classificados como nacionais ou

internacionais. Evidentemente, a participação dos atores internacionais na vida social nacional

está intimamente relacionada aos graus de abertura e de integração do país ao exterior (Howlett,

Ramesh e Perl, 2012).

Esses atores, por sua vez, possuem diferentes interesses, ou seja, diferentes objetivos,

mais ou menos explícitos, em relação a uma determinada situação passível de ação do Estado.

Evidentemente, esses interesses ou objetivos não são, necessariamente, convergentes. Na realida-

de, este quase nunca é o caso. Por essa razão, o perfil da política pública será, antes de tudo, uma

consequência da correlação de forças entre esses atores. Em última instância, ele refletirá os inte-

resses daqueles que se mostrarem mais “poderosos”.

7 Na realidade, Ferrera (1993) relaciona à noção de seguridade social (sicurezza sociale) apenas os benefícios não

contributivos universais. Os benefícios não-contributivos focalizados são relacionados à noção de assistência social

(assistenza sociale).

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Desde logo, deve-se observar que, embora esses atores estejam inevitavelmente relacio-

nados às classes sociais, na medida em que partilham de determinadas características comuns, o

perfil das políticas públicas é determinado fundamentalmente pelo processo de interação entre

frações de classes, uma vez que, mesmo dentro de uma classe social, pode haver interesses dife-

rentes, a depender da situação sobre a qual eles são chamados a se posicionar.

Historicamente, um dos elementos estruturantes da vida social, o “poder” se refere à mai-

or ou menor capacidade de um indivíduo ou grupo de indivíduos de impor seus interesses sobre

os interesses de outro indivíduo ou outro grupo de indivíduos. Em outras palavras, o poder surge

quando um ator é capaz de direcionar, de forma intencional, o comportamento de outro ator em

um sentido que lhe seja, de alguma forma, favorável. Assim, o poder pressupõe que a capacidade

de um de fazer alguma coisa (“power to”) é indissociável da sua capacidade de controle (“power

over”).

Tal concepção sugere que o poder surge antes mesmo do controle propriamente dito. Ele

surge já na capacidade de controle ou, ainda, na possibilidade de ele se tornar realidade a qual-

quer momento. Nesse caso, o poder não é apenas potência; é potência que pode ser exercida

quando o seu detentor assim o desejar (Lebrun, 1992). No exercício de poder, ele se materializa,

passando de uma capacidade ou possibilidade abstrata a uma ação concreta. Existem diversas

formas de se alcançar a aquiescência alheia, ou seja, de se assegurar que um ator renuncie aos

seus interesses e aceite os interesses de outros, alterando o seu comportamento em um sentido

que, de outra forma, não faria. De fato, o exercício de poder pode se apoiar em ameaças de uma

punição, em promessas de uma recompensa, na persuasão, na manipulação etc. (Rua, 2009). Nes-

se caso, e ao contrário do que, em geral, se supõe, o exercício do poder não se funda apenas sobre

a coerção, ou seja, sobre um elevado grau de constrangimento, físico ou não, daquele sobre quem

o poder é exercido.

Além disso, o poder é uma noção relacional. De fato, ele não existe no vácuo. Ao contrá-

rio, ele se manifesta apenas em uma relação social. O poder é importante apenas na medida em

que envolve diferentes atores. Para que o poder exista, é necessário que haja um conflito de inte-

resses entre dois ou mais atores e que um seja capaz de fazer com que o outro altere o seu com-

portamento em um determinado sentido. Nesse caso, essa relação social é assimétrica, no sentido

de que ela é caracterizada pela dominação, de um lado, e pela subordinação, do outro. E ela pode

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ser mais ou menos explícita. Evidentemente, o fato de um ator possuir poder sobre outro não sig-

nifica que este também não tenha poder sobre aquele. Significa, isso sim, que existem graus dife-

rentes de poder e que, em uma determinada situação, um deles pode ser mais poderoso que os

demais (Stoppino, 1998). Essa interpretação, portanto, é coerente com as concepções clássicas de

poder e dominação, tal como elas foram propostas por Weber (1947, p. 53):

Poder (Macht) é a probabilidade que um ator, dentro de uma relação social, esteja em

posição de realizar sua própria vontade a despeito de qualquer resistência, não importan-

do a base sobre a qual essa probabilidade reside. Dominação (Herrschaft) é a probabili-

dade de que um comando com um dado conteúdo específico seja obedecido por um dado

grupo de pessoas.

Essa possibilidade de controle de um ator sobre os demais possui diferentes fontes. Exis-

tem, de fato, diferentes “recursos de poder”. Recursos de poder dizem respeito ao conjunto de

atributos que os atores possuem, em maior ou menor grau, e que podem ser ativados por eles em

qualquer momento para que os seus interesses acabem por prevalecer sobre os demais. Esses atri-

butos podem ser de três tipos principais, quais sejam: i) a personalidade, que inclui as caracterís-

ticas pessoais, como força, carisma, conhecimento, experiência, prestígio e reputação; ii) a rique-

za, o que inclui a posse e/ou o uso da propriedade; e iii) a organização, ou seja, a capacidade de

mobilizar outros atores com interesses semelhantes em um determinado sentido (Galbraith, 1989;

Korpi, 1985; 1998). Evidentemente, a capacidade de um ator de impor seus interesses sobre os

demais não depende apenas da qualidade, ou, ainda, da quantidade de seus recursos de poder,

mas também, e, frequentemente, principalmente, da habilidade com que ele é capaz de utilizá-los

nas relações que ele estabelece com os outros atores (Rua, 2009).

Na realidade, outro fator além dos recursos de poder é também capaz de afetar o poder

dos atores, qual seja, as circunstâncias históricas, as quais incluem os eventos econômicos, soci-

ais e políticos, bem como o conjunto de normas e regras mais ou menos formais socialmente

construídas, em vigor em um determinado momento (Leichter, 1979). Ambos afetam, de um mo-

do ou de outro, e em maior ou menor intensidade, todos os atores, aumentando ou reduzindo a

sua capacidade de “controlar” os demais.

Assim, a personalidade, a riqueza e a capacidade de organização de cada um dos atores,

bem como as circunstâncias históricas nas quais todos eles estão inseridos, determinam a “estru-

tura de poder”, vale dizer, a posição relativa dos atores em interação no que se refere à sua capa-

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cidade de impor os seus interesses sobre os demais. Essa estrutura de poder pode ser mais ou me-

nos estável, em função da capacidade dos atores de defenderem os recursos de poder ou de con-

quistarem novos atributos, bem como em função das mudanças nas circunstâncias que os circun-

dam.

Tal como sugere Lukes (1974, 1993), o poder pode se manifestar de três formas principais

em uma relação social: primeiro, um ator exerce poder quando ele é capaz de assegurar que a sua

preferência sobre uma determinada questão prevaleça sobre as preferências dos demais atores;

segundo, um ator também exerce poder quando ele é capaz de impedir que uma determinada

questão possa até mesmo ser apreciada pelos demais atores; e, terceiro, um ator exerce poder

quando ele é capaz de modificar as preferências dos demais atores sobre uma determinada ques-

tão, de modo que elas convirjam em direção às suas próprias preferências sobre ela. Na realidade,

essas três formas de poder não são mutuamente excludentes, nem tampouco, independentes entre

si. Nesse caso, elas podem reforçar umas às outras (Gaventa, 1980).

Para Lukes (1974), as três dimensões, ou faces, do poder se sustentariam no mesmo prin-

cípio de que um ator exerce poder sobre outro toda vez que ele é capaz de direcionar o seu com-

portamento em um sentido contrário aos seus interesses. Essa concepção é mais forte do que

aquela que considera que um ator exerce poder sobre outro na medida em que ele é capaz de fa-

zer com que ele faça algo que de outra forma não faria. Isso porque, ao admitir que as preferên-

cias podem ser manipuladas, ela pressupõe que as preferências expressas pelos atores sobre de-

terminada questão podem não necessariamente corresponder aos verdadeiros interesses sobre ela.

Dito de outra forma, as ações ou inações dos atores em processo de interação podem não revelar

os seus verdadeiros interesses.

A primeira dimensão do poder pressupõe que os atores formam preferências em torno de

determinadas questões com base em seus interesses e entram em conflito com o intuito de que as

suas preferências e, portanto, os seus interesses, prevaleçam sobre os demais. Dessa forma, o mo-

do mais eficaz de identificar aqueles que são mais poderosos é observar o resultado concreto des-

se conflito, vale dizer, a decisão efetivamente tomada. Evidentemente, não há garantias de que os

mesmos atores prevaleçam sobre os demais em todas as situações. Algumas vezes, isso pode

acontecer. Outras não. Em todo caso, assume-se que os atores possuem plena consciência de seus

interesses ao formar as suas preferências, as quais, por sua vez, são observáveis por meio do

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comportamento dos atores. Em outras palavras, os interesses dos indivíduos são exatamente aqui-

lo que eles manifestam por meio de suas ações ou inações. Segue-se daí que, se há um consenso

entre os atores, e se os interesses desses atores correspondem às suas preferências, esse consenso

é, necessariamente, genuíno (Dahl, 1957, 1961; Lukes, 1974). Segundo Polsby (1980, p.4):

(…) who prevails in decision-making seems the best way to determine which in-

di0viduals and groups have ‘more’ power in social life, because direct conflict between

actors presents a situation most closely approximating an experimental test of their ca-

pacities to affect outcomes.

Tal como sugere Korpi (1998), essa forma de manifestação de poder constitui, na realida-

de, apenas a parte visível do “iceberg”. Há muito mais abaixo da superfície no que se refere às

relações de poder entre os diferentes atores, de modo que, frequentemente, subestima-se a impor-

tância desse elemento na estruturação da vida social. As demais dimensões do poder buscam en-

fatizar como o poder pode se manifestar fora dos conflitos que resultam em decisões concretas.

Na realidade, o poder pode existir mesmo naquelas situações em que não existem decisões con-

cretas e até mesmo naquelas situações em que não existem conflitos.

Nesse caso, a segunda dimensão, ou face, do poder sugere que, na medida em que um ator

cria ou reforça barreiras para impedir que uma determinada questão seja objeto de decisão, esse

ator exerce poder. De fato, algumas questões tornam-se objeto de discussão, enquanto outras não.

Nesse caso, o poder manifesta-se não apenas nas decisões efetivamente tomadas, mas também

nas decisões que foram impedidas de serem tomadas. Em outras palavras, as “não-decisões” são

tão importantes quanto as decisões para a expressão do poder. Deve-se observar que uma não-

decisão é diferente de decidir não atuar e de decidir não decidir. Ela se refere a assuntos que nem

sequer se tornam objeto de decisão e se manifesta toda vez que um ator devota seus esforços para

restringir o alcance do processo político às questões de seu interesse, ou seja, ao limitar o alcance

real da tomada de decisões às questões por eles consideradas seguras do ponto de vista daqueles

que exercem o poder. De fato, todos os atores possuem um viés em favor da exploração de alguns

conflitos e da supressão de outros. O exercício de poder, nesse caso, nada mais é do que a “mobi-

lização” desse viés. Evidentemente, essa concepção insere-se no reino das possibilidades, uma

vez que se refere a algo que, na realidade, não pode ser observado na prática (Bachrach e Baratz,

1962, 1963; Lukes, 1974).

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Por fim, a terceira dimensão do poder manifesta-se na manipulação das preferências dos

atores em relação à determinada situação de forma a impedir o reconhecimento das divergências

de interesses que existem entre eles e, consequentemente, a sua manifestação na forma de confli-

tos. Trata-se, portanto, de uma forma de poder muito mais sutil e, até mesmo, mais efetiva. Nes-

se caso, os interesses dos indivíduos podem não ser exatamente aquilo que eles manifestam por

meio de suas preferências. As preferências dos indivíduos são determinadas pela vida em socie-

dade desde o seu nascimento até a sua morte. E seus verdadeiros interesses poderiam ser obser-

vados apenas quando esses atores tivessem de tomar decisões livres de qualquer influência. Dito

de outra forma, os interesses reais apenas poderiam ser identificados em condições de relativa

autonomia, o que, na prática, não é possível (Ham e Hill, 1984).

O poder surge, então, quando um ator induz outro a desejar aquilo que, de outro modo,

não desejaria. Assim, atores com interesses diferentes podem ter suas preferências alteradas, de

modo que o seu comportamento seja orientado na direção dos interesses dos atores mais podero-

sos. O resultado de uma relação social desse tipo seria a adesão dos dominados aos interesses dos

dominadores. A relação de dominação e subordinação não é percebida como tal, mas como um

acordo em torno de interesses considerados como verdadeiros por todos. Os dominados não per-

ceberiam a contradição que existe entre os seus interesses e os interesses dos dominadores. Tem-

se, portanto, um conflito potencial, e não um conflito aberto ou encoberto. Se é verdade que a

forma mais efetiva de exercício do poder é impedir que o conflito surja, deve-se sempre descon-

fiar do consenso, pois não é pouco provável que ele seja o resultado não do equilíbrio de forças

entre os diferentes atores, mas justamente do contrário, isto é, o resultado de uma assimetria de

poder entre eles. Tal como sugere Lukes (1974, p.28):

Is it not the supreme and most insidious exercise of power to prevent people, to whatever

degree, from having grievances by shaping their perceptions, cognitions and preferences

in such a way that they accept their role in existing order of things, either because they

can see or imagine no alternative to it, or because they it as natural and unchangeable, or

because they value it as divinely ordained and beneficial? To assume that the absence of

grievance equals genuine consensus is simply to rule out the possibility of false or ma-

nipulated consensus by definitional fiat.

Nesse sentido, a terceira dimensão do poder, tal como proposta por Lukes, se aproxima,

em alguma medida, da concepção de Gramsci (1971) a respeito da “hegemonia”. Para ele, a cons-

tituição de uma concepção de mundo por um ator é também um fenômeno político, expressão de

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relações de poder em uma determinada sociedade. A hegemonia decorre da capacidade dos atores

dominantes de imporem a sua dominação sobre outros grupos com certa credibilidade, ou seja,

como algo que atende não apenas aos seus interesses, mas também aos interesses dos atores su-

bordinados, por meio da manipulação de suas ideias (Lukes, 1974; Parsons, 1995).

Segundo Gramsci (1971), inconscientemente, estes acabam por adotar como sua a con-

cepção de mundo daqueles. Assim, os atores dominantes educam os atores subordinados para que

estes passem a viver em submissão àqueles como algo natural e, portanto, inevitável. Eles, na

realidade, forjam um consenso que, na ausência de sua ação, não existiria. Esse consenso não é

espontâneo, mas imposto. Do ponto de vista dos atores dominados, portanto, surge uma contradi-

ção, ainda que não percebido por eles, é verdade, entre o que eles são e o que eles deveriam ser,

decorrentes da coexistência de duas concepções sobre o mundo, uma genuína, endógena, e outra

artificial, exógena.

Por tudo isso, conclui-se que a forma de intervenção do Estado na realidade é o resultado

da interação entre atores com diferentes interesses e, o que é mais importante, com diferentes

capacidades de impor esses interesses sobre os demais. Essas capacidades podem se manifestar

em um conjunto de decisões, mas também de não-decisões, bem como na existência de conflitos,

mas igualmente de consensos. Em última instância, tem-se, portanto, que o perfil das políticas

públicas é o resultado de um complexo processo político. Não por outra razão, diz-se frequente-

mente que a policy e a politics são, na realidade, as duas “faces de uma mesma moeda”.

2.2.3 Teorias sobre os determinantes da ação do Estado

Como visto, as políticas públicas devem ser entendidas como a forma por meio do qual o

Estado intervém na realidade, com o intuito de preservá-la ou alterá-la em determinado sentido.

Por sua vez, a forma de intervenção do Estado, ou o perfil das políticas públicas, deve ser enten-

dido como o resultado de um processo político, isto é, como o resultado de um processo de inte-

ração, seja ele de competição ou negociação, entre atores, sejam eles estatais ou não, com dife-

rentes interesses e percepções da realidade. Nesse caso, ele reflete a correlação de forças entre

esses atores, sendo a materialização dos interesses e percepções da realidade daqueles que tive-

rem a maior capacidade de impô-los sobre os demais. O resultado desse processo de interação é

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ainda fortemente influenciado pelos eventos econômicos, sociais ou políticos, bem como pelas

instituições formais e informais, em vigor em determinado momento8.

Essa concepção a respeito do que determina o perfil das políticas públicas será de funda-

mental importância para o entendimento das causas do surgimento e do desenvolvimento das

diferentes formas que os Estados de Bem-Estar Social assumiram na Europa Ocidental ao longo

da história. Possuindo um grau elevado de abstração, ela é construída a partir de um conjunto de

proposições extraídas das principais interpretações existentes a respeito dos determinantes da

forma de intervenção do Estado na realidade. Isso é necessário, uma vez que nenhuma interpreta-

ção é capaz de fornecer todos os elementos necessários para compreender as múltiplas determi-

nações da ação estatal.

Nesse contexto, serão consideradas a seguir a abordagem marxista, a abordagem pluralista

e a abordagem corporativista/neocorporativista, que enfatizam que o perfil das políticas públicas

é o resultado de relações de poder, além das abordagens cognitivas e da abordagem instituciona-

lista/neoinstitucionalista, que ressaltam a importância das ideias e das circunstâncias históricas

nesse processo, respectivamente. Essas interpretações, ou abordagens, também implicam diferen-

tes graus de abstração, aproximando-se mais ou menos da realidade. Enquanto algumas se fun-

damentam em princípios mais genéricos, outros se baseiam em princípios mais específicos, cons-

truídos a partir da análise de experiências concretas.

2.2.3.1 O Marxismo

Dentre os marxistas, prevalece o entendimento de que a forma da intervenção do Estado,

ou o perfil das políticas públicas, deve assegurar as condições necessárias para a preservação das

8 É importante observar que esse processo de interação entre atores com diferentes interesses e com distintas capaci-

dades de impor esses interesses sobre os demais está presente em cada uma das etapas do processo de construção das

políticas públicas, ou seja, do que se convencionou denominar de “ciclo de vida das políticas públicas”. Assim, ele se

manifesta: i) na identificação do problema (construção da agenda); ii) na proposta da resposta (formulação da políti-

ca); iii) escolha da resposta (tomada de decisão política); iv) efetivação da resposta (implementação da política); v)

monitoramento da resposta (avaliação da política); e vi) manutenção, encerramento ou reforma da resposta (conclu-

são da política). Em geral, o conjunto de atores que participam diretamente do processo político se reduz à medida

que se avança em direção ao momento da escolha de um dentre os caminhos possíveis de ação do Estado diante de

determinada situação, para voltar a aumentar depois disso, pois apenas alguns desses atores possuem acesso ao pro-

cesso decisório que ocorre no interior da burocracia estatal. A separação do processo de construção da política públi-

ca, deve-se ressaltar, possui apenas fins analíticos, na medida em que nem todas as etapas podem ocorrer, ao passo

que aquelas que ocorrem não necessariamente seguirão determinada ordem ou ocorrerão sequencialmente. Sobre o

ciclo de vida das políticas públicas, ver Howlett, Ramesh e Perl (2012).

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relações de dominação e subordinação que caracterizam determinado modo de produção. Em

última instância, a sua função é suavizar a luta de classes e, assim, assegurar a manutenção das

ordens econômica, social e política vigentes. Isso significa, evidentemente, proteger os interesses

das classes dominantes no longo-prazo. Entretanto, o Estado poderá fazer isso por meio de apa-

rentes concessões aos interesses das classes dominadas no curto-prazo.

Para Marx, a organização da vida social é determinada pelas condições materiais (Bobbio,

1998b). Mais especificamente, diferentes modos de produção pressupõem diferentes relações

sociais. Essas relações sociais se estabelecem entre classes e são claramente assimétricas, na me-

dida em que se baseiam na existência de uma classe dominante, de um lado, e de uma classe do-

minada, de outro. O pertencimento a uma ou outra classe é determinado pelas características dos

indivíduos, notadamente, a propriedade, ou não, dos meios de produção. Quanto maior o senti-

mento de pertencimento a uma classe por parte de seus membros, maior a sua capacidade de mo-

bilização em torno de interesses comuns. A questão fundamental, segundo Marx, é que as contra-

dições inerentes a cada modo de produção induzem a luta de classes. Nesse contexto, as classes

dominantes buscam preservar o modo de produção vigente, ao passo que as classes dominadas

buscam a sua superação. A vitória das classes dominadas frente às classes dominantes leva a

substituição do modo de produção vigente por outro, que pressupõe novas contradições, que in-

duzem novas lutas de classes que, por sua vez, levam a novos modos de produção, e assim suces-

sivamente, em um claro movimento dialético. Não por outra razão, Marx concebe a luta de clas-

ses como o “motor da história”.

Nesse contexto, o modo de produção capitalista é caracterizado por uma relação social

bastante específica, a saber, aquela que se estabelece entre proprietários dos meios de produção e

proprietários da força de trabalho, ou seja, entre capitalistas e trabalhadores, e que é caracterizada

pela subordinação destes em relação àqueles. Segundo Marx, também esse modo de produção é

repleto de contradições, as quais deverão se explicitar, primeiro, na crescente oposição entre a

burguesia e o proletariado e, depois, em sua eventual superação. A burguesia era a classe domi-

nada no modo de produção anterior e se tornou a classe dominante na ordem vigente, sendo que o

seu papel revolucionário encerrou-se tão logo ela consolidou o seu poder. Ela, entretanto, deu

origem ao proletariado, que está destinado a encerrar o seu domínio e abolir definitivamente a

sociedade de classes. De fato, tal como sugerem Marx e Engels (1848):

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Opressores e oprimidos, em constante oposição, têm vivido numa guerra ininterrupta,

ora franca, ora disfarçada; uma guerra que terminou sempre, ou por uma transformação

revolucionária, da sociedade inteira, ou pela destruição das duas classes em luta. A soci-

edade divide-se cada vez mais em dois vastos campos opostos, em duas grandes classes

diametralmente opostas: a burguesia e o proletariado.

A concepção de Marx a respeito do Estado, embora não completamente formalizada, é re-

velada já em suas críticas à Hegel (Carnoy, 1984; Hay, 1999). Essas críticas são fundamental-

mente de duas ordens. Em primeiro lugar, Marx questionou a natureza ahistórica do Estado em

Hegel, para quem ele existiria independentemente das circunstâncias em que se desenvolve a vida

social. Em sua concepção, a estrutura econômica constitui a base sobre a qual são construídas as

demais estruturas, ou superestruturas, entre elas, o próprio Estado. Nesse caso, segundo Marx,

não é o Estado que molda a sociedade, mas o contrário, ele é moldado por ela. A sociedade, por

sua vez, é moldada pelas condições materiais, determinadas pelo modo de produção vigente em

determinado momento histórico. Dessa forma, se as condições materiais mudam com a história, a

sociedade e, consequentemente, o Estado, também o fazem.

Em segundo lugar, Marx opôs-se veementemente à concepção hegeliana de que o Estado

agiria, necessária e invariavelmente, em favor do interesse comum. Em linha com a tradição clás-

sica, Hegel argumentava que o Estado estava acima dos interesses particulares9. Para Marx, ao

contrário, o Estado não seria capaz de transcender a luta de classes que se desenvolve no interior

da sociedade, ou seja, de se libertar dos interesses dos diferentes grupos que compõem e, assim,

de agir em favor de um pretenso interesse comum. A forma da ação do Estado nada mais é do

que um reflexo da configuração das relações sociais que caracterizam um determinado modo de

produção. Nesse caso:

Legal relations as well as forms of the state are to be grasped neither from themselves

nor from the sol-called general development of the human mind, but rather have their

roots in the material conditions of life (…). In the social production of their life, men en-

ter into definite relations that are indispensable and independent of their will, relations of

production which correspond to a definite state of development of their material produc-

tion forces. The sum total of these relations of production constitutes the economic struc-

ture of a society, the real foundation, on which rises a legal and political superstructure

and to which corresponds definite forms of social consciousness. The mode of produc-

tion of material life conditions the social, political and intellectual life process in general.

9 De fato, Hegel insere-se na tradição clássica a respeito da natureza do Estado, a qual é cultivada, de modos diferen-

tes, é verdade, desde Hobbes, Locke e Rousseau, até Smith. Todos eles supunham que o Estado de transcender os

homens em seu estado natural, que se expressa em comportamentos mais ou menos antissociais, assegurando a pre-

servação da ordem e, portanto, da vida coletiva (Carnoy, 1984).

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It is not the consciousness of men that determines their being, but, on the contrary, their

social being that determines their consciousness (Marx apud Tucker, 1978, p.571).

Em sua origem, portanto, o marxismo considerava o Estado como derivado essencialmen-

te de relações econômicas. Uma vez que essas relações são basicamente de exploração da classe

dominada pela classe dominante e que o Estado não pode servir a dois senhores ao mesmo tempo,

ele se torna um “comitê” para gerir os negócios comuns da classe capitalista. Na prática, portan-

to, ele é apropriado por ela. A classe dominante controla diretamente a sua institucionalidade e

direciona a sua ação para aquilo que lhe é relevante. Em última instância, a classe economica-

mente dominante torna-se, também, a classe politicamente dominante. Há uma íntima relação

entre poder econômico e o poder político. Cada classe dominante, em cada modo de produção,

confeccionaria o Estado à sua “imagem e semelhança”. E, assim, o Estado seria a forma por meio

da qual seria levada a cabo uma verdadeira “ditadura de classes” (Engels, 1884; Hay, 1999; Jes-

sop, 1984).

A discussão a respeito da natureza, bem como do papel do Estado no modo de produção

capitalista, voltou à pauta marxista na segunda metade do século XX, após um longo período

marginalizada. Nesse caso, os chamados “neomarxistas” encontram-se entre a antiga concepção

do Estado como um instrumento passivo, senão neutro, totalmente manipulado por uma única

classe, em que nenhuma autonomia é reconhecida (o Estado como “coisa”) e aquela que concebe

essa institucionalidade como dotada de autonomia absoluta, de vontade própria, independente-

mente da sociedade com a qual ele se relaciona (o Estado como “sujeito”) (Pierson, 1991).

Nesse contexto, é particularmente notável o debate que se estabelece entre os chamados

“instrumentalistas” e “estruturalistas”. Os neomarxistas instrumentalistas aproximam-se mais da

concepção do “Estado como coisa”. Eles supõem que as instituições do Estado estão diretamente

sob controle dos membros da classe capitalista. Nesse caso, sua ação apenas reproduz os interes-

ses dessa classe. Conceber o Estado como um instrumento da classe capitalista, portanto, pressu-

põe conceber as suas ações como o resultado da manipulação consciente dessa institucionalidade

por essa classe.

Por sua vez, os estruturalistas aproximam-se mais da concepção do “Estado como sujei-

to”. Entende-se que o Estado possui alguma autonomia em relação à classe capitalista, mas que

essa autonomia é restringida em função do fato de que esse Estado está imerso em uma realidade

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que é determinada, em última instância, pelas condições materiais. Em outras palavras, admite-se

alguma autonomia da política em relação à economia. E a principal implicação disso é que o Es-

tado não pode ser apropriado como um mero instrumento pela classe economicamente dominan-

te. Ela serve aos seus interesses, mas porque ele está subordinado às estruturas que caracterizam

aquele modo de produção. Nesse caso, essa autonomia da política em relação à economia é ape-

nas relativa. Sem dúvida, o símbolo do debate entre instrumentalistas e estruturalistas tornou-se

aquele se estabeleceu entre Robert Miliband, de um lado, e Nicos Poulantzas, do outro (Marques,

1997; Mollo, 2001).

Mais próximo das primeiras concepções de Marx a respeito do Estado, Miliband (1969) o

concebe como um conjunto de instituições interrelacionadas, ou seja, como um “sistema”. Para

ele, a classe dominante é aquela que detém a propriedade dos meios de produção e que, por virtu-

de do poder econômico por isso coferido a ela, é capaz de manipular as instituições do Estado e,

assim, transformá-lo em um instrumento de dominação das outras classes. Nesse contexto, o Es-

tado serve aos interesses dos capitalistas de duas formas principais. Primeiro, pela origem social

dos membros do Estado e, segundo, pelas relações pessoais desses membros com os membros da

classe dominante. Ou seja, segundo Miliband, o controle do Estado está entregue àqueles com a

mesma visão dos capitalistas, embora não necessariamente aos capitalistas em si. O Estado ou,

mais especificamente, sua elite – aqueles que efetivamente estão em posição de comando – tem a

mesma composição da elite econômica. E, nesse caso, suas ações serão orientadas precisamente

para a consecução de seus interesses. Segundo Miliband (1969, p.55):

No obstante, aunque hay muchos hombres con poder fuera del sistema estatal, que afecta

al estado grandemente, no son ellos los depositarios reales del poder estatal, y para ana-

lizar el papel desempeñado por el estado en estas sociedades, es necesario estudiar a la

élite estatal, que esgrime el poder del estado como entidad distinta y aparte. Es necesario

hacerlo especialmente al analizar la relación del estado con la clase económicamente

dominante. Pues el primer paso del análisis consiste en señalar que esta clase mantiene,

obvia y fundamentalmente, una relación con el estado que no podemos suponer, en las

condiciones políticas características del capitalismo avanzado, como la del director con

el agente. Quizás encontremos que la relación sea muy íntima, en verdad, que los deten-

tores del poder estatal, por muchas y diversas razones, sean los agentes del poder eco-

nómico privado, y que quienes esgrimen ese poder constituyan, por tanto, y sin ampliar

exageradamente el significado de los términos, una auténtica ‘clase imperante’. Pero esto

es, sencillamente, lo que se tiene que determinar.

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Miliband (1960, 1973), entretanto, compartilha com os estruturalistas a visão de que obje-

tivo central do Estado é assegurar as condições para o processo não apenas de reprodução sim-

ples, mas também de reprodução ampliada de capital. Grosso modo, isso significa assegurar as

condições para a manutenção do processo de transformação de “dinheiro em mais dinheiro”, seja

no âmbito da produção, seja fora dela. Nesse caso, ele atende não apenas aos interesses da classe

dominante, mas também aos seus próprios interesses, na medida em que é esse processo de acu-

mulação de capital que garante, em última instância, as condições para a sua sobrevivência (Ham

e Hill, 1974).

A crítica de Poulantzas a Miliband fundamenta-se na concepção de que o Estado serve aos

interesses capitalistas, mas não necessariamente porque essa institucionalidade é ocupada por

aqueles ligados, de uma forma ou de outra, à classe dominante. Em outras palavras, o Estado ser-

ve aos interesses capitalistas independentemente de quem está no comando de sua burocracia.

Para ele, Miliband parece ter reduzido a relação entre classes a uma relação entre indivíduos que

compõem essas classes, o Estado, a um conjunto de indivíduos que compõem o Estado, e a rela-

ção das classes com o Estado, a uma relação entre os indivíduos que compõem essas classes e os

indivíduos que compõem o Estado. Tudo depende, portanto, do comportamento dos indivíduos

que compõem o Estado e as classes sociais. Eles possuem vontade própria e, enquanto tal, tor-

nam-se fonte de mudança. Para Poulantzas (1969; 1976), essa análise desconsidera as classes

sociais e o Estado como estruturas objetivas, das quais os indivíduos são, na realidade, apenas

parte. Em sintonia com a tradição estruturalista iniciada pelos trabalhos do francês Louis Althus-

ser, Poulantzas argumenta que os indivíduos não possuem total domínio sobre suas ações, uma

vez que elas são determinadas por forças que estão acima deles, isto é, pelas estruturas. Nos ter-

mos de Poulantzas (1969, p.73):

(…) the direct participation of members of the capitalist class in the state apparatus and

in the government, even where it exists, is not the important side of the matter. The rela-

tion between the bourgeois class and the state is an objective relation. This means that if

the function of the state in a determinate social formation and the interests of the domi-

nant class in this formation coincide, it is by reason of the system itself: the direct partic-

ipation of members of the ruling class in the state apparatus is not the cause but the ef-

fect, and moreover, a chance and contingent one, of this objective coincidence.

Para Poulantzas (1968; 1969), o Estado não é capitalista, ou um “Estado de classe”, em

função das relações diretas que se estabelecem entre os membros de sua burocracia e os membros

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da classe dominante. Independentemente de sua origem, os membros do Estado atuam como uma

categoria social específica e, portanto, com uma unidade interna própria, que não coincide, neces-

sariamente, com a de uma ou outra classe ou, ainda, com a de uma ou outra fração de classe. En-

tretanto, os interesses da burocracia acabam inevitavelmente por coincidir com os interesses de

longo-prazo da classe dominante em conjunto. Isso porque um Estado que é parte do modo de

produção capitalista e, o que é mais importante, que dele depende, pode perseguir os seus pró-

prios objetivos apenas facilitando o funcionamento desse modo de produção, o que, evidentemen-

te, também é o objetivo da classe dominante como um todo. Em suas palavras (1969, p.74):

(...) the bureaucracy, as a specific and relatively ‘unified’ social category, is the ‘serv-

ant’ of the ruling class, not by reason of its personal relations with the ruling class, but

by reason of the fact that its internal unity derives from its actualization of the objective

role of the State. The totality of this role itself coincides with the interest of the ruling

class.

Assim sendo, ao desconsiderar os interesses particulares e considerar os interesses co-

muns à classe dominante, a ação do Estado acaba por contribuir para a sua organização e hege-

monia. Poulantzas (1968; 1969) ressalta que a consecução desse objetivo implica conquistar a

lealdade da classe dominante. Isso pode ser feito, em grande medida, por meio da ideologia, mas

também por meio de um conjunto de concessões aos interesses de curto-prazo dessa classe. Em

outras palavras, sua ação acaba por organizar os interesses dos capitalistas como classe, atuando,

nesse caso, como uma “força centrípeta”, ao mesmo tempo em que acaba por desorganizar os

interesses dos trabalhadores como classe, atuando, agora, como uma “força centrífuga” (Jessop,

1984; Carnoy, 1984).

Nesse contexto, a noção de “autonomia relativa” em Poulantzas surge na autonomia do

Estado em relação às classes e frações de classe e, consequentemente, na autonomia da superes-

trutura, ou seja, das relações políticas em relação à estrutura, às relações econômicas. Entretanto,

a autonomia do Estado em relação às classes e às frações de classe e a autonomia das relações

políticas em relação às relações econômicas são apenas relativas. Isso porque, no longo-prazo,

elas não são capazes de evitar a prevalência dos interesses das classes dominantes sobre os inte-

resses da classe dominada e, consequentemente, a manutenção da ordem estabelecida no âmbito

da produção e da circulação de mercadorias. Em outras palavras, se a ação do Estado se liberta,

em primeira instância, do domínio das classes e frações de classe e do domínio do econômico, ela

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está submetida a eles em última instância (Marques, 1997; Mollo, 2001). Segundo Poulantzas

(1968, p.36):

(…) relative autonomy allows the state to intervene not only in order to arrange com-

promises vis-à-vis the dominated classes, which, in the long run, are useful for the actual

economic interests of the dominant classes or fractions; but also (depending on the con-

crete conjecture) to intervene against the long term economic interests of one or other

fraction of the dominant class: for such compromises and sacrifices are sometimes nec-

essary for the realization of their political class interests.

Mais tarde, Poulantzas (1978) conceberia o Estado como uma condensação das relações

de poder entre as classes e frações de classe em luta. O Estado não traduz, no nível político, os

interesses da classe dominante, mas sim a relação desses interesses com os interesses da classe

dominada. Com isso, ele transcende a concepção da relação entre o Estado e as classes sociais

como uma relação de exterioridade, isto é, como se ambos fossem duas entidades em confronto:

uma possuindo poder e, portanto, dominando; outra não possuindo o poder e, portanto, sendo

dominada, tal como em um jogo de soma-zero. A ação do Estado deve ser entendida como o re-

sultado da relação de poder entre as classes que se insere na própria estrutura do Estado ou, ainda,

em sua “ossatura material”. Nos termos de Poulantzas (1978, p.74):

(…) the State should be seen (as should capital, according to Marx) as a relation, or

more precisely, as the condensate of a relation of power between struggling classes. In

this way we escape the false dilemma entailed by the present discussion on the state, be-

tween the state comprehended as Thing/Instrument and the State comprehended as Sub-

ject. As a Thing: this refers to the instrumentalist conception of the State, as a passive

tool in the hands of a class or fraction, in which case the State is seen as having no au-

tonomy whatever. As Subject: the autonomy of the State, conceived here in terms of its

specific power, ends up by being considered absolute, by being reduced to its ‘own will’,

in the form of the rationalizing instance of civil society (…), and is incarnated in the

power of the group that concretely represents this rationality/power (…).

Tal como Poulantzas, Offe (1974; 1975) discorda do entendimento de que o caráter de

classe do Estado deriva do fato da classe dominante ocupar pessoalmente a sua burocracia. Mas,

diferentemente dele, ele não enfatiza que esse caráter deve-se a constrangimentos estruturais, ou

seja, pelo fato de o Estado estar imerso no modo de produção e dele ser indissociável. Para Offe,

o Estado é independente da classe dominante, seja diretamente, seja indiretamente. Mesmo assim,

ele acaba servindo aos seus interesses de qualquer forma, porque depende do bom funcionamento

do processo de acumulação para garantir a sua sobrevivência, ou ainda, a sua reprodução. O po-

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der do Estado é limitado por uma sociedade em que são os capitalistas, e ninguém mais, que con-

trolam os meios de produção e, portanto, a produção de riqueza. Segundo Offe (1974, p.124):

Este acesso privilegiado dos membros da classe capitalista aos centros de decisão do es-

tado, quando ocorre, não é a causa, mas sim o reflexo institucional da dependência estru-

tural da atividade em relação ao funcionamento da acumulação. Desse ângulo, não são

fundamentalmente os agentes do processo de acumulação que estão interessados em ins-

trumentalizar o poder estatal, mas, ao contrário, são os agentes do poder estatal que – a

fim de assegurar a sua própria capacidade de funcionamento – obedecem como seu

mandamento mais alto, ao imperativo da constituição e consolidação de um ‘desenvol-

vimento econômico’ favorável.

Além de criar as condições para fomentar a acumulação capitalista, o Estado deve ser ca-

paz de legitimar essa acumulação, lidando com as contradições por ela produzidas. Nesse caso,

ele representa os interesses do capital ao mesmo tempo em que, aparentemente, funciona como

um árbitro na competição entre capitalistas, bem como entre capitalistas e trabalhadores. O seu

poder, afinal, não decorre apenas das diferentes frações da classe dos capitalistas, mas também da

classe dos trabalhadores. Nesse caso, tal como Poulantzas, o Estado só age como um Estado de

classe ao se despir sistematicamente de sua natureza como Estado capitalista. Para ser legítimo, o

Estado capitalista deve se apresentar como aquele que está serviço de todas as classes (Offe,

1974, 1975; Marques, 1998).

2.2.3.2 O Pluralismo

A abordagem pluralista desenvolveu-se na segunda metade do século XX e prevalece co-

mo a concepção predominante no mundo anglo-saxão, em geral, e nos Estados Unidos, em parti-

cular, a respeito dos determinantes da ação do Estado. Ela está intimamente relacionada à tradi-

ção behaviorista, no sentido de que ela considera que essa ação é o resultado das ações dos ho-

mens em interação entre si. Segundo essa visão, portanto, pretende-se explicar o comportamento

do Estado fundamentalmente por meio da análise do comportamento observável dos homens.

Dentre os pluralistas, prevalece o entendimento de que a forma de intervenção do Estado,

ou o perfil das políticas públicas, é resultado do processo de competição entre os diversos grupos

de interesses. Como se trata de uma competição, a relação entre os atores dá-se em uma “arena

política” (Lowi, 1964). Esse processo é um “jogo de soma-zero”, no qual um grupo é vencedor e

outro é perdedor. O grupo vencedor impõe o seu interesse sobre os demais, ao passo que os gru-

pos perdedores são obrigados a recuar e aceitar esses interesses em detrimento dos seus próprios.

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Tal como os marxistas, os pluralistas partem da noção de que a ação do Estado é determi-

nada, em grande medida, pela ação dos grupos representantes de interesses. Eles concebem a so-

ciedade como sendo articulada em torno de núcleos de poder que se situam abaixo do Estado e

acima dos indivíduos. Nesse caso, para a abordagem pluralista, os “grupos de interesse” são os

principais atores do processo político. Entende-se que os indivíduos, ao perseguirem os seus inte-

resses, não fazem isso sozinhos. Eles procuram se associar àqueles indivíduos que partilham dos

seus mesmos interesses com o propósito de aumentar a probabilidade de que eles sejam atingidos.

A noção subjacente a esse comportamento é a de que os grupos, ao contrário dos indivíduos, pos-

suem maior capacidade de pressão sobre o Estado e, assim, de afetar a sua ação, em um ou outro

sentido. Logo, o interesse do grupo surge como o resultado da agregação dos interesses de seus

membros, sendo a ação coletiva, portanto, uma mera transposição do que seria a ação individual

(Dahl, 1961; Polsby, 1960; Truman, 1964)10

.

Desde logo, deve-se observar que os grupos de interesse são, na realidade, resultado de

alianças contextuais entre os indivíduos. Nesse caso, indivíduos que pertencem a uma mesma

classe podem estar em grupos de interesses diferentes a depender do assunto sobre o qual eles são

chamados a se posicionar (Ham e Hill, 1984).

Além disso, é possível identificar as seguintes características dos grupos de interesse:

primeiro, esses grupos são construídos de forma espontânea e voluntária, de modo que não exis-

tem quaisquer restrições à entrada e saída aos indivíduos; segundo, não há, necessariamente, mo-

nopólio de representação, no sentido de que um mesmo interesse pode ser representado por mais

de um grupo; terceiro, os grupos são independentes entre si; e quarto, o funcionamento dos gru-

pos não é, de modo algum, regulado pelo Estado, de modo que eles são organizações que não

possuem qualquer status público nem desempenham quaisquer funções públicas. Nos termos de

Schmitter (1974, p.96):

Pluralism can be defined as a system of interest representation in which the constituent

units are organized into an unspecified number of multiple, voluntary, competitive, non-

hierarchical ordered and self-determined (as to type or scope of interest) categories

which are not specifically licensed, recognized, subsidized, created or otherwise con-

10

Truman (1964) sugere que a possibilidade da existência de interesses latentes e manifestos daria origem a grupos

de interesse potenciais e organizados, respectivamente. Rigorosamente, à medida que os interesses velados tornam-se

interesses explícitos, os grupos de interesse potenciais se convertem em grupos de interesse organizados, que, então,

entram em disputa com os demais.

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trolled in leadership selection or interest articulation by the state and which do not exer-

cise monopoly of representative activity within their respective categories.

Os grupos de interesse entram em disputa entre si a fim de assegurar que os seus interes-

ses prevaleçam sobre os demais. Na realidade, portanto, a arena política, torna-se como um

“mercado”, onde os atores interagem entre si para obter uns dos outros aquilo que desejam. Esse

processo “autorregulado” de competição entre os grupos de interesse tem como resultado a ação

do Estado, que nada mais seria, portanto, que uma situação de “equilíbrio”. Em última instância,

ele representa um compromisso relativamente estável entre as demandas das várias forças con-

correntes (Downs, 1957).

Nesse contexto, os pluralistas concebem o Estado como sendo, em si, neutro em relação

às disputas que ocorrem no âmbito da sociedade. Ele é o árbitro da disputa entre os diferentes

grupos de interesse, a fim de assegurar que esse processo ocorra de forma ordenada. Além disso,

por meio das políticas públicas, ele sanciona a decisão que é o resultado dessa disputa. Ele é o

canal por meio do qual essa decisão se transforma em ação concreta sobre a realidade (Smith,

1990). Nesse caso, a ação do Estado não reflete, necessariamente, o interesse geral. Ela reflete,

antes de tudo, o interesse do grupo ou dos grupos de interesse capazes de impor as suas preferên-

cias a respeito de determinadas situações sobre os demais grupos de interesse em determinadas

circunstâncias (Muller e Surel, 1998)11

.

De fato, na abordagem pluralista, todos os atores são equivalentes, no sentido de que to-

dos possuem a mesma probabilidade de obter a decisão que lhes seja mais favorável. Todos os

interesses estarão representados e terão a mesma chance de serem atendidos pelo Estado. Os re-

cursos de poder estão distribuídos entre todos os atores. É bem verdade que cada recurso não é

distribuído da mesma forma. Mas aqueles que não dispõem de um recurso poderão compensar

sua falta por meio de outro recurso tão importante quanto aquele. Nesse caso, o resultado da dis-

puta entre os atores dependerá, sobretudo, da capacidade de cada um deles defender os seus inte-

resses, articulando estratégias que lhes garantam a vitória frente aos demais interesses. De fato,

11

De fundamental importância nessa concepção do processo político, o resultado da disputa entre os diferentes gru-

pos de interesse não pode ser previamente conhecido. Isso porque não há razão para supor que um ou outro grupo irá

prevalecer sobre os demais antes de se conhecer o resultado da competição entre eles. Além disso, não há porque

supor que um mesmo grupo sempre prevalecerá sobre os demais simplesmente porque isso já ocorreu em algum

momento. Um grupo que teve êxito diante de uma determinada situação não necessariamente irá tê-lo diante de outra

situação.

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segundo essa abordagem, o poder encontra-se pulverizado entre os diferentes atores em disputa.

Em outras palavras, nenhum grupo está completamente desprovido de poder e nenhum grupo

concentra totalmente o poder (Polsby, 1960)12.

Mais recentemente, muitas críticas foram direcionadas à abordagem pluralista, o que as-

segurou que alguns dentre os seus proponentes revisassem certos pressupostos originais dessa

abordagem. A primeira grande crítica se refere ao entendimento de que o Estado não é neutro, no

sentido de que ele é incapaz de favorecer um grupo em detrimento de outros. Isso, por sua vez,

está intimamente relacionado ao entendimento de que apenas os atores não-estatais são protago-

nistas do processo político, sendo os atores estatais apenas coadjuvantes (Smith, 1990)13

.

De fato, os atores estatais não são desprovidos de interesses. E, mesmo entre eles, podem

haver divergências, em função das posições que ocupam dentro de suas instituições. Eles podem

defender seus interesses por si mesmos ou, ainda, estabelecer vínculos estreitos com grupos fora

do Estado. Nesse caso, o Estado não é totalmente neutro no processo político. Embora ele conti-

nue sendo, por excelência, o sancionador das decisões decorrentes do processo de competição

entre os diferentes atores, os seus próprios membros podem estar envolvidos, em alguma medida,

nesse processo. O que falta à abordagem pluralista, nesse caso, é o reconhecimento de que o Es-

tado possui certa autonomia em relação aos grupos de interesse para a determinação da sua forma

de intervenção.

A segunda grande crítica à abordagem pluralista se refere ao entendimento de que todos

os grupos de interesse possuem virtualmente a mesma capacidade inicial de influenciar a ação do

Estado. De fato, nem todos os grupos possuem acesso ao processo político e, uma vez que te-

nham tido acesso a ele, nem todos se apresentam nas mesmas condições em relação aos demais

grupos em disputa. Os recursos de poder realmente não se distribuem de forma homogênea entre

eles e a questão fundamental é que não há garantias de que aqueles que não possuem um deter-

12

São bastante ilustrativas sobre este aspecto as conclusões a que chegou Dahl (1961) por meio do estudo do funcio-

namento da democracia nos Estados Unidos. Ele selecionou um conjunto de questões na cidade norte-americana de

New Haven e observou quais grupos de interesse prevaleciam em cada um deles. Essas questões eram selecionados

considerando a sua controvérsia, isto é, se havia divergência entre dois ou mais grupos de interesse sobre o que se

deveria fazer, como é o caso da educação pública. Dahl (1961) concluiu que nenhum grupo era efetivamente domi-

nante naquela cidade. Isso porque não era possível identificar um padrão sistemático de sucesso ou de fracasso.

13 Atualmente, supõe-se a existência de uma variedade bastante ampla de pluralismos, em função das revisões sofri-

das pela abordagem em sua versão original ou “canônica”. Sobre isso, ver, por exemplo, Smith (1990).

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minado recurso serão capazes de compensá-lo pela posse de outros ou, ainda, pela habilidade ao

utilizá-los nas relações com os demais atores. O que falta à abordagem pluralista, nesse caso, é o

reconhecimento de que há, sim, uma assimetria de poder entre os grupos de interesse e que é isso

é fundamental para a determinação do resultado do processo de interação entre eles.

Das sucessivas revisões dos pressupostos da abordagem pluralista derivam contribuições

interessantes a respeito do processo político que determina a forma de intervenção do Estado. As

mais notáveis delas se referem à noção de “redes de políticas” (policy networks). As redes de

políticas podem ser entendidas como a interação, mais ou menos institucionalizada, entre atores,

compostos por membros do Estado e da sociedade, na concepção e implementação de uma de-

terminada política pública. As redes de políticas, por sua vez, podem variar entre “redes de ques-

tões” (issue networks) e as “comunidades de política” (policy communities), os dois extremos de

um continuum, de acordo com o perfil das relações que se estabelecem entre os atores não-

estatais e entre eles e os atores estatais, no que se refere à sua estreiteza, regularidade e estabili-

dade, o número de atores participantes do processo político, a facilidade com que eles entram e

saem desse processo, a variedade de interesses envolvidos, entre outros (Smith, 1990; Rhodes e

Marsh, 1992).

Assim, no que se refere às redes de questões, elas, em geral, são bastante mutáveis, na

medida em que elas são compostas por vários grupos em torno de um determinado assunto, mas

que estes grupos estão constantemente entrando e saindo do processo político. Além disso, os

interesses em torno dessas questões são amplos e diversos. Já no que diz respeito às comunidades

de políticas, alguns grupos, em algumas áreas, têm uma relação mais estreita, regular e estável

com o Estado que outros. Os participantes em uma comunidade política tendem a partilhar um

mesmo interesse em torno de uma questão (Jordan e Richardson, 1983; Rhodes e Marsh, 1992)14

.

2.2.3.3 O Corporativismo/Neocorporativismo

A incapacidade da abordagem pluralista, ou, ao menos, de sua versão canônica, de expli-

car outras realidades que não a anglo-saxã, em geral, e norte-americana, em particular, tornou-se

14

Podem existir comunidades primárias e secundárias. As comunidades primárias são aquelas em que as relações

entre os grupos de interesse e o Estado são muito próximas e o acesso é limitado. As comunidades secundárias, por

sua vez, são aquelas em que as relações entre os grupos de interesse e o Estado são menos próximas e o acesso é

menos limitado. Evidentemente, a comunidade secundária exerce menos influência sobre a ação do Estado que a

comunidade primária e, em geral, só existe com o consentimento dela.

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um poderoso estímulo ao desenvolvimento de interpretações alternativas a respeito dos determi-

nantes da forma de intervenção do Estado, ou do perfil das políticas públicas. Dentre elas, desta-

ca-se a abordagem neocorporativista. Desenvolvida originalmente na Europa, sobretudo a partir

da experiência dos países continentais e escandinavos na segunda metade do século XX, ela pres-

supõe uma concepção bastante particular a respeito da relação que se estabelece entre o Estado e

a sociedade.

É interessante observar que tal abordagem tornou-se funcional à defesa do capitalismo

enquanto modo de organização da vida social na medida em que ela pressupõe a regulação dos

conflitos entre os diferentes segmentos da sociedade por meio do Estado, o que acaba inevitavel-

mente influenciado os processos de produção e distribuição da riqueza nessa sociedade. Nos ter-

mos de Cawson (1978, p.8).

(…) we can identify as the essential feature of neo-corporatism a distinctive conceptual-

ization of the relationship between the modern state and society. Corporatism is a specif-

ic sociopolitical process in which organizations representing monopolistic functional in-

terests engage in political exchange with the state agencies over public policy outputs

which involves these organizations in a role that combines interest representation and

policy implementation through delegated self-enforcement.

A abordagem neocorporativista pressupõe uma forma alternativa de representação de inte-

resses e, consequentemente, de ação coletiva, relativamente ao pluralismo. Segundo essa concep-

ção, os principais atores do processo político que determinam a ação do Estado não são os grupos

de interesse, mas as “associações corporativas”. Grosso modo, as associações corporativas reú-

nem indivíduos que exercem a mesma função na sociedade, sendo caracterizadas por um elevado

grau de solidariedade entre eles. Os interesses da associação se relacionam aos interesses dos

indivíduos que o compõem de forma recíproca: ao mesmo tempo em que os interesses da associ-

ação são modelados pelos interesses dos indivíduos, os interesses destes são moldados pelos da

associação. Em outras palavras, os indivíduos não apenas determinam a associação a que eles

pertencem como também são determinados por ela (Araújo e Tapia, 1991).

Algumas características diferenciam as associações corporativas dos grupos de interesse

(Schmitter, 1974, 1977, 1982). Primeiro, no caso dos grupos de interesse, a adesão é voluntária.

Os indivíduos se filiam àqueles com que se identificam, em função das preferências compartilha-

das em relação a uma determinada situação. Nas associações corporativas, por outro lado, a ade-

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são é compulsória, seja porque os indivíduos são formalmente obrigados, seja porque os custos

de não fazer isso são consideravelmente superiores aos benefícios. Ao atuar em conjunto, eles

esperam aumentar o seu poder em relação às demais associações corporativas e em relação ao

Estado. Eles se beneficiam da menor incerteza em relação aos resultados de sua ação e da maior

segurança em receber uma parte mais equitativa do que está em disputa. Segundo, no caso dos

grupos de interesse, é possível a existência de vários grupos, muitos dos quais representando os

mesmos interesses. No caso das associações corporativas, por sua vez, existem poucos grupos,

cada um deles representando um interesse diferente. Em outras palavras, eles possuem o monopó-

lio formal ou informal da representação. Terceiro, no caso dos grupos de interesse, eles possuem

considerável autonomia em relação ao Estado. Eles surgem e funcionam independentemente das

decisões do Estado. No caso dos grupos corporativos, por seu turno, essa autonomia é considera-

velmente menor. Eles não funcionam independentemente das decisões do Estado, o qual desem-

penha um papel ativo na formação, sustentação e/ou controle desses grupos (Schmitter, 1974).

A forma de interação entre os atores na abordagem neocorporativista também ocorre de

forma diferente daquela concebida pela abordagem pluralista. Ao contrário dos grupos de interes-

se, as associações corporativas não competem entre si. Eles negociam entre si e chegam a um

acordo. Dessa forma, as relações entre os grupos respeitam uma lógica de “barganha política”.

Todos são obrigados a ceder em alguns âmbitos, ao mesmo tempo em que todos são beneficiados

em outros. Nesse caso, prevalece a cooperação entre os grupos representantes dos interesses. Essa

relação fundamenta-se no reconhecimento de que esses grupos não são independentes entre si e

que, portanto, as ações de um grupo podem exercer um impacto positivo ou negativo sobre os

demais, aumentando ou reduzindo a sua capacidade de satisfazer os seus interesses (Lehmbruch,

1982, 1979a).

Em outras palavras, supõe-se que ao invés de um conflito de interesses, o que se verifica,

na realidade, é uma interdependência de interesses. Daí decorre o entendimento de que esses inte-

resses não são, necessariamente, incompatíveis entre si. Nesse caso, busca-se uma solução de

compromisso que não transforme o processo político em um jogo de soma-zero, em que a vitória

de um implique, necessariamente, a derrota do outro, mas em um jogo de soma positiva, em que,

para todos, os benefícios do processo de interação são superiores aos seus custos. Isso, inclusive,

explica porque as relações que se estabelecem entre associações corporativas, tal como propõe a

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abordagem corporativista, são contínuas e estáveis, ao contrário das relações que se estabelecem

entre grupos de interesse, tal como propõe o pluralismo, que são descontínuas e contingentes

(Lehmbruch, 1979a).

Nesse contexto, de acordo com a abordagem neocorporativista, a forma da intervenção do

Estado na realidade deve ser entendida como o resultado do processo de negociação entre o Esta-

do e as associações corporativas. Assim, o perfil das políticas públicas não seria resultado apenas

da ação do Estado ou apenas da ação dos grupos representantes de interesses. Na realidade, ele

decorre da interação entre eles. Mais especificamente, a política pública é modelada pela intera-

ção entre o Estado e os grupos que ele reconhece e apoia.

Além disso, as associações corporativas não estão envolvidas diretamente apenas no pro-

cesso de tomada das decisões, mas também em sua implementação. Uma vez que se tenha alcan-

çado um acordo, cada uma dessas associações torna-se parcial ou totalmente responsável por as-

segurar o seu cumprimento por parte de seus membros. Nesse caso, elas se tornam como “polici-

ais” do Estado, no sentido de que elas são capazes de assegurar que as decisões sejam cumpridas

tais como elas foram originalmente acordadas. Não por outra razão, afirma Lehmbruch (1979b,

p.150):

Corporatism is more than a peculiar pattern of articulation of interests. Rather, it is an in-

stitutionalized pattern of policy formation in which large interest organizations cooperate

with each other and with public authorities not only in the articulation (or even ‘interme-

diation’) of interests, but – in its developed forms – in the ‘authoritative allocation of

values’ and in the implementation of such policies.

Assim, segundo essa concepção, o Estado não deve ser entendido apenas como um mero

sancionador do resultado do processo de negociação entre os diferentes grupos representantes de

interesses. O Estado é um ator-chave, e não apenas uma arena em que os diferentes interesses se

enfrentam. Ele media e orienta o processo de negociação entre as associações corporativas no

sentido da conciliação dos interesses divergentes. E pode influenciá-lo, direcionado o processo de

negociação em uma ou outra direção. Dessa forma, o Estado, de modo algum, é neutro. Ele pró-

prio é um ator relevante, com poder. A questão fundamental, entretanto, é que isso significa a

existência de certa autonomia por parte dos atores estatais. Fica claro, é verdade, que o Estado

não é, necessariamente, controlado por nenhuma classe, grupo ou indivíduo, servindo aos seus

interesses em detrimento dos demais. Segundo Cawson (1978, p.19):

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Clearly, the argument that policy is determined and implemented in negotiation between

the state and interest organizations presupposes that the state agencies exercise Power in

their own right, which means that the state system must be to a greater or lesser extent

autonomous. If it lacks autonomy and is ‘colonized’ by private interests, then there is no

corporatism. Conversely, if the state is completely autonomous and independent, and in-

terest organizations in society are subordinate to state agencies in each sphere of public

policy-making, then there is no corporatism.

Além disso, os neocorporativistas, ao contrário dos pluralistas, não entendem que o poder

esteja pulverizado entre os diferentes grupos de interesse. Os grupos podem ser mais ou menos

poderosos, isto é, eles podem possuir capacidades diferentes de impor seus interesses sobre os

demais. Esse poder, ademais, se expressa de forma diferente. Não mais no processo de competi-

ção, mas no processo de negociação. Uma vez que a troca é a única forma dos atores atenderem

os seus interesses, o exercício de poder encontra limitações importantes. Em todo caso, como se

poderia esperar, os mais poderosos serão os principais beneficiados nesse processo de negocia-

ção. E, assim, embora todos possam receber algo em troca de alguma renúncia, alguns receberão

mais do que outros.

Deve-se observar, ademais, que o neocorporativismo diferencia-se do corporativismo. Na

realidade, a diferença fundamental entre o novo e o “velho” corporativismo se refere ao grau de

autonomia das associações corporativas em relação ao Estado. No primeiro caso, a organização

representativa dos interesses particulares é livre para aceitar ou não as suas relações com o Esta-

do, podendo, portanto, definir os termos dessas relações. Em geral, essas associações surgem de

forma espontânea, a partir da mobilização e organização da sociedade. Já no segundo caso, o Es-

tado impõe essa relação e define os seus termos. As próprias associações corporativas são criadas

pelo Estado ou dependem da sua aprovação para existir. Nos termos de Schmitter (1974), o novo

corporativismo está mais relacionado ao corporativismo “societal” ao passo que o “velho” corpo-

rativismo está mais relacionado ao corporativismo “estatal”. Ou, ainda, nos termos de Lehmbruch

(1979b), este está mais associado ao corporativismo “autoritário”, ao passo que aquele está mais

relacionado ao corporativismo “liberal” (Araújo e Tapia, 1990)15

.

15

Segundo Stepan (1980), o corporativismo estatal pode ser dividido em dois grupos: o inclusivo e o exclusivo. No

primeiro caso, o estado busca moldar as relações que se estabelecem entre ele e a sociedade por meio de mecanismos

de cooptação dos grupos. Já no segundo caso, ele procura fazer isso por meio de mecanismos de repressão a esses

grupos. A utilização de um tipo de mecanismo não necessariamente exclui a possibilidade de utilização do outro. Em

um mesmo regime, ambos podem ser utilizados simultaneamente pelo Estado.

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Mesmo assim, a distinção entre corporativismo societal e o corporativismo estatal, ou ain-

da, entre o corporativismo autoritário e o corporativismo liberal, parte do entendimento de que,

de uma forma ou de outra, ambos pressupõem uma relação estreita com o Estado. Mas enquanto

no primeiro caso, o monopólio da representação foi independentemente conquistado, a adesão dá-

se de forma espontânea e a organização interna é determinada pelos próprios membros, no se-

gundo caso, o monopólio da representação foi dependentemente concedido, a adesão dá-se de

forma coercitiva e a organização interna é determinada pelo Estado (Arbix 1996).

Por fim, o processo de negociação no âmbito do neocorporativismo pode ocorrer não ape-

nas no nível macro, mas também nos níveis meso e micro, de acordo com a natureza das associa-

ções corporativas envolvidas. De fato, existem diferentes níveis possíveis de agregação de inte-

resses. Nesse caso, tem-se, primeiro, o “macrocorporativismo”, quando as relações se estabele-

cem entre o Estado e as diferentes associações de classe, notadamente os representantes dos em-

pregadores e empregados, em geral conhecidos como “parceiros sociais”. Essa é, sem dúvida, a

mais conhecida expressão do neocorporativismo, e a base do chamado “sistema tripartite”. De-

pois, tem-se o “mesocorporativismo”, quando as relações se estabelecem entre o Estado e os dife-

rentes setores da economia ou, ainda, as diferentes categorias profissionais. E, finalmente, tem-se

o “microcorporativismo”, quando as relações se estabelecem entre o Estado e as empresas. Em

suma, a representação dos interesses, bem como a concepção e implementação da política públi-

ca, pode se dar por meio de associações que representam os interesses de classes, setores ou fir-

mas. O que se verifica é uma tendência a atribuir uma ênfase cada vez maior ao meso e ao micro-

corporativismo relativamente ao macrocorporativismo (Cawson, 1985).

2.2.3.4 O Institucionalismo/Neoinstitucionalismo

É possível também conjecturar que o resultado do processo de interação, seja ela de com-

petição ou negociação, ou, ainda, de conflito e cooperação, entre atores com diferentes interesses,

preferências e percepções da realidade possa ser ainda fortemente determinado pela forma ou

pelo perfil das instituições que existem em determinado tempo e lugar. Isso porque elas eliminam

possibilidades de ação ao mesmo tempo em que criam outras. Rigorosamente, as instituições são

construções mais ou menos consolidadas cuja existência é amplamente reconhecida e que orien-

tam a vida dos indivíduos em uma determinada sociedade em um determinado momento. As ins-

tituições afetam todos os indivíduos, independentemente se eles estão de acordo com as suas de-

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terminações ou não. Em geral, eles não podem escolher que instituições irão lhes afetar nem a

forma como elas farão isso.

Grosso modo, pode-se considerar como instituições, cada uma delas com um grau de con-

cretude e resiliência, o conjunto de tradições, costumes e hábitos; de convenções; de princípios e

valores; de normas, regras e leis; e de organizações que surgem em uma determinada sociedade.

As instituições podem ser formais ou informais a depender se elas surgem de forma voluntária ou

involuntária ou, ainda, de forma planejada ou não-planejada. Assim sendo, embora frequente-

mente se faça referência às instituições que caracterizam o Estado, é preciso que se reconheça

que elas não são as únicas nem, tampouco, as mais importantes. Todas as instituições, indepen-

dentemente de seu caráter econômico, social e/ou político, podem possuir um papel igualmente

relevante a cumprir.

Nesse contexto, é importante enfatizar que as instituições, sejam elas formais ou infor-

mais, são a principal forma por meio da qual a cultura afeta o perfil das políticas públicas em uma

sociedade. De fato, elas são expressão dessa cultura, a forma por meio da qual ela se manifesta ou

se expressa16

.Efetivamente, tal como mostrou Furtado (2012), o homem, em seu esforço para

enriquecer a própria vida e a vida da sociedade em que está inserido, atribui significação às coisas

por meio de sua criatividade, e são essas coisas impregnadas de significação que constituem a

cultura (do latim, “cultivo”). Esse patrimônio coletivo que, em suas palavras, define “quem so-

mos”, possui um papel central na determinação dos caminhos disponíveis às diferentes socieda-

des e, consequentemente, de suas possibilidades de desenvolvimento econômico e social.

A ênfase no papel das instituições na determinação da ação do Estado é a principal carac-

terística do chamado neoinstitucionalismo. Ele se assemelha ao antigo institucionalismo no senti-

do de que ambos enfatizavam o papel das instituições na determinação da vida social. Entretanto,

diferentemente do antigo, o neoinstitucionalismo não pretende explicar tudo em função das insti-

tuições. De fato, o impacto das instituições sobre o comportamento dos atores deve necessaria-

mente ser concebido como resultado da sua interação com outros fatores. Além disso, o antigo

16

A cultura, como se sabe, reúne os elementos que, em última instância, definem a identidade de um povo e, portan-

to, a forma como ele sente o mundo e constrói a história. Esses elementos não são naturais ou orgânicos, ou seja, não

são inerentes à condição humana, no sentido de que são herdados geneticamente. Esses elementos são, isso sim,

socialmente construídos e transmitidos de geração em geração, de diferentes maneiras, no tempo.

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institucionalismo possuía um caráter essencialmente descritivo, o que não se verifica, ao menos

na mesma intensidade, no neoinstitucionalismo (Immergut, 1998; Théret, 2003).

Sob o rótulo do neoinstitucionalismo, surgiram diferentes vertentes para explicar de que

forma as instituições afetam as políticas públicas. De particular importância é o neoinstituciona-

lismo histórico, o qual considera de que forma as instituições socialmente e historicamente cons-

truídas influenciam o perfil das decisões que derivam do processo de interação entre os diferentes

atores em uma sociedade. Nesse caso, tem-se que, de um lado, as instituições influenciam o com-

portamento dos atores em interação, afetando os seus interesses e percepções da realidade; e, de

outro, que elas influenciam a capacidade de cada um deles de impor esses interesses e percepções

sobre os demais atores, isto é, a distribuição de poder entre eles, fortalecendo uns e enfraquecen-

do outros. Em suma, as instituições estabelecem as condições em que o “jogo é jogado”, isto é, as

condições a partir das quais se desenvolve o processo político do qual deriva, em última instân-

cia, as políticas públicas (Ikenberry, 1994)17

.

Em verdade, as instituições refletem as especificidades de cada sociedade. Além disso,

elas não são efêmeras. Embora não sejam imutáveis, uma vez criadas, as instituições tendem a ser

resistentes, alterando-se muito lentamente. Elas, assim, são elementos quase permanentes da

“paisagem social”. Isso significa que é em grande medida por meio das instituições que o passado

é capaz de afetar de forma significativa o presente e o futuro. Decisões tomadas pelos atores em

um determinado momento são incorporadas às instituições e transportadas no tempo por meio

delas, que, então, condicionam as possibilidades de ação nos momentos subsequentes, e assim

sucessivamente (Ikenberry, 1994).

Nesse contexto, certamente uma das principais contribuições do neoinstitucionalismo his-

tórico à análise dos determinantes da forma de intervenção do Estado, ou do perfil das políticas

públicas, diz respeito à incorporação da noção de “path dependence”, ou dependência de trajetó-

ria. Segundo essa visão, ao funcionar como elos entre o passado, o presente e o futuro, as institui-

ções introduzem um importante elemento de continuidade ou, no limite, de inércia, no perfil das

17

Além do neoinstitucionalismo histórico, destaca-se também o neoinstitucionalismo da escolha racional e o neoins-

titucionalismo sociológico. No primeiro caso, as instituições permitem que os atores tomem as melhores decisões

possíveis com base nas informações disponíveis. As instituições se mantêm porque são úteis. Já no segundo caso,

supõe-se que a racionalidade seja limitada e que, neste caso, as instituições indicam o que é melhor ou não fazer.

Elas se mantêm porque elas são legítimas (Immergut, 1998; Hall e Taylor, 2003).

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políticas públicas. A noção de path dependence é, na realidade, uma herança das ciências econô-

micas. Há ali exemplos importantes de processos que, uma vez iniciados, tendem a criar efeitos

que acabam por alimentá-los, assegurando a sua continuidade ao longo do tempo. Nesse caso,

trajetórias que eram, inicialmente, igualmente possíveis tornam-se cada vez mais improváveis à

medida que se avança em uma delas. Assim, partindo das mesmas condições, uma grande varie-

dade de resultados é possível. E grandes consequências podem derivar de movimentos aparente-

mente insignificantes18

No caso do perfil das políticas públicas há um conjunto relativamente amplo de cursos de

ação possíveis. Entretanto, uma vez que um desses cursos de ação tenha sido escolhido, detonam-

se processos que se autorreforçam e que acabam por tornar mais difícil a sua reversão, os chama-

dos “retornos positivos” (ou positive feedbacks). Isso significa que as vantagens de permanecer

nesse curso de ação ou os custos de transitar em direção a um curso de ação alternativo tornam-se

cada vez mais expressivos. Nesse caso, portanto, os demais cursos de ação, antes plausíveis, tor-

nam-se cada vez mais improváveis à medida que se avança no curso de ação escolhido. Mudan-

ças radicais tornam-se menos atrativas. Assim sendo, o primeiro “passo” numa direção aumenta a

probabilidade de que os “passos” seguintes ocorram na mesma direção. Daí a grande importância

em geral atribuída por essa concepção ao “primeiro passo” relativamente aos demais (Pierson,

2000).

A noção de path dependence não pressupõe um determinismo histórico, entretanto. De fa-

to, ela não significa que uma vez que se tenha ingressado numa trajetória nada mais possa ser

feito para alterar a rota. De fato, embora seja cada vez mais difícil alterar a trajetória uma vez que

se avance nela, isso ainda é possível sob determinadas condições. Mais especificamente, os atores

podem se deparar com situações realmente excepcionais que acabam por favorecer movimentos

bruscos em uma ou outra direção em relação à rota vigente. Isso quer dizer, portanto, que enquan-

to fatores estruturais tendem a estar associados à continuidade, os fatores conjunturais estão fre-

18

Essa interpretação é frequentemente utilizada para explicar porque a atividade econômica tende a se concentrar em

algumas regiões e países ao invés de outros. Segundo essa visão, uma vez que um espaço passa a concentrar a produ-

ção, surgem benefícios que reforçam ainda mais essa tendência, de modo que regiões e países que inicialmente eram

bastante semelhantes tornam-se cada vez mais diferentes (Krugman, 1990). Também é utilizada para explicar o com-

portamento das trajetórias tecnológicas. Muitas inovações adquirem uma vantagem inicial em relação a outras seme-

lhantes e acabam por se consolidar, eliminando completamente as demais, mesmo que elas pudessem ser mais efici-

entes.

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quentemente associados à ruptura na forma de intervenção do Estado ou no perfil da política pú-

blica. Nos termos de Wilsford (1994, p.252):

A path dependent sequence of political changes is one that is tied to previous decisions

and existing institutions. In path dependency, structural forces dominate, therefore policy

movement is most likely to be incremental. Strong conjectural forces will likely to be

required to move policy further away from existing path onto a new trajectory. It is the

combination of path-dependent limits along with occasional windows of exceptional op-

portunity, or conjectures, that determine the ways small or big that a political systems re-

sponds to policy imperatives.

A teoria neoinstitucionalista é capaz de explicar o processo de continuidade, uma vez que

os fatores estruturais estão associados, fundamentalmente, às instituições formais e informais. A

sua principal limitação, nesse caso, se refere à sua incapacidade de explicar o processo de ruptu-

ra. Isso é natural. Esse processo está frequentemente relacionado a outros fatores, como os even-

tos econômicos, sociais e políticos que mudam ao longo do tempo histórico. Na prática, esses

eventos desempenham em um momento do tempo o mesmo papel que as instituições desempe-

nham ao longo do tempo, a saber, o de influenciar o comportamento dos atores em interação,

afetando os seus interesses e percepções, assim como influenciar a distribuição de poder entre

eles, determinando, assim, o perfil das decisões que deriva desse processo de interação.

De fato, os eventos econômicos, sociais e políticos são os principais responsáveis por via-

bilizar grandes alterações no curso de ação em vigor, ao viabilizar a abertura de “janelas políti-

cas”, vale dizer, grandes oportunidades de mudanças que surgem apenas esporadicamente. De

fato, algumas vezes, as janelas se abrem de forma relativamente previsível, outras vezes não. Al-

guns eventos podem ser previstos, mas não todos. Em qualquer um dos casos, entretanto, as jane-

las permanecem abertas apenas por pouco tempo. De fato, oportunidades surgem, mas também

desaparecem. Nos termos de Kingdon (1984, p.174):

In space shots, the window presents the opportunity for a launch. The target planets are

in proper alignment, but will not stay that way for long. Thus the launch must take place

when the window is open, lest the opportunity slip away. Once lost, the opportunity may

recur, but in the interim, astronauts and space engineers must wait until the window reo-

pens. Similarly, windows open in policy systems. These policy windows, the opportuni-

ties for action on given initiatives, present themselves and stay open for only short peri-

ods. If the participants cannot or do not take advantage of these opportunities, they must

bide their time until the next opportunity comes along.

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2.2.3.5 As Abordagens Cognitivas ou Normativas

As abordagens cognitivas partem do pressuposto de que os atores políticos fundamentam

a sua ação não apenas em seus interesses e preferências, mas também em sua percepção da reali-

dade concreta. Ao partir de um determinado entendimento sobre a forma como essa realidade

funciona, esses atores constroem uma concepção sobre a melhor forma de atuar sobre ela, con-

servando-a ou transformando-a, para que os seus interesses e preferências sejam alcançados. Tal

concepção destaca, portanto, a importância das ideias ou, mais especificamente, da interpretação

do mundo, na determinação do comportamento social desses atores, o qual está, em última ins-

tância, por trás da forma de intervenção do Estado (Di Giovanni, 2013).

Essas abordagens reforçam, portanto, a dimensão simbólica19

do processo político que de-

termina a ação do Estado. As políticas públicas tornam-se expressão de uma determinada “matriz

cognitiva e normativa” que prevalece em uma determinada sociedade em um determinado mo-

mento. Elas são, na prática, “ideias em ação”.

Com efeito, essas abordagens são “cognitivas” porque pressupõem que a percepção da re-

alidade é, na verdade, uma construção, em última instância, consequência de processos cogniti-

vos. É uma tentativa de apreender o real em sua complexidade, as suas múltiplas determinações,

por meio de representações. Cada ator constrói uma imagem a partir do conjunto de informações

que ele julga pertinente. Essa imagem funciona como um filtro que seleciona algumas informa-

ções e bloqueia outras. Por meio delas, eles percebem a realidade e o seu lugar no mundo. Além

disso, essas abordagens são “normativas” porque pressupõem que essa construção, consequência

de processos cognitivos, é o que, na verdade, orienta a ação dos atores e do Estado. Dessa forma,

essas abordagens buscam entender como “é” e como “deveria ser” o mundo. Ela pressupõe, por-

tanto, um duplo processo: uma operação de “decodificação” do real, a fim de torná-lo inteligível,

e uma operação de “recodificação” do real, de modo que ele possa ser utilizado para orientar a

ação.

Tal como sugerem Muller e Surel (1998), o processo de construção de uma matriz cogni-

tiva e normativa de modo algum está alheia ao processo de interação entre os atores políticos que

determinam a forma de intervenção do Estado. O seu surgimento e desenvolvimento é, ele mes-

19

Isto é, que se baseia em representações construídas pelos próprios homens por meio das ideias.

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mo, resultado de um processo de poder. E esse processo envolve uma relação circular: as assime-

trias de poder levam à preponderância de uma determinada representação da realidade, que, por

sua vez, legitimam essas próprias assimetrias de poder.

De fato, as ideias que prevalecem como “verdadeiras” e que, enquanto tal, influenciam o

comportamento dos atores, podem ser construídas por eles mesmos ou por outros. Nesse último

caso, esses atores podem reproduzi-las conscientemente ou não. Nesse contexto, é conveniente

recorrer à noção de “ideologia”. Bobbio (1998c) identifica dois significados principais para ideo-

logia. O significado “fraco” designa o conjunto de ideias que orienta a ação dos atores. O signifi-

cado “forte”, por sua vez, está intimamente relacionado ao conjunto de ideias que é imposto pelos

atores dominantes aos atores dominados com o objetivo último de ocultar essa relação de domi-

nação e subordinação e, dessa forma, assegurar a sua reprodução. Mascarando os aspectos mais

controversos dessa relação, a ideologia tende a evitar o seu questionamento e, assim, facilitar a

sua aceitação. Nesse caso, a ideologia serve a um determinado fim, ou seja, ela possui uma de-

terminada “função social”.

Dentre as abordagens que enfatizam a importância das ideias, três merecem particular

atenção. A primeira delas foi proposta por Muller e parte da noção de “referencial” (Muller e

Surel, 1998; Muller, 2002; Surel, 1998). Um referencial constitui uma imagem da realidade sobre

a qual se deseja intervir. É em função dessa imagem que se define a forma de intervenção do Es-

tado. Ele seria, portanto, um conjunto de pressupostos que prevalece em determinado tempo e

lugar e que atribui sentido a determinado curso de ação. Um determinado referencial prevalece

enquanto ele permite aos atores compreender o funcionamento da realidade e agir sobre ela. E ele

é deixado de lado quando não é mais capaz de fazer isso. De fato, quando isso acontece, é como

se o mundo deixasse de ser inteligível para os atores. O real perde o seu sentido. E, nesse caso, é

necessário buscar um novo referencial para interpretá-lo. Os grupos que impõem o referencial

que prevalece sob determinadas circunstâncias e que determina o perfil da política pública são

chamados “mediadores”.

Muller (2002) considera a existência simultânea de dois tipos de referenciais, quais sejam,

um referencial global e um referencial setorial. O referencial global se refere a uma representação

geral do real. Já o referencial setorial é uma representação do setor em que se deseja atuar e que,

necessariamente, parte daquele referencial global. Tanto um como outro se referem à percepção

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do grupo dominante sobre a realidade. A representação que se impõe como imagem de referência

para a ação do Estado e, portanto, para a política pública, pressupõe uma articulação entre o refe-

rencial global e o referencial setorial. Os mediadores, nesse caso, são aqueles responsáveis por

fazer essa articulação.

A segunda abordagem que enfatiza a importância das ideias foi proposta por Hall (1993) e

parte da noção de “paradigma”, em uma clara analogia à concepção de Kuhn (2009) sobre o pro-

cesso de avanço da ciência. Para ele, as políticas públicas são concebidas e implementadas no

âmbito de um determinado conjunto de ideias prevalecente e sobre os quais se baseia a ação dos

atores. Nesse caso, existem momentos de continuidade e ruptura no que se refere à forma de in-

tervenção do Estado. Nos termos de Kuhn (2009), existiriam períodos “normais” e períodos “crí-

ticos”. Assim, nos momentos de continuidade, as ações dos atores se fundamentam em um mes-

mo conjunto de ideias, de modo que as políticas desenvolvidas no âmbito de um mesmo para-

digma apresentam determinados padrões comuns. Elas podem sofrer ajustes dentro desse para-

digma, sem, entretanto, negá-lo. Por sua vez, nos momentos de ruptura, as ações dos atores se

fundamentam em conjuntos de ideias diferentes, de modo que não é possível identificar padrões

comuns nas políticas públicas produzidas nesses momentos. Nesse caso, elas rompem com o pa-

radigma vigente (Hall, 1993)20

.

Evidentemente, as consequências da intervenção do Estado são fundamentais para expli-

car a transição de uma situação de continuidade para uma situação de ruptura, ou seja, de uma

mudança ou não de paradigma. O fracasso da intervenção em relação aos objetivos esperados

pode minar a autoridade do paradigma vigente. Um paradigma pode ser ameaçado pelo surgi-

mento de anomalias, por situações que não podem ser adequadamente apreendidas a partir do

conjunto de ideias prevalecente. À medida que essas anomalias se acumulam, podem surgir ajus-

tes pontuais no paradigma vigente. Mas a situação pode tornar-se de tal modo insustentável que

20

A noção de “paradigma científico” foi proposta por Kuhn (2009) para explicar a própria história da ciência. Se-

gundo ele, a ciência desenvolve-se em uma sucessão de fases, as quais podem ser sintetizadas como o de surgimento,

auge, crise e superação de um paradigma. Em sua concepção, um paradigma é composto por um conjunto de ideias

amplamente aceito pela comunidade e que, nessa condição, orienta grande parte da investigação científica em uma

determinada área. Um paradigma científico permanece enquanto ele for capaz de oferecer respostas satisfatórias aos

cientistas.

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ele é definitivamente superado por outro conjunto de ideias que oferecem uma interpretação apa-

rentemente mais adequada do real (Hall, 1993)21

.

Por fim, a terceira abordagem que enfatiza a importância das ideias foi proposta por Seba-

tier e Jenkins-Smith (1993) e parte da noção de “coalizões de defesa” (advocacy coalitions). Se-

gundo essa concepção, a forma de intervenção do Estado depende de um conjunto de fatores,

dentre eles a interação entre diferentes coalizões de defesa. Uma coalizão de defesa consiste em

um conjunto de atores que orientam a suas ações segundo um conjunto básico de crenças sobre

como a realidade funciona, ou seja, segundo um “sistema de crenças”. Esse sistema pode ser

composto por crenças centrais e crenças periféricas. As primeiras são partilhadas necessariamen-

te por todos os atores, ao passo que as segundas podem ser partilhadas apenas por alguns deles.

Além disso, as primeiras são mais estáveis, ao passo que as segundas tendem a sofrer transforma-

ções mais frequentes ao longo do tempo. Uma coalizão de defesa e seu sistema de crenças preva-

lecem sobre os demais desde que as ações do Estado reflitam, pelo menos, as suas crenças cen-

trais. Se nem mesmo elas forem refletidas na ação do Estado, então a coalizão de defesa e seu

sistema de crenças não são mais aqueles que prevalecem.

21

A noção de referencial e de paradigma reconhecem que existem períodos normais em que uma determinada per-

cepção da realidade prevalece sobre as demais e é majoritariamente aceita como verdadeira, e uma fase de crise, na

qual essa percepção é posta em dúvida em função da sua aparente incapacidade de apreender o real. A diferença

entre ambos reside, fundamentalmente, na forma como eles são substituídos. No caso do paradigma, a mudança

depende da sua incompatibilidade com os fatos efetivamente verificados. Já no caso do referencial, a mudança de-

pende de uma alteração na forma dos atores de pensar e enxergar a realidade (Muller, 2002).

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APÊNDICE A

É importante esclarecer que a noção de cidadania pressupõe um determinado “regime” de

governo, mas não uma determinada “forma” e/ou um determinado “sistema” de governo. De fato,

são regimes de governo a democracia e o totalitarismo. O primeiro é o governo da maioria, ao

passo que o segundo é o governo de um só ou de poucos. Por sua vez, são formas de governo a

república e a monarquia. No primeiro caso, o chefe de Estado é o presidente, enquanto no segun-

do caso essa função é exercida pelo monarca. Por fim, são sistemas de governo o parlamentaris-

mo e o presidencialismo. No presidencialismo, o chefe de governo é o presidente; no presidencia-

lismo, por seu turno, essa função é exercida pelo primeiro-ministro, pelo premiê ou, ainda, pelo

chanceler. Daí decorre, inclusive, diferentemente do que se pode supor em razão de sua etimolo-

gia, que a noção de democracia (do grego, dēmokratía, ou “governo do povo”) não equivale à

noção de república (do latim, res publica, ou “coisa do povo”). Isso porque a primeira correspon-

de a um regime de governo, enquanto que a segunda diz respeito a uma forma de governo. Desse

modo, a democracia não pressupõe a república, assim como a república não pressupõe a demo-

cracia, tal como mostra a Figura A.1. O Quadro A.1 apresenta exemplos dessas diferenças.

Figura A.1

Tipologias usuais: regimes, formas e sistemas de governo

CIDADANIA

CIVIL SOCIAL POLÍTICA

DEMOCRACIA TOTALITARISMO

REPÚBLICA MONARQUIA

PRESIDENCIALISMO PARLAMENTARISMO

Regimes de governo

Formas de governo

Sistema de governo

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Quadro A.1

Configurações de regimes de governo democráticos na Europa Ocidental

Monarquias parlamentaristas Repúblicas parlamentaristas Repúblicas presidencialistas

Bélgica

Dinamarca

Espanha

Holanda

Luxemburgo

Reino Unido

Suécia

Alemanha

Áustria

Finlândia

Grécia

Irlanda

Itália

França*

*República semipresidencialista,

uma vez que o presidente divide

responsabilidades com o primeiro-

ministro.

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3 ESTADOS DE BEM-ESTAR SOCIAL: FUNDAMENTOS E DEBATE

Como discutido, o perfil dos sistemas de proteção social depende da forma de intervenção

do Estado sobre a realidade e, portanto, do perfil das políticas públicas, em geral, e das políticas

econômica e social, em particular. Por sua vez, o perfil dessas políticas é determinado pelo pro-

cesso de interação entre atores com diferentes interesses e com distintas capacidades de impô-los

sobre os demais em determinadas circunstâncias históricas.

Este capítulo é construído sobre a hipótese de que as ideias desempenham um papel im-

portante nesse processo essencialmente político do qual depende o perfil das políticas públicas e,

assim, dos sistemas de proteção social. Ao defender os seus interesses, os atores em interação

apoiam-se sobre uma determinada percepção sobre o funcionamento do mundo em que estão in-

seridos, a qual nada mais é do que uma representação de um todo complexo construída por meio

de processos cognitivos. É precisamente a partir dessa percepção da realidade que os atores em

interação constroem sua concepção a respeito da melhor forma de atuar sobre ela, tendo em vista

atingir os seus objetivos. Nos termos de Keynes (1936, p.291):

(...) as ideias dos economistas e filósofos políticos, estejam elas certas ou erradas, têm

mais importância do que geralmente se percebe. De fato, o mundo é governado por pou-

co mais do que isso. Os homens objetivos que se julgam livres de qualquer influência in-

telectual são, em geral, escravos de algum economista defunto. Os insensatos, que ocu-

pam posições de autoridade, que ouvem vozes no ar, destilam seus arrebatamentos inspi-

rados em algum escriba acadêmico de certos anos atrás. Estou convencido de que a força

dos interesses escusos se exagera muito em comparação com a firme penetração das

ideias. É natural que elas não atuem de maneira imediata, mas só depois de certo interva-

lo (...). Porém, cedo ou tarde, são as ideias, e não os interesses escusos, que representam

um perigo, seja para o bem ou para o mal.

A ideologia que orienta a ação dos atores é também expressão de relações de poder. Pois,

de fato, as ideias podem ser impostas pelos atores dominantes sobre os atores dominados com o

próprio objetivo de ocultar essa relação de dominação e subordinação e, dessa forma, assegurar a

sua reprodução. A ideologia pode mascarar os aspectos controversos dessa interação e, assim,

evitar o seu questionamento e facilitar a sua aceitação.

Nesse sentido, o objetivo deste capítulo é apresentar as ideias, ou as percepções da reali-

dade, que fundamentam a ação daqueles que advogam a favor e contra a viabilidade dos Estados

de Bem-Estar Social. Para tanto, apresentam-se as visões convencional e não-convencional a res-

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peito do modo de organização da vida social no capitalismo. Essas visões, por sua vez, pressu-

põem diferentes concepções a respeito do papel do Estado e, mais especificamente, das políticas

econômica e social, tendo em vista assegurar a todos os indivíduos a possibilidade de viver uma

vida civilizada. Deve-se enfatizar que a política econômica e a política social são apenas formas

diferentes por meio das quais o Estado pode intervir na realidade com o intuito de modificá-la ou

preservá-la. Ante a conexão inextricável entre ambas, a opção por tratá-las separadamente possui

apenas fins analíticos. Com isso, deseja-se capturar em maior detalhe os diferentes instrumentos

que as caracterizam, bem como os seus efeitos prováveis.

Conforme discutido no capítulo, a viabilidade ou a pertinência dos Estados de Bem-Estar

Social pressupõe, necessariamente, o reconhecimento da incapacidade do mercado de assegurar,

por si só, a proteção da dignidade de todos os membros da sociedade. Isso, por sua vez, implica a

necessidade da intervenção do Estado nos processos de produção e distribuição da riqueza por

meio da política econômica e da política social, as quais devem ser planejadas e manejadas em

conjunto e de forma articulada, a fim de se reforçarem mutuamente. Esses argumentos são sinte-

tizados no Apêndice B.

3.1 Argumentos contrários ao Estado de Bem-Estar Social

Nesta seção, busca-se apresentar as percepções da realidade que fundamentam a ação da-

queles que advogam contra a viabilidade e a pertinência dos Estados de Bem-Estar. Para tanto,

ela será dividida em duas subseções. Na primeira, apresenta-se a visão convencional sobre o mo-

do de organização da vida social no capitalismo e, mais especificadamente, sobre o a sua capaci-

dade de assegurar a todos a possibilidade de atender as suas necessidades fundamentais. Na se-

gunda subseção, essa visão é apresentada de modo a explicitar à concepção prevalecente entre os

seus proponentes a respeito do papel do Estado, em geral, e dos papeis da política econômica e da

política social, em particular.

3.1.1 O Estado de Bem-Estar Social segundo a visão convencional

Ao opor-se à viabilidade ou à pertinência do Estado de Bem-Estar Social, a visão conven-

cional fundamenta-se, em grande medida, nos princípios do liberalismo econômico para questio-

nar a relação que se estabelece entre o mercado e o Estado e, consequentemente, entre o privado e

o público, nesses arranjos. O liberalismo econômico, assim como o liberalismo político, constitui

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um desdobramento natural dos ideais iluministas do século XVIII. A noção fundamental sobre a

qual ele foi construído ao longo dos séculos seguintes é a de que o sistema econômico é capaz de

funcionar perfeitamente por si mesmo, tal como as delicadas engrenagens de um “relógio mecâ-

nico”. Nesse caso, a produção e a distribuição da riqueza são regidas por leis que, embora não

possam ser controladas pelos homens, podem ser compreendidas por eles por meio da razão.

O liberalismo sustenta-se em uma determinada concepção sobre a natureza dos homens,

ou, mais especificamente, sobre aquilo que orienta o seu comportamento. Entende-se que eles

seriam naturalmente individualistas, no sentido de que agiriam movidos por seu próprio interesse.

Desde Smith (1759, 1776), essa noção se traduz no entendimento de que os homens são movidos

pelo desejo de melhorar a sua condição e não a condição de seus semelhantes. Mas, ao contrário

do que se poderia supor, é justamente esse comportamento egoísta, e não um comportamento

altruísta, que acaba por assegurar o funcionamento adequado das engrenagens do sistema, o qual

se expressaria na maior riqueza possível para a sociedade, em geral, e para cada um de seus

membros, em particular.

De acordo com esse entendimento, ao perseguir o seu próprio interesse em um contexto

em que todos estão dispostos a fazer o mesmo, o indivíduo é levado, como por uma “mão invisí-

vel”, a contribuir para o alcance de um objetivo que não era parte de suas intenções iniciais, ou

seja, o interesse social. Assim, se aos indivíduos for assegurada a liberdade para utilizar aquilo de

que dispõem da forma como melhor lhes aprouver, eles não apenas poderão beneficiar a si mes-

mos como também poderão beneficiar aos seus semelhantes de forma ainda mais eficaz do que se

realmente pretendessem fazer isso. Nesse caso, portanto, aqueles que poderiam ser considerados

vícios privados acabam por se tornar virtudes públicas, tal como na “fábula das abelhas” de Man-

deville (1723)22

.

É bem verdade, entretanto, que a concepção de que os indivíduos são movidos por seus

próprios interesses é levada às últimas consequências pelos “utilitaristas”. Para eles, a questão do

bem-estar se resume à maximização da utilidade, verdadeira motivação de toda ação humana, em

22

Mandeville sugere, em sua fábula de 1723, que da mesma forma que as manias de cada abelha acabam por levar ao

melhor resultado para a colmeia, os mais repreensíveis comportamentos humanos, como a vaidade, o orgulho, a

ganância e a inveja, são justamente aqueles que asseguram o progresso da civilização. De fato: “Nenhuma Nação só

de Virtude pode viver/Em Esplendor. E para renascer/A Idade de Ouro há de aceitar/O Vício e a Virtude no mesmo

lugar” (apud Keynes, 1936, p.276).

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qualquer tempo e lugar, segundo Bentham. Uma vez que todos os homens são movidos por essa

mesma motivação e que, para essa abordagem, o todo não é nada mais do que a soma das partes

que o compõem, o bem-estar social pode ser entendido como resultado da maximização das utili-

dades individuais (Hugon, 1973; Heilbroner, 1981; Screpanti e Zamagni, 2005)23

.

Seja como for, prevalece entre os defensores do liberalismo o entendimento de que é no

mercado que os indivíduos perseguem o próprio interesse. Nele, nenhum deles obtém aquilo que

deseja em função da benevolência de seus semelhantes, mas porque as transações das quais parti-

cipam são vantajosas para todas as partes envolvidas. Isso porque ao coordenar as decisões indi-

viduais por meio do sistema de preços relativos, o mercado assegura o interesse social. Nesse

caso, o capital e o trabalho disponíveis são direcionados para onde eles são mais necessários, as-

segurando a melhor alocação dos recursos disponíveis e a maior produção de bens e serviços.

Além disso, os proprietários desses recursos recebem sob a forma de renda aquilo que é coerente

com o esforço dispensado, ou seja, com a sua contribuição à produção realizada, garantido a sua

melhor distribuição.

Isso quer dizer, portanto, que em uma sociedade livre, deve prevalecer a harmonia entre

os proprietários de fatores de produção. O fato de alguns possuírem apenas a propriedade da for-

ça de trabalho, enquanto outros possuem apenas a propriedade dos meios de produção não é des-

mentido, mas considerado irrelevante. No mercado, capitalistas e trabalhadores apresentam-se

nas mesmas condições: cada um deles contribui ao seu modo, e com aquilo que possui, para a

produção, recebendo aquilo que é coerente com essa contribuição. O mercado soluciona os even-

tuais conflitos que possam surgir entre capitalistas e trabalhadores, de modo que, ao final do pro-

cesso, o interesse de todos é, enfim, assegurado (Heilbroner, 1981)24

.

Nesse contexto, cabe ao Estado apenas assegurar o funcionamento adequado das forças do

mercado, estabelecendo as regras do jogo e assegurando que os jogadores não deixarão de cum-

23

De fato, a introdução da noção de utilidade permitiu que muitos dos defensores do liberalismo econômico reduzis-

sem o comportamento individual, bem como o comportamento social, à maximização de funções matemáticas fre-

quentemente sujeitas a algum tipo de restrição

24 Hayek (1982) chamou de “cataláxia” essa ordem espontânea produzida pelo mercado e que resulta da interação

entre uma constelação de indivíduos independentes que, perseguindo o seu próprio bem, trabalham para o bem co-

mum, e cuja complexidade e efetividade não poderiam ser reproduzidas por nenhum esforço deliberado de organiza-

ção da vida social, uma vez que não é possível conhecer as especificidades de todas as partes envolvidas. O referido

termo deriva do verbo grego, katallattein, e que significa “troca”, mas também – e, convenientemente – “admitir na

comunidade” ou, ainda, “transformar o oponente em aliado”.

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pri-las. Em última instância, isso significa que ele deve assegurar a liberdade para que os indiví-

duos busquem seus interesses, tomem decisões e, o que é igualmente relevante, arquem com as

consequências dessas decisões, sejam elas favoráveis ou desfavoráveis. O objetivo, com isso, é

assegurar que apenas os mais aptos dos jogadores permaneçam no jogo, uma vez que são eles

aqueles que serão efetivamente capazes de levá-lo adiante (Keynes, 1926).

Se transcender essa prerrogativa, o Estado alcançará resultados diferentes daqueles origi-

nalmente pretendidos, pois não há conhecimento humano suficiente para superintender a ativida-

de de pessoas particulares e orientá-la para aquilo que seja o interesse social. Isso não significa

que o Estado não possa auxiliar a alcançar determinados fins que não poderiam ser alcançados de

outra forma, sobretudo ao exercer atividades que não despertam o interesse de nenhum indivíduo

ou grupo de indivíduos, mas que, apesar disso, podem assegurar benefícios para toda sociedade

(Smith, 1776).

Nessa perspectiva, portanto, o Estado de Bem-Estar Social é considerado um equívoco,

fruto da miopia, bem como da impaciência e da ambição, daqueles que estão dispostos a renunci-

ar a benefícios permanentes em favor de benefícios apenas temporários. Se, movida pelo desejo

de erradicar determinados males, a sociedade é levada a confiar ao Estado a tarefa de fazer algu-

ma coisa, ela acaba por fazê-lo em detrimento de alternativas realmente eficazes.

Mais especificamente, a intervenção do Estado nos processos de produção e de distribui-

ção da riqueza tendo em vista uma maior “justiça social” será potencialmente inócua. Isso porque

a noção de justiça social é uma “miragem” fabricada a partir do incomôdo, bastante nobre, é

verdade, dos indivíduos diante do mal-estar de seus semelhantes, mas que, na prática, não possui

qualquer serventia, podendo, inclusive, levar a sociedade à ruína, ao privá-la dos incentivos que a

mentém em progresso25

(Hayek, 1982).

25

Deve-se observar, entretanto, que há, também entre os liberais, aqueles que, diferentemente da concepção prevale-

cente, admitem a relevância da noção de “justiça social”. O mais notável deles foi, certamente, John Rawls, para

quem a noção de justiça (justice) deve estar intimamente relacionada à noção de equidade (fairness). Essa noção

baseia-se em dois princípios fundamentais (os chamados “princípios da justiça”), a saber: i) princípio da liberdade:

todos os indivíduos têm direito a um mesmo conjunto de liberdades fundamentais; e ii) princípio da igualdade, que,

por sua vez, é dividido em dois princípios: a) princípio da igualdade de oportunidades: todos os indivíduos devem ter

a mesma chance de alcançar as mesmas coisas; e b) princípio da diferença de resultados econômicos e sociais: as

diferenças entre os indivíduos não podem ser ofensivas a nenhum deles, em geral, e aos menos favorecidos, em par-

ticular. Rawls (1971) reconhece que há uma hierarquia entre eles, com o princípio da liberdade prevalecendo sobre o

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Na realidade, não há porque supor que o Estado deveria intervir em defesa da justiça

social porque não há injustiça social a ser enfrentada e vencida. As recompensas, bem como as

punições, são atribuídas aos indivíduos pelo mercado de forma impessoal como resultado das

decisões tomadas livremente por cada um deles. Nesse caso, portanto, injusta seria qualquer ação

deliberdada e, frequentemente, arbitrária, que vise favorecer um indivíduo ou grupo de indivíduo

em detrimento dos demais, contrariando aquilo que seria a sentença do mercado – o justo juíz.

Nesse caso, o poder do Estado é usado para retirar de uns para dar a outros aquilo que se supõe

que eles devem receber. Em última instância, ações dessa natureza implicam um grau de coerção

que é incompatível com uma sociedade baseada na liberdade.

Assim sendo, ao invés de promover a igualdade de condições de vida, o Estado deve limi-

tar-se a assegurar a igualdade de oportunidades aos indivíduos para que eles busquem, por seus

próprios meios, o seu próprio bem-estar. Nada, afinal, deve impedi-los de buscar os seus próprios

interesses, a não ser a sua capacidade. Isso não significa, entretanto, que uma sociedade suficien-

temente rica não possa assegurar um mínimo abaixo do qual nenhum de seus membros deveria

estar, ainda que, nesse caso, a assistência privada, enquanto ato voluntário, seja sempre preferível

à assistência pública, enquanto ato compulsório. Pois, de fato, algum grau de segurança é impor-

tante para que a liberdade dos indivíduos seja conservada, uma vez que a maioria deles só aceita

os riscos que essa liberdade inevitavelmente implica se esses riscos não forem excessivos. Entre-

tanto, prevalece o entendimento de que a segurança, de modo algum, é mais importante que a

liberdade, de modo que os indivíduos devem estar sempre prontos a arcar com o que for necessá-

rio para preservá-la26

(Hayek, 1944, 1982; Friedman, 1980; Pierson, 1991).

princípio da igualdade, e o princípio da igualdade de oportunidades sobrepondo-se ao princípio da diferença de resul-

tados econômicos e sociais.

26 Ao admitir alguma forma de assistência aos mais necessitados, os mais recentes defensores do liberalismo mos-

tram-se menos rigorosos que seus predecessores, sobretudo os defensores da noção de “darwinismo social”, da qual

o vitoriano Herbert Spencer tornou-se o representante principal. Essa noção fundamenta-se na reconhecida teoria da

evolução de Charles Darwin, segunda a qual as espécies evoluíram ao longo do tempo mediante processo de seleção

natural, de modo que, na luta pela sobrevivência, as espécies mais capazes de se adaptar ao ambiente em que estão

inseridas prevaleceram sobre aquelas menos capazes. Nesse sentido, também a sociedade estaria dividida entre capa-

zes e incapazes, sendo que a sociedade ideal seria o resultado do prevalecimento dos mais aptos vis-à-vis os menos

aptos. Assim, até mesmo tendências humanistas voltadas para o alívio do sofrimento dos miseráveis e pobres, por

exemplo, deveriam ser necessariamente contidas, de modo que seja assegurado o adequado funcionamento das “leis

da natureza”. Porque se supõe que a prosperidade está ao alcance de todos, desde que cada um esteja disposto a bus-

cá-la por meio do esforço e da responsabilidade individuais, a miséria e a pobreza seriam fenômenos anormais, em

geral decorrentes de graves distúrbios de comportamento dos próprios miseráveis e pobres e que, portanto, devem ser

condenados e rigorosamente punidos (Kerstenestzky, 2012, Carvalho, 2013).

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O Estado que transcende essas funções transforma-se, então, em um Estado “paternalista”,

no sentido de que ele se sustenta sobre o princípio de que uns devem decidir pelos outros aquilo

que é melhor para si. Ao retirar os incentivos para o esforço e a responsabilidade individuais, esse

Estado favorece a dependência e a reprodução da situação de miséria e de pobreza na sociedade.

Em uma sociedade em que prevalece o livre funcionamento das forças de mercado, as diferenças

entre os mais pobres e os mais ricos tendem, necessariamente, a se reduzir ao longo do tempo,

uma vez que a todos indivíduos é assegurada a possibilidade de viver uma vida em condições

satisfatórias (Friedman, 1980).

Por tudo isso, pode-se afirmar que prevalece entre os proponentes do liberalismo, o en-

tendimento de que caberia ao Estado reconhecer e garantir os direitos civis, os quais, ao lado dos

direitos políticos, devem constituir os verdadeiros direitos da cidadania. De acordo com essa con-

cepção, há uma incompatibilidade entre os direitos civis e os direitos sociais. Isso porque os direi-

tos sociais pressupõem uma forma de coerção dos indivíduos pelo Estado. Aquilo que os direitos

sociais se propõem a assegurar, ou seja, o atendimento das necessidades individuais fundamen-

tais, seria um desdobramento natural do exercício pleno da liberdade no mercado (Hayek, 1982).

3.1.2 Políticas econômica e social segundo a visão convencional

Os fundamentos das críticas ao Estado de Bem-Estar Social no âmbito da macroeconomia

encontram-se, em grande medida, nos postulados da economia clássica27

sobre o funcionamento

da economia e, consequentemente, sobre o papel desempenhado pelo Estado nesse sistema. Essa

abordagem sustenta a noção de que o mercado assegurará o melhor resultado possível no que se

refere à produção e a distribuição da riqueza. De fato, de acordo com a economia clássica, a eco-

nomia caminha espontaneamente para o pleno-emprego e tende a permanecer nessa situação na

ausência de perturbações que comprometam o adequado funcionamento do sistema de preços

(Pigou, 1941).

Assim, entende-se que o nível de emprego é determinado no mercado de trabalho, sendo

que a oferta e a demanda por trabalho dependem do salário real vigente em um contexto em que

27

Entendida aqui no sentido que Keynes conferiu a ela, ou seja, aquela que deriva das teorias de David Ricardo e

seus predecessores, ou seja, os fundadores da teoria que culminou em Ricardo, como Adam Smith, e das teorias dos

seguidores de Ricardo, ou seja, os que adotaram e aperfeiçoaram a sua teoria, como Alfred Marshall e Arthur Pigou.

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empregados e empregadores consideram sempre os benefícios e os custos de suas decisões28

.

Quando o equilíbrio é atingido no mercado de trabalho, a disposição dos empregados em ofertar

trabalho é igual à disposição dos empregadores em demandar trabalho ao salário real vigente.

Supõe-se que a economia tende ao pleno-emprego, no sentido de que não existe “desemprego

involuntário”, situação na qual os trabalhadores estão dispostos a trabalhar pelo salário real vi-

gente e não encontram emprego no mercado, mas apenas “desemprego voluntário”, o que ocorre

quando os trabalhadores não estão dispostos a trabalhar pelo salário real vigente, e “desemprego

friccional”, o que ocorre quando os trabalhadores estão transitando de um emprego para outro

(Dillard, 1948; Snowdon e Vane, 2005).

No curto-prazo, em que o estoque de capital é constante, o nível de emprego, determinado

no mercado de trabalho, determina o nível de produto e, consequentemente, de renda, de acordo

com uma função agregada de produção. Uma parte dessa renda será consumida, outra poupada. A

taxa de juros real, definida no mercado de fundos emprestáveis, assegura que toda a renda poupa-

da e, portanto, não consumida, será transformada em investimento. De fato, assim como empre-

gados e empregadores, poupadores e investidores consideram os benefícios e custos de suas deci-

sões29

. Quando o equilíbrio é atingido no mercado de fundos emprestáveis, a disposição dos pou-

padores de ofertar fundos será igual à disposição dos investidores de demandar fundos à taxa de

juros real vigente. Nesse caso, a poupança será igual ao investimento, a oferta agregada será igual

à demanda agregada e vigorará a “Lei de Say”, segundo a qual a “oferta gera a sua própria de-

manda” (Dillard, 1948; Snowdon e Vane, 2005).

O aumento do investimento, por sua vez, é o que assegura o crescimento do estoque de

capital e, portanto, da capacidade produtiva da economia, isto é, de sua capacidade de gerar ri-

queza no longo-prazo. Mas, uma vez que os demandantes de fundos emprestáveis estarão dispos-

tos a pagar uma taxa de juros real igual à produtividade marginal do capital, e que a produtivida-

de marginal do capital decresce à medida que o estoque de capital aumenta, o investimento só

28

Os empregados ofertarão trabalho até que a utilidade do salário real seja igual à desutilidade marginal do trabalho,

ao passo que os empregadores demandarão trabalho até que o salário real seja igual à produtividade marginal do

trabalho. Os salários reais se ajustam até que a oferta e a demanda por trabalho sejam iguais, elevando-se quando a

demanda for superior à oferta e reduzindo-se caso contrário.

29 Os poupadores ofertarão fundos até que a utilidade do consumo futuro seja igual à utilidade do consumo presente,

ao passo que os investidores demandarão fundos até que a taxa de juros real seja igual à produtividade marginal do

capital. A taxa de juros real se ajusta até que a oferta e a demanda por fundos sejam iguais, elevando-se quando a

demanda for superior à oferta e vice-versa.

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aumentará caso os ofertantes de fundos emprestáveis estejam dispostos a receber uma taxa de

juros real cada vez menor. Em última instância, a expansão do investimento está subordinada à

decisão individual de renunciar ao consumo no presente em favor de um consumo possivelmente

maior no futuro: a previdência das partes é o que assegurará, em última instância, a afluência do

todo.

Nesse contexto, deve-se observar que, para a economia clássica, os níveis de emprego e,

consequentemente, de produto e renda, são determinados independentemente da moeda. Uma vez

que se supõe que ela atue unicamente como meio de troca, agilizando as transações, o seu impac-

to se restringe ao comportamento dos níveis de preços, de modo que a inflação e a deflação são

considerados simplesmente como o resultado do excesso ou da escassez da oferta de moeda em

relação à demanda (Mollo, 2004)30

.

Mais recentemente, os postulados da economia clássica foram recuperados pelos chama-

dos “monetaristas”. Eles introduziram a hipótese de que, na ausência de perturbações sobre os

níveis de preços decorrentes de alterações na oferta de moeda, o nível de desemprego corrente

tende a convergir para o nível de desemprego “natural”. Dadas as características estruturais da

economia, ele é determinado pelo equilíbrio entre oferta e demanda por trabalho, sendo, portanto,

coerente com a existência de desemprego voluntário e de desemprego friccional, mas não de de-

semprego involuntário. Em outras palavras, se o nível desemprego corrente é igual ao nível de

desemprego natural, todos aqueles dispostos a trabalhar ao salário real vigente estarão emprega-

dos (Friedman, 1968).

Por sua vez, os chamados “novos-clássicos” introduziram a hipótese das expectativas ra-

cionais. Originalmente proposta por Muth (1961), ela pressupõe que os atores relevantes fazem o

melhor que podem com base nas expectativas formadas a respeito do comportamento de determi-

nadas variáveis a partir do processamento de todas as informações relevantes disponíveis sobre

essas variáveis. Para fazer isso, é como se (as if) esses atores conhecessem a forma como a eco-

nomia realmente funciona. E, nesse caso, eles podem até ser surpreendidos, mas não cometem

30

Variações excessivas no nível de preços, por sua vez, são interpretadas como algo bastante negativo e que, portan-

to, deve ser evitado a qualquer custo. Isso se deve, em grande medida, ao entendimento de que elas impedem que os

preços sejam um mecanismo eficaz para orientar as decisões dos atores relevantes na economia, impedindo que o

mercado funcione de forma adequada. Além disso, ao afetar o poder de compra da moeda, ela afeta principalmente

aqueles de menor renda que, em geral, não dispõem de mecanismos efetivos de proteção (Modenesi, 2005).

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erros sistemáticos, pois eles aprendem com seus erros. Isso quer dizer, portanto, que, na média, o

valor esperado dessas variáveis coincide com o valor observado e os desvios entre o valor espe-

rado e o valor observado são sempre os menores possíveis.

Os novos-clássicos e, mais especificamente, os defensores da “teoria dos ciclos econômi-

cos reais”, iniciada por Kydland e Prescott (1982), supõe que a economia encontra-se permanen-

temente na situação de equilíbrio com pleno-emprego31

. Em outras palavras, o emprego e, conse-

quentemente, o produto e a renda, encontram-se sempre em seus níveis “naturais”. As flutuações

nessa economia devem-se a variações nesses níveis naturais, decorrentes de mudanças nas carac-

terísticas estruturais da economia, sobretudo no que se refere às preferências dos atores relevantes

diante do estado da tecnologia ao longo do tempo32

.

Embora também partam da hipótese das expectativas racionais, os chamados “novos-

keynesianos” diferenciam-se dos novos-clássicos por rejeitarem a suposição de que os mercados

encontram-se em equilíbrio ao longo do tempo e que, portanto, a economia repousa permanente-

mente na situação de pleno-emprego. Porque preços e salários são rígidos, argumentam eles, o

emprego e, consequentemente, o produto e a renda, podem desviar temporariamente de seus ní-

veis naturais. Preços e salários rígidos, entretanto, não significa que eles sejam imutáveis, mas

apenas que eles se movem lentamente em direção àqueles níveis que são capazes de assegurar o

chamado market-clearing. Dessa forma, a correção de eventuais desequilíbrios entre a oferta e a

demanda nos mercados dá-se, inicialmente, por meio do ajuste das quantidades produzidas (e não

de preços), bem como da quantidade de trabalhadores empregados (e não de salários) (Mankiw,

1990; Mankiw e Romer, 1991; Romer, 1993; Sicsú, 1999).

31

A teoria dos ciclos econômicos reais, na realidade, constitui a segunda geração do pensamento novo-clássico. A

primeira geração, baseada, em grande medida, nos trabalhos de Lucas (1972, 1973), baseava-se na aceitação de que

emprego, o produto e a renda poderiam desviar de seus níveis naturais diante de variações inesperadas nos níveis de

preços decorrentes de variações inesperadas na oferta de moeda e, consequentemente, no salário real. Essa situação

é, no entanto, insustentável, pois se supõe que tão logo percebam que erraram, atores irão corrigir suas expectativas.

Nesse caso, o emprego e, consequentemente, o produto e a renda, retornam aos seus níveis naturais e o resultado é

apenas uma taxa de inflação mais alta.

32 Nesse caso, um choque tecnológico, por exemplo, ao afetar a produtividade do trabalho e, portanto, o salário real,

pode afetar a demanda e a oferta de trabalho, levando a uma variação do emprego e, consequentemente, do produto e

da renda. Além disso, ao afetar a produtividade do capital e, assim, a taxa de juros real, pode afetar também a oferta e

demanda por fundos emprestáveis, levando a uma variação da poupança e do consumo, de um lado, e do investimen-

to, de outro, alterando a composição da demanda (Mankiw, 1989; 1990).

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Mais especificamente, porque os preços são rígidos, uma redução da demanda por merca-

dorias levará a uma redução da quantidade produzida. Por sua vez, porque os salários são rígidos,

a redução da demanda por trabalho, decorrente da redução da quantidade produzida, levará a uma

redução da quantidade de trabalhadores empregados. Os trabalhadores que estariam dispostos a

trabalhar pelo salário real vigente não encontrarão emprego no mercado, de modo que o emprego

e, consequentemente, o produto e a renda, estarão abaixo do seu nível natural. No longo-prazo,

entretanto, a supressão das “falhas de mercado” e, mais especificamente, a queda de preços e

salários nominais, decorrente da queda da demanda em relação à oferta, levará a um aumento da

demanda por mercadorias e por trabalho, de modo que o emprego, o produto e a renda voltarão a

crescer.

A resistência dos preços e salários à queda diante da redução do nível de demanda por

mercadorias, mesmo que isso pudesse implicar um ajuste menos doloroso em termos de emprego,

produto e renda, é expressão do que os novos-keynesianos consideram uma “falha de coordena-

ção” entre os atores relevantes ao tomarem as suas decisões. Esta, por sua vez, decorre do fato de

que, nesse processo, cada agente deve considerar também as decisões que serão tomadas pelos

outros atores. Uma vez que eles não farão nada que possa beneficiar os demais e prejudicar a si

mesmo, a economia alcança uma situação inferior àquela desejável em função da inexistência de

incentivos para que os atores adotem uma estratégia conjunta capaz de produzir resultados me-

lhores para todos.

Os novos-keynesianos recorrem aos fundamentos microeconômicos para explicar proble-

mas macroeconômicos decorrentes da rigidez de preços e salários. E, nesse caso, estas seriam

uma consequência, em grande medida, do fato de que os atores relevantes não são tomadores de

preços, ou price-takers, aceitando passivamente os preços determinados pelo mercado, mas, sim,

formadores de preços, ou price-makers, no sentido de que podem exercer um papel importante na

determinação desses preços. Isso ocorre no mercado de bens e serviços, em que as empresas relu-

tam em alterar os seus preços, tendo em vista os custos que isso poderia lhes implicar. Mas isso

ocorre também no mercado de trabalho, em que os empregados, agindo de forma coletiva, são

frequentemente capazes de influenciar os salários pagos pelos empregadores.

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Atualmente, o que se observa é uma tentativa de estabelecer um “consenso” entre o pen-

samento novo-clássico e o pensamento novo-keynesiano33

. Nesse caso, enquanto o pensamento

novo-clássico seria o caso geral, o pensamento novo-keynesiano seria o caso particular. Este vi-

goraria no curto-prazo, ao passo que aquele vigoraria no longo-prazo. Em outras palavras, em

virtude da existência de “falhas de mercado”, a economia pode estar abaixo do pleno-emprego no

curto-prazo. No longo-prazo, entretanto, o ajuste entre oferta e demanda em todos os mercados é

finalmente atingido, de modo que o emprego e, consequentemente, o produto e a renda, encon-

tram-se em seus níveis naturais. A partir de então, as flutuações na economia passam a ser deter-

minadas exclusivamente por mudanças em suas características estruturais, decorrentes, por

exemplo, de choques tecnológicos34

.

3.1.2.1 Política econômica segundo a visão convencional

A suposição da economia clássica, mantida pelo pensamento novo-clássico e pelo pensa-

mento novo-keynesiano, bem como pelo consenso que se estabeleceu entre eles, de que a econo-

mia encontra-se em pleno-emprego no longo-prazo é o que está por trás da suposição de que a

política econômica deve concentrar-se sobretudo na preservação da estabilidade das variáveis

nominais, e não das variáveis reais, uma vez que delas cuidaria a “mão invisível” do mercado.

Mais especificamente, desde a incorporação da hipótese das expectativas racionais, prevalece o

entendimento de que os policy makers devem considerar em suas decisões que os efeitos da polí-

tica econômica dependerão, em última instância, de seu impacto sobre as expectativas e, conse-

quentemente, sobre o comportamento dos atores relevantes. Essa é, de fato, a noção subjacente à

chamada “Crítica de Lucas”35

.

33

A tentativa de conciliar as ideias novo-clássicas e as ideias novo-keynesianas é que o está por trás do chamado

“novo-consenso”, nos termos de Arestis e Sawyer (2008), “nova síntese”, nos termos de Woodford (2009) ou ainda

“nova síntese neoclássica”, nos termos de Goodfriend e King (1997), em referência a antiga síntese neoclássica, que

tentou conciliar as ideias clássicas e as ideias keynesianas.

34 Dessa forma, nega-se a possibilidade de um trade-off permanente entre taxa de inflação e taxa de desemprego.

Prevalece o entendimento de que a curva de Philips deve ser vertical no longo-prazo, indicando que choques de ofer-

ta e/ou de demanda terão como resultado variações nos níveis de preços, mas não nos níveis de produto, renda e

emprego, que devem permanecer em seus níveis naturais. Nesse sentido, a taxa natural de desemprego pode também

ser interpretada como aquela que é compatível com uma taxa de inflação estável, razão pela qual ela é conhecida

como Non-Accelerating Inflation Rate of Unemployment (NAIRU).

35 Lucas (1976) critica o fato de que, em geral, os parâmetros dos modelos econométricos construídos para avaliar o

impacto das políticas econômicas sobre as variáveis econômicas permanecem constantes ao longo do tempo. Isso

significa desconsiderar o impacto que essas políticas teriam sobre o comportamento dos agentes ao afetar as suas

expectativas.

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Nesse contexto, apenas quando se admite que o emprego e, consequentemente, o produto

e a renda, podem encontrar-se abaixo do seu nível natural, em função da existência de imperfei-

ções de mercado, é que se passa a reconhecer a possibilidade da utilização da política monetária

para acelerar o ajuste entre demanda e oferta e, assim, a transição da economia para o pleno-

emprego. Entretanto, deve-se evitar que a autoridade monetária, em sua ânsia para estimular a

economia, cometa excessos que coloquem em risco a estabilidade dos níveis de preços, ao viabi-

lizar um crescimento da demanda superior ao crescimento da oferta, determinado pelas caracte-

rísticas estruturais da economia (Blanchard et al., 2010).

De fato, supõe-se que a autoridade monetária possui uma tendência natural a adotar políti-

cas que são “inconsistentes no tempo”, privilegiando objetivos de curto prazo, isto é, um compor-

tamento favorável das variáveis reais, em detrimento dos objetivos de longo prazo, ou seja, um

comportamento favorável das variáveis nominais. Pelo fato de se supor que a autoridade monetá-

ria é incapaz de afetar, de modo permanente, os níveis de emprego, produto e renda, ela deve se

restringir a assegurar a manutenção da estabilidade dos níveis de preços. Entretanto, o compro-

metimento da autoridade monetária em fazê-lo deve ser crível, pois, caso contrário, os atores re-

levantes anteciparão os efeitos dessas políticas e incorporarão em suas expectativas uma taxa de

inflação mais alta no futuro, o que resultará em uma taxa de inflação mais alta no presente

(Kydland e Prescott, 1977)36

.

No que diz respeito à política fiscal, atribui-se um papel apenas coadjuvante. Se, no curto-

prazo, a economia encontra-se abaixo do pleno-emprego em função da existência de imperfeições

de mercado, a política fiscal poderia, em tese, contribuir para acelerar o equilíbrio entre a deman-

da e a oferta. Entretanto, para essa abordagem prevalece o entendimento de que essa tarefa deva

ser confiada exclusivamente à política monetária, considerada mais eficaz: ao contrário da políti-

ca fiscal, ela exigiria menos tempo para ser concebida e implementada e poderia ser facilmente

36

A fim de neutralizar o “viés inflacionário” da autoridade monetária e, assim, ancorar as expectativas dos agentes,

advoga-se que a condução da política monetária deve estar subordinada a um conjunto de regras. A garantia de que

essas regras serão cumpridas, por sua vez, seria maior caso exista uma autoridade monetária independente de pres-

sões de natureza política e social (Cuckierman, 1994).

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revertida tão logo ela não fosse mais necessária (Arestis, 2002; Arestis e Sawyer, 2008; Taylor,

2000; Blanchard et al., 2010)37

.

A política fiscal deveria, então, subordinar-se a um conjunto de regras que assegurem o

seu comprometimento em preservar o equilíbrio das contas públicas no tempo, em função do

provável impacto positivo que esse esforço exerceria sobre as expectativas dos atores relevantes

e, consequentemente, sobre o comportamento das variáveis nominais no longo prazo. Isso porque

se supõe que se os atores esperam um aumento do déficit a ser financiado por dívida junto ao

mercado, eles antecipam um aumento da taxa de juros no futuro, de modo que o resultado é um

aumento da taxa de juros no presente, e vice-versa38

. Além disso, se eles esperam que os aumen-

tos do déficit e da dívida levarão a um aumento da oferta de moeda no futuro, eles antecipam um

aumento da taxa de inflação, de modo que o resultado será um aumento da taxa de inflação no

presente, e vice-versa. Em outras palavras, ao preservar o equilíbrio entre receitas e despesas, a

política fiscal contribui para a estabilidade não apenas do déficit público e da dívida pública, mas

também - e, por causa disso - da taxa de juros e da taxa de inflação da economia (Lopreato,

2006).

Nesse contexto, a hipótese da “contração fiscal expansionista”, também conhecida como

“visão alemã”, sugere que a política fiscal poderá exercer efeito expansionista sobre a demanda

mesmo se ela for orientada para o aumento das receitas e, principalmente, para a redução das

despesas, desde que ela seja capaz de exercer um impacto positivo sobre as expectativas de con-

sumidores e investidores sobre o comportamento futuro das variáveis econômicas, notadamente o

déficit público e a dívida pública, bem como a taxa de juros e a taxa de inflação. Isso apenas será

possível, evidentemente, se ela possuir credibilidade, ou seja, se os atores acreditarem que esse

esforço será mantido ao longo do tempo. Se esse for o caso, a retração do setor público poderá ser

37

Mesmo assim, ainda prevalece o entendimento, herdado de Friedman (1968), a respeito das limitações da política

monetária em função da possibilidade de defasagem expressiva entre uma perturbação e a resposta da autoridade

monetária (ou seja, a “defasagem externa”), bem como entre a resposta da autoridade monetária e o seu efeito sobre a

economia (isto é, a “defasagem interna”), o que pode fazer com que a política monetária possa exercer um efeito

desestabilizador ao invés de estabilizador.

38 De acordo com a hipótese da “Equivalência Ricardiana”, proposta originalmente por Barro (1989), entretanto, é

possível que um déficit financiado por dívida não exerça qualquer efeito sobre as taxas de juros. Isso porque se os

agentes preveem que um aumento do déficit financiado por dívida levará a um amento dos impostos no futuro, have-

rá um aumento da parcela da renda que será poupada, a fim de se fazer frente aos compromissos vindouros. Dessa

forma, o aumento da demanda será acompanhado pelo aumento da oferta de recursos no mercado de fundos empres-

táveis, o que fará com que a taxa de juros real permaneça inalterada.

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compensada pela expansão do setor privado, de modo que se verificaria um efeito crowding in

(substituição de gasto público pelo gasto privado), em contraposição ao efeito crowding out

(substituição de gasto privado pelo gasto público) (Hellwig e Neumann, 1987; Giavazzi e Paga-

no, 1990).

Na realidade, a redução do espaço para discricionariedade no que se refere à condução po-

lítica fiscal é necessária para garantir a própria credibilidade da política monetária. Entende-se

que o comprometimento da autoridade monetária com a estabilidade do nível de preços será

questionado se a autoridade fiscal incorrer em déficits e dívidas elevados e crescentes, pois, nesse

caso, é bastante provável que, mais cedo ou mais tarde, a autoridade monetária tenha de socorrê-

la, aumentando a oferta de moeda para que o setor público possa honrar os seus compromissos. É

bem verdade que a independência da autoridade monetária torna essa possibilidade menos prová-

vel. Entretanto, não é possível assegurar que a elimine totalmente (Mishkin, 2000).

São admitidas, evidentemente, circunstâncias excepcionais em que a política fiscal seria

especialmente relevante. Diante de uma forte crise, em que as taxas de juros já estão muito baixas

e há dúvidas quanto à capacidade da política monetária de recuperar a economia, os estabilizado-

res automáticos, embora necessários, podem não ser suficientes para reverter a situação. Para que

esse tipo de intervenção possa ocorrer, entretanto, é necessário que o setor público disponha de

margem de manobra para aumentar as despesas relativamente às receitas, sem que isso implique

um aumento do déficit. Isso apenas reforça a ênfase tradicionalmente atribuída ao equilíbrio das

contas públicas ao longo do ciclo de negócios (Taylor, 2000; Blanchard et al., 2010).

3.1.2.2 Política social segundo a visão convencional

No que se refere à política social, entende-se que o surgimento e o desenvolvimento dos

sistemas de proteção social em que o Estado assume um papel mais contundente no atendimento

das necessidades fundamentais dos indivíduos impõem consideráveis restrições ao crescimento

econômico, ao deteriorar os incentivos à ação dos agentes relevantes. Nesse caso, esses arranjos

acabam por enfraquecer as próprias bases que os sustentam, o que inclui, evidentemente, as suas

possibilidades de financiamento. Esses efeitos serão tanto mais evidentes quanto mais sofistica-

dos forem os sistemas de proteção social, notadamente no que se refere à importância do Estado

relativamente ao mercado e à família na provisão do bem-estar social.

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Prevalece a concepção de que a política social contribui para aumentar as despesas relati-

vamente às receitas do setor público, sobretudo diante das transformações sofridas pelas socieda-

des ao longo do tempo, dentre as quais se inclui o envelhecimento da população causado pela

redução da taxa de fertilidade e/ou pelo aumento da expectativa de vida. Isso poderá levar a um

aumento do déficit público e, assim, também da dívida pública. Tal como no caso da política fis-

cal expansionista, isso tende a exercer um impacto negativo sobre as expectativas dos agentes,

provocando um aumento da taxa de juros e da taxa de inflação da economia, além de uma redu-

ção do consumo e do investimento do setor privado.

Além disso, entende-se que a política social pode comprometer o adequado funcionamen-

to do mercado de trabalho. Como visto, de acordo com essa abordagem, esse mercado desempe-

nha um papel fundamental na determinação do nível de emprego e, consequentemente, dos níveis

de produto e renda na economia. Há duas formas principais por meio das quais a política social

pode fazer isso. Em primeiro lugar, a política social pode afetar a taxa natural de desemprego da

economia, elevando-a. Isso significa que, na ausência de perturbações no sistema de preços, a

economia tende para uma situação de equilíbrio menos favorável relativamente àquela que se

verificaria na ausência da política social. Isso porque, para um dado nível de salário real, empre-

gados e empregadores poderão dispor de menores incentivos para demandar e ofertar trabalho,

respectivamente, uma vez que39

:

i) as políticas sociais que implicam algum grau de redistribuição da riqueza constituem

uma ameaça ao crescimento da produtividade do trabalho. Isso se deve, em grande medida, ao

seu impacto potencialmente negativo sobre o incentivo ao esforço individual. A redução da pro-

dutividade do trabalho implica, então, uma redução da demanda por trabalho para um dado nível

de salário real (Okun, 1975).

ii) as políticas sociais permitem aos indivíduos atender parte de suas necessidades sem re-

correr ao mercado de trabalho. Os indivíduos poderão optar por não trabalhar enquanto lhes for

assegurado o acesso a determinados benefícios em situação de desemprego, por exemplo. Para

um dado nível de salário real, portanto, isso implica uma redução da oferta de trabalho.

39

Atkinson (1999), Lindbeck (1988, 1994, 1995), Lindbeck et al (1993) e Kerstenetzky (2012).

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iii) as políticas sociais podem ser financiadas por meio de tributos que incidem sobre o sa-

lário real, tal como é o caso das contribuições, as quais devem ser recolhidas tanto por emprega-

dores, como por empregados. Isso leva a uma alteração do salário real, tal como percebida por

eles, e, consequentemente, a uma redução da demanda e da oferta de trabalho.

iv) as políticas sociais podem aumentar os custos envolvidos nos processos de admissão e,

principalmente, de demissão dos empregados pelos empregadores. Em geral, esses custos decor-

rem de legislações trabalhistas que asseguram a estabilidade e, consequentemente, a segurança no

emprego. Isso implica a redução da demanda por trabalho para um dado nível de salário real.

v) as políticas sociais podem tornar-se objeto de abuso dos beneficiários, implicando cus-

tos que seriam, na realidade, desnecessários. Isso porque elas estimulam a dependência dos indi-

víduos em relação ao Estado, reduzindo os incentivos para que eles busquem atender as suas ne-

cessidades por seus próprios meios no mercado. Além disso, elas criam a possibilidade de que os

indivíduos possam recorrer aos benefícios mesmo sem real necessidade de fazê-lo ou até mesmo

de que possam forjar situações para ter acesso a eles, levando à fraude.

Em segundo lugar, a política social pode impedir o equilíbrio entre oferta e demanda por

trabalho àquela taxa de desemprego natural, agora mais elevada. Isso porque ela tende, de um

lado, a acentuar a rigidez dos salários reais e, de outro, a mantê-los em níveis excessivamente

elevados, incompatíveis com a produtividade marginal do trabalho. Isso se deve às legislações

trabalhistas que asseguram um elevado poder de pressão dos empregados em suas negociações

com os empregadores e, portanto, à existência de um piso mais ou menos formal para os salários

reais.

Essa concepção é coerente, portanto, com a interpretação de inspiração novo-keyenesiana,

para a qual um dos fatores que podem justificar a manutenção de salários reais rígidos e elevados

é o conflito de interesses entre aqueles que estão empregados (os insiders) e aqueles que não es-

tão empregados (os outsiders). De fato, entende-se que se aqueles que estão empregados aceitas-

sem um salário real flexível e compatível com a produtividade marginal do trabalho, aqueles que

não estão empregados poderiam encontrar um emprego. Ao contrário dos insiders, entretanto, os

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outsiders não são capazes de exercer uma pressão para baixo sobre o salário real porque eles são

irrelevantes para o processo de negociação com os empregadores40

(Lindbeck e Snower, 2002).

Por fim, deve-se observar que ao aumentar os custos associados a cada empregado, de um

lado, e reduzir a sua produtividade, do outro, ela acaba por contribuir para o aumento dos custos

unitários do produto. Isso, por sua vez, concorre para reduzir a taxa de câmbio real da economia,

o que leva ao surgimento de desequilíbrios nas contas externas (Gough, 1996b)41

.

Além do mercado de trabalho, supõe-se que política social pode afetar também o mercado

de fundos emprestáveis, sobretudo por meio da redução dos incentivos à poupança, pois contribui

para que os agentes relevantes se tornem menos dispostos a abrir mão do consumo presente em

favor de um consumo maior no futuro. A redução da poupança, por sua vez, reduz a oferta de

fundos emprestáveis, levando a um aumento da taxa de juros real e, consequentemente, a uma

redução do investimento, limitando a expansão da capacidade de crescimento da economia no

longo-prazo. Isso porque:

i) a política social que implica algum grau de redistribuição da riqueza faz com que parte

da riqueza dos mais ricos que poderia ser poupada e, portanto, transformada em investimento,

seja transferida para os mais pobres e, assim, convertida em consumo42

(Kensworthy, 1995).

ii) a política social reduz a poupança, diante da menor necessidade de que os indivíduos

sejam responsáveis por assegurar o atendimento das suas necessidades tanto no presente como no

futuro por seus próprios meios43

(Feldstein, 1982).

40

Em última instância, é justamente esse comportamento dos que estão dentro e fora do mercado de trabalho que está

por trás da “hipótese da histerese”. Segundo ela, o nível de emprego é influenciado por sua trajetória ao longo do

tempo. Uma vez que, por alguma razão, o nível de emprego tenha se reduzido, as pressões daqueles que continuam

empregados (ou seja, os insiders) evitarão o ajuste necessário nos salários reais para beneficiar aqueles que estão

desempregados (isto é, os outsiders) (Blanchard e Summers, 1986).

41 Além disso, o aumento dos custos de produção pode exercer um impacto negativo também no que se refere à dis-

tribuição da produção, ou, mais especificamente, da fragmentação das cadeias de valor, entre os diferentes países, um

processo comandado pelas empresas transnacionais por meio do investimento direto estrangeiro. Isso porque se su-

põe que os investimentos na aquisição de plantas existentes ou na construção de novas plantas são, em grande medi-

da, orientados para os países em que os custos de produção são menores. A redução desses investimentos não apenas

agravam os desequilíbrios nas contas externas, como também privam a economia dos recursos necessários, inclusive,

à sua modernização (De Grawe e Polan, 2005).

42 Isso porque, em geral, quanto menor a renda, maior será a parcela que é destinada ao consumo e, consequentemen-

te, menor será a parcela que é destinada à poupança.

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Há de se fazer aqui uma observação importante. Como visto, as políticas sociais podem

comprometer as perspectivas de crescimento de uma economia precisamente porque implicam

algum grau de redistribuição da riqueza, uma vez que isso afeta negativamente tanto o mercado

de trabalho como o mercado de fundos emprestáveis. Daí deriva o entendimento de que existe um

trade-off entre igualdade e eficiência. “Igualdade” deve ser entendida como maior ou menor dis-

paridade entre os indivíduos no que se refere à distribuição da riqueza. “Eficiência”, por sua vez,

deve ser entendida como o melhor resultado possível, em termos de riqueza produzida, a ser obti-

do a partir dos recursos disponíveis na economia (Okun, 1975).

A incompatibilidade entre igualdade e eficiência, então, acabará por colocar em xeque o

próprio êxito dessas políticas. Isso porque elas levarão à redução da própria riqueza a ser redistri-

buída. Prevalece o entendimento, portanto, de que, na impossibilidade de se conciliar igualdade e

eficiência, deve-se priorizar a eficiência em detrimento da igualdade, pois o crescimento econô-

mico acabará, mais cedo ou mais tarde, por beneficiar todos os membros da sociedade. Na reali-

dade, supõe-se que as políticas que acabem por beneficiar os mais ricos acabarão por viabilizar as

condições que, em última instância, beneficiarão também os mais pobres (o chamado “efeito tric-

kle-down”).

No âmbito da política social, dessa forma, advoga-se em favor da reestruturação dos sis-

temas de proteção social, com a redução do papel do Estado na economia. Em última instância,

admite-se que o Estado teria um papel realmente importante apenas no sentido de assegurar que

os agentes relevantes possam competir no mercado nas mesmas condições e, assim, assumir a

responsabilidade pelo atendimento de suas necessidades, no presente e no futuro. Aqueles que

não forem capazes de fazê-lo por seus próprios meios poderão recorrer à assistência, tanto públi-

ca como privada, desde que estejam dispostos, evidentemente, a aceitar o estigma em geral asso-

ciado a esse tipo de política.

Esse processo de reestruturação do sistema de proteção social, vale ressaltar, deve incluir

também a flexibilização da legislação trabalhista, com destaque para a redução da segurança no

emprego e a redução do poder de negociação dos empregados relativamente aos empregadores, o

43

Como a política social assegura, em maior ou menor grau, o acesso a bens e serviços essenciais, bem como à pro-

teção em caso de contingências que limitem a sua capacidade de auferir renda, subentende-se que ela permite aos

indivíduos reduzir a parcela de sua renda que será poupada e aumentar a parcela de sua renda que será consumida.

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que está intimamente relacionado ao poder dos sindicatos, a fim de assegurar uma maior flexibi-

lidade aos salários.

3.2 Argumentos favoráveis ao Estado de Bem-Estar Social

Nesta seção, procura-se apresentar as ideias que sustentam a ação daqueles que defendem

a viabilidade e a pertinência dos Estados de Bem-Estar Social. Tal como a seção anterior, ela

também será dividida em duas subseções. Na primeira, apresenta-se a visão não convencional

sobre o modo de organização da vida social no capitalismo e, mais precisamente, sobre o a sua

capacidade de assegurar a todos a possibilidade de atender as suas necessidades fundamentais e

viver uma vida civilizada. Na segunda subseção, essa visão é apresentada atribuindo-se particular

atenção à concepção prevalecente a respeito do papel do Estado, em geral, e do papel da política

econômica e da política social, em particular.

3.2.1 O Estado de Bem-Estar Social a partir da visão não-convencional

Ao defender a viabilidade ou a pertinência do Estado de Bem-Estar Social, a visão não

convencional critica os princípios do liberalismo econômico. Isso não significa, entretanto, que

advogue em favor da superação do capitalismo e de sua substituição por um novo sistema de or-

ganização da vida social. Significa, na realidade, o entendimento de que esse sistema pode e deve

ser administrado e reformado permanentemente, de modo a assegurar a conservação de suas vir-

tudes, de um lado, e a eliminação de seus vícios, de outro. Esse esforço, por sua vez, pressupõe o

reconhecimento da indissociabilidade entre o Estado e o mercado.

Nesse caso, as instituições e políticas que caracterizam o Estado de Bem-Estar Social en-

contram sustentação, em grande medida, na concepção de Keynes, o herético discípulo de Mars-

hall, sobre o funcionamento da economia44

. A partir da experiência, ele criticou os princípios do

liberalismo econômico, argumentando que eles não se aplicariam ao mundo tal como ele real-

mente é (Fonseca, 2010). Mais especificamente, Keynes questionou a suposição, herdada de

Smith, de que a busca do interesse individual leva, necessária e invariavelmente, ao interesse so-

cial. Segundo ele, o comportamento que pode ser favorável ao indivíduo pode não corresponder

44

Keynes concebeu a economia como uma ciência moral a serviço da ética. Nesse sentido, ele se preocupou em

compreender os fundamentos racionais das motivações por trás das ações dos seres humanos e, a partir disso, as

possibilidades que existiriam para que essas ações fossem orientadas, em última instância, não apenas para bem-estar

individual, mas também para o bem-estar social (Lima e Cardoso, 2006).

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ao comportamento que seria favorável ao resto da sociedade, sobretudo em um contexto em que

prevalecem o “risco, a incerteza e a ignorância”. No limite, esse comportamento pode ser até

mesmo “antissocial”45

. Nos termos de Keynes (1926, p.287):

It is not true that individuals possess a prescriptive ‘natural liberty’ in their economic ac-

tivities. There is no ‘compact’ conferring perpetual rights on those who Have or on those

who Acquire. The world is not so governed from above that private and social interest

always coincide. It is not so managed here below that in practice they coincide. It is not a

correct deduction from the principles of economics that enlightened self-interest always

operates in the public interest. Nor is it true that self-interest generally is enlightened;

more often individuals acting separately to promote their own ends are too ignorant or

too weak to attain even these. Experience does not show that individuals, when they

make up a social unit, are always less clear-sighted than when they act separately.

É, pois, a “dupla natureza do capitalismo”, nos termos de Belluzzo e Almeida (1999), de-

corrente da dicotomia entre o enriquecimento privado e o enriquecimento social, que Keynes

buscou ressaltar como a essência desse sistema e que, de fato, não foi percebida por Smith e seus

discípulos. A história mostrou que o capitalismo, entregue à sua própria lógica, representa uma

ameaça concreta à vida civilizada.

De fato, tal como mostrou Keynes, uma “economia empresarial” é movida pelo “amor ao

dinheiro” (love of money). Os empresários irão produzir aquilo que esperam vender, de modo a

obter, no final do processo, lucro. Se eles esperam terminar com mais dinheiro do que começa-

ram, eles contratarão mais trabalhadores e aumentarão a produção. Por sua vez, o lucro esperado

decorre das decisões de gasto dos atores relevantes, as quais dependem da forma como eles con-

servarão a sua riqueza ao longo do tempo. E, nesse caso, eles poderão desejar reter ativos capazes

de lhes assegurar a segurança necessária para transitar em direção a um futuro sobre o qual nada

se pode saber, mas que não podem ser produzidos mediante contratação de trabalho ou substituí-

dos por outros ativos – especialmente em contextos marcados por maior grau de incerteza. Em

última instância, portanto, o maior ou menor desejo dos atores de conservar a sua riqueza na for-

ma mais ou menos líquida, decorrente da sua maior ou menor confiança no futuro, determina a

expansão ou contração da criação de nova riqueza para a sociedade (Keynes, 1933a, 1933b; Car-

valho, 1992).

45

Nos termos de Belluzzo e Almeida (1999, p.255): “Neste particular, a questão que Keynes levantou foi o da con-

tradição entre o enriquecimento privado e a criação de nova riqueza pela sociedade (crescimento do emprego e da

renda). Ele procurou demonstrar, ao mesmo tempo, que a forma assumida pela crise tende a levar ao limite o impul-

so ao enriquecimento privado, ao ponto de torná-lo anti-social”.

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Nessa economia empresarial, então, a produção de mercadorias não é um fim em si mes-

mo, mas um meio para o avanço do processo de acumulação de riqueza em sua forma mais geral

e abstrata, isto é, monetária. Ela está subordinada, portanto, às decisões de gasto dos agentes e,

consequentemente, à forma como eles desejarão conservar a sua riqueza ao longo do tempo histó-

rico e, portanto, unidirecional. São essas decisões que, em última instância, estão por trás dos

movimentos de expansão e contração do produto, conferindo à economia capitalista o seu caráter

inerentemente instável (Carvalho, 1988; Corazza, 2006)46

.

Assim, os empresários surgem como aqueles efetivamente capazes de manter o sistema

em funcionamento. Eles são aqueles capazes de colocar em movimento os meios de produção a

partir da contratação de trabalho, visando produzir mercadorias e obter um ganho ao vendê-las no

mercado. Os bancos, por sua vez, são aqueles que permitem que os empresários levem a cabo

esse processo, com o objetivo de tomar parte do ganho obtido por eles. De fato, tal como sugerem

Belluzzo e Almeida (1999), em uma economia empresarial, os bancos sancionam as apostas dos

empresários, e os lucros derivados dessas apostas sancionam as apostas dos bancos.

Keynes mostrou, ademais, que o capitalismo, enquanto sistema de organização da vida

social, não é limitado apenas no que se refere à produção da riqueza. Ele o é também em sua dis-

tribuição. Keynes reconheceu que o padrão de distribuição da riqueza prevalecente em cada soci-

edade, em cada momento, não é resultado apenas do funcionamento do mercado, mas também –

e, principalmente – pelo conflito de interesses, o qual é definido, em última instância, pelo poder.

Por essa razão, esse padrão é arbitrário, implicando desigualdades que superam consideravelmen-

te o que seria considerado tolerável pela sociedade.

Keynes acreditava, portanto, que a sociedade deveria submeter o capitalismo aos seus de-

sígnios, e não o contrário. Isso significa que o Estado deveria assumir um papel mais contundente

na administração e na reforma desse sistema. De fato, embora considere o capitalismo o sistema

46

Dessa maneira, o que difere uma economia empresarial, tal como proposta por Keynes, de uma “economia coope-

rativa”, tal como proposta pelos defensores do laissez-faire, é o papel atribuído ao dinheiro em cada uma delas. En-

quanto em uma economia cooperativa o dinheiro é utilizado apenas como facilitador das transações, atuando como

simples meio de troca, em uma economia empresarial ele é utilizado como meio de pagamento, unidade de conta e

reserva de valor – capacidade de transportar a riqueza no tempo. Isso introduz, portanto, a possibilidade não apenas

de crises setoriais, mas também de crises sistêmicas, uma vez que a redução das vendas e dos lucros em um setor não

são, necessariamente, acompanhadas por um aumento das vendas e dos lucros em outro setor dessa economia (Key-

nes, 1933a, 1933b; Carvalho, 1992, 1989). De fato, tal como sugere Belluzzo (2013, p.119), nas crises, “o dinheiro é

tudo, as mercadorias não são nada”.

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mais eficiente para a produção de riqueza, as consequências sociais de se admitir o dinheiro como

objetivo último das decisões individuais são, evidentemente, bastante questionáveis. Para ele, o

Estado disporia dos meios necessários para a construção de um sistema “civilizado”, por meio da

eliminação de seus principais efeitos negativos sobre a sociedade, notadamente, a sua incapaci-

dade de proporcionar a maior produção e a melhor distribuição da riqueza (Keynes, 1926; 1936).

Keynes entendia que esse era o único meio praticável para evitar a destruição total da forma de

organização da vida social vigente e, assim, assegurar o funcionamento adequado da livre-

iniciativa. Segundo ele (1926, p.294):

For my part I think that capitalism, wisely managed, can probably made more efficient

for attaining economic ends than any alternative system yet in sight, but that in itself it is

in many ways extremely objectionable. Our problem is to work out a social organization

which shall be as efficient as possible without offending our notions of a satisfactory

way of life.

No que se refere à intervenção do Estado no processo de produção da riqueza, a ação do

setor público deve complementar, e não substituir, a ação do setor privado. Ela deve assegurar

condições minimamente vantajosas para que os empresários estejam dispostos a expandir a pro-

dução e, dessa forma, a utilizar os recursos disponíveis, deixando inteiramente sob sua responsa-

bilidade a decisão de como fazer isso47

(Carvalho, 1992).

Já no que se refere à intervenção do Estado no processo de distribuição da riqueza, Key-

nes entendia que ela deveria assegurar as condições para o atendimento das necessidades funda-

mentais individuais. Em sua concepção, não se trata de simplesmente de transferir dos ricos para

aos pobres. Trata-se, isso sim, da constatação simples, mas, aparentemente, não tão óbvia assim,

de que justo seria que todos, na condição de seres humanos, tenham a sua dignidade protegida

como um direito, o que, por sua vez, não pode ser assegurado pelo mercado, de modo que é ne-

cessária a intervenção do Estado. Em suas palavras (1926, p.285):

If we have the welfare of the giraffes at heart, we must not overlook the sufferings of the

shorter necks who are starved out, or the sweet leaves which fall to the ground and are

trampled underfoot in the struggle, or the overfeeding of the long-necked ones, or the

evil look of anxiety or struggling greediness which overcasts the mild faces of the herd.

47

Keynes, deve-se observar, opõe-se veementemente à noção de que o Estado deve assumir o controle dos meios de

produção em nome do bem-estar social.

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Em outras palavras, a visão de Keynes sugere que os direitos sociais são plenamente

compatíveis com os direitos civis, de modo que, junto aos direitos políticos, os três devem com-

por a verdadeira cidadania48

. Keynes não negava o valor da liberdade individual. Exaltava-o, na

realidade. Entretanto, argumentava no sentido de que eram a pobreza e a miséria, o desemprego e

as desigualdades, as suas verdadeiras ameaças (Carvalho, 2008a; Corazza, 2006). São elas, e não

a intervenção do Estado no mercado visando corrigi-las, que, em última instância, pavimentam o

“caminho para a servidão”, nos termos de Hayek (1944)49

. De fato, tal como sugere Belluzzo

(2004, p.129):

A boa sociedade deve tornar livres os seus integrantes, não apenas livres de um ponto de

vista negativo – no sentido de não serem coagidos a fazer o que não fariam por espontâ-

nea vontade –, mas positivamente livres, no sentido de serem capazes de fazer algo da

própria liberdade. Isso significa, primordialmente, o poder de influenciar as condições da

própria existência, dar um sentido para o bem comum e fazer as instituições sociais fun-

cionarem adequadamente.

Essa visão é coerente com as ideias de Polanyi (1944, 1947). Para ele, o advento do capi-

talismo laissez –faire pressupôs uma “grande transformação”, qual seja, a libertação da vida eco-

nômica do controle social. Mais especificamente, o mercado viu-se livre para transformar os in-

divíduos em mercadorias e as relações que se estabelecem entre eles em relações que se estabele-

cem entre mercadorias. Nesse caso, estabeleceu-se uma nova ordem, a qual era movida pelo dese-

jo de acumular riqueza de alguns poucos, é verdade, mas também pelo “temor da fome” de outros

muitos. Os danos causados por esse processo de “mercantilização” e, no limite, de “mercadoriza-

ção”, à coesão social levam a uma resposta da sociedade no sentido de autoproteção. E, nesse

caso, a intervenção do Estado deve ser entendida como uma das formas que a sociedade dispõe

48

Ocupado na administração da economia britânica no contexto da Segunda Guerra Mundial e no planejamento da

nova ordem mundial após o fim do conflito, Keynes não discutiu o Estado de Bem-Estar Social no momento em que

esses arranjos surgiam e se desenvolviam na Europa Ocidental. Entretanto, ao trocar impressões com Beveridge a

respeito dos primeiros rascunhos do relatório que levaria à sofisticação do sistema de proteção social britânico no

pós-guerra, ele demonstrou grande entusiasmo, ressaltando que as reformas ali propostas seriam de grande importân-

cia (Keynes, 1980). De fato, Keynes exerceu um papel importante no desenvolvimento do relatório, oferecendo a

Beveridge conselhos com o objetivo de assegurar a sua viabilidade financeira. Ele sabia do receio de alguns dos

membros do Tesouro a respeito do impacto que essas reformas teriam sobre o orçamento e estava particularmente

disposto a assegurar que elas fossem aprovadas (Marcuzzo, 2010).

49 Não por outra razão, Bobbio (2004) afirma que a noção de cidadania pressupõe uma concepção mais ampla de

liberdade do que aquela que estariam dispostos a aceitar os defensores do laissez-faire. Enquanto os direitos civis

asseguram aos indivíduos a liberdade em relação ao Estado e os direitos políticos asseguram a liberdade no Estado,

os direitos sociais asseguram a liberdade por meio do Estado.

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para se proteger da lógica do mercado, que, como um “moinho”, ameaça triturá-la e destruí-la.

Em suas palavras (1944, p.79):

(...) nenhuma sociedade suportaria os efeitos de um tal sistema de grosseiras ficções,

mesmo por um período de tempo muito curto, ao menos que a sua substância humana

natural, assim como a sua organização dos negócios, fosse protegida contra os assaltos

desse moinho (...). Os efeitos causados nas vidas das pessoas foram terríveis, indescrití-

veis. A sociedade humana poderia ter sido aniquilada, de fato, não fosse a ocorrência de

alguns contramovimentos protetores que cercearam a ação desse mecanismo autodestru-

tivo.

Em última instância, Polanyi buscou enfatizar a necessidade de contrarrestar os efeitos

adversos advindos do processo de transformação da capacidade de trabalho em mercadoria. As-

sim como o dinheiro e a terra, ele seria, entretanto, uma mercadoria “fictícia” (ou “aparente”), no

sentido de que lhe falta um atributo essencial: o de ser produzido para a venda no mercado. Para

Polanyi, esse processo só foi possível mediante não apenas a separação dos trabalhadores dos

meios de produção, mas também a partir da fragilização de todas as formas de proteção que pu-

dessem assegurar a sobrevivência do indivíduo sem que a ele restasse apenas ofertar a sua capa-

cidade de trabalho no mercado em troca de um salário. “Morrer de fome ou trabalhar” – essas

foram as alternativas que restaram aos homens. É, então, às consequências desse processo que o

Estado pode e deve se opor.

Keynes partilhava com Marx a noção de que o capitalismo é um sistema movido pelo de-

sejo incessante de acumular riqueza em sua forma geral e abstrata, qual seja, o dinheiro, e que,

enquanto tal, não possui qualquer compromisso com a proteção da dignidade humana. Keynes,

entretanto, era consideravelmente mais otimista que Marx no que se refere à possibilidade de

transformar o modo de funcionamento desse sistema a fim de direcionar as suas forças para fins

econômico e socialmente relevantes, ou, no limite, para que ele possa assegurar a todos o atendi-

mento de suas necessidades fundamentais e, assim, a possibilidade de viver uma vida civilizada.

Na concepção de Marx, isso significaria forçar o capital a negar permanentemente a sua própria

natureza.

Marx argumentava que o capital, enquanto valor que se valoriza, pressupõe uma relação

bastante específica, qual seja, aquela que se estabelece entre capitalistas e trabalhadores, e que é

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caracterizada pela submissão real destes em relação àqueles50

. Mais que isso, o avanço do proces-

so de reprodução ampliada do capital em um contexto de intensificação da concorrência inter-

capitalista está por trás de processos por meio dos quais o trabalho torna-se, na prática, crescen-

temente “descartável”. Em outras palavras, o processo de valorização do capital é, ao mesmo

tempo, um processo de desvalorização do trabalho e, por extensão, do próprio homem (Belluzzo,

2013).

De fato, por um lado, o desenvolvimento das forças produtivas que acompanha os proces-

sos de centralização (transformação de muitos capitais menores e poucos capitais maiores) e con-

centração (crescimento dos capitais individuais) do capital permite que menos trabalhadores se-

jam necessários para colocar em movimento uma quantidade cada vez maior de meios de produ-

ção. Por outro lado, a possibilidade crescente de se viabilizar a valorização da riqueza a partir da

órbita financeira, cada vez mais autônoma em relação à produtiva, torna o trabalho uma base cada

vez mais “miserável” desse processo. De fato, uma vez que o dinheiro torna-se capaz de gerar

mais dinheiro por ser, simplesmente, dinheiro, o trabalho deixa de ser a grande fonte da riqueza,

assim como a apropriação do trabalho alheio, a principal forma de expansão dessa riqueza. Isso

passa a ocorrer por meio do surgimento e desenvolvimento do chamado “capital fictício”, viabili-

zado, em última instância, pelo desenvolvimento de uma complexa macroestrutura financeira

(Marx, 1867; Braga, 2000).

Marx, tal como Keynes, compreendeu que a crise é inerente à dinâmica capitalista, assim

como o são as expansões. O capital busca expandir-se com voracidade, ao que parece negar os

limites que ele próprio se impõe, um processo que é potencializado pelas transformações ocorri-

das nos sistemas financeiros nacionais e internacionais. Em última instância, as crises são o mo-

mento no qual as contradições do capitalismo se expressam e se resolvem, para serem repostas

mais à frente, porque são inerentes a ele. Nos termos de Mazzucchelli (1985, p.17):

50

Dessa forma, enquanto em sociedades pré-capitalistas prevalece o movimento M-D-M’, isto é, transformação de

mercadorias em dinheiro e retransformação de dinheiro em mercadorias, sendo M e M’ mercadorias qualitativamente

diferentes, em sociedades capitalistas prevalece o movimento D-M-D’, ou seja, transformação de dinheiro em mer-

cadoria e transformação de mercadoria em mais dinheiro, sendo D e D’, portanto, quantitativamente diferentes. Nes-

sa condição, cujo circuito tem início com o dinheiro e termina com ele, o dinheiro torna-se “capital”, ao que o seu

proprietário torna-se “capitalista”. Sendo, pois, que o capital enquanto tal tende ao seu conceito, a partir do circuito

D-D’, sendo D’= D + ∆D.

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As crises, portanto, exteriorizam e resolvem de modo momentâneo as contradições ima-

nentes da produção capitalista; mas não as suprimem. E é exatamente por não serem su-

primíveis que tais contradições implicam a natureza limitada desse regime de produção.

3.2.2 Políticas econômica e social segundo a visão não-convencional

Ao discutir o papel das políticas econômica e social, os defensores do Estado de Bem-

Estar Social se apoiam, em grande medida, no pensamento de Keynes e seus seguidores. Ele

mostrou que a economia não caminha espontaneamente para o pleno-emprego em um contexto

em que os atores relevantes devem tomar decisões a respeito de um futuro desconhecido. As ra-

zões que estão por trás do fascínio que os postulados clássicos exerceram durante tanto tempo, e

que se reflete, inclusive, no fato de que eles forneceram os fundamentos sobre os quais foram

construídos o pensamento novo-clássico e o pensamento novo-keynesiano, bem como o consenso

que se estabeleceu entre eles mais recentemente, foram consideradas por Keynes antes de colocá-

los em xeque. Segundo ele (1936, p.43), esse fascínio:

(...) provavelmente se deveu a um complexo de afinidades entre a sua doutrina e o meio

em que foi lançada. Creio que o fato de ter chegado a conclusões inteiramente diversas

das que poderia esperar um indivíduo comum e pouco instruído contribuiu para o seu

prestígio intelectual. Deu-lhe virtude a circunstância de que seus ensinamentos, transpor-

tados para a prática, eram austeros e, por vezes, desagradáveis. Deu-lhe primor o poder

de sustentar uma superestrutura lógica, vasta e coerente. Deu-lhe autoridade o fato de

poder explicar muitas injustiças sociais e crueldades aparentes como incidentes inevitá-

veis da marcha do progresso, e de poder mostrar que a tentativa de modificar esse estado

de coisas tinha, de modo geral, mais chances de causar danos que benefícios. Por ter

formulado certa justificativa à liberdade de ação do capitalista individual, atraiu-lhe o

apoio das forças sociais agrupadas atrás da autoridade.

Keynes parte do princípio da “demanda efetiva”, ou seja, de que os níveis de produto e de

emprego são determinados pelas decisões de gasto. Ela corresponde à demanda esperada pelos

empresários no momento em que eles decidem o quanto produzir e, consequentemente, quantos

trabalhadores contratar, a fim de obter, no final do processo, lucro (Keynes, 1933a, 1933b). Ao

introduzir o princípio da demanda efetiva, portanto, Keynes opôs-se diretamente à “lei de Say”,

segundo a qual os níveis de produto e emprego da economia seriam determinados fundamental-

mente pelas condições de oferta, e não pelas condições de demanda51

(Keynes, 1936).

51

A lei de Say pressupõe que a produção gera renda, a qual será integralmente despendida na aquisição de mercado-

rias. Nesse caso, não se admite a possibilidade de insuficiência de demanda para a produção. Tudo o que foi produ-

zido será necessariamente vendido, mais cedo ou mais tarde. O princípio da demanda efetiva, por sua vez, pressupõe

que nem toda renda será necessariamente despendida na aquisição de mercadorias. Nesse caso, os produtores, ao

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A demanda esperada pelos empresários depende das decisões de consumo, que estão su-

bordinadas às decisões de investimento. O “incentivo para investir”, por sua vez, depende do

comportamento da eficiência marginal do capital relativamente ao comportamento da taxa de

juros (Keynes, 1936). Ambas dependem das “expectativas” dos atores relevantes, as quais estão

sujeitas à incerteza52

. De fato, os atores não podem prever o futuro por meio de cálculos probabi-

lísticos porque as bases para fazer isso simplesmente não existem: o tempo caminha em uma só

direção e não há porque supor que o futuro será igual ao passado e/ou ao presente. Segundo

Keynes (1937, p.113):

By “uncertain” knowledge, let me explain, I do not mean merely to distinguish what is

known for certain from what is only probable. The game of roulette is not subject, in this

sense, to uncertainty. Nor is the prospect a victory bon being drawn. Or, again, the ex-

pectation of life is only slightly uncertain. Even the weather is only moderately uncer-

tain. The sense in which I am using the term is that in which the prospect of a European

war is uncertain, or the price of copper and the rate of interest twenty years hence, or the

obsolescence of a new invention, or the position of private wealth-owners in the social

system in 1970. About these matters there is no scientific basis on which to form any

calculable probability whatever. We simply do not know.

Nesse contexto, a eficiência marginal do capital é a taxa de retorno esperada decorrente da

aquisição de um bem de capital, ao passo que a taxa de juros é a medida da relutância dos agentes

em abrir mão da moeda em favor de ativos menos líquidos, uma vez que a moeda, em função de

encarnar a própria noção de liquidez, oferece ao seu possuidor segurança, constituindo um refú-

gio contra a incerteza53

. Assim, não há o incentivo a investir se a taxa de juros for maior que a

eficiência marginal do capital, uma vez que, nesse caso, não é vantajoso abrir mão do retorno não

tomar as decisões de produção, não apenas não sabem como os agentes utilizarão a sua renda, mas também quando

eles o farão. Por essa razão, eles são obrigados a decidir o quanto produzir de acordo com o que esperam vender

(Carvalho, 1989, 1992).

52 A noção de incerteza está intimamente relacionada, portanto, a noção de “não-ergodigocidade”. Nos termos de

Davidson (1988, p.331): “Em um mundo econômico inteiramente governado por processos ergódigos, as relações

econômicas entre as variáveis são atemporais, ou ahistóricas, no sentido de que o futuro é meramente um resultado

estatístico do passado (...). A acumulação de evidências passadas para resultados econômicos permite o cálculo de

médias estatísticas as quais podem ser usadas para fazer previsões confiáveis para o risco matemático ou a probabi-

lidade dos eventos futuros. Em outras palavras, em um ambiente ergódigo, o conhecimento sobre o futuro envolve a

projeção de médias baseadas no passado e/ou na realização presente para eventos futuros”.

53 As duas propriedades da moeda que a tornam o ativo mais líquido entre todos os ativos, um ativo que pode ser

desejado enquanto tal e que, ao se fazer isso, produz consequências para toda a economia, são justamente. i) elastici-

dade de produção nula ou negligenciável; e ii) elasticidade de substituição nula ou negligenciável. Trata-se de um

ativo cujo prêmio de liquidez é superior ao seu custo de manutenção. Nos termos de Keynes (1936, p.184 ): “Quer

isso dizer que o desemprego aumenta porque as pessoas querem a lua; os homens não podem conseguir emprego

quando o objeto de seus desejos [isto é, a moeda] é uma coisa que não se produz e cuja demanda não pode ser fa-

cilmente contida” (inclusão nossa).

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monetário oferecido pelos ativos mais líquidos em favor do retorno monetário oferecido pelos

ativos menos líquidos, como é o caso dos bens de capital54

.

Evidentemente, não há porque supor que as decisões de investimento e as decisões de

consumo sejam aquelas necessárias para levar a economia à situação de pleno-emprego em um

determinado momento do tempo. A demanda efetiva associada a essa situação é um caso especial

que só se verifica diante de uma certa combinação da eficiência marginal do capital, da taxa de

juros e da propensão a consumir. Em geral, essas variáveis resultam em uma demanda efetiva

inferior àquela associada à situação de pleno-emprego, de modo que o desemprego involuntário é

antes a regra que a exceção no sistema capitalista.

Além disso, as flutuações na eficiência marginal do capital, na taxa de juros e na propen-

são a consumir determinam as flutuações na demanda e, consequentemente, na oferta, gerando os

movimentos de expansão e contração do produto, da renda e do emprego55

. Em outras palavras, o

otimismo e a prosperidade são inerentes a esse sistema tanto quanto o pessimismo e a crise (Key-

nes, 1936).

Conclui-se, portanto, que em um sistema movido pelo desejo incessante de transformar o

dinheiro em mais dinheiro em um contexto em que prevalece a incerteza a respeito do futuro, não

há qualquer garantia de que todos os indivíduos serão capazes de atender as suas necessidades

fundamentais e, assim, de viver uma vida civilizada.

3.2.2.1 Política econômica segundo a visão não-convencional

Dessa forma, Keynes mostrou porque o mercado, atuando por si mesmo, frequentemente

não é capaz de assegurar o bem-estar a todos os membros da sociedade. Por essa razão, ele reco-

54

Nesse caso, portanto, há um direcionamento dos recursos do chamado “circuito industrial” para o chamado “circui-

to financeiro”, em que a moeda passa a ser, ela própria, um ativo, ou seja, uma forma possível de conservação da

riqueza no tempo (Keynes, 1930). Em última instância, isso significa que os recursos deixam de viabilizar as transa-

ções envolvendo ativos que podem ser produzidos mediante contratação de trabalho para passar a viabilizar as tran-

sações envolvendo ativos que não podem ser produzidos mediante contratação de trabalho.

55 É importante ressaltar que as fases de expansão e contração são inevitavelmente acentuadas pelo comportamento

dos bancos. Por meio do crédito, essas instituições podem sancionar ou não as decisões de investir, uma vez que

essas decisões tenham sido tomadas. Em geral, nos momentos de otimismo, que caracterizam as fases de expansão,

os bancos emprestam mais e os atores tomam mais empréstimos, sendo que ambos assumem posturas mais arrisca-

das. Já em momentos de pessimismo, que caracterizam as fases de contração, os bancos emprestam menose os atores

tomam menos empréstimos, sendo que, na tentativa de reverter os excessos do período anterior, ambos assumem

posturas menos arriscadas (Minsky, 1986; Oliveira, 2009).

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nhece não apenas a possibilidade, mas também a necessidade da intervenção do Estado, a fim de

assegurar que o sistema tenda para uma situação desejável não apenas do ponto de vista individu-

al e da acumulação, mas também do ponto de vista social.

Nesse caso, o contrário da visão convencionalmente aceita, admite-se que a política eco-

nômica tem a capacidade de afetar de modo permanente não apenas as variáveis nominais, mas

também as variáveis reais do sistema. A política monetária e a política fiscal devem assegurar as

condições necessárias para que a demanda mantenha a economia tão próxima do pleno-emprego

quanto possível, seja estimulando o gasto do setor privado, seja compensando a sua retração por

meio do setor público. Para que possam responder a cada situação da melhor forma possível,

ademais, elas devem ser conduzidas de forma discricionária, de modo a adaptar-se às especifici-

dades de cada situação. Isso, por sua vez, deve pressupor um elevado grau de coordenação entre a

autoridade monetária e a autoridade fiscal, a fim de fazer com que os seus efeitos não sejam neu-

tralizados (Carvalho, 1992, 1999).

Assim sendo, dentre os objetivos da política monetária, torna-se central a redução da atra-

tividade dos ativos mais líquidos frente aos ativos menos líquidos aos possuidores de riqueza em

busca da melhor forma de conservá-la, de modo a desestimular a demanda por ativos não repro-

dutíveis, de um lado, e estimular a demanda por ativos reprodutíveis, do outro.

Entretanto, não há porque supor que ela seja sempre capaz de cumprir aquilo a que se

propõe, sobretudo em contextos caracterizados pelo aumento da incerteza e pela deterioração do

estado geral das expectativas, em que, em geral, há uma convergência no que se refere ao com-

portamento dos atores em direção a posturas mais defensivas. Se a moeda é a bebida que estimula

o sistema, mostrou Keynes, não se deve ignorar que muitos percalços podem surgir entre a “taça

e os lábios”. De fato, embora se espere que um aumento da oferta de moeda reduza a taxa de ju-

ros, isto não ocorrerá se ele for acompanhado por aumento mais que proporcional da demanda

por moeda. Da mesma forma, embora se espere que uma redução da taxa de juros aumente o in-

vestimento, isto não ocorrerá se ela for acompanhada por uma redução mais que proporcional da

eficiência marginal do capital (Keynes, 1936).

Por essa razão, Keynes ressalta o papel da política fiscal, que, ao contrário da política mo-

netária, seria capaz de atuar diretamente sobre a demanda, ainda que sua concepção e implemen-

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tação seja menos ágil. Nesse caso, o setor público realizaria o gasto que não é realizado pelo setor

privado e, assim, asseguraria a sustentação da demanda, evitando a queda do produto, da renda e

do emprego até a recuperação da sua confiança56

. Na realidade, ao mostrar o seu comprometi-

mento com o desempenho da economia, tanto no presente, como no futuro, o Estado, por meio da

política fiscal, reduziria a insegurança dos atores e viabilizaria o processo de recuperação57

. (Car-

valho, 1992, 1999).

Keynes propôs, então, a criação de dois orçamentos fiscais, quais sejam, um “orçamento

ordinário” e um “orçamento de capital”. O primeiro compreenderia os gastos de consumo, ao

passo que o segundo compreenderia os gastos de investimento do setor público, os quais deveri-

am compensar as flutuações dos gastos de investimento do setor privado, aumentando quando

esses gastos diminuíssem e se reduzindo quando esses gastos se elevarem. O orçamento ordinário

deveria se manter em equilíbrio ou, preferencialmente, em superávit, o qual seria transferido para

o orçamento de capital. Este, por sua vez, poderia apresentar desequilíbrios durante as fases de

contração, em função do aumento dos gastos e da redução das receitas, mas estes seriam corrigi-

dos durante as fases de expansão dos ciclos de negócios, em função da redução dos gastos e do

aumento das receitas (Carvalho, 2008b; Collier e Collier, 1995). Nesse caso, portanto, é relevan-

te, de acordo com Keynes (1942, p.277):

(…) having a surplus on the ordinary budget, which would be transferred to the capital

budget, thus gradually replacing dead-weight debt by productive or semi-productive

debt…I should not aim at attempting to compensate cyclical fluctuations by means of

ordinary budget, I should leave this to the capital budget.

A importância atribuída ao orçamento de capital, relativamente ao orçamento ordinário,

reflete, então, o entendimento de que os benefícios para a economia dos gastos de investimento

são superiores aos dos gastos de consumo do setor público, dado o seu efeito multiplicador mais

56

Kregel (1994) destaca a existência de dois tipos de política fiscal, quais sejam, uma política de gastos “ofensiva” e

uma política de gastos “defensiva”. A primeira buscaria lidar com variações conjunturais, ao passo que a segunda

buscaria lidar com variações estruturais no produto, na renda e no emprego.

57 Nesse contexto, Lerner (1943) propôs o princípio das “finanças funcionais” (functional finance), em oposição ao

princípio das “finanças equilibradas” (sound finance). Em última instância, essa interpretação sugere que o setor

público deve estar preparado para assegurar a sustentação do pleno-emprego quando o setor privado não for capaz de

fazê-lo, custe isso o que custar. Nos termos de Lerner (1943, p.298): “The central idea is that government fiscal

policy, its spending and taxing, its borrowing and repayment of loans, its issue of new money and its withdrawal of

money, shall all be undertaken with an eye only to the results of these actions on the economy and not to any estab-

lished traditional doctrine about what is sound and what is unsound (…). The principle of judging fiscal measures by

the way they work or function in the economy we may call Functional Finance”.

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ampliado sobre o produto, a renda e o emprego. Esses investimentos devem se concentrar em

atividades que não interessam ao setor privado, ou que não possam ser levados a cabo por ele em

condições favoráveis, mas que, mesmo assim, sejam capazes de trazer benefícios para toda socie-

dade58

.

Deve-se observar, ademais, que a importância do sistema bancário para a trajetória da

economia implica um papel ainda mais relevante para a política econômica. De um lado, por

meio da política monetária, o Estado deve estar preparado para lidar com as variações no grau de

preferência pela liquidez dessas instituições, atuando como “emprestador de última instância”

(lender of last resort) em contextos de crise. Por outro lado, por meio da política fiscal, o Estado

deve sustentar a demanda e, portanto, os recursos (ou seja, lucros e salários) necessários para que

as unidades endividadas continuem sendo capazes de honrar os seus compromissos. Tudo isso

poderia evitar a súbita interrupção do circuito crédito-demanda-oferta, o que, numa economia

baseada no endividamento, teria graves consequências em termos do produto, da renda e do em-

prego (Minsky, 1986).

Não por outra razão, Minsky (1986) propôs que, em uma economia monetária da produ-

ção baseada nas finanças, a autoridade monetária e a autoridade fiscal devem funcionar como um

Big Bank e um Big Government, respectivamente, a fim de estabilizar uma economia inerente-

mente instável. Isso porque, segundo ele, o comprometimento em garantir o pleno-emprego deve

constituir a principal forma por meio da qual o Estado deve promover o bem-estar social. No li-

mite, Minsky (1965) propôs que se o Estado não for capaz de assegurar, por meio da política mo-

netária e da política fiscal, que o crescimento da demanda efetiva absorva todos os homens dis-

postos e capazes de trabalhar, deve ele próprio exercer a função de “empregador de última ins-

tância” (employer of last resort). Nesse caso, o Estado asseguraria a geração de empregos quando

e onde eles são mais necessários. Mais que isso, ele seria capaz de adaptar as oportunidades às

especificidades dos trabalhadores disponíveis, inclusive no que se refere ao seu grau de qualifica-

ção59

. Nos termos de Minsky (1986, p.7): “social justice and individual liberty demand interven-

58

Seja como for, em todos esses casos, deve haver o comprometimento do setor público com a eficiência, isto é, em

produzir os melhores resultados possíveis a partir dos recursos disponíveis. Em outras palavras, deve haver um con-

trole rigoroso não apenas quantitativo, mas também qualitativo, dos gastos públicos. 59

Minsky considerava que a criação de empregos com salários justos, pelo setor privado e/ou pelo setor público, era

a melhor forma de vencer a chamada “guerra contra a pobreza” (the war on poverty). O desemprego era concebido

como um problema de demanda e não de oferta de trabalho, decorrente, em última instância, do modus operandi do

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tions to create an economy of opportunity in which everyone, except the severely handicapped,

earns his or her way through the exchange of income for work. Full employment is a social as

well as an economic good”.

Por fim, em uma economia aberta, um país pode estimular a demanda e, consequentemen-

te, o produto e o emprego, por meio da política cambial, encarecendo as mercadorias estrangeiras

em moeda doméstica e barateando as mercadorias domésticas em moeda estrangeira. Esse estí-

mulo pode ser reforçado por meio da política comercial, o que inclui a adoção de barreiras tarifá-

rias e não-tarifárias aos fluxos internacionais de mercadorias. Keynes mostrava-se algo cético

quanto à utilização irrestrita de políticas de caráter protecionista, em função do fato de que elas

representavam um benefício para uma parte em detrimento da outra. Em outras palavras, elas

implicavam um “jogo de soma-zero”. Nesse caso, advogava que seria preferível que cada país

mantivesse sua economia tão próxima do pleno-emprego quanto possível por meio das políticas

monetária e fiscal. O crescimento da economia internacional, por sua vez, levaria a um aumento

dos fluxos internacionais de mercadorias dos quais todos os países poderiam se beneficiar (Ferra-

ri Filho, 2006)60

. Além disso, as políticas protecionistas reduzem as possibilidades de consumo

de uma sociedade e inviabilizam a constituição de um equilíbrio minimamente estável das rela-

ções econômicas internacionais.

Além disso, os agentes poderão conservar a sua riqueza não apenas em ativos domésticos,

mas também em ativos estrangeiros. As características estruturais de cada economia fazem com

que esses ativos inspirem diferentes graus de confiança nos agentes61

. Nesse caso, em momentos

de otimismo, os agentes poderão direcionar recursos dos ativos dos países centrais para os ativos

sistema. Para Minsky, o sistema de proteção social deveria atender as necessidades sobretudo daqueles que não po-

deriam ou não deveriam trabalhar (Wray, 2007). Nesse caso, portanto, a intervenção do Estado em favor de uma

sociedade menos desigual deveria assumir como princípio fundamental: “generating enough job opportunities of the

right kind, at the right place, and with sufficiently high incomes so that all who are willing and able to work can earn

enough from jobs to maintain themselves and those for whom they are responsible at a level above some poverty

level (…). The fundamental element in any war against poverty is jobs.” (Minsky, 1965, p.177).

60 Segundo Keynes (1936, p.290): “(...) se as nações podem por si próprias atingir o pleno-emprego através de suas

políticas domésticas (...) não há necessidade de se utilizar instrumentos econômicos que venham confrontar interes-

ses de um país contra aqueles de seus vizinhos”.

61 Algumas moedas podem ser mais desejadas que outras. A sua capacidade de exercer as funções de unidade de

conta, meio de pagamento e reserva de valor em âmbito internacional determina o grau de “conversibilidade” de uma

moeda e, portanto, a sua posição na “hierarquia das moedas” (Prates e Cintra, 2008).

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dos países periféricos, ao passo que em momentos de pessimismo, ocorre o contrário62

. A neces-

sidade de aumentar a atratividade dos ativos domésticos relativamente aos ativos estrangeiros a

fim de evitar a saída de recursos, por sua vez, reduz substancialmente o grau de autonomia da

política monetária e fiscal dos países da periferia, sobretudo em contextos de maior incerteza

(Davidson, 2011).

Assim, se Keynes mostrava-se favorável aos fluxos internacionais de bens e serviços, o

mesmo não acontecia com relação aos fluxos internacionais de capitais, que, em função de sua

grande mobilidade, cria a possibilidade de movimentos expressivos de recursos entre economias

a partir de estímulos muitas vezes relativamente pequenos. A fim de preservar a autonomia da

política econômica e reduzir o grau de vulnerabilidade externa dos países centrais e, principal-

mente, dos países periféricos, suas ideias permitem advogar em favor da regulação dos fluxos

internacionais de capital. Nesse contexto, recursos de longo-prazo que possuem como objetivo

financiar o investimento e a produção seriam certamente desejáveis e, portanto, deveriam ser es-

timulados em detrimento dos demais. Já os recursos de curto prazo, por sua vez, deveriam ser

desestimulados mediante a imposição de controles, ante seus efeitos instabilizadores sobre as

economias (Carvalho, 2008c).

3.2.2.2 Política social segundo a visão não-convencional

De acordo com a visão não convencional, a política social, ao afetar os processos de pro-

dução e distribuição da riqueza, complementa o esforço da política econômica em promover o

bem-estar social. Ambas devem ser concebidas e implementadas em conjunto, de forma articula-

da, como parte de uma estratégia mais ampla de desenvolvimento.

Tendo-se em vista as proposições de Keynes, a política social pode exercer um impacto

considerável sobre a demanda efetiva. Em primeiro lugar, porque não há garantias de que uma

maior flexibilidade do mercado de trabalho possa assegurar um maior nível de emprego. Isso se

deve ao papel subordinado desse mercado em uma economia capitalista. Keynes (1936) mostrou

62

De acordo com as características estruturais de suas economias, Dow (1982) classificou os países como: i) cen-

trais: trajetória de crescimento estável, mercado interno como motor propulsor do crescimento, baixa propensão a

importar, estrutura produtiva dominada pelos setores mais sofisticados (setores secundário e terciário), instituições

sólidas, mercados financeiros mais desenvolvidos; e ii) periféricos: trajetória de crescimento instável, mercado exter-

no como motor propulsor do crescimento, alta propensão a importar, estrutura produtiva dominada pelos setores

menos sofisticados (setores primário e terciário), instituições frágeis, mercados financeiros menos desenvolvidos.

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que o nível de emprego está subordinado não à oferta, mas à demanda por trabalho, que, em últi-

ma instância, está submetido às decisões de investimento. Nesse caso, o desemprego involuntário

é uma consequência do funcionamento normal de uma economia em que a moeda, enquanto um

ativo desejado por si mesmo, é capaz de afetar as decisões dos atores, tanto no curto como no

longo prazo, e não uma consequência de rigidezes que levam ao funcionamento anormal do mer-

cado de trabalho. Na realidade, uma maior flexibilidade, ao invés de aumentar o nível de empre-

go, poderia contribuir para diminuí-lo ainda mais, em função do seu impacto potencialmente ne-

gativo sobre a demanda, seja ao afetar diretamente o consumo (via propensão a consumir), seja

ao afetar indiretamente o investimento (via eficiência marginal do capital e taxa de juros) (Key-

nes, 1936; Sicsú, 1999).

(...) A redução dos salários nominais não tenderá a aumentar o emprego durante muito

tempo, a não ser pelas suas repercussões sobre a propensão da comunidade em consumir,

sobre a curva de eficiência marginal do capital ou sobre a taxa de juros. Não há outro

método para analisar as consequências de tal redução, que o de acompanhar os possíveis

efeitos sobre esses três fatores (Keynes, 1936, p.204).

Em segundo lugar, porque o ato de poupar também exerce um impacto negativo sobre a

demanda. Nesse caso, a política social pode contribuir para o aumento do consumo e do investi-

mento de duas formas principais: i) ao reduzir a necessidade de poupança para que os indivíduos

atendam às suas necessidades ao longo da vida, o que inclui as situações em que eles não são

capazes de auferir renda por meio do trabalho; e ii) ao assegurar a correção das desigualdades

injustificáveis por meio da redistribuição da riqueza, ela assegura a transferência de recursos da-

queles com maior propensão a poupar para aqueles com maior propensão a consumir. Isso seria

feito, sobretudo, por meio dos recursos obtidos via tributação direta e progressiva. Este absorve-

ria parte relativamente maior da renda dos mais ricos que da renda dos mais pobres. Keynes, en-

tretanto, enfatiza que os tributos devem incidir principalmente sobre a renda auferida pela heran-

ça e não sobre a renda auferida pelo trabalho. Implicitamente, ao fazer isso, ele questionava as

desigualdades sociais que surgiam não pelo esforço individual, mas apenas em função das cir-

cunstâncias do nascimento.

Na realidade, a “redistribuição de renda” surge em Keynes como uma das medidas estru-

turais sugeridas por ele para neutralizar os principais vícios de uma economia monetária da pro-

dução. As outras medidas sugeridas por ele nesse sentido são a “socialização das decisões de in-

vestimento” e a “eutanásia do rentier” (Keynes, 1936). A primeira medida se referia à coordena-

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ção dos investimentos privados e públicos pela sociedade por meio do Estado, ao passo que a

segunda medida se referia à necessidade de eliminar a possibilidade de se poder sobreviver em

função da simples propriedade do dinheiro, o que acaba por impedir a sua utilização para fins

econômica e socialmente relevantes63

.

Keynes (1936) mostrou que a poupança não é condição necessária para a realização do

investimento, em vista da capacidade do sistema bancário de criar moeda. Isso não significa, en-

tretanto, que a poupança não tenha um papel a cumprir. Como visto, ela pode viabilizar a trans-

formação de compromissos de curto prazo em compromissos de longo prazo compatíveis com o

fluxo de rendimentos decorrente do investimento. Em outras palavras, embora não seja necessária

para viabilizar o investimento, a poupança é necessária para viabilizar a consolidação financeira

das dívidas contraídas pelos empresários para realizá-lo. A política social pode exercer um papel

importante nesse sentido, na medida em que ela mobiliza uma grande massa de recursos. De fato,

essas políticas podem ser financiadas por meio de fundos sob controle do Estado, os quais são

abastecidos com recursos de impostos e/ou de contribuições. Enquanto não são utilizados, esses

recursos podem ser direcionados para o financiamento de projetos de investimento dos setores

público e privado, assegurando um efeito imediato sobre a demanda e, consequentemente, sobre

os níveis de emprego, produto e renda. Além disso, esses projetos podem ser direcionados para

áreas estratégicas, do ponto de vista econômico e social, que aumentem a capacidade da socieda-

de de assegurar o bem-estar de seus membros. Isso pode ser feito, por exemplo, por intermédio de

instituições públicas de financiamento de longo-prazo, como é o caso dos bancos de desenvolvi-

mento64

(Médice e Braga, 1995).

Com efeito, os fundos privados podem desempenhar um papel semelhante ao dos fundos

públicos nesse processo. A questão é se eles estarão efetivamente dispostos a cumprir essa função

a partir da orientação dos recursos sob seu controle. Em verdade, tais fundos não possuem qual-

63

Não obstante, como pertinentemente sustenta Braga (2008), “se formos considerar a abrangência da financeiriza-

ção nessa etapa histórica, talvez tivéssemos que falar em ‘eutanásia do capitalismo’ e não do rentismo”. Sobre a

financeirização da riqueza, ver, por exemplo, Braga (1993), Guttman (1998), Epstein (2005).

64 Deve-se observar que, para exercer essa função, os fundos públicos não precisam estar associados aos sistemas em

que prevalece o mecanismo de financiamento do tipo capitalização, ao invés de repartição simples. De fato, muitos

países desenvolveram fundos de reserva para fazer frente a necessidades futuras de financiamento a partir dos recur-

sos excedentes dos sistemas de repartição simples e/ou de outras fontes. Tal como no caso dos regimes de capitaliza-

ção, esses recursos podem ser aplicados de diversas formas até que sejam necessários, tendo em vista o seu propósito

original.

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quer compromisso com a promoção do desenvolvimento econômico e social. No que se refere

aos seus investimentos, o interesse privado prevalece, necessariamente, sobre o interesse social.

Isso exigiria, portanto, um papel regulador e supervisor do Estado. Além disso, deve-se observar

que o acesso a fundos privados se restringe a uma parcela restrita da sociedade, especialmente em

determinados países. Isso significa que, na prática, eles contribuem pouco para a redução das

diferenças existentes entre os seus diferentes segmentos.

Partindo de uma interpretação a respeito do funcionamento da economia muito semelhan-

te àquela proposta anos mais tarde por Keynes, a chamada “Escola de Estocolmo” forneceu im-

portantes argumentos em defesa da política social ao enfatizar o seu efeito não apenas sobre as

condições de demanda, mas também sobre as condições de oferta da economia65

. Em sua visão, a

política social e, portanto, os instrumentos diretamente destinados a assegurar aos indivíduos o

acesso a um rendimento e/ou a um conjunto de bens e serviços essenciais, não apenas estimularia

o crescimento do consumo e do investimento, como permitiria que a economia fosse capaz de

responder a esse crescimento da melhor forma possível a partir dos recursos disponíveis na soci-

edade.

De fato, foram os suecos que introduziram a noção de que o desenvolvimento de sofisti-

cados sistemas destinados a assegurar aos indivíduos a proteção contra aquilo que pode limitar a

sua capacidade de atender as suas necessidades fundamentais e, assim, de viver uma vida civili-

zada, deveria ser considerado não como um custo ou um desperdício de recursos, mas um inves-

timento produtivo, no sentido de que ele seria capaz de assegurar não apenas um retorno social,

mas também um retorno econômico, tanto no presente como no futuro. Tal como o aumento do

estoque de capital físico, o desenvolvimento de cada indivíduo aumentaria a capacidade da eco-

nomia de criar nova riqueza. E, como qualquer outro investimento capaz de fazer isso, ele seria

65

A Escola de Estocolmo atingiu o seu auge como escola de pensamento econômico e social na década de 1930.

Herdeira das contribuições de Wicksell, Cassel e Heckscher, ela teve como principal representante Myrdal, mas

também Ohlin, Johansson, Hammarskjöld, Lundberg e Lindahl. O tema em torno da qual essa escola surgiu e se

desenvolveu foi o método dinâmico, por meio da qual, em sua versão mais sofisticada, se discute a noção de equilí-

brio ao longo do tempo. A principal semelhança da Escola de Estocolmo em relação às ideias de Keynes se refere ao

reconhecimento de que a economia pode operar abaixo do pleno-emprego em função da insuficiência de demanda.

Na realidade, a natureza volátil do investimento do setor privado decorrente das expectativas mais ou menos otimis-

tas dos empresários em relação ao futuro, bem como as suas consequências sobre o emprego, o produto e a renda por

meio do efeito multiplicador já haviam sido percebidos pela Escola de Estocolmo antes de Keynes, em um relatório

encomendado pelo governo socialdemocrata aos seus membros com o intuito de identificar as causas e propor solu-

ções para os problemas econômicos e sociais enfrentados pelos suecos durante a Grande Depressão da década de

1930. Sobre a Escola de Estocolmo, ver, por exemplo, Hansen (1981), Jonung (1987, 1991) e Costa (2010).

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muito importante para ser abandonado aos caprichos do mercado, de modo que o Estado teria,

também aí, um importante papel a cumprir66

.

Tal como os seus patriarcas, os membros da Escola de Estocolmo atribuíram considerável

ênfase ao papel do Estado diante da situação social, mas o fizeram em novo tom. Para eles, a po-

lítica social era, antes de tudo, expressão de solidariedade entre empregados e desempregados,

entre homens e mulheres, entre jovens e idosos, enfim, entre os mais e menos favorecidos pelo

mercado. Com efeito, ao defender que uma sociedade mais igualitária seria funcional também ao

desempenho da economia, as ideias da Escola de Estocolmo se aproximaram mais do fabianismo

britânico, do qual os Webb foram, sem dúvida, os principais expoentes, e, dessa forma, acabaram

por moldar, em grande medida, a interpretação socialdemocrata sobre o papel do Estado, em ge-

ral, e da política social, em particular.

E aqui as contribuições de Gunnar Myrdal foram, sem dúvida, centrais. Elas se desenvol-

veram, em grande medida, no início da década de 1930 e tinham como referência a realidade sue-

ca naquele momento, a qual era caracterizada pelo reduzido crescimento demográfico em plena

Grande Depressão. Myrdal argumentou que mais importante para o crescimento econômico do

que a quantidade, era a qualidade da população, a qual, evidentemente, não era determinada bio-

logicamente, mas pelas condições oferecidas a cada um para o seu desenvolvimento pessoal ao

longo de toda a vida (Morel et al., 2012). Para ele, considerar a garantia de condições de vida

adequadas a todos os membros da sociedade como qualquer outro investimento produtivo assegu-

raria os meios necessários para neutralizar as resistências dos proponentes do laissez-faire à ex-

pansão dos direitos sociais, entendidos aqui como um dos direitos da cidadania reconhecidos e

garantidos pelo Estado (Andersson, 2004, 2006). Segundo ele (1973, p.45): “Generally speaking,

I believe that well-planned and honestly implemented large-scale egalitarian reforms are among

the most profitable national investments that can be undertaken (…)”.

66

A questão da miséria e da pobreza e o seu efeito sobre o desempenho da economia já havia instigado os patriarcas

da Escola de Estocolmo, influenciados, em grande medida, pelos entusiastas da legislação social implementada ori-

ginalmente por Bismarck na Alemanha e reproduzida em outros países europeus a partir da segunda metade do sécu-

lo XIX. Dentre eles, destacam-se aqueles ligados à Verein für Sozialpolitik, associada à Escola Histórica Alemã. Para

eles, a Sozialpolitik, ou política social, era uma resposta à Sozialfrage, isto é, a questão social, que à época era mais

uma Arbeitsfrage, ou seja, a questão do trabalho, decorrente do entendimento de que a situação social inevitavelmen-

te condiciona a situação econômica. Uma vez que se supõe que o sistema eficiente de produção derivaria, antes de

tudo, da disciplina, a ordem social, tal como a ordem política, asseguraria as condições para o crescimento do produ-

to, da renda e do emprego, sobretudo em uma economia em rápida transformação estrutural, como era o caso da

economia alemã em plena fase de unificação e industrialização do país (Andersson, 2004).

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Em que pesem as especificidades de cada sociedade, Myrdal (1973) propôs que as políti-

cas sociais poderiam contribuir não apenas para o aumento do número de indivíduos empregados,

mas também para o aumento da capacidade produtiva desses indivíduos. Isso porque: i) a garantia

do acesso a um rendimento poderia afetar positivamente o desempenho do trabalhador ao reduzir

a sua insegurança; ii) a garantia do acesso a um conjunto de bens e serviços essenciais ao longo

de toda a vida, sobretudo no que se refere à educação e à saúde, também poderia afetar positiva-

mente o desempenho dos trabalhadores, ao permitir que eles possam fazer frente às exigências do

processo produtivo, as quais crescem à medida que eles se tornam cada vez mais sofisticados.

Isso é ainda mais verdadeiro quando os benefícios destinados a assegurar o acesso a um rendi-

mento e a um conjunto de bens e serviços essenciais são concebidos tendo-se em vista as neces-

sidades não apenas dos indivíduos, mas também de suas famílias. Isso permitiria que eles pudes-

sem participar do mercado de trabalho sem que, para isso, fosse necessário renunciar às suas de-

mais responsabilidades, sobretudo no que se refere ao cuidado das crianças e dos idosos67

.

Ademais, Myrdal (1973) mostrou que a política social “produtiva” é também, por nature-

za, “preventiva”. Isso porque, de um lado, ela evitaria problemas sociais e econômicos inerentes

ao funcionamento normal do mercado, ao invés de compensá-los, de modo que os gastos com

determinadas medidas “produtivas” acabam por evitar gastos ainda maiores com outras medidas

“não produtivas”, e, de outro lado, ela contribuiria para a geração dos recursos necessários para

assegurar a sua própria sustentabilidade financeira, ao promover as condições para a expansão da

economia. Deve-se observar, inclusive, que, ao considerar as políticas sociais como um investi-

mento produtivo, Myrdal advogou que os recursos a elas destinados proviessem de um “orçamen-

to de capital” muito semelhante àquele proposto por Keynes (Tilton, 1990; Esping-Andersen,

1994). Em suas palavras (1973, p.44):

67

Atualmente, algumas dessas proposições foram retomadas pelos proponentes da noção de “Estado de Investimento

Social”, a qual nada mais é do que uma tentativa de reinventar o liberalismo. Prevalece o entendimento de que o

mercado é o mecanismo mais eficaz para a produção e a distribuição de riqueza e de que, nesse caso, o problema se

limita a assegurar que os indivíduos estejam preparados para se adaptar às suas exigências. A política social deve

restringir-se a ajudar os indivíduos a encontrar um emprego, o que pressupõe o entendimento de que ele sempre

existe, desde que os mercados operem livremente. Ela deve facilitar o ingresso deles no mercado de trabalho e, uma

vez nele, a mobilidade entre diferentes atividades. Nesse caso, os indivíduos não apenas seriam capazes de obter os

recursos de que precisam para atender as suas necessidades por meio do mercado, tornando-se, assim, responsáveis

por si mesmos, como também acabariam por contribuir para o crescimento do produto e da renda. Sobre essa visão,

ver, por exemplo, Giddens (1990), Hemerijck (2013), Jenson (2012), Jenson e Saint-Martin (2003), Midgley (1999) e

Perkins et al. (2005).

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In the early thirties there were a few of us younger economists in Sweden, who set out to

challenge in a radical and systematic way the inherited and prevalent theory egalitarian

reforms were costly in terms of economic growth. We held instead that, when well

planned, such reforms could be preventive and prophylactic and generally productive,

whether by saving the individuals and society from future costs, and/or by raising the

productive capabilities of the population. Likewise we challenge the economists’ tradi-

tion of oversimplifying the equality issue by restricting their analysis to the distribution

of private incomes and wealth.

Dessa forma, portanto, a Escola de Estocolmo reforça a noção, já presente nas ideias de

Keynes, de que, na realidade, não existe, necessariamente, uma incompatibilidade entre igualdade

e eficiência. Esse não seria um trade-off ou uma escolha entre dois objetivos irreconciliáveis,

mas, ao contrário, uma relação de apoio mútuo, em que a igualdade pode promover a eficiência e

vice-versa. Em outras palavras, ambos seriam as “duas faces de uma mesma moeda” (Andersson,

2004, 2006). Segundo Esping-Andersen (1992, p.38):

Equality was not promulgated as merely compatible with efficiency. It became, indeed, a

precondition for its optimization: more equally distributed purchasing power is a pre-

condition for macroeconomic performance; family policy is an investment in future hu-

man capital; the equalization of resources, such as health or education, is the foundation

of optimal labour productivity; solidaristic wage policy and active man power programs

spur industrial modernization; income security helps overcome workers’ natural re-

sistance to rationalization; the preventive social policy diminishes waste and economic

costs.

É possível deduzir dessa interpretação, ademais, que o aumento da produtividade viabili-

zado pela política social poderia contrarrestar o aumento dos custos de produção decorrentes de

suas necessidades de financiamento, evitando, portanto, uma redução da competitividade externa

da economia que esse aumento poderia acarretar68.

Além disso, ao contrário do que se costuma supor, não são os custos de produção o único

fator que determina a atratividade de uma economia aos investimentos das empresas estrangeiras.

Essas empresas consideram também o tamanho do mercado e as facilidades de produção para

atender esse mercado, o que inclui a disponibilidade de capital físico, mas também dos investi-

mentos nas capacidades dos indivíduos. Ao assegurar melhores condições de demanda e de ofer-

ta, portanto, a política social pode estimular, ao invés de desestimular, os investimentos das em-

68

Sabe-se, ademais, que a competitividade externa da economia está intimamente relacionada à sua capacidade de

inovação, ou seja, de criação de produtos e processos mais eficientes do que aqueles já disponíveis no mercado. E,

nesse caso, a política social tem um importante papel a cumprir, seja estimulando a oferta, seja estimulando a de-

manda por novas ideias.

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presas estrangeiras em um determinado país. De fato, além dos impostos e contribuições que as

políticas sociais pressupõem, essas empresas considerarão também os benefícios que essas políti-

cas podem lhes assegurar (Dunning, 1992; De Grawe e Polan, 2003).

Em geral, no processo de divisão das cadeias produtivas em escala global, as economias

caracterizadas pela abundância de mão de obra menos qualificada, embora mais barata, tornam-se

responsáveis pelas atividades de menor valor agregado, ao passo que economias caracterizadas

pela abundância de mão de obra mais qualificada, embora mais cara, tornam-se responsáveis pe-

las atividades de maior valor agregado. De fato, o investimento em atividades intensivas em capi-

tal e em tecnologia pode ser estimulado pelas políticas sociais. E são justamente esses investi-

mentos que são capazes de proporcionar mais benefícios às economias, assegurando a transição

das estruturas produtivas em direção às atividades mais sofisticadas, capazes de gerar mais pro-

duto e renda, além de melhores empregos.

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APÊNDICE B

Quadro B.1

As ideias e os Estados de Bem-Estar Social

Argumentos contrários aos Estados de Bem-Estar Social Argumentos favoráveis aos Estados de Bem-Estar Social

Ideia central

A busca do interesse individual levará necessariamente ao inte-

resse social. O mercado assegurará sempre a maior produção e a

melhor distribuição da riqueza possíveis. O atendimento das ne-

cessidades fundamentais é uma responsabilidade individual. A

intervenção do Estado não é necessária para assegurar o bem-

estar coletivo.

Não há garantias de que a busca do interesse individual levará

sempre ao interesse social ou que o mercado assegurará sempre

a maior produção e a melhor distribuição da riqueza possíveis. O

atendimento das necessidades fundamentais é uma responsabili-

dade social. A intervenção do Estado é necessária para assegurar

o bem-estar coletivo.

Macroeconomia

A economia caminha espontaneamente para o pleno-emprego.

Ela se desviará temporariamente dessa condição apenas em cir-

cunstâncias excepcionais, que impedem o ajuste automático en-

tre oferta e demanda (as chamadas “falhas de mercado”).

A economia não caminha espontaneamente para o pleno-

emprego. Sua trajetória depende, em grande medida, do nível de

incerteza, do estado geral das expectativas e do grau de prefe-

rência pela liquidez, os quais determinam as decisões dos atores

quanto à forma de alocação da sua riqueza, isto é, se em ativos

reprodutíveis ou não.

Política

Econômica

No longo-prazo, ela afeta apenas as variáveis nominais, e não as

variáveis reais. Nesse caso, são necessárias regras para evitar

que as autoridades monetária e fiscal sejam incentivadas a re-

nunciar a benefícios permanentes em favor de benefícios apenas

temporários.

Deve ser ajustada a cada situação, de modo a assegurar que a

demanda mantenha a economia tão próxima do pleno-emprego

quanto possível, seja estimulando o gasto do setor privado, seja

compensando a sua retração por meio da expansão do gasto do

setor público.

Política

Social

Pode afetar negativamente as condições de oferta, comprome-

tendo a capacidade de crescimento da economia. Deve ser res-

tringida à parcela da população que não pode atender às suas ne-

cessidades fundamentais por meio do próprio trabalho.

Pode afetar positivamente não apenas as condições de demanda,

mas também as condições de oferta, incrementando a capacidade

de crescimento da economia. Deve ser estendida a toda a popu-

lação, independentemente de distinções de qualquer natureza.

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4 OS ESTADOS DE BEM-ESTAR SOCIAL DA EUROPA OCIDENTAL: TIPOLOGIAS

E RAÍZES

O objetivo deste capítulo é apresentar as principais características dos Estados de Bem-

Estar Social da Europa Ocidental a partir da utilização de tipologias, isto é, de tipos-ideais cons-

truídos a partir da identificação de regularidades nas diferentes experiências nacionais. Argumen-

ta-se que algumas sociedades construíram arranjos mais sofisticados que outras, aproximando-se

mais da concepção de cidadania proposta por T. H. Marshall, a saber, a proteção de um conjunto

maior de indivíduos contra um conjunto maior de riscos que podem impedi-los de atender as suas

necessidades fundamentais e viver uma vida civilizada como um direito reconhecido e garantido

pelo Estado.

Desde logo, deve-se registrar que essas tipologias são um retrato desses arranjos em um

determinado momento do tempo, não revelando, portanto, as transformações pelas quais esses

modelos têm passado ao longo da história. De fato, nenhum desses arranjos permaneceu imune a

alguma forma de ajuste desde que eles surgiram no contexto posterior à Segunda Guerra Mundi-

al. Não é o objetivo deste trabalho considerar essas transformações em detalhes, mas sim capturar

os traços distintivos fundamentais dos modelos de Estado de Bem-Estar Social que se desenvol-

veram ao longo da segunda metade do século XX na Europa Ocidental.

Uma vez discutidas as principais interpretações a respeito das razões dessas diferenças,

propõe-se uma visão alternativa sobre a questão. Tendo-se em vista as conclusões dos capítulos

precedentes a respeito do que determina a forma de intervenção do Estado ou o perfil das políti-

cas públicas, argumenta-se que a existência de diferentes modelos de Estado de Bem-Estar Social

depende do processo de interação entre grupos sociais com distintos interesses e capacidades de

impô-los sobre os demais em determinadas circunstâncias históricas. Por sua vez, esses interesses

dependem da forma como cada um desses grupos sociais percebe as consequências prováveis

desses arranjos, ou, mais especificamente, as suas vantagens e desvantagens. Conclui-se que Es-

tados de Bem-Estar Social mais sofisticados tendem a ser mais prováveis e resilientes em socie-

dades menos heterogêneas, dos pontos de vista material e imaterial, uma vez que, nesses casos,

essas vantagens e desvantagens tendem a se distribuir de forma relativamente menos assimétrica

entre os grupos sociais em interação.

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4.1 Os Estados de Bem-Estar Social da Europa Ocidental

Ao longo da segunda metade do século XX, todos os países da Europa Ocidental construí-

ram alguma forma de Estado de Bem-Estar Social. Ainda que os fundamentos desses arranjos

estivessem presentes ali desde muito antes, foi somente a partir de então que o Estado assumiu

um papel mais contundente no que se refere à proteção de parte ou do conjunto da sociedade con-

tra aquilo que limita a sua capacidade de viver uma vida civilizada. A questão, entretanto, é que

esses arranjos diferem entre si no que se refere à forma da intervenção do Estado sobre a realida-

de tendo em vista assegurar o bem-estar social.

A despeito da variedade de Estados de Bem-Estar Social na Europa Ocidental, é possível

identificar entre eles características comuns, e, dessa forma, considerá-los a partir de tipologias

ou tipos-ideais. Tipos-ideais, na concepção weberiana, são instrumentos de análise cujo intuito é

permitir a compreensão da realidade em sua diversidade. Em última instância, eles são modelos

construídos a partir da identificação de determinados padrões no âmbito dos diferentes fenôme-

nos sociais. Com efeito, um tipo ou modelo é considerado “ideal” não porque ele reflete uma

determinada concepção do que é desejável, mas porque eles são representações da realidade

construídas no mundo das ideias. Portanto, tipos-ideais são casos abstratos e que, enquanto tal,

tornam-se parâmetros, em relação aos quais os casos concretos podem ser contrastados e, então,

avaliados. Nos termos de Weber (1949, p. 90):

An ideal type is formed by the one-sided accentuation of one or more points of view and

by the synthesis of a great many diffuse, discrete, more or less present and occasionally

absent concrete individual phenomena, which are arranged according to those one-

sidedly emphasized viewpoints into a unified analytical construct (Gendankenbild). In

its conceptual purity, this mental construct cannot be found empirically anywhere in re-

ality. It is a utopia. Historical research faces the task of determining in each individual

case, the extent to which this ideal-construct approximates to or diverges from reality

(…).

Não há dúvidas de que a construção e a utilização de tipos-ideais possuem limitações,

uma vez que tipologias são simplificações da realidade. Elas enfatizam elementos comuns das

experiências nacionais e deliberadamente suprimem elementos dissidentes, apostando que esses

elementos dissidentes não constituem a essência dessas experiências. Mesmo assim, a utilização

de tipos-ideias pode ser um caminho possível e pertinente no processo de análise dos sistemas de

proteção social desde que eles não sejam considerados um fim em si mesmo, mas apenas um

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meio para que se possa apreender as características essenciais dos diferentes arranjos e para que,

a partir disso, seja possível explicar a sua origem e a sua trajetória ao longo do tempo. De fato, tal

como sugere Esping-Andersen (1999, p.73):

Typologies can be useful for at least three reasons. One, they can allow for greater ana-

lytical parsimony and help us to see the forest rather than myriad trees. Two, if we can

cluster various species according to similar crucial attributes, the analyst can more easily

identify some underlying connecting logic of movement and maybe even causality. And

three, typologies are helpful tools for generating and testing hypothesis.

O primeiro esforço no sentido da concepção de modelos de Estados de Bem-Estar Social a

partir das características dos diferentes arranjos nacionais foi levado a cabo por Titmuss (1974).

Segundo ele, um esforço dessa natureza era necessário para assegurar alguma ordem em meio à

desordem que caracteriza os diferentes fenômenos sociais69

. Para fazer isso, Titmuss (1974) rom-

pe com os estudos comparativos que, em geral, se limitavam a considerar apenas as diferenças

internacionais no que se refere à dimensão do gasto social, vale dizer, a proporção da renda naci-

onal que é utilizada para financiar esse tipo de atividade. Em sua concepção, ao se considerar as

diferentes formas de Estados de Bem-Estar Social existentes, não importa apenas quantos recur-

sos são utilizados, mas também como eles são utilizados. Pois, de fato, países com níveis seme-

lhantes de gasto social podem possuir arranjos, na prática, muito diferentes entre si.

Nesse contexto, Titmuss (1974) propôs a existência de três tipos-ideais de Estado de Bem-

Estar Social, quais sejam, o “modelo residual”, o modelo “meritocrático-particularista” e o “mo-

delo institucional-redistributivo”. Esta distinção, por sua vez, fundamenta-se em dois critérios

básicos. O primeiro se refere à importância do Estado na garantia dos direitos sociais e diz respei-

to ao grau em que ele substitui o mercado e a família no atendimento das necessidades individu-

ais fundamentais e, portanto, na provisão de bem-estar social. Já o segundo critério se refere ao

alcance dos direitos sociais e diz respeito aos indivíduos que dele são investidos, ou seja, se eles

são direitos universais, destinados a toda a sociedade, ou focalizados, destinados a apenas uma

parcela de seus membros.

Grosso modo, o modelo residual seria caracterizado por um reduzido papel do Estado, cu-

ja ação se restringe a grupos sociais específicos. Já o modelo institucional seria caracterizado por

69

De fato, diria Titmuss (1974, p.30): “The purpose of model-building is not to admire the architecture of the build-

ing, but to help us to see some order in all the disorder and the confusion of facts, systems and choices concerning

certain areas of our economic and social life”

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um papel expressivo do Estado, cuja ação se estende a todos os segmentos da sociedade, sem

distinção de qualquer natureza. Por sua vez, o modelo meritocrático-particularista estaria em uma

posição intermediária entre ambos. O Estado assumiria um papel mais importante que o mercado

e menos importante que a família no atendimento das necessidades individuais. Além disso, a sua

ação não seria focalizada nem universal. Ela incluiria todos os segmentos da sociedade, mas cada

um de uma forma diferente.

Entretanto, o mais importante esforço indicado pela revisão da literatura sobre o tema no

sentido da concepção de modelos de Estado de Bem-Estar Social a partir das características dos

diferentes arranjos nacionais foi realizado por Esping-Andersen (1990, 1999). Para ele, não im-

porta apenas quantos recursos são gastos com a provisão de bem-estar social, mas como eles são

gastos e – o que é novo – quais resultados eles produzem. Pois, de fato, países com níveis seme-

lhantes de gastos social podem possuir arranjos muito diferentes entre si, o que, por sua vez, se

reflete em condições de vida muito distintas em cada um deles.

Esping-Andersen (1990, 1999) também propôs a existência de três tipos-ideais de Estados

de Bem-Estar Social, quais sejam, o “modelo liberal”, o “modelo conservador” e o “modelo soci-

aldemocrata”. Os três modelos guardam relação com os modelos residual, meritocrático-

particularista e institucional-redistributivo originalmente propostos por Titmuss (1974). A distin-

ção entre eles fundamenta-se em três critérios básicos adicionais em relação àqueles adotados por

seu antecessor. São eles, então: o grau de “desmercantilização”, isto é, o nível de independência

dos indivíduos em relação ao mercado para atender as suas necessidades fundamentais; o grau de

“desfamiliarização”, ou seja, o nível de independência dos indivíduos em relação à família para

atender as suas necessidades fundamentais; e o grau de “estratificação social”, isto é, o nível de

diferenciação entre os indivíduos na sociedade.

Assim, o modelo liberal seria caracterizado não apenas por um reduzido papel do Estado e

pela inclusão de grupos sociais específicos, mas também por um reduzido grau de desmercantili-

zação e de desfamiliarização, bem como por um elevado grau de estratificação social. Já o mode-

lo socialdemocrata seria caracterizado não apenas por um elevado papel do Estado e pela inclu-

são de todos os segmentos da sociedade, mas também e, em grande medida, por causa disso, por

um elevado grau de desmercantilização e de desfamiliarização, bem como por um baixo grau de

estratificação social. O modelo conservador, por sua vez, estaria em uma posição intermediária

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entre ambos. O Estado possuiria um papel mais importante que o mercado e menos importante

que a família e sua ação afetaria cada grupo social de modo diferente, o que asseguraria um grau

elevado de desmercantilização e um grau reduzido de desfamiliarização, bem como um grau mé-

dio de estratificação social.

Evidentemente, a tipologia proposta por Esping-Andersen (1990, 1999) não permaneceu

imune a críticas (Bambra, 2005; Faria, 2007). Dentre as mais severas, destacam-se as de Ferrera

(1993). Em sua concepção, os critérios sobre os quais essa tipologia foi construída seriam carre-

gados de valor. Mais especificamente, o grau de desmercantilização e o grau de desfamiliarização

seriam critérios apoiados em um juízo desfavorável a respeito do mercado e da família como me-

canismos de provisão de bem-estar social. Segundo Ferrera (1993), a distinção entre diferentes

modelos de Estados de Bem-Estar Social deveria fundamentar-se exclusivamente em critérios

normativamente neutros. Nesse caso, um critério mais adequado para a construção dos tipos-

ideias seria o chamado “modelo de cobertura”, isto é, quem são os destinatários desses arranjos

ou, ainda, quem é protegido por eles, se parte ou o conjunto da sociedade. Mais descritivo, esse

critério seria isento de juízo de valor.

Assumindo o modelo de cobertura como critério de diferenciação entre os diferentes ar-

ranjos, Ferrera (1993) identificou quatro modelos ou tipos-ideias de Estado de Bem-Estar Social,

quais sejam, um modelo “universal puro”, que contempla toda a sociedade, e um modelo “ocupa-

cional puro”, que contempla determinados segmentos da sociedade, além de variações intermedi-

árias entre esses extremos, ou seja, um modelo “universal misto”, em que elementos ocupacionais

surgem no âmbito de um sistema majoritariamente universal, e “ocupacional misto”, em que ele-

mentos universais surgem no âmbito de um sistema majoritariamente ocupacional.

Pode-se afirmar, contudo, que a crítica de Ferrera (1993) a Esping-Andersen (1990; 1999)

parece ser excessivamente rigorosa. Isso porque o principal mérito da tipologia deste autor é que

ela se fundamenta, em última instância, na constatação de que o mercado e a família simplesmen-

te não são capazes de assegurar, por si só, o bem-estar social em um contexto em que prevalece o

capitalismo como modo de organização da vida social e que, por essa razão, o Estado deve assu-

mir um papel mais contundente nesse processo. Em outras palavras, ela se baseia no entendimen-

to de que, dada a natureza dessa forma específica de organização da vida social, sociedades cujos

membros dependem essencialmente do mercado ou da família como mecanismos de provisão são

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deficientes no que se refere à sua capacidade de assegurar a todos eles a possibilidade de contri-

buir e partilhar da riqueza social.

Com efeito, uma tipologia adequada dos Estados de Bem-Estar Social é aquela que é ca-

paz de revelar em que medida esses arranjos se aproximam ou se distanciam da noção de cidada-

nia, tal como proposta originalmente por T. H. Marshall (1950). Dessa forma, uma tipologia des-

ses arranjos deve considerar a amplitude dos direitos sociais, tanto no que se refere ao seu conte-

údo como no que diz respeito à parcela da sociedade que dele são investidos, pois são essas duas

dimensões que determinarão a sua capacidade de afetar as condições de vida prevalecentes em

uma determinada sociedade. Tem-se, pois, que a tipologia de Esping-Andersen (1990; 1999) é

aquela que efetivamente é capaz de considerar a essência do Estado de Bem-Estar Social, a des-

peito de suas mais diversas formas, enquanto fenômeno social. Por essa razão, em que pesem as

qualificações de Ferrera (1993), a tipologia adotada nesse trabalho se fundamenta naquela origi-

nalmente proposta por Esping-Andersen (1990; 1999), ainda que não apenas nela.

De fato, ajustes são necessários nessa tipologia para assegurar uma representação mais

adequada da realidade. Isso porque a construção de três tipos-ideais de Estados de Bem-Estar

Social não parece ser suficiente para fazer frente à variedade de arranjos existentes na Europa

Ocidental. Mais especificamente, embora esses modelos sejam adequados para descrever a reali-

dade dos países da Europa Setentrional, eles acabam por desconsiderar a realidade dos países da

Europa Meridional. Em verdade, existem razões suficientes para supor que esses países apresen-

tam arranjos cujas características comuns são ligeiramente diferentes daquelas encontradas em

outras regiões do continente70

.

Tal como sugeriu Leibfried (1992) e desenvolveu Ferrera (1996), os países mediterrâneos

devem compor um quarto modelo ou tipo-ideal de Estado de Bem-Estar Social, ao lado dos mo-

delos anglo-saxão, continental e escandinavo. Diante da crítica, Esping-Andersen (1999) reco-

nheceu que esses países possuem características particulares, mas negou que elas sejam suficien-

tes para que esses países sejam alocados em um novo modelo. Segundo ele, os sistemas de prote-

70

Tudo isso revela que a tipologia originalmente proposta por Esping-Andersen (1990; 1999) é uma dentre as dife-

rentes tipologias possíveis no estudo dos Estados de Bem-Estar Social, ainda que ela seja, certamente, o ponto de

partida para a maioria delas. Algumas vezes, as propostas alternativas criticam os critérios adotados por ele para

distinguir os diferentes modelos, como é o caso de Ferrera (1993); outras vezes, elas criticam as características de

cada modelo e os países que os compõem, como é o caso de Ferrera (1996). Para uma revisão do “estado da arte” no

que se refere às diferentes tipologias existentes para os Estados de Bem-Estar Social, ver Arts e Gelissen (2002).

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ção social dos países mediterrâneos nada mais são do que variedades menos desenvolvidas, ou

mais rústicas, dos arranjos que caracterizam o modelo continental de Estado de Bem-Estar Social.

Não obstante, neste trabalho admite-se a pertinência da proposta de Ferrera (1996), na medida em

que os sistemas de proteção social dos países mediterrâneos possuem características suficientes

para justificar importantes distinções em relação àqueles verificados nos países continentais71

.

Assim sendo, no que se segue, serão discutidas as características fundamentais dos Esta-

dos de Bem-Estar Social da Europa Ocidental. Tendo-se em vista os trabalhos de Esping-

Andersen (1990) e de Ferrera (1996), entende-se que esses arranjos podem ser considerados a

partir de quatro tipos-ideais, quais sejam, o modelo anglo-saxão (ou liberal), o modelo continen-

tal (ou conservador-corporativo) e o modelo escandinavo (ou socialdemocrata), no caso dos paí-

ses da Europa Setentrional, e o modelo mediterrâneo, no caso dos países da Europa Meridional72

.

Conforme já ressaltado, em geral não existem casos puros, ou seja, casos cujas caracterís-

ticas coincidem perfeitamente com as de cada modelo ou tipo-ideal. O fato de um Estado de

Bem-Estar Social possuir características inerentes a um determinado modelo não impede que ele

possua também características dos demais. O que importa, entretanto, é se essas características se

aproximam mais das de um ou de outro tipo-ideal. Além disso, os Estados de Bem-Estar Social

estão sujeitos a transformações ao longo do tempo, de modo que arranjos que antes possuíam

características de um determinado modelo podem ter passado a apresentar características dos

demais. Se essas transformações os levarem a se distanciar de um tipo-ideal e se aproximar de

outro, não há porque supor que eles não possam transitar entre diferentes modelos de Estado de

Bem-Estar Social (Esping-Andersen, 1990; 1999).

Além disso, deve-se observar que essa tipologia é construída sobre o perfil de apenas uma

das formas de intervenção do Estado na realidade, qual seja, a política social. Nesse caso, eles

atribuem grande ênfase aos mecanismos por meio dos quais o Estado afeta diretamente as condi-

ções de vida dos indivíduos ao influenciar os seus rendimentos e/ou o seu acesso a bens e servi-

ços essenciais. Como visto, entretanto, essa não é a única forma por meio da qual o Estado é ca-

71

Tais como Lessenich (1995) e Castles (1196).

72 As características dos diferentes modelos de Estado de Bem-Estar Social da Europa Ocidental foram apresentadas

por Esping-Andersen (1990, 1999) e Ferrera (1996) de forma consideravelmente condensada. Outros autores se apro-

fundaram em aspectos não considerados por ambos ou considerados por eles de forma apenas superficial. O objetivo

dessa seção, nesse caso, é discutir essas características a partir daqueles autores, sem, entretanto, restringir-se a eles.

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paz de afetar o processo de produção e distribuição da riqueza, tendo em vista assegurar aos cida-

dãos a possibilidade de atender as suas necessidades e viver uma vida civilizada. De fato, a se-

gunda forma fundamental de intervenção do Estado na realidade é a política econômica. Isso sig-

nifica que essa tipologia atribui atenção apenas marginal aos mecanismos por meio dos quais o

Estado afeta indiretamente as condições de vida dos indivíduos ao influenciar diretamente as

condições de demanda e/ou de oferta na economia. A fim de compensar, ao menos em parte, essa

limitação, algumas considerações devem ser feitas aqui a respeito dessa forma de intervenção do

Estado nos países da Europa Ocidental.

O perfil da política econômica variou consideravelmente ao longo do tempo. De modo ge-

ral, entretanto, é possível identificar uma tendência importante. Em quase todos os países da Eu-

ropa Ocidental, houve uma reorientação da política econômica, ou, mais especificamente, uma

mudança no que se refere aos seus objetivos. De fato, elas deixaram de ser orientadas para influ-

enciar os níveis de renda e emprego e passaram a sê-lo para as variáveis nominais, tais como taxa

de inflação, taxa de juros, déficit público e dívida pública. Isso, por sua vez, implicou uma transi-

ção de políticas econômicas discricionárias e, portanto, mais flexíveis, para políticas econômicas

baseadas em regras e, assim, mais rígidas. Na prática, isso significa que, ao menos do ponto de

vista da política econômica, esses países enfrentam hoje um constrangimento importante no que

se refere à sua capacidade de assegurar o bem-estar social a partir do manejo dos instrumentos

que a caracterizam (Scharpf, 2000; Scharpf e Schmidt, 2000).

Esses constrangimentos são particularmente acentuados no caso dos países participantes

do projeto de integração regional europeu, a mais ousada iniciativa nesse sentido da história. Isso

porque o desenvolvimento do mercado comum impôs a necessidade de esses países coordenarem

suas políticas econômicas. Além disso, alguns desses países adotaram uma moeda única, o “eu-

ro”. Esta moeda foi criada em janeiro de 1999 e passou a circular dois anos depois, em 2002.

Dentre os países restantes, alguns optaram por preservar a moeda nacional ao passo que outros

ainda não se qualificaram para adotá-la.

De fato, todos os países que concordam em abandonar as moedas nacionais e adotar o eu-

ro devem atender um conjunto de critérios bastante restritivos, os chamados “critérios de conver-

gência”. São eles: i) as taxas de inflação não devem ultrapassar em mais de 1,5% a média das três

economias que possuam as taxas de inflação mais baixas do bloco; ii) as taxas de juros de longo-

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prazo não devem variar em mais de 2% em relação à média das taxas das três economias que

possuam as taxas de juros de longo-prazo mais baixas do bloco; iii) os déficits públicos devem

ser inferiores a 3% do PIB; iv) as dívidas públicas devem ser inferiores a 60% do PIB; e v) as

taxas de câmbio devem respeitar as margens de flutuação determinadas pelo “Mecanismo Euro-

peu de Taxas de Câmbio”73

.

Uma vez adotado o euro, esses países transferiram a responsabilidade das políticas mone-

tária e cambial para o Banco Central Europeu, o BCE, uma instituição independente, seja em

relação às demais instituições do bloco, seja em relação aos governos nacionais, e cujo objetivo

central é a manutenção da estabilidade dos níveis de preços ou, mais precisamente, de uma taxa

de inflação anual de aproximadamente 2%. Isso é feito, fundamentalmente, por meio do manejo

da taxa de juros de curto-prazo realizada pelo BCE. A instituição também realiza intervenções no

mercado de divisas, tanto de forma direta (intervenções centralizadas) como indireta, por meio

dos bancos centrais nacionais (intervenções descentralizadas), de sorte a influenciar a taxa de

câmbio do euro em relação às demais moedas.

A política fiscal, por sua vez, permaneceu sob responsabilidade dos governos nacionais,

mas sujeita às regras do Pacto de Estabilidade e Crescimento. O acordo exigia o comprometimen-

to dos países-membros com a disciplina orçamentária ao longo do ciclo de negócios, evitando

déficits públicos superiores a 3% do PIB e dívidas públicas superiores a 60% do PIB. Os países-

membros que, por algum motivo, desrespeitassem os limites estabelecidos, estariam sujeitos a

sanções, caso não implementassem medidas corretivas. O objetivo, com isso, era assegurar a

submissão da política fiscal às diretrizes da política monetária e cambial definidas pelo BCE.

Dessa forma, a política econômica em vigor na Europa Ocidental, em geral, e na zona do

euro, em particular, está sujeita a um conjunto de regras que enfatizam o comportamento das va-

riáveis nominais em detrimento do comportamento dos níveis de renda e emprego. Além disso,

essas regras aplicam-se indistintamente a todos os países da região, desconsiderando, portanto, as

diferenças significativas que existem entre eles, sobretudo no que se refere às condições de vida

73

Operado pelos bancos centrais europeus, o mecanismo prevê o estabelecimento de margens de flutuação para as

taxas de câmbio entre as moedas dos países que compõem a União Europeia, como forma de assegurar o funciona-

mento adequado do mercado comum e prepará-los para adotar a moeda única. Esse mecanismo assumia como refe-

rência a Unidade Monetária Europeia, uma unidade de conta criada no âmbito do SME, em 1979, até a criação do

euro, em 1999.

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(Arestis e Sawyer, 2011). A questão fundamental, nesse caso, é que, na impossibilidade de se

recorrer à política econômica, a política social seria o principal mecanismo por meio do qual o

Estado é capaz de proteger os indivíduos das idiossincrasias da “mão invisível” do mercado. Na

prática, isso implica uma pressão ainda maior sobre esses instrumentos – uma responsabilidade,

frequentemente, muito superior àquela que eles seriam capazes de suportar.

4.2 Os quatro modelos de Estados de Bem-Estar Social da Europa Ocidental

Tendo-se em vista a tipologia proposta por Esping-Andersen (1990, 1999) e suplementada

por Ferrera (1996), os países da Europa Ocidental que integram a União Europeia podem ser di-

vididos em quatro categorias, de acordo com as características de seus sistemas de proteção soci-

al. São eles, então: i) os países anglo-saxões ou liberais (isto é, Irlanda e Reino Unido); ii) os paí-

ses continentais ou conservadores-corporativos (ou seja, Alemanha, Áustria, Bélgica, França,

Luxemburgo e Países Baixos); iii) os países escandinavos ou socialdemocratas (isto é, Dinamar-

ca, Finlândia e Suécia); e iv) os países mediterrâneos (ou seja, Espanha, Grécia, Itália e Portugal).

Esses modelos são ilustrados no Apêndice C e as suas características resumidas no Apêndice D.

4.2.1 O modelo Anglo-Saxão ou Liberal

Em geral, o perfil dos sistemas de proteção social dos países anglo-saxões reflete a con-

cepção liberal sobre o funcionamento da sociedade e o papel do Estado e de suas políticas. Nesse

caso, como visto, prevalece o entendimento de que a vida social se move com a precisão das en-

grenagens de um relógio mecânico. Os indivíduos, ao agir de acordo com os seus interesses, são

levados a assegurar o melhor resultado para si e para os outros. O mercado orienta a alocação dos

recursos disponíveis para onde eles são mais necessários e assegura que cada um dos proprietá-

rios desses recursos receba aquilo que é coerente com a sua contribuição ao produto. Dessa for-

ma, ele seria capaz de assegurar a maior produção e a melhor distribuição da riqueza possíveis.

Assim sendo, prevalece o entendimento de que o atendimento das necessidades funda-

mentais é uma responsabilidade individual e não social. A prosperidade está ao alcance de todos,

desde que cada um esteja disposto a buscá-la por meio do esforço pessoal. Nesse contexto, ao

Estado e suas políticas cabe apenas assegurar a assistência àqueles que não podem atender as suas

necessidades mais elementares por seus próprios meios. Ao transcender essas funções, o Estado

constrange a liberdade individual e estimula o conformismo e a acomodação. E, nesse caso, a

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sociedade renuncia a benefícios permanentes em favor de vantagens apenas temporários. Em ou-

tras palavras, ao destruir a fibra moral da nação e estimular a cultura da dependência, a expansão

da intervenção do Estado não é capaz de melhorar a situação econômica e social de forma susten-

tável. Mais do que isso, ela pode ter o efeito contrário daquele originalmente pretendido (Tit-

muss, 1963).

Nesse contexto, uma vez que a participação no mercado de trabalho constitui a principal

forma de atendimento das necessidades individuais fundamentais, esse modelo pressupõe a exis-

tência de uma força de trabalho abrangente, que inclui homens e mulheres, jovens, adultos e ido-

sos. Como não se admite a possibilidade de desemprego involuntário, as políticas de incentivo à

oferta e, principalmente, à demanda por trabalho são pouco desenvolvidas. Além disso, o merca-

do de trabalho é fortemente desregulamentado, sobretudo no que se refere às condições de contra-

tação e de demissão. Em geral, os termos dos contratos de trabalho são definidos diretamente

entre empregados e empregadores, sem qualquer intervenção externa, tal como dos representantes

das partes envolvidas ou do próprio Estado. Nesse caso, espera-se assegurar a flexibilidade ne-

cessária para que os salários se movimentem de forma a ajustar continuamente a oferta e a de-

manda por trabalho (Castles, 2010).

Isso quer dizer, então, que uma maior ênfase é atribuída à criação de oportunidades de

emprego, desconsiderando-se, portanto, as características das oportunidades criadas. Há, assim,

uma maior preocupação com a quantidade relativamente à qualidade das ocupações que prevale-

cem em uma dada sociedade. Como consequência, são frequentes nesse modelo os empregos em

piores condições, sobretudo no que se refere à remuneração e a estabilidade que eles pressupõem.

Evidentemente, não há no modelo anglo-saxão qualquer preocupação substantiva em as-

segurar a igualdade de condições de vida aos indivíduos. O que existe é uma tentativa de assegu-

rar a eles igualdade de oportunidades para que possam perseguir seus interesses no mercado nas

mesmas condições. Essa igualdade pressupõe que, partindo de um mesmo patamar, os indivíduos

poderiam ocupar qualquer função na sociedade, a depender da responsabilidade e do esforço dis-

pensado por cada um deles. Tal concepção justifica a ênfase frequentemente atribuída por esse

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modelo à educação e, mais especificamente, à educação básica, ou seja, ao ensino primário e ao

ensino secundário74

.

No princípio, as escolas eram privadas e as matrículas eram voluntárias. Com o tempo,

entretanto, o Estado assumiu um papel mais importante nesse âmbito. Primeiro, por meio da con-

cessão de subsídios públicos e, depois, pela criação das escolas públicas e das matrículas compul-

sórias. Em geral, as escolas públicas são universais e gratuitas, sendo financiadas por impostos.

Mesmo assim, permanecem resquícios do passado. As escolas privadas continuam a ser uma al-

ternativa atraente para aqueles que podem arcar com os seus custos. Em alguns casos bastante

tradicionais, essas escolas tornam-se fonte de prestígio social. Muitas delas, inclusive, ainda re-

cebem subsídios públicos. Dessa forma, cria-se uma segmentação entre aqueles que frequentam

as escolas públicas e aqueles que frequentam as escolas privadas. Nesse caso, contrariando o ob-

jetivo principal desse modelo, a educação básica não é capaz de eliminar as desigualdades de

oportunidades (Busemeyer e Nikolai, 2010; West e Nikolai, 2013; Beblavy, Thum e Vaselkova,

2011; Hega e Hokenmaier, 2002).

Na realidade, essas assimetrias são reforçadas por uma segmentação adicional: aquela que

existe entre os que frequentam ou não o ensino terciário. De fato, este mantém uma característica

fortemente elitista, sendo acessível principalmente aos segmentos mais privilegiados da socieda-

de, em função dos elevados custos associados à vida universitária, uma vez que não apenas as

instituições privadas, mas também as instituições públicas, pressupõem o pagamento de elevadas

mensalidades. Nesse caso, a principal forma por meio da qual os indivíduos que não podem arcar

com esses custos podem prosseguir os estudos corresponde ao acesso aos mecanismos públicos

de auxílio financeiro, os quais incluem tanto bolsas (sem compromisso de repagamento) como

empréstimos (com compromisso de repagamento). Uma vez que o acesso a esses mecanismos de

auxílio depende de critérios rigorosos e que, em geral, os empréstimos prevalecem sobre as bol-

sas, há um desincentivo àqueles que não podem arcar sozinhos com os custos da vida universitá-

74

No que se refere aos níveis de ensino, ao longo de todo trabalho será considerada a chamada “Classificação Inter-

nacional Normalizada da Educação” (ISCED) proposta pela “Organização das Nações Unidas para a Educação, a

Ciência e a Cultura” (UNESCO) e adotada em todo mundo para a comparação internacional de indicadores relacio-

nados à educação. Em sua versão básica, essa classificação identifica cinco níveis de ensino, quais sejam, os ensinos

pré-primário, primário, secundário, pós-secundário e terciário. No caso do sistema de ensino brasileiro, esses níveis

corresponderiam, aproximadamente, aos ensinos pré-escolar, fundamental, médio, profissionalizante e superior,

respectivamente.

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ria a avançar em direção ao ensino terciário uma vez concluído o ensino secundário (Pechar e

Andres, 2011; Willemse e Beer, 2012).

A questão, entretanto, é que a importância atribuída à intervenção do Estado na provisão

dos serviços de educação não possui equivalente em nenhum outro âmbito relacionado à provisão

de bem-estar social no modelo anglo-saxão. Isso porque esses serviços são entendidos não como

um complemento, mas como uma alternativa legítima às outras ações possíveis do Estado desti-

nadas a assegurar o atendimento das necessidades fundamentais dos indivíduos. Mais do que “in-

sular” esses indivíduos dos riscos a que eles estão expostos ao longo da vida, entende-se que a

garantia do acesso à educação é condição não apenas necessária, mas também suficiente, para

que eles sejam capazes de enfrentá-los por seus próprios meios.

De fato, espera-se que os indivíduos sempre busquem prover o seu bem-estar por meio do

mercado, adquirindo ali aquilo de que necessitam. Nesse contexto, prevalece nesse modelo a ló-

gica do “seguro privado”75

. A lógica do seguro privado pressupõe a existência de uma relação

estreita entre aquilo que os indivíduos pagam e aquilo que eles recebem em troca. Isso quer dizer,

portanto, que aqueles que pagam mais, estarão, necessariamente, mais protegidos contra aquilo

que pode ameaçar a sua capacidade de obter um rendimento e de converter esse rendimento em

bens e serviços essenciais que aqueles que pagam menos. Além disso, espera-se que a liberdade

de escolha por parte dos demandantes estimule a concorrência entre os diferentes ofertantes desse

tipo de proteção, o que acabaria por pressioná-los a ofertá-lo em melhores condições, em termos

de qualidade e de preços.

A lógica do seguro privado é evidente no âmbito da previdência, isto é, dos mecanismos

de proteção em caso da impossibilidade de se obter um rendimento, de forma temporária ou per-

manente, em função de idade, invalidez, doença e desemprego, por exemplo. O Estado frequen-

temente possui arranjos de previdência nesse modelo. Nesse caso, os indivíduos contribuem para

fundos públicos em troca de benefícios em caso de necessidade. Esses benefícios podem ser fixos

ou relacionados aos rendimentos usuais. Em qualquer um dos casos, entretanto, eles são bastante

modestos. Nesse caso, para complementar o seu rendimento e, assim, evitar uma queda acentuada

do seu poder de compra em relação àquele associado aos seus rendimentos usuais, os indivíduos

75

A noção de “seguro” indica que a proteção é oferecida àqueles que podem pagar por ela, ao passo que a noção de

“privado” indica que o indivíduo é integralmente responsável pela sua própria segurança.

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frequentemente recorrem ao mercado, efetuando pagamentos regulares a fundos privados cujo

funcionamento é normalmente orientado para a obtenção de lucro. Em geral, esses fundos apli-

cam esses recursos em nome do contratante em um conjunto de ativos no mercado financeiro,

respeitando, para tanto, critérios preestabelecidos de rentabilidade e de liquidez.

A lógica do seguro privado é evidente também no âmbito da saúde, a qual inclui os servi-

ços diretamente relacionados à manutenção do bem-estar físico e mental e que, portanto, afetam

as condições de vida dos indivíduos nos âmbitos privado e social. Nesse caso, eles estão direta-

mente relacionados à provisão dos serviços de prevenção, bem como dos serviços de diagnóstico,

tratamento e reabilitação, por profissionais com diferentes graus de especialização, e que atuam

dentro e fora dos hospitais.

Em geral, o Estado assume apenas a responsabilidade pela saúde pública, pelos serviços

considerados de interesse não apenas de um indivíduo em particular, mas da sociedade em geral,

e que compreende as ações relacionadas, sobretudo, à prevenção, ou seja, que dizem respeito ao

saneamento básico, à vigilância sanitária, às campanhas de conscientização, vacinação e imuni-

zação etc. Algumas dessas ações se destinam indistintamente à toda sociedade, ao passo que ou-

tras se destinam a grupos sociais específicos, porque mais vulneráveis.

O mercado, por sua vez, assume a responsabilidade pela provisão dos demais serviços de

saúde. Assim, diagnóstico, tratamento e reabilitação são prestados pelo setor privado mediante

pagamento. Ao invés de arcarem diretamente com os custos dos serviços prestados, os indivíduos

frequentemente o fazem de forma indireta, por meio da contratação de planos de saúde. Tal como

no caso da previdência, os indivíduos efetuam pagamentos regulares a fundos privados normal-

mente orientados para a obtenção de lucro em troca do financiamento total ou parcial dos servi-

ços de saúde utilizados. Em geral, esses pagamentos, ou prêmios, variam de acordo com as carac-

terísticas do contratante, tal como a idade e o gênero, por exemplo. Isso porque essas característi-

cas determinam o grupo de risco a que ele pertence, tornando-o mais ou menos propenso a utili-

zar determinados serviços (OECD, 1985; Moran, 2000; Blank e Burau, 2007; Freeman e

Rothgang, 2010).

Com efeito, no modelo anglo-saxão, o próprio Estado incentiva os indivíduos a recorre-

rem ao mercado para atender as suas necessidades fundamentais. Ele faz isso principalmente ao

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subsidiar mecanismos privados de provisão de bem-estar, sobretudo por meio de isenções fiscais.

Esses subsídios ocorrem principalmente nos âmbitos da previdência e da saúde. No caso da pre-

vidência, ele se dá sob a forma de redução total ou parcial dos impostos incidentes sobre as con-

tribuições pagas pelos indivíduos e/ou sobre os benefícios recebidos por eles. No caso da saúde,

ele se dá sob a forma de redução total ou parcial do valor dos prêmios pagos e/ou dos serviços

utilizados. Nos termos de Howard (1997), tem-se, assim, um Estado de Bem-Estar Social “ocul-

to” (hidden welfare state).

Na prática, por meio desse expediente, tem-se uma forma de financiamento público de um

beneficio, na realidade, privado. Esses subsídios podem ser considerados como equivalente ao

gasto público; a única diferença é que o seu custo corresponde a uma receita não recebida, isto é,

a uma não entrada de recursos, ao invés de uma despesa realizada. Por essa razão, eles são fre-

quentemente considerados “gastos tributários”. Entretanto, esses incentivos beneficiam, em ge-

ral, apenas os segmentos que possuem níveis de renda mais elevados. Isso porque, em geral,

aqueles cujas contribuições fiscais são maiores recebem os maiores subsídios, ao passo que aque-

les cujos rendimentos são menores e que, portanto, não possuem qualquer obrigação fiscal, não

recebem subsídio algum (Howard, 1997; Gruber e Poterba, 1995; Hacker, 2002; Adema e Eine-

rhand, 1998; Kerstenetsky, 2012).

Esses incentivos concedidos pelo Estado também podem ser destinados aos empregadores

para que eles ofereçam proteção aos seus empregados e suas famílias, a qual inclui, normalmente,

os benefícios nos âmbitos da previdência e da saúde, ambos adquiridos no mercado. Uma vez que

esses benefícios são definidos no contrato de trabalho, isso significa que uma proporção por ve-

zes bastante expressiva dos rendimentos dos empregados não ocorreu na forma monetária. Em

geral, esses benefícios são considerados pelos empregadores como um mecanismo eficaz para

assegurar a lealdade de seus empregados e o seu comprometimento com o trabalho. Entretanto,

esses benefícios são normalmente oferecidos apenas pelos grandes empregadores. Assim sendo,

essa opção é mais frequente no âmbito das grandes empresas que atuam nos setores mais impor-

tantes da economia e menos frequente no âmbito das pequenas e das médias empresas que atuam

em setores menos relevantes, do ponto de vista de sua contribuição ao produto e à renda nacio-

nais.

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Os incentivos do Estado à hegemonia do mercado como mecanismo de provisão de bem-

estar social, seja por meio do “bem-estar fiscal” (fiscal welfare), seja por meio do “bem-estar

ocupacional” (occupational welfare), pressupõe uma contrapartida. De fato, em troca das vanta-

gens concedidas, os provedores privados submetem-se à regulação do Estado. Nesse caso, cabe a

este estabelecer as regras da competição nos diferentes setores e assegurar que elas sejam sempre

cumpridas. Cabe-lhe, também, estabelecer que benefícios devem ser oferecidos e a que custo,

bem como assegurar o cumprimento, pelos contratados, dos compromissos formalmente assumi-

dos frente aos contratantes, sob pena de sanções. No limite, o Estado pode também tornar a aqui-

sição de uma quantidade mínima de proteção no mercado compulsória, e não voluntária (Titmuss,

1963; Mann, 2009).

A despeito da ênfase atribuída à responsabilidade individual, há no modelo anglo-saxão o

reconhecimento de que não há razões para supor que uma sociedade suficientemente rica não

possa assegurar um mínimo abaixo do qual nenhum de seus membros deva estar – ou seja, uma

“rede de proteção” (safety net). Nesse caso, a assistência privada, enquanto ato voluntário, é sem-

pre preferível à assistência pública, enquanto ato compulsório. Em ambos os casos, o objetivo se

restringe a assegurar o alívio da privação dos indivíduos que não podem atender as suas necessi-

dades mais elementares por meio do seu próprio trabalho. Entende-se que esses mecanismos não

devem estimular a dependência, entretanto. As condições de vida proporcionadas por eles não

devem constituir um desincentivo ao esforço individual e, assim, funcionar como uma “armadi-

lha” que favoreça a reprodução das situações de miséria e pobreza na sociedade (poverty trap).

Eles devem assegurar àqueles que são ajudados um incentivo a ajudar a si mesmos. Em última

instância, esses mecanismos devem fazer o trabalho valer a pena (ou seja, to make work pay)

(Castles, 2010).

A ênfase nos mecanismos de assistência baseados na noção de caridade é um traço distin-

tivo do modelo anglo-saxão e uma herança dos mecanismos de assistência aos pobres e miserá-

veis nos moldes das Leis dos Pobres de 1834, que surgiram no Reino Unido e foram reproduzidas

em outros países pouco tempo depois. Como visto, esses mecanismos baseavam-se no critério da

“mínima elegibilidade”, segundo o qual a assistência deveria se limitar apenas àqueles que não

tivessem mais a que ou a quem recorrer para atender as suas necessidades mais elementares, ou

seja, àqueles que são considerados verdadeiros merecedores da compaixão da sociedade. Eviden-

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temente, o objetivo é aliviar o estado de privação. Não há por trás dessas ações qualquer preocu-

pação em alterar a estrutura da sociedade. Nos termos de T. H. Marshall (1950), trata-se apenas

de “higienizar o porão”, tornando-o menos sombrio, enquanto todos os andares superiores per-

manecem praticamente inalterados.

A assistência privada é frequentemente organizada por instituições filantrópicas, ou seja,

sem fins lucrativos, frequentemente de natureza religiosa. Essas instituições são financiadas prin-

cipalmente por meio de doações por parte do setor privado. Entretanto, essas instituições frequen-

temente também contam com o estímulo do setor público, seja pelo financiamento direto, seja por

meio de incentivos fiscais.

Em geral, a assistência pública é concedida mediante “teste de meios”, ou seja, compro-

vação de necessidade de acordo com critérios preestabelecidos. Em geral, são elegíveis apenas

aqueles cujo rendimento é inferior a um nível mínimo. Os benefícios podem ser direcionados a

grupos sociais específicos, como crianças ou idosos, por exemplo, ou a todos aqueles que se en-

contram abaixo desse nível mínimo. Como regra geral, os benefícios no modelo anglo-saxão são

entendidos como um último recurso, quando todas as outras formas de provisão (notadamente, o

mercado e a família) não são capazes de atender as necessidades individuais fundamentais. Eles

são concebidos de forma a estimular que os beneficiários deixem os mecanismos de assistência

tão logo quanto possível. Por essa razão, eles são frequentemente bastante modestos: os benefí-

cios em dinheiro não são elevados, ao passo que os benefícios em espécie são de baixa qualidade

relativamente ao que seria considerado adequado de acordo com os padrões que prevalecem na

sociedade. Ambos são financiados por meio de impostos (Eardley et al., 1996).

Cada vez mais importante entre os mecanismos de assistência pública aos pobres e mise-

ráveis entre os países desse modelo é o chamado “crédito tributário” 76

. Em última instância, ele é

um mecanismo de transferência de renda destinado às pessoas que estão trabalhando, mas que,

mesmo assim, possuem um rendimento bastante baixo. A lógica subjacente a esses mecanismos é

bastante simples. Em geral, os indivíduos podem obter um nível mínimo de renda sem pagar

qualquer imposto sobre ela. Esse nível mínimo, ou esse limite de isenção tributária, depende de

76

Esse é o caso do Reino Unido, por exemplo. Em 1986 foi criado o Family Credit. Ele foi substituído pelo Working

Families Tax Credit em 1999, que, por sua vez, foi substituída pelo Working Credit Tax em 2003. O WTC é baseado

em teste de meios e sujeito a condição da participação do beneficiário no mercado de trabalho. Atualmente, o WTC

pode ser complementado pelo Child Tax Credit, caso o beneficiário possua dependentes menores de idade.

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um conjunto de critérios, como o tamanho da família e a idade dos seus membros. Se a renda é

superior a esse limite, paga-se o imposto sobre a parcela excedente de acordo com a alíquota de-

finida para cada faixa de renda. Já se a renda é inferior a esse limite, simplesmente não há qual-

quer imposto a ser pago. Com o crédito tributário, os indivíduos cuja renda é inferior ao limite de

isenção possuem direito a receber uma transferência em dinheiro do Estado. O valor da transfe-

rência seria equivalente a uma fração da diferença entre a renda do indivíduo e o limite de isen-

ção. À medida que essa diferença diminui, reduz-se o valor da transferência, mas aumenta-se o

valor da renda total recebida pelo indivíduo (Friedman, 1980)77

.

Em geral, assume-se que os benefícios regulares que compreendem à assistência pública

são suficientes para cumprir aquilo que se espera deles, ou seja, o suporte àqueles que se encon-

tram em situação de reconhecida vulnerabilidade. Mesmo assim, em alguns casos, existem bene-

fícios para lidar com necessidades excepcionais (associadas à alimentação, habitação ou vestuá-

rio, por exemplo). Nesses casos, entretanto, a concessão do benefício pressupõe um maior grau

de discricionariedade que os demais mecanismos no âmbito da assistência pública.

Muitas vezes, os mecanismos de assistência pública são administrados e financiados no

âmbito regional ou local, ao invés da esfera nacional. Embora isso assegure maior proximidade

do Estado da realidade daqueles que recorrem aos mecanismos de assistência pública, podem

surgir aí problemas importantes. Primeiro, embora existam diretrizes nacionais para os programas

a serem desenvolvidos nos níveis subnacionais, cria-se frequentemente pronunciada heterogenei-

dade no que se refere aos tipos de benefícios, aos critérios de acesso e a sua qualidade dentro de

um mesmo país. E, segundo, as regiões e localidades com menor capacidade administrativa e

financeira são aquelas que encontram maior demanda pelos mecanismos de assistência pública

(Eardley et al., 1996).

77

Por exemplo: seja $10.000 o limite de isenção tributária para uma família de um indivíduo de determinada idade,

composta por determinado número de pessoas. O crédito tributário corresponde a 50% da diferença entre a renda

desse indivíduo e o limite de isenção. Assim, se esse indivíduo não possui renda, ele receberá do Estado uma transfe-

rência de $5.000. Se ele possui uma renda de $5.000, ele receberá do Estado uma transferência de $2.500. O valor da

transferência é menor no segundo caso que no primeiro. Entretanto, a renda total do indivíduo é maior, consideran-

do-se a sua renda inicial e a transferência recebida. No primeiro caso, esse valor é de $5.000. Já no segundo caso,

esse valor atinge $7.500. Dessa forma, o crédito tributário assegura uma renda mínima aos indivíduos ao mesmo

tempo em que acaba funcionando como um incentivo ao trabalho e um desincentivo a outros mecanismos de assis-

tência. Ele é entendido como uma recompensa àquele que demonstre o ardente desejo de prosperar por meio do es-

forço pessoal. De fato, nesse exemplo, um indivíduo que não possui nenhuma renda tem direito a uma renda mínima

de $5.000. E cada unidade monetária adicional que ele receber será complementada por uma transferência do Estado.

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Além disso, os mecanismos de assistência pública no modelo anglo-saxão de Estado de

Bem-Estar Social são caracterizados pelo seu reduzido grau de articulação com outras iniciativas

essenciais para a integração ou reintegração dos indivíduos que dele se beneficiam na sociedade.

Na realidade, ao invés de contribuírem para o aumento da coesão social, ou seja, para o fortale-

cimento dos laços que unem os indivíduos membros da sociedade, esses mecanismos frequente-

mente acabam agindo no sentido contrário, sendo fonte de vergonha e de estigma e, consequen-

temente, de exclusão social.

Por tudo isso, o modelo anglo-saxão de Estado de Bem-Estar Social possui, como uma de

suas principais características, a divisão da sociedade em dois grandes grupos: aqueles que po-

dem pagar para atender as suas necessidades e que, portanto, recorrem ao mercado, frequente-

mente incentivados pelo próprio Estado; e aqueles que não podem fazer isso e que, assim, recor-

rem aos mecanismos de assistência pública. Entrementes, a provisão pública de bem-estar é ape-

nas residual, limitada àqueles que se encontram à margem da sociedade e que são considerados

verdadeiros merecedores dos mais nobres sentimentos humanos. Nesse caso, o efeito desse arran-

jo no que se refere à redução das diferenças existentes entre os mais e menos afortunados é bas-

tante modesto. Esse sistema certamente contribui para o alívio da situação dos grupos mais vulne-

ráveis da sociedade, impedindo que eles padeçam de “fome ou de frio”. Entretanto, ele não é ca-

paz de fazer mais do que isso. Seja o “Homo liberalismus”, então, a personificação desse modelo

de Estado de Bem-Estar Social. Nesse caso, nos termos de Esping-Andersen (1999, p.171):

Homo liberalismus resembles Mister Economicus because he follows no loftier ideal

than his own personal welfare calculus. The well-being of others is their affair, not his.

A belief in noble self-reliance does not necessarily imply indifference to others. Homo

liberalismus may be generous, even altruistic. But kindness towards others is a personal

affair, not something dictated from above. His ethics tell him that a free lunch is amoral,

that collectivism jeopardizes freedom, that individual liberty is a fragile good, easily

sabotaged by sinister socialists or paternalistic authoritarians. Homo liberalismus prefers

a welfare regime where those who can play the market do so, whereas those who cannot

must merit charity.

4.2.2 O modelo Continental ou Conservador-Corporativo

O perfil dos Estados de Bem-Estar Social dos países continentais, por sua vez, reflete o

reconhecimento de que o mercado não é capaz de assegurar o bem-estar social. Frente ao risco

que isso representa para a manutenção da ordem vigente, entende-se que o Estado deve assumir

um papel mais contundente nos processos de produção e distribuição da riqueza. Dessa forma,

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esses países permaneceram fiéis à essência dos arranjos concebidos e implementados a partir da

segunda metade do século XIX e cuja origem remonta à Alemanha de Bismarck. No contexto de

unificação, industrialização e urbanização do país, o Estado passou a intermediar as relações en-

tre os novos trabalhadores e capitalistas. O resultado foi um novo modelo de sistema de proteção

social em que o Estado não mais se limita ao atendimento das necessidades fundamentais daque-

les que não têm como sobreviver por seus próprios meios, como nos arranjos inspirados nas Leis

dos Pobres britânicas de 1834, mas afeta, de uma forma ou de outra, todos os segmentos da soci-

edade. O novo modelo de sistema de proteção social foi rapidamente reproduzido nos demais

países da Europa Ocidental, tornando-se, até hoje, o modelo dominante nessa região (Flora e

Heidelheimmer, 1981).

Nesse contexto, a lógica que prevalece no âmbito do modelo continental de Estado de

Bem-Estar Social é a do “seguro social”. O caráter “social”, e não privado, desse modelo está

relacionado ao fato de que a proteção dos indivíduos ao longo da vida é oferecida fora do merca-

do, ou, ao menos, independentemente de sua lógica de funcionamento. Entretanto, tal como no

caso do seguro privado, o seguro social baseia-se no princípio de que apenas possuem acesso à

proteção contra aquilo que restringe a capacidade dos indivíduos de atender as suas necessidades

fundamentais aqueles que podem pagar por ela.

Em arranjos baseados na lógica do seguro social, empregados e empregadores contribuem

para fundos sem fins lucrativos em troca de assistência em caso de necessidade. Essas contribui-

ções não são consideradas equivalentes a um prêmio, mas a um imposto pago obrigatoriamente

por ambas as partes e que é deduzido de seus rendimentos. Trabalhadores autônomos, isto é, que

exercem a suas atividades sem vínculo empregatício, também podem ser contemplados pelo se-

guro social. Nesse caso, entretanto, a responsabilidade pelo pagamento das contribuições aos

fundos não é compartilhada, o que significa que esses trabalhadores devem arcar integralmente

com o seu custo, deduzindo-o do seu rendimento (Palier, 2010; Kerstenetsky, 2012)78

.

78

Desde logo, deve-se observar que trabalhadores autônomos não são equivalentes a trabalhadores liberais. Os traba-

lhadores autônomos são todos aqueles que trabalham por conta própria, sendo que a prestação de serviços é de forma

eventual e não habitual. Embora os profissionais liberais possam atuar como trabalhadores autônomos em função da

natureza de suas atividades, eles também podem exercê-las a partir da constituição de um vínculo empregatício.

Nesse caso, ele se subordina ao empregador e dele se torna dependente, recebendo, como remuneração, um salário.

E, nessa condição, também eles passam a compartilhar com os empregadores a responsabilidade pelas contribuições

aos fundos.

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O financiamento do seguro social pode se basear no chamado “mecanismo de repartição

simples" (isto é, unfunded) ou ainda no “mecanismo de capitalização” (ou seja, funded), ainda

que o primeiro mecanismo tenda a prevalecer sobre o segundo, ao contrário do que ocorre no

caso do seguro privado. No mecanismo de repartição simples (também conhecido como pay-as-

you-go), as receitas obtidas pelo pagamento das contribuições são utilizadas para o pagamento

das despesas que ocorrem no mesmo período. Assim, os indivíduos pagam por aqueles que preci-

sam hoje porque esperam que estes paguem por eles quando eles precisarem no futuro. A condi-

ção de equilíbrio nesse mecanismo, portanto, é que as receitas correntes sejam pelo menos iguais

às despesas correntes. Já no mecanismo de capitalização, as receitas obtidas pelas contribuições

são acumuladas em nome do contribuinte, de modo que elas deverão estar disponíveis a ele

quando necessário. Assim, os indivíduos pagam para si mesmos, e não para os outros. A condição

de equilíbrio nesse regime, portanto, é que as receitas recebidas e investidas em nome do contri-

buinte no passado sejam pelo menos iguais às despesas com esse mesmo contribuinte no presen-

te. Em ambos os casos, o ajuste dos fundos em caso de desequilíbrio pode se dar tanto do lado

das contribuições, elevando-as, como do lado dos benefícios, reduzindo-os, ainda que a primeira

estratégia tenda a prevalecer sobre a segunda.

Tal como no caso do seguro privado, a lógica do seguro social se reflete no âmbito da

previdência, vale dizer, nos mecanismos de proteção frente à interrupção temporária ou perma-

nente da capacidade dos indivíduos de obter um rendimento por meio do trabalho. Nesse caso, o

valor das contribuições e o valor dos benefícios são proporcionais aos rendimentos dos indiví-

duos79

. Além disso, as contribuições e os benefícios são ajustados de modo a assegurar uma taxa

de recomposição dos rendimentos perdidos bastante elevada. O objetivo, com isso, é assegurar a

preservação do padrão de vida alcançado mesmo em circunstâncias adversas (Palier e Martin,

2008; Palier, 2010).

A lógica do seguro social também se reflete no âmbito da saúde. Nesse caso, os indiví-

duos obtêm o pagamento de parte ou da totalidade dos serviços de saúde utilizados mediante con-

tribuição aos fundos. Frequentemente, os usuários arcam com a totalidade dos custos e depois são

reembolsados por esses fundos. Além disso, as contribuições independem das características do

segurado. Os serviços de diagnóstico, tratamento e reabilitação podem ser prestados pelo setor

79

Na prática, isso significa que os que recebem mais, pagam mais, mas também recebem mais, ao passo que aqueles

que recebem menos, pagam menos, mas também recebem menos.

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público ou pelo setor privado, por profissionais com diferentes graus de especialização, dentro e

fora dos hospitais, a serviço dos fundos. Como no caso do modelo liberal, o Estado é o responsá-

vel pela saúde pública, de modo que os serviços de prevenção continuam a ser oferecidos funda-

mentalmente por meio do setor público (OECD, 1985; Blank e Burau, 2007; Freeman e

Rothgang, 2010; Moran, 2000).

Característica importante do modelo continental de Estado de Bem-Estar Social, não exis-

te um único sistema que incorpore indistintamente todos os indivíduos contribuintes. As contri-

buições e os benefícios variam de acordo com a ocupação de cada um80

. Mais especificamente,

cada ocupação possui o seu próprio sistema e há pouca ou nenhuma integração entre eles. Cada

sistema, por sua vez, é administrado pelos representantes dos próprios contribuintes, ou seja, pe-

los representantes dos empregados e dos empregadores – os chamados “parceiros sociais”. Embo-

ra, em geral, o Estado também participe da administração desses sistemas, subsidiando-os, inclu-

sive, ele é, sobretudo, coadjuvante e não protagonista desse processo. Nesse caso, a sua principal

função é tornar a participação dos indivíduos nesses arranjos compulsória (Palier e Martin, 2008).

Isso explicita, portanto, o forte caráter “corporativo” do modelo continental. De fato, a

ocupação determina a identidade do indivíduo perante o resto da sociedade. A sociedade é dividi-

da em grupos e esses grupos possuem uma hierarquia entre si. O sistema de proteção social é

concebido de forma a preservar essa hierarquia e, consequentemente, as diferenças de status. Ele

certamente implica um grau mais elevado de socialização dos riscos. Entretanto, o atendimento

das necessidades individuais fundamentais é uma responsabilidade do grupo a que ele pertence, e

não da sociedade como um todo. Dessa forma, a solidariedade que existe nesse modelo é antes

horizontal, isto é, entre os indivíduos que exercem a mesma função social, do que vertical, ou

seja, entre os indivíduos que exercem funções sociais diferentes81

(Esping-Andersen, 1990,

1999).

80

Em geral, cada fundo é responsável pelo pagamento de benefícios relacionados à idade, invalidez, doença e aci-

dente, bem como pelo pagamento dos serviços de saúde, aos indivíduos de uma mesma ocupação. A exceção cabe

aos benefícios relacionados ao desemprego. Nesse caso, em geral, um único fundo é responsável pelo seu pagamen-

to.

81 Em geral, o sistema é mais sofisticado para os que possuem vínculo empregatício, do que para os autônomos; para

os que trabalham na indústria, do que os que trabalham nos serviços ou na agricultura; para os que trabalham nos

setores protagonistas, do que para os que trabalham nos setores coadjuvantes; e para os que trabalham no setor públi-

co, do que para os que trabalham no setor privado, por exemplo.

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Isso significa que não há, no modelo continental de Estados de Bem-Estar Social, uma

preocupação em reduzir as desigualdades existentes na sociedade. Embora se busque assegurar

condições de vida adequadas a todos, a posição relativa dos indivíduos e de seus descendentes na

sociedade deve permanecer essencialmente a mesma ao longo do tempo. Considerando-se a ana-

logia de T. H. Marshall (1950), é como se todo o edifício social permanecesse essencialmente o

mesmo, ainda que todos os andares fossem aprimorados. Dessa forma, por meio de suas políticas,

esses arranjos acabam por preservar a ordem vigente, ou seja, o status quo. Daí o seu forte caráter

“conservador” (Arts e Gelissen, 2002)82

.

O caráter corporativo e conservador do modelo continental reflete-se também no âmbito

da educação. Enquanto no modelo anglo-saxão a educação é enfatizada em relação às demais

formas de provisão de bem-estar social, no modelo continental todas essas formas são enfatizadas

em relação à educação como forma de proteger os indivíduos contra os riscos que podem afetá-

los ao longo da vida. Em outras palavras, ela não é considerada uma alternativa legítima às outras

ações do Estado destinadas a proteger os indivíduos contra aquilo que pode limitar a sua capaci-

dade de atender as suas necessidades fundamentais. A sua ambição é, na realidade, considera-

velmente mais modesta.

Na prática, a função da educação no modelo continental é determinar a posição do indiví-

duo na estrutura social. O perfil dos sistemas educacionais é funcional a esse propósito. Nesse

contexto, a educação básica (ensinos primário e secundário) é bastante desenvolvida. O setor pri-

vado desempenha um papel importante, sobretudo as instituições religiosas, de confissão católica

e protestante, que recebem subsídios, por vezes, bastante elevados do Estado, em troca da adoção

das diretrizes de ensino estabelecidas por ele no âmbito nacional. Entretanto, o setor público ain-

da é preponderante. O ensino é universal e gratuito, sendo financiado por meio de impostos (Bu-

semeyer e Nikolai, 2010; West e Nikolai, 2013).

82

O caráter corporativo e conservador do modelo continental é, na realidade, anterior a ele. Arranjos semelhantes já

haviam sido criados pelos próprios empregados desde o início do processo de industrialização na Europa Ocidental.

Inspirados no funcionamento das guildas medievais, que asseguravam alguma proteção aos membros de uma mesma

corporação de ofício, as sociedades de apoio mútuo e suas variantes nacionais, eram associações criadas por indiví-

duos pertencentes à mesma profissão, e que destinavam uma parte de seus rendimentos a um fundo comum em troca

de auxílio em caso de necessidade. Os empregadores frequentemente enxergavam de forma favorável essas associa-

ções. E começaram a apoiá-las. Pois, embora elas constituíssem uma forma de organização dos empregados, elas

poderiam ser também funcionais. A proteção dos empregados, afinal, assegurava melhores resultados em termos de

produção a um custo bastante compensador.

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A principal característica dos sistemas educacionais do regime continental, entretanto, é o

seu grau de fragmentação a partir do ensino secundário. Nesse momento, os estudantes são dire-

cionados para diferentes alternativas de acordo com as suas aptidões e recebem instrução com o

intuito de desenvolvê-las. Em geral, uma parcela expressiva dos estudantes é direcionada para o

ensino técnico, o qual assegura as qualificações básicas necessárias para o exercício de uma pro-

fissão regulamentada83

. O ensino técnico é particularmente importante no caso dos países germâ-

nicos, onde se verifica uma relação estreita entre as escolas e as empresas, a qual não é tão fre-

quente nos demais países da região (Hega e Hokenmaier, 2002; Allmendiger e Leibfried, 2003).

Dessa forma, uma parcela expressiva dos jovens nesse modelo ingressa no mercado de

trabalho imediatamente após a conclusão do ensino secundário. Entretanto, deve-se observar que,

em função das características dessa modalidade de ensino nesses países, os indivíduos que não

prosseguiram seus estudos e ingressaram no ensino terciário possuem, ainda assim, melhores

perspectivas de encontrar uma boa ocupação e alcançar um elevado status social no regime con-

tinental em relação àqueles na mesma condição no regime liberal84

.

Para os que optarem por prosseguir os estudos e ingressar no ensino terciário, o ensino em

instituições privadas e, principalmente, em instituições públicas, pressupõe baixas mensalidades

relativamente àquelas cobradas nos países do modelo anglo-saxão. Embora esse constitua um

fator de estímulo, o apoio financeiro aos estudantes, na forma de bolsas e empréstimos, é bastante

modesto nesse modelo. Em geral, os mecanismos existentes para isso são menos sofisticados,

sendo que as bolsas tendem a prevalecer sobre os empréstimos, que, muitas vezes, não estão se-

quer disponíveis. O reduzido grau de sofisticação dos mecanismos de apoio financeiro aos estu-

dantes fundamenta-se no entendimento de que eles possam contar com outras formas de provisão

durante os estudos, a começar pela família (Pechar e Andres, 2011; Willemse e Beer, 2012).

83

Muitas vezes, o ensino teórico é conciliado com o ensino prático, situação na qual se estabelece uma relação entre

mestres e aprendizes com sinergias altamente produtivas.

84 O sistema de ensino alemão é bastante representativo nesse sentido. Ao concluir o ensino primário, os jovens op-

tam por uma entre três alternativas de ensino secundário, cada uma baseada em um perfil individual diferente. O

Gymnasium destina-se aos alunos de perfil teórico, direcionando-os para o ensino acadêmico, ao passo que a Haup-

tschule destina-se aos alunos de perfil prático, direcionando-os para o ensino técnico. Este, por sua vez, tem como

principal características a formação dual (Duale Ausbildung), que permite aos alunos aprenderem não apenas nas

escolas, mas também nas empresas. Há entre o Gymnasium e a Hauptschule a chamada Realschule, destinada aos

alunos com um perfil intermediário em relação àqueles que são direcionados diretamente para o ensino acadêmico,

de um lado, e para o ensino técnico, de outro. Em geral, chegam ao ensino terciário principalmente aqueles que

optaram pelo Gymnasium, depois pela Realschule e, finalmente, pela Hauptschule.

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De fato, a família possui nesses arranjos um importante papel a cumprir. Nesse modelo, o

homem é concebido como sendo a principal fonte de renda da família (trata-se, portanto, do “mo-

delo homem-provedor” ou male breadwinner). Espera-se que os seus rendimentos e os benefícios

a que ele tem direito no âmbito do sistema de seguro social sejam suficientes para atender as suas

necessidades e as necessidades de sua família. Nesse caso, para que uma parcela expressiva da

população estivesse protegida, seria necessário que todos os homens estivessem protegidos em

função da sua ocupação e que a família tradicional fosse estável. Isso significa, portanto, que se o

homem não for capaz de encontrar uma ocupação e, assim, de ter acesso a um rendimento e aos

benefícios no âmbito do sistema de seguro social, e/ou se as famílias forem compostas apenas por

mães solteiras ou divorciadas, tem-se que, inevitavelmente, uma parcela expressiva da sociedade

permanecerá desprotegida.

Assim sendo, a família tradicional surge como uma importante forma de provisão de bem-

estar social no modelo continental. Esse modelo familiar, por sua vez, está baseado na rígida di-

visão de tarefas entre o homem e a mulher. Nesse caso, ao homem cabe participar do mercado de

trabalho e, assim, assegurar o sustento de si mesmo e de seus dependentes, raramente ocupando-

se das tarefas domésticas. Já à mulher cabe ocupar-se das tarefas domésticas, raramente partici-

pando do mercado de trabalho. E aqui surge, portanto, uma assimetria entre os gêneros. As mu-

lheres não recebem um rendimento nem são elegíveis ao sistema de seguro social nas mesmas

condições que os homens. Elas o fazem sobretudo na condição de esposas e mães. Com isso, não

lhes é assegurada a possibilidade de prover cuidado de si mesmas de forma autônoma (Orloff,

1993, 1996; Lewis, 1997).

Nesse contexto, os benefícios destinados às famílias no modelo continental visam preser-

var o modelo da família tradicional. Prevalecem as prestações familiares, universais e financiadas

por meio de impostos. Em geral, essas prestações variam de acordo com a composição da família.

O objetivo, com isso, é assegurar uma assistência ao cuidado doméstico das crianças e dos ido-

sos, ainda que, em geral, esses benefícios sejam modestos. A despeito da existência de exce-

ções85

, outros benefícios que colocariam em risco a divisão tradicional de tarefas entre homens e

85

A exceção cabe à França e, em menor medida, à Bélgica. Ainda que partilhem das demais características dos sis-

temas de proteção social do modelo continental, esses países avançaram consideravelmente no desenvolvimento dos

benefícios destinados às famílias, sobretudo no que se refere aos serviços de cuidado, de crianças e idosos. Sobre a

especificidade francesa e belga, ver, por exemplo, Kersbergen e Manow (2009).

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mulheres no interior da família, ou seja, que poderiam estimular uma maior participação da mu-

lher no mercado de trabalho e/ou uma maior participação do homem nas tarefas domésticas, são

pouco desenvolvidos nos países que compõem esse modelo. Esse é o caso, por exemplo, das li-

cenças parentais e, principalmente, dos serviços de cuidado profissional de crianças e idosos (Sa-

raceno, 2011; Sainsbury, 1996, 2000).

Além disso, existem diversos outros mecanismos nesse modelo que, na prática, acabam

por penalizar as famílias que se afastam de alguma forma do modelo homem-provedor. O princi-

pal dele está relacionado à forma do sistema tributário, em geral, e dos impostos sobre os rendi-

mentos, em particular. De fato, tradicionalmente, os impostos incidem sobre o homem e a mulher

conjuntamente, ao invés de individualmente, ou seja, eles assumem a família, e não o indivíduo,

como unidade de referência. E o valor devido é passível de deduções para compensar as obriga-

ções familiares. A questão é que essas deduções tributárias normalmente variam de acordo com a

ocupação dos membros da família, de modo que elas tendem a ser menores em famílias em que

homens e mulheres estão empregados e maiores em famílias em que as mulheres estão fora do

mercado de trabalho.

As características do modelo continental e, em especial, o familismo e o corporativismo,

refletem, em grande medida, a influência da religião sobre o perfil dos Estados de Bem-Estar

Social dos países que o compõem. Nesse contexto, deve-se observar que o desenvolvimento do

sistema de proteção social desses países foi levado a cabo, em geral, enquanto os partidos demo-

cratas-cristãos conduziam o Estado. A importância dos partidos de base confessional nos países

continentais é, certamente, uma particularidade desses países relativamente ao resto da Europa

Ocidental. A concepção desses partidos a respeito das questões sociais, por sua vez, foi, em gran-

de medida, influenciada pela “doutrina social católica” e, mais especificamente, pelo “princípio

da subsidiariedade”, segundo o qual a assistência aos indivíduos cabe, antes de tudo, àqueles mais

próximos à sua realidade. Apenas na incapacidade destes arcarem com as suas necessidades fun-

damentais é que o Estado deve intervir86

(Kersbergen, 1995; Kersbergen e Manow, 2009).

86

Os fundamentos da doutrina social católica foram estabelecidos pela encíclica Rerum Novarum, escrita pelo Papa

Leão XIII. A encíclica foi publicada em 1891, em pleno processo de urbanização e industrialização e, com ele, o

surgimento de uma multidão de trabalhadores que viviam em condições degradantes dentro e fora das fábricas. Pre-

valece, nela, o entendimento de que a superação dessa situação depende de uma mudança de princípios e valores, a

qual deve se refletir na cooperação entre os indivíduos em todas as dimensões da vida social, tendo em vista a pro-

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A reticência católica em relação à expansão da ação do Estado não é um consenso entre os

protestantes. De fato, deve-se observar que estes se dividem em diferentes vertentes. Em geral, os

protestantes de inspiração luterana não veem com reticência uma maior participação do Estado na

vida social. Interessante notar que onde o protestantismo de inspiração luterana prevalece, as re-

lações entre Estado e Igreja são estreitas, sendo a Igreja subordinada ao Estado, evitando conflito

de interesses. Nesse caso, funções antes reservadas às associações menores e inferiores são trans-

feridas para as associações maiores e superiores. Já os protestantes de outras inspirações, tais

como os calvinistas, compartilham com os católicos a sua reticência em relação à participação do

Estado na vida social, destacando a responsabilidade do indivíduo e daqueles mais próximos à

sua realidade para o atendimento de suas necessidades fundamentais. Importante observar, onde o

catolicismo e o protestantismo de outras inspirações prevalecem, as relações entre Estado e Igreja

são menos estreitas, sendo ambos independentes entre si, potencializando o conflito de interesses.

Nesse caso, poucas das funções antes reservadas às associações menores e inferiores são transfe-

ridas para as associações maiores e superiores (Kersbergen e Manow, 2009; Manow, 2004).

Em função da importância da família tradicional como mecanismo de provisão de bem-

estar social no modelo continental, assume-se como prioridade a proteção do emprego do homem

e, assim, do seu salário e do seu acesso ao sistema de seguro social. Por essa razão, o mercado de

trabalho é fortemente regulado, sobretudo no que se refere às regras de admissão e demissão. Em

geral, os termos dos contratos de trabalho não são definidos livremente por empregados e empre-

gadores. É frequente a intervenção externa, sobretudo dos representantes das partes envolvidas

e/ou do próprio Estado.

Tradicionalmente, não há nesse modelo medidas de estímulo ao aumento do nível de em-

prego, entretanto. Na realidade, os esforços sempre se concentraram em evitar o aumento do nível

de desemprego do homem. E, nesse caso, optou-se frequentemente por uma estratégia de redu-

ção da quantidade de indivíduos no mercado de trabalho, ou seja, de redução da oferta de traba-

lho. Além da redução da jornada de trabalho, o principal mecanismo adotado para tanto foi o sis-

tema de seguro social. De fato, a flexibilização das regras para o acesso às aposentadorias e pen-

sões foi amplamente utilizada com esse propósito. Entrementes, os países do modelo continental

moção do bem-estar de todos e de cada um. As ideias da encíclica Rerum Novarum foram reiteradas e complementa-

das por encíclicas posteriores, notadamente a Quadragesimo Anno, de Pio XI, em 1931, a Mater et Magistra, de João

XXIII, em 1961, e a Centesimus Annus, de João Paulo II, em 1991.

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de Estados de Bem-Estar Social recorreram amplamente à estratégia de “ocultação dos trabalha-

dores”, ou labour shedding, o que, por sua vez, originou o “bem-estar sem trabalho”, ou welfare

without work (Esping-Andersen, 1990, 1996, 1999; Palier e Manow, 2007; Palier, 2010).

Evidentemente, essa estratégia de redução da oferta de trabalho constitui uma fonte im-

portante de pressão sobre a sustentabilidade financeira do sistema de seguro social. Isso porque

ela implica um aumento das despesas e uma redução das receitas dos diferentes fundos existen-

tes87

. Os desequilíbrios entre receitas e despesas desses fundos são agravados pela ausência de

integração entre eles, uma vez que isso impede que fundos superavitários transfiram recursos

para os deficitários.

Em geral, o principal mecanismo utilizado para reduzir os desequilíbrios nesses fundos

não é a redução dos benefícios, mas o aumento das contribuições pagas pelos que estão no mer-

cado de trabalho. Frequentemente, essa estratégia encontra baixa resistência em função da própria

lógica do sistema de seguro: os indivíduos pagam porque esperam receber quando precisarem.

Dessa forma, eles estão dispostos a pagar mais hoje se esperam receber mais depois. Entretanto,

essa estratégia possui como contrapartida o aumento dos custos do trabalho. De fato, ao lado dos

salários, as contribuições pagas por empregados e empregadores respondem pela maior parte des-

ses custos. Além disso, no mais das vezes, nem mesmo o aumento das contribuições é suficiente

para compensar os desequilíbrios entre receitas e despesas nos fundos. Nesse caso, esses desequi-

líbrios acabam sendo compensados pelo Estado, por meio de recursos de impostos (Palier, 2010).

Seguindo o exemplo de outros países europeus, alguns países continentais optaram por

criar fundos especiais destinados a financiar eventuais desequilíbrios entre receitas e despesas nos

fundos usuais – os chamados “fundos de reserva”. Os recursos desses fundos possuem origens

diversas, como impostos e contribuições especiais e operações de privatização do patrimônio

público. Em função da sua natureza, esses fundos atuam como investidores de longo-prazo nos

mercados financeiros e podem constituir uma fonte relevante de funding para investimentos pú-

blicos e privados88

.

87

No primeiro caso, porque ela reduz a quantidade de pessoas que contribuem para os fundos. No segundo, porque

ela aumenta a quantidade de pessoas que recebem pagamentos desses fundos. 88

Esse é o caso dos chamados “Fundos de Reserva para as Aposentadorias e Pensões” ou Fonds de Réserve pour lês

Retraites criados na França em 2001, tendo-se em vista as pressões crescentes sobre a miríade de fundos que o com-

põe o sistema de seguro social francês.

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Mais recentemente, a estratégia de redução de desemprego do homem baseada na redução

da oferta de trabalho perdeu força em função dos custos envolvidos em sua operação. Ainda que

de forma modesta, os países desse regime aumentaram os estímulos ao aumento do nível de em-

prego. Entretanto, esses estímulos frequentemente desconsideram o lado da demanda, concen-

trando-se no lado da oferta de trabalho. Além disso, eles se limitam a assegurar o ingresso dos

indivíduos no mercado de trabalho, independentemente de idade, gênero e qualificação, por

exemplo. De fato, reduzida atenção é atribuída não apenas à quantidade, mas também à qualidade

das oportunidades disponíveis para os entrantes (Palier e Martin, 2008).

Não surpreende, portanto, que o resultado dessa política seja questionável. Enquanto a

proteção dos trabalhadores homens, adultos e de elevada qualificação e/ou experiência é mantida,

aqueles que não se enquadram nesse grupo enfrentam uma situação bastante diferente no modelo

continental. Isso produz, portanto, uma nova segmentação da sociedade, caracterizada pela divi-

são entre aqueles que estão empregados e aqueles que não estão ou que estão em trabalhos precá-

rios, que incluem os temporários, em tempo parcial etc., caracterizados por baixos salários e re-

duzida estabilidade. Dentre eles, incluem-se, principalmente, os jovens, os idosos e as mulheres

de menor qualificação e/ou de reduzida experiência. São eles, portanto, que passam a compor os

grupos mais vulneráveis da sociedade nesses países.

Tradicionalmente, no modelo continental os grupos sociais mais vulneráveis recorriam às

formas tradicionais de provisão, a começar pela família. Na realidade, a ênfase nesses mecanis-

mos obstaculizou consideravelmente o desenvolvimento dos mecanismos de assistência pública

nesses países. Entretanto, a incapacidade dessas formas tradicionais de lidar com a demanda cres-

cente por assistência exigiu que o Estado assumisse um papel mais contundente nesse processo.

De fato, os grupos mais vulneráveis passaram a recorrer, cada vez mais frequentemente, aos me-

canismos de assistência pública, dependentes de teste de meios e financiados por meio de impos-

tos. Esses mecanismos passaram a assumir um papel bastante relevante nesses países, atuando

principalmente sobre a parcela da sociedade que se encontra às margens da proteção oferecida

pelo sistema de seguro social, vale dizer, aqueles que se encontram sem trabalho ou em trabalhos

precários (Palier, 2010).

Assim sendo, a existência de uma sofisticada rede de proteção nacional não é a regra no

modelo continental. Em geral, predominam os mecanismos de assistência pública destinados a

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grupos sociais específicos. Eles se baseiam fundamentalmente em benefícios em dinheiro desti-

nados a assegurar um rendimento mínimo aos indivíduos e, ao contrário do que ocorre no caso

dos benefícios no âmbito do seguro social, os benefícios no âmbito da assistência pública são

modestos. Eles são oferecidos no âmbito regional ou local, e não no âmbito nacional, ainda que

frequentemente sujeitos às diretrizes estabelecidas no âmbito nacional. Por sua vez, os benefícios

em espécie continuam sendo oferecidos fundamentalmente pelas formas tradicionais de provisão,

sobretudo as famílias, mas também as instituições filantrópicas (Eardley et al., 1996).

Interessante notar que mais recentemente, houve um aumento da importância dos meca-

nismos de assistência pública destinados aos indivíduos que não são capazes de continuar hon-

rando os seus compromissos junto ao sistema de seguro social. Por meio desse mecanismo, o

Estado assume a responsabilidade pela manutenção do pagamento das contribuições aos fundos

do sistema e, portanto, do acesso aos benefícios financiados por meio delas, diante impossibilida-

de do segurado em fazê-lo por um determinado período. Algumas vezes, busca-se manter a pro-

teção do indivíduo contra todos os riscos contemplados pelo sistema, outras vezes, procura-se

preservar a proteção contra os riscos sociais mais importantes. Na prática, esse mecanismo evita

o aumento da quantidade de indivíduos que compõem os grupos sociais mais vulneráveis e que,

portanto, precisam, ou possuem grande probabilidade de precisar, recorrer aos demais mecanis-

mos de assistência pública ou privada.

Assim, a sua funcionalidade à conservação das diferenças de status entre os indivíduos

dentro da sociedade, assegurou ao modelo continental de Estado de Bem-Estar Social um forte

caráter conservador-corporativo. Ao Estado, nesse modelo, coube zelar pelo bem-estar do ho-

mem-provedor, ao passo que, à família, coube zelar pelo bem-estar dos demais membros da soci-

edade. Mais recentemente, o aumento das pressões que essa estratégia produziu sobre as receitas

e as despesas desses arranjos impôs a necessidade de reformas que acabaram por lançar jovens,

idosos e mulheres de baixa qualificação e/ou reduzida experiência no mercado de trabalho sem a

proteção tradicionalmente assegurada a homens adultos de elevada qualificação e/ou experiência.

O resultado dessas reformas foi um aumento sensível dos segmentos da sociedade em situação de

vulnerabilidade, os quais passaram a depender dos mecanismos de assistência privada, mas tam-

bém dos mecanismos de assistência pública, estes até então pouco desenvolvidos. Se o “Homo

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familius” é a personificação desse modelo de Estado de Bem-Estar Social, tem-se, nos termos de

Esping-Andersen (1999, p.171):

Homo familius inhabits an altogether different planet. He abhors atomism and imperson-

ality and hence, markets and individualism. His worst enemy is the Hobbesian world of

elbows, because self-interest is amoral; a person will find his equilibrium when he puts

himself at the service of his family. Freedom, to homo familius, means that he and his

kin are immunized from the ceaseless threats that the greater world around him produce.

He is not a go-getter with an irresistible urge to challenge the world around him. He is a

satisficer, not maximizer, because what really counts is stability and security; a job for

life in a postal service is heaven on earth; it will guarantee him and his kin a good life,

security and, incidentally, also the means to land a postal job for his daughters and sons.

Both homo familius and femina familia, see patriarchy a good thing. The family would

be unruly without authority and, in any case, respect and status is due to the father, on

whose shoulders so much responsibility weights. To them, the family is the unrivalled

source of solidarity and community because it alone knows what its members need. As

the family is fragile since so many individuals must depend on the pater familias. Homo

families is therefore quite happy with the idea that the state – or some higher body –

eliminates whatever risk of misfortune may arise. Yet, higher bodies are there to service

the family, not to command his loyalties. Homo familius wants a welfare regime that

tames the market and exalts the virtues of close-knit solidarities.

4.2.3 O modelo Escandinavo ou Socialdemocrata

O perfil dos sistemas de proteção social dos países escandinavos baseia-se no entendimen-

to de que os indivíduos, agindo de acordo com seus interesses, não são levados a assegurar, ne-

cessariamente, o melhor resultado para a sociedade. Entende-se que o mercado é incapaz de asse-

gurar a todos a possibilidade de contribuir e partilhar da riqueza social. Nesse caso, alguns serão

mais capazes do que outros de atender as suas necessidades fundamentais. Por essa razão, o Esta-

do deve assumir um papel central no que se refere à provisão do bem-estar social, restando, en-

tão, uma importância apenas residual para as demais formas de provisão, notadamente, o merca-

do e a família.

Desde logo, deve-se observar que os países escandinavos são pequenos, possuindo uma

população reduzida e pouco heterogênea, e que eles experimentaram processos de industrializa-

ção e urbanização consideravelmente recentes, relativamente aos demais países da Europa Seten-

trional. Esses países eram tradicionalmente produtores e exportadores de produtos primários,

sendo compostos fundamentalmente por pequenas fazendas e comunidades pesqueiras. Tudo isso

torna a experiência desses países muito particular, o que sugere que dificilmente ela possa ser

reproduzida em outras condições (Alestalo e Kuhnle, 1987).

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Os sistemas de proteção social dos países escandinavos foram construídos, em grande

medida, durante a hegemonia dos partidos socialdemocratas. Originalmente, esses partidos pro-

punham a transição do capitalismo para o socialismo. Esse processo ocorreria lentamente, em

etapas, e com a mesma “naturalidade” com que as caravelas cruzavam os meridianos em direção

ao novo mundo. De fato, não era necessário traçar uma linha sobre o oceano para concluir que

elas haviam feito isso. Gradualmente, entretanto, os partidos socialdemocratas abandonaram essa

visão. Esses partidos passaram a propor a reforma, ao invés da superação da ordem vigente. En-

tenderam que seria possível eliminar os seus vícios sem que para isso fosse necessário renunciar

também às suas virtudes. Na concepção dos partidos socialdemocratas, isso seria possível apenas

por meio do aumento da cooperação entre os diferentes grupos que compõem a sociedade em um

determinado momento. Caberia ao Estado, então, forjar essa cooperação (Myrdal, 1962; Esping-

Andersen, 1985, 1987a; Przworski, 1988)89

.

Nesse contexto, mais do que em qualquer outro modelo de Estado de Bem-Estar Social, a

ação do Estado não se limita a lidar com as consequências do modo de funcionamento “natural”

da vida social. Ela busca alterar esse modo de funcionamento a fim de orientar as suas forças para

fins econômico e socialmente relevantes. Em outras palavras, a ação do Estado não se limita a

assegurar a maior proteção do maior conjunto de indivíduos contra o maior conjunto de riscos

possíveis. Ela busca também evitar aqueles riscos que podem ser evitados. Por essa razão, ação

do Estado não é apenas paliativa, mas também “preventiva”.

No modelo escandinavo de Estado de Bem-Estar Social, prevalece a lógica da “segurida-

de”, ao invés da lógica do seguro, privado ou social, segundo a qual só têm acesso a um nível

elevado de proteção aqueles que podem pagar por ela. Isso quer dizer que o acesso a um amplo

conjunto de benefícios básicos, em dinheiro ou em espécie, que assegure aos indivíduos condi-

ções de vida consideradas adequadas de acordo com os padrões que prevalecem na sociedade, é

um direito dissociado de pagamento, porque decorre de sua condição de membros plenos dessa

sociedade. Nesse caso, o atendimento das necessidades fundamentais de cada um deixa de ser

89

Durante o período posterior à Segunda Guerra Mundial, os partidos socialdemocratas europeus, em suas diferentes

variantes nacionais, eram considerados os portadores de uma verdadeira alternativa ao capitalismo laissez-faire, de

um lado, e ao socialismo, do outro. Mais recentemente, entretanto, esses partidos sofreram importantes transforma-

ções, sobretudo nos países continentais e nos países anglo-saxões. Tal como sugere a noção de “Terceira Via” (The

Third Way) britânica ou, ainda, a noção de “Novo Centro” (Die Neue Mitte) alemã, esses partidos tornaram-se porta-

dores de uma alternativa ao capitalismo laissez-faire, de um lado, e ao Estado de Bem-Estar Social, do outro.

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entendido apenas como uma responsabilidade do indivíduo ou de um grupo de indivíduos que

partilham de uma mesma característica, passando a ser entendida como uma responsabilidade de

toda sociedade. Esse modelo envolve, portanto, um elevado grau de socialização dos riscos, o

que, por sua vez, pressupõe um alto nível de solidariedade entre os diferentes grupos sociais (Es-

ping-Andersen, 1987b; 1992).

A lógica da seguridade se reflete no âmbito da previdência (sistemas de aposentadorias e

pensões). Em geral, os benefícios básicos são fixos e financiados por meio de impostos. Esse

sistema é complementado por outro baseado na lógica do seguro social. Nesse caso, os benefícios

básicos são complementados por benefícios proporcionais aos rendimentos prévios, sendo finan-

ciados por meio de contribuições a um fundo criado especialmente para isso. O sistema de previ-

dência complementar contempla aqueles que não possuem e que possuem vínculo empregatício.

No primeiro caso, as contribuições são pagas integralmente pelo trabalhador. Já no segundo caso,

as contribuições são divididas entre empregados e empregadores. Essa divisão, por sua vez, é

assimétrica, sendo que a maior parcela cabe aos empregadores e a menor parcela cabe aos em-

pregados.

É bem verdade que a inclusão de um sistema de previdência complementar baseado na ló-

gica do seguro social introduziu um fator de diferenciação entre os indivíduos que não estava

presente no sistema de previdência baseado na lógica da seguridade. Uma vez que os benefícios

complementares são proporcionais aos rendimentos prévios, aqueles que recebem mais terão be-

nefícios maiores, ao passo que aqueles que recebem menos terão benefícios menores. Entretanto,

o efeito desse sistema sobre a diferenciação entre os indivíduos é menor do que se poderia espe-

rar. Isso porque, sendo ele suficiente para assegurar a manutenção do padrão de vida conquistado,

os indivíduos não possuem incentivos para recorrer ao mercado, o que introduz um fator de dife-

renciação ainda mais importante entre eles (Korpi e Palme, 1998)90

.

90

Há, portanto, aqui, um paradoxo. Muitas vezes, mecanismos que aparentemente aumentam a desigualdade acabam

por contribuir para a sua redução. Korpi e Palme (1998) denominaram esse fenômeno de “paradoxo da redistribui-

ção”. Em suas palavras (p.683): “The more we target benefits at the poor only and the more concerned we are with

creating equality via equal public transfers to all, the less likely we are to reduce poverty and inequality”. E con-

cluem: “To paraphrase an old saying, if we attempt o fight the war on poverty through target efficient benefits con-

centrated on the poor, we may win some battles, but we will probably lose the war. Universalism is not enough,

however. To be effective, universalism must be combined with a strategy of equality that comes closer to the preach-

ing of Matthew than to the practices in Sherwood Forest.”.

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Tradicionalmente, o Estado não se restringe a tornar compulsória a participação dos indi-

víduos. Ele assume um papel mais relevante na gestão desse sistema, cabendo aos representantes

dos contribuintes, ou seja, os parceiros sociais, um papel coadjuvante nesse processo. Isso asse-

gura ao Estado uma maior capacidade de utilizar o sistema como instrumento de transformação

estrutural e, consequentemente, de desenvolvimento econômico e social. Isso porque ele pode

direcionar os recursos não utilizados para o financiamento de investimentos em determinados

setores ou regiões, sobretudo por meio do crédito oferecido por instituições públicas em condi-

ções bastante vantajosas, em termos de custos e prazos. Dessa forma, ele pode funcionar como

uma fonte de capital para áreas consideradas de interesse estratégico pela sociedade (Estevez-

Abe, 2001; Kangas e Palme, 2005).

O caso da Suécia é particularmente notável. O sistema geral de previdência complementar

sueco (allmän tilläggspension ou ATP) foi criado em 1959, após longas e difíceis negociações.

Aprovado com apenas um voto de diferença no parlamento, ele é considerado uma das maiores

conquistas do partido socialdemocrata até hoje. Os recursos não utilizados desse sistema eram

transferidos para fundos de reserva, os chamados Fundos Nacionais de Pensão (ou allmänna pen-

sionfonderna ou AP Fonderna), e depois direcionados para o financiamento do desenvolvimento

da infraestrutura durante o período de acelerada industrialização e urbanização do país (Tilton,

1990).

A lógica da seguridade se reflete ainda no âmbito da saúde. Todos os indivíduos possuem

acesso aos mesmos serviços, os quais são financiados fundamentalmente por meio de impostos.

A maior parte dos serviços oferecidos não envolve nenhum pagamento por parte do usuário.

Aqueles serviços em que isso não ocorre pressupõem tarifas simbólicas, normalmente determina-

das de acordo com a capacidade de pagamento do usuário. Em geral, os serviços de saúde públi-

cos são de elevada qualidade. Isso reduz a atratividade dos serviços de saúde privados (Freeman e

Rothgang, 2010; Blank e Burau, 2007; OECD, 1985; Moran, 2000).

Normalmente, há uma clara divisão de responsabilidades entre os âmbitos nacional, regi-

onal e local no que se refere à administração e à provisão dos serviços de saúde. Esses serviços

são oferecidos em dois níveis. No primeiro nível, encontram-se os profissionais menos especiali-

zados, atuando fora dos hospitais, em serviços menos sofisticados. No segundo nível, estão os

profissionais mais especializados, atuando dentro dos hospitais, em serviços mais sofisticados.

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Em geral, os serviços de saúde são prestados pelo setor público. Entretanto, nada impede que

esses serviços sejam prestados pelo setor privado a serviço do Estado. Nesse caso, o Estado esta-

belece contratos com o setor privado especificando as características dos serviços a serem ofere-

cidos.

O modelo escandinavo de Estado de Bem-Estar Social diferencia-se também em relação

aos demais modelos no que se refere à sua concepção sobre o papel da educação. Ao contrário do

modelo anglo-saxão, ela não é entendida como uma alternativa legítima às demais ações do Esta-

do, tendo-se em vista o bem-estar social. Ao contrário do modelo continental, as demais ações do

Estado tendo-se em vista o bem-estar social não são entendidas como substitutas genuínas da

educação. De fato, a educação é entendida nesse modelo como uma dentre as políticas públicas

destinadas a assegurar a todos a proteção contra os riscos que a que eles estão sujeitos ao longo

da vida. Seu papel é insubstituível, assim como o é o das demais ações do Estado destinadas a

assegurar a todos a possibilidade de viver uma vida civilizada. Essas políticas devem ser entendi-

das como sendo complementares e, assim, indissociáveis entre si.

Nesse contexto, o sistema educacional é concebido de forma a reduzir as diferenças exis-

tentes entre os diferentes grupos sociais. A ênfase na educação básica pública, universal e gratuita

é semelhante aos dos demais modelos aqui considerados de Estado de Bem-Estar Social. Entre-

tanto, a quantidade de recursos destinados pelos países escandinavos à educação básica não pos-

sui equivalente em nenhuma outra região da Europa Ocidental. Além disso, a importância do

setor público é muito superior à do setor privado. Tal como ocorre no caso dos serviços de saúde,

a elevada qualidade das escolas públicas reduz a atratividade das escolas privadas para aqueles

que poderiam arcar com os seus custos (Hega e Hokenmaier, 2002; Busemeyer e Nikolai, 2010;

West e Nikolai, 2013; Telhaug et al, 2006).

Assim como ocorre no modelo continental, o ensino secundário oferece aos indivíduos di-

ferentes alternativas, entre elas, o ensino técnico, o qual também possui ali uma importância con-

siderável. Diferentemente do que ocorre naquele modelo, entretanto, a escolha de uma dentre

essas alternativas não determinará para sempre a posição do indivíduo na sociedade. Dessa for-

ma, embora preserve algum grau de fragmentação, o ensino secundário não se torna uma fonte de

segmentação.

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Prova disso é que, ao final do ensino secundário, muitos optam por ingressar no ensino

terciário. E, nesse caso, eles se beneficiam de condições vantajosas. De fato, há uma política de-

liberada de estímulo à continuidade dos estudos. A maior parte das instituições de ensino são

públicas e gratuitas. Além disso, há um sofisticado sistema de auxílio financeiro aos estudantes.

A possibilidade de bolsas ou empréstimos em um contexto em que não existem mensalidades

assegura aos indivíduos considerável independência durante o período de estudos em relação à

família ou a outras formas de provisão. Embora os dois mecanismos estejam presentes, como no

modelo liberal, o modelo escandinavo diferencia-se pelo fato de que a importância dos emprésti-

mos relativamente às bolsas de estudos é menor. Além disso, em ambos os casos, as exigências

para acesso são mais flexíveis e as condições do auxílio são mais favoráveis (Pechar e Andres,

2011; Willemse e Beer, 2012).

Sem dúvida, uma das principais características do modelo escandinavo de Estado de Bem-

Estar Social se refere à ênfase atribuída por ele aos benefícios destinados à família. Esses benefí-

cios rompem com o modelo tradicional de divisão de tarefas entre homens e mulheres no âmbito

da família. Aos homens e mulheres é assegurada a possibilidade de participar do mercado de tra-

balho e compartilhar as tarefas domésticas. Para cuidar da família, nenhum deles precisa abdicar

do trabalho, ao passo que, para trabalhar, nenhum deles precisa renunciar ao cuidado da família.

Esses benefícios foram defendidos de forma pioneira por Gunnar Myrdal e sua esposa, Alva

Myrdal, desde meados da década de 1930. Eles não pressupõem o enfraquecimento dos laços

familiares, mas apenas que a responsabilidade pelo atendimento das necessidades de seus mem-

bros deve ser repartida não apenas entre eles, mas por toda a sociedade (Ferrarini e Forssén,

2005; Sainsbury, 1996, 2000).

Dentre os benefícios destinados às famílias no modelo escandinavo, destacam-se os servi-

ços de cuidado profissional. E, aqui, especial atenção é atribuída ao cuidado das crianças. Em

geral, esses serviços são públicos e universais, além de gratuitos ou fortemente subsidiados pelo

Estado. Embora o ensino pré-escolar exista em outros modelos de Estado de Bem-Estar Social,

ele nem sempre é público, nem sempre é universal e/ou nem sempre é gratuito ou fortemente sub-

sidiado. Além disso, eles são oferecidos apenas em tempo parcial e/ou em apenas alguns dos dias

da semana. No modelo escandinavo, as instituições de ensino pré-escolar não são apenas o espa-

ço onde as crianças podem ficar enquanto os pais trabalham. Elas são um local privilegiado de

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desenvolvimento individual e social. O objetivo, com isso, é oferecer às crianças a melhor prepa-

ração possível para a vida escolar91

(Anttonen, 2005; Anttonen e Sipilä, 2005).

Os serviços de cuidado profissional de crianças em idade pré-escolar têm como principal

objetivo assegurar que todas as crianças cheguem à escola nas mesmas condições e que, dessa

forma, tenham, efetivamente, as mesmas oportunidades de desenvolvimento, independentemente

da sua origem. Isso significa que esses serviços possuem, como principal objetivo assegurar que

o futuro de um cidadão não seja determinado, em última instância, pelas facilidades ou dificulda-

des decorrentes das condições de vida de sua família, ou, o que é equivalente, pela sua “herança

social”. Na prática, os recursos destinados ao cuidado profissional de crianças são considerados

por esse modelo como um investimento no futuro tão importante quanto os recursos dispensados

aos ensinos básico e superior, em função da sua contribuição para a formação de indivíduos pro-

dutivos e suficientemente preparados para lidar com as exigências dos novos tempos92

.

Mas os serviços de cuidado profissional não se restringem apenas às crianças. Eles tam-

bém beneficiam os idosos. Como no caso das crianças em idade pré-escolar, esses serviços são

públicos e universais, além de gratuitos ou fortemente subsidiados. O objetivo é assegurar aos

idosos a possibilidade de viver de forma independente, garantindo-lhes uma vida ativa. Em geral,

eles são oferecidos de modo que eles possam permanecer em casa pelo maior tempo possível, o

que permite à proximidade junto à família e ao resto da sociedade. O cuidado em casas de repou-

so é oferecido como último recurso, sobretudo quando há a exigência de cuidados sofisticados

(Esping-Andersen e Palier, 2009).

Dentre os demais benefícios destinados às famílias, destacam-se as prestações familiares.

Elas são universais e financiadas por meio de impostos. Em geral, os benefícios são oferecidos

para cada filho e são bastante elevadas. Frequentemente, também é oferecido um complemento

91

Sabe-se que as capacidades dos indivíduos, ou, mais especificamente, as suas competências cognitivas e não-

cognitivas, que, em última instância, determinam a forma como eles se relacionarão com a sociedade, são moldadas

durante os primeiros anos de vida e, consequentemente, na idade pré-escolar. Nesse caso – e ao contrário do que, em

geral, se supõe –, as crianças frequentemente estão desigualmente preparadas para a vida escolar em função do que

acontece nesse período, sobretudo no âmbito familiar. As escolas, por sua vez, estão pouco preparadas para lidar e

compensar essa desigualdade, que acaba sendo, então, perpetuada (Esping-Andersen, 2005; Esping-Andersen e Pali-

er, 2009).

92 A noção de uma estratégia orientada para o futuro baseada no investimento das crianças e no desenvolvimento de

suas capacidades cognitivas e não-cognitivas é também conhecido como modelo LEGO, em referência ao jogo de

blocos inventado na Dinamarca na década de 1930 (Jenson, 2002).

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para famílias com dois ou mais filhos e/ou com crianças com necessidades especiais, sejam elas

temporárias ou permanentes. Em geral, os pagamentos são feitos até o fim do ensino básico. En-

tretanto, é, por vezes, possível estendê-los até a conclusão do ensino superior. Ademais, ao con-

trário do que ocorre em outros modelos, os pagamentos são tradicionalmente oferecidos às mães,

e não aos pais. Algumas vezes, eles também podem ser igualmente divididos entre ambos.

Além disso, o modelo escandinavo possui condições altamente diferenciadas em termos

de licenças parentais, tanto no que se refere à sua duração como à manutenção dos rendimentos

usuais. Em geral, o período é amplo e a redução dos rendimentos é modesta. Elas beneficiam não

apenas as mães, mas também os pais. Cada um deles possui um período de licença que é intrans-

ferível, ou seja, ou é utilizado ou é perdido (take it or leave it). Além disso, aos pais é concedido

um período adicional que pode ser dividido entre eles da forma como eles julgarem ser mais con-

veniente. A ênfase atribuída pelo modelo escandinavo às licenças parentais fundamenta-se no

entendimento de que a proximidade dos pais, em especial durante o primeiro ano de vida, é de-

terminante para o desenvolvimento das capacidades dos filhos. Além disso, em alguns casos,

após o fim do período regular de licenças parentais, que inclui o tempo de cada pai e o tempo

comum que pode ser dividido entre eles, os pais podem ainda solicitar a redução da jornada de

trabalho para que eles possam acompanhar de perto o desenvolvimento individual e social dos

filhos até o início da vida escolar.

Por fim, ao contrário do que ocorre no modelo continental, o sistema tributário não pena-

liza as famílias em que as mulheres participam do mercado de trabalho. Os impostos sobre os

rendimentos são individualizados, mesmo quando essas mulheres são casadas. Além disso, as

deduções tributárias destinadas a compensar as obrigações familiares não variam em função da

ocupação dos indivíduos e beneficiam tanto os homens como as mulheres.

Tudo isso reflete, portanto, uma concepção diferente a respeito do papel das mulheres na

sociedade. Prevalece o entendimento de que é necessário assegurar a elas o acesso a um rendi-

mento, bem como a um conjunto de bens e serviços essenciais, nas mesmas condições que os

homens. Em geral, isso assegurou a elas e às suas famílias maior segurança. Primeiro, porque as

famílias passaram a contar com dois provedores. Isso aumentou o rendimento do lar e reduziu a

vulnerabilidade de seus membros caso um deles fosse obrigado a deixar o mercado de trabalho de

forma temporária ou permanente. E, segundo, porque reduziu a vulnerabilidade das famílias mo-

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noparentais, sobretudo aquelas compostas por mães solteiras ou divorciadas (Orloff, 1993, 1996;

Lewis, 1997).

Ademais, o perfil dos benefícios destinados à família no modelo escandinavo exerce um

impacto importante sobre a estrutura demográfica da sociedade, sobretudo por meio do aumento

da taxa de fecundidade, isto é, do número médio de filhos por mulher. Isso porque eles reduzem

consideravelmente os custos que inevitavelmente estão associados à formação de uma família. De

fato, uma taxa de fecundidade reduzida não significa, necessariamente, que os indivíduos não

desejam ter filhos, mas que, muitas vezes, essa não é, efetivamente, uma possibilidade, em fun-

ção das dificuldades de se assegurar a cada um deles as condições necessárias para o seu pleno

desenvolvimento.

No que se refere ao mercado de trabalho no modelo escandinavo, ele é, em geral, menos

regulamentado que no modelo continental e mais regulamentado que no modelo anglo-saxão.

Normalmente, os termos dos contratos de trabalho resultam do processo de negociação entre re-

presentantes dos empregados e representantes dos empregadores, o qual também é intermediado

pelo Estado. Esse processo é frequentemente levado a cabo por todas as ocupações em nível na-

cional. Isso contribui para que, ao contrário do que ocorre nos demais países da Europa Ociden-

tal, não exista nos países escandinavos uma segmentação pronunciada do mercado de trabalho, ou

seja, uma divisão entre aqueles segmentos muito protegidos, com elevados salários e muitos be-

nefícios, e aqueles com baixos salários e poucos benefícios.

A principal característica do modelo escandinavo, entretanto, é a ênfase atribuída por ele

não apenas à redução do nível de desemprego, mas também e, principalmente, ao aumento do

nível de emprego, sobretudo por meio de políticas de estímulo do lado da demanda e do lado da

oferta de trabalho. De fato, mais do que em qualquer outro modelo aqui considerado de Estado de

Bem-Estar Social, há nele o compromisso explícito com o alcance e com a manutenção do pleno-

emprego. Busca-se assegurar, assim, o emprego de todos aqueles capazes e dispostos a trabalhar,

independentemente de distinções de qualquer natureza, ou seja, se jovens, adultos ou idosos, se

homens ou mulheres, se mais ou menos qualificados e se mais ou menos experientes. Assim, o

trabalho e, mais que isso, o trabalho em condições adequadas, é considerado um dentre os direi-

tos dos indivíduos e deveres do Estado (Stephens, 1996).

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Mais recentemente, verifica-se nesses países uma tentativa de conciliar flexibilidade e se-

guridade, o que daria origem ao modelo de “flexiguridade”93

. Embora tenha sido levado a cabo

na Dinamarca, ele despertou a atenção de seus vizinhos94

. No modelo escandinavo, esse modelo

se baseia em dois movimentos coordenados. Primeiro, na redução da regulamentação do mercado

de trabalho, sobretudo no que se refere às normas de admissão e demissão. E, segundo, na sofisti-

cação de todos os âmbitos do sistema de proteção social, incluindo as políticas de estímulo ao

emprego, do lado da demanda e do lado da oferta de trabalho. Dessa forma, a insegurança que

advém do primeiro movimento seria mais do que compensada pela segurança proporcionada pelo

segundo movimento. Esse modelo reflete o entendimento de que a prioridade da ação do Estado

no que se refere ao mercado de trabalho deve ser a garantia de um bom emprego, mesmo que não

necessariamente do mesmo emprego, ao longo da vida para todos aqueles capazes e dispostos a

trabalhar. Nesse caso, portanto, a noção de employment security prevalece sobre a noção de job

securiy (Madsen, 2004, 2007; Vielbrock e Clase, 2009; Wilthagen e Tros, 2006).

A ênfase atribuída às chamadas “políticas ativas de mercado de trabalho” é outra caracte-

rística distintiva desse modelo. Essas políticas têm como objetivo principal promover o ingresso

dos indivíduos no mercado de trabalho, ou, uma vez nele, a sua mobilidade entre diferentes regi-

ões, setores, empresas e cargos. Nesse caso, as políticas ativas de mercado de trabalho normal-

mente incluem: primeiro, os serviços de intermediação entre demandantes e ofertantes de empre-

go, os quais são realizados por meio de agências públicas, as quais reúnem cadastros dos deman-

dantes e ofertantes de trabalho; segundo, a concessão de subsídios aos demandantes de trabalho,

os quais incluem desde incentivos fiscais até o pagamento de parte dos salários pelo Estado; ter-

ceiro, os serviços de qualificação e requalificação de curto ou longo-prazos; e quarto, os incenti-

93

Nos termos de Wilthagen e Tros (2006, p.169) a flexiguridade é uma estratégia de ação: “A policy strategy that

attempts, synchronically and in a deliberate way, to enhance the flexibility of labour markets, work organization and

labour relations on the one hand, and to enhance security – employment security and social security – notably for

weaker groups in and outside the labour market, on the other hand.”.

94 Embora tenha se difundido a partir da experiência dinamarquesa, o termo surgiu originalmente na Holanda, a qual

conciliava um sistema de proteção social sofisticado, típico do modelo escandinavo, com um mercado de trabalho

fortemente regulado, típico do modelo continental. Naquele país, o modelo de flexiguridade também se baseia no

aumento da flexibilidade e da seguridade. Entretanto, a forma de se fazer isso foi menos virtuosa do que aquele veri-

ficado no caso da Dinamarca. De fato, no caso da Holanda, a desregulamentação do mercado de trabalho não se

limita às regras de demissão e contratação, mas também às normas de determinação de salários e, principalmente, ao

surgimento de empregos atípicos, sobretudo os empregos temporários, em tempo-parcial etc. Por sua vez, a sofistica-

ção do sistema de proteção social se limita principalmente à extensão dos mecanismos de proteção antes restritos aos

trabalhadores típicos para os trabalhadores atípicos. Uma ênfase menor é atribuída à sofisticação de todos os seus

âmbitos, incluindo as medidas de estímulo ao nível de emprego, pelo lado da oferta e da demanda por trabalho.

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vos para o desenvolvimento de pequenas e médias empresas, bem como para o trabalho autôno-

mo (Esping-Andersen e Korpi, 1987; Kvist, 2000; Kensworthy, 2010).

As políticas ativas de mercado de trabalho foram enfatizadas pelo célebre modelo Rehn-

Meidner. Elaborado na Suécia no pós-guerra, esse modelo fundamentou-se em uma política de

salários “solidária”, por meio da qual promoveu-se maior coordenação na fixação de salários.

Determinou-se que os salários deveriam crescer tendo como referência o crescimento da produti-

vidade das indústrias mais competitivas do país. Nesse contexto, admitia-se que setores e empre-

sas menos produtivas teriam dificuldades para pagar salários mais elevados e que isso acabaria

por minar a sua própria viabilidade. Isso era desejável porque, no limite, restariam apenas os se-

tores de maior produtividade. Nesse contexto, as políticas ativas de mercado de trabalho seriam

fundamentais para facilitar a transição dos indivíduos dos setores menos produtivos, que perdiam

importância e, no limite, desapareciam, para os setores mais produtivos, que ganhavam relevân-

cia (Tilton, 1990; Anderssen, 2006; Erixon, 2008)95

.

Além disso, o Estado tornou-se, ele próprio, um grande empregador, seja de forma tempo-

rária seja de forma permanente. No primeiro caso, ressaltam-se os programas de obras públicas,

e, no segundo, o desenvolvimento da institucionalidade do sistema de proteção social. O setor

público pode oferecer contratos de trabalho como qualquer outro empregador. Entretanto, as rela-

ções de trabalho não seguem a mesma lógica do setor privado. Por essa razão, normalmente esses

empregos possuem maior estabilidade e remuneração mais elevada relativamente àquele encon-

trado no mercado para uma ocupação semelhante. Além disso, eles asseguram maior flexibilida-

de, sobretudo no que se refere à forma como os empregados decidem alocar o seu tempo entre

diversas atividades (Leibfried, 1992).

O emprego no setor público tornou-se atrativo principalmente para as mulheres. De fato,

muitas delas ingressaram no setor de serviços públicos, sobretudo de serviços de saúde, de edu-

cação e de cuidado de crianças e idosos. Na prática, isso significa que elas passaram a ser remu-

neradas por tarefas tradicionalmente realizadas por elas no âmbito doméstico, o que, para muitos,

95

A pedido da confederação dos sindicatos suecos, Gösta Rehn e Rudolf Meidner buscaram uma forma não conven-

cional para lidar com o aumento do desemprego e o aumento da inflação no imediato pós-guerra. O incentivo ao

emprego por meio de políticas ativas se baseia no entendimento de que, naquele momento, não havia na Suécia um

problema de demanda por trabalho, mas de que a oferta se ajustasse às oportunidades disponíveis. A economia se

encontrava aquecida, mas os empregos criados não eram acessíveis às pessoas capazes e dispostas a trabalhar. Em

última instância, prevalecia o entendimento de que não se tratava de um problema de desemprego sistêmico.

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representa resquícios da iniquidade entre os gêneros nesse regime. De fato, não há dúvidas de que

o emprego no setor público possui vantagens importantes para as mulheres. As condições de tra-

balho oferecidas pelo Estado, notadamente no que se refere à remuneração, à estabilidade e à

flexibilidade asseguram às mulheres a possibilidade de conciliar o trabalho e a família com maior

facilidade.

Com efeito, o “produtivismo” que caracteriza o modelo escandinavo de Estado de Bem-

Estar Social não deve ser confundido com workfare típico do modelo anglo-saxão. De fato, não

se trata de assegurar benefícios suficientemente modestos para induzir os indivíduos a buscar no

mercado o primeiro emprego disponível. Trata-se, isso sim, de assegurar que empregos em con-

dições vantajosas estejam disponíveis a todos aqueles capazes e dispostos a trabalhar (Esping-

Andersen, 1999).

A importância atribuída à manutenção de um nível de emprego elevado e de uma força de

trabalho altamente produtiva é um fator fundamental para a manutenção da sustentabilidade fi-

nanceira dos Estados de Bem-Estar Social dos países escandinavos. Isso porque eles contribuem

para o aumento das receitas e para a redução das despesas associadas a esses arranjos. No primei-

ro caso, porque o crescimento da proporção de pessoas empregadas e de sua capacidade produti-

va assegura um crescimento das contribuições e dos impostos que financiam a maior parte dos

expressivos benefícios em dinheiro e em espécie que caracterizam esse modelo. No segundo ca-

so, porque menos indivíduos estarão em situação de risco e, portanto, dependentes dos benefícios

criados para o atendimento de suas necessidades fundamentais.

Mais do que em qualquer outro modelo de Estado de Bem-Estar Social, há no modelo es-

candinavo uma preocupação em promover a igualdade de status e, consequentemente, em assegu-

rar a igualdade de condições de vida entre os membros da sociedade. A expansão da participação

do Estado na vida social não se restringe à eliminação da pobreza e da miséria, contribuindo con-

sideravelmente para o fortalecimento da coesão social.

É importante ressaltar que essa visão socialdemocrata baseada na busca de uma sociedade

em que todos usufruem de semelhantes condições de vida não se restringe a assegurar a todos

eles um mínimo. Ela exige que os benefícios em dinheiro sejam elevados e que os benefícios em

espécie sejam de alta qualidade. Os benefícios devem satisfazer as expectativas até dos mais exi-

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gentes grupos sociais e, dessa forma, mostrar-se uma alternativa genuína às demais formas de

provisão de bem-estar. Caso contrário, aqueles que forem capazes, recorrerão ao mercado. Isso

criaria uma segmentação na sociedade típica do modelo anglo-saxão, na qual aqueles que podem

recorrem ao setor privado, e obtêm melhores benefícios, ao passo que aqueles que não podem

continuam recorrendo ao setor público, e obtêm benefícios mais modestos. Os primeiros alcan-

çam, assim, um padrão de vida, por vezes, bastante superior àquele obtido pelos segundos. E,

assim, o sistema que era originalmente destinado a eliminar as diferenças entre os mais e menos

afortunados pode se tornar um fracasso (Esping-Andersen e Korpi, 1987; Kautto, 2010).

Um esforço dessa natureza e magnitude exige, evidentemente, uma carga tributária muito

elevada. De fato, a maioria dos benefícios é financiada por meio de impostos e não por contribui-

ções sociais. O fato de atender as expectativas de todos os segmentos da sociedade permite o

crescimento dessa carga tributária sem grandes resistências. Dessa forma, os indivíduos partilham

da mesma percepção em relação à estratégia de aumento das contribuições sociais no modelo

continental: eles concordam em pagar mais se esperam receber mais por isso. Entretanto, há van-

tagens importantes do financiamento por impostos em relação ao financiamento por contribuições

sociais. Além do impacto redistributivo, em geral, muito superior, sobretudo no caso dos impos-

tos diretos e progressivos, esse mecanismo de financiamento representa um impacto menos ex-

pressivo sobre os custos do trabalho e, portanto, sobre a competitividade da economia96

.

Por tudo isso, é evidente que não há, no modelo escandinavo de Estado de Bem-Estar So-

cial, espaço para os mecanismos de assistência privada e para os mecanismos de assistência pú-

blica, baseada em teste de meios e financiada por meio de impostos. A ênfase atribuída ao pleno-

emprego, somada aos sofisticados mecanismos de acesso à renda, bem como a um conjunto de

bens e serviços essenciais, assegurou a esses mecanismos uma importância apenas marginal no

âmbito do sistema de proteção social desses países (Stephens, 1996).

Em geral, no que se refere aos mecanismos de assistência pública, prevalecem os sistemas

gerais, ao invés dos sistemas para grupos sociais específicos. Ainda que existam diretrizes nacio-

96 É importante observar que as contribuições são frequentemente cumulativas, o que significa que elas incidem

sobre as diferentes etapas do processo produtivo, ao invés de incidir apenas sobre o valor adicionado em cada etapa,

ou seja, sem que na etapa posterior possa ser abatido o montante pago na etapa anterior. Por sua vez, os impostos são

frequentemente não-cumulativos, o que significa que o montante pago em uma etapa do processo produtivo pode ser

abatido do montante devido na etapa seguinte desse processo. Dessa forma, as contribuições oneram mais os custos

de produção relativamente aos impostos sobre valor adicionado.

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nais, há considerável autonomia no âmbito regional e local para a administração desses sistemas.

Embora as condições para o acesso aos mecanismos de assistência pública sejam menos flexíveis

do que em qualquer outro modelo, os benefícios no modelo escandinavo são normalmente eleva-

dos e se baseiam na articulação entre benefícios em dinheiro e em espécie (Eardley et al., 1996).

Isso porque esses benefícios são concebidos não como um fim, mas como um meio para que os

indivíduos deixem a situação de vulnerabilidade em que se encontram e sejam reintegrados à

sociedade. Entretanto, ainda que demonstre maior preocupação que os demais modelos em tratar

esse tipo de benefício como um direito, nem mesmo o modelo escandinavo é capaz de eliminar a

vergonha e o estigma em geral associados a eles (Kuivalainen e Nelson, 2010; Korpi, 1975).

Assim, foi na Escandinávia que os Estados de Bem-Estar Social assumiram a sua forma

plena, mais sofisticada. Em que pesem as especificidades desses países, foi nessa região, mais do

que em qualquer outra da Europa Ocidental, que prevaleceu o entendimento de que todos devem

ter a sua dignidade protegida como um direito não passível de negociação no mercado. Muito tem

a ensinar, portanto, o “homo socialdemocratius” ao homo liberalismus e ao homo familius. Pois,

tal como sugere Esping-Andersen (1999, p.171):

Homo socialdemocratius is, like a boy scout or a good Christian, inclined to believe that

he will do better when everybody does better. Doing good to other is not an act of chari-

ty and can, indeed, be coolly calculative. Homo socialdemocratius plans his life around

one basic idea that he, and everybody else, will be better off in a world without want but

also without free-riders. Society is something that we all are compelled to share, and so

we had better share it well. Homo socialdemocratius is, none the less, also a believer in

individual, personal empowerment. Collectivism is not pursued from its own sake, but in

order to bring out the utmost in each and every individual soul. That is why collective

solutions are always the best. But the individualism is cautionary because no one should

be granted favours, advantages, special recognition. Homo socialdemocratius must con-

stantly live with a moral clash between individualism and conformity. He loves the idea

that we all be equally endowed; he hates the idea that someone may rise above others,

particularly above himself. Solidarity is therefore fragile if someone desires to move be-

yond the common denominator. Homo socialdemocratius is fully convinced that the

more we invest in the public good, the better it will become. And this will trickle down

to all, himself especially, in the form of a good life. Collective solutions are, therefore,

the single best assurance of good, if perhaps dull, individual life.

4.3.4 O modelo Mediterrâneo

Frequentemente, diz-se que os sistemas de proteção social dos países mediterrâneos seri-

am representantes do modelo continental. Na realidade, entretanto, não parece ser este o caso.

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Esses arranjos possuem características próprias que permitem que eles sejam considerados como

sendo mais do que uma variedade menos sofisticada dos sistemas de proteção social típicos dos

países continentais. A começar por sua origem. Com exceção da Itália, nenhum desses arranjos

assumiu a maturidade no pós-guerra. Espanha, Portugal e Grécia avançaram na construção de

seus sistemas de proteção social apenas após a década de 1980, com o fim dos regimes autoritá-

rios: o de Franco, na Espanha; o de Salazar e, depois, de Caetano, em Portugal; e o da junta mili-

tar liderada por Papadopoulos, na Grécia. Em todos esses casos, o retorno à democracia foi um

processo bastante difícil. A tentativa de preservá-la foi o que permitiu, em última instância, que a

expansão dos direitos civis e políticos nesses países fosse acompanhada pelo desenvolvimento

sem precedentes dos direitos sociais. Caminhando na contramão do mundo, esses países final-

mente buscavam “acertar as contas” com seu passado.

Além disso, deve-se observar que a construção desses arranjos ocorreu em um contexto de

considerável atraso econômico e social, relativamente às condições da maioria dos países da Eu-

ropa Ocidental. De fato, a agricultura e os serviços tradicionais moldaram o modo de vida nos

países mediterrâneos em função da importância dessas atividades relativamente à indústria e aos

serviços mais sofisticados. Expressão disso é a elevada parcela da população que residia no cam-

po. De fato, o processo de transformação das antigas estruturas dessas economias é bastante re-

cente, tendo se dado, sobretudo, por meio do Estado. Ali, talvez mais do que em qualquer outra

região europeia, o choque entre tradição e modernidade ocorreu de forma rápida e pronunciada,

produzindo um impacto bastante profundo em todos os âmbitos da vida social (Judt, 2008).

Em todos os países mediterrâneos, o Estado assumiu o compromisso formal de promover

o bem-estar social. Entretanto, regra geral, esse compromisso revelou-se mais uma declaração de

boas intenções, uma vez que resultaram em mecanismos de intervenção pouco sofisticados. De

fato, no que se refere à ação do Estado no âmbito da proteção social, verifica-se nesses países,

simultaneamente, a lógica do seguro social e a lógica da seguridade, que, como visto, caracteri-

zam o modelo continental e o modelo escandinavo de Estado de Bem-Estar Social, respectiva-

mente. Isso significa que, em alguns casos, prevalece a lógica de que só possui direito à proteção

social aqueles que podem pagar por ela, ao passo que, em outros, prevalece a lógica de que todos

possuem direito a ter as suas necessidades fundamentais atendidas, independentemente da capa-

cidade de pagamento. Assim, enquanto em algumas áreas há uma maior socialização dos riscos,

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em outras, esse processo é muito mais modesto. Cria-se, assim, um padrão dual de solidariedade

nesses países (Ferrera, 2005a; Moreno, 2006).

A lógica do seguro social é evidente no âmbito da previdência. Tal como no modelo con-

tinental, diferentes ocupações possuem diferentes sistemas de previdência financiados por meio

de contribuições compulsórias. Essas contribuições são partilhadas por empregados e empregado-

res, no caso daqueles com vínculo empregatício, ou apenas pelos trabalhadores, no caso daqueles

sem vínculo empregatício. Diferentemente do que ocorre no modelo continental, entretanto, ape-

nas um conjunto restrito de ocupações é contemplado. Dentro desse conjunto, por sua vez, exis-

tem sistemas muito diferentes entre si no que se refere à sua sofisticação. Para algumas ocupa-

ções, o sistema é muito sofisticado, com regras mais flexíveis e uma elevada taxa de recomposi-

ção dos rendimentos perdidos, o que assegura a manutenção de um padrão de vida elevado. Para

outras, o sistema é pouco sofisticado, com regras mais rígidas e reduzida taxa de recomposição

dos rendimentos perdidos, o que garante a manutenção de um padrão de vida modesto. Essa hete-

rogeneidade dos sistemas de previdência, marcada pela superproteção de alguns grupos e pela

subproteção de outros, ou, em outras palavras, esse “hipergigantismo seletivo”, é uma caracterís-

tica central desse modelo (Ferrera, 1996; Arts e Gelissen, 2002)97

.

Os sistemas de previdência nos países mediterrâneos também são caracterizados pela ên-

fase diversa atribuída aos diferentes riscos sociais. Em geral, maior importância é atribuída por

esses países à proteção contra a impossibilidade de se obter um rendimento de forma permanente,

ao invés de temporária. Por essa razão, as aposentadorias por idade e, em menor medida, também

por invalidez, possuem maior importância do que as pensões relacionadas às demais contingên-

cias, como acidente, doença ou desemprego, por exemplo, do que se verifica em outros modelos

(Rhodes, 1997).

A importância do Estado relativamente aos parceiros sociais na administração dos siste-

mas de previdência varia de acordo com o país. Em geral, nos países que passaram recentemente

por regimes autoritários, o grau de autonomia dos parceiros sociais em relação ao Estado é me-

nor, tendo aumentado apenas mais recentemente. Isso é natural, uma vez que eles foram mantidos

sob estrito controle das autoridades durante aquele período. Todas as propostas que previam um

sistema de financiamento tripartite, ou seja, baseado em contribuições dos empregados, dos em-

97

Esse nível de fragmentação é maior no caso de Itália e Grécia e menor no caso de Espanha e Portugal.

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pregadores e do Estado, não produziram resultados concretos, permanecendo em vigor nesses

países o sistema bipartite, isto é, baseado em contribuições dos empregados e empregadores. Na

prática, entretanto, o Estado frequentemente subsidia esses arranjos. Muitas vezes, o tamanho

desses subsídios varia de acordo com a importância do arranjo e não das necessidades da ocupa-

ção a que ele está associado. Dessa forma, ocupações menos tradicionais, ou de menor status,

recebem menores subsídios, ao passo que ocupações mais tradicionais, ou de maior status, rece-

bem maiores subsídios. Evidentemente, isso apenas reforça as diferenças existentes entre os vá-

rios sistemas no âmbito da previdência (Katrougalos e Lazaridou, 2003).

É bem verdade que, mais recentemente, esses países implementaram esforços no sentido

de reduzir a fragmentação dos sistemas de previdência. Sistemas foram unificados ao passo que

as pronunciadas diferenças entre as regras, as contribuições e os benefícios existentes entre eles

foram amenizadas. Além disso, os benefícios aos grupos historicamente privilegiados foram re-

duzidos, ao passo que os benefícios aos grupos tradicionalmente desprivilegiados foram aumen-

tados. Em que pese a importância dessas reformas, elas não foram suficientes para eliminar a

heterogeneidade que caracteriza os sistemas de previdência da maioria dos países da região.

Por sua vez, a lógica da seguridade social está presente no âmbito da saúde. Tal como no

modelo escandinavo, esses países constituíram serviços de saúde universais financiados funda-

mentalmente por meio de impostos. Os serviços são gratuitos ou fortemente subsidiados, de mo-

do que aos usuários cabe apenas uma contribuição simbólica em determinados procedimentos,

frequentemente relacionada à sua capacidade de pagamento. Em geral, os serviços de saúde são

prestados pelo setor público. Algumas vezes, eles são prestados também pelo setor privado a ser-

viço do Estado. E, nesse caso, inclusive, os contratos tendem a ser bastante vantajosos para o

setor privado. Até então, prevalecia ali o sistema baseado na lógica do seguro social. Tal como no

modelo continental, os serviços eram prestados pelo setor público e pelo setor privado e eram

total ou parcialmente financiados por meio de contribuições a uma variedade de sistemas basea-

dos na ocupação (Parlamento Europeu, 1998)98

.

98

Em alguns países, os sistemas baseados na ocupação não foram totalmente substituídos pelo novo sistema de saúde

universal. Alguns serviços continuaram sendo prestados no âmbito do sistema baseado na lógica do seguro social.

Em outros, as contribuições foram mantidas e continuaram a responder por uma parcela, ainda que reduzida, do

financiamento do novo sistema.

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A despeito dos esforços empreendidos nas últimas décadas, os serviços oferecidos ficaram

muitas vezes aquém daqueles pretendidos. Isso se deve, em grande medida, aos investimentos

insuficientes, sobretudo em equipamentos, medicamentos, infraestrutura e profissionais. A baixa

qualidade dos serviços de saúde oferecidos direta ou indiretamente pelo setor público induz aque-

les que podem recorrer aos serviços oferecidos pelo setor privado a fazê-lo. Assim, muitos adqui-

rem planos de saúde no mercado ou pagam diretamente pelos serviços utilizados em caso de ne-

cessidade. Nesse caso, ao contrário do que se poderia esperar, esses arranjos acabam por reforçar

as diferenças existentes no interior da sociedade, com uma parcela capaz de recorrer ao mercado

e, portanto, a serviços de saúde de alta qualidade, e outra dependente do Estado e, assim, de ser-

viços, por vezes, de menor qualidade relativa (Ferrera, 1996; Petmesidou e Guillen, 2008).

Já a educação não é capaz de funcionar como um instrumento de mobilidade social. Os

investimentos insuficientes impedem que ela se torne um mecanismo capaz de assegurar a cada

um o desenvolvimento de suas capacidades. Formalmente, esses países asseguram educação bási-

ca pública, universal e gratuita financiada por meio de impostos. Entretanto, a qualidade do ensi-

no público faz com que aqueles que podem arcar com os seus custos recorram ao ensino privado.

Nesse caso, prevalecem as instituições religiosas (Hega e Hokenmaier, 2002; Busemeyer e Niko-

lai, 2010; West e Nikolai, 2013).

Embora varie de acordo com o país, o grau de fragmentação do ensino secundário tende a

ser menor do que no caso dos modelos continental e escandinavo. Na realidade, o ensino técnico

cresceu em importância nesses países apenas recentemente. Em relação aos demais modelos, uma

proporção reduzida da sociedade conclui o ensino secundário e uma proporção ainda menor con-

clui o ensino terciário. Embora as mensalidades nas instituições privadas e, principalmente, nas

instituições públicas sejam reduzidas, o sistema de auxílio financeiro público aos estudantes é

pouco sofisticado. Como consequência dessas características, existe nos países mediterrâneos

uma escassez relativa de indivíduos de elevada qualificação e experiência, comparativamente aos

demais regimes analisados. Evidentemente, isso acaba por determinar as suas possibilidades futu-

ras e, mais especificamente, a sua posição na sociedade, em geral, e no mercado de trabalho, em

particular.

O mercado de trabalho no modelo mediterrâneo é caracterizado por problemas importan-

tes. Frequentemente, não existem mecanismos institucionalizados de estímulo ao nível de empre-

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go, por meio de medidas de incentivo à oferta e à demanda por trabalho. E a regulamentação das

condições de trabalho varia de acordo com a ocupação. Dessa forma, para os que estão trabalhan-

do, existem ocupações que contam com elevada proteção, de elevada estabilidade e salários ele-

vados, e outras que contam baixa proteção, de baixa estabilidade e salários reduzidos. Algumas

ocupações não contam com proteção alguma. De fato, uma parcela expressiva da sociedade traba-

lha na economia informal e, portanto, está ao largo de qualquer mecanismo de regulamentação

das condições de trabalho. Esse é o caso, principalmente, daqueles de menor qualificação e, em

especial, das mulheres, dos jovens e dos idosos (Ferrera, 1996; Moreno, 2001).

Para os que não estão trabalhando, esses países recorreram à estratégia de redução da ofer-

ta de trabalho, sobretudo por meio da flexibilização das regras das aposentadorias. Tal como no

caso do modelo continental, entretanto, essa estratégia aumentou consideravelmente as despesas

do sistema, sem implicar um aumento das receitas. Por essa razão, recorreu-se cada vez mais fre-

quentemente ao estímulo aos empregos atípicos, ou seja, aos empregos temporários e em tempo

parcial, por exemplo (Karamessini, 2007; 2008).

É evidente, portanto, que não há, no modelo mediterrâneo de Estado de Bem-Estar Social,

ações contundes capazes de viabilizar a transformação da estrutura social. A despeito de avanços,

ele tende a reforçar as diferenças entre os segmentos mais e menos afortunados da sociedade. O

corporativismo é também ali presente, de modo que o status de cada um é determinado de acordo

com a sua função na sociedade. Muitos dos mecanismos de proteção social reforçam tradicionais

privilégios, ao invés de eliminá-los. Aqueles que poderiam contrarrestar essa tendência, porque

concebidos e implementados com o objetivo de assegurar maior igualdade entre os indivíduos,

não são capazes de fazê-lo em função da escassez de recursos e, consequentemente, dos reduzi-

dos investimentos. Na verdade, eles acabam por agravar ainda mais as assimetrias que existem no

interior da sociedade, na medida em que enquanto alguns permanecem dependentes do Estado,

outros são capazes de buscar alternativas no mercado.

Além disso, deve-se observar que os países desses regimes apresentam diferenças regio-

nais muito pronunciadas do ponto de vista econômico e social. Isso é particularmente evidente

nos casos de Itália e Espanha, mas também pode ser verificado nos casos de Portugal e Grécia.

Tendo-se em vista essas diferenças, muitos desses países optaram por uma estratégia de descen-

tralização da administração do sistema de proteção social. Embora a descentralização seja um

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mecanismo para lidar com as necessidades específicas de cada região, deve-se recordar que essa

estratégia nem sempre é eficaz, em função do fato de que aquelas regiões com mais problemas

são justamente aquelas que possuem as menores condições de atendê-los, do ponto de vista técni-

co e financeiro. Nesse caso, no que se refere ao valor dos benefícios em dinheiro e a qualidade

dos serviços em espécie, os mecanismos mais sofisticados surgem nas regiões mais ricas, ao pas-

so que os mecanismos menos sofisticados surgem nas regiões mais pobres, reforçando as assime-

trias existentes.

O modelo mediterrâneo também é caracterizado pelo papel central assumido pela família

como mecanismo de provisão de bem-estar social e não apenas de transmissão de valores, por

exemplo. A responsabilidade da família pelo atendimento das necessidades de seus membros é

um dever reconhecido pela sociedade e condenado por ela quando não cumprido. Mesmo que os

membros de uma mesma família não residam no mesmo estabelecimento, os laços de solidarie-

dade entre eles são mais fortes do que em qualquer outro modelo de Estado de Bem-Estar Social.

Eles compartilham recursos e ajudam-se mutuamente com maior frequência e intensidade. Na

realidade, esses laços não contemplam apenas a família nuclear, mas também a família estendida,

compreendendo três, às vezes, quatro gerações. Na prática, a família surge como uma “câmara de

compensação” social, nos termos de Ferrera (1995), na medida em que a ela cabe acomodar o

impacto não absorvido pelo mercado e pelo Estado, ambos, em geral, pouco capazes de assegurar

a todos a possibilidade de atender as suas necessidades fundamentais (Trifiletti, 1999; Naldini,

2003).

Prevalece nesses países, então, o modelo de família tradicional, baseado na divisão de ta-

refas entre os seus membros. Tal como no regime continental, espera-se que as mulheres, os jo-

vens e os idosos dependam dos rendimentos e dos benefícios sociais do homem-provedor. Na

prática, entretanto, nem todos os homens são capazes de assegurar rendimentos elevados e está-

veis, bem como benefícios sociais generosos, capazes de atender as necessidades de toda família,

em função da elevada fragmentação existente no âmbito do mercado de trabalho e do sistema de

proteção social. Nesse caso, também esses grupos são obrigados a ingressar no mercado de traba-

lho, fazendo-o, em geral, em condições bastante precárias99

.

99

Dessa forma, muitas vezes as mulheres nos países mediterrâneos são obrigadas a conciliar o trabalho com as tare-

fas domésticas sem nenhuma assistência por parte do Estado na forma de benefícios familiares sofisticados, no que

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Por essa razão, frequentemente, aqueles que podem escolher optam por deixar seus países

em busca de melhores condições de emprego no exterior, sobretudo nos países dos modelos con-

tinental e escandinavo, mas também nos países do regime anglo-saxão. Muitas vezes, o envio de

recursos pelos familiares no exterior constitui uma fonte de rendimento importante para aqueles

que permanecem no país. Há de se fazer aqui uma observação importante, entretanto. Embora

uma parcela expressiva dos emigrantes seja composta por trabalhadores de baixa qualificação,

que trabalham em setores mais tradicionais e menos sofisticados nos países de destino, é cada vez

mais frequente trabalhadores de maior qualificação deixarem os seus países atraídos por melhores

perspectivas de desenvolvimento no exterior, onde trabalham em setores mais modernos e mais

sofisticados, com melhores remuneração e condições de trabalho. Isso contribui decisivamente

para a redução da já bastante baixa disponibilidade de força de trabalho qualificada nesses países

(Castles e Schierup, 2010).

Os benefícios destinados às famílias são ainda menos desenvolvidos que nos países conti-

nentais, onde, como visto, o familismo é também uma característica importante. As prestações

familiares universais, quando existem, são modestas. As licenças parentais são restritas, no que se

refere à sua extensão e à sua capacidade de assegurar a manutenção dos rendimentos. Os serviços

profissionais de cuidado também são pouco desenvolvidos. Como visto, essa é uma responsabili-

dade dos membros da família, em geral, e das mulheres, em particular. É bem verdade que, tal

como no modelo continental, uma maior atenção tem sido atribuída a esses serviços mais recen-

temente, sobretudo no que se refere aos serviços profissionais de cuidado de crianças. Entretanto,

eles permanecem aquém da demanda crescente, decorrente, em grande medida, da necessidade da

participação das mulheres no mercado de trabalho para complementar os rendimentos da família

(Flaquer, 2000).

Não há dúvidas de que a religião, em geral, e o catolicismo, em particular, exerceu um

impacto importante na configuração dos sistemas de proteção social da Itália e, principalmente,

da Espanha e de Portugal. Nesses países, as relações entre a Igreja e o Estado ocorriam direta-

mente, e não por intermédio dos partidos políticos, como no caso dos países continentais. Na rea-

se refere não apenas às prestações familiares, mas também às licenças parentais e, principalmente, os serviços de

cuidado profissional. Por essa razão, elas são, por vezes, conhecidas como “supermulheres mediterrâneas”. Essa

característica, deve-se observar, é compartilhada por mulheres de grupos sociais diferentes, ou seja, ela não é uma

característica exclusiva dos segmentos mais favorecidos ou menos favorecidos, ainda que a tarefa seja menos árdua

no primeiro do que no segundo caso (Moreno, 2002).

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lidade, essas relações sempre foram bastante estreitas, tendo a Igreja, frequentemente, a palavra

final na determinação do perfil de intervenção do Estado sobre a realidade. Como visto, tal como

prevê o princípio da subsidiariedade, o Estado não deve suplantar o papel daqueles que são mais

próximos da realidade de cada indivíduo, a começar pela família e pelo grupo social a que ele

pertence. Daí a importância do familismo e do corporativismo nesses países e que, como visto,

também estavam presentes no modelo continental (Kersbergen, 1995; Kersbergen e Manow,

2009).

O impacto direto da Igreja Ortodoxa sobre a configuração do sistema de proteção social

da Grécia parece ter sido mais modesto. Não porque as relações entre a Igreja e o Estado fossem

ali menos estreitas que aquelas que se verificavam nos países ibéricos – de fato, não eram –, mas

porque ela parece ter sido mais cautelosa em opinar sobre o perfil das políticas públicas em rela-

ção às questões sociais. Na prática, embora não possua uma doutrina em relação a essas questões

nos moldes da célebre Rerum Novarum de Leão XIII, a Igreja Ortodoxa compartilha de muitos

dos ensinamentos da Igreja Católica no que se refere à inegociabilidade da proteção da dignidade

da pessoa humana, no valor da família e na importância da caridade em relação aos mais sofridos

e marginalizados (Petmesidou e Polyzoidis, 2013).

Seja como for, as características do modelo mediterrâneo de Estado de Bem-Estar Social

implicam que uma parcela expressiva da sociedade se encontre em situação de vulnerabilidade.

Nesse contexto, o papel dos mecanismos de assistência privada é expressivo em função do baixo

grau de desenvolvimento dos mecanismos de assistência pública. Normalmente, não existe um

sistema geral, mas, sim, um sistema altamente fragmentado, de modo que ele se restringe a gru-

pos sociais específicos. Dessa forma, uma parcela expressiva daqueles que estão em situação de

vulnerabilidade não são elegíveis aos benefícios em função das regras específicas para cada um

dos mecanismos criados para assistir esses grupos. Os benefícios são frequentemente pouco ex-

pressivos e pouco articulados entre si e em relação aos demais benefícios do sistema de proteção

social, de modo que eles pouco contribuem para que os beneficiários deixem a situação em que se

encontram (Gough, 1996a; Eardley et al., 1996).

O principal avanço no sentido de superação do caráter rudimentar da assistência pública

desse modelo se refere à adoção, por alguns desses países, de mecanismos que assegurem um

rendimento mínimo aos indivíduos em situação de vulnerabilidade, com o intuito de reduzir a

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pobreza e a miséria, as primeiras fontes de exclusão social nesses países. Esses mecanismos fo-

ram claramente inspirados naqueles que surgiram em alguns dos países do modelo continental.

Eles consistem na garantia de um rendimento mínimo àqueles que podem trabalhar sujeito a con-

dicionalidades, sobretudo no que se refere ao seu retorno ao mercado de trabalho. Nos países em

que esses mecanismos surgiram, a sua implementação ocorreu de formas diferentes. Em alguns

casos, eles variam de acordo com as regiões. Em outros, eles se tornaram nacionais (Moreno,

1998; Ferrera, 2005b; Matsaganis et al., 2003)100

.

A incapacidade dos Estados dos países mediterrâneos de cumprir os compromissos for-

malmente assumidos no que se refere à provisão do bem-estar social certamente não pode ser

dissociada do fato de que as instituições do Estado são pouco desenvolvidas nesses países relati-

vamente àqueles dos demais modelos. Ali, a burocracia é excessivamente ampla e complexa e,

por essa razão, frequentemente também pouco eficiente. Além de reduzir a sua capacidade de

transformação da realidade, esse tipo de arranjo viabiliza as condições para fraudes e outros abu-

sos, os quais possuem impacto, inclusive, tanto do lado das receitas, como das despesas públicas

(Ferrera, 1996; Martin, 1997).

No lado das receitas, a evasão fiscal, ou seja, o uso de meios diversos para evitar o paga-

mento de tributos ao Estado, é bastante frequente. Isso se deve, em grande medida, ao fato de que

os mecanismos de fiscalização são bastante deficientes nesses países. De fato, uma parte expres-

siva da riqueza é produzida longe dos olhos das autoridades: a economia informal assume nesses

países uma importância maior do que em qualquer outro modelo. Embora a evasão fiscal seja

praticada por todos os grupos da sociedade, ela é particularmente grave entre os mais ricos, que,

portanto, deveriam contribuir mais para os cofres públicos. Muitos deles escondem as fortunas

acumuladas em contas em bancos de outros países, sobretudo em paraísos fiscais, onde eles po-

dem ser mantidos em sigilo e protegidos da tributação. Evidentemente, a perda de recursos por

meio da evasão fiscal implica a necessidade de se proceder com o aumento dos impostos e con-

tribuições cobrados daqueles que participam da já bastante frágil economia formal (Schneider,

2010).

Já no lado das despesas, incluem-se todas as práticas de corrupção, ou seja, da utilização

de recursos públicos em beneficio privado. Com efeito, essas práticas não são uma exclusividade

100

Portugal possui um sistema nacional, Espanha e Itália um sistema regional e Grécia nenhum sistema.

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dos países mediterrâneos, estando presentes também nos demais modelos. Entretanto, os seus

impactos sobre esses países são particularmente graves. De particular importância, nesse caso, é a

difusão das práticas baseadas na troca de favores entre aqueles que desejam o poder, e que ofere-

cem proteção, e aqueles de quem esse poder emana, e que demandam proteção. Essa relação de

troca é, entretanto, assimétrica, na medida em que ela implica a submissão daquele de quem o

poder emana e que é protegido em relação àquele que deseja o poder e que protege101

(Ferrera,

1996; Mastropaolo, 1998).

O clientelismo ou a patronagem surgem de uma concepção “patrimonialista” do Estado,

no sentido de que, apropriado como patrimônio de alguns poucos, ele passa a servir a interesses

particulares. Trata-se, portanto, de um Estado em que deixam de existir os limites entre o interes-

se público e o interesse privado, que, então, se confundem.

Nesse contexto, os benefícios são, em geral, oferecidos em troca de apoio político. Os

segmentos marginalizados do mercado de trabalho transformam-se em um terreno fértil para esse

tipo de prática. Os partidos, para obter votos, oferecem às suas clientelas diferentes vantagens.

Beneficiando-se de uma legislação pouco rigorosa e com brechas importantes, esses partidos po-

dem assegurar o acesso a benefícios que dependem de algum grau de discricionariedade para a

sua concessão, tal como pensões por invalidez. Assim sendo, os votantes, cujos rendimentos são

bastante baixos e insuficientes para atender as suas necessidades e as necessidades de sua família,

vendem os seus votos aos partidos, que então manipulam o Estado, de forma indireta, pressio-

nando os órgãos responsáveis pela concessão, ou diretamente, agindo dentro deles. Os partidos

podem também assegurar um emprego na ampla e complexa burocracia estatal que esses países

possuem (Saraceno, 1995).

É bem verdade que foram empreendidos recentemente reformas no sentido de evitar os

abusos e fraudes sobre o sistema de proteção social nos países mediterrâneos. Uma maior atenção

é dedicada a evitar a evasão fiscal, sobretudo por meio do fortalecimento dos mecanismos de

fiscalização. Além disso, a legislação tornou-se mais rigorosa e as brechas foram fechadas no que

se refere à concessão dos benefícios, com o intuito de evitar o uso clientelista do sistema de pro-

101

Na sociedade romana, o cliente (cliens) era aquele que, em troca de sua lealdade ao patrão (patronus), era prote-

gido por ele em caso de necessidade. Por essa razão, essas práticas baseadas na troca de favores são hoje também

conhecidas como práticas de “clientelismo” ou de “patronagem”

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teção social. Isso é particularmente evidente no caso da Itália e da Grécia, onde estas práticas

eram mais frequentes.

Em verdade, as medidas orientadas para o fortalecimento das instituições do Estado po-

dem contribuir para a própria sustentabilidade financeira dos sistemas de proteção social do mo-

delo mediterrâneo. A evasão fiscal agrava a perda de receitas, já inferior em função da baixa ge-

ração de empregos decorrente da precariedade das medidas de estímulo à oferta e à demanda por

trabalho. Como em qualquer outro país em que se manifesta, a corrupção e o clientelismo aumen-

tam as despesas, que já são elevadas, pois embora as despesas com os menos afortunados sejam

modestas, as despesas com os segmentos mais privilegiados da sociedade são, por vezes, bastante

elevadas.

4.3 As raízes das diferenças existentes entre os modelos de Estado de Bem-Estar Social da

Europa Ocidental

Como visto, algumas sociedades construíram sistemas de proteção social mais solidários

que outras, no sentido de que esses arranjos não se limitaram ao mínimo que seria necessário para

lubrificar as delicadas engrenagens da vida social. Em outras palavras, algumas sociedades che-

garam mais perto do que outras da concepção de cidadania proposta por T. H. Marshall, isto é, a

proteção de um conjunto maior de indivíduos contra um conjunto maior de riscos que podem

impedi-los de atender as suas necessidades e viver uma vida civilizada. De fato, os indivíduos

estão sujeitos a forças muito além de seu controle. A sua capacidade de enfrentá-las e superá-las,

entretanto, depende da forma como eles farão isso, se sozinhos ou acompanhados. Nos termos de

Baldwin (1990, p.2):

The rules, conventions and standards of justice that governed the formal interaction be-

tween society’s members and determined the terms of citizenship were gradually ex-

tended to apply also to the most personal and individual matters of risk and misfortune.

Relations between citizens, formerly regulated primarily in a civil and political sense,

were altered accordingly. As members of different classes, individuals were still treated

unalike by the market and by inherited hierarchies. But as creatures subject to risk, they

could stand equal. Full membership in the community was possible for all citizens, not

only as bearers of civic rights or political participants, but as mortals buffeted by misfor-

tune and unsettled by insecurity. With the development of the welfare state, society deci-

sively improved on its ability to decide automously its rules of association without re-

gard to the dictates of nature, fate or circumstance.

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Nesse caso, surgem questões importantes: o que explica as diferentes trajetórias de desen-

volvimento dos sistemas de proteção social? O que assegura que alguns desses arranjos sejam

mais sofisticados ou solidários do que outros? Por que algumas sociedades criaram mecanismos

de provisão que não se restringem a evitar que seus membros padeçam por não serem capazes de

atender as suas necessidades mais elementares por si mesmos? O objetivo dessa seção é tão so-

mente oferecer pistas para algumas respostas possíveis para essas perguntas, tendo em vista a

elevada complexidade que elas suscitam.

Sob condições bastante específicas, os sistemas de proteção social transcenderam – e mui-

to – o que seria coerente com um sentimento de compaixão, por vezes bastante genuíno, é verda-

de, amplamente difundido por toda a sociedade em relação aos mais desafortunados que não têm

mais a quê ou quem recorrer. Ali, todos são concebidos da mesma forma, ou seja, como iguais

que partilham de um mesmo destino. As barreiras econômicas e sociais que dividem os indiví-

duos entre mais ou menos privilegiados são deliberadamente reduzidas. Ainda que se reconheça

que disposições altruístas tenham o seu papel nesse processo, elas certamente não são as únicas.

De fato, não há dúvidas de que outras causas, para além das de natureza moral ou ética, devem

existir para explicar a variedade de sistemas de proteção social da Europa Ocidental.

A princípio, prevaleceu o entendimento de que as diferenças existentes entre os sistemas

de proteção social estão relacionadas aos diferentes graus de desenvolvimento das forças produti-

vas. O desenvolvimento pressupõe a destruição de antigas estruturas e a sua substituição por no-

vas. Nesse processo, ele cria novas necessidades, mas também as condições para que essas neces-

sidades sejam atendidas. Por um lado, essas transformações criam novas demandas, que, então,

pressionam os mecanismos existentes de atendimento das necessidades individuais fundamentais.

Diante da incapacidade desses mecanismos de fazer frente à nova realidade, o Estado é levado a

formular respostas tendo em vista a preservação da coesão social. De outro lado, essas transfor-

mações geram os recursos necessários e as instituições adequadas para que o Estado possa levar a

cabo essas respostas. À medida que esse processo de desenvolvimento avança, não apenas as

sociedades tornam-se cada vez mais ricas como também os seus sistemas de proteção social tor-

nam-se cada vez mais sofisticados (Quadagno, 1987; Myles e Quadagno, 2002; Arretche, 2004).

Com efeito, Wilensky (1975) tornou-se o principal expoente dessa visão. Por meio de tra-

balhos empíricos, ele constatou uma forte correlação entre o crescimento econômico e o cresci-

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mento do gasto social. Em sua concepção, o desenvolvimento das forças produtivas levaria a uma

série de transformações na sociedade, as quais exigiriam uma maior participação do Estado na

vida social. Uma vez que esses países experimentariam as mesmas transformações, independen-

temente de suas especificidades nacionais, a forma que assumiria essa participação do Estado na

vida social também seria semelhante. Como consequência, os países mais ricos deveriam variar

pouco no que se refere à sua estratégia de provisão de bem-estar social. Quanto mais riscos eles

se tornam, mais semelhantes eles são no que se refere à ampliação do conjunto de indivíduos pro-

tegidos e do conjunto de riscos contemplados.

A visão de Wilensky (1975) é, em certo sentido, esposada por Titmuss (1963), ao estabe-

lecer critérios econômicos para justificar a existência de diferentes modelos de bem-estar social.

Também em sua visão, esses modelos são o resultado do processo de desenvolvimento das forças

produtivas da sociedade. Este, por sua vez, promove a divisão do trabalho, a qual torna o homem

mais especializado e, por causa disso, mais dependente. Incapaz de atender as suas necessidades

por si mesmo, os indivíduos precisam da sociedade tanto quanto a sociedade precisa deles. Dessa

forma, as necessidades geram “estados de dependência” (Titmuss, 1963). Além dos estados de

dependência relacionados às necessidades naturais do homem, surgem também estados de depen-

dência relacionados às necessidades criadas pelo processo de desenvolvimento das forças produ-

tivas, ou seja, necessidades criadas pelo próprio homem.

Segundo Titmuss (1963), a ampliação dos estados de dependência, naturais ou não, a que

os indivíduos estão expostos exigem, necessariamente, a sofisticação dos sistemas de proteção

social, tendo em vista a própria sobrevivência da sociedade como um todo orgânico. De fato, uma

vez que o mercado e a família deixam de ser capazes de fazer frente às novas necessidades, o seu

atendimento deve ser, necessariamente, assumido pelo Estado. Nesse caso, os estados de depen-

dência de todos e de cada indivíduo passam a ser reconhecidos como uma responsabilidade da

sociedade a que eles pertencem. E, dessa forma, a destruição das formas tradicionais de solidarie-

dade dá origem a novas e mais poderosas formas de provisão de bem-estar social. Em suas pa-

lavras (1963, p.55):

At the centre of this process of division based on the specialized content of individual

occupational performance, man becomes more dependent; he also becomes, in the pur-

suit of personal life goals, more aware of his dependency, more viable to failure, more

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exposed to pain. The corollary for any society which invests more of its values and vir-

tues in the individual is individual failure and individual consciousness of failure.

Não há dúvidas, evidentemente, de que o desenvolvimento das forças produtivas cria no-

vas necessidades e as condições para que elas sejam atendidas: ao mesmo tempo em que torna os

indivíduos mais vulneráveis, esse processo gera os recursos necessários para financiar a sua pro-

teção. A questão fundamental, nesse caso, é de outra natureza. De fato, não parece correto o en-

tendimento de que o desenvolvimento dos sistemas de proteção social é um subproduto inevitável

de forças completamente alheias às relações de poder que se processam no interior da sociedade.

Mais vulnerabilidade e mais recursos gerados pelo processo de desenvolvimento das forças pro-

dutivas não significam, necessariamente, um maior grau de proteção dos indivíduos pelo Estado.

De fato, tais interpretações pressupõem um processo de transição evolutivo e, portanto,

inevitável, em direção a sistemas de proteção social cada vez mais sofisticados, desconsiderando

que o perfil desses sistemas é também, em grande medida, uma consequência das características

dos processos políticos, isto é, dos processos de interação entre atores com diferentes interesses,

que, em última instância, determinam a divisão de responsabilidades entre os distintos mecanis-

mos de provisão, a saber, o Estado, o mercado e a família. São as diferenças nas características

desses processos políticos que justifica o fato de que países igualmente ricos frequentemente

apresentam sistemas de proteção social muito diferentes entre si. Não por outra razão, Baldwin

(1990, p.299) é tão enfático:

Solidarity – the group’s decision to allocate resources by need – is only misleadingly

analogous to altruism. An individual sentiment, altruism is generally confined to narrow

circles of the like-minded. Solidarity, in those few instances where it has been realized,

has been the outcome of a generalized and reciprocal self-interest. Not ethics, but poli-

tics explain it.

A importância dos processos políticos e, portanto, da interação entre atores com diferentes

interesses, para a determinação do perfil dos sistemas de proteção social foi reconhecida por Kor-

pi (1983, 1989). Segundo ele, o perfil dos sistemas de proteção social depende das relações que

se estabelecem entre trabalhadores e capitalistas, e, portanto, entre o trabalho e o capital. Mais

especificamente, o perfil desses arranjos seria uma consequência da capacidade dos trabalhadores

de impor os seus interesses sobre os capitalistas. Nos processos políticos, capitalistas e trabalha-

dores lançam mão dos recursos de poder de que dispõem. Os capitalistas possuem o capital. Os

trabalhadores, por sua vez, não possuem nada além de si mesmos e de sua força de trabalho. Des-

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sa forma, a sua capacidade de impor os seus interesses está intimamente relacionada à sua capa-

cidade de mobilização. Esta, por sua vez, será determinada pela força de seus representantes, no-

tadamente os sindicatos, medida pela proporção dos trabalhadores associados, e os partidos polí-

ticos, medida pela proporção de cadeiras ocupadas no parlamento, por exemplo.

Nesse caso, quanto mais fortes forem os seus sindicatos e os seus partidos políticos, maior

será a capacidade dos trabalhadores de impor os seus interesses sobre os capitalistas e, assim, de

levar a cabo a construção de sistemas de proteção social mais sofisticados ou solidários. Além

disso, esses arranjos aumentam ainda mais o poder dos trabalhadores sobre os capitalistas na me-

dida em que reduzem a sua dependência em relação à participação no mercado para atender as

suas necessidades. Em última instância, Korpi (1983; 1989) propõe que o grau de sofisticação

dos sistemas de proteção social depende do poder dos trabalhadores sobre os capitalistas, ou, o

que é equivalente, do poder da política sobre o mercado (Esping-Andersen, 1985,1987; Pierson,

1991).

Há de se fazer aqui uma observação importante, entretanto. Tal como sugere Esping-

Andersen (1990), ao associar o grau de sofisticação de um sistema de proteção social à força dos

trabalhadores, em geral, e dos sindicatos e partidos políticos, em particular, Korpi (1984; 1989)

parece ter desconsiderado a natureza relativa do poder. Pois, de fato, a força dos trabalhadores

depende não apenas do seu grau de mobilização, mas também do grau de desmobilização dos

capitalistas. Muitas vezes, este pode ser o fator determinante do resultado do processo político.

Esping-Andersen (1990) também sugere que dificilmente os trabalhadores conseguiriam

traduzir os seus interesses em ações concretas se estivessem sozinhos. Por mais fortes que fossem

os seus sindicatos e os seus partidos políticos, eles não seriam capazes de influenciar a forma de

intervenção do Estado, ou o perfil das políticas públicas, por muito tempo. Por essa razão, além

da sua capacidade de mobilização, expressa na força relativa de seus representantes, Esping-

Andersen (1990) enfatiza que o poder dos trabalhadores depende também da sua capacidade de

construir alianças, ou forjar coalizões, com as demais classes que compõem a sociedade. Em sua

concepção, a história das coalizões é o fator mais importante para explicar as variações dos sis-

temas de proteção social, tanto no tempo como no espaço.

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Associar os sistemas de proteção social às relações entre classes não é algo especialmente

novo. As visões marxistas tradicionais entendiam o surgimento e desenvolvimento desses arran-

jos como sendo meramente funcionais ao processo de acumulação e das relações sociais que ela

pressupõe, caracterizada pela dominação do capital sobre o trabalho, ou dos capitalistas sobre os

trabalhadores (Myles e Quadagno, 2002). Essas visões também entendiam que esses arranjos

funcionam como um mecanismo de legitimação e, consequentemente, de manutenção da ordem

vigente, disfarçando as suas contradições, atenuando as crises e, dessa forma, postergando a sua

eventual superação por uma nova ordem. Disso dependeria, afinal, a sua própria sobrevivência.

Pois um Estado que utiliza seu poder para reforçar o controle de uma classe sobre a outra pode

minar o seu apoio político. Mas um Estado que ignora a necessidade de assistir o processo de

acumulação põe em risco o seu apoio econômico (Gough, 1979; O’Connor, 1973; Offe, 1984;

Therborn, 1986).

A principal limitação das visões marxistas tradicionais e que foi superada por Korpi

(1983; 1989) e, depois, por Esping-Andersen (1990), diz respeito ao fato de que aquelas tendem a

ser bastante descrentes em relação à contribuição dos trabalhadores aos processos de surgimento

e desenvolvimento dos sistemas de proteção social, considerando esses processos como fruto de

um Estado a serviço apenas do capital. Entretanto, essa é uma suposição baseada unicamente em

um ato de fé, ou seja, na aceitação de algo como verdadeiro mesmo sem a possibilidade de prová-

lo concretamente. De fato, a despeito dos tradicionais mecanismos de dominação, não há porque

supor que os trabalhadores não sejam movidos por iniciativa própria. Além disso, essas visões

são incapazes de explicar a origem das diferenças que existem entre os arranjos nacionais, sobre-

tudo no que se refere ao seu grau de sofisticação.

Mas, a despeito dos avanços de Korpi (1984; 1989) e Esping-Andersen (1990), suas inter-

pretações a respeito da origem dos diferentes sistemas de proteção social também possuem limi-

tações importantes. Em particular, ambos partem do entendimento de que sistemas de proteção

social mais sofisticados são, necessariamente, um projeto dos trabalhadores, e não das demais

classes sociais. Em outras palavras, os trabalhadores são seus defensores legítimos. Nesse caso,

as demais classes seriam pouco propensas a apoiar, por sua própria iniciativa, arranjos de caráter

mais solidário. Isso não impede, entretanto, que elas possam ceder à pressão dos trabalhadores.

Mas, nesse contexto, as coalizões de classes devem ser entendidas mais como uma concessão por

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parte das demais classes, e menos como um resultado da percepção de que esses arranjos podem

ser, de alguma forma, também a elas vantajosos.

Essas interpretações pressupõem, portanto, a divisão da sociedade em dois grandes gru-

pos, quais sejam, os trabalhadores, pobres e vulneráveis, favoráveis às políticas mais solidárias, e

as demais classes, ricas e menos vulneráveis, favoráveis às políticas menos solidárias. Pode-se

afirmar que essa é uma visão bastante simplista, entretanto. Embora não haja dúvidas de que a

capacidade de pressão dos trabalhadores e seus representantes tenha exercido um papel realmente

importante em vários casos, ela não é condição necessária e suficiente para viabilizar esse tipo de

arranjo. Isso pode ser válido para alguns contextos, mas não pode ser assumido como uma verda-

de absoluta.

A questão fundamental, portanto, é que atribuir a origem dos diferentes sistemas de prote-

ção social aos interesses de uma classe social específica é uma simplificação, por vezes, exagera-

da. De fato, não há razão para supor que onde os interesses dos trabalhadores prevaleçam, ali os

arranjos serão mais solidários, e que onde os interesses das demais classes prevaleçam, ali os ar-

ranjos serão menos solidários. Pois, de fato, os trabalhadores podem considerar desvantajoso de-

fender esses arranjos, assim como as demais classes podem considerar vantajoso fazer isso. Em

verdade, a postura dos diferentes grupos sociais que interagem e que, em última instância, deter-

minam o perfil dos sistemas de proteção social, em relação à viabilidade de um arranjo mais so-

fisticado, depende da forma como os indivíduos que o compõem percebem as consequências pos-

síveis desses arranjos.

A posição de Baldwin (1990) é aqui bastante pertinente. Segundo ele, para apoiar um sis-

tema de proteção social mais sofisticado, os indivíduos tenderão a considerar, antes de tudo, a sua

própria situação a respeito, ou seja, os riscos a que eles estão sujeitos e a sua capacidade de lidar

com eles de forma autônoma. Em outras palavras, a distribuição dos riscos e da capacidade de

autoproteção é o que torna os indivíduos mais ou menos favoráveis a um sistema de proteção

social mais solidário. Aqueles que estão sujeitos a muitos riscos e possuem uma capacidade de

autoproteção reduzida tendem a ser favoráveis a arranjos mais solidários, isto é, baseados na

maior socialização dos riscos, ao passo que aqueles que estão sujeitos a menos riscos e que pos-

suem uma capacidade de autoproteção elevada tendem a ser menos favoráveis a arranjos mais

solidários, quer dizer, baseados na menor socialização dos riscos (Ferrera, 1993).

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Assim sendo, o grupo social relevante na determinação do perfil de um sistema de prote-

ção social é aquele composto por indivíduos que partilham os mesmos riscos e a mesma capaci-

dade de autoproteção. Nesse contexto, os trabalhadores possuem razões suficientes para serem

favoráveis a esses arranjos, pois, em geral, estão sujeitos a mais riscos e possuem menor capaci-

dade de autoproteção, assim como as demais classes frequentemente possuem razões para serem

contrárias a esses arranjos, uma vez que, em geral, estão sujeitas a menos riscos e possuem maior

capacidade de autoproteção. Entretanto essa é uma possibilidade, e não uma regra (Baldwin,

1990; Ferreira, 1993). Nesse caso, sugere Baldwin (1990, p.295):

Socially based interpretations have tended to elide between class and risk category. If

these are freed of any necessary identity, however, a different caliber of social explana-

tion is unsheathed, one that is able to account for how genuinely solidaristic reform was

possible without a major victory of the disfavored, how redistribution may well have

represented a real concession from some among the fortunate while still buttressing the

power and privileges of others. Such an unraveling reveals the circumstances in which

subgroups from among both the disfavored and those who in other senses were disad-

vantaged held solidaristic goals in common that they were able to realize against equally

heterogeneous, but politically less powerful, coalitions of redistributive losers. Actors

from each side have on occasion shared sufficiently coincidental interests to constitute a

solidaristic quorum. A social explanation of the center of what is usually seen as an ir-

reconcilable polar conflict between fortunate and ill-starred is possible.

Assim, pode-se dizer que o perfil de um sistema de proteção social é determinado pelo

processo de interação entre grupos sociais com diferentes interesses e com diferentes capacidades

de impor esses interesses sobre os demais em determinadas circunstâncias históricas. Esses inte-

resses, por sua vez, estão relacionados às percepções desses grupos sociais a respeito dos benefí-

cios e dos custos, ou, ainda, das vantagens e desvantagens, que esses sistemas pressupõem.

Se isso é verdade, pode-se conjecturar que sistemas de proteção social mais sofisticados

são menos prováveis e menos resilientes em sociedades mais heterogêneas, isto é, aquelas em que

existem grandes e explícitas clivagens do ponto de vista material, tal como a renda e da proprie-

dade, e imaterial, o que inclui tudo aquilo que determina a identidade dos indivíduos, como os

seus valores, costumes e tradições. Com efeito, pode-se sustentar que quanto mais heterogêneas

forem as sociedades, ou quanto maiores e mais explícitas forem as clivagens que existem em seu

interior, menor tenderá a ser o sentimento de solidariedade recíproca e, portanto, menor será a

possibilidade de que os diferentes grupos sociais estejam dispostos a estabelecer compromissos

de proteção mútua. É o que sugere Baldwin (1990, p.296) ao afirmar:

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To the extent that redistributive measures began to concern significant class at the ful-

crum of society, and were no longer a matter exclusively for the extremes of high and

low, they of necessity redirected the flow of resources within a group distinguished as

much by risk as by social position. Social insurance, especially of a solidaristic bent, was

possible only given a certain degree of homogeneity. In highly stratified populations,

class and risk run too parallel to each other for there to be any common agreement to re-

distribute burdens without at the same time restructuring the status quo. The large, im-

poverished, needy mass would profit, the small, favored, prosperous minority only loose

from a system of reallocation with ambitions greater than charity. The possibility of rec-

iprocity was a precondition for social insurance, especially as it aimed beyond a limited

group to cover much of the population. Those not among the poorest but nevertheless

prone to certain risks had to be convinced that, potentially vulnerable, they too stood to

gain. This was not possible unless class and risk were conceptually distinguished. At the

least, the redistributive pool had to be sufficiently homogeneous that risk, not class, was

its primarily differentiating characteristic

De fato, em sociedades mais heterogêneas no sentido indicado, os benefícios e custos as-

sociados a sistemas de proteção social mais solidários se distribuem de forma mais assimétrica

entre os diferentes grupos sociais. Nesse caso, o surgimento e a manutenção desses arranjos de-

penderão da estrutura de poder prevalecente na sociedade. Esses arranjos se desenvolverão en-

quanto os grupos sociais que perceberem esses arranjos como mais vantajosos prevalecerem so-

bre os demais. Contudo, basta que ocorra uma mudança na correlação de forças entre esses gru-

pos para que esses arranjos sofram grandes transformações. Já em sociedades menos heterogê-

neas, os benefícios e custos associados a sistemas de proteção social mais sofisticados se distri-

buem de forma menos assimétrica entre os grupos sociais, de modo de que as vantagens e des-

vantagens não se concentram em um ou outro grupo. Neste caso, o surgimento e a manutenção

desses arranjos dependem menos da estrutura de poder prevalecente em uma sociedade. Uma vez

que a maior parte dos grupos sociais possuem motivos para considerá-los vantajosos, uma mu-

dança na correlação de forças entre eles levará a ajustes apenas residuais em suas políticas.

Um exemplo ilustra o argumento. No contexto do pós-guerra, Reino Unido e Suécia de-

senvolveram sistemas de proteção social sofisticados bastante semelhantes entre si. A partir da

década de 1970, entretanto, ambos seguiram trajetórias distintas: enquanto o sistema de proteção

social britânico aproximou-se cada vez mais do perfil do modelo anglo-saxão, o sistema de prote-

ção social sueco permaneceu relativamente inalterado, tornando-se o símbolo do modelo escan-

dinavo. Isso não é surpreendente. Uma vez que a sociedade britânica é relativamente mais hete-

rogênea, os benefícios e custos de um arranjo mais sofisticado se distribuem de forma mais assi-

métrica entre os diferentes grupos sociais. No contexto do pós-guerra, os grupos que considera-

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vam esses arranjos como sendo vantajosos prevaleceram sobre os demais. A partir da década de

1970, entretanto, a correlação de forças entre esses grupos sociais se inverteu e esses arranjos

passaram a ser desconstruídos. Já a sociedade sueca é relativamente menos heterogênea, de modo

que os benefícios e custos de um arranjo mais sofisticado se distribuem de forma menos assimé-

trica entre os diferentes grupos sociais. Dado que a maioria dos grupos sociais consideram esses

arranjos vantajosos em alguma medida, mudanças na correlação de forças entre eles levaram a

ajustes relativamente mais modestos ao longo do tempo.

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APÊNDICE C

Figura C.1

Modelos de Estado de Bem-Estar Social da Europa Ocidental

Fonte: Elaboração própria.

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Quadro C.1

Modelos de Estado de Bem-Estar Social da Europa Ocidental

Anglo-Saxão Continental Escandinavo Mediterrâneo

Irlanda (€)

Reino Unido

Alemanha (€)

Áustria (€)

Bélgica (€)

França (€)

Luxemburgo (€)

Países Baixos (€)

Dinamarca

Finlândia (€)

Suécia

Espanha (€)

Grécia (€)

Itália (€)

Portugal (€)

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APÊNDICE D

Quadro D.1

Características dos modelos de Estado de Bem-Estar Social da Europa Ocidental

Anglo-Saxão Continental Escandinavo Mediterrâneo

Papel do Estado Residual Complementar Substitutivo Complementar

Cobertura Focalizada Ocupacional Universal Ocupacional/Universal

Destinatários Miseráveis e pobres Trabalhadores Sociedade Trabalhadores/Sociedade

Critério de elegibilidade Teste de meios Contribuição Residência Contribuição/Residência

Lógica Assistência social Seguro social Seguridade social Seguro/Seguridade social

Caráter Paliativo Paliativo Preventivo/Paliativo Paliativo

Conjunto de riscos Limitado Médio Amplo Médio

Sofisticação dos benefícios Baixo Variável Alto Variável

Financiamento Impostos Contribuições Impostos Contribuições/Impostos

Gasto social público Baixo Médio Alto Baixo

Grau de redistribuição Baixo/Vertical Médio/Horizontal Alto/Vertical Médio/Horiz.e Vert.

Grau de desmercantilização Baixo Médio Alto Médio

Grau de desfamiliarização Alto Baixo Alto Baixo

Grau de coesão social Baixo Médio Alto Baixo

Mercado de trabalho Desregulado Regulado Regulado Regulado

Fonte: Baseado em Ferrera (1993). Elaboração própria.

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5 ESTADOS DE BEM-ESTAR SOCIAL: EVIDÊNCIAS A PARTIR DA EXPERIÊNCIA

DOS PAÍSES DA EUROPA OCIDENTAL E PRINCIPAIS DESAFIOS

Conforme discutido no capítulo anterior, ao longo da história, os sistemas de proteção so-

cial assumiram diferentes formas na Europa Ocidental. Além do grau de desenvolvimento das

forças produtivas, essas diferenças estão relacionadas às características do processo político nes-

ses países, ou, mais especificamente, do processo de interação entre grupos sociais com diferen-

tes interesses e com diferentes capacidades de impor esses interesses sobre os demais em deter-

minadas circunstâncias históricas. Esses interesses, por sua vez, estão intimamente relacionados

às percepções desses grupos sociais a respeito dos benefícios e dos custos que esses sistemas

pressupõem. Em geral, o surgimento e a manutenção de sistemas de proteção social mais sofisti-

cados tende a ser uma característica de sociedades menos heterogêneas, isto é, aquelas em que

prevalecem clivagens menos acentuadas, do ponto de vista material e imaterial. Isso porque que,

nesses casos, os custos e benefícios associados a esses arranjos tendem a se distribuir de forma

menos assimétrica entre os diferentes grupos sociais.

Considerando-se os trabalhos de Esping-Andersen (1990) e Ferrera (1996), os sistemas de

proteção social da Europa Ocidental podem ser considerados a partir de quatro modelos princi-

pais, quais sejam, o modelo anglo-saxão, o modelo continental, o modelo escandinavo e o mode-

lo mediterrâneo. Tendo-se em vista o perfil das políticas públicas, ou a forma de intervenção do

Estado, em cada um deles, tem-se que os países escandinavos e os países continentais possuem os

sistemas de proteção social mais sofisticados relativamente aos países anglo-saxões e aos países

mediterrâneos. A seguir, procura-se demonstrar como essas diferenças se explicitam na prática,

bem como quais são as suas consequências mais gerais no que se refere às condições de vida pre-

valecentes nas diferentes sociedades em que eles surgiram e se desenvolveram.

Por fim, discute-se as principais transformações estruturais às quais estão sujeitos os mo-

delos de Estado de Bem-Estar Social da Europa Ocidental atualmente. Isso porque essas trans-

formações estruturais impõem a cada um deles importantes desafios à sua capacidade de assegu-

rar a todos a possibilidade de contribuir e partilhar da riqueza social.

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5.1 Gasto social nos países da Europa Ocidental

Nesta seção, serão consideradas as características do gasto social nos diferentes modelos

de Estado de Bem-Estar Social da Europa Ocidental nas três décadas que antecederam a eclosão

da crise global em 2008. Para cada um desses modelos, serão apresentadas as médias aritméticas

dos valores disponíveis para os períodos de 1980 a 1989, de 1990 a 1999 e de 2000 a 2007. Os

valores de cada modelo, por sua vez, são obtidos pelo cálculo da média aritmética dos valores

obtidos para cada um dos países que os compõem, isto é, Irlanda e Reino Unido, no caso dos paí-

ses anglo-saxões; Alemanha, Áustria, Bélgica, França e Países Baixos, no caso dos países conti-

nentais; Dinamarca, Finlândia e Suécia, no caso dos países escandinavos; e Espanha, Grécia, Itá-

lia e Portugal, no caso dos países mediterrâneos. Os valores para cada país de cada modelo para

cada indicador considerado podem ser encontrados no Anexo A.

Para isso, a seção foi dividida em três subseções. Na primeira, serão enfatizadas as carac-

terísticas quantitativas do gasto social nos diferentes modelos de Estado de Bem-Estar Social da

Europa Ocidental, ao passo que, na segunda, serão destacadas as suas características qualitativas.

A terceira é dedicada exclusivamente à análise das características quantitativas e qualitativas do

gasto social em serviços de educação, em geral considerada uma área especial de intervenção do

Estado no âmbito dos sistemas de proteção social.

5.1.1 Gasto social público e Gasto social privado

Em verdade, as diferenças entre os sistemas de proteção social da Europa Ocidental expli-

citam-se na análise quantitativa e qualitativa do gasto social público e privado. O caráter “social”

desse gasto decorre do fato de que ele está diretamente relacionado à proteção dos membros da

sociedade contra as circunstâncias que podem limitar a sua capacidade de atender as suas neces-

sidades fundamentais ao longo da vida. Na prática, isso significa assegurar a proteção contra

aquilo que pode limitar, primeiro, a sua capacidade de auferir renda e, depois, de converter essa

renda em bens e serviços essenciais. Por sua vez, o seu caráter “público” ou “privado” decorre da

natureza das instituições que controlam os recursos empregados, isto é, se esses recursos são con-

trolados pelo setor público ou pelo setor privado. Deve-se observar que a análise seguinte se res-

tringe aos benefícios concedidos por instituições formais, não considerando, portanto, os auxílios

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de caráter social prestados diretamente pelos indivíduos e pelas famílias (Adema e Ladaique,

2011; Comissão Europeia, 2011).

Nesse contexto, os sistemas de proteção social diferenciam-se inicialmente pela quantida-

de de recursos destinados à proteção dos indivíduos contra aquilo que pode reduzir as suas possi-

bilidades de viver uma vida civilizada. Todos os países da Europa Ocidental apresentam níveis

relativamente elevados de gasto social público. Mas a diferença entre eles é notável, como indica

a Tabela 1. Grosso modo, esse gasto é maior no caso dos países escandinavos e dos países conti-

nentais, onde ele varia entre 25% e 30% do PIB, e menor no caso dos países anglo-saxões e dos

países mediterrâneos, onde ele varia entre 20% e 23% do PIB. Isso não é surpreendente, tendo-se

em vista as características desses modelos discutidas no capítulo anterior. De fato, nos países

escandinavos e continentais, o Estado assume um papel mais contundente relativamente às de-

mais formas de provisão do bem-estar social que nos outros dois modelos considerados, de modo

que os benefícios são elevados e cobrem uma parcela expressiva da população. Já no caso dos

países anglo-saxões e mediterrâneos, o papel do Estado é menos contundente relativamente ao

mercado e à família, de modo que os benefícios são modestos e cobrem apenas uma parcela res-

trita da população.

Tabela 1

Gasto social (% do PIB) – 1980-89, 1990-99 e 2000-07 (médias)

Anglo-Saxão

Continental

Escandinavo

Mediterrâneo

1980-

1989

1990-

1999

2000-

2007

1980-

1989

1990-

1999

2000-

2007

1980-

1989

1990-

1999

2000-

2007

1980-

1989

1990-

1999

2000-

2007

Gasto total 21,0 21,8 21,3

26,3 28,7 29,2

25,3 31,0 28,8

16,1 20,5 23,1

Gasto público 18,1 17,8 17,4

23,9 25,5 25,7

24,1 29,1 26,5

15,6 19,1 21,6

Gasto privado 2,9 4,0 3,9

2,4 3,2 3,5

1,2 1,9 2,3

0,5 1,4 1,5

Fonte: OCDE. Elaboração própria.

Nota: Os gastos sociais (total, público e privado) não incluem os gastos em educação.

A maioria dos países europeus apresentou crescimento do gasto social público ao longo

das duas últimas décadas. Desde logo, entretanto, deve-se observar que um aumento no gasto

social não significa, necessariamente, um aumento do grau de sofisticação dos sistemas de prote-

ção social. De fato, não há garantias de que esse crescimento seja suficiente para fazer frente ao

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180

maior número de necessidades que um maior número de pessoas está sujeito atualmente. A ques-

tão fundamental, portanto, é que tipo de gasto social público predomina nas diferentes socieda-

des, uma vez que isso influencia as condições de vida prevalecentes em cada uma delas. De fato,

não se trata apenas de quanto dinheiro é gasto, mas também de como esse dinheiro é gasto.

Como não poderia deixar de ser, o crescimento do gasto social público a partir da década

de 1980 é particularmente notável no caso dos países mediterrâneos e, em particular, no caso de

Grécia e dos países ibéricos, Espanha e Portugal. Afinal, é justamente nesse período que esses

países implementaram um conjunto de reformas com o objetivo de superar o seu atraso econômi-

co, social e político em relação aos seus vizinhos mais ao norte. Isso incluiu a assunção, pelo Es-

tado, de um papel mais contundente na provisão do bem-estar aos cidadãos. De fato, em meio ao

processo de transição para o regime democrático, os países mediterrâneos avançaram na constru-

ção de seus Estados de Bem-Estar Social a partir de arranjos bastante rústicos herdados dos regi-

mes autoritários. Esse crescimento permitiu que esses países superassem o nível de gasto social

público dos países anglo-saxões. Eles, entretanto, permanecem bastante atrás dos países continen-

tais e, principalmente, dos países escandinavos, no que se refere ao grau de sofisticação desse

tipo de institucionalidade, ou seja, ao grau de amplitude dos direitos sociais, tanto no que se refe-

re ao seu conteúdo como no que diz respeito à parcela da sociedade que deles são investidos.

Como visto, os níveis mais elevados de gasto social público ainda estão nos países escan-

dinavos, seguidos de perto pelos países continentais. De particular interesse entre eles é o caso da

Dinamarca e da Holanda. Ambos adotaram o modelo de “flexiguridade”. A tentativa de conciliar

flexibilidade e seguridade envolveu uma mudança na forma de intervenção do Estado na provisão

do bem-estar social nesses países. Ela implicou a redução da sua importância em algumas áreas e

o aumento em outras. Entretanto, as magnitudes dessa redução e desse aumento foram diferentes

nesses países. Como consequência, enquanto no caso dinamarquês essa mudança na forma de

intervenção do Estado implicou um aumento do gasto social público, que se tornou um dos mais

elevados da Europa Ocidental, no caso da Holanda isso implicou o contrário, ou seja, uma redu-

ção do gasto social público, que se tornou um dos mais baixos da região, superior apenas ao dos

países anglo-saxões.

Os níveis mais baixos de gasto social público encontram-se, portanto, nos países anglo-

saxões. E aqui há uma diferença entre o caso da Irlanda e o caso do Reino Unido. Como visto,

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181

após o fim da Segunda Guerra Mundial, os britânicos criaram o mais sofisticado Estado de Bem-

Estar Social entre todos os países europeus a partir das diretrizes estabelecidas pelo Plano Beve-

ridge. Entretanto, nas décadas seguintes, os britânicos não apenas não acompanharam os desen-

volvimentos em curso nos demais países europeus como foram os primeiros a adotar um conjunto

de reformas orientadas pelos princípios liberais. Como consequência, o país, que antes se apro-

ximava do perfil do modelo escandinavo, aproximou-se consideravelmente do perfil do modelo

anglo-saxão. A Irlanda, por sua vez, nunca chegou a alcançar o grau de sofisticação do arranjo do

Reino Unido, ainda que, em função da proximidade entre os dois países, tenha reproduzido algu-

mas de suas políticas. Isso permite explicar porque, enquanto o nível de gasto social público no

caso britânico é de aproximadamente 20% do PIB, no caso irlandês, ele é de cerca de 15% do

PIB, o mais baixo entre os países europeus.

Também o gasto social privado apresentou crescimento em todos os países da Europa

Ocidental ao longo das duas últimas décadas. Ainda que ele ainda seja maior nos países anglo-

saxões, esse crescimento é particularmente notável no caso dos países continentais e dos países

escandinavos. Em ambos os casos, o destaque cabe, mais uma vez, aos países que adotaram o

modelo flexiguridade, ou seja, a Dinamarca e, principalmente, a Holanda, onde o setor privado

ocupou o espaço deixado pelo Estado ao alterar a sua forma de intervenção na provisão do bem-

estar social. Em alguns desses países, contribuem para o crescimento do gasto social privado os

estímulos concedidos pelo Estado, sobretudo por meio do sistema tributário. Grande parte dos

incentivos fiscais nesses países é oferecida aos empregadores para que estes adquiram proteção

para os seus empregados no mercado.

Em geral, esses incentivos fiscais são oferecidos na forma de redução ou eliminação dos

tributos cobrados pelo Estado dos indivíduos, das famílias e das empresas. Entretanto, os chama-

dos “gastos tributários” não são considerados como parte dos gastos sociais públicos brutos, de

modo que é necessário considerá-los separadamente. Nesse caso, a Tabela 2 demonstra a impor-

tância dos incentivos fiscais concedidos pelo Estado para a aquisição de proteção no mercado em

relação ao PIB nos países da Europa Ocidental em 2005. Como esperado, os incentivos fiscais

são maiores no caso dos países anglo-saxões, onde eles respondem por mais de 2% do PIB, e em

alguns dos países continentais e mediterrâneos. Ademais, em todos esses casos, a maior parte

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182

desses incentivos destina-se à aquisição de planos privados de previdência, em geral, e de apo-

sentadorias, em particular.

Tabela 2

Composição dos incentivos fiscais do Estado ao setor privado (% do PIB) - 2005

Anglo-

Saxão

Continental

Escandinavo

Mediterrâneo

IE UK AT BE DE FR NL DK FI SE ES GR IT PT

Incentivos fiscais

(exc. aposentadorias) 0,6 0,5

0,1 0,6 2,3 1,3 1,0

0,0 0,0 0,0

0,6 - 0,3 1,2

Incentivos fiscais

(aposentadorias) 2,2 1,6

0,1 0,2 1,2 0,0 -

- 0,2 0,0

0,4 - 0,0 0,1

Total 2,8 2,1 0,2 0,8 3,5 1,3 - - 0,2 0,0 1,0 - 0,3 1,3

Fonte: OCDE (2009d). Elaboração própria.

Nota: IE (Irlanda), UK (Reino Unido), AT (Áustria), BE (Bélgica), DE (Alemanha), FR (França), NL (Holanda), DK

(Dinamarca), FI (Finlândia), SE (Suécia), ES (Espanha), GR (Grécia), IT (Itália), PT (Portugal).

Uma última consideração deve ser feita a respeito do financiamento do gasto social públi-

co. Em geral, esse gasto pode ser financiado por meio de impostos (general taxes) e de contribui-

ções (payroll taxes). Evidentemente, nenhum dos países da Europa Ocidental apoia-se exclusi-

vamente em uma ou outra dessas fontes de recursos. Eles são estruturados, sempre, em uma com-

posição delas, sendo que normalmente uma acaba prevalecendo sobre a outra em função do perfil

de seus sistemas de proteção social e, mais ainda, do papel do Estado em cada um deles.

A Tabela 3 apresenta a composição do financiamento do gasto social público nos quatro

modelos de Estado de Bem-Estar Social europeus. De fato, os impostos prevalecem sobre as con-

tribuições no caso dos países escandinavos e dos países anglo-saxões. Isso sugere que o gasto

público nesses países é orientado, em grande medida, pelo princípio da seguridade, ou seja, o

atendimento das necessidades é um direito dissociado de pagamento prévio. Entretanto, enquanto

nos países escandinavos, a relevância dos impostos deve-se à importância de benefícios univer-

sais, isto é, que contemplam o conjunto da sociedade, nos países anglo-saxões, essa relevância

deve-se à importância dos benefícios focalizados, ou seja, que contemplam apenas parte dela. Já

as contribuições prevalecem no caso dos países continentais e dos países mediterrâneos. Isso su-

gere que o gasto público nesses países é orientado, em grande medida, pelo princípio do seguro

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183

social, isto é, o atendimento das necessidades é um direito que varia de acordo com a posição

social dos indivíduos e que está associado ao pagamento prévio.

Tabela 3

Financiamento do gasto social público (% do total) – 1990-99 e 2000-07 (médias)

Anglo-saxões

Continental

Escandinavo

Mediterrâneo

1990-

1999

2000-

2007

1990-

1999

2000-

2007

1990-

1999

2000-

2007

1990-

1999

2000-

2007

Contribuições 44,5 43,4

68,0 65,6

37,1 43,1

62,4 57,7

Impostos 54,7 53,9

25,7 29,8

54,8 51,4

30,7 36,4

Outros 0,7 2,7

6,3 4,6

8,0 5,5

6,9 5,8

Fonte: Eurostat. Elaboração própria.

Nota: Informações indisponíveis ou insuficientes para o período de 1980-89.

Por sua vez, a Tabela 4 apresenta a proporção da riqueza nacional que é apropriada pelo

Estado sob a forma de tributos. Tradicionalmente, a carga de impostos e contribuições é maior no

caso dos países continentais e, principalmente, dos países escandinavos, onde ela é frequentemen-

te superior a 40% do PIB, e menor no caso dos países mediterrâneos e dos países anglo-saxões,

onde ela é raramente superior a 30% do PIB. No que se refere aos impostos, aqueles incidentes

sobre a renda e a propriedade normalmente prevalecem em relação aos impostos sobre o consu-

mo. Essa diferença é maior no caso dos países escandinavos e anglo-saxões, e menor no caso dos

países continentais e mediterrâneos. Na realidade, na Grécia e em Portugal os impostos indiretos

chegam a prevalecer sobre os impostos diretos.

Já no que diz respeito às contribuições, aquelas pagas pelos empregadores tendem a pre-

valecer sobre as dos beneficiários, que incluem os trabalhadores assalariados e os trabalhadores

autônomos. Essa diferença é particularmente elevada no caso dos países escandinavos, o que re-

vela uma maior preocupação em reduzir os encargos sobre os trabalhadores nesses países. Na

realidade, somente na Dinamarca e na Holanda as contribuições dos beneficiários prevalecem

sobre as contribuições dos empregadores. Isso não é surpreendente, uma vez que esses países

estão mais preocupados que os demais em reduzir, sempre que possível, o custo do empregado

para o empregador, como convém, de fato, ao modelo de flexiguridade.

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184

Tabela 4

Impostos e contribuições (% do PIB) – 1980-89, 1990-99 e 2000-07 (médias)

Anglo-Saxão

Continental

Escandinavo

Mediterrâneo

1980-

1989

1990-

1999

2000-

2007

1980-

1989

1990-

1999

2000-

2007

1980-

1989

1990-

1999

2000-

2007

1980-

1989

1990-

1999

2000-

2007

Impostos 28,8 27,4 26,6

25,2 25,3 25,5

35,9 37,2 37,0

17,6 22,0 23,4

Renda e

propriedade 15,6 15,0 15,7

13,0 13,1 13,4

21,8 22,8 22,6

8,0 10,9 11,7

Bens e

Serviços 12,7 11,9 10,8

11,1 11,1 10,9

13,5 13,8 13,6

9,4 11,0 11,1

Outros 0,5 0,4 0,1

1,0 1,1 1,1

0,6 0,6 0,8

0,3 0,2 0,7

Contribuições 5,5 5,0 5,0

14,7 15,1 14,0

7,3 8,9 8,4

9,2 10,0 10,6

Empregadores 3,2 3,0 3,1

7,9 7,3 7,3

6,3 6,9 6,1

6,0 6,3 6,6

Beneficiários 2,3 2,0 1,9

6,9 7,8 6,7

1,0 2,0 2,3

3,0 3,8 4,0

Fonte: OCDE. Elaboração própria.

Deve-se observar que, em geral, o aumento nas contribuições em um país, mais do que

dos impostos, converte-se em um aumento dos custos de trabalho e, consequentemente, uma re-

dução da competitividade de sua economia. Nesse caso, os países europeus em que a carga das

contribuições é elevada, notadamente, os países continentais e os países mediterrâneos, estão

mais vulneráveis a uma redução da competitividade de sua economia que os países em que essas

contribuições possuem uma importância menor, como é o caso dos países escandinavos e dos

países anglo-saxões102

.

5.1.2 Composição do gasto social público

Uma vez considerado o nível de gasto social público, bem como as formas por meio das

quais ele é financiado, cabe analisar a forma como esses recursos são empregados, ou seja, a

composição desse gasto em cada um dos quatro modelos de Estado de Bem-Estar social da Euro-

pa Ocidental discutidos nesse trabalho.

102

Como já indicado, é importante ressaltar que as contribuições, ao contrário dos impostos, são frequentemente

cumulativas, incidindo sobre o valor total e não sobre o valor adicionado em cada etapa do processo produtivo.

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185

Desde logo, os sistemas de proteção social diferenciam-se em função da forma assumida

pelos benefícios públicos: se eles são oferecidos em dinheiro (por meio de transferências) ou em

espécie (por meio da provisão direta de bens e serviços). Em geral, a importância dos benefícios

em espécie é maior no caso dos países anglo-saxões e escandinavos, onde eles respondem por

mais de 40% do total, em razão da ênfase atribuída por eles aos serviços, vis-à-vis os países con-

tinentais e mediterrâneos, onde eles respondem por uma parcela menor do total, dada a importân-

cia atribuída às transferências, como sugere a Tabela 5.

Tabela 5

Tipo dos benefícios (% do total) – 1980-89, 1990-99 e 2000-07 (médias)

Anglo-Saxão

Continental

Escandinavo

Mediterrâneo

1980-

1989

1990-

1999

2000-

2007

1980-

1989

1990-

1999

2000-

2007

1980-

1989

1990-

1999

2000-

2007

1980-

1989

1990-

1999

2000-

2007

Em dinheiro 62,3 59,8 53,3

71,4 67,4 63,0

59,1 61,2 56,4

71,4 70,7 66,7

Em espécie 37,7 40,2 46,7

28,6 32,6 37,0

40,9 38,8 43,6

28,6 29,3 33,3

Fonte: Eurostat. Elaboração própria.

Os sistemas de proteção social europeus diferenciam-se ainda em função da importância

do gasto relacionado aos mecanismos de assistência pública, como demonstra a Tabela 6. Esses

mecanismos estão associados aos benefícios que dependem da comprovação de necessidade, ou

seja, de teste de meios, e que são financiados fundamentalmente por impostos. Eles podem ser

destinados a qualquer indivíduo ou se destinar a determinados grupos sociais, como os idosos e

os portadores de algum tipo de deficiência, por exemplo.

Tabela 6

Benefícios sujeitos a teste de meios (% do total) – 1990-99 e 2000-07 (médias)

Anglo-Saxão

Continental

Escandinavo

Mediterrâneo

1990-

1999

2000-

2007

1990-

1999

2000-

2007

1990-

1999

2000-

2007

1990-

1999

2000-

2007

Teste de meios 24,2 20,1

8,0 9,2

7,0 4,0

8,8 9,1

Fonte: Eurostat. Elaboração própria.

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186

Origem dos modernos sistemas de proteção social, a função desses benefícios é bastante

modesta. De fato, eles não possuem como objetivo principal assegurar a todos os cidadãos condi-

ções de vida consideradas adequadas de acordo com os padrões que prevalecem na sociedade,

mas apenas funcionar como um socorro de última instância, destinado a aliviar a privação nor-

malmente associada às situações de miséria e de pobreza, ao assegurar um mínimo abaixo do

qual ninguém poderá estar, ou seja, uma “rede de proteção”. Além disso, esses benefícios são

tradicionalmente fontes de vergonha e de estigma e, portanto, de segregação social. Isso significa

que eles nem sempre são capazes de assegurar a integração ou reintragração dos beneficiários na

vida social.

Como mostra a Tabela 6, a importância dos mecanismos de assistência pública é muito

superior no caso dos países anglo-saxões, vale dizer, no Reino Unido e, principalmente, na Irlan-

da. Isso é compreensível, uma vez que o Estado assume papel pouco relevante na provisão do

bem-estar social nesses países, restringindo-se àqueles que não podem atender as suas necessida-

des fundamentais por seus próprios meios. Até recentemente, os mecanismos de assistência pú-

blica permaneceram com reduzida importância nos demais países da Europa Ocidental. No caso

dos países escandinavos, porque o Estado assumiu a responsabilidade por assegurar as condições

para que os indivíduos não precisem recorrer a esse tipo mecanismo. Já no caso dos países conti-

nentais e dos países mediterrâneos, os mecanismos de assistência pública são pouco desenvolvi-

dos porque as formas tradicionais de provisão, em geral, e a família, em particular, é que, nor-

malmente, assumiram a responsabilidade por atender as necessidades fundamentais daqueles que

se encontram em situação de maior vulnerabilidade.

Uma vez considerados a forma dos benefícios, isto é, se em dinheiro ou em espécie, e a

importância dos mecanismos de assistência pública, ou seja, dos benefícios sujeitos a teste de

meios, deve-se analisar o gasto social público a partir da sua função. Para isso, a Tabela 7 apre-

senta o gasto social público considerando-se âmbitos selecionados nos quais o Estado frequente-

mente intervém de alguma forma tendo em vista a provisão de bem-estar social e que incluem os

benefícios relacionados à idade, à incapacidade, ao desemprego, ao mercado de trabalho, à famí-

lia e à saúde.

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Tabela 7

Composição do gasto social público (% do PIB) (áreas de intervenção do Estado selecionadas) – 1980-89, 1990-99 e 2000-07 (médias)

Anglo-Saxão

Continental

Escandinavo

Mediterrâneo

1980-

1989

1990-

1999

2000-

2007

1980-

1989

1990-

1999

2000-

2007

1980-

1989

1990-

1999

2000-

2007

1980-

1989

1990-

1999

2000-

2007

Idade

Total 4,4 4,5 4,2

8,2 8,1 8,6

7,1 8,6 8,2

6,0 8,4 9,2

Aposentadorias por idade 3,7 3,3 3,0

7,4 7,2 7,6

5,6 6,4 6,0

5,9 7,3 7,7

Aposentadorias precoces 0,3 0,3 0,3

0,3 0,3 0,4

0,3 0,4 0,4

0,0 0,7 1,4

Outros benefícios em dinheiro 0,0 0,5 0,6

0,2 0,3 0,2

0,0 0,1 0,0

0,1 0,3 0,3

Serviços de cuidado 0,3 0,1 0,3

0,2 0,2 0,3

1,4 1,7 1,6

0,0 0,1 0,1

Outros benefícios em espécie 0,1 0,3 0,1

0,0 0,0 0,0

0,0 0,1 0,2

0,0 0,0 0,0

Incapacidade

Total 1,9 2,1 2,0

3,4 3,0 2,5

4,0 4,4 4,5

2,1 1,9 1,8

Aposentadorias por invalidez 0,9 1,4 1,3

1,8 1,5 1,2

1,9 2,0 1,9

1,3 1,2 1,1

Pensões por acidente e doença 0,9 0,5 0,4

0,9 0,8 0,6

1,9 1,2 1,1

0,7 0,5 0,4

Outros benefícios em dinheiro 0,0 0,1 0,1

0,2 0,4 0,3

0,2 0,4 0,2

0,1 0,2 0,2

Serviços de cuidado 0,0 0,0 0,1

0,0 0,2 0,3

0,2 0,7 1,0

0,0 0,0 0,0

Outros benefícios em espécie 0,1 0,1 0,1

0,1 0,1 0,1

0,2 0,2 0,2

0,0 0,0 0,0

Desemprego

Total 2,3 1,5 0,6

1,9 2,0 1,7

2,1 3,1 2,0

1,0 1,2 0,9

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Tabela 7 (continuação)

Composição do gasto social público (% do PIB) (áreas de intervenção do Estado selecionadas) – 1980-89, 1990-99 e 2000-07 (médias)

Anglo-Saxão

Continental

Escandinavo

Mediterrâneo

1980-

1989

1990-

1999

2000-

2009

1980-

1989

1990-

1999

2000-

2009

1980-

1989

1990-

1999

2000-

2009

1980-

1989

1990-

1999

2000-

2009

Mercado de Trabalho

Total 0,9 0,8 0,5

0,8 1,0 1,0

1,1 1,7 1,3

0,2 0,4 0,5

Intermediação 0,2 0,2 0,2

0,2 0,2 0,3

0,1 0,2 0,2

0,1 0,1 0,1

Treinamento 0,5 0,3 0,1

0,2 0,3 0,3

0,4 0,6 0,4

0,0 0,2 0,2

Incentivos à contratação 0,0 0,0 0,0

0,2 0,3 0,3

0,2 0,6 0,6

0,0 0,1 0,2

Criação direta de empregos 0,2 0,2 0,1

0,2 0,2 0,2

0,2 0,3 0,0

0,0 0,0 0,0

Outros benefícios 0,0 0,0 0,0

0,0 0,0 0,0

0,0 0,1 0,0

0,0 0,0 0,0

Família

Total 1,8 2,2 2,8

2,4 2,3 2,4

3,1 3,8 3,3

0,6 0,7 1,2

Prestações familiares 1,1 0,9 1,0

1,9 1,4 1,3

0,8 1,0 0,9

0,4 0,4 0,4

Licenças parentais 0,1 0,1 0,1

0,2 0,3 0,2

0,6 0,8 0,6

0,1 0,1 0,1

Outros benefícios em dinheiro 0,4 0,8 0,9

0,1 0,0 0,0

0,1 0,1 0,1

0,0 0,1 0,1

Serviços de cuidado 0,0 0,1 0,7

0,2 0,4 0,7

1,4 1,6 1,5

0,0 0,1 0,4

Outros benefícios em espécie 0,2 0,2 0,2

0,1 0,1 0,1

0,3 0,2 0,2

0,0 0,0 0,0

Saúde

Total 5,3 5,1 5,9

5,7 6,8 7,3

6,9 6,7 7,1

4,2 5,0 6,0

Fonte: OCDE. Elaboração própria.

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189

Tradicionalmente, a previdência responde pela maior parte dos gastos sociais públicos em

todos os países da Europa Ocidental103

. Como visto, os países europeus diferenciam-se quanto

aos seus sistemas públicos de previdência. Nos países continentais e nos países mediterrâneos, os

benefícios variam de acordo com os rendimentos. A participação é compulsória. Em geral, exis-

tem sistemas diferentes para cada ocupação. Alguns sistemas asseguram benefícios elevados,

com alta recomposição dos rendimentos perdidos, e outros asseguram benefícios reduzidos, com

baixa recomposição. Essas diferenças entre os sistemas tendem a ser mais pronunciadas no caso

dos países mediterrâneos, de um lado, e menos pronunciadas no caso dos países continentais, de

outro. Já nos países anglo-saxões e nos países escandinavos é possível identificar dois sistemas,

quais sejam, um sistema básico e um sistema complementar, no qual os benefícios básicos são

constantes e os benefícios complementares variam de acordo com os rendimentos. Em ambos os

casos a participação no sistema básico é compulsória. Já a participação no sistema complementar

é voluntária no caso dos países anglo-saxões e compulsória no caso dos países escandinavos. Em

geral, existe um único sistema para todas as ocupações. Os benefícios tendem a ser modestos no

caso dos países anglo-saxões, assegurando baixa recomposição dos rendimentos perdidos, e ele-

vados no caso dos países escandinavos, assegurando elevada recomposição.

Em geral, os sistemas de previdência dos países continentais e mediterrâneos, bem como

os sistemas de previdência dos países anglo-saxões, são financiados fundamentalmente por meio

de contribuições, ainda que eles frequentemente também sejam subsidiados pelo Estado. No caso

dos países escandinavos, apenas o sistema de previdência complementar é financiado por meio de

contribuições; o sistema básico é financiado, fundamentalmente, por meio de impostos.

Embora em todos os países da Europa Ocidental as aposentadorias por idade respondam

pela maior parte dos benefícios no âmbito da previdência, os países continentais e os países medi-

terrâneos gastam mais nesses benefícios do que os países dos demais modelos considerados em

função da prioridade atribuída por eles à manutenção do status social. De fato, os gastos públicos

com aposentadorias por idade são, frequentemente, próximas a 8% do PIB nos países continentais

e mediterrâneos. E aqui incluem-se não apenas as aposentadorias regulares, mas também as apo-

sentadorias precoces, isto é, aquelas concedidas antes que o beneficiário tenha atingido a idade-

padrão para receber o benefício, e que foram durante muito tempo bastante frequentes entre eles.

103

Isto é, a proteção contra contingências que limitam, de forma temporária ou permanente, a capacidade dos indiví-

duos de auferir um rendimento por meio do trabalho, notadamente, idade, invalidez, acidente, doença e desemprego

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190

Os países continentais e os países mediterrâneos são seguidos de perto pelos países escandinavos,

onde esses gastos são superiores a 6% do PIB, e todos eles estão muito à frente dos países anglo-

saxões, onde eles são inferiores a 4% do PIB. Nestes, os modestos benefícios e a baixa recompo-

sição dos rendimentos perdidos, somados aos incentivos fiscais concedidos pelo Estado, induzem

muitos a recorrer ao mercado.

Deve-se observar que Dinamarca e Holanda possuem níveis de gasto público próximos ao

dos países anglo-saxões no que se refere às aposentadorias por idade. A diferença entre eles, en-

tretanto, é que, além da participação compulsória nos sistemas públicos, básicos e complementa-

res, esses países tornaram compulsória também a participação em sistemas privados de aposenta-

doria por idade. Embora a importância do Estado ainda seja bastante elevada nesse âmbito no

caso da Suécia, mais recentemente o país adotou uma estratégia semelhante à dinamarquesa e à

holandesa e tornou compulsória a participação em sistemas privados de aposentadorias por ida-

de104

. Tanto nos casos da Dinamarca e da Holanda, como no da Suécia, esses sistemas privados

compulsórios hoje respondem por uma parcela importante da taxa de recomposição dos rendi-

mentos perdidos.

A Tabela 8 apresenta a taxa de recomposição dos rendimentos perdidos pelas aposentado-

rias por idade pelos sistemas público, privado compulsório e privado voluntário de previdência

em 2007. A taxa de recomposição é definida como a proporção das aposentadorias por idade rela-

tivamente ao rendimento médio ao longo da vida do indivíduo, sendo que 0,5, 1,0 e 1,5 corres-

pondem a 50%, 100% e 150% desse rendimento, respectivamente. Nesse caso, deve-se observar

que a taxa de recomposição assegurada pelo sistema público de previdência é, em geral, mais

elevada no caso dos países continentais e, principalmente, dos países mediterrâneos. Quando se

considera não apenas o sistema público, mas também o sistema privado compulsório, esses países

são ultrapassados pela Dinamarca e pela Holanda, bem como pela Suécia, que passam a assegurar

as taxas de recomposição mais elevadas entre os países da Europa Ocidental. Por sua vez, o sis-

104

De fato, no início da década de 1990 a desaceleração da economia sueca induziu um aumento dos desequilíbrios

nas contas públicas do país. Nesse contexto, foi implementado um conjunto de reformas no sistema de proteção

social com destaque para o sistema de previdência. Efetivamente, essas reformas foram as maiores desde a criação

do sistema complementar de previdência no final da década de 1950. Após essas reformas, o sistema de previdência

passou a se apoiar sobre três pilares: um pilar público e compulsório, composto por benefícios básicos e complemen-

tares. Os benefícios complementares são ainda divididos em dois sistemas, um financiado com base no sistema de

repartição simples e outro financiado com base no sistema de capitalização; um pilar privado compulsório; e um pilar

privado voluntário.

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191

tema privado voluntário contribui para a complementação das aposentadorias do sistema público

principalmente no caso dos países anglo-saxões.

Tabela 8

Recomposição dos rendimentos perdidos (% dos rendimentos médios) - 2007

Anglo-

Saxão Continental

Escandinavo

Mediterrâneo

RM IE UK

AT BE DE FR NL

DK FI SE

ES GR IT PT

Publico

0,5 68,4 51,0

80,1 58,1 43,0 61,7 60,5

61,5 66,5 52,9

81,2 95,7 67,9 63,0

1,0 34,2 30,8

80,1 42,0 43,0 53,3 30,2

22,9 56,2 37,8

81,2 95,7 67,9 53,9

1,5 22,8 21,3

76,4 32,5 42,6 48,5 20,2

11,7 56,2 27,9

81,2 95,7 67,9 53,1

Privado

Compulsório

0,5 - -

- - - - 32,9

62,5 - 23,7

- - - -

1,0 - -

- - - - 58,1

57,4 - 23,7

- - - -

1,5 - -

- - - - 66,5

55,8 - 47,7

- - - -

Privado

Voluntário

0,5 40,8 39,2

- 16,6 18,3 - -

- - -

- - - -

1,0 40,8 39,2

- 16,6 18,3 - -

- - -

- - - -

1,5 40,8 39,2

- 13,0 18,1 - -

- - -

- - - -

Fonte: OCDE (2009c). Elaboração própria.

Nota: IE (Irlanda), UK (Reino Unido), AT (Áustria), BE (Bélgica), DE (Alemanha), FR (França), NL (Holanda), DK

(Dinamarca), FI (Finlândia), SE (Suécia), ES (Espanha), GR (Grécia), IT (Itália), PT (Portugal).

Em seguida, destacam-se as pensões por acidente e doença e, principalmente, as aposen-

tadorias por invalidez, ou seja, aquelas destinadas aos portadores de alguma restrição à sua capa-

cidade de trabalho e que são normalmente a principal via por meio do qual os indivíduos deixam

o mercado de trabalho antes de se qualificarem para aposentadoria por idade. Tradicionalmente,

os países escandinavos possuem o sistema mais solidário no que se refere às aposentadorias por

invalidez e às pensões por acidente e doença entre todos os países europeus. O fato de que mais

pessoas possuem acesso a benefícios mais elevados, faz com que os gastos públicos com esses

benefícios sejam frequentemente superiores a 4% do PIB nos países escandinavos, enquanto que

nos demais países da Europa Ocidental eles geralmente alcançam a metade disso, isto é, cerca de

2% do PIB.

Por fim, destaca-se a proteção em caso de desemprego. Esses benefícios foram os últimos

a serem incorporados aos sistemas públicos de previdência, depois da proteção em caso de idade,

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invalidez, doença e acidente. Em geral, os países escandinavos e continentais possuem um gasto

público próximo a 2% do PIB nesse âmbito, superior, portanto, àquele verificado nos países an-

glo-saxões e mediterrâneos, próximo a 1% do PIB. Isso não significa que essa seja uma contin-

gência mais frequente naqueles países do que nestes. De fato, deve-se observar que esses benefí-

cios são normalmente mais elevados no caso dos países escandinavos e dos países continentais

que no caso dos países anglo-saxões e dos países mediterrâneos. Em verdade, isso está relaciona-

do menos aos níveis de desemprego nesses países, que não são mais elevados que os demais, e

mais aos níveis de proteção oferecidos àqueles que estão desempregados, que são mais elevados

no caso dos países escandinavos e dos países continentais relativamente aos países anglo-saxões e

aos países mediterrâneos.

Nesse contexto, deve-se ainda observar que os países escandinavos gastam mais do que

qualquer outro país da Europa Ocidental em “políticas ativas do mercado de trabalho”. De fato,

os gastos públicos nesse âmbito são de quase 1,5% do PIB nesses países. Essas políticas buscam

facilitar o ingresso ou reingresso dos indivíduos no mercado de trabalho ao invés de simplesmen-

te compensá-los pela situação de desemprego. Muitas dessas políticas são direcionadas aos seg-

mentos tradicionalmente excluídos desse mercado, como as mulheres, os jovens e os idosos, além

dos portadores de algum tipo de deficiência e os migrantes. Nesses países, a maior parte dos gas-

tos públicos com políticas ativas de mercado de trabalho se concentra nos serviços de treinamen-

to, ou seja, de qualificação ou requalificação de indivíduos desempregados ou em risco de perder

o emprego, seguidos pelos incentivos ao emprego, na forma de subsídios aos empregadores, por

exemplo. Em seguida, destacam-se os serviços de intermediação entre ofertantes e demandantes

de trabalho, seguidos pela criação direta de empregos pelo Estado, sob a forma de obras públicas,

por exemplo.

Ainda que os países escandinavos mantenham a sua liderança no que se refere às políticas

ativas de mercado de trabalho, a importância dessas políticas aumentou sensivelmente também

nos países continentais. De fato, os gastos públicos nesse âmbito respondem frequentemente por

quase 1% do PIB nesses países. Isso é particularmente notável, tendo-se em vista que, nos países

continentais, as chamadas “políticas passivas de mercado de trabalho”, isto é, aquelas destinadas

a manter o padrão de vida daqueles que, por alguma razão, não podem permanecer no mercado

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de trabalho, como é o caso das aposentadorias antecipadas e dos benefícios por desemprego,

sempre foram privilegiadas.

Na Dinamarca e na Holanda, as políticas passivas e ativas de mercado de trabalho são par-

ticularmente importantes. Tal como convém ao modelo de flexiguridade, elas asseguram alguma

segurança diante do avanço do processo de desregulamentação do mercado de trabalho. Em ver-

dade, embora esse processo tenha sido mais rápido e mais pronunciado nesses dois países, ele não

se restringe a eles. Na realidade, a desregulamentação do mercado de trabalho é uma tendência

verificada em quase todos os países da Europa Ocidental. Na prática, isso significa um movi-

mento de convergência dos países continentais e dos países mediterrâneos e, em menor medida,

também dos países escandinavos, em relação ao modelo dos países anglo-saxões, tradicionalmen-

te caracterizado pela reduzida intervenção do Estado nas regras que regem o funcionamento do

mercado de trabalho. Os resultados desse processo de desregulamentação do mercado de trabalho

incluem menores restrições à admissão e, principalmente, à demissão de empregados, além de

uma maior permissividade em relação aos empregos atípicos, ou seja, os empregos em tempo-

parcial e os empregos temporários, em geral associados a menores salários e estabilidade.

Tradicionalmente, os países escandinavos são também os que gastam mais em benefícios

destinados à família, como as prestações familiares, as licenças parentais e, principalmente, os

serviços de cuidado profissional de crianças e idosos, como mostra a Tabela 7. De fato, os gastos

públicos com esses benefícios são superiores a 3% do PIB nesses países, maiores, portanto, do

que em qualquer outro país da Europa Ocidental. Isso reflete o entendimento prevalecente nos

países escandinavos de que a família não deve arcar sozinha com a responsabilidade pelo atendi-

mento das necessidades fundamentais de seus membros. Isso porque, muitas vezes, por forças

muito além de seu controle, ela pode não ser capaz de fazer isso de forma adequada. Por essa

razão, essa tarefa deve ser compartilhada com toda a sociedade.

Os benefícios destinados à família sempre enfrentaram grande resistência nos países con-

tinentais e, principalmente, nos países mediterrâneos. Isso se deve, em grande medida, ao enten-

dimento prevalecente nesses países de que o Estado não deve intervir na vida familiar. Quando

muito, ele deve apenas facilitar o exercício de responsabilidades que são, na verdade, exclusivas

de seus membros, o que é coerente com o princípio de que as necessidades fundamentais dos in-

divíduos devem ser atendidas, primeiramente, por aqueles mais próximos de sua realidade. Por

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essa razão, os benefícios destinados à família nesses países se limitam principalmente às presta-

ções familiares, frequentemente mais modestas do que aqueles que existem nos países escandina-

vos. As principais exceções entre esses países são a França e a Bélgica. Além dessas prestações,

os dois países também avançaram no desenvolvimento das licenças parentais e, principalmente,

dos serviços de cuidado profissional de crianças e idosos.

Deve-se observar que os benefícios destinados à família podem constituir um estímulo

importante ao aumento da taxa de fertilidade, isto é, do número médio de filhos por mulher, como

sugere o Gráfico 1. Isso porque, ao atuarem em conjunto com as demais ações do Estado, nota-

damente no âmbito da educação e da saúde, esses benefícios contribuem para a redução dos cus-

tos em geral associados à criação dos filhos em bases adequadas.

Gráfico 1

Gasto social público em benefícios familiares e taxa de fertilidade - 2007

Fonte: OCDE. Elaboração própria.

Nota: IE (Irlanda), UK (Reino Unido), AT (Áustria), BE (Bélgica), DE (Alemanha), FR (França), NL (Holanda), DK

(Dinamarca), FI (Finlândia), SE (Suécia), ES (Espanha), GR (Grécia), IT (Itália), PT (Portugal).

De fato, não por acaso, os países escandinavos, além da França e da Bélgica, que possuem

o maior gasto público com benefícios destinados às famílias, são também os que possuem as

0

200

400

600

800

1000

1200

1400

1600

1,20 1,30 1,40 1,50 1,60 1,70 1,80 1,90 2,00 2,10

Gas

to S

oci

al P

úb

lico

Ben

efíc

ios

Fam

ilia

res

(US

$ p

er c

apit

a)

Taxa de Fertilidade (%)

DK

SE UK IE

FR FI

BE NL

IT ES

GR PT

DE

AT

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maiores taxas de fertilidade da Europa Ocidental: cerca de dois filhos por mulher, frente a um

filho por mulher no resto do continente. Uma taxa de fecundidade reduzida, deve-se enfatizar,

não reflete, necessariamente, que os indivíduos desejam ter menos filhos. De fato, em todos os

países do continente, o número médio de filhos relatado como ideal, tanto pelos homens como

pelas mulheres, é de dois, às vezes três filhos, situação diferente, portanto, da realidade na maio-

ria deles (OCDE, 2014).

Por fim, no que se refere aos serviços de saúde, prevalecem na Europa Ocidental dois sis-

temas principais, quais sejam, o sistema beveridgeano e o sistema bismarckiano. No primeiro

sistema, os serviços são universais e não dependem de contribuição prévia, prevalecendo, então, a

noção de seguridade. Contrariando os princípios que tradicionalmente orientam a forma de inter-

venção do Estado nos países anglo-saxões, eles foram os primeiros a criar um sistema dessa natu-

reza, sendo seguidos pelos países escandinavos e, mais recentemente, também pelos países medi-

terrâneos. Já no segundo sistema, os serviços não são universais e dependem de contribuição pré-

via, prevalecendo, assim, a noção de seguro social. Esse sistema prevalece no caso dos países

continentais.

Embora o gasto público em serviços de saúde seja bastante elevado em todos os países eu-

ropeus, ele é maior no caso daqueles países em que prevalece o sistema bismarckiano e menor no

caso daqueles em que prevalece o sistema beveridgeano, como mostra a Tabela 7. Além disso,

nos países do sistema bismarckiano, a maior parte dos gastos é financiada por meio de contribui-

ções. Já nos países do sistema beveridgeano, a maior parte desse gasto é financiada por meio de

impostos. Na realidade, a importância dos impostos nesses países depende do grau de desenvol-

vimento de seus sistemas, sendo, portanto, maior no caso dos países anglo-saxões e dos países

escandinavos, e menor no caso dos países mediterrâneos, como sugere a Tabela 9.

Dentre os países anglo-saxões, as contribuições ainda desempenham algum papel no caso

da Irlanda, ao passo que, dentre os países escandinavos, isso ocorre no caso da Finlândia. Dentre

os países mediterrâneos, as contribuições desempenham algum papel em todos eles. De fato, ape-

nas a Itália aproximou-se da conclusão do processo de transição dos antigos sistemas baseados na

noção de seguro social para os novos sistemas baseados na noção de seguridade, o que é natural,

uma vez que os italianos iniciaram esse processo antes dos espanhóis, portugueses e gregos. Den-

tre eles, esse processo tem evoluído mais rapidamente no caso dos países ibéricos, ou seja, Espa-

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nha e Portugal, e mais lentamente no caso da Grécia, razão pela qual as contribuições ainda hoje

respondem pela maior parte do financiamento do gasto público em serviços de saúde nesse país.

Tabela 9

Composição do financiamento dos serviços de saúde (% do total) – 2000-07 (médias)

Anglo-saxão

Continental

Escandinavo

Mediterrâneo

2000-

2007

2000-

2007

2000-

2007

2000-

2007

Impostos 77,5

8,2

74,9

69,6

Contribuições 0,3

68,3

4,8

2,3

Planos privados 5,4

8,8

1,3

3,4

Pagamentos diretos 12,9

13,8

17,1

22,3

Outros 3,9

0,9

2,0

2,5

Fonte: OCDE. Elaboração própria.

Nota: Dados indisponíveis ou insuficientes para os períodos de 1980-89 e 1990-99.

Embora o gasto público responda pela maior parte do gasto total em serviços de saúde em

todos os países da Europa Ocidental, em alguns deles a importância do gasto privado é bastante

expressiva. Isso é mais frequente no caso dos países mediterrâneos, onde ele chega a responder,

muitas vezes, por mais de 30% do total, seguidos pelos países anglo-saxões, pelos países conti-

nentais e pelos países escandinavos, onde ele, frequentemente, alcança menos de 20% do total.

Em geral, um gasto privado elevado significa que o gasto público não é suficiente para fa-

zer frente à demanda existente e que, portanto, os serviços públicos de saúde não atendem as ex-

pectativas crescentes dos usuários. Nesse caso, aqueles que podem pagar frequentemente recor-

rem ao mercado, contando, inclusive, com incentivos do próprio Estado. Eles podem fazer isso de

forma direta, pagando pela totalidade dos custos dos serviços utilizados, ou de forma indireta,

pagando por um plano de saúde privado, que, então, se responsabiliza por parte ou pela totalidade

dos custos dos serviços utilizados. A importância dos pagamentos diretos é elevada em todos os

países europeus e diz respeito, sobretudo, a serviços não contemplados pelo sistema de saúde

público e pelos planos de saúde privados, como, em geral, é o caso dos serviços odontológicos e

dos serviços farmacêuticos. Já a importância dos planos de saúde privados é maior no caso dos

países em que prevalece o sistema bismarckiano, isto é, nos países continentais, e menor no caso

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dos países em que prevalece o sistema beveridgeano, isto é, nos países escandinavos, mediterrâ-

neos e anglo-saxões.

A Tabela 10 apresenta a parcela da população que possui planos de saúde privado nos

quatro modelos de Estado de Bem-Estar Social da Europa Ocidental em 2007. Esses planos, por

sua vez, podem ser de quatro tipos: i) primário: quando os indivíduos não participam do sistema

público e, por isso, têm de recorrer ao sistema privado; ii) complementar: quando os indivíduos

participam do sistema público, mas tem de arcar com parte dos custos dos serviços prestados por

ele; iii) duplicado: quando os indivíduos recorrem ao sistema privado mesmo quando os serviços

são oferecidos pelo sistema público; e iv) suplementar: quando os indivíduos recorrem ao sistema

privado quando os serviços não são oferecidos pelo sistema público (OCDE, 2009b).

Tabela 10

População que possui plano de saúde privado (% do total) – 2007

Anglo-

Saxão Continental Escandinavo Mediterrâneo

IE UK AT BE DE FR NL DK FI SE ES GR IT PT

Total 51,2 11,1 33,7 77,4 27,9 88,4 92,0 15,5 11,4 - 14,4 15,6 - 17,9

Primário - - - - 10,4 - - - - - - - - -

Duplicado 51,2 11,1 - - - - - - - - - 15,6

17,9

Complementar - - - 77,4 17,5 88,4 - 15,5 - - - - - -

Suplementar - - 33,7 - - - 92,0 15,5 11,4 - 14,4 - - -

Fonte: OCDE (2009b). Elaboração própria.

Nota: Nota: IE (Irlanda), UK (Reino Unido), AT (Áustria), BE (Bélgica), DE (Alemanha), FR (França), NL (Holan-

da), DK (Dinamarca), FI (Finlândia), SE (Suécia), ES (Espanha), GR (Grécia), IT (Itália), PT (Portugal).

Na maioria dos países do modelo bismarckiano, prevalecem os planos privados comple-

mentares ou suplementares. Esse é o caso da maioria dos países continentais. A importância dos

planos privados primários no caso da Alemanha justifica-se pelo fato de que a participação no

sistema público não é compulsória para a parcela mais rica da população naquele país. Já nos

países do modelo beveridgeano prevalecem os planos privados duplicados, notadamente nos paí-

ses anglo-saxões e mediterrâneos. Isso não é surpreendente, uma vez que esses planos asseguram

o acesso a serviços prestados pelo sistema privado em melhores condições do que aquelas dos

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serviços prestados pelo sistema público, sobretudo no que se refere à liberdade de escolha do

provedor dos serviços (médicos, hospitais etc.), ao tempo de espera para o acesso a determinados

serviços (exames, cirurgias etc.), à qualidade dos serviços prestados (hospedagem etc.), entre

outros.

Em geral, as condições de saúde prevalecentes em todos os países da Europa Ocidental

são bastante satisfatórias. Prova disso é que os europeus vivem melhor por mais tempo. Ao longo

das duas últimas décadas, esses países experimentaram expressiva redução da taxa de mortalida-

de e, consequentemente, o aumento da expectativa de vida, a qual é atualmente superior a 80

anos. Esse processo está associado à redução das mortes por fatores tradicionais, como doenças

transmissíveis, por exemplo. De particular importância, ademais, é a drástica redução da taxa de

mortalidade nos primeiros anos de vida, em consequência da maior atenção às mães e aos filhos

desde o início do período de gestação. Em todos os países europeus, a taxa de mortalidade infan-

til é atualmente menor que a metade do que era no início da década de 1980, como demonstra a

Tabela 11.

Tabela 11

Mortalidade infantil (por 1000) e expectativa de vida (anos) –

1980-89, 1990-99 e 2000-07 (médias)

Anglo-Saxão

Continental

Escandinavo

Mediterrâneo

1980-

1989

1990-

1999

2000-

2007

1980-

1989

1990-

1999

2000-

2007

1980-

1989

1990-

1999

2000-

2009

1980-

1989

1990-

1999

2000-

2009

Expectativa

de vida 74,1 76,2 78,5

74,9 77,1 79,2

75,4 76,9 78,9

75,2 77,2 79,5

Mortalidade

Infantil 9,7 6,4 5,0

9,5 6,0 4,3

6,9 4,9 3,5

13,1 7,1 4,1

Fonte: OCDE. Elaboração própria.

Embora as diferenças no que se refere às condições de saúde entre os países europeus e,

mais do que isso, entre os sistemas beveridgeano e bismarckiano, sejam bastante sutis, é possível

afirmar que os países em que o primeiro sistema é prevalecente se destacam nesse quesito. Evi-

dentemente, fatores de natureza social e econômica desempenham um papel importante na me-

lhora dessas condições, mas não há dúvidas de que o desenvolvimento dos sistemas de saúde

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muito contribuiu para isso, sobretudo quando eles demonstram uma maior capacidade de incorpo-

rar os avanços na área da saúde e de fazer frente aos novos tipos ameaças ao bem-estar físico e

mental, muitas deles associados aos hábitos e modos de vida prevalecentes nas sociedades con-

temporâneas.

De fato, o acesso universal aos serviços de saúde assegura que todos tenham melhores

oportunidades de prevenção, diagnóstico, tratamento e reabilitação, independentemente de distin-

ções de qualquer natureza. Além disso, os sistemas beveridgeanos tendem a ser mais efetivos que

os sistemas bismarckianos no que se refere à provisão de serviços preventivos e não apenas palia-

tivos. Nesse contexto, é particularmente notável a expressiva evolução nas condições de saúde

dos países mediterrâneos nas últimas duas décadas, como é o caso do aumento da expectativa de

vida e, principalmente, da redução da taxa de mortalidade infantil. Não por acaso, essa evolução

coincide com o período do desenvolvimento de seus sistemas públicos de saúde nos moldes beve-

ridgeanos.

Há de se fazer aqui uma observação importante, entretanto. O aumento da expectativa de

vida, somado à redução da taxa de fertilidade, são os principais fatores por trás do processo de

envelhecimento da população, o qual se verifica em todos os países da Europa Ocidental. A trans-

formação da estrutura demográfica reflete-se, então, em um aumento da taxa de dependência, isto

é, da importância da parcela da população mais velha relativamente à parcela da população mais

jovem em quase todos os países europeus, como mostra a Tabela 12.

Tabela 12

Taxa de dependência (%) – 1980-89, 1990-99 e 2000-07 (médias)

Anglo-Saxão

Continental

Escandinavo

Mediterrâneo

1980-

1989

1990-

1999

2000-

2007

1980-

1989

1990-

1999

2000-

2007

1980-

1989

1990-

1999

2000-

2007

1980-

1989

1990-

1999

2000-

2007

Taxa de

dependência 22,3 22,8 21,4

20,7 21,9 24,3

19,8 21,6 23,6

18,5 20,7 24,5

Fonte: Eurostat. Elaboração própria.

A questão fundamental, então, é que o aumento da taxa de dependência significa, na práti-

ca, uma elevação das pressões sobre os sistemas de proteção social dos países europeus, sobretu-

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200

do no que se refere aos âmbitos da previdência e da saúde. E há razões para supor que essas

pressões serão maiores no caso dos países continentais e mediterrâneos e menor no caso dos paí-

ses anglo-saxões e escandinavos. De fato, a taxa de dependência é maior no caso daqueles países

do que no caso destes. Em geral, isso se deve menos às diferenças no que se refere ao comporta-

mento da expectativa de vida, que é elevada em todos eles, e mais às diferenças no que diz res-

peito ao comportamento da taxa de fertilidade, que, como visto, é maior no caso dos países es-

candinavos e anglo-saxões e menor no caso dos países continentais e mediterrâneos.

Para lidar com essas pressões, alguns países optaram por constituir os chamados “fundos

públicos de reserva”. Esses fundos públicos são formados, fundamentalmente, pela acumulação

de recursos de impostos e contribuições, e têm o propósito de fazer frente a eventuais necessida-

des futuras de financiamento dos sistemas de proteção social. Nem todos os países europeus pos-

suem mecanismos dessa natureza. De fato, os maiores fundos públicos de reserva da Europa Oci-

dental estão na Suécia, cujos recursos equivalem atualmente a aproximadamente 32% do PIB,

seguidos da Irlanda, com cerca de 12% do PIB, da Espanha, com aproximadamente 5% do PIB,

de Portugal, com cerca de 4% do PIB, e da França, com aproximadamente 2% do PIB, em 2007.

Em todos esses países, a quase totalidade desses recursos estão investidos em ativos com diferen-

tes graus de rentabilidade e liquidez nos mercados financeiros (OCDE, 2009c).

Certamente, entretanto, a principal forma de se viabilizar a sustentabilidade financeira

desses sistemas de proteção social ao longo do tempo sem que isso signifique, entretanto, uma

redução substancial dos direitos sociais conquistados por essas sociedades é assegurar que mais

pessoas estejam produzindo mais riqueza. A questão fundamental é que o Estado possui um im-

portante a cumprir também nesse sentido. E, como se procurará demonstrar a seguir, também

aqui, os países escandinavos estão bastante à frente dos demais países europeus.

Antes disso, entretanto, resta uma última categoria de gasto social a ser analisada, qual se-

ja, os gastos em serviços de educação. Isso porque, a despeito de sua importância, esses gastos

frequentemente não são considerados como parte integrante dos sistemas de proteção social e,

consequentemente, um dos aspectos determinante das condições de vida prevalecentes em cada

sociedade.

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201

5.1.3 Gasto em serviços de educação

Os países da Europa Ocidental diferenciam-se também em relação à ênfase atribuída por

eles aos serviços de educação. Os países anglo-saxões consideram que a educação deve desem-

penhar um papel protagonista, ao passo que os países continentais e os países mediterrâneos con-

sideram que ela desempenha um papel apenas coadjuvante dentre as diversas formas por meio do

qual o Estado pode intervir na realidade tendo-se em vista assegurar a todos a possibilidade de

viver uma vida civilizada. Os países escandinavos situam-se entre eles, no sentido de que eles

consideram que os serviços de educação não subordinam nem são subordinados às demais formas

de intervenção do Estado visando a provisão do bem-estar social. Esses serviços são concebidos

como um direito de todos e um dever do Estado porque que se trata de um importante instrumen-

to dentre aqueles disponíveis para assegurar a todos a possibilidade de contribuir e partilhar da

riqueza social.

Não por outra razão, os países escandinavos estão à frente dos demais países europeus

também nesse âmbito. De fato, enquanto nesses países o gasto público em serviços de educação é

de quase de 6% do PIB, nos países continentais eles são 5% do PIB, e nos países anglo-saxões e

nos países mediterrâneos eles são de pouco mais de 4% do PIB. Os países anglo-saxões e, em

menor medida, também os países continentais e mediterrâneos, ainda possuem um elevado gasto

privado nesses serviços, o que faz com que as diferenças entre os países europeus, em termos de

gasto total em serviços de educação, sejam menos pronunciadas do que as diferenças em termos

de gasto público nesses serviços. De fato, enquanto nos países escandinavos o gasto privado em

serviços de educação corresponde a 0,3% do PIB (ou 5% do total), nos países continentais essa

proporção é de 0,6% do PIB (ou 10% do total), e nos países anglo-saxões e nos países mediterrâ-

neos ela é de quase 0,8% do PIB (ou 15% do total), como mostra a Tabela 13.

Com efeito, a principal diferença entre os países europeus não se encontra na educação

básica, isto é, no ensino primário e do ensino secundário. Nesse âmbito, essas diferenças são mais

evidentes no perfil dos sistemas de ensino do que nos níveis de gasto. De fato, os gastos totais

com esses serviços são frequentemente superiores a 3% do PIB, sendo que as exceções normal-

mente estão nos países mediterrâneos. Além disso, os gastos públicos respondem pela maior parte

dos gastos em educação básica, sendo frequentemente superior a 95% do total. A exceção cabe a

alguns países continentais, em que o gasto privado é superior a 10% do total, e, principalmente, a

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202

alguns países anglo-saxões, em que o gasto privado é superior a 20% do total. Nesses países, as

escolas privadas são sinônimo de reconhecimento e, portanto, uma excelente opção para aqueles

que podem pagar por elas.

Tabela 13

Gasto em instituições de ensino (% do PIB) – 2000-08 (médias)

Anglo-saxão

Continental

Escandinavo

Mediterrâneo

2000-

2008

2000-

2008

2000-

2008

2000-

2008

Gasto total - todos os níveis 5,1

5,7

6,4

4,6

Gasto público - todos os níveis 4,3

5,1

6,1

4,0

Gasto privado – todos os níveis 0,8

0,6

0,3

0,6

Gasto total - ensino básico 3,7

3,8

4,1

3,1

Gasto público - ensino básico 3,3

3,5

4,0

2,8

Gasto privado – ensino básico 0,4

0,3

0,1

0,3

Gasto total - ensino superior 1,3

1,3

1,7

1,1

Gasto público - ensino superior 0,8

1,1

1,6

0,8

Gasto privado – ensino superior 0,5

0,2

0,1

0,3

Fonte: OCDE (2009a). Elaboração própria.

Nota: Dados disponíveis apenas para 2000, 2005 e 2008.

Deve-se observar, entretanto, que parte do gasto público ocorre sob a forma de subsídios

às escolas privadas. Como esperado, esses subsídios são elevados no caso dos países continentais

e dos países anglo-saxões, onde ele foi de quase 0,5% do PIB na última década. Mas esses subsí-

dios são elevados também no caso dos países escandinavos, onde ele foi de quase 1% do PIB no

período. Nesses países, as escolas privadas frequentemente recebem subsídios tão elevados quan-

to às escolas públicas, com a diferença de que elas normalmente possuem maior liberdade no que

se refere à sua forma de organização. Ao assegurar que os subsídios sejam oferecidos às institui-

ções por aluno matriculado, buscou-se aumentar a competição entre as escolas públicas e priva-

das, com o intuito de aumentar a qualidade do ensino nessas instituições. Por sua vez, nos países

mediterrâneos, os subsídios estatais ao setor privado são muito reduzidos, sendo inferiores a 0,1%

do PIB na última década.

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203

Como consequência dos subsídios públicos às escolas privadas, a proporção dos alunos

que estão matriculados nas escolas privadas nos países europeus é muitas vezes superior ao que

se poderia esperar considerando-se a importância dos gastos públicos relativamente aos gastos

privados em educação nesses países, como sugere a Tabela 14. De fato, nos países escandinavos,

em que o gasto público corresponde praticamente à totalidade do gasto em educação básica, qua-

se 10% dos alunos estão matriculados em escolas privadas subsidiadas pelo Estado. Os países

mediterrâneos apresentam uma proporção semelhante aos países escandinavos, com exceção da

Espanha, onde ela é superior a 30% do total. Nos países continentais, proporção de alunos matri-

culados em escolas privadas é maior no caso da França, onde ela é superior a 20%, e da Bélgica e

da Holanda, onde ela é superior a 60%, do que no caso da Alemanha e da Áustria, onde ela é de

quase 10% do total. No caso dos países anglo-saxões, ela é maior no caso do Reino Unido, onde

ela é superior a 30% do total, do que no caso da Irlanda, onde quase todos os alunos estão matri-

culados em escolas públicas.

Tabela 14

Matrículas em instituições públicas (% do total) – 2000-07 (médias)

Anglo-Saxão

Continental

Escandinavo

Mediterrâneo

2000-

2007

2000-

2007

2000-

2007

2000-

2007

Ensino básico 82,5

66,5

92,3

86,3

Ensino superior -

68,2

93,6

88,1

Fonte: Eurostat. Elaboração própria.

Nota: Dados indisponíveis ou insuficientes para os períodos de 1980-89 e 1990-99.

Na realidade, a principal diferença entre os países da Europa Ocidental nesse âmbito refe-

re-se aos ensinos pré-escolar e superior. E, em ambos os casos, mais uma vez, os países escandi-

navos se destacam em relação aos demais. No caso do ensino pré-escolar, a principal diferença se

encontra no ensino para crianças menores de três anos. Como visto, esses países possuem o maior

gasto público em serviços de cuidado profissional de crianças entre todos os países da região. De

fato, esse gasto é frequentemente o dobro daquele realizado pelos demais países da Europa Oci-

dental. Apenas França e Bélgica possuem um desempenho comparável. Como consequência,

aproximadamente metade das crianças menores de três anos de idade estão matriculadas em insti-

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204

tuições responsáveis por esses serviços nesses países, a maior parcela entre todos os países da

região, como mostra a Tabela 15. Em geral públicas e gratuitas ou fortemente subsidiadas pelo

Estado, mais do que centros de cuidado, essas instituições são centros de ensino de elevada quali-

dade nesses países105

.

Tabela 15

Crianças em idade pré-escolar matriculadas em instituições formais de ensino (% do total) –

2000-07 (médias)

Anglo-Saxão Continental Escandinavo Mediterrâneo

2000-

2007

2000-

2007

2000-

2007

2000-

2007

Crianças de 0 a 3 anos 30,1 28,6 41,9 18,3

Crianças de 3 a 5 anos 90,5 90,8 82,4 80,6

Fonte: OCDE (2014). Elaboração própria.

Nota: Dados indisponíveis ou insuficientes para os períodos de 1980-89 e 1990-99. Dados indisponíveis para Irlanda,

e Holanda para crianças de 3 a 5 anos para o período considerado.

De fato, na maioria dos países europeus, o cuidado das crianças nos primeiros anos de vi-

da é predominantemente de caráter informal, ou seja, organizado pelos pais e provido, dentro ou

fora da casa das crianças, pelos avós e outros familiares, vizinhos e amigos, ou ainda babás, por

exemplo, independentemente se esse cuidado pressupõe ou não algum pagamento em troca. Co-

mo não poderia deixar de ser, a proporção das crianças com menos de três anos de idade que pos-

suem algum tipo de arranjo informal de cuidado é maior nos países mediterrâneos, onde ela é, em

média, de 30%, e menor nos países escandinavos, onde ela é de 1% do total. Essa proporção é

intermediária no caso dos países continentais e anglo-saxões, sendo próxima a 20% do total

(OCDE, 2014).

Os países escandinavos destacam-se ainda no caso do ensino superior. Embora o gasto to-

tal seja semelhante em todos os países da Europa Ocidental, em torno de 1,5% do PIB, a impor-

tância do gasto público nesse total é superior nos países escandinavos. De fato, enquanto os gas-

tos públicos com o ensino superior respondem por mais de 90% do total nos países escandinavos,

105

Como visto, isso é particularmente importante, considerando que o ensino desde os primeiros anos de vida é es-

sencial para o desenvolvimento das capacidades dos indivíduos.

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205

nos países continentais ele é de cerca de 80%, nos países mediterrâneos ele é de aproximadamen-

te 70%, e nos países anglo-saxões ele é inferior a 60%, como mostra a Tabela 13. A parcela de

alunos matriculados em instituições públicas nos países escandinavos é também muito superior

àquela verificada nos demais países da região, sendo muitas vezes superior a 90% do total, como

indicado na Tabela 14.

Como mostra a Tabela 16, os sistemas públicos de auxílio financeiro aos estudantes são

mais sofisticados nos países escandinavos, os quais são seguidos pelos países anglo-saxões, con-

tinentais e mediterrâneos. É importante observar a elevada importância dos empréstimos relati-

vamente às bolsas estudantis nos países anglo-saxões comparativamente aos países escandinavos,

continentais e mediterrâneos. Vale lembrar, ademais, que as mensalidades cobradas pelas insti-

tuições de ensino superior tendem a ser elevadas nos países anglo-saxões e inexistentes nos paí-

ses escandinavos. Os países continentais e mediterrâneos encontram-se em uma situações inter-

mediária entre eles, pois embora mensalidades sejam frequentemente cobradas, seus valores são

reduzidas.

Tabela 16

Auxílio financeiro estudantil (% do gasto público em ensino superior) – 2000-2007 (médias)

Anglo-Saxão

Continental

Escandinavo

Mediterrâneo

2000-

2007

2000-

2007

2000-

2007

2000-

2007

Auxílio financeiro estudantil 17,6

16,4

25,6

9,3

Empréstimos estudantis 8,3

3,7

7,5

0,0

Bolsas estudantis 9,3

12,7

18,1

9,3

Fonte: Eurostat. Elaboração própria.

Nota: Dados indisponíveis ou insuficientes para os períodos de 1980-89 e 1990-99.

Por fim, como revela a Tabela 17, os países escandinavos possuem os melhores desempe-

nhos no que se refere à parcela da população que concluiu o ensino secundário/pós-secundário e,

depois, o ensino superior, ao passo que os países mediterrâneos possuem os piores desempenhos

nesses indicadores. Os países anglo-saxões e os países continentais encontram-se em uma situa-

ção intermediária entre eles. Enquanto estes se destacam no que se refere à parcela da população

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206

que concluiu o ensino secundário/pós-secundário, aqueles se destacam no que se refere à parcela

da população que concluiu o ensino superior.

Tabela 17

Nível de ensino da população entre 15 e 64 anos (% do total) – 2000-07 (médias)

Anglo-Saxão

Continental

Escandinavo

Mediterrâneo

2000-

2007

2000-

2007

2000-

2007

2000-

2007

Ensino secundário/pós-secundário 36,1

47,9

47,8

26,5

Ensino superior 29,9

25,0

32,1

18,1

Fonte: Eurostat. Elaboração própria.

Nota: Dados indisponíveis ou insuficientes para os períodos de 1980-89 e 1990-99.

Os países anglo-saxões partilham dos países escandinavos sistemas públicos de auxílio fi-

nanceiro mais sofisticados, enquanto os países continentais partilham com os países escandinavos

a sofisticação dos ensinos secundário/pós-secundário, de modo que a conclusão dessa etapa de

ensino é muitas vezes suficiente para assegurar aos indivíduos a participação no mercado de tra-

balho em bases satisfatórias, sobretudo no caso dos países germânicos – Alemanha e Áustria –

em que o ensino de caráter profissionalizante assume uma importância bastante representativa no

âmbito do ensino secundário/pós-secundário.

5.2 Outros efeitos dos sistemas de proteção social da Europa Ocidental

Nesta seção, serão considerados outros efeitos possíveis dos diferentes modelos de Estado

de Bem-Estar Social da Europa Ocidental. Nesse caso, ela está dividida em duas subseções. Na

primeira, serão considerados os impactos desses arranjos sobre os níveis de produto, renda e em-

prego, ao passo que, na segunda subseção, serão considerados os seus efeitos sobre as contas pú-

blicas. Tal como na seção anterior, serão consideradas as três décadas que antecederam a eclosão

da crise global em 2008. Para cada um dos quatro modelos de Estado de Bem-Estar Social da

Europa Ocidental, serão apresentadas as médias aritméticas dos valores disponíveis para os perí-

odos de 1980 a 1989, de 1990 a 1999 e de 2000 a 2007. Os valores de cada modelo são obtidos

pelo cálculo da média aritmética dos valores obtidos para cada um dos países que os compõem.

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207

5.2.1 Emprego, produto e renda

As diferenças existentes entre os sistemas de proteção social dos países da Europa Oci-

dental exercem um impacto profundo sobre outras importantes variáveis diretamente relacionadas

às condições de vida prevalecentes nesses países. Dentre elas, destacam-se aquelas relacionadas

às condições de trabalho. Nesse contexto, deve-se considerar não apenas a taxa de desemprego,

mas também – e, principalmente – a taxa de emprego nesses países, as quais são apresentadas na

Tabela 18. No primeiro caso, tem-se a parcela da população que está procurando emprego, mas

não está empregada, ao passo que no segundo caso tem-se a parcela da população que está em

idade de trabalho e que está empregada. Em geral, uma maior taxa de emprego, mais do que uma

menor taxa de desemprego, significa que mais pessoas estão contribuindo para a produção de

riqueza e, como consequência, de recursos para financiar esses arranjos.

Tabela 18

Taxa de desemprego (%) e taxa de emprego (%) – 1990-99 e 2000-07 (médias)

Anglo-Saxão

Continental

Escandinavo

Mediterrâneo

1990-

1999

2000-

2007

1990-

1999

2000-

2007

1990-

1999

2000-

2007

1990-

1999

2000-

2007

Desemprego

Desemprego (total) 10,0 4,8

7,2 6,7

8,7 6,6

11,6 8,9

Taxa de desemprego (< 25 anos) 16,6 10,5

15,1 14,0

16,8 15,3

27,2 22,0

Taxa de desemprego (mulheres) 9,5 4,3

8,6 7,2

8,5 6,8

16,0 11,9

Emprego

Taxa de emprego (15 a 64 anos) 62,5 69,1

63,2 66,6

69,4 72,6

55,2 61,1

Taxa de emprego (15 a 24 anos) 48,1 52,1

43,3 44,7

45,1 48,6

30,7 31,5

Taxa de emprego (55 a 64 anos) 44,0 52,3

29,8 36,7

50,3 59,0

37,6 40,7

Taxa de emprego (mulheres) 53,6 61,1

54,2 59,6

66,4 69,8

41,6 49,5

Fonte: Eurostat. Elaboração própria.

Nota: Dados indisponíveis ou insuficientes para os períodos de 1980-89.

Como visto, parte dos países da Europa Ocidental enfrentam graves restrições à política

econômica para assegurar o emprego daqueles capazes e dispostos a trabalhar em função da sua

participação no projeto de integração regional europeu e, principalmente, da adoção da moeda

comum (Arestis e Sawyer, 2011). Evidentemente, essas restrições são maiores no caso dos países

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208

que optaram por renunciar às suas antigas moedas e adotar o euro. Nesses países, o principal me-

canismo ainda disponível para tanto é a política social. E alguns certamente souberam fazer me-

lhor proveito de suas potencialidades do que outros.

Nesse contexto, o caso dos países escandinavos é, mais uma vez, bastante peculiar. Como

visto, eles se destacam em relação aos demais pelo compromisso explícito em relação ao alcance

e manutenção do pleno-emprego e, portanto, de assegurar que todos sejam capazes de contribuir

para a riqueza social. Mais do que uma baixa taxa de desemprego, isso significa assegurar uma

elevada taxa de emprego. Na realidade, isso é necessário para assegurar a própria sustentabilidade

financeira desses arranjos, que, por seu grau elevado de sofisticação, implicam altos níveis de

gasto social público. Alguns aspectos que distinguem os seus sistemas de proteção social dos

demais contribuem decisivamente para isso. O primeiro deles é que, com exceção da Finlândia,

esses países não adotaram o euro e, portanto, mantiveram um grau mais elevado de autonomia de

política econômica, em termos relativos. O segundo é o alto grau de articulação dessa política à

política social, cujo caráter preventivo, e não apenas paliativo, implica considerar não apenas o

trabalho, mas também o trabalho em condições adequadas, como um direito de todos e um dever

do Estado.

De fato, embora não apresentem um nível de regulamentação das relações entre emprega-

dores e empregados elevado, esses países atribuem uma ênfase considerável às políticas ativas de

mercado de trabalho. Essas políticas agem simultaneamente no lado da oferta e da demanda por

trabalho. O objetivo, com isso, é “ativar” uma parcela importante da sociedade, vale dizer, incen-

tivar que mais pessoas ingressem no mercado de trabalho e encontrem ali um bom emprego. Co-

mo visto, essas políticas se destinam normalmente aos grupos mais vulneráveis da sociedade.

Não por acaso, esses países possuem não apenas algumas das menores taxas de desemprego, mas

também as maiores taxas de emprego entre esses grupos. Em alguns casos, os países escandina-

vos estão bastante à frente dos demais países da Europa Ocidental, sobretudo dos países continen-

tais e dos países mediterrâneos.

O caso das mulheres é bastante notável. Como visto, os países escandinavos distinguem-

se não apenas pela ênfase nas políticas ativas de mercado de trabalho, mas também pela ênfase

nos benefícios destinados às famílias, como as prestações familiares, as licenças parentais e os

serviços profissionais de cuidado de crianças e de idosos. Certamente esses benefícios assegura-

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209

ram às mulheres a possibilidade de conciliar a família e o trabalho com maior facilidade. Prova

disso é que os países em que esses benefícios são mais desenvolvidos possuem, simultaneamente,

o maior nível de emprego entre as mulheres e a maior taxa de fertilidade. Evidentemente, isso

implicou a revisão da tradicional divisão de tarefas no interior da família nesses países. Nesse

caso, mulheres e homens são responsáveis pelas tarefas domésticas, ao mesmo tempo em que

participam do mercado de trabalho. Nos países escandinavos, uma proporção expressiva das mu-

lheres que trabalham fora de casa encontram emprego no setor público, que, evidentemente, é

bastante importante em função das maiores responsabilidades assumidas pelo Estado nesses paí-

ses, sobretudo no que se refere aos serviços de educação, de saúde e de cuidado. De fato, nos

países escandinavos, quase 70% dos empregos no setor público são ocupados por mulheres. Nos

demais países da Europa Ocidental, essa parcela é inferior a 50%.

Por sua vez, tradicionalmente, os países continentais e mediterrâneos apresentam maior

grau de regulamentação do mercado de trabalho relativamente aos países escandinavos, mas atri-

buem uma ênfase muito menor do que eles a políticas de incentivo à oferta e à demanda por tra-

balho. Em geral, a maior preocupação nesses países sempre foi a garantia do emprego do homem,

que, por sua vez, deveria assegurar o atendimento de suas necessidades e das necessidades de sua

família. Na realidade, entretanto, os países continentais e, principalmente, os países mediterrâ-

neos apresentam uma dificuldade bastante grande para assegurar o emprego dos homens, e uma

dificuldade ainda maior para assegurar o emprego de outros grupos, como as mulheres, os jovens

e os idosos. Em geral, esses países possuem as maiores taxas de desemprego e as menores taxas

de emprego da Europa Ocidental, sendo que os países mediterrâneos ainda apresentam. Depois de

recorrer à estratégia de “ocultação do trabalho”, por meio de aposentadorias antecipadas, por

exemplo, eles passaram a buscar resolver o problema do emprego por meio da desregulamenta-

ção do mercado de trabalho. Isso teve como principal resultado o aumento da importância daque-

les com empregos atípicos, ou seja, dos empregos em tempo parcial e dos empregos temporários,

como mostra a Tabela 19.

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210

Tabela 19

Emprego em tempo-parcial (% do total) e temporário (% do total) –

1990-99 e 2000-07 (médias)

Anglo-Saxão

Continental

Escandinavo

Mediterrâneo

1990-

1999

2000-

2009

1990-

1999

2000-

2009

1990-

1999

2000-

2009

1990-

1999

2000-

2009

Emprego temporário 7,7 5,8

9,8 11,9

14,3 13,8

16,4 19,0

Emprego temporário (mulheres) 9,4 6,7

11,5 13,2

16,0 16,1

18,1 21,2

Emprego tempo-parcial 18,3 21,1

19,8 24,9

17,9 19,3

6,9 9,1

Emprego tempo-parcial (mulheres) 34,1 37,2

38,0 44,4

28,6 29,2

12,9 16,4

Fonte: Eurostat. Elaboração própria.

De fato, esses empregos atípicos estão em franca expansão nesses países em função da

mudança de suas estruturas produtivas, caracterizada pela importância cada vez maior do setor de

serviços. Como esperado, entretanto, esse crescimento foi maior no caso dos países continentais e

dos países mediterrâneos, uma vez que eles se mostraram particularmente engajados em reduzir

as restrições existentes a esse tipo de ocupação. No caso dos países mediterrâneos, isso se soma à

elevada importância da economia informal, sobretudo para os grupos mais vulneráveis (Ferrera,

1996; 2005).

Efetivamente, esses países possuem como referência, em grande medida, o exemplo dos

países anglo-saxões. Estes possuem os mais baixos níveis de regulamentação do mercado de tra-

balho e reduzida preocupação em relação às políticas de incentivo ao emprego, uma vez que se

supõe que elas podem impedir o funcionamento adequado das forças de mercado. Em função do

baixo grau de sofisticação de seus sistemas de proteção social, o emprego é a principal forma dos

indivíduos assegurarem condições de vida adequadas para si e para a sua família. Não por outra

razão, a importância dos empregos atípicos é tão elevada nesses países. A existência desses em-

pregos é o que assegura, em última instância, que eles possuam taxas de desemprego relativa-

mente baixas e taxas de emprego relativamente elevadas em relação aos demais países europeus.

É interessante observar que a importância dos empregos atípicos é elevada também nos

países escandinavos. Com a exceção da Dinamarca que, como a Holanda, avançou consideravel-

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211

mente no processo de desregulamentação do mercado de trabalho como parte do modelo de fle-

xiguridade, a legislação trabalhista nesses países é frequentemente mais rigorosa e as condições

do emprego, mais adequadas. Além disso, esses empregos estão frequentemente relacionados às

demais características desse modelo, como a elevada participação das mulheres no mercado de

trabalho. De fato, muitas vezes, eles são o resultado da adaptação da jornada de trabalho às ne-

cessidades das mulheres que desejam conciliar o emprego com outras atividades (Nergaard,

2014).

O perfil das políticas públicas nos países escandinavos certamente contribui para que es-

ses países apresentem um desempenho frequentemente superior em relação aos demais países da

Europa Ocidental no que se refere não apenas ao comportamento do emprego, mas também ao

comportamento do produto e da renda. De fato, como mostra a Tabela 20, as taxas de crescimen-

to do PIB, bem como os níveis de renda per capita desses países estão entre os maiores da região

ao longo das últimas duas décadas. No que diz respeito a essas variáveis, esses países estão à

frente dos países mediterrâneos e da maioria dos países continentais e anglo-saxões, equiparando-

se às maiores economias da região, notadamente, a Alemanha, a França e o Reino Unido.

Tabela 20

Crescimento do PIB (%) e PIB per capita (US$) – 1980-89, 1990-99 e 2000-07 (médias)

Anglo-Saxão

Continental

Escandinavo

Mediterrâneo

1980-

1989

1990-

1999

2000-

2007

1980-

1989

1990-

1999

2000-

2007

1980-

1989

1990-

1999

2000-

2007

1980-

1989

1990-

1999

2000-

2007

PIB 3,1 4,6 4,3

2,1 2,5 2,1

2,6 2,0 2,9

2,3 2,3 2,7

PIB per

capita 18.124 25.107 35.968

22.892 28.095 33.161

22.356 25.916 32.636

16.982 21.125 25.747

Fonte: OCDE. Elaboração própria.

Em verdade, tudo isso explicita o caráter “produtivista” da política social nos países es-

candinavos, o qual não possui equivalência em nenhum outro país europeu. Ao lado da política

econômica, a política social é capaz de contribuir, simultaneamente, para o aumento do número

de indivíduos empregados e para o aumento da capacidade produtiva desses indivíduos. Nesse

sentido, o gasto público social e, em última instância, a garantia de condições de vida adequadas

ao conjunto da sociedade que ele viabiliza, torna-se também um investimento, no sentido de que

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212

ele é capaz de contribuir efetivamente para o aumento da capacidade da economia de produzir

nova riqueza, como sugere o Gráfico 2, que mostra a existência de uma relação positiva entre os

níveis de produtividade e de gasto social. Isso, por sua vez, assegura as condições para a manu-

tenção e, até mesmo, expansão, desse gasto social público, o qual reinicia, então, o ciclo virtuoso.

Gráfico 2

Produtividade (US$) e gasto social público (US$ per capita) - 2007

Fonte: OCDE. Elaboração própria.

Nota: Nota: IE (Irlanda), UK (Reino Unido), AT (Áustria), BE (Bélgica), DE (Alemanha), FR (França), NL (Holan-

da), DK (Dinamarca), FI (Finlândia), SE (Suécia), ES (Espanha), GR (Grécia), IT (Itália), PT (Portugal).

Deve-se observar que, se por um lado, os países que possuem maior produtividade podem

arcar com maior gasto social, por outro, as evidências também sugerem a possibilidade de que

sistemas de proteção social mais sofisticados contribuam para aumentar a capacidade de cresci-

mento da economia. Se isso é verdade, põe-se em xeque a tese de inspiração liberal de que um

sistema de proteção social sofisticado possui, necessária e invariavelmente, como uma de suas

principais consequências, o desincentivo ao trabalho, o que tornaria esses arranjos inviáveis no

longo prazo (OMT, 2005).

Além disso, o aumento da produtividade, para o qual essas políticas contribuem, pode

compensar os custos do trabalho por vezes elevados que esses países possuem e, assim, para o

4.000

5.000

6.000

7.000

8.000

9.000

10.000

20 25 30 35 40 45 50 55 60

Gas

to p

úb

lico

so

cial

(US

$ p

er c

apit

a)

PIB por hora trabalhada (US$)

PT

GR

SE

DK AT

FR

IT FI

ES

UK IE

DE

NL

BE

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213

aumento da competitividade de suas economias. De fato, ao contrário do que, em geral, se supõe,

essa competitividade está associada a muitos outros fatores além do custo de trabalho. As condi-

ções de saúde e de educação prevalecentes na sociedade, a disponibilidade de infraestrutura e, em

particular, dos sistemas de comunicação e transporte, ou, ainda, a solidez das instituições, sobre-

tudo das instituições formais, são apenas alguns dos fatores que contribuem para o dinamismo de

um país. Em todos esses aspectos, os países escandinavos distinguem-se em relação a muitos dos

países europeus (Schwab, 2014).

Embora os comportamentos do PIB e da renda per capita sejam indicadores do compor-

tamento da riqueza social, eles não revelam como essa riqueza é distribuída em cada sociedade, o

que é, na realidade, determinante para as condições de vida ali prevalecentes. Espera-se que essas

condições sejam melhores em países em que é assegurada à maior parte da sociedade a possibili-

dade não apenas de contribuir, mas também de partilhar da riqueza social. Nesse caso, é conveni-

ente considerar também o comportamento do chamado “Índice de Gini”, o qual avalia o grau de

concentração da renda em um país e varia entre zero, isto é, a igualdade máxima ou renda total-

mente distribuída, e um, ou seja, a desigualdade máxima ou renda totalmente concentrada. Na

Tabela 21, o Índice de Gini é apresentado considerando-se, primeiro, a distribuição da renda ou a

renda primária, quer dizer, antes de tributos e transferências, e, depois, a redistribuição da renda

ou a renda efetivamente disponível, portanto, após os tributos e as transferências.

De fato, em todos os países, o Índice de Gini diminuiu consideravelmente depois de in-

corporado o efeito dos tributos e das transferências. Considerando-se a redistribuição de renda e,

portanto, a renda disponível, os países escandinavos possuem o menor grau de concentração de

renda entre todos os países europeus, seguidos pelos países continentais. Isso não é surpreenden-

te. Como visto, a carga de impostos nesses países são as mais elevadas, sendo de particular im-

portância aqueles que incidem sobre a renda e a propriedade. Além disso, as transferências nesses

países são elevadas e beneficiam uma parcela expressiva da sociedade, sendo frequentemente

alocadas segundo a necessidade, e não de contribuição. Por sua vez, o grau de concentração de

renda é muito superior no caso dos países anglo-saxões e dos países mediterrâneos. Efetivamente,

os impostos e as transferências não são capazes de compensar as muito elevadas desigualdades na

distribuição de renda e, portanto, da renda primária, que tradicionalmente caracterizam esses paí-

ses.

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214

Tabela 21

Índice de Gini – 2000-07 (médias)

Anglo-Saxão

Continental

Escandinavo

Mediterrâneo

2000-

2007

2000-

2007

2000-

2007

2000-

2007

Antes de tributos e transferências 0,50

0,47

0,44

0,49

Depois de tributos e transferências 0,32

0,28

0,24

0,34

Fonte: OCDE. Elaboração própria.

Nota: Dados indisponíveis ou insuficientes para os períodos de 1980-89 e 1990-99.

É particularmente notável o fato de que os países escandinavos possuem o menor grau de

concentração de renda da Europa Ocidental mesmo antes de incorporados o efeito dos tributos e

transferências. Isso significa que a distribuição de renda e, portanto, a renda primária, é menos

desigual nesses países do que nos demais países europeus, mesmo considerando que esses países

possuem uma parcela expressiva da população que não possui outra fonte de renda que não sejam

as transferências do Estado, como é o caso dos idosos. Isso está relacionado, mais uma vez, às

características do mercado de trabalho nesses países. Nos países escandinavos, mais pessoas es-

tão empregadas e mais pessoas recebem salários mais elevados. Além disso, as disparidades entre

os salários de indivíduos de uma mesma ocupação e entre os salários de indivíduos de ocupações

diferentes são tradicionalmente menores nesses países do que nos demais países europeus. Isso se

deve, por exemplo, à forma do processo de negociação entre os representantes dos empregados e

empregadores nesses países, ou seja, centralizado e frequentemente intermediado pelo Estado.

Para isso contribui, então, o fato de que os países escandinavos possuem a maior taxa de

sindicalização entre os empregados entre todos os países da Europa Ocidental. Embora a taxa de

sindicalização tenha se reduzido em todo continente nos últimos anos, nos países escandinavos

ela é superior a 70% dos empregados, muito acima, portanto, daquela verificada nos países conti-

nentais, mediterrâneos e anglo-saxões, onde ela é raramente superior a 30% do total, como mos-

tra a Tabela 22.

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215

Tabela 22

Taxa de sindicalização (%) – 1980-89, 1990-99 e 2000-07 (médias)

Anglo-saxão

Continental

Escandinavo

Mediterrâneo

1980-

1989

1990-

1999

2000-

2007

1980-

1989

1990-

1999

2000-

2007

1980-

1989

1990-

1999

2000-

2007

1980-

1989

1990-

1999

2000-

2007

Sindicalização 48,6 39,7 32,1

35,8 31,5 28,0

75,9 78,6 73,3

34,6 28,0 24,0

Fonte: OCDE. Elaboração própria.

Evidentemente, muitos outros fatores afetam as desigualdades prevalecentes em cada so-

ciedade. De particular importância nesse sentido é o fato de que o Índice de Gini não considera o

efeito dos benefícios em espécie sobre essas desigualdades. Como visto, os países escandinavos

se distinguem em relação aos demais países europeus em função da garantia do acesso a um am-

plo conjunto de serviços universais, que, sendo de elevada qualidade e, mesmo assim, gratuitos

ou altamente subsidiados pelo Estado, atendem as necessidades individuais fundamentais sem,

entretanto, consumir uma parcela expressiva da sua renda, relativamente aos outros países euro-

peus. Com efeito, isso assegura um grau de equidade nesses países consideravelmente superior

àquele medido exclusivamente pelo perfil da distribuição da renda primária ou da renda disponí-

vel.

Por fim, deve-se considerar também o efeito dos sistemas de proteção social dos países da

Europa Ocidental sobre o comportamento dos níveis de miséria e de pobreza prevalecentes nesses

países. Nesse sentido, a Tabela 23 apresenta a proporção de pessoas que se encontram abaixo da

linha de pobreza, considerada aqui como sendo equivalente a 50% da renda mediana. Mais uma

vez, são considerados os resultados antes e depois dos tributos e das transferências.

Desde logo, é mais uma vez notável o fato de que os países escandinavos possuem os me-

nores níveis de miséria e de pobreza entre os países da Europa Ocidental mesmo antes do efeito

dos tributos e transferências. Como visto, isso decorre, em grande medida, do fato de que mais

pessoas trabalham e recebem mais por isso nesses países. Isso é menos comum nos demais países

europeus, onde o desemprego e o subemprego surgem como as principais fontes de vulnerabili-

dade social, sobretudo nos países anglo-saxões e nos países mediterrâneos, mas, cada vez mais,

também nos países continentais.

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216

Tabela 23

Taxa de pobreza (%) – 2000-07 (médias)

Anglo-Saxão

Continental

Escandinavo

Mediterrâneo

2000-

2007

2000-

2007

2000-

2007

2000-

2007

Antes de tributos e transferências 32,5

30,1

26,7

30,3

Depois de tributos e transferências 11,2

7,9

6,0

13,0

Menores de 17 anos 13,3

9,5

3,8

16,8

Maiores de 76 anos 18,3

9,6

13,7

20,9

Fonte: OCDE. Elaboração própria.

Nota: Dados indisponíveis ou insuficientes para os períodos de 1980-89 e 1990-99.

Considerando o efeito dos tributos e transferências, os países escandinavos continuam

apresentando os menores níveis de pobreza e de miséria, sendo acompanhados pelos países con-

tinentais. Isso não é surpreendente, uma vez que, a despeito das diferenças entre os seus sistemas

de proteção social, eles são suficientemente sofisticados, em termos do perfil do gasto social pú-

blico e da sua forma de financiamento, para assegurar que a quase totalidade da população não se

encontre em situação de privação.

Por sua vez, os países anglo-saxões e os países mediterrâneos apresentam a maior propor-

ção de pessoas que se encontram abaixo da linha da pobreza entre todos os países da Europa Oci-

dental, ainda que os primeiros estejam mais bem preparados para lidar com essa situação do que

os segundos. De fato, embora os países anglo-saxões apresentem sistemas de proteção social me-

nos sofisticados que os arranjos dos países escandinavos e dos países continentais, esses países

tradicionalmente apresentam mecanismos de assistência pública, ou seja, benefícios sujeitos a

comprovação de necessidade ou, ainda, a testes de meios, tão ou até mesmo mais desenvolvidos

que os mecanismos daqueles países. Como visto, o propósito da intervenção do Estado nesses

países é justamente assistir aqueles que não têm mais a que ou a quem recorrer. Não por outra

razão, do ponto de vista da proteção da parcela da sociedade que se encontra em situação de mai-

or vulnerabilidade, os países escandinavos, continentais e anglo-saxões não são muito diferentes

entre si como o são em outros âmbitos de seus sistemas de proteção social.

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217

Já os países mediterrâneos apresentam os maiores níveis de miséria e de pobreza entre os

países da Europa Ocidental. Mesmo após o efeito dos tributos e transferências, a proporção de

pessoas que se encontram abaixo da linha da pobreza era de 13% do total nesses países, conside-

rando-se a média entre 2000 e 2007106

. Isso não é surpreendente. Não apenas os sistemas de pro-

teção social são menos sofisticados como até mesmo os mecanismos de assistência pública são

pouco desenvolvidos nesses países. Os benefícios sujeitos a teste de meios se restringem a deter-

minados grupos sociais e são, em geral, mais modestos do que aqueles verificados nos demais

países europeus. De fato, nos países mediterrâneos, mais do que em qualquer outro país da Euro-

pa Ocidental, a responsabilidade pela parcela da sociedade que se encontra em situação de maior

vulnerabilidade cabe fundamentalmente às formas tradicionais de provisão, a começar pela famí-

lia, sendo que elas são, na realidade, cada vez menos capazes de arcar com essa responsabilidade

sozinhas.

Mais recentemente, em quase todos os países da Europa Ocidental, ganharam importân-

cia, no âmbito dos benefícios sujeitos a teste de meios, aqueles mecanismos destinados a assegu-

rar um rendimento mínimo aos indivíduos. Dentre esses benefícios, destacam-se os complemen-

tos de renda e, cada vez mais, também os créditos tributários, os quais surgem não apenas nos

países anglo-saxões, mas também nos países continentais, mediterrâneos e escandinavos. Em

geral, esses benefícios possuem como principal condicionalidade que os beneficiários estejam

trabalhando ou que estejam à procura de um emprego e dispostos a aceitar a primeira oportunida-

de que lhes for oferecida.

É conveniente considerar ainda os níveis de miséria e de pobreza entre grupos sociais es-

pecialmente vulneráveis. Esse é o caso das crianças e dos jovens. Em geral, nos países em que os

benefícios familiares são desenvolvidos, os níveis de miséria e de pobreza infantil tendem a ser

consideravelmente menores, sobretudo porque eles acabam por facilitar o ingresso das mulheres

no mercado de trabalho, como sugere o Gráfico 3, que mostra a existência de uma relação negati-

va entre a taxa de emprego feminino e a taxa de miséria e pobreza infantil. De fato, o emprego

das mulheres assegura uma segunda fonte de renda no caso das famílias com dois provedores ou

de uma primeira fonte de renda no caso das famílias com apenas um provedor, o que é particu-

larmente importante, considerando que muitas famílias são hoje compostas por mães divorciadas

106

Isso antes da eclosão da crise global em 2008, que, ressalta-se, não é objeto de investigação deste trabalho.

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218

ou, ainda, por mães solteiras. Assim, enquanto os países escandinavos, em que esses benefícios

são muito desenvolvidos, e que apresentam uma elevada taxa de emprego entre as mulheres,

apresentam a menor proporção de pessoas com menos de 17 anos abaixo da linha da pobreza, os

países mediterrâneos, em que esses benefícios são pouco desenvolvidos, e que apresentam uma

reduzida taxa de emprego feminino, apresentam a maior proporção dessas pessoas em situação de

vulnerabilidade.

Gráfico 3

Emprego feminino (%) e miséria e pobreza infantil (%) - 2008

Fonte: Eurostat e OCDE. Elaboração própria.

Nota: Nota: IE (Irlanda), UK (Reino Unido), AT (Áustria), BE (Bélgica), DE (Alemanha), FR (França), NL (Holan-

da), DK (Dinamarca), FI (Finlândia), SE (Suécia), ES (Espanha), GR (Grécia), IT (Itália), PT (Portugal).

Esse é também o caso dos idosos. Nesse caso, as diferenças entre os países da Europa

Ocidental são menos pronunciadas que no caso dos mais jovens. Isso porque todos os países eu-

ropeus, independentemente do grau de sofisticação de seus sistemas de proteção social, possuem

algum mecanismo de proteção das pessoas mais idosas, mesmo que no âmbito dos mecanismos

de assistência pública. Isso assegura que uma parcela reduzida das pessoas com mais de 76 anos

permaneça abaixo da linha da pobreza nesses países. Na realidade, a ênfase atribuída pelos países

40,0

45,0

50,0

55,0

60,0

65,0

70,0

75,0

80,0

0% 5% 10% 15% 20%

Tax

a d

e em

pre

go

(m

ulh

eres

) (%

)

Taxa de pobreza infantil (%)

PT

BE

IE

UK

FR

DE

AT

NL

FI

SE

DK

ES

GR IT

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219

continentais, mediterrâneos e anglo-saxões a esses tipos de mecanismo faz com que eles apresen-

tem um desempenho, por vezes, superior ao dos países escandinavos nesse âmbito.

Entretanto, deve-se enfatizar, mais uma vez, que a principal diferença entre os países eu-

ropeus no que se refere não apenas aos benefícios para os mais jovens como também para os mais

idosos, diz respeito à ênfase atribuída por eles aos benefícios em espécie, mais do que aos benefí-

cios em dinheiro, os quais não são considerados por indicadores baseados exclusivamente no

nível de renda primária ou disponível, com é o caso daqueles utilizados para os níveis de miséria

e de pobreza. Nesse caso, os países escandinavos, mais do que os demais países europeus, asse-

guram que todos, independentemente do seu nível de renda, tenham assegurado o atendimento de

algumas de suas necessidades fundamentais, por meio do acesso ao mesmo conjunto de serviços

essenciais.

5.2.2 Contas públicas

Uma última consideração deve ser feita a respeito do impacto dos sistemas de proteção

social sobre as contas públicas dos países da Europa Ocidental. Em geral, o gasto social público

responde por quase metade do gasto público total nos países europeus e, portanto, pode constituir

uma fonte de pressão sobre o déficit e a dívida dos governos, como sugere a Tabela 24. A questão

fundamental, entretanto, é que sistemas de proteção social não significam, necessária e invaria-

velmente, descontrole das contas públicas. Tudo depende, mais uma vez, não apenas de quanto

dinheiro é gasto, mas também de como ele é gasto e de que resultados ele produz.

Tabela 24

Gasto social público em relação ao gasto público total (%) - 1990-99 e 2000-07 (médias)

Anglo-Saxão

Continental

Escandinavo

Mediterrâneo

1999-

1999

2000-

2009

1999-

1999

2000-

2009

1999-

1999

2000-

2009

1999-

1999

2000-

2009

Gasto social 43,6 46,0

49,2 52,2

48,9 50,8

44,2 50,6

Fonte: OCDE. Elaboração própria.

Nota: Dados indisponíveis ou insuficientes para os períodos de 1980-89.

Como mostra a Tabela 25, os países escandinavos e os países anglo-saxões tradicional-

mente apresentam contas públicas bastante satisfatórias, caracterizadas por baixos déficit e dívida

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220

pública em relação ao PIB. Evidentemente, isso não significa que ambos possuem sistemas de

proteção social pouco sofisticados. De fato, o gasto público, em geral, e o gasto público social,

em particular, são reduzidos no caso dos países anglo-saxões. Mas esse certamente não é o caso

dos países escandinavos, onde estes gastos estão entre os maiores da Europa Ocidental. Certa-

mente, o caráter mais produtivista da política social nos países escandinavos, associado à sua

maior articulação com a política econômica, contribui para que esses países mantenham o cres-

cimento econômico, o que concorre para que o aumento das despesas seja acompanhado pelo

aumento significativo das receitas públicas. Isso, então, contribui para a redução do déficit públi-

co e, assim, da dívida pública.

Tabela 25

Déficit público e dívida pública (% do PIB) – 1980-89, 1990-99 e 2000-07 (médias)

Anglo-Saxão

Continental

Escandinavo

Mediterrâneo

1999-

1999

2000-

2009

1999-

1999

2000-

2009

1999-

1999

2000-

2009

1999-

1999

2000-

2009

Déficit público 1,4 1,2

0,7 1,3

-0,7 3,6

0,7 0,7

Dívida pública 60,1 34,7

71,4 66,9

60,8 44,2

78,8 78,4

Fonte: FMI. Elaboração própria.

Nota: Dados indisponíveis ou insuficientes para os períodos de 1980-89.

Situação diferente ocorre no caso dos países continentais e dos países mediterrâneos. Os

gastos públicos, em geral, e os gastos públicos sociais, em particular, são menores do que nos

países escandinavos, mas maiores do que nos países anglo-saxões. O caráter paliativo, ao invés

de preventivo, da política social nesses países, associado à sua menor articulação com a política

econômica, contribui para que o aumento das despesas seja acompanhado por um aumento menos

que proporcional das receitas públicas. Isso pressiona o déficit público e, consequentemente, a

dívida pública nesses países, os quais estão, não surpreendentemente, entre os mais elevados en-

tre os países da Europa Ocidental mesmo desconsiderando o período posterior à eclosão da crise

global em 2008107

.

107

Deve-se enfatizar, mais uma vez, que o modelo escandinavo surgiu em condições muito específicas. Tratam-se de

países pequenos, de população reduzida e menos heterogênea, o que permitiu que a distribuição dos custos e benefí-

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Na realidade, não há razão para supor que as pressões sobre as contas públicas dos países

europeus e, sobretudo, dos países continentais e mediterrâneos, irão diminuir. A crise recente é

prova disso. Como se procurará demonstrar a seguir, as transformações estruturais em curso no

âmbito doméstico e internacional pressionam no sentido do aumento de gastos públicos sociais,

uma vez que essas transformações criam novas necessidades e, consequentemente, novas fontes

de vulnerabilidade. Na prática, duas são as opções que se colocam a esses países. De um lado,

aproximar-se dos países anglo-saxões, reduzindo o gasto público social; de outro, aproximar-se

dos países escandinavos, alterando a composição desse gasto. Em ambos os casos, isso pressupõe

uma mudança no perfil das políticas públicas e, consequentemente, da forma de seus sistemas de

proteção social, com resultados possivelmente bastante diferentes em termos econômicos e soci-

ais. Nesse contexto, o fortalecimento das ideias liberais nesses países, também e, paradoxalmente,

em razão dos efeitos da crise global, sugere uma predileção pelo modelo dos países anglo-saxões,

onde essas ideias sempre foram predominantes.

5.3 Algumas das principais pressões atuais sobe os modelos de Estado de Bem-Estar Social

da Europa Ocidental

Não é possível compreender o efeito dos diferentes sistemas de proteção social sobre as

condições de vida prevalecentes em uma sociedade sem considerar as transformações estruturais

às quais todos esses arranjos estão expostos ao longo do tempo. De fato, essas transformações

constituem importantes desafios a serem enfrentados por eles, tendo-se em vista a manutenção da

sua capacidade de cumprir aquilo a que eles se propõem, a saber, a proteção dos indivíduos con-

tra as circunstâncias que podem limitar a sua capacidade de atender as suas necessidades ao longo

da vida. Pois, de fato, a incapacidade desses arranjos de fazer isso pode acabar por enfraquecê-los

e, no limite, destruí-los, deixando, então, a sociedade à mercê de forças, na realidade, muito além

de seu controle; vulnerável, assim, ao “moinho” do qual ela mesma, outrora, buscou, de uma

forma ou de outra, se proteger. Por essa razão, afirma Esping-Andersen (1999, p.148):

The exogenous shocks to the welfare state can be likened to the sacking of Troy. Pre-

sented as a gift, a handsome and apparently innocent wooden horse, packed with dan-

gerous warriors, managed to get inside the impenetrable walls of the city. In no time,

Troy was sacked and its citizens slaved. The warriors inside the Trojan horse of our

cios associados a esse tipo de arranjo se distribuíssem de forma menos assimétrica entre os diferentes grupos sociais,

contribuindo para que esses arranjos surgissem, se desenvolvessem e se mantivessem relativamente inalterados.

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times are globalization, ageing and family instability; a simultaneous market and family

failures.

Os Estados de Bem-Estar Social surgiram em pleno processo de industrialização. Em ge-

ral, a expansão da indústria era capaz de absorver as massas de indivíduos que rapidamente dei-

xavam o campo em direção às cidades, assegurando a elas empregos estáveis e com salários ade-

quados, independentemente da sua qualificação e/ou experiência. Salvo em situações excepcio-

nais, as famílias eram compostas por ambos os pais e eram bastante estáveis. A taxa de fecundi-

dade era elevada e a expectativa de vida ao nascer ainda era reduzida. A cooperação entre os dife-

rentes países assegurava que o desenvolvimento de um país não mais precisasse se dar à custa

dos demais. O estímulo criterioso ao comércio e ao investimento internacional era acompanhado

por mercados financeiros ainda bastante fechados e regulamentados e cujo funcionamento era

orientado, em grande medida, para a criação das condições adequadas para o desenvolvimento

econômico e social domésticos108

.

Tudo mudou, entretanto, a partir de meados da década de 1970. As lembranças de duas

guerras mundiais separadas entre si por uma grande depressão que haviam moldado a visão do

mundo de homens e mulheres em todo o planeta esfacelaram-se no ar diante de um certo “mal-

estar da prosperidade” (Judt, 2008). Uma série de transformações estruturais na ordem vigente

criou novos problemas, que, por sua vez, demandaram novas soluções. A questão, portanto, é até

que ponto os sistemas de proteção social da Europa Ocidental construídos em uma realidade, de

fato, muito diferente, foram e serão capazes de se adaptar e, assim, fazer frente às exigências das

novas circunstâncias.

De fato, a primeira dessas transformações estruturais é a chamada “globalização”, a qual é

caracterizada pela maior integração entre os países em diversos âmbitos. Ao contrário do que, em

geral, se supõe, ela não é o resultado de um processo natural decorrente do desenvolvimento ace-

lerado dos sistemas de comunicação e transporte em âmbito internacional, mas sim o resultado da

ação dos próprios Estados nacionais, que, deliberadamente, por meio de atos e omissões, concor-

daram em abrir as suas fronteiras ao exterior. Esse processo pode ter sido o resultado de decisões

108

Esse modelo é, em geral, associado ao chamado “Fordismo”. Este deve ser entendido como o regime de acumula-

ção que vigorou no pós-guerra nos países industrializados, baseado no forte crescimento da produtividade, que, por

sua vez, viabilizava o crescimento simultâneo dos salários e dos lucros. Nesse regime, os sistemas de proteção social

tornaram-se parte fundamental do estímulo aos processos de produção e de consumo de massa, em torno da qual, na

prática, se organizaram todas as dimensões da vida social (Jessop, 1994).

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individuais, isto é, fruto da iniciativa de cada país, ou ainda de decisões coletivas decorrentes de

acordos entre diferentes países. Seja como for, é particularmente notável a velocidade e a intensi-

dade desse processo (Helleiner, 1994; Esping-Andersen, 1996; Kuhnle, 2007; Swank, 2010).

A abertura das fronteiras não mais apenas aos fluxos de bens e serviços, mas também aos

fluxos de capitais, constitui uma de suas mais importantes consequências. Esses processos, por

sua vez, levam ao aumento das pressões sobre os países no sentido da adoção de políticas econô-

micas e sociais consideradas “competitivas”. Na prática, isso significa assegurar espaços privile-

giados de valorização da riqueza, tendo-se em vista viabilizar a livre mobilidade de recursos.

Com efeito, ao assegurar aos proprietários de riqueza uma opção de ingresso e saída sempre dis-

ponível, o avanço do processo de globalização aumentou consideravelmente o seu poder de bar-

ganha frente ao Estado e ao resto da sociedade109

(Mishra, 1999).

Analiticamente, pode-se dizer que o processo de globalização possui duas faces princi-

pais. A primeira delas é a chamada “globalização produtiva”. Em última instância, ela se refere às

transações com ativos produtivos em escala internacional. Esse processo pode se dar de duas

formas principais: por meio do comércio e por meio do investimento direto estrangeiro. A princi-

pal novidade em relação ao período precedente se refere ao volume desses fluxos, bem como a

maior integração entre eles, em função do fato de que eles passaram a ser controlados, em grande

medida, pelos mesmos atores, quais sejam, as empresas multinacionais.

Na realidade, o processo de globalização produtiva é, em última instância, uma conse-

quência da mudança no perfil de atuação dessas empresas. Mais especificamente, as filiais deixa-

ram de ser meras reproduções das matrizes, passando a desempenhar papeis diferentes dentro da

empresa e de sua estratégia, baseada na fragmentação do processo produtivo entre diferentes paí-

ses. Na prática, essas empresas contribuem para a constituição de uma divisão internacional do

trabalho ao alocar as suas atividades de acordo com as características de cada país. Em geral, as

atividades mais sofisticadas são alocadas em países com grande disponibilidade de capital e de

trabalho qualificado, ao passo que as atividades menos sofisticadas são alocadas em países com

grande disponibilidade de recursos naturais e trabalho pouco qualificado, por exemplo.

109

A possibilidade de arbitragem pelos proprietários de riqueza entre os diferentes países, em busca das melhores

alternativas de valorização, é o que está por trás de processos como “social tourism”, “social dumping” ou ainda,

“regime shopping” (Kersbergen, 2000).

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O investimento direto estrangeiro, por seu turno, pode se dar mediante construção de no-

vas plantas e, portanto, por meio da expansão da capacidade produtiva, ou por meio de operações

de fusão e aquisição, e, portanto, a partir da racionalização da capacidade produtiva existente,

tendo, para tanto, motivações diversas110

.

A segunda face desse processo é a chamada “globalização financeira”. Em última instân-

cia, ela se refere às transações com ativos financeiros em escala internacional. O aumento dessas

transações está intimamente relacionado aos processos de liberalização e desregulamentação dos

mercados financeiros nacionais, os quais também viabilizaram o surgimento de um conjunto de

inovações financeiras, cujo propósito fundamental era repartir os riscos inerentes a esse processo,

uma vez que eles não podem ser simplesmente eliminados111

. Liberto das amarras que o prendi-

am, os mercados financeiros cada vez mais integrados não possuem qualquer compromisso em

financiar o desenvolvimento; movidos pela lógica do ganho elevado e rápido, tornam-se, eles

mesmos, uma fonte de instabilidade sistêmica (Scharpf e Schmidt, 2000; Scharpf, 2000).

A globalização financeira, ademais, está intimamente relacionada ao processo de “finan-

ceirização da riqueza”. Nesse caso, a “riqueza de papel” ganha uma importância considerável

para todos os atores, condicionando, em grande medida, a sua própria lógica de atuação. Incluem-

se aqui, portanto, as próprias empresas, que passam a atuar não apenas nas esferas comercial e

produtiva, mas também na esfera financeira, de modo que as suas receitas não-operacionais as-

sumem uma importância cada vez maior em relação às suas receitas operacionais. Por essa razão,

esse processo se refere ao surgimento de um novo “padrão sistêmico de riqueza”, entendido, por-

tanto, como uma nova forma de definição, gestão e realização da riqueza, não apenas no âmbito

nacional, mas também no âmbito internacional (Braga, 1993; Oliveira, 2010).

110

Dunning (1992) identificou como sendo cinco as principais motivações para esse tipo de investimento, todas elas

relacionadas, em alguma medida, às características dos países receptores. São elas: a busca por mais e melhores

recursos (resource seeking), a busca por novos e maiores mercados (market seeking), a busca por eficiência (efficien-

cy seeking) e a busca por diferenciais estratégicos (strategic asset seeking).

111 Dentre essas inovações destacam o surgimento e o desenvolvimento dos derivativos financeiros e dos mecanis-

mos de securitização. Os derivativos são contratos cujo valor deriva de um preço, taxa ou índice, por exemplo, e que

são negociados em mercados próprios (opções, futuros, swaps). Já os mecanismos de securitização permitem a emis-

são pelo mutuário de títulos de dívida diretamente ao credor, sem a necessidade dos mecanismos convencionais de

intermediação, como é o caso do sistema bancário. Isso não significa que os bancos deixam de exercer um papel

central nesse novo contexto, mas apenas que esse papel se alterou ligeiramente (Oliveira, 2010).

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Nesse contexto, a globalização pode reduzir consideravelmente a autonomia de ação dos

Estados nacionais subordinando-a aos ditames não mais apenas dos atores nacionais, mas tam-

bém dos atores internacionais (Belluzzo, 1995). Concretamente, do ponto de vista dos sistemas

de proteção social, a concorrência predatória entre os diferentes países impõe pressões considerá-

veis no sentido de uma “corrida para o fundo” (race to the bottom). Isso significa que, na ausên-

cia de cooperação entre eles, haveria um movimento em direção ao menor denominador comum

entre esses arranjos, no que se refere à importância do Estado relativamente às formas alternati-

vas de provisão de bem-estar social, ou seja, o mercado e a família. Pois, no intuito de preservar

e/ou criar vantagens competitivas, vale dizer, de manter e/ou aumentar a sua atratividade aos pro-

prietários de riqueza, os países ajustariam suas políticas econômica e social, desencadeando um

processo de ação e reação, na prática, sem limites. Evidentemente, ainda que seja um processo

possível e, na realidade, bastante provável, ele não é, de forma alguma, inexorável (Mishra,

1999).

Além disso, deve-se enfatizar que a globalização torna os países consideravelmente mais

suscetíveis às crises. Inextricavelmente atados uns aos outros e, consequentemente, mutuamente

dependentes, todos eles, ainda que cada um ao seu modo, passaram a estar subordinados ao esta-

do de ânimo dos possuidores de riqueza que atuam não mais no espaço doméstico, mas no espaço

global. Se esse estado de ânimo é favorável, o que se manifesta no aumento dos fluxos internaci-

onais de comércio e de investimento produtivo e financeiro, criam-se as condições para um perí-

odo de prosperidade do qual todos os países são, em maior ou menor grau, beneficiados. Se des-

favorável, entretanto, o que se expressa na redução desses fluxos, criam-se as condições para um

período de instabilidades e crises, sobretudo para as economias mais vulneráveis. A questão, nes-

se caso, é que as crises representam uma fonte importante de pressões sobre os sistemas de prote-

ção social, sobretudo ao ensejarem um processo de “socialização dos prejuízos privados”. Inclu-

sive, elas frequentemente funcionam como oportunidades para a revisão do perfil das políticas

econômica e social que os caracterizam, não raro no sentido de redução de sua importância rela-

tiva.

Em verdade, paradoxal e ironicamente, no contexto prevalecente de crescente liberaliza-

ção e desregulamentação das economias e dos sistemas financeiros, crises provocadas pelos ex-

cessos dos mercados acabam reduzindo ainda mais o grau de intervenção do Estado nos domínios

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econômico e social, criando as condições para excessos ainda maiores dos mercados nos períodos

subsequentes. “Business as usual”, sob a égide de mercados cada vez mais liberalizados e desre-

gulamentados – eis o modo de ser do capitalismo contemporâneo.

A globalização é ainda capaz de exercer um impacto bastante profundo no âmbito da cul-

tura. A abertura das fronteiras induz ao choque entre diferentes modos de vida, ou, mais impor-

tante do que isso, entre diferentes formas de pensar e de sentir o mundo, o que inevitavelmente

afeta as identidades locais, regionais e nacionais. De fato, a globalização pressiona no sentido da

revisão dos padrões que orientam as relações sociais em cada país. No limite, ela estabelece as

condições para a conformação de uma “sociedade global”, ou, ainda, de uma “identidade global”

(Pieterse, 2009).

Esse processo não necessariamente é pacífico. A resistência frequente ao aumento da di-

versidade cultural torna-se uma fonte importante de intolerância e, por extensão, de exclusão do

diferente. Com efeito, o processo de globalização está relacionado ao aumento dos fluxos inter-

nacionais não apenas de bens, serviços e capitais, mas também de pessoas, muitas delas transi-

tando de um país para o outro em busca de residência permanente. Isso leva à questão, portanto,

dos obstáculos existentes ao processo de integração dos estrangeiros em cada sociedade (Castles

e Schierup, 2010).

A segunda transformação estrutural com as quais os sistemas de proteção social devem li-

dar se refere à transformação das estruturas produtivas. Os setores tradicionais perdem importân-

cia rapidamente. A indústria e a agricultura se concentram em atividades cada vez mais sofistica-

das. Além disso, há um crescimento vertiginoso do setor de serviços relativamente aos demais.

Frequentemente, esse crescimento está relacionado ao próprio desenvolvimento dos demais seto-

res. Essas atividades podem ser de diversas naturezas, possuindo graus diferentes de sofisticação.

Eles podem ser serviços de negócios (como finanças, engenharia, marketing e design), serviços

de distribuição (como transporte, comunicação e comércio), serviços pessoais (como alimenta-

ção, limpeza, reparação e entretenimento) e serviços sociais (como educação, saúde e cuidado)

(Kon, 2004).

Em geral, prevalece o ceticismo quanto à capacidade dos serviços de gerar mais produto e

renda relativamente aos demais setores. Por se referirem a atividades intensivas em trabalho, e

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não em capital, haveria limites para o crescimento de sua produtividade (Baumol, 1967). Mas

esse não é, necessariamente, o caso. A questão é que os serviços incluem uma ampla variedade de

atividades, algumas menos, outras mais dinâmicas, porque são mais ou menos intensivos em co-

nhecimento e tecnologia. Além disso, deve-se considerar também o impacto que esses serviços

são capazes de exercer sobre a produtividade dos demais setores e, assim, para a economia como

um todo. Assim, parece ser correta apenas a afirmação de que os serviços variam no que se refere

à sua capacidade de gerar produto e renda. Dessa forma, a questão relevante é identificar se as

atividades que assumem maior importância no processo de transformação das estruturas produti-

vas são aquelas mais sofisticadas ou não.

É evidente, ademais, que a transformação das estruturas produtivas é uma fonte importan-

te de pressão sobre a estrutura de emprego. Os processos de criação e incorporação de novas tec-

nologias induziram um processo de substituição do homem pela máquina em diversas atividades.

Além disso, os melhores empregos, ou seja, aqueles mais estáveis e com melhores salários, se

restringem, sobretudo, àqueles de melhor qualificação e maior experiência. Aos demais, restam

os empregos menos estáveis e com menores salários. A possibilidade de empregos em tempo

integral e que viabilizem a formação de carreiras desde o início até o fim da vida profissional do

indivíduo já não é mais a mesma de outrora. De fato, há um aumento notável da importância dos

empregos em tempo parcial e dos empregos temporários, por exemplo (Esping-Andersen, 1999;

Ferrera, Hemerijck e Rhodes, 2000).

A terceira transformação estrutural se refere à transformação da estrutura demográfica,

com o aumento da expectativa de vida e a redução da taxa de fecundidade, o que se converte em

um aumento da importância dos idosos relativamente aos mais jovens na sociedade. Em outras

palavras, existem pressões no sentido do envelhecimento populacional e, consequentemente, no

rompimento do equilíbrio relativamente estável entre as diferentes gerações. De fato, as famílias

decidem ter menos filhos. Frequentemente, o número de filhos por mulher está abaixo daquele

necessário para a reposição da população. Por sua vez, as causas da morte da infância, juventude

e na vida adulta perdem importância e, por isso, os indivíduos vivem por mais tempo. A conse-

quência inevitável desse processo é uma mudança nas questões a serem enfrentadas, daquelas que

se referem aos mais jovens para aquelas que afetam os mais velhos, e com os quais não se lidava

anteriormente (Taylor-Gooby, 2003; Pierson, 2001).

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Evidentemente, o envelhecimento da população também pressupõe a redução inevitável

da força de trabalho. Menos indivíduos estão em condições de contribuir para a riqueza social, o

que não os torna, entretanto, menos dignos de partilhar dela. Na prática, isso implica um aumento

da taxa de dependência na sociedade. Nesse caso, a manutenção do crescimento do produto e da

renda depende do emprego de todos aqueles que ainda podem trabalhar, bem como do aumento

da sua produtividade e da produtividade dos demais fatores de produção (Bonoli, 2005a, 2005b;

Kuhnle, 2003).

Por fim, a quarta transformação estrutural diz respeito às mudanças na estrutura das famí-

lias, no que se refere à sua composição e à sua estabilidade. Muitas famílias passaram a ser mo-

noparentais, ou seja, apenas um dos pais, por diferentes circunstâncias, assume a maior parte da

responsabilidade pela criação dos filhos. Se antes isso ocorria principalmente por forças alheias à

vontade da família, como é o caso da morte de um dos pais, esse já não é mais o caso. Frequen-

temente, essa é uma decisão voluntária. De fato, o aumento de famílias monoparentais é, em

grande medida, uma consequência do aumento de pais solteiros e de pais separados ou divorcia-

dos, por exemplo (Esping-Andersen, 1999, 2009).

Nesse contexto, o ingresso das mulheres no mercado de trabalho torna-se não apenas uma

possibilidade, mas uma necessidade. De fato, muitas mulheres já não mais podem escolher per-

manecer ou não em casa e ocupar-se das tarefas domésticas, mas tem de recorrer ao mercado de

trabalho, para assegurar o atendimento de suas necessidades e das necessidades de sua família na

impossibilidade de contar com a provisão total ou parcial do homem como chefe de família.

Assim sendo, essas transformações estruturais são fontes adicionais de insegurança ao

longo da vida dos indivíduos. Elas impõem novos riscos que, direta ou indiretamente, são fontes

potenciais de miséria e de pobreza, bem como de iniquidade, no interior das sociedades contem-

porâneas. De fato, tudo depende da capacidade desses arranjos de lidar com os antigos o com os

novos riscos que ameaçam, cada um ao seu modo, a proteção da dignidade humana.

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6 CONCLUSÃO

Durante a segunda metade do século XX, todos os países da Europa Ocidental construí-

ram alguma forma de Estado de Bem-Estar Social, o que influenciou as condições de vida preva-

lecentes em cada um deles. Dessa forma, o objetivo dessa dissertação foi analisar o sentido e a

pertinência desses arranjos, quais as principais diferenças existentes entre eles, além das causas e

consequências mais gerais dessas diferenças.

Como se procurou demonstrar, os Estados de Bem-Estar Social devem ser entendidos

como aqueles que intervêm nos processos de produção e distribuição da riqueza tendo em vista

assegurar aos indivíduos a possibilidade de contribuir e partilhar dessa riqueza. Nesse caso, a

proteção dos indivíduos contra aquilo que limita a sua capacidade de atender as suas necessidades

fundamentais e, assim, de viver uma vida civilizada, é concebida como um dever do Estado e um

direito dos indivíduos, decorrente de sua condição de cidadãos.

A noção de direito subjacente a esses arranjos contrasta com as noções de contrato e de

caridade. Isso quer dizer que a proteção da dignidade humana por meio do atendimento das ne-

cessidades associadas às diferentes fontes de insegurança que impedem os indivíduos de fazer e

de ser aquilo que atribui pleno sentido à sua existência é concebida como algo não precificável ou

passível de negociação. Também não depende da benevolência daqueles suficientemente altruís-

tas para se compadecer do sofrimento do outro, prestando-lhe socorro gratuito e desinteressado.

De fato, a noção de direito fundamenta-se na solidariedade que emerge do reconhecimento de que

todos são mutuamente dependentes e de que, nesse caso, todos possuem “direito a ter direitos”.

Concluiu-se, então, que os Estados de Bem-Estar Social se diferenciam de outras formas

de sistemas de proteção social em função do fato de que o Estado assume um papel mais contun-

dente no atendimento das necessidades individuais fundamentais relativamente às demais formas

de provisão, como o mercado e a família. Esse papel, por sua vez, está intimamente relacionado

ao perfil das chamadas políticas públicas, em especial, nos âmbitos econômico e social, uma vez

que ambos reúnem os principais instrumentos por meio dos quais o Estado pode influenciar os

níveis de renda e emprego, assim como viabilizar sistemas de proteção social que assegurem

condições dignas de vida.

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As políticas públicas são a forma por meio da qual o Estado é capaz de intervir sobre a re-

alidade com o intuito de preservá-la ou modificá-la em determinado sentido, o que, evidentemen-

te, pressupõe uma capacidade mínima de tomar e de implementar decisões por parte de sua buro-

cracia. Por sua vez, a forma de intervenção do Estado, ou o perfil das políticas públicas, é o resul-

tado de um processo político, isto é, de um processo de interação entre atores com diferentes inte-

resses e com distintas capacidades de impor os seus interesses sobre os demais. Dessa forma, as

políticas públicas refletem a correlação de forças entre os diferentes atores que compõem uma

dada sociedade em um determinado momento.

A importância do processo político na determinação do perfil das políticas públicas foi

ressaltada de diferentes formas pelas distintas interpretações existentes a respeito dos determinan-

tes da forma de intervenção do Estado. Esse é o caso da abordagem marxista, segundo a qual a

ação do Estado deve assegurar as condições necessárias para a preservação das relações de domi-

nação e subordinação que caracterizam determinado modo de produção. Mas esse é o caso tam-

bém das abordagens pluralista e neocorporativista. No primeiro caso, a ação do Estado reflete o

processo de competição entre os diferentes grupos de interesse formados em torno de determina-

da questão. Aqui, o Estado nada mais é do que o regulador dessa disputa e o sancionador de suas

resoluções. Já no segundo caso, essa ação reflete o processo de negociação entre o Estado e as

associações corporativas formadas por indivíduos que exercem uma mesma função na sociedade.

Neste, os laços que unem esses indivíduos são mais estreitos e menos circunstanciais que aqueles

que se verificam no caso dos grupos de interesses. Além disso, o resultado do processo político

não é concebido como um jogo de soma zero em que o ganho de um implica a perda dos demais,

mas como um acordo em que todos cedem para obter algum benefício comum.

Deve-se observar que esse processo de interação entre os atores não ocorre no “vácuo”.

Ao contrário, ele ocorre no âmbito de circunstâncias históricas específicas, as quais são capazes

de alterar não apenas os interesses dos atores, mas também a correlação de forças entre eles. Nes-

se contexto, as circunstâncias históricas se referem não apenas ao conjunto de eventos econômi-

cos, sociais e políticos que se desenvolve em determinada sociedade em um determinado momen-

to, mas também ao conjunto de normas e regras, mais ou menos formais, que orienta a vida soci-

al, isto é, as instituições. Na realidade, elas estão intimamente relacionadas à cultura, ou seja, aos

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elementos que determinam a identidade de um povo, os quais são socialmente construídos e

transmitidos de geração em geração ao longo do tempo.

Essa ênfase no papel das instituições na determinação da forma de intervenção do Estado

é a principal característica da abordagem neoinstitucionalista. Dentre as suas diferentes vertentes,

destaca-se o neoinstitucionalismo histórico. Essa concepção considera que, uma vez que as insti-

tuições tendem a ser resistentes, alterando-se muito lentamente ao longo do tempo, elas acabam

por funcionar como um elo entre o passado, o presente e o futuro, atribuindo um elemento de

continuidade ao perfil da ação do Estado. Daí decorre, inclusive, a noção de “dependência de

trajetória”, ou seja, a noção de que trajetórias que antes eram igualmente possíveis tornam-se

cada vez menos prováveis à medida que se avança em uma delas, uma vez surgem benefícios de

permanecer em uma determinada direção e custos de alterá-la.

Deve-se observar também que a ideologia é capaz de exercer um papel central no proces-

so político que, então, determina o perfil das políticas públicas. De fato, ao defender os seus inte-

resses, os atores em interação se apoiam sobre determinadas ideias ou percepções da realidade,

ou seja, sobre uma determinada interpretação a respeito do funcionamento do mundo em que eles

estão inseridos. É justamente a partir dessas ideias, ou dessas percepções da realidade, que esses

atores decidem a melhor forma de atuar sobre ela.

Essa ênfase no papel das ideias na determinação da forma de intervenção do Estado é a

principal característica das abordagens cognitivas e normativas. Elas são consideradas cognitivas

porque ressaltam que essas ideias são resultantes da tentativa de decodificar a realidade a partir

de representações construídas por meio do processamento cognitivo de um todo complexo. E são

consideradas normativas porque é a partir dessas representações que os indivíduos entendem “o

que é” e “o que deveria ser” e, então, definem o seu comportamento no âmbito da sociedade.

Assim, o entendimento de que o perfil das políticas públicas é determinado fundamental-

mente por um processo político que se desenvolve em circunstâncias históricas específicas e no

qual a ideologia é capaz de exercer um papel central deriva de proposições presentes em diferen-

tes interpretações sobre os determinantes da forma de intervenção do Estado na realidade. De

fato, porque os Estados de Bem-Estar Social possuem múltiplas determinações, não há um único

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referencial teórico capaz de fornecer todos os elementos necessários para compreendê-las, de

modo que se faz imprescindível considerar diferentes contribuições a esse respeito.

Procurou-se demonstrar, ademais, que os Estados de Bem-Estar Social pressupõem o en-

tendimento de que o capitalismo não possui qualquer compromisso com a proteção da dignidade

humana. Ao contrário, ele transforma os homens em meras engrenagens de um sistema movido

pela busca incessante do enriquecimento sob a forma monetária. Nesse caso, instrumentos de

intervenção são necessários para direcionar as suas forças para fins relevantes não apenas do pon-

to de vista da acumulação de riqueza, mas também do ponto social. Na prática, isso implica en-

frentar as diferentes formas de insegurança a que está submetida a vida no capitalismo e que im-

pedem a constituição de sociedades de homens verdadeiramente livres, restituindo-lhes a identi-

dade e assegurando-lhes autonomia para decidir sobre o seu próprio destino.

De fato, existe uma contradição entre o enriquecimento privado e a criação de nova rique-

za para a sociedade no capitalismo. Na realidade, o desejo de acumular riqueza em sua forma

mais geral e abstrata não garante os direitos de cidadania aos indivíduos membros de uma socie-

dade, pois nada tem a ver com isso. As forças do mercado não são capazes de assegurar a maior

produção e a melhor distribuição da riqueza possíveis, de modo que a nem todos é assegurada a

possibilidade de atender as suas necessidades fundamentais. Nesse caso, o Estado possui um im-

portante papel a cumprir ao conservar as virtudes e eliminar os vícios do modo de organização da

vida social vigente, submetendo-o, enfim, aos desígnios da sociedade, e não o contrário.

Concluiu-se, então, que a política econômica e a política social devem ser administradas

em conjunto a fim de assegurar a todos a possibilidade de contribuir e partilhar da riqueza soci-

almente produzida. De um lado, elas devem estimular a plena utilização dos recursos disponíveis

e o aumento da capacidade produtiva desses recursos. De outro, elas devem garantir que o resul-

tado do esforço comum se reparta de tal forma que assegure a todos a possibilidade de viver uma

vida em condições adequadas, de acordo com os padrões que prevalecem em cada momento. De

fato, porque atuam sobre a mesma realidade, ainda que por meio de instrumentos diferentes, a

política econômica e a política social devem atuar de forma coordenada, a fim de se reforçarem

mutuamente. Enquanto a política econômica deve ser flexível o suficiente para ser ajustada às

exigências de cada situação, a política social deve ser estendida a toda sociedade, e não apenas

àqueles segmentos que não são capazes de sobreviver por seus próprios meios.

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Nesse contexto, deve-se observar que a garantia de uma vida civilizada a todos os indiví-

duos não necessariamente pressupõe o comprometimento da capacidade da economia de gerar

nova riqueza. Ao contrário, ela pode exercer um papel importante nesse processo. Isso quer dizer,

portanto, que os Estados de Bem-Estar Social não pressupõem um trade-off inequívoco entre

igualdade e eficiência, desde que os instrumentos por meio dos quais o Estado pode intervir na

realidade sejam manejados de forma apropriada, de sorte a promover sinergias capazes de asse-

gurar a maior produção e a melhor distribuição da riqueza possíveis. Nesse caso, esses arranjos

devem ser entendidos, antes de tudo, como parte de uma estratégia de desenvolvimento em seu

sentido econômico e social.

No que diz respeito aos Estados de Bem-Estar Social da Europa Ocidental, objeto princi-

pal de estudo desta dissertação, verificou-se que esses arranjos podem ser compreendidos a partir

de tipologias, isto é, a partir de tipos-ideais construídos por meio da identificação de característi-

cas comuns às experiências nacionais. Nesse caso, assumiu-se a existência de quatro modelos de

Estados de Bem-Estar Social entre os países da região, os quais se diferenciam entre si em função

do papel assumido pelo Estado no que se refere à proteção dos cidadãos. Isso implica um deter-

minado grau de independência dos indivíduos em relação ao mercado e à família como mecanis-

mos de provisão, o que, por sua vez, resulta em um determinado grau de coesão social, ou seja,

de diferenciação entre esses indivíduos no que se refere às suas condições de vida. Dentre as

principais características desses modelos, podem ser destacadas as seguintes:

i) modelo anglo-saxão: caracteriza-se pelo papel residual do Estado, o qual se restringe ao

atendimento das necessidades fundamentais de grupos sociais específicos, notadamente aqueles

que não são capazes de sobreviver por seus próprios meios. Os benefícios básicos compreendem

um conjunto restrito de riscos e são bastante modestos, sendo que a maior parte deles depende da

comprovação de necessidade, via teste de meios, e é financiada por meio de impostos. Aos de-

mais grupos sociais, cabe-se recorrer a outras formas de provisão, como a família e, principal-

mente, o mercado, contando para isso com incentivos do próprio Estado, sobretudo por meio de

isenções fiscais. Espera-se, com isso, estimular o esforço e a responsabilidade individuais. Esse

modelo é caracterizado, pois, por um reduzido grau de regulamentação do mercado de trabalho e

pela ausência de medidas de estímulo à oferta e à demanda por trabalho. Dessa forma, o modelo

anglo-saxão implica reduzidos graus de desmercantilização e de desfamiliarização, o que resulta

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em um baixo grau de coesão social, com elevados níveis de miséria e de pobreza, bem como de

desigualdades sociais, relativamente aos demais modelos.

ii) modelo continental: o Estado assume um papel mais importante que o mercado, mas

menos importante que a família, como mecanismo de atendimento das necessidades individuais

fundamentais. Os benefícios básicos cobrem um conjunto razoável de riscos e variam de acordo

com a ocupação, o que atribui a esse modelo um forte caráter corporativo. O objetivo, com isso, é

preservar as diferenças de status, o que lhe confere também um forte caráter conservador. O aces-

so a esses benefícios depende do pagamento de contribuições, que são o principal mecanismo de

financiamento desses arranjos. Tradicionalmente, esse modelo é caracterizado por um grau ele-

vado de regulamentação do mercado de trabalho, visando assegurar o emprego estável do ho-

mem, que, então, deveria atender as suas necessidades e as necessidades de sua família por meio

do seu salário e dos seus benefícios. Mais recentemente, entretanto, iniciou-se um processo de

flexibilização da legislação trabalhista, sobretudo no que se refere às regras de demissão e aos

empregos atípicos. Dessa forma, o modelo continental implica um grau médio de desmercantili-

zação e um grau reduzido de desfamiliarização, o que resulta em um grau intermediário de coe-

são social, com níveis médios de miséria e de pobreza, bem como de desigualdades sociais, rela-

tivamente aos demais modelos.

iii) modelo escandinavo: caracteriza-se pelo papel central do Estado relativamente ao

mercado e a família como mecanismo de provisão do bem-estar social. Os benefícios básicos

compreendem um conjunto amplo de riscos e são elevados. O acesso a esses benefícios indepen-

de do pagamento de contribuições, de modo que eles são financiados fundamentalmente por meio

de impostos. Isso implica um elevado grau de solidariedade entre todos os membros da socieda-

de. Esse modelo é caracterizado por um grau intermediário de regulamentação do mercado de

trabalho, mas também por elevados incentivos à demanda e à oferta de trabalho, o que se conver-

te em uma elevada taxa de emprego, sobretudo entre as mulheres, a quem é assegurada uma mai-

or capacidade de conciliar a vida familiar e profissional relativamente aos demais modelos. Dessa

forma, o modelo escandinavo implica um grau elevado de desmercantilização e de desfamiliari-

zação, bem como um grau elevado de coesão social, com níveis reduzidos de miséria e de pobre-

za, bem como de desigualdades sociais.

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iv) modelo mediterrâneo: o Estado possui um papel mais importante que o mercado, mas

menos relevante que a família. Os benefícios básicos cobrem um conjunto razoável de riscos.

Para alguns deles, os benefícios variam em função da ocupação, sendo o acesso dependente do

pagamento de contribuições. Para outros riscos, os benefícios são modestos, mas o acesso inde-

pende do pagamento de contribuições, de modo que eles são financiados fundamentalmente por

meio de impostos. Dessa forma, enquanto algumas vezes a solidariedade se restringe aos indiví-

duos que ocupam a mesma função social, em outros, ela se expande para todos os membros da

sociedade. Esse modelo é caracterizado por um grau elevado de regulamentação do mercado de

trabalho, ainda que apresente uma tendência à flexibilização da legislação trabalhista. Também

apresenta elevada importância da economia informal, em que se encontram principalmente as

mulheres, os jovens e os idosos de menor qualificação, que dessa forma complementam a renda

familiar nos casos em que o homem não pode assegurar o atendimento de suas necessidades e das

necessidades de sua família por meio de seu salário e de seus benefícios. É ainda notável a maior

incidência de práticas clientelistas, isto é, baseadas na troca de favores, relativamente aos demais

modelos de Estado de Bem-Estar Social. Dessa forma, o modelo mediterrâneo implica um grau

médio de desmercantilização e um grau reduzido de desfamiliarização, mas também um baixo

grau de coesão social, com elevados níveis de miséria e de pobreza, bem como de desigualdades

sociais, relativamente aos demais regimes da Europa Ocidental, conforme já observado.

É evidente, portanto, que esses modelos apresentam diferentes graus de sofisticação, o

que está relacionado à amplitude dos direitos sociais em cada um deles, tanto no que se refere ao

seu conteúdo como no que tange à parcela da sociedade que são deles investidos. São, pois, essas

duas dimensões que determinam a capacidade desses arranjos de afetar as condições de vida pre-

valecentes em determinadas sociedades. A ampliação progressiva da cidadania, manifestada na

ampliação desses direitos, faz com que a igualdade formal e abstrata pressione no sentido da

igualdade real e concreta, ao menos até que as diferenças existentes entre os indivíduos, no que se

refere às suas condições de vida, não ofendam a concepção prevalecente em cada sociedade do

que é ou não tolerável.

Como visto, as diferenças entre os Estados de Bem-Estar Social estão associadas às dife-

renças no perfil das políticas públicas, o que está relacionado ao processo de interação entre ato-

res com diferentes interesses. Esses interesses, por sua vez, dependem da forma como cada um

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desses grupos sociais percebe as consequências possíveis desses arranjos, isto é, os seus benefí-

cios e custos. Nesse caso, concluiu-se que arranjos mais sofisticados tendem a ser mais prováveis

e resilientes em sociedades menos heterogêneas, isto é, com clivagens menores e menos explíci-

tas, do ponto de vista material e imaterial, uma vez que, nesse caso, os seus benefícios e custos se

distribuem de forma menos assimétrica entre os diferentes grupos sociais. Nesse contexto, maior

tenderá a ser o sentimento de solidariedade recíproca e, por extensão, a disposição desses grupos

de assumir compromissos de proteção mútua.

De fato, porque todos os grupos sociais têm razões para considerar sistemas de proteção

social mais sofisticados vantajosos, mudanças na estrutura de poder ou na correlação de forças

entre eles levam a ajustes apenas residuais em seus fundamentos. Já em sociedades mais hetero-

gêneas, os benefícios e custos se distribuem de forma mais assimétrica, de modo que alguns con-

siderarão esses arranjos mais vantajosos que outros. Nesse caso, esses arranjos, quando existen-

tes, tendem a ser mais vulneráveis.

Isso quer dizer, portanto, que o grau de sofisticação dos Estados de Bem-Estar Social não

é uma consequência inequívoca do grau de desenvolvimento das forças produtivas capitalistas em

determinada sociedade. Evidentemente, esse é um aspecto relevante, na medida em que pode

assegurar os recursos necessários para financiar a proteção dos indivíduos contra os riscos a que

eles estão sujeitos ao longo da vida. Entretanto, isso não garante a existência de sistemas de pro-

teção social sofisticados. Prova disso é que sociedades que apresentam graus semelhantes de de-

senvolvimento das forças produtivas possuem sistemas de proteção social muito diferentes entre

si, o que, por seu turno, reflete-se nas diferenças existentes em termos de condições de vida pre-

valecentes em cada uma delas.

Por fim, procurou-se demonstrar que os diferentes modelos de Estado de Bem-Estar Soci-

al possuem capacidades distintas de lidar com a realidade do capitalismo contemporâneo, caracte-

rizada por um conjunto de transformações estruturais que lhes impõem desafios importantes, na

medida em que criam novas necessidades e, consequentemente, novas fontes de vulnerabilidade.

Tais transformações estruturais reforçam o fato de que nem o mercado, tampouco a família, são

capazes de assegurar o bem-estar social, e que, portanto, a intervenção do Estado se faz necessá-

ria. Essa intervenção deve orientar as suas forças para fins econômico e socialmente relevantes.

Em outras palavras, a ação do Estado não deve se limitar a assegurar a maior proteção do maior

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conjunto de indivíduos contra o maior conjunto de riscos possíveis. Ela também deve evitar aque-

les riscos que podem ser evitados.

A análise de indicadores selecionados realizada neste trabalho não apenas ratificou a exis-

tência de diferentes modelos de Estado de Bem-Estar Social na Europa Ocidental como mostrou

que essas diferenças exercem um impacto considerável nas condições de vida prevalecentes em

cada sociedade em que eles surgiram e se desenvolveram. As principais diferenças entre esses

modelos se referem, primeiro, à magnitude do gasto social público e à sua forma de financiamen-

to e, segundo, à composição desse gasto, isto é, à importância atribuída por eles aos benefícios

relacionados à previdência, à saúde, à família e ao mercado de trabalho, além da educação, e às

exigências para acessá-los, ou seja, se eles dependem ou não da comprovação de necessidade.

Isto, por sua vez, se reflete em diferenças importantes no que se refere aos níveis de desemprego

e de emprego, ao nível de renda, às desigualdades na distribuição desta renda e aos níveis de mi-

séria e de pobreza existentes em cada um deles.

Diante disso, concluiu-se que aqueles países da Europa Ocidental cujas políticas públicas

são caracterizadas por uma política social preventiva e, também por isso, produtiva, bem como

por uma maior articulação dessa política com a política econômica, que não está sujeita às regras

da união monetária no âmbito do projeto de integração regional europeu e que, por isso, perma-

nece livre para se ajustar às exigências de cada circunstância, estão mais bem preparados para

assegurar os direitos de cidadania aos indivíduos relativamente aos demais.

Além disso, arranjos com essas características tendem a apresentar um grau mais elevado

de sustentabilidade do ponto de vista financeiro. Em função do perfil das políticas públicas nesses

países, que contribuem, simultaneamente, para o aumento do número de indivíduos empregados e

para o aumento da sua capacidade produtiva, eles contribuem para que o aumento das despesas

seja acompanhado por um crescimento das receitas do governo – o que se reflete em menores

pressões sobre o déficit e, consequentemente, sobre a dívida pública.

Em última instância, portanto, neste trabalho argumentou-se no sentido de que os Estados

de Bem-Estar Social possuem um importante papel a cumprir na proteção da dignidade humana,

mas que alguns arranjos são mais capazes do que outros de fazer isso em um contexto que lhe é

cada vez mais hostil, considerando-se a experiência dos países da Europa Ocidental. Isso está

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intimamente relacionado ao perfil das políticas públicas, em geral, e das políticas econômica e

social, em particular, o qual depende de relações de poder entre grupos com diferentes interesses

em circunstâncias históricas específicas.

As conclusões deste trabalho, dessa forma, apontam para a necessidade de estudos a res-

peito das possibilidades de articulação virtuosa entre essas políticas de modo a assegurar a facti-

bilidade dos Estados de Bem-Estar Social em meio a diferentes fontes de pressões a que estão

submetidos esses arranjos atualmente.

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261

ANEXO A – Os Estados de Bem-Estar Social da Europa Ocidental: indicadores selecionados

Anglo-Saxão Escandinavo

Irlanda Reino Unido Dinamarca Finlândia Suécia

1980-

1989

1990-

1999

2000-

2007

1980-

1989

1990-

1999

2000-

2007

1980-

1989

1990-

1999

2000-

2007

1980-

1989

1990-

1999

2000-

2007

1980-

1989

1990-

1999

2000-

2007

Gasto social (% do PIB)

Total 19,5 18,6 16,6 22,6 25,0 26,0 25,5 29,3 29,6 21,8 30,0 25,4 28,7 33,8 31,4

Público 18,1 17,1 15,2 18,1 18,6 19,6 24,1 27,1 26,9 20,9 28,8 24,2 27,5 31,6 28,5

Privado 1,5 1,5 1,4 4,4 6,4 6,4 1,5 2,2 2,8 1,0 1,2 1,2 1,2 2,2 2,8

Financiamento do gasto social público (% do total)

Contribuições - 60,2 60,2 - 50,8 47,3 - 68,2 63,7 - 20,1 29,6 - 44,6 49,8

Impostos - 30,2 29,8 - 48,0 51,3 - 29,0 34,3 - 73,4 63,4 - 48,4 47,7

Outros - 9,5 10,1 - 1,2 1,5 - 2,8 2,0 - 6,5 6,9 - 7,1 2,5

Impostos (% do PIB)

Total 28,5 28,0 25,5 29,0 26,7 27,7 43,9 46,2 46,3 30,0 31,6 31,2 33,9 33,9 33,5

Renda e propriedade 13,3 14,8 14,2 17,8 15,2 17,1 27,9 30,5 30,5 16,5 17,7 18,1 20,9 20,3 19,1

Bens e serviços 14,8 12,8 11,1 10,7 11,1 10,6 15,9 15,4 15,7 13,3 13,9 13,2 11,4 12,2 12,1

Outros 0,5 0,4 0,2 0,5 0,4 0,0 0,2 0,3 0,2 0,1 0,1 0,0 1,6 1,5 2,3

Contribuições (% do PIB)

Total 4,8 4,3 3,8 6,2 5,7 6,1 1,1 1,1 1,3 8,5 12,8 11,5 12,2 12,9 12,6

Empregadores 3,0 2,8 2,7 3,3 3,2 3,4 0,4 0,0 0,0 6,7 9,4 8,6 11,7 11,4 9,8

Beneficiários 1,8 1,5 1,1 2,9 2,5 2,7 0,7 1,1 1,2 1,8 3,4 2,9 0,5 1,6 2,8

Tipo de benefícios (% do total)

Em dinheiro 61,5 64,3 55,6 63,1 55,4 50,9 58,8 59,1 53,2 63,5 68,1 64,5 55,2 56,4 51,6

Em espécie 38,5 35,7 44,4 36,9 44,6 49,1 41,2 40,9 46,8 36,5 31,9 35,5 44,8 43,6 48,4

Benefícios sujeitos a testes de meios (% do total)

Total - 8,0 8,0 - 17,9 15,7 - 10,6 11,1 - 2,8 3,2 - 6,1 3,4

Composição do gasto social público (% do PIB)

Idade – Total 4,6 3,6 2,8 4,3 5,3 5,7 6,9 7,8 7,2 6,4 8,3 8,2 8,1 9,7 9,3

Idade – Aposentadorias 3,5 2,5 1,9 3,9 4,1 4,1 4,3 4,9 4,9 5,7 7,0 6,5 6,6 7,3 6,7

Idade - Aposentadorias precoces 0,5 0,7 0,5 - - - 0,6 0,8 0,5 0,1 0,4 0,7 0,2 0,1 0,1

Idade - Outros benefícios em dinheiro 0,0 0,1 0,1 0,0 0,8 1,0 - 0,0 0,0 - 0,2 0,1 0,1 0,0 0,0

Idade - Serviços de cuidado 0,2 0,2 0,2 0,4 0,0 0,5 2,2 2,1 1,8 0,6 0,7 0,7 1,3 2,3 2,4

Idade - Outros benefícios em espécie 0,3 0,2 0,1 - 0,4 0,0 0,0 0,0 0,1 - 0,1 0,3 - 0,1 0,1

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262

ANEXO A – Os Estados de Bem-Estar Social da Europa Ocidental: indicadores selecionados (continuação)

Continental

Alemanha Áustria Bélgica França Países Baixos

1980-

1989

1990-

1999

2000-

2007

1980-

1989

1990-

1999

2000-

2007

1980-

1989

1990-

1999

2000-

2007

1980-

1989

1990-

1999

2000-

2007

1980-

1989

1990-

1999

2000-

2007

Gasto social (% do PIB)

Total 25,1 28,1 29,4 25,2 27,6 28,6 26,2 27,3 27,6 24,6 30,0 31,9 30,4 30,6 28,5

Público 22,2 25,1 26,4 22,8 25,5 26,6 25,3 25,3 25,4 23,8 27,9 29,1 25,4 23,8 20,9

Privado 2,9 3,0 3,0 2,4 2,1 2,0 0,9 2,0 2,2 0,8 2,1 2,9 5,0 6,8 7,6

Financiamento do gasto social público (% do total)

Contribuições - 46,7 49,9 - 65,1 65,0 - 69,3 66,2 - 68,8 65,0 - 65,9 56,5

Impostos - 42,7 43,0 - 33,8 33,5 - 24,2 31,4 - 28,4 32,7 - 31,9 41,8

Outros - 10,6 7,0 - 1,1 1,5 - 6,5 2,4 - 2,8 2,2 - 2,2 1,7

Impostos (% do PIB)

Total 22,9 21,7 20,9 26,9 27,5 27,6 29,3 28,5 29,4 23,3 24,6 26,7 23,6 24,1 22,7

Renda e propriedade 13,5 11,8 10,9 11,3 12,1 12,8 18,3 17,6 18,8 9,1 10,5 13,3 13,1 13,2 11,4

Bens e serviços 9,5 9,9 10,0 12,7 12,3 11,8 11,0 10,9 10,7 12,1 11,5 10,8 10,4 10,7 11,2

Outros 0,0 0,0 0,0 2,8 3,0 3,0 0,0 0,0 0,0 2,2 2,6 2,6 0,1 0,1 0,1

Contribuições (% do PIB)

Total 13,0 13,9 13,7 12,6 14,2 14,1 13,1 14,1 13,6 17,6 17,7 15,7 17,2 15,6 13,0

Empregadores 6,8 6,9 6,6 6,3 7,0 6,7 7,8 8,7 8,2 11,4 11,1 10,7 7,1 3,1 4,1

Beneficiários 6,2 7,0 7,0 6,3 7,3 7,5 5,3 5,5 5,4 6,3 6,6 5,0 10,2 12,6 8,9

Tipo de benefícios (% do total)

Em dinheiro 67,0 62,6 61,9 75,0 72,9 70,3 75,2 71,2 64,9 67,0 62,9 61,3 72,9 67,6 56,5

Em espécie 33,0 37,4 38,1 25,0 27,1 29,7 24,8 28,8 35,1 33,0 37,1 38,7 27,1 32,4 43,5

Benefícios sujeitos a testes de meios (% do total)

Total - 12,2 5,4 - 4,6 6,6 - 3,0 4,5 - 13,7 12,9 - 6,6 6,4

Composição do gasto social público (% do PIB)

Idade – Total 9,8 7,6 8,9 10,5 9,7 10,7 6,4 7,0 7,1 8,3 10,3 10,7 6,0 5,8 5,4

Idade – Aposentadorias 8,9 6,9 8,1 8,7 7,8 8,6 6,1 6,6 6,7 8,1 9,7 10,1 5,4 5,2 4,6

Idade - Aposentadorias precoces 0,7 0,7 0,8 0,9 1,0 1,0 - - - 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0

Idade - Outros benefícios em dinheiro 0,0 0,1 0,0 0,7 0,7 0,7 0,3 0,4 0,2 0,1 0,4 0,3 - - -

Idade - Serviços de cuidado 0,2 0,0 0,0 0,1 0,2 0,4 - 0,0 0,0 0,1 0,1 0,2 0,6 0,5 0,8

Idade - Outros benefícios em espécie - 0,0 0,0 0,1 0,1 0,0 - 0,0 0,1 0,0 0,1 0,1 - - -

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263

ANEXO A – Os Estados de Bem-Estar Social da Europa Ocidental: indicadores selecionados (continuação)

Mediterrâneo

Espanha Grécia Itália Portugal

1980-

1989

1990-

1999

2000-

2007

1980-

1989

1990-

1999

2000-

2007

1980-

1989

1990-

1999

2000-

2007

1980-

1989

1990-

1999

2000-

2007

Gasto social (% do PIB)

Total 17,3 21,3 20,9 14,6 19,4 22,3 21,3 24,7 26,2 11,0 16,5 23,0

Público 17,1 21,1 20,5 14,6 17,4 20,5 20,3 22,4 24,3 10,2 15,4 21,2

Privado 0,3 0,3 0,4 0,0 2,0 1,8 1,0 2,2 1,9 0,8 1,1 1,8

Financiamento do gasto social público (% do total)

Contribuições - 54,7 49,2 - 74,4 65,6 - 38,2 39,6 - 63,1 67,5

Impostos - 32,2 41,5 - 22,3 30,9 - 61,5 56,5 - 19,1 18,7

Outros - 13,1 9,3 - 3,3 3,5 - 0,3 3,9 - 17,9 13,8

Impostos (% do PIB)

Total 15,7 20,5 22,5 15,7 19,6 20,6 21,4 26,8 28,2 17,8 21,3 22,3

Renda e propriedade 8,4 11,2 12,8 5,0 7,8 9,2 12,6 15,7 15,3 6,0 8,8 9,5

Bens e serviços 7,2 9,2 9,6 10,3 11,7 11,4 8,6 10,7 10,6 11,4 12,4 12,6

Outros 0,1 0,1 0,1 0,4 0,1 0,0 0,2 0,5 2,3 0,4 0,1 0,2

Contribuições (% do PIB)

Total 10,9 11,5 11,7 7,8 8,5 10,7 11,5 12,5 11,9 6,6 7,6 8,2

Empregadores 8,2 8,1 8,5 3,5 4,1 4,9 8,2 8,6 8,3 4,0 4,3 4,6

Beneficiários 2,8 3,5 3,2 3,5 4,5 5,7 3,2 3,9 3,6 2,6 3,3 3,5

Tipo de benefícios (% do total)

Em dinheiro 73,0 71,1 65,1 69,8 69,6 66,2 71,8 73,0 70,0 70,9 69,1 65,5

Em espécie 27,0 28,9 34,9 30,2 30,4 33,8 28,2 27,0 30,0 29,1 30,9 34,5

Benefícios sujeitos a testes de meios (% do total)

Total - 7,0 9,2 - 11,3 11,7 - 30,6 24,6 - 10,5 12,1

Composição do gasto social público (% do PIB)

Idade – Total 5,4 8,0 6,6 6,7 9,4 10,5 8,7 10,7 11,5 3,4 5,4 8,1

Idade – Aposentadorias 5,4 7,2 5,6 6,3 6,7 7,4 8,6 10,1 10,2 3,4 5,3 7,7

Idade - Aposentadorias precoces 0,0 0,4 0,5 0,0 2,4 2,6 0,0 - 2,2 0,0 0,1 0,2

Idade - Outros benefícios em dinheiro 0,0 0,2 0,2 0,4 0,4 0,5 0,0 0,5 0,4 0,0 0,0 0,1

Idade - Serviços de cuidado 0,0 0,2 0,3 0,0 0,0 0,1 0,0 0,1 0,1 0,0 0,0 0,0

Idade - Outros benefícios em espécie 0,0 0,0 0,0 - 0,0 0,0 - - - 0,0 0,0 0,1

Fonte: Eurostat e OCDE. Elaboração própria..

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264

ANEXO A – Os Estados de Bem-Estar Social da Europa Ocidental: indicadores selecionados (continuação)

Anglo-Saxão Escandinavo

Irlanda Reino Unido Dinamarca Finlândia Suécia

1980-

1989

1990-

1999

2000-

2007

1980-

1989

1990-

1999

2000-

2007

1980-

1989

1990-

1999

2000-

2007

1980-

1989

1990-

1999

2000-

2007

1980-

1989

1990-

1999

2000-

2007

Incapacidade – Total 2,4 1,7 1,5 1,4 2,6 2,4 3,5 3,6 4,1 3,8 4,8 3,8 4,8 4,9 5,5

Incapacidade - Aposentadorias 0,6 0,7 0,7 1,1 2,1 1,9 1,6 1,7 1,7 2,2 2,3 1,9 1,9 2,1 2,0

Incapacidade - Pensões por acidente e doença 0,0 0,1 0,1 0,0 0,0 0,1 0,1 0,1 0,2 0,5 1,0 0,4 0,1 0,0 0,0

Incapacidade - Outros benefícios em dinheiro - 0,0 0,0 0,1 0,2 0,2 0,3 0,2 0,1 0,2 0,2 0,3 0,0 0,2 0,3

Incapacidade - Serviços de cuidado 1,7 0,9 0,7 0,1 0,2 0,1 2,2 0,9 1,0 1,0 0,7 0,7 2,4 1,8 1,7

Incapacidade - Outros benefícios em espécie 0,0 0,0 0,1 0,0 0,0 0,2 0,0 0,7 1,1 0,1 0,5 0,6 0,4 0,8 1,5

Desemprego – Total 3,1 2,1 0,9 1,6 0,8 0,3 4,5 4,2 2,8 1,1 3,2 2,0 0,7 2,0 1,1

Mercado de trabalho – Total 1,1 1,2 0,7 0,7 0,4 0,3 0,8 1,5 1,7 0,8 1,3 0,9 1,8 2,3 1,3

Mercado de trabalho - Intermediação 0,2 0,2 0,1 0,2 0,2 0,3 0,1 0,1 0,3 0,1 0,2 0,2 0,2 0,3 0,2

Mercado de trabalho - Treinamento 0,6 0,3 0,3 0,3 0,2 0,0 0,3 0,6 0,6 0,3 0,5 0,4 0,6 0,7 0,3

Mercado de trabalho - Incentivos à contratação 0,2 0,4 0,2 0,1 0,0 0,0 0,1 - - 0,3 0,4 0,1 0,2 0,3 0,0

Mercado de trabalho - Criação direta de empregos 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,1 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,1 0,0

Mercado de trabalho - Outros benefícios 0,0 0,1 0,1 0,0 0,0 0,0 0,1 0,6 0,8 0,1 0,2 0,3 0,4 1,0 0,7

Família – Total 1,4 2,1 2,6 2,2 2,3 3,0 2,8 3,6 3,7 2,4 3,8 2,9 4,0 4,0 3,3

Família - Prestações familiares 0,9 1,0 1,2 1,3 0,9 0,8 0,7 1,0 1,0 0,7 1,2 0,9 0,8 0,9 0,8

Família - Licenças parentais 0,1 0,1 0,1 0,1 0,1 0,2 0,3 0,6 0,5 0,6 1,0 0,6 0,7 0,9 0,6

Família - Outros benefícios em dinheiro 0,3 0,9 0,8 0,5 0,8 1,0 - - - 0,1 0,1 0,1 0,2 0,2 0,1

Família - Serviços de cuidado 0,0 0,1 0,5 0,0 0,1 0,9 1,5 1,9 1,9 0,8 1,1 0,9 1,7 1,8 1,6

Família - Outros benefícios em espécie 0,0 0,2 0,3 0,5 0,4 0,1 0,0 0,1 0,2 0,2 0,1 0,2 0,5 0,2 0,1

Saúde – Total 5,6 4,7 5,5 5,0 5,4 6,2 7,5 6,9 8,0 5,5 6,0 5,8 7,7 7,1 7,3

Comp. do financ. dos serviços de saúde (% do total)

Impostos - - 74,8 - - 80,2 - - 84,4 - - 58,6 - - 81,8

Contribuições - - 0,6 - - 0,0 - - 0,0 - - 14,5 - - 0,0

Planos privados - - 7,1 - - 3,7 - - 1,5 - - 2,3 - - 0,1

Pagamentos diretos - - 15,3 - - 10,5 - - 14,1 - - 20,7 - - 16,4

Outros - - 2,2 - - 5,6 - - 0,1 - - 3,9 - - 2,1

Mort. infantil (por 1000) e expec. de vida (anos)

Mortalidade infantil 9,4 6,4 4,7 10,0 6,4 5,2 8,0 5,7 4,4 6,3 4,5 3,1 6,4 4,5 3,0

Expectativa de vida 73,7 75,7 78,3 74,5 76,7 78,8 74,7 75,6 77,7 74,5 76,4 78,7 76,8 78,8 80,4

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265

ANEXO A – Os Estados de Bem-Estar Social da Europa Ocidental: indicadores selecionados (continuação)

Continental

Alemanha Áustria Bélgica França Países Baixos

1980-

1989

1990-

1999

2000-

2007

1980-

1989

1990-

1999

2000-

2007

1980-

1989

1990-

1999

2000-

2007

1980-

1989

1990-

1999

2000-

2007

1980-

1989

1990-

1999

2000-

2007

Incapacidade – Total 1,9 2,2 2,1 2,8 2,8 2,6 3,5 2,8 2,5 2,8 2,1 1,8 5,9 5,2 3,6

Incapacidade - Aposentadorias 0,8 0,1 0,1 2,1 1,8 1,4 1,9 1,3 1,3 0,5 0,8 0,8 3,8 3,5 2,3

Incapacidade - Pensões por acidente e doença 0,1 1,0 0,9 0,2 0,4 0,5 0,3 0,1 0,0 0,6 0,3 0,3 - 0,0 0,0

Incapacidade - Outros benefícios em dinheiro 0,0 0,0 0,0 0,1 0,2 0,1 0,1 0,4 0,3 0,5 0,0 0,0 - 0,0 0,0

Incapacidade - Serviços de cuidado 0,4 0,4 0,3 0,8 0,8 0,4 0,7 0,6 0,5 0,6 0,5 0,5 2,1 1,6 1,1

Incapacidade - Outros benefícios em espécie 0,2 0,5 0,6 0,0 0,0 0,2 0,0 0,2 0,4 0,0 0,4 0,1 0,0 0,1 0,2

Desemprego – Total 0,9 1,5 1,6 0,7 1,1 1,0 3,1 3,1 3,1 2,1 1,7 1,6 3,0 2,5 1,4

Mercado de trabalho – Total 0,7 1,2 1,1 0,3 0,4 0,6 1,2 1,1 0,8 0,7 1,1 1,0 1,0 1,4 1,4

Mercado de trabalho - Intermediação 0,2 0,2 0,2 0,1 0,1 0,2 0,2 0,2 0,2 0,1 0,2 0,2 0,2 0,5 0,5

Mercado de trabalho - Treinamento 0,2 0,5 0,4 0,1 0,2 0,3 0,1 0,2 0,2 0,3 0,4 0,3 - 0,2 0,1

Mercado de trabalho - Incentivos à contratação 0,1 0,3 0,2 0,0 0,0 0,0 0,7 0,4 0,2 0,1 0,3 0,3 0,1 0,1 0,2

Mercado de trabalho - Criação direta de empregos 0,0 0,0 0,1 - - - 0,0 0,1 0,0 0,0 0,0 0,0 - - 0,0

Mercado de trabalho - Outros benefícios 0,1 0,2 0,2 0,0 0,0 0,1 0,1 0,2 0,3 0,1 0,3 0,2 0,6 0,6 0,6

Família – Total 1,7 2,1 2,1 3,1 2,8 2,8 2,7 2,4 2,6 2,6 2,8 3,0 2,1 1,4 1,7

Família - Prestações familiares 1,1 1,0 1,0 2,3 1,8 2,1 2,5 1,9 1,5 1,9 1,2 1,1 1,6 1,0 0,7

Família - Licenças parentais 0,1 0,2 0,2 0,4 0,5 0,3 0,1 0,2 0,2 0,3 0,3 0,4 - 0,0 0,0

Família - Outros benefícios em dinheiro 0,2 0,2 0,2 0,0 0,0 0,0 - 0,0 0,0 0,1 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0

Família - Serviços de cuidado 0,2 0,4 0,4 0,1 0,4 0,4 0,1 0,2 0,8 0,2 0,8 1,2 0,5 0,5 1,0

Família - Outros benefícios em espécie 0,1 0,4 0,3 - - - 0,0 0,0 0,0 0,2 0,3 0,4 - - 0,1

Saúde – Total 6,7 7,9 8,3 5,0 6,9 7,7 - 6,0 6,7 6,0 7,5 8,3 5,2 5,6 5,2

Comp. do financ. dos serviços de saúde (% do total)

Impostos - - 9,7 - - - - - 11,1 - - 3,8 - - -

Contribuições - - 68,1 - - - - - 62,2 - - 74,6 - - -

Planos privados - - 8,8 - - - - - 5,0 - - 12,7 - - -

Pagamentos diretos - - 12,6 - - - - - 21,5 - - 7,2 - - -

Outros - - 0,8 - - - - - 0,2 - - 1,7 - - -

Mort. infantil (por 1000) e expec. de vida (anos)

Mortalidade infantil 9,7 5,6 4,1 11,1 6,0 4,3 10,2 6,7 4,2 8,6 5,8 4,1 7,9 5,8 4,8

Expectativa de vida 74,2 76,6 79,0 73,9 76,7 79,2 74,6 76,9 78,7 75,4 77,8 80,0 76,5 77,5 79,1

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266

ANEXO A – Os Estados de Bem-Estar Social da Europa Ocidental: indicadores selecionados (continuação)

Mediterrâneo

Espanha Grécia Itália Portugal

1980-

1989

1990-

1999

2000-

2007

1980-

1989

1990-

1999

2000-

2007

1980-

1989

1990-

1999

2000-

2007

1980-

1989

1990-

1999

2000-

2007

Incapacidade - Total 2,5 2,5 2,4 1,6 1,0 0,9 2,1 1,8 1,7 2,1 2,4 2,2

Incapacidade - Aposentadorias 1,2 1,3 1,2 1,4 0,8 0,8 0,9 1,1 0,8 1,5 1,8 1,7

Incapacidade - Pensões por acidente e doença 0,0 0,0 0,1 0,0 0,0 0,0 0,3 0,5 0,7 0,1 0,1 0,1

Incapacidade - Outros benefícios em dinheiro 0,0 0,0 0,0 - 0,0 0,0 0,1 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0

Incapacidade - Serviços de cuidado 1,2 1,1 1,1 0,2 0,1 0,1 0,8 0,2 0,2 0,5 0,5 0,4

Incapacidade - Outros benefícios em espécie 0,0 0,1 0,1 0,0 0,0 0,0 0,1 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0

Desemprego - Total 2,3 3,2 1,8 0,3 0,4 0,4 1,1 0,6 0,4 0,3 0,7 1,0

Mercado de trabalho - Total 0,4 0,6 0,8 0,2 0,3 0,2 - 0,3 0,6 0,3 0,5 0,6

Mercado de trabalho - Intermediação 0,1 0,1 0,1 0,1 0,1 0,0 - 0,0 0,1 0,1 0,1 0,1

Mercado de trabalho - Treinamento 0,1 0,2 0,2 0,0 0,1 0,1 - 0,2 0,2 0,0 0,2 0,2

Mercado de trabalho - Incentivos à contratação 0,1 0,1 0,1 0,0 0,0 0,0 - 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0

Mercado de trabalho - Criação direta de empregos 0,1 0,1 0,1 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0

Mercado de trabalho - Outros benefícios 0,1 0,1 0,3 0,0 0,1 0,1 0,0 0,1 0,3 0,0 0,1 0,2

Família – Total 0,3 0,5 1,1 0,3 0,9 1,1 1,0 0,8 1,3 0,7 0,8 1,2

Família - Prestações familiares 0,2 0,1 0,2 0,3 0,5 0,5 0,7 0,4 0,4 0,6 0,4 0,4

Família - Licenças parentais 0,1 0,1 0,2 0,0 0,1 0,1 0,1 0,1 0,2 0,1 0,1 0,2

Família - Outros benefícios em dinheiro 0,0 0,1 0,1 0,0 0,0 0,2 0,0 0,0 0,0 0,0 0,1 0,1

Família - Serviços de cuidado 0,0 0,1 0,5 0,0 0,1 0,1 0,1 0,3 0,6 0,0 0,1 0,4

Família - Outros benefícios em espécie 0,0 0,1 0,2 0,0 0,4 0,4 0,0 0,0 0,0 0,0 0,1 0,2

Saúde – Total 4,5 5,4 5,6 3,6 4,2 5,5 - 5,7 6,4 3,1 4,5 6,6

Comp. do financ. dos serviços de saúde (% do total)

Impostos - - 65,6 - - - - - 76,6 - - 66,5

Contribuições - - 5,6 - - - - - 0,1 - - 1,1

Planos privados - - 5,2 - - - - - 0,9 - - 4,1

Pagamentos diretos - - 22,6 - - - - - 20,3 - - 24,1

Outros - - 1,1 - - - - - 2,1 - - 4,2

Mort. infantil (por 1000) e expec. de vida (anos)

Mortalidade infantil 10,0 6,0 3,9 13,7 7,8 4,4 11,4 6,5 3,9 17,5 8,0 4,2

Expectativa de vida 76,4 78,1 80,2 76,1 77,5 79,2 75,4 78,2 80,7 72,9 75,2 78,0

Fonte: Eurostat e OCDE. Elaboração própria.

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267

ANEXO A – Os Estados de Bem-Estar Social da Europa Ocidental: indicadores selecionados (continuação)

Anglo-Saxão Escandinavo

Irlanda Reino Unido Dinamarca Finlândia Suécia

1980-

1989

1990-

1999

2000-

2007

1980-

1989

1990-

1999

2000-

2007

1980-

1989

1990-

1999

2000-

2007

1980-

1989

1990-

1999

2000-

2007

1980-

1989

1990-

1999

2000-

2007

Taxa de dependência (%)

Total 20,3 22,0 26,4 23,3 24,4 24,2 22,0 22,4 26,6 22,6 22,7 22,5 26,5 27,5 26,6

Gasto em instituições de ensino (% do PIB)

Gasto total - todos os níveis - - 4,0 - - 5,4 - - 4,9 - - 7,0 - - 6,3

Gasto público - todos os níveis - - 2,5 - - 4,2 - - 4,2 - - 6,6 - - 6,1

Gasto privado - todos os níveis - - 1,5 - - 1,2 - - 0,7 - - 0,4 - - 0,2

Gasto total - ensino básico - - 2,8 - - 4,0 - - 3,2 - - 4,3 - - 4,1

Gasto público - ensino básico - - 1,7 - - 3,3 - - 2,8 - - 4,2 - - 4,1

Gasto privado - ensino básico - - 1,1 - - 0,7 - - 0,4 - - 0,1 - - 0,0

Gasto total - ensino superior - - 1,2 - - 1,2 - - 1,1 - - 1,7 - - 1,6

Gasto público - ensino superior - - 0,7 - - 0,4 - - 1,0 - - 1,6 - - 1,4

Gasto público - ensino superior - - 0,4 - - 0,8 - - 0,2 - - 0,1 - - 0,2

Matrículas em instituições públicas (% do total)

Ensino básico - - 93,7 - - 65,8 - - 93,9 - - 88,3 - - 94,2

Ensino superior - - 100,0 - - - - - 93,3 - - 99,0 - - 92,8

Crianças em idade pré-escolar (% do total)

Crianças de 0 a 3 anos - - 23,1 - - 37,2 - - 59,3 - - 22,5 - - 44,0

Crianças de 3 a 5 anos - - - - - 90,5 - - 90,5 - - 69,0 - - 87,8

Aux. financ. (% do gasto publico em ensino superior)

Total - - 13,5 - - 21,7 - - 32,0 - - 16,9 - - 27,8

Empréstimos - - 0,0 - - 16,6 - - 5,0 - - 0,0 - - 17,5

Bolsas - - 13,5 - - 5,1 - - 27,0 - - 16,9 - - 10,3

Nível de ensino da pop. entre 15 e 64 anos (% do total)

Ensino secundário/pós-secundário - - 35,4 - - 36,8 - - 47,9 - - 43,3 - - 52,0

Ensino superior - - 28,5 - - 31,3 - - 31,2 - - 34,7 - - 30,4

Taxa de desemprego (%)

Total - 11,6 10,0 - 8,0 5,1 - 8,1 9,3 - 6,9 4,6 - 7,2 6,5

Menores de 25 anos - 31,0 26,3 - 14,4 12,6 - 8,6 11,6 - 9,9 7,9 - 15,8 17,9

Mulheres - 17,6 15,3 - 6,6 4,6 - 9,4 9,2 - 7,7 5,1 - 6,5 6,4

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268

ANEXO A – Os Estados de Bem-Estar Social da Europa Ocidental: indicadores selecionados (continuação)

Continental

Alemanha Áustria Bélgica França Países Baixos

1980-

1989

1990-

1999

2000-

2007

1980-

1989

1990-

1999

2000-

2007

1980-

1989

1990-

1999

2000-

2007

1980-

1989

1990-

1999

2000-

2007

1980-

1989

1990-

1999

2000-

2007

Taxa de dependência (%)

Total 18,4 21,0 23,3 22,1 22,5 23,3 21,2 23,7 25,9 18,5 22,1 24,4 20,0 23,8 28,7

Gasto em instituições de ensino (% do PIB)

Gasto total - todos os níveis - - 5,8 - - 5,5 - - 6,2 - - 4,8 - - 4,5

Gasto público - todos os níveis - - 5,7 - - 5,0 - - 5,8 - - 4,2 - - 4,1

Gasto privado - todos os níveis - - 0,1 - - 0,4 - - 0,4 - - 0,6 - - 0,3

Gasto total - ensino básico - - 3,8 - - 3,7 - - 4,2 - - 3,1 - - 3,1

Gasto público - ensino básico - - 3,7 - - 3,6 - - 4,0 - - 2,9 - - 3,0

Gasto privado - ensino básico - - 0,0 - - 0,2 - - 0,2 - - 0,2 - - 0,1

Gasto total - ensino superior - - 1,7 - - 1,2 - - 1,3 - - 1,1 - - 0,9

Gasto público - ensino superior - - 1,6 - - 1,1 - - 1,2 - - 0,9 - - 0,7

Gasto público - ensino superior - - 0,1 - - 0,1 - - 0,1 - - 0,3 - - 0,2

Matrículas em instituições públicas (% do total)

Ensino básico - - 94,4 - - 92,4 - - 43,6 - - 69,5 - - 94,3

Ensino superior - - 88,9 - - 88,8 - - 44,4 - - 86,7 - - 93,2

Crianças em idade pré-escolar (% do total)

Crianças de 0 a 3 anos - - 12,7 - - 6,4 - - 40,1 - - 37,5 - - 46,1

Crianças de 3 a 5 anos - - 87,6 - - 75,1 - - 99,9 - - 100,5 - - -

Aux. financ. (% do gasto público em ensino superior)

Total - - 17,8 - - 15,6 - - 15,4 - - 8,0 - - 25,0

Empréstimos - - 4,2 - - 0,0 - - 0,0 - - 0,0 - - 14,4

Bolsas - - 13,6 - - 15,6 - - 15,4 - - 8,0 - - 10,6

Nível de ensino da pop. entre 15 e 64 anos (% do total)

Ensino secundário/pós-secundário - - 59,0 - - 62,6 - - 34,4 - - 41,3 - - 42,1

Ensino superior - - 24,1 - - 16,7 - - 30,5 - - 25,0 - - 28,8

Taxa de desemprego (%)

Total - 11,9 8,6 - 4,1 4,4 - 8,5 7,7 - 18,0 10,3 - 10,2 8,1

Menores de 25 anos - 24,7 20,0 - 6,0 8,0 - 19,8 19,4 - 34,9 20,9 - 28,1 23,0

Mulheres - 11,2 8,9 - 5,1 4,8 - 11,3 8,8 - 24,8 14,2 - 14,4 10,7

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269

ANEXO A – Os Estados de Bem-Estar Social da Europa Ocidental: indicadores selecionados (continuação)

Mediterrâneo

Espanha Grécia Itália Portugal

1980-

1989

1990-

1999

2000-

2007

1980-

1989

1990-

1999

2000-

2007

1980-

1989

1990-

1999

2000-

2007

1980-

1989

1990-

1999

2000-

2007

Taxa de dependência (%)

Total 18,5 21,7 25,1 20,5 22,8 25,1 18,1 17,9 16,3 17,7 19,2 20,6

Gasto em instituições de ensino (% do PIB)

Gasto total - todos os níveis - - 5,3 - - 6,1 - - 4,8 - - 5,6

Gasto público - todos os níveis - - 5,0 - - 5,6 - - 4,5 - - 4,7

Gasto privado - todos os níveis - - 0,3 - - 0,6 - - 0,3 - - 0,9

Gasto total - ensino básico - - 3,6 - - 4,4 - - 3,5 - - 3,6

Gasto público - ensino básico - - 3,6 - - 4,0 - - 3,4 - - 3,1

Gasto privado - ensino básico - - 0,0 - - 0,3 - - 0,1 - - 0,5

Gasto total - ensino superior - - 1,2 - - 1,3 - - 1,3 - - 1,5

Gasto público - ensino superior - - 0,9 - - 1,1 - - 1,1 - - 1,1

Gasto público - ensino superior - - 0,3 - - 0,2 - - 0,2 - - 0,4

Matrículas em instituições públicas (% do total)

Ensino básico - - 87,5 - - 78,9 - - 99,2 - - 23,7

Ensino superior - - 72,5 - - 84,0 - - 93,3 - - 30,3

Crianças em idade pré-escolar (% do total)

Crianças de 0 a 3 anos - - 19,9 - - 13,1 - - 20,2 - - 19,8

Crianças de 3 a 5 anos - - 97,8 - - 46,5 - - 99,3 - - 78,6

Aux. financ. (% do gasto público em ensino superior)

Total - - 8,2 - - 5,0 - - 16,7 - - 7,1

Empréstimos - - 0,0 - - 0,1 - - 0,0 - - 0,0

Bolsas - - 8,2 - - 4,9 - - 16,7 - - 7,1

Nível de ensino da pop. entre 15 e 64 anos (% do total)

Ensino secundário/pós-secundário - - 19,8 - - 35,4 - - 37,6 - - 13,0

Ensino superior - - 27,1 - - 21,0 - - 12,1 - - 12,2

Taxa de desemprego (%)

Total - 6,5 7,3 - 9,7 8,4 - 12,0 4,4 - 5,3 3,9

Menores de 25 anos - 15,0 17,9 - 32,7 24,1 - 18,7 8,3 - 8,5 7,1

Mulheres - 7,2 7,4 - 10,5 8,9 - 12,4 4,1 - 6,7 4,4

Fonte: Eurostat e OCDE. Elaboração própria..

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270

ANEXO A – Os Estados de Bem-Estar Social da Europa Ocidental: indicadores selecionados (continuação)

Anglo-Saxão Escandinavo

Irlanda Reino Unido Dinamarca Finlândia Suécia

1980-

1989

1990-

1999

2000-

2007

1980-

1989

1990-

1999

2000-

2007

1980-

1989

1990-

1999

2000-

2007

1980-

1989

1990-

1999

2000-

2007

1980-

1989

1990-

1999

2000-

2007

Taxa de emprego (%)

15 a 64 anos - 54,8 58,8 - 69,0 71,5 - 64,7 66,1 - 73,9 76,2 - 71,3 73,2

15 a 24 anos - 26,9 25,7 - 55,9 55,2 - 48,3 44,6 - 63,8 63,2 - 38,3 41,4

55 a 64 anos - 40,1 40,5 - 48,0 54,9 - 37,2 42,6 - 51,6 58,9 - 63,5 68,3

Mulheres - 38,5 44,6 - 62,2 65,4 - 55,7 59,8 - 68,7 72,0 - 69,1 71,3

Emprego temporário (% do total)

Total - 10,4 11,9 - 6,9 6,2 - 11,3 13,1 - 10,7 9,3 - 14,7 16,0

Mulheres - 11,1 14,2 - 8,0 6,9 - 11,7 13,2 - 11,5 10,6 - 16,1 18,1

Emprego em tempo-parcial (% do total)

Total - 4,9 4,8 - 24,1 25,3 - 16,7 22,6 - 22,2 21,8 - 20,2 22,9

Mulheres - 8,7 8,6 - 44,3 43,4 - 34,1 41,9 - 35,5 33,3 - 35,0 36,3

Crescimento do PIB (%) e PIB per capita (US$)

PIB 3,1 7,0 5,5 3,2 2,1 3,0 2,1 2,5 1,9 3,4 1,9 3,5 2,4 1,8 3,2

PIB per capita 14.960 23.665 38.590 21.289 26.550 33.348 23.479 28.189 33.516 20.311 23.395 31.149 23.280 26.165 33.244

Índice de Gini

Antes de tributos e transferências - - 0,51 - - 0,50 - - 0,42 - - 0,48 - - 0,43

Depois de tributos e transferências - - 0,32 - - 0,34 - - 0,24 - - 0,27 - - 0,23

Taxa de sindicalização (%)

Total 51,5 45,1 35,3 45,7 34,2 29,0 77,5 75,4 71,0 69,9 78,2 72,4 80,4 82,1 76,7

Taxa de pobreza (%)

Antes de tributos e transferências - - 34,3 - - 30,8 - - 22,8 - - 30,6 - - 26,7

Depois de tributos e transferências - - 11,5 - - 10,8 - - 5,7 - - 7,0 - - 5,3

Menores de 17 anos - - 13,4 - - 13,2 - - 3,2 - - 4,2 - - 4,0

Maiores de 76 anos - - 22,2 - - 14,5 - - 15,0 - - 16,5 - - 9,8

Gasto social pub. em relação ao gasto pub. total (%)

Total - 42,3 45,1 - 44,8 46,9 - 47,0 50,3 - 49,6 49,3 - 50,1 52,8

Déficit público (%) e dívida pública (%)

Déficit público - 4,5 2,6 - -1,6 -0,3 - 1,7 4,0 - -2,3 4,0 - -1,5 2,7

Dívida pública - 77,0 29,1 - 43,3 40,2 - 68,9 42,6 - 42,7 40,1 - 70,6 49,9

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271

ANEXO A – Os Estados de Bem-Estar Social da Europa Ocidental: indicadores selecionados (continuação)

Continental

Alemanha Áustria Bélgica França Países Baixos

1980-

1989

1990-

1999

2000-

2007

1980-

1989

1990-

1999

2000-

2007

1980-

1989

1990-

1999

2000-

2007

1980-

1989

1990-

1999

2000-

2007

1980-

1989

1990-

1999

2000-

2007

Taxa de emprego (%)

15 a 64 anos - 63,1 68,3 - 68,2 69,1 - 56,7 60,5 - 48,9 61,1 - 51,7 56,6

15 a 24 anos - 33,2 41,2 - 56,1 52,6 - 28,1 28,3 - 26,4 36,0 - 26,0 25,9

55 a 64 anos - 35,7 49,7 - 28,7 31,5 - 22,6 29,3 - 34,1 41,2 - 28,5 30,4

Mulheres - 60,7 66,2 - 58,9 61,7 - 46,0 52,7 - 33,3 48,3 - 36,4 43,6

Emprego temporário (% do total)

Total - 17,4 16,2 - 7,2 8,4 - 6,4 8,7 - 33,7 32,5 - 7,7 11,3

Mulheres - 20,4 19,8 - 7,4 8,4 - 9,1 11,4 - 36,9 34,8 - 9,5 13,7

Emprego em tempo-parcial (% do total)

Total - 11,3 13,2 - 14,5 19,7 - 14,7 20,6 - 7,2 9,5 - 6,6 10,8

Mulheres - 15,3 18,1 - 28,4 37,2 - 31,6 39,2 - 15,9 19,1 - 13,2 21,4

Crescimento do PIB (%) e PIB per capita (US$)

PIB 2,0 2,2 1,6 2,0 2,7 2,4 1,9 2,2 2,2 2,4 2,0 2,1 2,0 3,2 2,3

PIB per capita 23.061 28.603 32.299 23.009 28.504 34.264 22.296 27.185 32.369 21.704 25.849 30.047 24.391 30.337 36.829

Índice de Gini

Antes de tributos e transferências - - 0,50 - - 0,47 - - 0,49 - - 0,49 - - 0,43

Depois de tributos e transferências - - 0,29 - - 0,27 - - 0,28 - - 0,29 - - 0,29

Taxa de sindicalização (%)

Total 34,2 29,8 22,4 52,1 41,7 34,0 49,5 52,3 54,9 14,4 8,9 7,8 28,8 24,9 20,8

Taxa de pobreza (%)

Antes de tributos e transferências - - 32,7 - - 29,1 - - 31,1 - - 33,0 - - 24,4

Depois de tributos e transferências - - 8,5 - - 7,4 - - 9,2 - - 7,2 - - 7,1

Menores de 17 anos - - 10,0 - - 7,8 - - 10,3 - - 9,5 - - 9,8

Maiores de 76 anos - - 10,9 - - 12,0 - - 17,0 - - 5,9 - - 2,4

Gasto social pub. em relação ao gasto pub. total (%)

Total - 52,6 56,8 - 46,9 52,4 - 48,5 51,2 - 52,6 55,1 - 45,7 45,8

Déficit público (%) e dívida pública (%)

Déficit público - -0,4 0,2 - -0,6 0,7 - 4,1 4,5 - -1,2 -0,1 - 1,5 1,4

Dívida pública - 52,3 64,1 - 62,6 64,5 - 127,8 96,7 - 49,1 61,4 - 65,1 47,6

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272

ANEXO A – Os Estados de Bem-Estar Social da Europa Ocidental: indicadores selecionados (continuação)

Fonte: Eurostat, FMI e OCDE. Elaboração própria.

Mediterrâneo

Espanha Grécia Itália Portugal

1980-

1989

1990-

1999

2000-

2007

1980-

1989

1990-

1999

2000-

2007

1980-

1989

1990-

1999

2000-

2007

1980-

1989

1990-

1999

2000-

2007

Taxa de emprego (%)

15 a 64 anos - 65,4 68,0 - 59,8 63,4 - 55,9 66,7 - 66,6 74,0

15 a 24 anos - 43,6 38,4 - 26,6 30,1 - 40,2 49,0 - 57,3 67,9

55 a 64 anos - 47,8 50,7 - 29,3 35,8 - 40,0 49,6 - 31,0 44,3

Mulheres - 56,1 61,4 - 52,3 57,6 - 43,4 56,8 - 55,9 66,3

Emprego temporário (% do total)

Total - 13,7 20,5 - 12,5 14,2 - 8,5 5,5 - 11,6 15,2

Mulheres - 15,1 22,0 - 13,8 15,5 - 10,8 6,4 - 15,4 17,4

Emprego em tempo-parcial (% do total)

Total - 9,0 11,5 - 15,8 16,9 - 12,5 16,8 - 37,3 44,7

Mulheres - 14,0 16,5 - 29,2 30,3 - 23,9 31,0 - 66,8 73,6

Crescimento do PIB (%) e PIB per capita (US$)

PIB 2,9 2,7 3,8 0,8 2,1 4,1 2,5 1,5 1,5 3,2 2,9 1,5

PIB per capita 16.673 21.655 27.286 16.806 18.464 24.180 21.190 25.968 29.498 13.259 18.416 22.026

Índice de Gini

Antes de tributos e transferências - - 0,45 - - 0,49 - - 0,51 - - 0,52

Depois de tributos e transferências - - 0,32 - - 0,34 - - 0,33 - - 0,37

Taxa de sindicalização (%)

Total 12,4 16,5 15,8 37,6 32,2 25,2 43,7 37,7 33,9 44,5 25,6 21,3

Taxa de pobreza (%)

Antes de tributos e transferências - - 28,8 - - 30,5 - - 30,0 - - 31,7

Depois de tributos e transferências - - 14,2 - - 13,1 - - 11,8 - - 13,1

Menores de 17 anos - - 19,3 - - 15,3 - - 16,1 - - 16,6

Maiores de 76 anos - - 23,7 - - 23,6 - - 15,6 - - 20,8

Gasto social pub. em relação ao gasto pub. total (%)

Total - 49,4 52,8 - - 46,5 - 43,1 51,1 - 40,3 47,9

Déficit público (%) e dívida pública (%)

Déficit público - -0,3 2,4 - 0,8 -0,2 - 2,5 2,4 - 0,0 -1,6

Dívida pública - 56,9 47,7 - 90,9 102,6 - 111,9 105,7 - 55,6 57,6