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6819 OS ELEMENTOS FUNDANTES DO CONSTITUCIONALISMO: UMA ANÁLISE HISTÓRICA CONTRA-MAJORITÁRIA * THE BASIC ELEMENTS OF THE CONSTITUCIONALISM: A CONTRA- MAJORITY HISTORICAL ANALYSIS Bernardo Augusto Ferreira Duarte RESUMO O intuito do presente artigo é apenas lançar luzes para uma análise histórica contra- majoritária desses elementos fundantes, a fim de demonstrar que mesmo antes dos contratualistas Hobbes, Rousseau e Locke, teorias como a de John of Paris, Marsílio de Pádua e Guilherme de Ockham acerca da distinção entre o poder temporal e o espiritual, bem como a tese do dever de resistência decorrente dos ensinamentos dos luteranos e calvinistas, já se apresentavam como embriões daquilo que, posteriormente, viriam a ser os dois maiores pilares do Constitucionalismo moderno e contemporâneo: a soberania popular e os direitos fundamentais. É o que, adiante, tentar-se-á desenvolver. PALAVRAS-CHAVES: ELEMENTOS FUNDANTES; CONSTITUCIONALISMO; CONTRA-MAJORITÁRIA; SOBERANIA POPULAR; DIREITOS FUNDAMENTAIS; ABSTRACT The aim of this article is to give light to a contra-majority historical analysis of the Constitutionalism basic elements in order to show that even before the contractualists Hobbes, Rousseau and Locke, theories by John of Paris, Marsilio of Padua and William of Ockham (Guilherme de Ockham) regarding the distinction between the temporal and spiritual powers as well as the must of resistance thesis derived from the teachings of the Luterans and Calvinists had already appeared as embryos of what would then become the biggest pillars of the modern and contemporary Constitutionalism: The popular sovereignty and the fundamental rights. KEYWORDS: BASIC ELEMENTS; CONSTITUCIONALISM; CONTRA- MAJORITY; POPULAR SOVEREIGNTY; FUNDAMENTAL RIGHTS; INTRODUÇÃO A pretensão de repensar teorias não é tarefa das mais simples. Além de demandar do * Trabalho publicado nos Anais do XVIII Congresso Nacional do CONPEDI, realizado em São Paulo – SP nos dias 04, 05, 06 e 07 de novembro de 2009.

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OS ELEMENTOS FUNDANTES DO CONSTITUCIONALISMO: UMA ANÁLISE HISTÓRICA CONTRA-MAJORITÁRIA*

THE BASIC ELEMENTS OF THE CONSTITUCIONALISM: A CONTRA-MAJORITY HISTORICAL ANALYSIS

Bernardo Augusto Ferreira Duarte

RESUMO

O intuito do presente artigo é apenas lançar luzes para uma análise histórica contra-majoritária desses elementos fundantes, a fim de demonstrar que mesmo antes dos contratualistas Hobbes, Rousseau e Locke, teorias como a de John of Paris, Marsílio de Pádua e Guilherme de Ockham acerca da distinção entre o poder temporal e o espiritual, bem como a tese do dever de resistência decorrente dos ensinamentos dos luteranos e calvinistas, já se apresentavam como embriões daquilo que, posteriormente, viriam a ser os dois maiores pilares do Constitucionalismo moderno e contemporâneo: a soberania popular e os direitos fundamentais. É o que, adiante, tentar-se-á desenvolver.

PALAVRAS-CHAVES: ELEMENTOS FUNDANTES; CONSTITUCIONALISMO; CONTRA-MAJORITÁRIA; SOBERANIA POPULAR; DIREITOS FUNDAMENTAIS;

ABSTRACT

The aim of this article is to give light to a contra-majority historical analysis of the Constitutionalism basic elements in order to show that even before the contractualists Hobbes, Rousseau and Locke, theories by John of Paris, Marsilio of Padua and William of Ockham (Guilherme de Ockham) regarding the distinction between the temporal and spiritual powers as well as the must of resistance thesis derived from the teachings of the Luterans and Calvinists had already appeared as embryos of what would then become the biggest pillars of the modern and contemporary Constitutionalism: The popular sovereignty and the fundamental rights.

KEYWORDS: BASIC ELEMENTS; CONSTITUCIONALISM; CONTRA-MAJORITY; POPULAR SOVEREIGNTY; FUNDAMENTAL RIGHTS;

INTRODUÇÃO

A pretensão de repensar teorias não é tarefa das mais simples. Além de demandar do * Trabalho publicado nos Anais do XVIII Congresso Nacional do CONPEDI, realizado em São Paulo – SP nos dias 04, 05, 06 e 07 de novembro de 2009.

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pesquisador um ‘q’ de audácia, esse intento, necessariamente, exige de sua parte o reconhecimento de suas limitações, as quais decorrem do mundo da vida que o constitui e no qual está inserido.

Nada, absolutamente nada, surge simplesmente do brilhantismo intelectivo de um observador. Todo pensamento possui uma fundação, um ponto de partida, uma raiz, alicerces que se desvelam no-mundo a partir da linguagem que, por sua vez, é condição sem a qual não existiria qualquer tipo de compreensão humana.

O fato é que os elementos fundantes de uma teoria são acessíveis aos homens apenas em vista de uma atitude hermenêutica que não é puramente individual-reflexiva - como queria Schleiermacher - mas possibilitada pelos preconceitos (pré-compreensões) do sujeito/hermeneuta, construídos pela tradição desvelada pela linguagem[1].

Daí que, forte em Gadamer (2002), o processo de compreensão, que se dá no interior da linguagem, deve ser entendido como um ‘ir e vir’, uma ‘construção de sentido da parte para o todo e vice-versa’, um projeto de ‘antecipação de significados’ a partir das pré-compreensões do intérprete e de uma constante abertura para as possíveis alterações desses conceitos prévios (preconceitos) por meio do horizonte advindo do objeto.

É essa permanente exigência de abertura e alteração de conceitos prévios inadequados, a partir da fusão entre os horizontes do intérprete e do objeto[2], que dá ensejo a um repensar dos elementos fundantes do Constitucionalismo, com base na influência do pensamento político trilhado no período medieval.

O intuito do presente artigo é apenas lançar luzes para uma análise histórica contra-majoritária desses elementos fundantes, a fim de demonstrar que mesmo antes dos contratualistas Hobbes, Rousseau, Locke, teorias como a de John of Paris, Marsílio de Pádua e Guilherme de Ockham acerca da distinção entre o poder temporal e o espiritual, bem como a tese do dever de resistência, decorrente dos ensinamentos dos luteranos e calvinistas, já se apresentavam como embriões daquilo que, posteriormente, viriam a ser os dois maiores pilares do Constitucionalismo moderno e contemporâneo: a soberania popular e os direitos fundamentais. É o que, adiante, tentar-se-á desenvolver.

1 A SEPARAÇÃO ENTRE O PODER TEMPORAL E ESPIRITUAL

1.1 A teoria de JOHN OF PARIS

Jonh of Paris, também conhecido como Jonh Quidort, foi um dominicano francês que viveu no século XIII, durante o período de 1255 a 1306. Discípulo de Tomás de Aquino, durante sua vida ele lecionou na Universidade de Paris, e escreveu o livro Sobre o Poder Régio e Papal, cuja data da primeira publicação é desconhecida[3].

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Em sua obra, Jonh of Paris, no contexto de um conflito político envolvendo o Papa Bonifácio VIII e o Rei Felipe IV da França, propôs uma teoria que foi por ele identificada como um ‘meio termo’[4] entre duas teses então vigentes em relação aos poderes dos papas e dos príncipes: (a) a que dizia que os papas e bispos não possuíam poder em questões de ‘natureza temporal’, sendo ilegal ao clero ter qualquer tipo de propriedade temporal; e (b) a que sustentava que o Papa possuía jurisdição e poder sobre os homens leigos e suas respectivas propriedades, e, ainda, a ‘autoridade primeira’, derivada diretamente de Deus, enquanto o príncipe possuiria o seu poder mediatamente de Deus, através do Papa.

Em síntese, John of Paris (1989) concebeu o que ele identificou como ‘a multidão perfeita’, cuja causa eficiente principal é a atitude positiva de alguns homens mais bem dotados do uso da razão[5], que resolveram abandonar a vida primitiva e instituir a vida comunitária. Titular do poder legítimo instituído por Deus, a ‘multidão perfeita’ de John of Paris é a cidade ou reino, em cuja vida em multidão é necessária. Para ele, ela se diferencia da multidão doméstica ou da aldeia, que não são perfeitas. A cidade ou o reino, portanto, é o que possibilita o governo da multidão perfeita.

Como fica evidente pela explicação acima desenvolvida, o conceito de ‘multidão perfeita’ em Quidort coincidiria com o de ‘comunidade perfeita’ de Tomás de Aquino, não fosse pela realidade de que, ao contrário da tese tomasiana, sua teoria estava pautada em uma espécie de ‘pacto social fundante’, pautado no consenso.

O fato é que para John Quidort, a despeito de a ‘multidão perfeita’ possuir como uma de suas causas a inclinação natural do homem para a vida social, sob clara influência de Aristóteles e Tomás de Aquino, esta não seria suficiente para que os homens se unissem socialmente em torno de um propósito comum. Assim é que, de modo original, propõe uma espécie de ‘pacto social’ entre os mais bem dotados da razão como a causa instrumental eficiente da constituição da ‘multidão perfeita’, a vida em comum ordenada, sob a direção de um único chefe[6]. (LIMA, 2006: 137-138)

Essa constatação já demonstra o porquê de o ‘pacto social fundante’ quidortiano se afastar da proposta que, séculos mais tarde, Rousseau apresentaria em sua obra Do Contrato Social, publicada pela primeira vez em 1762. Ao contrário de Rousseau, John of Paris não supõe o ‘pacto social’, mas o vê como um evento histórico efetivamente ocorrido, envolvendo todos os indivíduos que inicialmente decidiram viver em sociedade.

Além disso, em John of Paris os membros da comunidade perfeita prescindem de uma alienação por inteiro à sociedade, porquanto esta já era uma característica subentendida, uma vez que, à sua época, não era comum entender os homens em sua individualidade, o que só se consubstanciaria definitivamente com a Reforma protestante.

As diferenças, no entanto, não param por aí. John of Paris (1989) parte do princípio de que a vida em comum é boa, isto é, benéfica aos homens, porquanto corresponde à sua inclinação natural. Nesse sentido, para ele, o ‘estado natural’ anterior ao pacto não representa um estado ideal da vida humana, mas uma condição subhumana e indigna, um estado péssimo.

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Rousseau, por sua vez, se afasta dessa ideia, defendendo que a vida social seria um mal menor. Em sua ótica, o ‘estado natural’ anterior ao pacto seria bom, um estágio do viver humano que deveria ser conservado. Contudo, por estar esse estado subvertido, seria desejável firmar um pacto que tornasse a vida em sociedade possível. Pactua-se, portanto, para manter a bondade natural do homem e a integridade de seus direitos naturais, os quais, de outro modo, não seriam preservados. O pacto que torna possível o viver em sociedade é menos prejudicial que o mal que adviria ao indivíduo se este não se consorciasse. E isso porque, aos indivíduos, faltaria a vocação, tendência ou inclinação para a vida social, defendida por John of Paris (LIMA, 2006: 141-142).

Não bastasse isso tudo, em John of Paris a ‘multidão perfeita’ detém apenas a titularidade do poder, sendo que quem o exerce é a potestade, ou família real, eleita diretamente pelos homens que integram a comunidade. O fato é que, em Quidort, o regime racionalmente admitido é a monarquia, “governo de uma multidão perfeita, ordenado pelo bem comum e exercido por um só indivíduo” (1989: 44 et seq.). Mas esta monarquia é representativa, isto é, busca a sua legitimidade na vontade dos indivíduos esclarecidos e consortes[7] que aceitaram viver em comunidade, na busca pelo bem comum[8], e que pactuaram nesse sentido. Em suas palavras:

(...) o poder real não depende do papa nem em si mesmo, nem quanto à execução, mas provém de Deus e do povo que elegeu e continua a eleger o rei, indicando uma pessoa ou família para o cargo. (...) o rei é constituído pela vontade do povo, mas, uma vez constituído rei, é natural que domine (QUIDORT, 1989: 73/118 – sem destaque no original).

Daí que, em John Quidort, já se notam os primeiros germes do que, mais tarde, viria a configurar o instituto/princípio da soberania popular.

A verdade é que a teoria de John of Paris já antecipa uma ideia que, à época, em vista do conflito entre o Papa Bonifácio VIII e o Rei Felipe IV da França, já auxiliava em muito a tentativa de solução da tensão entre o poder régio (isto é, dois reis) e o poder papal. Sua proposta retira do Papa a legitimidade do poder temporal, e mesmo a legitimidade de nomear aquele que deveria exercê-lo, para recolocá-la nas mãos de Deus e nas mãos da comunidade perfeita. Isso significa que o poder régio advém de Deus e do conjunto de cidadãos que elege o rei, e não de uma nomeação feita pelo Papa[9], até então entendido, em vista da disseminação da tradição católica, como o mandatário do Senhor na Terra. Assim, para Quidort, a causa remota do poder real é a vontade de Deus, enquanto sua causa eficiente é a vontade da ‘multidão perfeita’, titular e delegatária do poder político (1989: 73).

É assim que John of Paris rompe com as teses defendidas até então, enxergando no Papa apenas a legitimidade do poder sobre as questões celestiais, não sobre as coisas mundanas, temporais. Aliás, ele defende que mesmo o Papa seria um mandatário do povo, podendo ser, inclusive, expurgado do cargo em caso de escândalo ou qualquer outro tipo de impedimento. Nestes casos, o Papa deveria ser destituído a pedido do ‘povo’, pelo colégio dos cardeais, igualmente mandatários do poder. Aqui, portanto, nota-se a influência da tese conciliarista desenvolvida por Huguccio e seus seguidores

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já no final do século XII (teoria que seria mais tarde revivida por Gerson e seus seguidores)[10] sobre a teoria de John Quidort.

De fato, o poder e jurisdição do Papa, a partir de John of Paris, são enfraquecidos a ponto de abrir as portas para que, mais tarde, se completasse a separação integral entre as questões divinas e temporais, o que, consequentemente, resultaria no ‘nascimento’ do Estado Laico. Por ora, no entanto, rompia-se apenas com a ascendência do Papa sobre o Rei:

Both take their origin immediately from one supreme power, namely God. Hence the inferior [the king] is not subject to the superior [the priest] in all things but only in those matters in which the supreme power [God] has subordinated the inferior to the superior. (John of Paris, On Royal and Papal Power, disponível em site http://www.fordham,edu/halsall/source/john paris-y67s14a.html. Último acesso em 27 de julho/2009).[11]

É, contudo, no que tange à jurisdição sobre os bens, que a teoria de John of Paris apresenta a sua faceta mais inovadora. A uma, porque ela rompe de vez com a ideia de que os Papas pudessem exercer jurisdição sobre os bens particulares, porquanto esta seria de competência do Rei[12], que a exerceria, no entanto, em nome da ‘comunidade perfeita’, na busca pela concretização e defesa do bem comum. Daí porque apenas o Rei seria legítimo para cobrar tributos para a manutenção e defesa dessa propriedade[13].

O fato é que Quidort(1989) sustenta a inexistência de qualquer tipo de jurisdição da Igreja sobre questões temporais. Assim também, o Papa não possuiria esse tipo de jurisdição, porquanto, em primeiro lugar, como homem Cristo não exercera esse tipo de poder e, em segundo lugar, não passara esse direito a Pedro e a seus sucessores. A bem da verdade, segundo John of Paris nem mesmo a propriedade clerical, isto é, da Igreja, seria de titularidade dos sacerdotes, mas da comunidade. Daí que os sacerdotes gozariam apenas do direito de administrar esses bens, mas nunca do direito de aliená-los, seja em caráter gratuito (doação) seja oneroso (venda). Em vista disso, nem mesmo sobre os bens da Igreja o Papa possuiria jurisdição[14].

Daí Quidort sustentar que à potestade cabe a competência, derivada da ‘multidão perfeita’, para julgar e discernir, na busca pela realização do bem comum, sem pretender qualquer coisa sobre os bens. Eis aqui o primeiro passo, o embrião que, séculos mais tarde, propiciou o surgimento da ideia de um Estado Laico, em cujo fundamento de legitimidade e exercício do poder político não mais decorreria de qualquer elemento espiritual, apenas temporal.

Apenas para terminar essa breve exposição acerca da teoria de John Quidort, vale, ainda, explicar que para ele não existia uma tensão entre o ‘bem comum’ e o ‘bem particular’, mas uma relação de interdependência. Nas palavras de Lima:

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o “bem comum”, visto mesmo nessa perspectiva, não perde seu caráter de perfeição para a “multidão perfeita” porque a perfeição da multidão resulta dos indivíduos realizados economicamente, não cerceados em suas posses, nem desprovidos delas; seja pelos concidadãos, seja pelo poder político que, antes de tudo, é sua salvaguarda, pois o bem comum é algo de privativo da “multidão perfeita” não podendo ser alterado ou perdido de vista por qualquer governante ou administrador religioso (2006: 152).

O fato é que, para Quidort, o bem comum seria oposto apenas ao bem particular do governante, não à soma dos bens particulares dos membros da comunidade. Por isso ele sustentou que os bens particulares deveriam ser salvaguardados dos abusos perpetrados tanto pelos mandatários do poder temporal (reis), quanto espiritual (Papa)[15].

Daí porque sustentou ser a propriedade o bem mais primordial dos pactuantes, se sobrepondo, exatamente por isso, a qualquer pretenso direto por parte do poder político. Em suas palavras, sendo a propriedade particular anterior ao ‘pacto fundante’, configurava um direito natural dos membros da comunidade. Por isso ela configurava um direito do membro livre, devendo o poder político salvaguardá-la (LIMA, 2006: 153). Eis aí, já no século XIII, um germe daquilo que, séculos mais tarde, viria a configurar o Direito à propriedade, antes mesmo da plena configuração do indivíduo como portador de direitos.

1.2 A teoria de MARSÍLIO DE PÁDUA

Marsílio Mainardini, também conhecido como Marsílio de Pádua, sua cidade natal, nasceu em 1280 e viveu durante um período de grande efervescência política, o qual foi marcado pela disputa pelo poder temporal entre o Papa João XXII e o imperador Luíz IV, da Baviera. Filho de uma família abastada[16], tudo indica que Marsílio tenha estudado Direito em sua cidade de nascimento, grande centro de cultura jurídica à época, ou em Bolonha, também na Itália. Morreu em 1347.

Grandemente influenciado pela filosofia de Aristóteles, publicou sua obra prima em 1324, a qual recebeu o título de O Defensor da Paz. Nessa obra, como não poderia deixar de ser, Marsílio discorreu acerca de inúmeras questões, desde a noção de cidade, povo, lei e paz, até, e principalmente, a polêmica relação entre o poder temporal e o espiritual. O pano de fundo de toda sua obra foi o conflito já noticiado entre o Papa João XXII e o imperador Ludovico (Luiz) da Baviera, o qual é marcado pela grande discussão em voga na época, a saber, se era ou não legítimo ao Sumo Pontífice pleitear a plenitude do poder[17].

Em sua obra, Marsílio atacou abertamente, e pelos mais diversos motivos, a teoria da plenitude do poder papal (surgida com Inocêncio III, adotada por Bonifácio VIII e radicalizada por João XXII). Sua teoria, nas palavras de Tôrres[18], representou um golpe brutal para as pretensões de ampliação do poderio papal para além das questões espirituais. Como se não bastasse, ela ainda lançou vários questionamentos que, um

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século depois, em 1517, viriam a ser repetidos por Martin Lutero em suas Noventa e cinco teses[19] afixadas na porta da Igreja do Castelo, em Wittenberg, marco histórico inicial da Reforma Protestante[20].

Basicamente, Marsílio (1997) pretendeu apresentar, por meio do Defensor da paz, uma tese que expurgasse, de uma vez por todas, qualquer pretensão de legitimidade dos papas, bispos, presbíteros, diáconos, ou quaisquer outros clérigos, à plenitude do poder, isto é, à ingerência em questões civis/temporais[21].

Para tanto, ele dividiu sua obra em três partes: na primeira, discorreu acerca de sua tese política, apresentando uma série de considerações que, levadas a sério, podem bem ser consideradas como um embrião da teoria moderna da soberania popular; na segunda, expôs todas as suas concepções acerca da questão atinente ao poder eclesiástico, desferindo uma série de argumentos que, pautados nos textos e ensinamentos bíblicos[22], tiveram por finalidade desautorizar a pretensão de plenitude do poder papal, tanto no âmbito interno da Igreja[23], quanto externamente; na última parte, apresentou as suas conclusões, as quais apontavam, entre outras coisas, para a abusividade e perniciosidade da pretensão do Papa João XXII ao domínio das questões temporais. (PÁDUA, 1997: 75 et seq.).

Invertendo-se a seqüência originalmente estabelecida no livro[24], é possível sustentar que Marsílio, na segunda parte de seu Defensor da Paz, intentou primeiramente demonstrar argumentativamente, com base nos exemplos comportamentais de Jesus, e, ainda, nos seus conselhos aos apóstolos, o equívoco[25] dos dirigentes eclesiásticos em relação à natureza da Igreja, ao supor que a eles fosse legítimo pleitear a extensão do poder para além das matérias de cunho espiritual, especificamente, para questões legais, políticas ou de qualquer outra espécie de jurisdição coercitiva. (PÁDUA, 1997: 231-271)

Ainda na segunda parte do Livro, Marsílio (1997) criticou veementemente a hierarquia clerical[26], a fim de, mais uma vez, desvelar a ilegitimidade bíblica da plenitude do poder reivindicada pelos papas, agora, no entanto, com ênfase nas questões internas da Igreja. Para tanto, o paduano desfilou uma série de argumentos, acompanhados de citações bíblicas, que apontavam claramente para a realidade de que Cristo, em momento algum de seu ministério, estabelecera qualquer tipo de pré-eminência entre os Apóstolos, o que, por si só, já era suficiente para desautorizar a interpretação, propagada pela Igreja de Roma, de que Pedro havia sido instituído por Jesus o caput (cabeça) da Igreja na terra, isso é, o príncipe/líder dos Apóstolos e dos cristãos no mundo, direito que, por herança, agora pertenceria aos Papas (PÁDUA, 1997: 419 et seq.). O que Marsílio pretendia demonstrar nesse ponto era a igualdade entre todos os Apóstolos de Cristo, bem como entre todos os seus sucessores. Alcançado esse intento, o paduano questionou:

Porque, então, e apoiados em qual fonte alguns bajuladores sacrílegos se empenham em afirmar que todos os bispos possuem a plenitude do poder que receberam de Cristo, tanto sobre os clérigos quanto sobre os leigos, enquanto São Pedro e os outros Apóstolos jamais pretenderam, em gestos e palavras, se atribuir tal poder?

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Os indivíduos que pretendem tal coisa devem estar brincando, não merecem crédito, e muito menos respeito, pois o que reivindicam está em oposição frontal ao texto e ao significado literal da Sagrada Escritura.

Na verdade, São Pedro nunca possuiu e exerceu esse poder sobre os apóstolos, nem sobre as demais pessoas (PÁDUA, 1997: 425).

Marsílio ainda questionou a autoridade dos Bispos da Igreja sobre a comunidade, alegando que, em verdade, não eles, mas Deus, e apenas Ele, poderia perdoar legitimamente os pecados cometidos pelos fiéis. Além disso, sustentou que os Papas não eram infalíveis, pelo que poderiam, inclusive, ser depostos pela vontade do ‘fiel legislador humano’, a quem, inclusive, caberia a competência para convocar Concílios Gerais, e, ainda, para apresentar, eleger e nomear as pessoas para exercerem as ordens sacras[27]. Com base em todas essas questões, a pretensão dos clérigos, sobretudo dos Papas, à plenitude do poder foi não apenas afastada, mas condenada por Marsílio de Pádua.

Ocorre que, uma vez afastada a legitimidade dos clérigos ao exercício do poder temporal, bem como a autoridade do Sumo Pontífice para eleger e nomear o príncipe ou imperador, exsurgia uma lacuna incomensurável em relação ao fundamento de validade do poder temporal. Exatamente em vista disso, restava a Marsílio tentar preencher essa lacuna por meio de uma nova teoria da legitimidade do poder temporal. E foi justamente esse o seu intento na primeira parte do Defensor da Paz: preencher a referida lacuna mediante a teoria da soberania do fiel legislador humano[28].

Primeiramente, claramente sob influência do pensamento aristotélico, o paduano entrelaçou os conceitos de pax, civitas e lex, no intuito de demonstrar que a paz[29] da (e na) comunidade de cidadãos, só seria atingida caso fossem respeitadas as regras reguladoras do convívio em sociedade. Em seguida, sustentou que essas regras deveriam ser definidas pelo fiel legislador humano, constituído pela soma dos cidadãos, ou, ainda, pelos melhores do povo. Em suas palavras:

O legislador ou o conjunto de cidadãos é a causa eficiente da escolha ou do estabelecimento do governante da mesma forma que lhe cabe o poder legislativo (...) e não apenas isso, mas também é de sua competência representar contra o governante e ainda depô-lo se tal medida for útil ao bem comum (PÁDUA, 1997: 152).

A inovação da teoria paduana em relação à tese de John of Paris consistia em que, agora, caberia ao conjunto de cidadãos não apenas eleger o príncipe, mas, ainda, deliberar em relação às regras que limitariam o exercício do poder. Isso, sem a menor sombra de dúvidas, já dá forma àquilo que Rousseau designou por teoria da soberania popular.

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Interessante é que, ao contrário de Aristóteles, Marsílio não subjulgava aqueles a quem designava por ignorantes do povo. Em sua visão, não era infundado dizer que os sábios, sendo em menor número, pudessem julgar melhor o que deveria ser estabelecido para o resto da sociedade. Isso, contudo, não implicava em que os sábios fossem mais capazes que a multidão, constituída igualmente pelos ignorantes, de discernir o que deveria ser estabelecido. Nas palavras de Marsílio:

(...) sendo mais fácil a um número pequeno de pessoas estar de acordo entre si, do que um grande número de pessoas acerca de algo, não se pode inferir disso que a opinião dada, ou por um número reduzido de pessoas ou por uma diminuta parcela das mesmas, é superior àquela externada por toda a multidão, da qual, aliás, o número reduzido faz parte, tendo em vista que este último não poderia discernir com exatidão o que convém ao bem comum nem o almejaria tanto quanto a globalidade dos cidadãos. (PÁDUA, 1997: 141)

É certo que a noção paduana de povo ainda não era tão ampla quanto a atual, e nem poderia ser, porquanto Marsílio escreve ainda no século XIV, antes mesmo da formação dos Estados Nação, da instauração do Absolutismo, da queda do Antigo Regime na França (Revolução Francesa) e da Declaração Universal dos Direitos do Homem e do cidadão. À sua época, a noção de indivíduo ainda não era muito clara, a despeito de alguns avanços já noticiados na tese de John Quidort. Cidadão, ainda era o sujeito integrado à comunidade, tal como em Aristóteles. E era justamente esse conjunto de cidadãos, excluídos os escravos, crianças e mulheres, que compunham o conceito paduano de povo. Mesmo assim, não há como negar a originalidade e, sobretudo, o caráter revolucionário de sua teoria.

Isso porque, em primeiro lugar, a tese de Marsílio centrou na vontade do conjunto global dos cidadãos, de forma mais ampla que qualquer outra teoria até então concebida, não apenas a competência para eleger a pessoa, ou o conjunto de pessoas (a família, por ex.) que deveria governar, mas, também, a competência para deliberar acerca das regras que regulariam o convívio em sociedade.

Além disso, a tese paduana ainda separou os conceitos de lei divina e lei humana, desvinculando a concepção de pax na sociedade civil (civitas) da noção de paz eterna. Essa separação, por sua vez, possibilitou a reformulação do conceito de sanção, que deixou de ser ligado à noção de ‘paga no além’ para ser entendido como coação material, isto é, no tempo presente e não no porvir, em decorrência do descumprimento da lei. Acerca do tema é esclarecedora a colocação de Sánchez:

Cuando Marsilio de Padua se refiere a naturaleza de la ley, no la caracteriza como una norma que esté basada en la teoría teocrática descendente, sino que la ley es un «precepto coactivo», es decir, obligatorio, que le da toda la caracterización posible como ley; así, son los hombres los que le dan sentido de obligatoriedad a las leyes para que los gobierne: «el gobierno, como parte instrumental del Estado, recibe su poder de

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este pueblo, es decir «LEGISLATOR HUMANUS», en quien todo el poder civil» está presente.(2005: 98)[30]

O fato é que Marsílio desvinculou a lei humana de questões transcendentes, chegando a afirmar que seu objetivo precípuo seria o de “concorrer para o bem comum e para o que é justo na cidade”, ao passo que o seu intento secundário consistia “em propiciar uma certa segurança e estabilidade governamental” especialmente quando os príncipes instituídos no poder usufruíssem desse direito em vista de sucessão hereditária (PÁDUA, 1997: 119). Eis aí, já em Marsílio de Pádua, uma proposta condizente àquilo que, mais tarde, seria chamado de monarquia constitucional, e, portanto, o embrião de um governo limitado pelo direito instituído[31].

Em vista de todas essas especificidades, não restam dúvidas quanto à correição da afirmação de Skinner (2004), no sentido de que a teoria paduana teria contribuído essencialmente para a defesa da independência total das cidades-Estado italianas, de iure, em relação à Igreja. Daí porque, igualmente, ser correto inferir que tese de Marsílio contribuiu para a derrocada das pretensões eclesiásticas em relação ao poder temporal, e, sobretudo, para a formação, ainda que um século depois, dos primeiros Estados nacionais.

Assim, tanto quanto é correto dizer que a teoria paduana contribuiu para a formação do pensamento político moderno, é possível sustentar que, já em Marsílio de Pádua, identificam-se alguns dos elementos fundantes do Constitucionalismo.

1.3 A Teoria de GUILHERME DE OCKHAM

Guilherme de Ockham, tido por Ben (2006) como el último medieval, e para Sánchez, como um pensador político moderno en el mundo medieval, foi um monge franciscano que viveu durante o final do século XIII até meados do século XIV [1285-134(7/9);(50)?]. Nominalista extremo, Ockham foi um crítico do platonismo, do agostiniasmo, do aristotelismo e do tomismo. Seus estudos derivam de um período de grandes instabilidades e questionamentos[32], em que se ‘desmoronam’ as estruturas sociais, políticas e religiosas, como até então eram conhecidas, juntamente como os vínculos existentes entre eles.

Basicamente, Ockham se opõe à Platão e Aristóteles ao sustentar que os universais seriam meras criações dos seres humanos, isto é, ‘flactos vocci’, verdadeiras criaturas signativas da linguagem. Em suas palavras, os universais seriam verdadeiramente meros singulares, porquanto designariam as coisas existentes no mundo. Nesse sentido, os universais seriam signos, e como signos (significantes de várias coisas), singulares, não universais pela forma (Platão) ou pela substância (Aristóteles).

Em oposição ao pensamento de Agostinho e Tomás de Aquino, Ockham sustenta a inutilidade da utilização de elementos platônicos e aristotélicos como instrumentos

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hábeis à explicação de questões inerentes à fé. Em suas palavras, enquanto o saber racional estaria baseado na lógica, o saber teológico basear-se-ia na iluminação, tornada possível pela fé. Exatamente por isso, esses dois saberes seriam independentes entre si, não convergindo em ponto algum.

Nas palavras de Ben (2006), isso não significa que Ockham desconsidere a Teologia, ou que considere que as conclusões decorrentes da fé não pudessem ser racionais, e sim que, por não serem evidentes por si mesmos, advindo da revelação proveniente da fé, os argumentos teológicos jamais poderiam ser tidos como simples demonstrações da razão.

A terceira marca do pensamento de Ockham (1988) afigura-se no seu intento de estabelecer uma separação entre Igreja e Estado. De fato, como dominicano, sua intenção era de promover uma reforma na Igreja, o que, necessariamente, passaria por uma mudança de postura do Papa. Este deveria cuidar dos interesses da comunidade num âmbito espiritual, e, portanto, zelar mais pela espiritualidade dessa comunidade, que cuidar dos interesses do imperador. Ockham ainda criticará, nesse mesmo sentido e com o mesmo intento de separar o Estado da Igreja, a posição de poder e os privilégios ostentados por esta última, durante toda a idade média[33].

É certo que essas três marcas do pensamento de Guilherme de Ockham influenciarão sobremaneira as futuras teorias epistemológicas relativas às mais diversas áreas da ciência e da filosofia. A primeira delas propiciará um suporte que, mais tarde, servirá de base para uma verdadeira revolução copernicana que, a começar por Descartes[34], Hume e tantos outros, culminará na teoria de Kant, que empreenderá o questionamento definitivo da relação objeto-objeto, própria da filosofia do ser[35]. A segunda justificará o abandono das incessantes tentativas de explicação dos elementos divinos mediante critérios da razão lógica. E, finalmente, a terceira dessas marcas servirá como um elemento fundante para a cisão definitiva entre Igreja e Estado, entre poder político e religioso, podendo, inclusive, ser considerada como uma antecipação das ideias posteriormente defendidas pelos contratualistas modernos. E é exatamente essa última marca que é de mais valia para o presente trabalho, porquanto auxilia a formulação da tese de que os elementos fundantes do Constitucionalismo, mesmo antes dos contratualistas modernos, já apresentavam seus germes nas teorias medievais, entre elas, a de Guilherme de Ockham:

En Ockham se encuentra además del teólogo, al filósofo y al político, quien sorprendió en gran medida a los pensadores políticos medievales com sus conceptos avanzados sobre la política y el gobierno civil. En este sentido, esta corta reflexión no intenta convertirse en una investigación novedosa em todos sus aspectos, sino en una interpretación del presente político a la luz de los planteamientos Ockhamistas, además se tratará de afirmar la tesis fundamental sobre el autor, como uno de los primeros pensadores modernos, que, al igual que Marsilio de Padua, supo distinguir entre el poder espiritual y el poder temporal, entre el régimen político cívico y el de institución religiosa, y con el cual se daría en la posteridad el inicio a las teorías del Contractualismo moderno de la política, representada en dos grandes autores como lo son Thomas Hobbes y John Locke, caracterizados en los textos de análisis de la política moderna como los padres del Contractualismo y del racionalismo político moderno occidental y considerados posteriormente como los padres de la figura

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del estado moderno occidental europeo. (SÁNCHES, 2005: 94-95 – sem destaque no original).

De fato, como bem ressalta Sanches (2005), a teoria de Ockham dá sequência às inúmeras críticas desferidas por Marsílio de Pádua contra a tradição herdada do Papa Inocêncio III, e ratificada pelo Papa Bonifácio VIII (em sua Bula Unam Sanctam), segundo a qual o poder espiritual se encontraria acima do poder temporal. O problema é que para Ockham isto configurava uma contradição ante a política, porquanto esta não pode sustentar-se claramente como reflexão e ação no campo público se não está sustentada em primeiro lugar pela razão, e em segundo, pela lei.

Daí que o pensamento político ockhamista já se apresenta como um elemento fundante, um embrião que, posteriormente, em sociedades como Inglaterra, França e Espanha, será assumido como compromisso pelas/com as instituições, o que resultará no reconhecimento dos direitos dos cidadãos ante o governo, bem como, na legitimição do poder político exercido pela autoridade civil (SÁNCHEZ, 2005: 99 et seq.).

A bem da verdade, Ockham (1988) é completamente contrário ao exercício, pelo Papa, e mesmo pela Igreja, de funções que exorbitem os assuntos atinentes à espiritualidade. Isso se deve ao fato de que, sob a sua ótica, o Papa não poderia discutir assuntos de ordem civil, cuja competência pertenceria estritamente aos reis e juízes. É exatamente por isso que ele condena o Papa de Avignon por dedicar-se a assuntos que, longe de ser religiosos, pertenceriam muito mais ao âmbito secular/civil. É certo que Ockham não está a negar, aqui, a importância da Igreja, mas apenas a sustentar que esta teria se desviado de seus ofícios biblicamente determinados, a saber, a propagação da mensagem de salvação da alma do homem e o serviço ao próximo.

A questão é que, para Ockham, nem por direito humano, nem divino, o Papa haveria recebido um poderio tal que o permitisse, legitimamente, estender seu domínio, de forma a atingir inclusive questões temporais. Isso porque, em sua ótica, o principado apostólico fora instituído para os serviços acima descritos, não para o domínio:

Embora, enquanto Deus, Cristo fosse senhor e juiz de tudo, tendo a omnímoda plenitude do poder, contudo, enquanto homem passível e mortal, não teve uma plenitude das coisas temporais a ponto de tudo poder, sem que Deus Pai lhe fizesse nova doação de poder.

(...)

Se, pois, Cristo quis abdicar da plenitude do poder durante o tempo em que veio servir e não ser servido, segue-se que não concedeu a plenitude a seu vigário, o papa (OCKHAM, 1988: 59-60 – sem destaque no original).

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O certo é que para Ockham, nem mesmo o poderio imperial dependeria da mediação do Papa, porquanto derivaria diretamente de Deus aos homens do povo (ainda em um sentido restrito e excludente tal como em John e Marsílio). Daí que o imperador prescindiria da consagração Pontifícia, competindo a ele, e não à Igreja, instituir tributos, inclusive sobre os benefícios eclesiásticos (OCKHAM, 1988: 129-180; SÁNCHEZ, 2005: 107-108).

No tocante à função política, portanto, Ockham é de opinião que ela consiste em uma ação reflexiva e prática que recairia fundamentalmente sobre as costas do governante (rei), não sobre os ombros do Papa. Exatamente por isso, o político não poderia ser um religioso (no sentido estrito da palavra, isto é, um sacerdote), mas um homem capaz de dirigir os cidadãos ao caminho da virtude cívica, e, ainda, de converter a mera obediência pelo medo em adesão, isto é, a simples imposição em legitimidade.

Diante disso, Sánchez (2005) afirma categoricamente que, em termos ockhamistas, em vista dessas circunstâncias, o poder político se originaria dos indivíduos, criaturas de Deus que teriam recebido um direito natural para decidir sobre as coisas que lhes aprouvessem, desde, inclusive, conhecer a Deus, até decidir sobre quem deveriam ser seus governantes. Daí ser plenamente plausível a Ockham conceber o sujeito como titular de uma diversidade de direitos naturais e positivos, enraizados na vontade divina e na história humana, os quais representariam verdadeiros baluartes de sua liberdade, e que, a despeito de renunciáveis, só poderiam ser subtraídos em vista de motivos graves e demonstráveis. Nas palavras de Sánchez:

Uno de los puntos centrales de su pensamiento político tiene que ver fundamentalmente con el individuo, al reconocer a éste derechos y deberes independientes de la comunidad. Este punto es el clave para entender los aportes de Ockham hacia las democracias modernas; tanto en Hobbes como em Locke, el individuo es el agente principal de la política, pues al reunirse esa voluntad de cada individuo y decidir sobre cual es la mejor forma de gobierno que necesitan los individuos para vivir felices, es como se puede conformar una comunidad política, alejada de la interpretación teológica de la política.(2005: 108)

A verdade é que já em Ockham, isto é, mesmo antes da Reforma Protestante, a ideia de indivíduo já começava a ser cunhada, assim como a ideia de direitos inerentes ao homem. Ocorre que, nessa época, a concepção do conceito de indivíduo ainda estava muito atrelada à noção de pertença à comunidade, tal como em Marsílio de Pádua. Mesmo assim, já é possível enxergar em Ockham os germes de um pensamento individualista, a começar pela concepção do sujeito (indivíduo) pensante, posteriormente consagrado em Descartes.

Por tudo isso, é certo que a teoria de Ockham, proveniente de meados do século XIV, influenciou não apenas a filosofia, mas, sobretudo, o pensamento político desenvolvido na modernidade. Daí ser a compreensão de suas concepções sobremodo importante (tal a compreensão teorias de Rousseau, Hobbes e Locke), para a intelecção das instituições e do pensamento modernos[36].

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2 DO DEVER AO DIREITO DE RESISTÊNCIA

A alegação de que, na pretensão de justificar a separação entre os poderes espiritual e secular/temporal, John of Paris, Marsílio de Pádua e Guilherme de Ockham, ainda na Idade Média, teriam lançado os elementos fundantes daquilo que, na era moderna, viria a ser identificado como Constitucionalismo, a despeito de correta, é incompleta.

Não há como negar que, já em John of Paris, encontrem-se os embriões de um ‘pacto social fundante’ da vida em comum na sociedade, e de vinculação da legitimidade do poder secular à vontade da multidão perfeita, manifesta por meio da eleição. Essas ideias, sem sombra de dúvida, constituíram o primeiro passo, o embrião que, séculos mais tarde, propiciou o surgimento de um Estado Laico, em cujo fundamento de legitimidade e exercício do poder político não mais decorreria de qualquer elemento espiritual, apenas temporal.

Também não há como negar que, já em Marsílio de Pádua, encontrem-se argumentos em prol da ampliação da noção de soberania popular, bem como da total desvinculação da lei humana, produto do exercício das deliberações do ‘fiel legislador humano’, de questões de cunho transcendental. Essa realidade, sem sombra de dúvida, tornou possível a identificação, na teoria paduana, do embrião de um governo limitado pelo direito instituído/criado pelos cidadãos.

De igual modo, é inquestionável a contribuição de Guilherme de Ockham para o firmamento da competência jurisdicional do príncipe no tocante às questões cíveis, entre elas a instituição de tributos, em detrimento da pretensão de plenitude da Igreja. Também já se percebem, em sua teoria, os primeiros germes da noção de um sujeito titular de direitos (naturais e positivos), os quais, a despeito de renunciáveis, só poderiam ser subtraídos em vista de motivos excepcionais.

Ocorre que a completude dos alicerces fundamentais do Constitucionalismo exigia, ainda, a concepção de um último elemento, não menos importante, e sem o qual soçobra a pretensão mesma de legitimidade da ordem constituída consensualmente pelos cidadãos: a noção de Direito de resistência.

O fato é que sem a concepção do Direito de resistência, jamais se conceberia a noção de direito da minoria, o que impediria as minorias de, legitimamente, se opor aos abusos perpetrados pela maioria em prol da busca pelo ‘bem comum’. Por conseguinte, jamais seria possível falar em Constitucionalismo, que dirá um Constitucionalismo democrático, porquanto a vontade da maioria continuamente dominaria, ou mesmo, suprimiria a da minoria. E exatamente em vista disso, continuaria a ser possível suprimir os direitos constituídos (liberdades) dos cidadãos em nome de uma noção majoritária, e ainda absolutista, de ‘bem comum’, o que impediria a sustentação da legitimidade do ordenamento jurídico constituído, ao menos em face daqueles que tivessem sido vencidos quando de sua construção/criação, ou subjulgados injustamente quando de sua aplicação.

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É por isso que o Constitucionalismo, para que viesse a se manifestar, não prescindia da noção de Direito de resistência; e essa noção foi concebida ainda na idade Média, a partir das leituras atribuídas às teorias reformistas de Lutero e Calvino.

A bem da verdade, Lutero e Calvino nunca pretenderam construir uma teoria política que fundamentasse o Direito de resistir. Como reformadores da Igreja, ambos estavam mais preocupados com as questões espirituais, isto é, com a defesa dos fiéis contra as heresias perpetradas pelo Papa Católico em nome de Deus. Ambos despenderam esforços para reafirmar a ideia bíblica de salvação eterna, fruto da graça de Deus, consubstanciada por meio da morte de Cristo na cruz, e que se confirmaria ao cristão por meio da Fé, e Fé em Jesus Cristo apenas[37].

Ocorre que a revolução religiosa, provocada pelas teses de Lutero e Calvino, a despeito de umbilicalmente ligada às questões da Fé, não se limitou a essa seara, dando azo a que, à perseguição dos novos convertidos ao protestantismo a partir de 1530[38], se opusessem teorias que culminaram na concepção do Direito/dever de Resistir.

De fato, como bem salienta Skinner, Lutero já se ocupara sobremodo com a questão duvidosa relativa a se o cristão deveria acatar as ordens de um príncipe corrupto, ao que respondera que “não, porque ninguém deve agir erradamente” (apud SKINNER, 2004: 299). A questão é que, até 1530, era evidente que Lutero não balizava a noção do Direito ativo de resistência, porquanto sua posição consistia em que, diante de um governante indigno, o cristão devesse, no máximo, desobedecer passivamente às suas ordens. Nas palavras de Skinner:

A despeito de sua insistência na idéia de que jamais se deve obedecer um governante ímpio, ele afirma com igual segurança que a tal príncipe nunca se deve opor uma resistência ativa. Sendo todos os poderes ordenados por Deus, resistir a um deles equivaleria, mesmo tratando-se de um tirano, a opor-se á vontade divina. Esse agudo contraste entre os deveres da desobediência e da não-resistência à tirania se evidencia melhor na parte central do tratado sobre a Autoridade temporal (2004: 299).

Daí dizer-se, e com razão, que Lutero coadunasse com as monarquias absolutistas, as quais já começavam a surgir na Europa. Ocorre que “após anos de vacilações e concessões, os governos católicos do Norte da Europa voltaram-se com violência contra os reformadores”, o que, por conseguinte, ocasionou no rompimento da paz entre o catolicismo e o protestantismo, a começar na Alemanha e seguida na Inglaterra, Escócia e França. Essa ocasião levou os seguidores do luteranismo e do calvinismo a reagirem, primeiro com pena, e depois com espada (SKINNER, 2004: 465 et. seq).

É certo, como bem noticia Skinner (2004), que no início da crise os Calvinistas ainda manifestavam apoio à obediência política passiva, postura muito parecida com o dos Luteranos de 1520. Portanto, eles não apoiavam a resistência ativa contra o governante ímpio e opressor, mesmo porque a tese inicial de Calvino era completamente contrária a uma tal postura.

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Ao contrário dos Calvinistas, os Luteranos encontraram pouca dificuldade para defender a ideia da resistência ativa ao Imperador quando, em 1546, resolveram declaram guerra a Carlos V, na Alemanha, ante a desconsideração do protesto[39] formal por eles dirigido à ‘Dieta Imperial de 1530’. À época, duas teorias já haviam se afirmado para fundamentar juridicamente o Direito de resistir: a Teoria do Direito Privado concebida por Brück, a qual foi posteriormente seguida pelos Calvinistas do Norte Europeu, na Escócia e na Inglaterra; e a Teoria Constitucionalista, de Felipe de Hesse (1529), reiterada nos anos que se seguiram por Bucer, Osiander e outros autores luteranos, à qual aderiram os Calvinistas do continente (centro da Europa).

De acordo com a Teoria do Direito Privado, que fazia remissão ao Direito Canônico e Civil, afirmava que existiam basicamente três tipos de casos em que seria possível resistir com violência contra o Potentado instituído. O primeiro teria lugar quando previamente se houvesse feito uma apelação. O segundo, quando o Potentado extrapolasse a sua jurisdição legal e a injuria resultante fosse notória e irreparável. A terceira, quando o Potentado, a despeito de agir dentro de sua jurisdição, causasse danos irreparáveis aos cidadãos. Essas três situações, inicialmente pensadas no âmbito civil, justificavam o direito de resistência, segundo Brück, porquanto nelas, o juiz (no caso, o imperador) já não seria entendido mais como juiz, mas apenas como cidadão privado que estaria infligindo injurias notáveis aos seus jurisdicionados (SKINNER, 2004: 473-474).

Por outro lado, a Teoria Constitucionalista afirmava basicamente que todas as vezes em que um magistrado superior perseguisse seus súditos, o magistrado inferior, pela lei da natureza, pela lei divina e pela verdadeira religião e reverência a Deus, deveria, por ordem de Deus mesmo, resistir-lhe. Entretanto, foi ao próprio Calvino que se deveu o principal desenvolvimento da teoria da resistência constitucional. (SKINNER, 2004: 483/487). Nas palavras de Skinner:

Há indícios seguros de que Calvino terá começado a modificar sua doutrina da obediência passiva em fins da década de 1550, passando a demonstrar maior inclinação para aceitar a teoria da resistência constitucional. Um desses indícios se lê na carta que escreveu a Coligny em 1561, tratando do fracasso da conspiração de Ambroise (2004: 489).

O fato é que, desde então, Calvino passou a sustentar que se o supremo magistrado falhasse em seu cargo e se, como parte da dádiva concedida por Deus ao seu povo, tivesse concedido também magistrados inferiores, estes teriam condições de reprimir o príncipe em seu cargo, e até mesmo coagi-lo pela defesa do bem o do governo piedoso. E uma vez aceita pelos Calvinistas ortodoxos, já na década de 1560, essa teoria passou a legitimar o movimento de resistência nos Países Baixos e depois na Espanha, como bem atesta Skinner (2004: 489).

Posteriormente, essa teoria veio a ser mais uma vez reformulada, desta feita, pelos Calvinistas Radicais. A partir daí, passou-se a entender que apenas os poderes regular e legitimamente exercidos seriam instituídos por Deus. Isso possibilitou a

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conclusão de que a resistência aos governantes perversos não ofendia a Deus, antes, representava uma tentativa de restabelecimento da sua vontade, pelo a oposição ao magistrado desvirtuado passou a ser entendida não mais como mero direito, mas, sobretudo, como dever.

O desenvolvimento do Radicalismo Calvinista ainda permitiu mais dois avanços no tocante àqueles que passaram a ser entendidos como legítimos a se opor contra o governante perverso. Além dos magistrados do povo, nomeados para restringir a arbitrariedade dos reis (concebidos originalmente pelos Luteranos), os Calvinistas passaram a defender que também magistrados eforais, eleitos e responsáveis diretamente perante seus eleitores, deveriam se opor aos governantes corrompidos. E isso foi apenas mais um passo para que, finalmente, anos mais tarde, concebessem a possibilidade de oposição individual-privada, ou conjunta do povo, contra o governante que se corrompesse no exercício de sua função. Com isso, estava finalmente lançado o último germe fundante do Constitucionalismo.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Em vista de tudo o que foi acima delineado, resta evidente que, mesmo antes dos contratualistas Hobbes, Rousseau, Locke, teorias como a de John of Paris, Marsílio de Pádua e Guilherme de Ockham, acerca da distinção entre o poder temporal e o espiritual, bem como a tese do dever de resistência, decorrente dos ensinamentos dos Luteranos e Calvinistas, já se apresentavam como os embriões daquilo que, posteriormente, viriam a constituir os maiores pilares do Constitucionalismo moderno: a soberania popular, as limitações ao exercício do Poder constituído (entre elas os direitos fundamentais), e, finalmente, o direito da minoria.

Para que isso fosse possível, foi preciso demonstrar, primeiramente, que já em John of Paris encontravam-se os germes de um ‘pacto social fundante’ da vida em comum na sociedade, e de vinculação da legitimidade do poder secular à vontade da multidão perfeita. Demonstrou-se, ainda, que essas ideias constituíram o primeiro passo, o embrião que, séculos mais tarde, propiciou o surgimento de um Estado Laico, em cujo fundamento de legitimidade e exercício do poder político não mais decorreria de qualquer elemento espiritual, apenas temporal.

Feito isso, passou-se à análise da teoria de Marsílio de Pádua, a fim de demonstrar que a mesma já apresentava argumentos em prol da ampliação da noção de soberania popular, bem como da total desvinculação da lei humana, produto do exercício das deliberações do ‘fiel legislador humano’, de questões de cunho transcendental. Em vista disso, concluiu-se que essa realidade tornou possível a identificação, na teoria paduana, do embrião de um governo limitado pelo direito instituído/criado pelos cidadãos.

O terceiro passo para se atingir o intento inicialmente proposto foi analisar a teoria de Guilherme de Ockham, o que permitiu a visualização de sua contribuição para o firmamento da competência jurisdicional do príncipe no tocante às questões cíveis, entre elas a instituição de tributos, em detrimento da pretensão de plenitude da Igreja. Além

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disso, essa análise tornou possível a percepção, em sua teoria, dos primeiros germes da noção de um sujeito titular de direitos (naturais e positivos), os quais, a despeito de renunciáveis, só poderiam ser subtraídos em vista de motivos excepcionais.

Finalmente, analisaram-se as contribuições de Lutero e Calvino, bem como de seus seguidores, para a configuração do último elemento, não menos importante, e sem o qual soçobraria a pretensão mesma de legitimidade da ordem constituída consensualmente pelos cidadãos: a noção de Direito de resistência. Estava, assim, lançado o último dos alicerces fundamentais para a configuração do Constitucionalismo.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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[1] Acerca do tema, vide (GADAMER, 1999:567; 2002: 79).

[2] Nas palavras de Gadamer, “o próprio horizonte do intérprete é, desse modo, determinante, mas ele também, não como um ponto de vista próprio que se mantém ou se impõe, mas antes, como uma opinião e possibilidade que se aciona e coloca em jogo e que ajuda a apropriar-se de verdade do que diz o texto. Mais acima descrevemos isso como fusão de horizontes” (1999: 566). Acerca do tema, vide também (PEREIRA, 2007: 35-36).

[3] ESSAS INFORMAÇÕES FORAM COLHIDAS EM JOHN OF PARIS, ON ROYAL AND PAPAL POWER, DISPONÍVEL EM SITE HTTP://WWW.FORDHAM,EDU/HALSALL/SOURCE/JOHN PARIS-Y67S14A.HTML. ÚLTIMO ACESSO EM 27 DE JULHO/2009.

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[4] É nítida aqui a influência de Aristóteles, no que tange à idéia de mesostese, isto é, de que a virtude estaria no meio, sobre o pensamento de Quidort.

[5] Nas palavras de Quidort, “como os homens, pela comunidade das palavras, não conseguiam passar da vida animal para a vida em comum correspondente à sua natureza, (...), então alguns homens, que faziam maior uso da razão e sofriam sob a falta de rumo de seus semelhantes, empreenderam a obra de, através de argumentos persuasivos, convencer os demais a partir para uma vida comum ordenada” (1989: 46).

[6] Nas palavras de Quidort, “toda a multidão, na qual cada um persegue seu próprio interesse, acaba por dissolver-se e dispersar-se em diversas direções, a não ser que seja ordenada para o bem comum por um só pessoa, a quem foi confiado o cuidado pelo bem comum, do mesmo modo como o corpo do homem se decomporia, se nele não existisse uma certa força comum, que visasse ao bem de todos os membros”(1989: 45 – sem destaque no original).

[7] Perceba-se que, em John of Paris, como não poderia deixar de ser para um frade medieval, o conceito de povo ainda é bastante elitista. Portanto, a alegação de que “o poder real (...) provém de Deus e do povo que o elegeu e continua elegendo o rei” há que ser entendida tendo em vista essa realidade. (QUIDORT, 2006: 73).

[8] Nas palavras de Lima, “o bem comum, no tratado Sobre o Poder Régio e Papal de João de Paris, atrai e orienta a atividade dos membros da comunidade política e evita que esta se dissolva por egoísmos particulares. Este “bem” é o fundamento, a meta, o télos da integração da “multidão perfeita”. O conceito de bonum comune é uma das peças cardeais da filosofia tomista aportada pelo dominicano de Saint Jacques a respeito da teleologia política” (2006: 148).

[9] “João de Paris efetivamente pensa que o poder político não vem pela via descendente: de Deus diretamente aos potentados e destes aos seus ministros; mas, das mãos divinas, pela ascendente: de Deus ao povo, e deste ao monarca ou à família da qual este sairá” (LIMA, 2006: 145).

[10] Nas palavras de Skinner, “talvez a mais significativa vertente da teoria política radical de fins da idade média tenha surgido a partir do movimento conciliarista. É verdade que quando Huguccio e seus seguidores articularam a tese do conciliarismo, em fins do século XII, contentaram-se em apresentá-la como uma série relativamente ad hoc de argumentos acerca da necessidade de proteger-se a Igreja contra a possibilidade de heresia ou mau governo do papa. Mas, quando a teoria veio a ser revivida e desenvolvida por Gerson e seus discípulos, na época do Grande Cisma, a

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idéia da Igreja como uma monarquia constitucional foi deduzida de uma análise mais geral das sociedades políticas – um gênero do qual a Igreja passava, agora a ser considerada uma espécie (...) Por sua vez, isso significou que, ao defender a autoridade dos concílios gerais sobre a Igreja, Gerson em particular se viu obrigado a enunciar uma teoria a respeito das origens e da localização do poder político legítimo na república secular. E ao expor esse argumento, contribuiu em dois pontos, de forma notável e fadada a exercer profunda influência, para a evolução de uma concepção racidal e constitucionalista do Estado Soberano.”(2006: 394-395 – sem destaque no original)

[11] Tradução livre: “Ambos buscam a sua origem de um poder supremo, nomeadamente Deus. Por essa razão o inferior [o rei] não é sujeito ao superior [o sacerdote] em todas as coisas, mas apenas naqueles problemas nos quais o poder supremo [Deus] tenha subordinado o inferior ao superior”.

[12] In respect of the goods of laymen, the pope does not have lordship or even stewardship (chapter 7). Such goods do not come by gift or grant to a community, but are acquired by individual laymen 'through their own skill, labour and diligence' (John of Paris, On Royal and Papal Power, disponível em site http://www.fordham,edu/halsall/source/john paris-y67s14a.html. Último acesso em 27 de julho/2009).

[13] This means that the individual's right to property is not absolute. Some of it can be taken even without the individual's consent when the common good requires it. (Later Locke maintained that there should be no taxation without consent; here John says that, although the ruler cannot treat as his own the subject's property, when the common need justifies it he can levy compulsory contributions.) (John of Paris, On Royal and Papal Power, disponível em site http://www.fordham,edu/halsall/source/john paris-y67s14a.html. Último acesso em 27 de julho/2009 – sem destaque no original).

[14] So far, then, it has been argued that the pope does not have supreme lordship over goods - not even over the goods of the Church - and does not have supreme temporal jurisdiction. (John of Paris, On Royal and Papal Power, disponível em site http://www.fordham,edu/halsall/source/john paris-y67s14a.html. Último acesso em 27 de julho/2009 – sem destaque no original).

[15] Nas palavras de Quidort, “(...) nem o príncipe, nem o papa têm direito de posse ou de administração sobre tais bens” (1989, 60).

[16] Seu pai, Bonmatteo, foi notório na Universidade de Patavina. Nesse sentido, vide (PÁDUA, 1997: 14).

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[17] Acerca de todo o contexto que gerou o conflito entre Luiz IV da Baviera e o Papa João XXII, vide (PÁDUA, 1997: 16 et seq.).

[18] Nesse sentido, confira-se A Filosofia Política de Marsílio de Pádua: Os Novos Conceitos de Pax, de Civitas e de Lex. Disponível em www.revistamirabilia.com/numeros/num3/artigos/art9.htm.

[19] Vide site http://www.mb-soft.com/believe/txn/luther95.htm.

[20] A veracidade desse marco é questionada por Skinner (2004: 205).

[21] Em suas palavras, “seguindo o exemplo do Jesus que nos ensinou a Verdade, mediante ela será possível extirpar da face da terra aquela peste, à qual já fizemos referência [no caso as disputas pelo poder], provando que a mesma tumultua os regimes civis, e principalmente àquelas pessoas que amam a Cristo observando a sua doutrina reiteramos, ao se imiscuirem nos assuntos políticos da sociedade civil sem estarem devidamente ocupados com a salvação eterna” (PÁDUA, 1997: 71).

[22] “My kingdom is not of this world;" that is, I am come not to reign by temporal rule and dominion, as the kings of the world reign. It remains to show that Christ not only refused the rule of this world and coercive jurisdiction on earth, whereby He gave an example for action to His apostles and disciples and their successors, but that He also taught by word and showed by example that all, whether priests or not, should be subject in reality and in person to the coercive judgment of the princes of this world. (Disponível no site www. Fordham.edu/source/margiglio4.html. Último acesso em 29 de Julho/2009)

[23] The general council of Christians or its majority alone has the authority to define doubtful passages of the divine law, and to determine those that are to be regarded as articles of the Christian faith, belief in which is essential to salvation; and no partial council or single person of any position has the authority to decide these questions. (Disponível no site www. Fordham.edu/source/margiglio1.html. Ultimo acesso em 29 de Julho/2009)

[24] Seguir-se-á, aqui, por questões didáticas, a mesma sequência exposta por Skinner (2004: 40 et seq.).

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[25] Nas palavras de Marsílio, “o Bispo de Roma [Papa], e qualquer outro bispo ou presbítero ou clérigo, sem exceção, por força das palavras da escritura, não pode reivindicar para si próprio, nem se atribuir o governo coercitivo ou jurisdição contenciosa, e ainda menos o supremo governo sobre todos os fiéis,clérigos ou leigos; e que, de acordo com o conselho e o exemplo de Cristo, eles devem recusar tal tipo de governo, especialmente nas comunidades cristãs, na hipótese de o mesmo vir a ser-lhes oferecido ou outorgado por alguém que tenha autoridade para fazê-lo; e igualmente que, todos os bispos, e as demais pessoas atualmente designadas por clérigos, sem exceção, têm de estar subordinados ao julgamento coercitivo ou ao poder daquele que governa por meio da autoridade do legislador humano máxime se ele for cristão”(PÁDUA, 1997: 231).

[26] Proceeding from what has been demonstrated, we will show here first that no one of the apostles was given pre-eminence over the other in essential dignity by Christ. . . For Christ, giving to the apostles the authority over the sacrament of the eucharist, said to them: "This is My Body which is given for you, this do in remembrance of Me." . . . And he did not say these words more to Peter than to the others. For Christ did not say: "Do thou this, and give the right of doing it to the other apostles," but He said, "Do" in the plural, and to all without distinction. And later Christ said to the apostles: "As My Father has sent Me, even so send I you. He breathed on them and saith unto them, "Receive ye the Holy Ghost, whosoever sins ye remit, they are remitted unto them, and whosoever sins ye retain, they are retained." Now Christ said: "I send you as My Father sent Me;" He did not say to Peter or to any other apostle in the singular, "I send thee as the Father, etc., do thou send the others." Nor again did Christ breathe upon him, but upon them, not upon one through another. Nor did Christ say to Peter: 'Receive the Holy Ghost, and afterwards give it to the others," but he said, "Receive," in the plural and speaking to all indifferently(…) (Disponível no site www.fordham.edu/halsall/source/marsiglio4.html - Último acesso em 30 de julho/2009 – sem destaque no original)

[27] Nas palavras do paduano, “(...) nas comunidades cristãs já bem organizadas, compete somente ao legislador humano ou à multidão dos fiéis da província onde o ministro a ser indicado deverá agir, apresentar, eleger e nomear pessoas para exercerem as ordens sacras, e ainda que não é permitido a nenhum bispo ou padre individualmente, nem apenas ao grupo clerical, sem a autorização do legislador humano ou do governante, por delegação de competência, cooperar na designação dessas pessoas para exercer tais ministérios” (PÁDUA, 1997: 447-448).

[28] Acerca do tema, sugere-se a leitura de (CAMPAROTTO; TOLEDO: 2003: 267-276).

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[29] Nas palavras de Tôrres, em Marsílio “o conceito de pax, repensado diretamente a partir do princípio aristotélico, baseia-se em concepções puramente naturais, segundo uma idéia de paz que corresponde ao estado terreno perfeito, tão-somente à ausência de conflito, possível de ser realizada apenas no interior da sociedade civil (a cidade – civitas). (Confira-se, nesse sentido, A Filosofia Política de Marsílio de Pádua: Os Novos Conceitos de Pax, de Civitas e de Lex. Disponível em www.revistamirabilia.com/numeros/num3/artigos/art9.htm)

[30] Tradução livre: “Quando Marsílio de Pádua se refere à natureza da lei, não a caracteriza como uma norma que está baseada na teoria teocrática, mas está a dizer que a lei é um preceito coativo, isto é, obrigatório, que lhe garante toda a caracterização possível como lei; assim, são os homens que dão sentido de obrigatoriedade às leis, a fim de que eles os governem: o governo, como parte instrumental do Estado, recebe seu poder do povo, a saber, o legislador humano, em quem todo o poder civil está presente” (2005: 98).

[31] “(...) é necessário estabelecer algo na sociedade civil que possibilite a realização correta de julgamentos civis, e mediante o qual poderão ser efetivados de acordo com a forma requerida, e na medida do possível estejam preservados das falhas dos atos humanos. Esse é o caso da lei, pois o governante ou príncipe deverá proferir os julgamentos civis de acordo com o que ela determina. Logo legislar é necessário à comunidade civil” (PÁDUA, 1997: 119).

[32] Nas palavras de Sanches, “estos siglos son fundamentales no sólo para entender el por qué en la sociedad medieval comienza una etapa de transición hacia nuevas reformas, llevando con ello a un cambio en la mentalidad con respecto a lo político, sino también porque es el momento en el cual se revalúan las concepciones sobre el poder político, alejándose de una concepción teocrática del mismo y acercándose a una civilista”(2005: 95).

[33] Nesse mesmo sentido, vide (BEN, 2006: 6).

[34] Nas palavras de Sánchez, os “aportes desde el nominalismo permite ver un acercamiento a la concepción posterior del individuo de Descartes, es así como el Cogito, la res cogitans del moderno puede verse claramente expresada en Ockham y su nominalismo”(2005: 98).

[35] Nas palavras de Cruz, “na metafísica original ou ontologia – que preferimos designar como filosofia do ser – o pensamento se volta para o exame daquilo que

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Aristóteles designa como ser. O logos, como razão que busca a lógica, examinaria a essência das coisas, tanto no mundo natural como no social” (2007: 76).

[36] No mesmo sentido, vide (SÁNCHEZ, 2005: 95-109).

[37] Para uma noção das teses de Lutero, vide http://www.mb-soft.com/believe/txn/luther95.htm ou, ainda http://www.monergismo.com/textos/credos/lutero_teses.htm.

[38] Acerca do tema, vide (SKINNER, 2004: 465-467).

[39] Daí terem eles recebido o nome de protestantes. Nesse sentido, vide (SKINNER, 2004: 471).